A coleção de pinturas em miniatura da Viscondessa de Cavalcanti ...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA MESTRADO EM HISTÓRIA, CULTURA E PODER ANGELITA MARIA ROCHA FERRARI DA COSTA A COLEÇÃO DE PINTURAS EM MINIATURA DA VISCONDESSA DE CAVALCANTI NO MUSEU MARIANO PROCÓPIO JUIZ DE FORA 2010

Transcript of A coleção de pinturas em miniatura da Viscondessa de Cavalcanti ...

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA

    PS-GRADUAO EM HISTRIA

    MESTRADO EM HISTRIA, CULTURA E PODER

    ANGELITA MARIA ROCHA FERRARI DA COSTA

    A COLEO DE PINTURAS EM MINIATURA

    DA VISCONDESSA DE CAVALCANTI

    NO MUSEU MARIANO PROCPIO

    JUIZ DE FORA

    2010

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    ANGELITA MARIA ROCHA FERRARI DA COSTA

    A COLEO DE PINTURAS EM MINIATURA

    DA VISCONDESSA DE CAVALCANTI

    NO MUSEU MARIANO PROCPIO

    Dissertao apresentada ao Programa de

    Ps-Graduao em Histria, rea de

    concentrao: Histria, Cultura e Poder,

    da Universidade Federal de Juiz de Fora

    como requisito parcial para obteno do

    ttulo de Mestre.

    Orientadora: Prof Dr Maraliz de Castro Vieira Christo.

    JUIZ DE FORA

    2010

  • 2

    Costa, Angelita Maria Rocha Ferrari da. A coleo de pinturas em miniatura da Viscondessa de

    Cavalcanti no Museu Mariano Procpio / Angelita Maria Rocha Ferrari da Costa. 2010.

    231 f. : il.

    Dissertao (Mestrado em Histria)Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2010.

    1. Pintura Brasil. 2. Museu Mariano Procpio. I. Ttulo. CDU 75(81)

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    ANGELITA MARIA ROCHA FERRARI DA COSTA

    A COLEO DE PINTURAS EM MINIATURA

    DA VISCONDESSA DE CAVALCANTI

    NO MUSEU MARIANO PROCPIO

    Dissertao apresentada ao Programa de

    Ps-Graduao em Histria, rea de

    concentrao: Histria, Cultura e Poder,

    da Universidade Federal de Juiz de Fora

    como requisito parcial para obteno do

    ttulo de Mestre.

    Banca Examinadora

    _______________________________________________

    Profa. Dra. Maraliz de Castro Vieira Christo Orientadora

    ________________________________________________

    Profa. Dra. Angela Brando Presidente

    __________________________________________________

    Profa. Dra. Ana Maria Tavares Cavalcanti Membro Externo

  • 4

    minha famlia.

    E em especial, ao grande

    amor da minha vida: Pietro.

  • 5

    AGRADECIMENTOS

    Nosso pensamento viaja ao nos depararmos com uma obra de arte. E se esta obra

    for to pequena, a ponto de termos que chegar nossos olhos to perto, que ela passa

    neste momento a ser contemplada somente por ns?

    O Museu Mariano Procpio nos oferece este encontro com as pinturas em

    miniatura da coleo da Viscondessa de Cavalcanti.

    O fato de que estas pinturas em miniatura ainda no tinham sido estudadas, me

    levou desde 2005, a procurar entend-las e a descobrir que em outros museus do mundo

    elas so to significativas, que possuem um catlogo particular.

    No comeo, passei por muitas dificuldades. Mas, com o passar do tempo contei

    com o apoio de pessoas conhecidas, fiz amigos que muito me ajudaram ao longo destes

    anos de pesquisa. Ento, agradeo a Deus por ter me dado sade, foras e uma famlia

    que me apoiou integralmente.

    Agradeo ao Marcos, esposo, amigo, companheiro de todas as horas. Por

    tambm ser historiador, entendeu minhas horas na frente do computador e me ajudou de

    maneira direta nas minhas dificuldades em usar esta mquina. Mesmo estando em

    misso de paz no Haiti, passado o sufoco do terremoto, lia meus textos, corrigia e dava

    sugestes. No tenho palavras que possam expressar minha gratido.

    Ao meu filho, Pietro, que meu parceiro, meu amigo e o grande amor da minha

    vida, que aprendeu desde cedo o valor do conhecimento. Agradeo por tantas vezes em

    que me olhou e perguntou: Me, como que est a sua dissertao?

    Aos meus pais. Minha me, que assumiu as responsabilidades da cozinha para

    eu poder ter tempo de me dedicar pesquisa, e que ficou com o Pietro quando eu

    precisava sair. Obrigada. Meu pai, que compreendeu que eu no poderia mais ir ajud-lo

    na loja todos os dias. Obrigada.

    minha irm e meu cunhado que me deram a coisa mais linda do mundo:

    Vitria.

    minha orientadora, a Prof. Dra. Maraliz Christo que desde o comeo da

    pesquisa, mesmo sem me conhecer direito, confiou em mim e me auxiliou com

    emprstimos de livros, dicas, orientaes e, muita pacincia para relevar minhas

    dificuldades. Obrigado por sua dedicao a este humilde trabalho.

  • 6

    A todos os meus professores da graduao do Centro de Ensino Superior de Juiz

    de Fora. Aos meus professores da Universidade Federal de Juiz de Fora, que sempre me

    foram solcitos e leais ao apontar os melhores caminhos e relatar suas experincias

    enquanto pesquisadores e que assim pouparam-me de desvios desnecessrios em minha

    pesquisa. Gostaria de agradecer particularmente s Prof. Dras. Ana Maria Tavares

    Cavalcanti da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Angela Brando da

    Universidade Federal de Juiz de Fora, pelas orientaes quando de minha qualificao e

    de minha defesa. E aos Profs. Drs. Beatriz Helena Domingues, Cssio da Silva

    Fernandes, Celia Aparecida Resende Maia Borges, Fbio Jos Martins de Lima e

    Mnica Ribeiro de Oliveira pelos conhecimentos transmitidos durante as aulas desse

    mestrado.

    Agradeo, tambm, aos amigos e amigas do curso de graduao em Histria e da

    ps-graduao em mestrado em Histria, Cultura e Poder pelos anos de convivncia e

    trabalho que muito contriburam para o crescimento pessoal e profissional de todos ns,

    em especial ao Francislei e Rogria. Que Deus os acompanhe.

    Aos servidores e funcionrios da Universidade Federal de Juiz de Fora, sempre

    dispostos a cumprir suas obrigaes e apoiar com dedicao todo o corpo docente e

    discente, em especial secretria do Programa de Ps-Graduao, Ana Lucia Gomes

    Mendes.

    Durante minha pesquisa, tive a gentileza de pessoas que me facilitaram a

    pesquisa, como todas as pessoas que trabalham nos arquivos pesquisados, ao colega

    pesquisador Rogrio Rezende, Sr. Lcio Ferreira Moura e meu cunhado Valmir que me

    ajudaram conseguir livros de outros pases, Carina, Robert DAibert, Jean Menezes,

    Heliane Casarin, Ana Karla. E a todos aqueles que com uma simples palavra de

    incentivo ou at de curiosidade sobre o tema, faziam-me crer plenamente que estava no

    caminho certo.

    Em especial ao Diretor do Museu Mariano Procpio, Douglas Fasolato, um

    estudioso em genealogia que nos ajudou e orientou no processo final deste trabalho e

    que entende que s a pesquisa trar o verdadeiro reconhecimento a esta Instituio.

    E por fim, mas com toda a certeza, meus agradecimentos vo para todos os

    funcionrios do Museu Mariano Procpio que se mostraram dispostos a ajudar, s

    muselogas que me auxiliaram nestes momentos de pesquisa.

    Espero que este trabalho esteja altura da importncia desta coleo de pinturas

    em miniatura.

  • 7

    Neste banquete de deuses, de mister que haja algum que os sirva.

    Aceito o officio, divina Juno.

    Machado de Assis, 1891.

    (Mensagem do escritor para a Viscondessa de Cavalcanti em seu leque de autgrafos)

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    RESUMO

    Este trabalho pretende colaborar para o conhecimento da coleo de 104 pinturas em

    miniatura que pertenceram Viscondessa de Cavalcanti, expostas no Museu Mariano

    Procpio em Juiz de Fora. Por seu imenso valor artstico, a preservao do patrimnio, a

    importncia do hbito de colecionar e para a definio de uma prtica cultural que

    representa poder econmico e social, demonstrao de conhecimento, intimidade com a

    arte e o desejo de encontrar uma pretensa imortalidade com a doao a instituies e

    museus de arte, dando autenticidade ao colecionador e sua coleo.

    Palavras-chave: Pinturas em miniatura. Viscondessa de Cavalcanti.

    Museu Mariano Procpio.

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    RSUM

    Ce travail prtend collaborer pour la connaissance de la collection de 104 peintures

    miniature qui ont appartenu la Vicomtesse de Cavalcanti, exposes au Muse Mariano

    Procpio en Juiz de Fora. Par son immense valeur artistique, la conservation du

    patrimoine, l'importance de l'habitude de collectionner et pour la dfinition d'une

    pratique culturelle qui reprsente pouvoir conomique et social, dmonstration de

    connaissance, intimit avec l'art et le dsir de trouver une suppose immortalit avec la

    donation des institutions et muses d'art, en donnant authenticit au collectionneur et

    sa collection.

    Mots-cl : Peintures miniature. Vicomtesse de Cavalcanti.

    Muse Mariano Procpio

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    LISTA DE TABELAS

    TABELA 1: Nmero total de pinturas em miniatura dividas por gneros

    pictricos.........................................................................................................................59

    TABELA 2 :Nmero de pinturas em miniatura com a temtica do Retrato...................61

    TABELA 3 : Nmero de pinturas em miniatura com a temtica de Cenas de Gnero...65

    TABELA 4 : Nmero de pinturas em miniatura com a temtica de Animais.................67

    TABELA 5 : Nmero de pinturas em miniatura com a temtica de Paisagem...............69

    TABELA 6 : Nmero de pinturas em miniatura com a temtica de Natureza Morta.....72

    TABELA 7 : Tcnicas e quantidades utilizadas nas pinturas em miniatura...................75

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    SUMRIO

    1 INTRODUO..........................................................................................................13

    2 A VISCONDESSA DE CAVALCANTI E SUAS COLEES.............................17

    2.1 Amlia Machado Coelho...........................................................................................19

    2.2 Vida intelectual e colees........................................................................................31

    2.2.1 Escritos...................................................................................................................31

    2.2.2 Exposies Universais............................................................................................34

    2.2.3 Objetos diversos espalhados por vrios museus e instituies...............................41

    2.2.4 A coleo no Museu Mariano Procpio.................................................................41

    2.2.5 A pinacoteca...........................................................................................................47

    3 UM OLHAR SOBRE AS PINTURAS EM MINIATURA.....................................50

    3.1 Os artistas..................................................................................................................53

    3.2 Os temas....................................................................................................................58

    3.2.1 Retrato....................................................................................................................60

    3.2.2 Gnero....................................................................................................................64

    3.2.3 Animais..................................................................................................................66

    3.2.4 Paisagem................................................................................................................68

    3.2.5 Natureza Morta.......................................................................................................72

    3.2.6 As tcnicas.............................................................................................................74

    4 A PRTICA INTERNACIONAL DO COLECIONISMO DE MINIATURAS..78

    4.1 Situao das miniaturas no Museu de Artes Decorativas em Bordeaux...................78

    4.2 Museu do Louvre: obras de arte em miniatura..........................................................80

    4.3 Histrico das miniaturas do Museu Cond................................................................82

    4.3.1 A coleo do Duque dAumale..............................................................................85

    4.3.2 Apresentao das miniaturas do Museu Cond......................................................87

    4.3.3 A conservao preventiva e restaurao das miniaturas do Museu Cond............88

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    4.4 Museu de Arte Decorativa: a coleo Asinari di Bernezzo (Buenos Aires,

    Argentina)........................................................................................................................89

    4.4.1 O estado de conservao desta coleo..................................................................90

    4.5 A Coleo Zubov (Buenos Aires, Argentina)...........................................................91

    5 CONCLUSO.............................................................................................................95

    6 REFERNCIAS..........................................................................................................98

    7 APNDICE...............................................................................................................104

    7.1 Biografias dos artistas..............................................................................................105

    7.2 O catlogo das pinturas em miniatura.....................................................................122

  • 13

    1 INTRODUO

    Amlia Machado Coelho nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 07 de

    novembro de 1853. Em 1871, casou-se com o Conselheiro Diogo Velho Cavalcanti de

    Albuquerque, um dos polticos mais conceituados no Imprio, passando a ser chamada

    de Amlia Machado Cavalcanti de Albuquerque. Mais tarde, em 1888, pelo ttulo

    concedido pelo Imperador ao marido, torna-se, a Viscondessa de Cavalcanti.

    A Viscondessa de Cavalcanti era prima-irm do Doutor Alfredo Ferreira Lage,

    colecionador como ela, e uma das maiores incentivadoras da criao do Museu Mariano

    Procpio, a partir das peas adquiridas por ele ao longo da vida. Com a criao deste

    museu, ela doa a maior parte de suas conquistas quele espao de conhecimento e

    devoo arte e histria.

    Entre a extensa variedade de objetos de arte, colecionados pela Viscondessa e

    pertencentes ao Museu Mariano Procpio, est uma coleo de 104 pinturas em

    miniatura, que ficam expostas numa sala que leva seu nome. So trabalhos importantes,

    principalmente, pelas caractersticas de confeco e tcnicas utilizadas. Apresentam

    ainda, uma diversidade de temas, que abrangem retratos, cenas de gnero, animais,

    paisagens e natureza morta, que foram executadas por reconhecidos pintores

    miniaturistas.

    Esta coleo de pinturas em miniatura da Viscondessa de Cavalcanti, cuja

    apresentao e inventrio detalhado so o objeto desta pesquisa, integram o patrimnio

    do Museu Mariano Procpio desde a dcada de 1930.

    um importante conjunto artstico com peas oriundas dos sculos XVIII, XIX

    e XX, mas, principalmente, do sculo XIX. Incluem pinturas leo de prestigiosos

    artistas, como por exemplo, Jean Baptiste Isabey e Pierre Paul Proudhon, ambos,

    pintores da corte francesa e de Madeleine Jeanne Lemaire, referncia como pintora de

    natureza morta. Ainda nesta coleo, podemos encontrar aquarelas, pastis, desenhos e

    pintura em esmalte, uma fotopintura e molduras, especialmente confeccionadas por

    moldureiros franceses.

    No encontramos um rigor quanto ao dimetro de uma pea de pintura em

    miniatura. Entre os diversos catlogos utilizados nesta pesquisa, esto o catlogo de

    miniaturas da coleo do Museu de Chantilly, em que observamos peas como um

    pingente, com retrato do imperador Franois II feito por um pintor annimo, de 1,3cm

    de largura por 1,5cm de altura, at o retrato da Duquesa dAumale, pintado por Franois

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    Meuret, com o dimetro de 22,5cm de largura por 16 cm de altura. O catlogo do

    Museu do Louvre apresenta peas como o Retrato da menina morena, pintado por

    Ccile Villeneuve de 3 cm de largura por 3,6 de altura e o Retrato de um artista entre a

    paisagem, pintado por Jean Antoine Laurent, cuja extenso de 17,4cm de altura por

    12,8cm de largura.

    Entre as 104 peas que consideramos como a coleo de pintura em miniatura da

    Viscondessa de Cavalcanti, as dimenses variam entre 3,5cm a 4,5cm. Como por

    exemplo, um retrato de criana sem assinatura e, uma pintura de cena de exterior

    pintada por Henri Jourdain de 17,5cm de largura por 14 cm de altura.

    Ressaltamos que ela possua outras obras de pequenas dimenses, porm, elas

    ultrapassam as medidas que padronizamos, neste trabalho, como pinturas em miniatura.

    Sendo assim, as apresentaremos na pinacoteca.

    Nos catlogos a que recorremos como parmetro para apresentar esta coleo,

    observamos que os colecionadores de pintura de miniatura do preferncia temtica do

    retrato, no entanto, paisagens e cenas de gnero tambm foram encontradas. Na coleo

    do Museu Cond, encontramos Vue du palais de Chiatamone (Naples), de artista

    annimo, medindo 7,7 cm de altura por 12,9 cm de largura. E, Intrieur de cuisine,

    Sarria (Espagna), medindo 8 cm de dimetro e pintado pela Duquesa de Bourbon.

    Dois fatores tornam esta coleo da Viscondessa de Cavalcanti mpar e original,

    diante de outras valiosas colees internacionalmente conhecidas. O primeiro seria o

    fato de apresentar uma diversidade de tcnicas e temas, que demonstram o cuidado da

    Viscondessa em reunir, no apenas uma coleo de miniaturas, mas tambm, uma

    coleo de pinturas em miniatura em que, excluindo a pintura histrica, todos os

    outros temas so encontrados. O segundo fator seria em relao ao nmero, pois no

    Brasil no encontramos nenhum colecionador que tivesse reunido esta quantidade de

    peas.

    Sobre estas constataes, temos como exemplo, a coleo do Museu Imperial em

    Petrpolis que de acordo com a museloga Ana Luisa conta com 33 peas, na maioria

    retratos de membros da Famlia Imperial e alguns, de titulares. Todas so pintadas em

    guache sobre marfim. Desse nmero de peas, algumas foram adquiridas de

    particulares, outras foram doadas ou legadas, como por exemplo, o legado do

    Embaixador Edmundo da Luz Pinto.1

    1 Informaes obtidas por meio eletrnico, museloga Ana Luisa Alonso de Camargo do Museu

    Imperial de Petrpolis em 30/07/2010.

  • 15

    Em nosso trabalho, os captulos foram divididos e apresentados da seguinte

    forma. No primeiro captulo, faremos uma breve biografia sobre a Viscondessa de

    Cavalcanti e sua famlia, o casamento, seu crculo de convivncia com artistas,

    intelectuais, polticos e a proximidade com a famlia imperial. Abordaremos ainda, sua

    intelectualidade, as viagens, a participao junto ao marido nas Exposies Universais e

    seu hbito de colecionar. Suas doaes, ainda em vida, vrias instituies e museus e,

    principalmente, apresentar suas colees no Museu Mariano Procpio.

    No segundo, direcionamos nossa pesquisa coleo de pinturas em miniatura, as

    principais escolas artsticas, seus artistas e temas, procurando mostrar a qualidade e a

    diversidade destas obras de arte. Este captulo traz informaes relevantes sobre a

    trajetria dos pintores miniaturistas, que esto presentes na coleo da Viscondessa e

    nas maiores colees do mundo.

    No terceiro captulo falaremos das colees dos principais museus do mundo e a

    prtica internacional de colecionar miniaturas. Com estes dados, pudemos confrontar e

    realar a importncia desta coleo, que pode ser comparada s maiores e mais

    importantes colees internacionais.

    Faremos em anexo, uma apresentao das 104 pinturas em miniatura, com as

    devidas fichas catalogrficas e anlises iconogrficas, que daro incio a um projeto

    para a execuo de um catlogo das pinturas em miniatura do Museu Mariano Procpio.

    importante ressaltar, o esforo que empreendemos na localizao dos

    catlogos, para que pudssemos ter uma dimenso da coleo da Viscondessa. No

    encontrando aqui no Brasil, catlogos especficos de colees de pintura em miniatura,

    tivemos que import-los de outros pases como da Frana, Argentina e Portugal.

    Outra dificuldade que tivemos foi a falta de acesso pesquisa no Museu

    Mariano Procpio, por conta das interminveis obras.

    Desde o ano de 2007 iniciamos este trabalho sobre a coleo de pinturas em

    miniatura da Viscondessa de Cavalcanti. Nunca tivemos acesso a seus documentos

    pessoais, mas sabemos que h neste local, infinidades de cartas, documentao,

    informaes pessoais e outras peas de sua coleo. A maioria das informaes

    biogrficas que conseguimos, foram a partir de outras instituies.

    Em 23 de abril de 2007, fomos autorizados a fotografar as pinturas em miniatura

    que estavam em exposio nas vitrines. Na poca eram 68 das 104 peas que lhe

    pertenciam. No entanto, no horrio marcado para as fotos, recebemos a informao de

    que no poderamos abrir as vitrines, que so envidraadas, com a alegao de que a

  • 16

    fechadura poderia se romper. Mesmo assim, fizemos as fotos que, diante do reflexo dos

    vidros, ficaram sem nenhuma qualidade.

    Enfim, o novo diretor, Sr. Douglas Fasolato, acreditando que a pesquisa e os

    pesquisadores traro o reconhecimento e a importncia devida ao Museu Mariano

    Procpio, em julho de 2010, face dificuldade que estvamos tendo em relao s

    fotografias das miniaturas, que so o objeto de nosso trabalho, no s nos autorizou

    como se colocou inteiramente disposio para ajudar no que fosse necessrio.

    Contamos, tambm, no momento das fotografias, pois um trabalho delicado e

    tivemos que contratar um fotgrafo profissional, com o apoio das muselogas da

    instituio, que separaram individualmente as miniaturas.

    Ainda com a autorizao do diretor, recebemos no dia 27 de julho de 2010, um

    levantamento tcnico de 207 pginas, das colees de pinturas em miniatura, ento,

    todas as informaes tcnicas sobre cada miniatura que esto neste trabalho nos foram

    fornecidas pelo Museu Mariano Procpio. A partir deste levantamento, surgiram vrios

    outros pintores, que no estavam no nosso rol de pesquisa. Excluindo-se as assinaturas

    que esto legveis, todas aquelas que esto incompletas ou pouco compreensveis

    procuramos buscar nos aproximarmos o mximo possvel das autorias destas pinturas,

    porm, como no encontramos nenhuma obra especfica de assinaturas de pintores para

    podermos comparar com as da coleo podero, futuramente, haver contradies quanto

    algumas autorias.

    Acreditamos que, com este estudo das pinturas em miniatura da Viscondessa de

    Cavalcanti, que at o momento no havia sido feito, possamos contribuir para a difuso

    da importncia desta coleo, levando propagao do conhecimento artstico e

    cultural.

    Pretendemos ainda que este trabalho faa com que as pessoas busquem conhecer

    estas obras de qualidade incontestvel, levando ao maior nmero de visitantes o desejo

    de contemplar estas peas, resguardadas no Museu Mariano Procpio.

  • 17

    2 A VISCONDESSA DE CAVALCANTI E SUAS COLEES

    A prtica do colecionismo foi e ainda objeto de anlise de diversos estudiosos.

    O pesquisador Cssio da Silva Fernandes destaca a importante contribuio de Jacob

    Burckhardt em Larte italiana del Rinascimento. I collezionisti, onde faz uma relao

    entre o colecionismo e a produo artstica no Renascimento, observando os aspectos

    por meio dos quais o tema e o contedo de uma obra de arte podem ser determinados

    pela destinao.

    O pesquisador ressalta que Burckhardt reconheceu a famlia Medici como os

    maiores colecionadores de todo o Renascimento. Segundo Cssio Fernandes,

    Burckhardt ainda procurou relacionar a aspirao particular da famlia de soberanos

    florentinos ao colecionismo importncia geral que teve na poltica e nos negcios, na

    literatura humanstica e na poesia, na liberdade espiritual e na vida de sociedade.2

    Ainda que conscientes da importncia deste estudo, entretanto, no iremos

    enveredar pela historiografia do colecionismo, um assunto rico e ao mesmo tempo

    complexo e merecedor de uma abordagem mais aprofundada. Em nossa pesquisa,

    estudaremos essa prtica por meio de seus conceitos universais e, especificamente, as

    razes que levaram determinados atores histricos do perodo considerado a se

    interessarem por colees.

    Segundo Paulo Knauss3, ao longo do sculo XIX foram organizadas inmeras

    colees particulares de obras de arte, que davam nfase arte estrangeira e

    caracterizavam a prtica da coleo como um espao de consagrao da arte.

    Dentre as colees de maior relevncia no Brasil, no podemos deixar de citar,

    a Coleo Salvador de Mendona, a Coleo dos Bares de So Joaquim e a Coleo

    Miguel Calmon.

    Americanista convicto, Salvador de Mendona (1841-1913) foi diplomata do

    Brasil nos Estados Unidos em 1884 e trabalhou pela aproximao destes dois pases,

    sua interferncia foi fundamental em trs ocasies: na Conferncia Americana de 1889-

    1890 em Washington; na assinatura do Tratado de Reciprocidade Comercial de 1891 e

    durante a Revolta da Armada no Rio de Janeiro, em 1893-1894.

    2 FERNANDES, Cssio da Silva. Aby Warburg entre a arte florentina do retrato e um retrato de

    Florena na poca de Lorenzo de Mdici. In: Questes & Debates, Curitiba, n. 41, p. 131-165, 2004.

    Editora UFPR. 3 KNAUSS, Paulo. O cavalete e a paleta: arte e prtica de colecionar no Brasil. In: Anais do Museu

    Histrico Nacional. Rio de Janeiro: v.33, 2001. p. 27, 28.

  • 18

    A Coleo Salvador de Mendona4 composta entre outras peas, por

    manuscritos raros e pinturas. Neste acervo esto duas telas do pintor flamengo Jan

    Brueghel de Velours (1568-1625), cujos temas so paisagens e natureza morta,

    especialmente flores: uma de David Teniers (1610-1690) pintor flamengo, especializado

    em cenas de gnero da vida camponesa; um ado pintor francs Jean Baptiste Marie

    Pierre (1714-1789), especialista em cenas de gnero, pintura histrica e religiosa; e uma

    de Franois Rene Moureaux (1807-1860), dedicado ao retrato e pintura histrica.

    Moureaux, a partir de 1838, viajou por diversos estados do Brasil, entre eles

    Pernambuco, Bahia e Rio Grande do Sul. Posteriormente, fixou-se no Rio de Janeiro em

    1841 e, em 1842, recebeu o Hbito da Ordem de Cristo pelo quadro A Sagrao de

    Dom Pedro II.

    Parte desta coleo compe o acervo do Museu Nacional de Belas Artes, no Rio

    de Janeiro. De acordo com o catlogo particular de 1890, a coleo continha 228 obras,

    provavelmente acrescidas de outras peas, at sua morte em 1921. Na poca era

    avaliada, como uma das maiores colees de pintura de artistas europeus propriedade de

    um brasileiro.

    O casal de Bares de So Joaquim era conhecido por suas temporadas na

    Europa, especialmente em Paris5.

    A Coleo dos Bares de So Joaquim era rica, entre as peas doadas em 1922

    por sua viva, pinacoteca da Escola de Belas Artes, constavam 64 obras, em sua

    maioria pintura a leo, desenhos e aquarelas europias. Destacavam-se: 20 pinturas de

    Eugne Boudin (1824-1898), um dos mais notveis pintores precursores do

    Impressionismo, que expunha em suas telas variaes da atmosfera, jogos de luz, de cor

    e a fluidez dos horizontes no mar; uma obra de Jan Brueghel de Velours (1568-1625),

    especializado em pintura de paisagem e natureza morta, especialmente flores; e uma tela

    de David Teniers, do sculo XVII. Apesar das pinturas desta coleo serem em sua

    maioria a leo, tambm faziam parte desenhos e aquarelas europias.

    De igual importncia quanto ao hbito colecionista, destacamos ainda, Miguel

    Calmon Du Pin e Almeida, poltico e diplomata, que foi um importante homem pblico

    do perodo fundador da Repblica brasileira. Colecionador dedicado teve sua coleo

    agregada ao Museu Histrico Nacional, em 1936, a partir da doao de sua viva, Dona

    Alice da Porcincula.

    4 KNAUSS, Paulo. Opus Cit, 2001. p. 27, 28. 5 KNAUSS, Paulo. Opus cit, 2001. p. 27, 28.

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Campon%C3%AAshttp://pt.wikipedia.org/wiki/Retratohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Ordem_de_Cristohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Impressionismo

  • 19

    A pesquisadora Regina Abreu (1996, p. 27)6 afirma que nunca houve no

    percurso do Museu Histrico Nacional coleo alguma que se equiparasse em

    suntuosidade e riqueza Coleo Miguel Calmon. Entre as peas doadas estavam,

    entre outras, cerca de 100 jias em ouro, prata, coralina, pedras preciosas, mveis,

    tapearias do sculo XVI, leques, canetas de ouro, porcelanas e pinturas. Com

    predominncia de cermicas, cristais e jias.

    Entre idas e vindas Europa, os colecionadores conseguiam acompanhar as

    tendncias internacionais do mercado europeu e faziam destas viagens a principal fonte

    de aquisio das obras de suas colees. O pesquisador Paulo Knauss observa que as

    colees legitimavam socialmente, consagrando no apenas o colecionador, mas,

    igualmente, as obras de sua coleo.7

    Neste universo colecionista se destacava tambm as Colees da Viscondessa

    de Cavalcanti, uma dama da alta sociedade, que alm de colecionadora, era escritora,

    poliglota e conhecia msica. Por dedicar a maior parte de sua vida ao colecionismo, foi

    uma das maiores incentivadoras da criao do Museu Mariano Procpio por Alfredo

    Ferreira Lage.

    O olhar atento da Viscondessa de Cavalcanti fazia de sua coleo, muito mais

    do que uma reunio de objetos e obras de arte, revelava sua dedicao e demonstrava as

    mudanas sociais no Rio de Janeiro do sculo XIX.

    2.1 Amlia Machado Coelho

    Neste captulo inicial, buscaremos conhecer a trajetria de vida da Viscondessa

    de Cavalcanti sem, no entanto, ter a pretenso de realizar uma extensa biografia. No

    podemos descartar a necessidade de um perfil biogrfico, apesar da precria

    documentao a que tivemos acesso por conta das obras de restaurao do Museu

    Mariano Procpio e da grande disperso geogrfica em que se encontram informaes

    sobre nossa personagem.

    Segundo Giovanni Levi8, o meio em que vive, considerando a sociedade de sua

    poca e o momento cultural, influencia nas intenes, preocupaes e necessidades do

    6 ABREU, Regina. A fabricao do imortal: memria, histria e estratgias de consagrao no Brasil.

    Rio de Janeiro: Rocco. 1996. p. 26 7 KNAUSS, Paulo. Opus Cit, 2001. p. 27, 28. 8 LEVI, Giovanni. Usos da Biografia. In: FERREIRA, Marieta de Moraes & AMADO, Janana (orgs).

    Usos e abusos da Histria Oral. Rio de Janeiro: FGV, 1996. p. 175-176.

  • 20

    sujeito. A biografia serve para observar a trajetria do indivduo, para compreender esta

    sociedade em que se insere a personagem, quais foram os seus objetivos e suas redes de

    relaes sociais, principalmente com os outros colecionadores e pode tornar visvel,

    similitudes e diferenas entre estas pessoas.

    Foi numa sociedade repleta de mudanas que, em 07 de novembro de 1853

    nasce no Rio de Janeiro Amlia Machado Coelho, filha de Constantino Machado

    Coelho e Mariana Barbosa de Assis Machado.9

    Sua histria de vida comea com a chegada ao Rio de Janeiro do Comendador

    portugus Manuel Machado Coelho (1787-1862), seu av paterno, descendente de

    importante famlia portuguesa que se estabeleceu nesta cidade. Manuel nasceu em

    Nossa Senhora dos Prazeres, da Freguesia do Veade, Conselho do Celorico de Basto,

    em 01 de setembro de 1787 e faleceu no Rio de Janeiro, em 21 de julho de 1862.

    Contraiu matrimnio com Luiza Maria da Conceio (1790-1838), filha de

    Antnio lvares Proena e de Bernarda Maria do Esprito Santo, esta descendente da

    importante famlia de poderosos e abastados proprietrios rurais, membros da Guarda

    Nacional e de influentes polticos, tanto no mbito regional quanto nacional. Luiza

    nasceu em Nossa Senhora da Piedade de Mag e faleceu em 24 de setembro de1838, no

    Rio de Janeiro.10

    Tiveram, entre outros filhos, o pai de Amlia, Constantino, que nasceu por

    volta de 1821, no Rio de Janeiro, e faleceu em 30 de abril de 1855 na mesma cidade,

    deixando aos cuidados da me, a sua filha Amlia e seu primognito Constantino.

    O av materno de Amlia foi Mariano Jos Ferreira, nascido em abril de 1779.

    Foi o autor do traado original do Plano de Estradas do Caminho Novo da Estrada Real,

    em que faz parte a Estrada Unio Indstria, construda no perodo de 1856 a 1861, por

    Mariano Procpio e inaugurada por D. Pedro II.11

    9 De acordo com pesquisa biogrfica indita da Viscondessa de Cavalcanti, o genealogista Sr. Douglas Fasolato nos apresentou documentos que comprovam o equvoco em vrias obras consultadas acerca do

    sobrenome e data de nascimento da Viscondessa, em que constam como 1852 e que seu sobrenome teria

    de Castro ao final. A data correta 1853 e o nome Amlia Machado Coelho. Ver Certido de Batismo:

    Amlia Livro 768 fl. 227v / Candelria; Casamento Amlia Machado Coelho e Diogo Velho Cavalcanti

    de Albuquerque Livro 4, fl 85v em 15/07/1871 / Freguesia da Glria; Batismo Constantino Machado

    Coelho Livro 12, fl. 180v / Candelria; Casamento Constantino Machado Coelho e Mariana Barbosa de

    Assis Ferreira Livro 2, fl. 207 em 02/02/1850 / Santana. 10 BARATA, Almeida C. E. de e CUNHA Bueno. Dicionrio das Famlias Brasileiras. vol 2. So

    Paulo: Ibero Amrica, s/d. p. 1390 11 CALAIS, Gilberto Dias. Estrada Real: vetor de fertilizao de conhecimento e aprendizado para a

    explorao mineral. Rio de Janeiro: 2008.p. 5

  • 21

    A me de Amlia, Mariana, era filha de Mariano Ferreira e da Baronesa de

    Santana, Maria Jos de Santana, falecida em 1870. O ttulo de baronesa foi concedido

    pelo Imperador D. Pedro II, em agradecimento aos servios prestados por seu filho,

    Mariano Procpio Ferreira Lage, no que se referia ao engrandecimento do pas. A

    princpio, este ttulo seria concedido ao prprio Mariano, que agradeceu e resolveu

    homenagear sua me.12

    Nascida em 20 de novembro de 1832, Mariana casou-se em 02 de fevereiro de

    1850. Aps sua precoce viuvez em 1855, contraiu as segundas npcias em 04 de

    outubro de 1860 na cidade de Petrpolis, com seu cunhado, Manuel Machado Coelho,

    que faleceu em dezembro de 1876 e com quem teve mais trs filhos, Alberto Machado

    Coelho, Raul Machado Coelho e Olga Machado Coelho.13

    Mariana, me de Amlia, era irm de Mariano Procpio Ferreira Lage e seu

    falecido pai, irmo da esposa de Mariano, Dona Maria Amlia. Ento, a Viscondessa

    era considerada prima-irm de Alfredo Ferreira Lage, fundador do Museu Mariano

    Procpio.

    Amlia teve um irmo por parte do casamento de seus pais, Constantino

    Machado Coelho, nascido em 18 de janeiro de 1851 e falecido em 04 de julho de 1882.

    Formado em Medicina pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Constantino

    defendeu sua dissertao em 1875 que se intitulava: Dissertao Sciencias Mdicas do

    uso e abuso do tabaco.14

    Amlia, portanto, no era uma pessoa comum no que se referia sua origem

    familiar. Seu av paterno era de uma elite portuguesa, abastada economicamente e

    influente politicamente e a famlia de sua av materna era antiga e tradicional no Estado

    do Rio de Janeiro, o que possibilitou a transmisso desse poder para seus descendentes

    em terras brasileiras. Importante tambm foi sua linhagem materna, seu av traou os

    primeiros esboos daquela que daria origem a uma das mais importantes estradas da

    Provncia. Seu ramo familiar radicado em Juiz de Fora, na figura de Mariano Procpio

    Ferreira Lage tinha influncia mpar nos assuntos desta cidade, chamada de a

    12

    BASTOS, WILSON DE Lima. Mariano Procpio Ferreira Lage: sua vida, sua obra, descendncia,

    genealogia. Juiz de Fora: Edies Paraibuna, 1991. p. 64 13 Estas informaes foram gentilmente cedidas por telefone em maio de 2007 pelo genealogista Carlos

    Eduardo de Almeida Barata, do Colgio Brasileiro de Genealogia, situado na cidade do Rio de Janeiro. 14Universidade Federal Fluminense. Arquivo do Museu Virtual. Rio de Janeiro, RJ. Disponvel em:

    http://de.scientificcommons.org/2495997. Acesso em 09/09/2009.

    http://de.scientificcommons.org/2495997

  • 22

    Manchester Mineira, nascida em decorrncia da abertura do Caminho Novo no sculo

    XVIII, importante no plantio do caf aps 1840 e na industrializao de 1870 a 193015

    .

    Estas histrias de pessoas da famlia que conheciam o Mundo, as Cincias, as

    Artes e a vida poltica do pas, rodeavam Amlia e mais tarde, iro formar uma

    mentalidade peculiar na jovem e ajudaro a explicar suas afinidades e predilees. Esta

    linhagem familiar foi determinante no que se referiu ao interesse pela prtica

    colecionista da Viscondessa.

    Amlia, futura Viscondessa de Cavalcanti, tornou-se uma bela moa, requintada,

    educada e um dos melhores partidos do Rio de Janeiro daquela poca. Como se refere

    Veiga Jr. (1937, p.86) acerca de seu casamento em 1871 com Diogo Velho: Poucos

    homens pblicos do segundo reinado foram to felizes quanto o Visconde de

    Cavalcanti. (...) feliz, finalmente, porque se uniu a uma dama que era, em formosura,

    juventude e fortuna, o melhor e mais encantador partido do Rio de Janeiro(...).16

    Por este casamento, temos a unio de dois poderosos cls do Brasil Imperial, os

    Velho Cavalcanti de Albuquerque, proprietrios de engenhos de acar, em

    Pernambuco, e os Ferreira Armond, que esto entre os maiores proprietrios de fazendas

    de caf, em Minas Gerais.17

    Diogo Velho Cavalcanti de Albuquerque nasceu em 09 de dezembro de 1829, no

    municpio de Pilar, na Paraba. Filho de Diogo Velho Cavalcanti de Albuquerque e

    Angela Sophia Pessoa Cavalcanti. Oswaldo Trigueiro afirma que alguns bigrafos,

    como Veiga Jr. (1937, p.86), o concebem como de famlia humilde: Este varo

    admirvel, que foi Diogo Velho Cavalcanti de Albuquerque, teve por bero modesta

    casa de engenho (...)18

    No entanto, Trigueiro destaca que, pelos sobrenomes Cavalcanti e Albuquerque,

    notrio que fosse um rebento da aristocracia rural que civilizou o nordeste brasileiro

    em seu litoral, a partir da Capitania de Olinda.

    Diogo cursou a Faculdade de Direito de Olinda, formando-se em 1852 na

    penltima turma sada do Convento do Carmo. Naquele ano, formaram-se mais de

    oitenta bacharis, sendo Diogo Velho um dos mais ilustres.

    15 VALE, Vanda Arantes do. A pintura brasileira do sculo XIX - Museu Mariano Procpio. 19&20,

    Rio de Janeiro, v.I, n. 1, mai. 2007. Disponvel em: http://www.dezenovevinte.net/artistas/

    mprocopio.htm>. Acesso em 31/03/2010. 16 VEIGA Jr. J. Os Viscondes de Cavalcanti. In: Revista do Instituto Histrico e Geogrfico Paraibano.

    Joo Pessoa: v.10, 1937. p. 86 17 Informaes obtidas pelo site: http://www.geneall.net nota. 96. Acesso em 10/02/2009. 18 VEIGA JR. J. Os Viscondes de Cavalcanti. Ibid. p. 86. Talvez, a expresso modesta casa de

    engenho se referisse falta de suntuosidade da casa, como era o padro da poca.

    http://www.dezenovevinte.net/19e20/http://www.dezenovevinte.net/artistas/http://www.geneall.net/

  • 23

    O incio de sua carreira se deu como promotor da provncia de Areia, cargo em

    que permaneceu apenas por volta de dois anos. Neste cargo, atuou num dos casos mais

    rumorosos da poca, o julgamento dos acusados pelo assassinato do doutor Trajano

    Chacon, no dia em que iria ser eleito deputado Assemblia Geral.

    Em 1854, foi eleito deputado provincial pelo Partido Conservador, sendo

    Diogo fiel ao seu partido por toda sua vida poltica. A partir da, se elegeu por cinco

    vezes para a Cmara dos Deputados, base sob a qual construiu sua carreira poltica.19

    Presidiu em trs provncias, a do Piau (entre 1859 a 1860), a do Cear (de 1868 a 1869)

    e a de Pernambuco (de 1870 a 1871).

    Poltico dedicado, em Teresina remete uma correspondncia ao Conselheiro20

    ,

    em 28 de janeiro de 1860, dando notcias da provncia e alertando sobre a seca,

    demonstrando uma preocupao ainda hoje presente na vida de muitos nordestinos: A

    Provcia

    vai em paes: e s mete-me medo a secca iminente Ds se lembre desta gente, e

    conjure o mal se no chover aniquila-se tudo... j pedi socorros em tempo vejam o que

    fazem.21

    Anos depois, a partir de uma lista trplice, Diogo Velho, ento Ministro da

    Justia, foi nomeado Senador por Carta Imperial em 04 de janeiro de 1877.

    Aps ser deputado geral, senador, presidente de vrias provncias e ministro de

    diversas pastas foi agraciado com o ttulo de Visconde com Honras de Grandeza, em

    1888. Este ttulo era concedido a renomados polticos, Senadores e Conselheiros de

    Estado e sua funo assemelhava-se muito s de Conde, em exercer papis importantes

    de governo, mando militar e administrao da justia.

    Foi tambm, Veador da Imperatriz, cargo de significao importante que

    assegurava a permanncia e a presena de seu titular na Corte, como depositrio da

    confiana pessoal da dinastia imperante22

    , Comendador da I Ordem de Cristo, Gr-

    Cruz da Vila Viosa de Portugal, da Coroa Real da Prssia e Grande Oficial da Legio

    de Honra da Frana.

    O casal teve dois filhos, Stella Cavalcanti de Albuquerque, nascida na Frana em

    29 de abril de 1872 e Fernando Velho Cavalcanti de Albuquerque, nascido em 30 de

    maio de 1873.

    19

    TRIGUEIRO, Oswaldo. O Visconde de Cavalcanti. In: Conferncia pronunciada na Sociedade dos

    Homens de Letras do Brasil. Joo Pessoa: 1979. p. 4 8. 20 A carta no identifica a qual Conselheiro, o Visconde de Cavalcanti, se direcionava. 21Arquivo Histrico do Museu Imperial. Carta de Diogo Velho Cavalcanti de Albuquerque. I-DPP-

    28.01.1860 Alb.c 1-3-P.P.PI, MFN: 01797. Cpia digital. 22 TRIGUEIRO, Oswaldo. Opus cit. p. 28.

  • 24

    Stella, em 1895, casou-se com Valentin Mac Swiney de Mashanaglass, passando

    a se chamar Stella Mac Swiney, Marquesa de Mashanaglass.23

    Provavelmente, faleceu

    antes da me, pois na Certido de bito da Viscondessa consta que no deixou filhos.

    Fernando se formou em Engenharia Civil na Escola Politcnica do Rio de

    Janeiro em 1899. Na ocasio da morte do visconde estava ao lado da me, no ltimo

    adeus ao pai.24

    Diogo e Amlia tinham uma vida social intensa, colecionavam obras de arte e

    circulavam no meio intelectual, abrindo semanalmente as portas de suas residncias,

    fosse no Rio de Janeiro ou fosse em Paris, para animados encontros.25

    Na Corte, o Visconde de Cavalcanti, em 1878, mandou construir um belo

    palacete na rua Senador Vergueiro, no Flamengo, antigo n40. O bairro antes tido como

    um aprazvel lugar de casas de campo, timo para o repouso de gente rica, vinha

    sendo transformado pelo progresso, urbanizado, subdividido em loteamentos e abrindo

    ruas a partir de 1826.26

    A fisionomia do bairro ia sendo modificada tanto pela

    quantidade, quanto pela qualidade de seus novos moradores, e este foi o palco onde

    brilhou a Viscondessa de Cavalcanti.

    O arquiteto contratado para tal empreendimento foi Pedro Bozizio, italiano

    nascido em Milo que possua um escritrio na cidade do Rio de Janeiro, Bozizio e

    Castelo, no Largo de So Francisco de Paula.

    As paredes do palacete do casal Amlia e Diogo no Rio de Janeiro eram, como

    de costume na poca e devido a seu grande gosto pelas artes, decoradas com telas

    magnficas de grandes mestres da pintura27

    , possua o soalho lustroso e em dias de festa,

    para ritmar os passos e volteios dos casais, uma orquestra tocava valsa de Strauss. Alm

    da dona da casa, outras grandes mulheres da sociedade figuravam em seus sales, como

    afirma Pinho (1942, p. 227):28

    23 Certido de bito. Registro Civil do 1 Subdistrito da Cidade de Juiz de Fora MG. Livro 12. Folha

    18. Termo 207. 24 Informao obtida pelo Sr. Carlos Barata, por meio telefnico. 25 CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. O mundo cabe num leque. In: Revista de Histria da Biblioteca

    Nacional, Rio de Janeiro, n. 44, maio de 2009. p. 78-81. 26 GERSON, Brasil. Histrias das Ruas do Rio. 4. ed. Rio de Janeiro: Livraria Brasiliana editora, 1965.

    p. 370, 371. 27

    KNAUSS, Paulo. O cavalete e a paleta: arte e prtica de colecionar no Brasil. Anais do Museu

    Histrico Nacional. Rio de Janeiro: v. 33, 2001. p. 31. De acordo com o autor, as obras de arte se

    confundiam com o cotidiano familiar das residncias dos colecionadores, ocupando os espaos da casa e

    os transformado em espaos de exposio. 28 PINHO, Wanderley. Sales e Damas do Segundo Reinado. So Paulo: Livraria Martins Editora, 1942.

    p. 227

  • 25

    O grande fulgor do salo da Viscondessa de Cavalcanti

    durou indubitavelmente de 1875 a 1878, enquanto o

    marido foi Ministro, mas ainda continuou depois a ser

    um elegantssimo centro da alta sociedade do Rio, s quintas-feiras e aos domingos. Ali rodaram, dansaram

    (sic) circularam no grande salo azul com mveis

    franceses laqus, ou no contguo encarnado: a Baronesa depois Viscondessa de Nogueira da Gama;

    Madame Regis de Oliveira, de uma voz suavssima (...)

    Ninha Torres esposa de Candido Torres, e sua irm, Chiquinha Belisrio, que viria a ser ministra, e

    pareciam emular com a fada daquele salo. (PINHO,

    1942, p.227)

    Mary Del Priori afirma que moda da poca, nestes sales, no se discutiam

    apenas arte e literatura, mas tambm, poltica. Foi uma poca de transformaes do

    sculo XIX, ou seja, na vida privada se pensava, criticamente, a vida pblica. Entre os

    convidados se misturavam brasileiros, franceses, ingleses e italianos. Era todo um modo

    de vida no qual era divulgado a polidez e os modelos de perfeio moral e social.29

    Pinho (1942, p. 227)30

    ressalta que Machado de Assis, em 1877, faz meno s

    quintas-feiras do palacete da rua Senador Vergueiro e lamenta a falta de uma das

    ditadoras da elegncia que tinha emigrado para Paris, a Senhora Diogo Velho. No

    faltavam cavalheiros para as damas neste salo, com seus trajes e trejeitos elegantes,

    linguagem refinada e estilo aristocrtico:

    Os dandies no faltavam: Arthur Alvim; Cajueiro; Juca

    Aguiar; Luiz da Gama Berqu, inexcedvel no marcar um cotillon, par de valsa da Viscondessa; Frana

    Jnior; Betim Pais Leme; Artur Silveira da Mota

    Baro de Jaceguai, cujo casamento se prestigiava de uma legenda romntica, um rapto que a sociedade no

    saciava de se lembrar, com uma extensa simpatia pela

    Baronesa; Saio Lobato Jnior; Eduardo Wilson; o

    Visconde de Tourinho, grande dansarino (sic), a quem a Princesa concedia frequentes contradanas, e que se

    casou com a filha dos Condes de Carapebs... (PINHO,

    1942, p.227)

    29 PRIORI, Mary Del. Condessa de Barral: a paixo do Imperador. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008. p.

    119, 147. 30 PINHO, Wanderley. Sales e Damas do Segundo Reinado. Ibid. p. 227.

  • 26

    Entre os frequentadores da casa e com quem a Viscondessa dividia as teclas do

    piano estava Artur Napoleo dos Santos.31

    Pianista concertista e camerista, Artur Napoleo, depois de muitas viagens,

    fixou-se definitivamente no Rio de Janeiro, em 1866. Na capital do pas, tornou-se

    comerciante de instrumentos e partituras, criando a famosa Casa Artur Napoleo que,

    no papel de editora, muito incentivou e propagou a msica brasileira durante dcadas.

    Fundou tambm em 1883 uma Sociedade de Concertos Clssicos no Rio de Janeiro.

    A residncia do casal, palco de inesquecveis momentos foi comprada,

    posteriormente, pelo Conselheiro Francisco de Paula Rodrigues Alves, futuro Presidente

    da Repblica em 1902 e, em 1977, a rea foi negociada pela Construtora Servenco, que

    derrubou o belo palacete e construiu no terreno o Edifcio Presidente Rodrigues Alves.32

    A desenvoltura, a elegncia e a graa da Viscondessa de Cavalcanti eram

    provenientes da influncia nos modos e educao das mulheres francesas do sculo

    XIX. H de se ressaltar que no menos luxuosa era sua residncia em Paris, que mais

    lembrava um museu de artes, alm de sua riqussima coleo de moedas e medalhas,

    suas telas de Frans Post retratavam o que de mais fino pudesse lembrar seu adorado

    pas: as belas paisagens pernambucanas.33

    A pesquisadora Jane de Lima (2000, p.1)34

    ressalta estas caractersticas das

    mulheres francesas deste sculo:

    No que diz respeito educao da mulher na sociedade

    francesa do sculo XIX, percebe-se que a mulher

    educada para assumir o comportamento de influncia sobre o sexo masculino, tanto na vida conjugal, quanto

    social. Num processo lento e gradual, a mulher

    31 Nascido no Porto, Portugal, em 6 de maro de 1843 e falecido no Rio de Janeiro em 12 de maio de

    1925. Menino prodgio, cujo primeiro recital de piano aconteceu aos sete anos, viajou pela Europa e

    tambm pela Amrica, merecendo elogios de grandes personalidades musicais. Sua carreira no se

    limitou de solista, sendo importante sua atuao como camerista. Atuou em duo com dois dos maiores

    violinistas de todos os tempos: Henri Vieuxtemps, tambm compositor, era de origem belga, mas que

    atuava na Frana e Henryk Wieniawski, compositor polons. A msica de cmara resultado de um

    sincronismo em que se misturam ritmo, msica e emoo entre seus integrantes e a combinao de diferentes timbres. Continuou a atuar como pianista concertista e camerista, destacando-se em duo

    formado com o violinista cubano Joseph White. Atuando como professor, teve entre seus alunos

    Chiquinha Gonzaga. Sua obra composicional praticamente dedicada ao piano. patrono da 18 cadeira

    na Academia Brasileira de Msica. Informaes obtidas pelo site:

    http://www.abmusica.org.br/patr18.htm. Acesso em 10/10/2009. 32

    Informaes obtidas pelo site: www.ruascariocas.net/rodriguesalves. Acesso em 01/10/2009. 33 PINHO, Wanderley. Opus cit. p. 229. 34 Esse artigo faz parte da dissertao de mestrado apresentada por Jane Cristina Franco de Lima, ao

    Departamento de Fundamentos da Educao em Maro/2000, da Universidade Estadual de Maring no

    Estado do Paran: A anlise da utilizao dos estratagemas femininos no sculo XIX.

    http://www.ssrevista.uel.br/c_v4n1_estratagemas.htmeralta Acesso em 08/12/2009. p.1.

    http://www.abmusica.org.br/patr18.htm.%20Acesso%20em%2010/10/2009http://www.ruascariocas.net/rodriguesalves.%20Acesso%20em%2001/10/2009http://www.ssrevista.uel.br/c_v4n1_estratagemas.htmeralta%20acesso%20em%2008/12/2009

  • 27

    francesa aprende a lidar com determinadas situaes,

    para conquistar os objetivos que deseja. Esses objetivos

    podem ser o apresentar-se na sociedade com um

    vestido da ltima moda, possuir um carro que a possibilite lev-la pera, teatro ou sales, destacar-se

    das demais mulheres do seu meio social, pagar as

    dvidas do amante, favorecer e facilitar a projeo social masculina, atravs da conquista de cargos

    polticos e melhores negcios, adquirir a sua prpria

    projeo social, atravs da projeo do homem, o que a possibilita adquirir status social e elevar o padro

    social da famlia. Para atingir estes e outros objetivos, a

    mulher aristocrata ou burguesa aprende, por meio da

    educao, a realar a beleza natural com uma toalete impecvel ao apresentar um penteado sofisticado,

    limpar a pele e usar perfumes e colnias, utilizar

    vesturio e acessrios da moda com vestidos que modelem o busto e a cintura, touca de renda, sapatos,

    fitas de cetim e bolsas, recepcionar e receber os

    convidados nos sales, utilizando-se, para isso, das regras de etiqueta social, articular encontros com

    pessoas influentes na poltica e nos negcios e adquirir

    conhecimentos do mundo do comrcio para administrar

    os negcios da famlia. (LIMA, 2000, p.01)

    Esta desenvoltura adquirida pela Viscondessa envolveu fatos curiosos, Veiga Jr

    (1937, p. 89)35

    revela que, numa recepo em homenagem ao Imperador D. Pedro II,

    valsava com esta dama, Pedro Luiz Pereira de Sousa, poeta, advogado, jornalista e

    poltico, quando adentra ao salo, o Imperador:

    Conta-se que, numa recepo no Palcio Santa Isabel, valsava, o ardoroso parlamentar com a futura

    Viscondessa, quando, inesperadamente, assoma ao

    salo a figura respeitabilssima do Imperador. A

    orquestra interrompe os acordes; todos os pares se acercam de D. Pedro II, rendendo-lhe as homenagens

    da pragmtica. Entretanto, Pedro Luiz, fingindo-se

    despercebido ao que lhe vai em torno (sic), acena orquestra que continue, e deixa-se envolver na

    vertigem da valsa. Todos censuram, acrimoniosamente,

    rodos de inveja, o destempero de Pedro Luiz. (VEIGA

    Jr, 1937, p. 89)

    O autor conta que o Imperador observou, ouviu os burburinhos, mas naquele

    momento, no fez comentrios. Depois de um tempo lembrado o nome de Pedro Luiz

    35 VEIGA Jr. J. Opus cit. p. 89

  • 28

    para um ministrio e o monarca veta seu nome com a ressalva: cedo. O Pedro Luiz

    um homem que ainda valsa. Esta simpatia Amlia e Strauss, quase o impediu de

    galgar, futuramente, funes polticas importantes no Imprio. Um segundo episdio

    que reala a articulao prpria da Viscondessa, ressalta Pinho (1942, p. 228)36

    :

    Quando Diogo Velho foi para a pasta dos estrangeiros, o corpo diplomtico

    comparecia em suas festas frequentemente. Num destes momentos, Amlia danava,

    quando num intervalo, ao dar uma volta pelo salo, dela se aproximou Madame Aguiar,

    cubana de nascimento, que lhe pediu autorizao para levar prxima recepo seu

    irmo, recm chegado de Cuba, presena esta que no agradou a um ministro espanhol:

    Na quinta-feira imediata notou D. Amlia Cavalcanti que

    o ministro espanhol no entrara no salo onde se dansava (sic), e foi encontr-lo na sala grnat, em nervoso

    dilogo, uma quase altercao com o Visconde de Cabo

    Frio. _ No quis ainda dansar (sic) Sr. Ministro? interveio.

    _ No. No posso, havendo l um bandido, um

    rebelde... _Oh! Ministro, o que diz? Em minha casa nunca h

    bandidos... Vamos dansar (sic) que esta valsa havia

    justamente reservado para V.Ex..

    Ao pouco diplomata castelhano, a quem a Viscondessa estendeu o brao com uma deciso to graciosa quanto

    imperiosa, nada mais coube, seno render-se quela

    ofensiva de amena firmeza. Um incidente que ia se agravando solveu-se assim, com um gesto, num sorriso e

    num convite. (PINHO, 1942, p. 228)

    O autor ainda revela que, Amlia tambm inspirou versos, como os do poeta,

    Luiz Guimares Junior, diplomata, romancista e teatrlogo, sendo um dos dez membros

    eleitos para completar o quadro de fundadores da Academia Brasileira de Letras, onde

    obteve a cadeira de nmero 31. Para ela, o poeta criou o seguinte poema:

    A BORRALHEIRA

    Meigos ps pequeninos delicados

    Como um duplo lilaz se os beija-flores

    Vos descobrissem entre as outras flores, Que seria de vs, ps adorados

    Como dois gmeos silfos animados

    Vi-vos ontem pairar entre os fulgores Do baile, ariscos, brancos, tentadores...

    Mas ai de mim! Como os mais ps calados.

    36 PINHO, Wanderley. Opus cit. p. 228

  • 29

    Calados como os mais! Que desencanto!

    Disse eu Vou talhar-lhe um sapato

    Leve, ideal, fantstico, secreto...

    Ei-lo. Resta saber, anjo faceiro, Se acertou na medida o sapateiro:

    mimosos ps calai este soneto. 37

    (PINHO, 1942,

    p.230)

    O auge e o brilho do salo da Viscondessa se esvaneceram com o advento da

    Repblica. Seu marido, um homem de Estado, acompanhou, junto com sua famlia, em

    respeito e dedicao ao imperador destronado, o exlio do monarca em 1889.38

    A famlia do Visconde de Cavalcanti permaneceu em Paris por alguns anos,

    integrando a pequena Corte do Imperador exilado. Esta intimidade com a famlia

    imperial tambm revelada no leque em sua coleo de autgrafos, que comentaremos

    posteriormente. Na oportunidade, de acordo com a pesquisadora Maraliz Christo (2009,

    p. 80), D. Pedro II escreveu: Nada h mais sublime que a amizade. No envelhece,

    revigora com a idade. Pedro dAlcntara. Cannes, 3 de novembro de 1890.39

    De acordo com Veiga Jr, Diogo Velho dedicou seu tempo no exlio a escrever, e

    mandou para o Brasil um livro de sua autoria: Notice generale sur les principales lois

    promulgues au Brsil de 1891 1895, uma monografia que apresenta um resumo

    histrico dos primeiros anos do Brasil Repblica. Infelizmente, O Instituto Histrico e

    Geogrfico Paraibano no tem notcia do destino desta obra.

    Com a morte de D. Pedro II, em 1891, o casal retorna ao Brasil, porm, Diogo

    Velho j padecia de dolorosa enfermidade, que foi agravada pela perda da viso. O

    Visconde de Cavalcanti passou seus ltimos dias na Chcara Ferreira Lage, sob os

    cuidados de sua esposa e de parentes prximos. Por sua trajetria expressiva, quando do

    seu falecimento, em 14 de junho de 1899, dedicada sua memria uma homenagem

    no Jornal do Commercio:40

    Falleceu hontem, pela madrugada, em conseqncia de

    antigos padecimentos, na Chcara Ferreira Lage, onde se

    achava em tratamento entregue aos cuidados de sua

    Exma. esposa e dedicados parentes, o Conselheiro Diogo Velho Cavalcanti de Albuquerque, Visconde de

    Cavalcanti, um dos homens polticos do Antigo Regime,

    37 PINHO, Wanderley. Opus cit. p. 230 38

    Segundo Trigueiro, aos cinquenta anos, o Visconde de Cavalcanti j havia sido nomeado para quase

    todos os postos na escala poltico-administrativa do Imprio, sendo sua ltima comisso do governo a de

    Delegado do Brasil na Exposio Internacional de Paris, exposio esta, historicamente assinalada pela

    inaugurao da Torre Eiffel. 39 CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. O mundo cabe num leque. Ibid. p. 80 40 Obiturio do Jornal do Commrcio. n. 859. ano IV. 15/06/1899. p. 1

  • 30

    a que foi fiel at a morte, mais distinctos e notveis.(...)

    (JORNAL DO COMMRCIO, 1899, p. 1)

    Acompanharam seus restos mortais, a Viscondessa, o filho Fernando Cavalcanti

    de Albuquerque, Dona Maria Amlia Ferreira Lage, Frederico Ferreira Lage e sua

    esposa Alice Ferreira Lage e Alfredo Ferreira Lage, e, sendo sepultado, segundo

    atestado de bito, no Cemitrio de Juiz de Fora. Hoje, seus restos mortais se encontram

    no Ossurio do Cemitrio da Glria em Juiz de Fora.

    Dona Amlia perdeu seu pai ainda menina, depois a me, o irmo Constantino,

    falecido aos trinta e um anos, e agora seu companheiro de jornada, aps vinte e oito

    anos de casamento. Veiga Jr (1937, 89-90)41

    traduz em palavras este momento:

    Desaparecido o consorte dileto, houve D. Amlia de

    volver Europa, de tornar viagem, aonde a levariam

    cuidados e zelos maternais pela educao de seus dois filhos, notadamente sua filha Stela, a quem consagrava

    especial afeto. Exilava-se, novamente, a Viscondessa

    num dilatado perodo de um quarto de sculo na capital francesa, centro de arte e luxo.(VEIGA Jr, 1937, p.89-90)

    Sua viuvez, ainda jovem, aos quarenta e sete anos, e ainda admirada, aguou a

    libido de seus admiradores. Rogrio Rezende42

    aponta um verso feito por Machado de

    Assis e endereado a ela, em setembro de 1899, trs meses aps o falecimento do

    Visconde:

    Vnus eterna, como de a excellencia.

    No lhe bastasse da bellesa sua,

    Foi pedir a Minerva a sapincia...

    E Minerva attendeu prece tua. (PINTO, 2008, p.156)

    Ainda segundo o autor, Amlia permaneceu em Paris at meados de 1920,

    quando retornou ao Rio de Janeiro. Por volta de 1925, comeou a dispersar suas

    colees por diversos locais, no entanto, o Museu Mariano Procpio que possui a

    maior parte delas.

    Amlia Machado Cavalcanti de Albuquerque, a Viscondessa de Cavalcanti,

    faleceu no Rio de Janeiro, em vinte e um de fevereiro de 1946, aos noventa e quatro

    41

    VEIGA Jr. J. Opus cit. p. 89-90. 42 PINTO, Rogrio Rezende. Alfredo Ferreira Lage, suas colees e a constituio do Museu Mariano

    Procpio-Juiz de Fora, MG. Dissertao (Mestrado em Histria) - Universidade Federal de Juiz de Fora,

    Juiz de Fora, MG, 2008.

  • 31

    anos, em sua residncia na Av. Ruy Barbosa, sendo testemunha do bito Gabriel

    Ferreira Lage. Em sua Certido de bito43

    consta que deixou bens, mas no deixou

    filhos, e est sepultada no Cemitrio do Catumbi (Rio de Janeiro) ao lado do pai

    Constantino e de Elisa Ferreira Lage.

    2.2 Vida intelectual e colees

    O colecionador poderia ser considerado um organizador de objetos, identificado

    como um misantropo, isolado em seu individualismo de tudo que o cerca, o que

    destaca Jorge Hue (2004, p. 15) na apresentao da obra de Alexei Bueno44

    :

    Ao homem nosso antepassado, saindo do limiar da noite

    da Histria, coube sempre o impulso de catar, separar, aproveitar, guardar. (...) O colecionador , portanto, o

    organizador de um sistema de objetos, permanente

    licitante de um leilo invisvel. Une-os um certo

    donjuanismo na insatisfao de uma nova conquista, a revelar sempre uma lacuna, a impulsion-lo mais e mais

    a recuperar elos de uma corrente que deve completar.

    (BUENO, 2004, p.15)

    O ato de colecionar, portanto, transcende ao ato de reunir peas de uma mesma

    natureza, se tornando para o colecionador um desafio constante que, mesmo aps

    conseguir sua ltima pea, ressurge com novas possibilidades.

    2.2.1. Escritos

    A Viscondessa de Cavalcanti possua em seu currculo vrios indcios que

    apontam uma tendncia intelectual. Foi considerada uma mulher de letras, entre as

    escritoras e tradutoras que residiram no Rio de Janeiro do sculo XIX.45

    Foi a sexta

    mulher a ingressar no Instituto Histrico e Geogrfico de So Paulo, anteriormente

    ingressaram: a professora e mdica Marie Rennotte (1901); a jornalista, escritora e

    43

    Certido de bito. Cartrio Catete. 4 Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelionato. Livro C-115.

    Folha 174. n 18936. Rio de Janeiro, RJ. 44 BUENO, Alexei; HUE, Jorge de Souza. (Apres.) O Brasil do sculo XIX na Coleo Fadel. Rio de

    Janeiro: Instituto Cultural Srgio Fadel. 2004. p. 15 45 BERNARDES, Maria Thereza Caiubi Crescenti. Mulheres de Ontem? Rio de Janeiro Sculo XIX.

    So Paulo: T. A. Queiroz Editor, 1989. p. 191

  • 32

    historiadora Mary Robinson Wright (1901); a escritora Jlia Lopes de Almeida (1902);

    a aristocrata, proprietria de terras e feminista Veridiana Valria da Silva Prado (1902) e

    a poetisa Ibrantina Cardona (1905).46

    Esta intelectualidade reforada pelo pesquisador

    Rogrio Rezende47

    :

    A Viscondessa era botnica, musicista, literata de valor, com vnculo em vrias instituies artsticas e

    literrias no pas, alm de poliglota. Tornou-se scia

    correspondente do Instituto Histrico e Geogrfico de So Paulo, em agosto de 1910. (PINTO, 2008, p. 153)

    A numismtica, arte que tem como objeto o estudo cientfico das medalhas,

    moedas e cdulas, e que se desenvolveu no Brasil, principalmente a partir do sculo

    XIX, seguindo em parte o modelo europeu, foi tambm uma rea de grande interesse

    por parte de Dona Amlia.

    A Viscondessa, em 1889, a partir de pesquisas supostamente realizadas por ela,

    publicou no Rio de Janeiro o Ctalogo das Medalhas Brasileiras e Estrangeiras

    referentes ao Brasil, a partir dos objetos que compunham sua coleo particular.

    Segundo Nelly Candeias, foram impressos vinte e cinco exemplares, sendo cinco em

    papel Japo e vinte em papel Holanda, esta rara publicao conta com 115 medalhas,

    cujas datas vo de 1596 a 1888.

    As medalhas deste catlogo so dos seguintes perodos histricos: Brasil

    Colonial, Domnio Portugus; Brasil Imprio, Primeiro Reinado, D. Pedro I; e Segundo

    Reinado, D. Pedro II e Brasil Repblica, includo numa segunda edio.

    Um dos principais numismatas no Brasil do sculo XIX foi o suo Dr. Julius

    Meili (1839-1907), cnsul da Sua na cidade de Salvador. Formou uma das maiores

    colees de moedas, medalhas, cdulas e condecoraes brasileiras, classificou e

    identificou suas peas com rigor cientfico. Meili escreveu, vinte anos antes da

    Viscondessa de Cavalcanti, um volume sobre as medalhas do imprio, As medalhas

    referentes ao Imprio do Brasil de 1822 a 1899, impresso na Sua.

    46 CANDEIAS, Nelly Martins Ferreira. Presidente do Instituto Histrico e Geogrfico de So Paulo.

    Informaes obtidas pelo site: http://www.ihgsp.org.br/home/ministerio_alegre.htm. Acesso em

    03/04/2007. Observamos que o retrato postado como da Viscondessa de Cavalcanti, na verdade, de sua

    filha Stella e se encontra exposto no Museu Mariano Procpio. 47 Segundo o autor, a viscondessa havia buscado pertencer aos quadros do IHGSP desde 1905, no entanto,

    na Ata da 14 sesso em agosto de 1910, h uma nova proposta apresentando-a para scia correspondente.

    PINTO, Rogrio Rezende. Alfredo Ferreira Lage. Ibid. p. 156

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Brasilhttp://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9culo_XIXhttp://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9culo_XIXhttp://www.ihgsp.org.br/home/ministerio_alegre.htm.%20Acesso%20em%2003/04/2007http://www.ihgsp.org.br/home/ministerio_alegre.htm.%20Acesso%20em%2003/04/2007

  • 33

    Parte da Coleo Meili foi vendida em leilo, em maio e outubro de 1910, em

    Amsterdam, tendo sido adquirida em grande proporo por outro colecionador de

    origem portuguesa residente no Brasil, o Comendador Antonio Pedro de Andrade

    (1839-1921), que doou todo o seu esplio numismtico-medalhstico Biblioteca

    Nacional, encontrando-se hoje, integrado ao valioso acervo do Museu Histrico

    Nacional do Rio de Janeiro.48

    A Viscondessa de Cavalcanti tambm se empenhou em escrever um dicionrio a

    partir de biografias de personalidades, promovendo assim, uma contribuio aos estudos

    de Histria. No ano de 1896, ela escreve ao Baro de Mamor, que respondeu em 11 de

    janeiro de 1897, solicitando informaes de carter biogrfico para integrar este

    dicionrio brasileiro que estava elaborando49

    :

    Pariz 27 de agosto de 1896 Tendo emprehendido organisar um pequeno diccionario

    biographico, venho pedir o concureo de V. Na parte que

    lhe diz respeito servindo-se de enviar-me, com a possvel brevidade, uma nota com as seguintes informaes:

    Data e lugar do nascimento;

    Estudos e ttulos scientificos e litterarios com as respectivas datas;

    Profisso, cargos que tenha occupado ou esteja

    exercendo;

    Noticia sobre os factos mais importantes em que tenha intervindo indicando onde e quando;

    Designao dos trabalhos que tenha feito e publicado;

    Ttulos honorficos e condecoraes. Esperando que este pedido seja tomado em considerao,

    antecipo os meus agradecimentos.

    Viscondessa de Cavalcanti

    95, Avenue Victor Hugo, Pariz

    Intitulado Diccionario Biographico Brazileiro, como apresenta a revista do

    Instituto Histrico e Geogrfico de So Paulo50

    , no foi publicado. Parte dos

    48 Anais do Museu Histrico Nacional. vol. 27. Rio de Janeiro. 1995, p.101-107 49

    Arquivo Histrico do Museu Imperial. Arquivo Leito da Cunha. I-DLC-27.08.1896. Cpia digital. 50 Na ata da 11 sesso ordinria de 05 de agosto de 1905, a Viscondessa foi aceita e proclamada scia-

    correspondente: Propostas para scios correspondentes: exma. Sra. Viscondessa de Cavalcanti,

    brazileira, auctora de vrios escriptos litterrios e scientificos e de um Diccionario Biographico

    Brazileiro, residente em Paris; In: Revista do Instituto Histrico e Geogrfico de So Paulo. Vol. X.

    1905, p. 588.

  • 34

    manuscritos deste trabalho est sob a guarda do Instituto Histrico Geogrfico

    Brasileiro.

    Em 1910, publica, em Paris, uma segunda edio do Catlogo de Medalhas

    ampliada e ilustrada, com tiragem de cem exemplares, contendo duzentas e noventa e

    quatro medalhas com datas que vo de 1596 a 1903, incluindo-se o perodo do Brasil

    Repblica.

    A biblioteca do Museu Mariano Procpio possui um exemplar desta obra e parte

    de sua coleo est tambm sob a guarda deste museu, outros exemplares esto sob

    posse de colecionadores particulares.

    A revista do Instituto Histrico e Geogrfico de So Paulo, datada de agosto de

    1910, destaca que a Viscondessa doou esta obra em dois volumes ao Instituto, mas de

    acordo com Nelly Candeias, infelizmente, estas obras no foram localizadas.

    2.2.2. Exposies Universais

    O sculo XIX foi marcado por muitas idias e inovaes importantes, tanto na

    rea social, quanto na poltica e econmica, dando incio assim, criao de uma nova

    viso de mundo. No que se refere histria do Brasil, a segunda metade do sculo XIX

    foi o perodo de maior transformao.

    Assim, uma das formas de apresentar os progressos conseguidos pelas naes

    eram as Exposies Universais, em que a modernidade, a cultura e o progresso eram

    expostos a milhares de visitantes, como destaca a pesquisadora Helena Barbuy 51

    :

    Uma destas exposies teve um impacto maior,

    pode-se dizer, tanto na frana como no Brasil: foi a

    Exposio Universal de 1889, comemorativa do

    centenrio da revoluo francesa e, assim, da

    Repblica. Foi nela e para ela que se construiu a

    Torre Eiffel. Nos ltimos meses de seu Imprio, o

    Brasil apresentou-se ali. Foi um dos poucos pases

    de regime monrquico a ltima monarquia

    americana a comparecer festa republicana. No o

    fez oficialmente, isto , no como representao de

    estado, mas por uma delegao de empresrios e

    jornalistas, que formaram um Comit Franco-

    Brasileiro. (BARBUY, 1996, p.213)

    51 BARBUY, Heloisa. . O Brasil vai a Paris em 1889: um lugar na exposio Universal. Anais do

    Museu Paulista. So Paulo: v. 04, 1996. p. 211-325.

  • 35

    Neste comit, o Visconde de Cavalcanti, a pedido do Imperador D. Pedro II,

    desempenhou o cargo de delegado do Brasil na Exposio Universal de Paris de 1889,

    esta funo assegurou tanto para a Viscondessa como tambm para a famlia Ferreira

    Lage, mais uma oportunidade para a aquisio de peas para suas colees. Segundo

    Rogrio Rezende, Frederico Ferreira Lage, irmo mais velho de Alfredo Lage, na poca

    adquiriu diversas peas para o seu palacete em construo na parte antiga da Chcara

    Mariano Procpio.

    Segundo Lilian Schwarcz52

    , o Imperador buscava mostrar o Brasil como um pas

    em que emanava o progresso e esta imagem era igualmente apreciada entre seus pares

    na Corte. Em julho de 1883, a Companhia de pera Italiana, que havia causado fascnio

    na Europa, trouxe para o Rio de Janeiro o bailado Excelsior, que contava com centenas

    de bailarinos, belos cenrios, roupagem luxuosa e ao final do espetculo, mostravam o

    progresso, a civilizao e a vitria da cincia. Os seis mil lugares do Imperial Teatro D.

    Pedro II foram muito disputados, o prprio Imperador participou de sete das oito

    apresentaes. Mas, segundo a autora, o que melhor traduzia este fascnio do Monarca

    pela modernidade eram a s Exposies Universais:

    Surgidas em meados do sculo XIX, com o capitalismo industrial, essas feiras eram a melhor expresso da fora

    e da utopia modernistas. Sua origem data do final do

    sculo XVIII, quando as primeiras exposies foram

    realizadas na Frana e na Inglaterra. Organizadas nacionalmente desde 1844 (em pases como a Blgica,

    Prssia, ustria e Espanha), s a partir de 1851 que se

    transformam em mostras internacionais, contando com a participao de representantes europeus, americanos,

    orientais e africanos, esta primeira exibio durou 141

    dias, apresentava um tipo de estrutura que vingaria nas

    demais. Trinta e quatro pases aceitaram o convite e seus produtos foram observados por mais de 6 milhes de

    pessoas que visitaram a feira. (SCHWARCZ, 2007, p.

    388)

    As Exposies Universais foram eventos importantes para pessoas que se

    interessavam pela cultura, economia, cincias e pela modernidade, mas tambm para

    quelas que, de uma forma ou de outra, gostariam de observar, informar-se , aprender.

    Enfim, as Exposies foram um marco para toda a sociedade.

    52 SCHWARCZ, Lilia Moritz. Exposies Universais: festas do trabalho, festas do progresso. In: As

    Barbas do Imperador. Op. cit, 2007. p. 385 407.

  • 36

    A cada nova feira eram levantadas novas estruturas arquitetnicas, com o intuito

    de apresentar outros produtos e objetos.

    A primeira exposio em Londres, em 1851, criou o Palcio de Cristal,

    marcando o imaginrio da poca com suas grandes vigas de ferro. E, em 1875, a

    Princesa Isabel mandou construir na cidade de Petrpolis, uma cpia deste palcio

    ingls, com o objetivo de realizar exposies de horticultura. Segundo Schwarcz, esta

    idia no agradou a todos, pois foi preciso remover o jardim e o passeio pblico.

    O Brasil comeou a participar das exposies a partir de 1862, tambm em

    Londres, e para esta primeira apresentao internacional, os responsveis levaram o

    caf, ch, erva-mate, guaran, arroz, borracha, tabaco, madeira, fibras vegetais, abelhas,

    algodo e feno. Levaram tambm, maquinrios que faziam referncia a estradas de

    ferro, construo civil, armamentos militares, sendo premiado pelo caf e a cermica

    marajoara.

    A exposio, que ocorreu no perodo entre maro e outubro de 1889, em Paris,

    foi considerada uma das maiores Exposies Universais, pois, abrigou retrospectivas de

    exposies anteriores. Calcula-se que cerca de 28 milhes de pessoas visitaram o local.

    A Torre Eiffel foi construda, especialmente, para essa ocasio, para celebrar o

    centenrio da Revoluo Francesa de 1789 e servir de entrada para o evento, sendo um

    deleite aos olhares dos visitantes.53

    A Exposio Universal de Paris estava dividida em nove grupos de expositores:

    o primeiro grupo estava dedicado s obras de arte, existindo um regulamento preciso

    que especificava que todas as peas de arte, executadas desde 1 de maio de 1878,

    teriam lugar garantido na Exposio, independentemente da nacionalidade do artista.

    Para que a definio de obra de arte no excedesse seus limites, foi feito um

    regulamento, onde especificava-se e resguardava-se o que era considerado arte: todas as

    peas de escultura, gravuras em metal ou pedras preciosas, arquitetura, gravuras,

    litografias e pintura.

    Um artista que quisesse expor seu trabalho deveria passar pela aprovao de um

    jri, que admitia ou no a obra em questo. Posteriormente foi publicado um

    regulamento que definia as regras de atribuio dos prmios para peas de arte

    apresentadas durante a exposio.

    53 A pesquisadora Heloisa Barbuy (USP) destacou em sua palestra no Museu de Arte Murilo Mendes em

    27/10/2010 que, duas vezes por noite, a TorreEiffel era iluminada de uma forma que remetesse ao

    espectador a iluso de que estivesse se incendiando, era um espetculo acompanhado por uma multido.

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Parishttp://pt.wikipedia.org/wiki/Torre_Eiffel

  • 37

    O segundo grupo de temas se referia educao e ensino, incluindo materiais e

    processos das artes liberais. O terceiro dedicava-se ao mobilirio e seus acessrios,

    enquanto o quarto apresentava vestimentas, acessrios e tecidos.

    Ocupavam o quinto grupo, a indstria e os processos extrativistas. As

    ferramentas e os processos da indstria mecnica, incluindo a eletricidade, formavam o

    sexto. O stimo grupo dedica-se aos produtos alimentares e o oitavo, a agricultura,

    vinicultura e pesca e, por fim, o nono grupo, que representava a horticultura.

    As Exposies Universais possuam um carter empresarial, cientfico, poltico e

    ideolgico, que revelavam, em grande medida, as transformaes scio-econmicas

    oriundas da 2 Revoluo Industrial pelas quais passavam as sociedades no ltimo

    quartel do sculo XIX.

    A participao dos pases nas Exposies era viabilizada por meio do convite

    das naes sedes. Os governos dos pases convidados, juntamente com os setores

    empresariais de vrios ramos da atividade econmica, enviavam amostras de produtos

    visando realizar algum tipo de publicidade ou efetivar negcios.

    Jornais, folhetos, livros organizados, entre outros meios de propaganda foram

    utilizados pelas Comisses que representavam o Brasil, como uma forma de divulgao

    das matrias-primas, potencialidades naturais e da incipiente indstria do pas, para os

    investidores e mercados externos, e tambm, para o imigrante estrangeiro. Enquanto

    participante, o Brasil buscava reconhecimento de outras naes, destacando os avanos

    cientficos do pas e sua estabilidade poltica.

    O Visconde de Cavalcanti foi, juntamente com Eduardo da Silva Prado e o

    jornalista Frederico Jos de Santa Anna Nery, que publicou vrias obras sobre o Brasil,

    que abordavam a economia e comrcio, imigrao para o Brasil, cultura indgena e

    folclore54

    , incumbidos do trabalho de organizar a participao do Brasil. Eles contavam

    com 950 mil francos, 800 vindos do Rio de Janeiro, 50 da Bahia e 100 de Minas Gerais.

    O pavilho foi decorado com plantas, flores, fontes de gua aquecidas 30 C para

    manter vivas as vitrias-rgias, guirlandas, peas marajoaras como: urnas funerrias,

    mscaras indgenas e instrumentos de guerra. Havia, ainda, um estande de degustao

    para consumo de caf e licores de frutas.55

    54 BARBUY, Heloisa. Opus Cit. p. 215, 1996. 55 SCHWARCZ, Lilia Moritz. Exposies Universais: festas do trabalho, festas do progresso. Ibid. p.

    385-407.

  • 38

    Lilia Schwarcz56

    destaca o carter extico do Brasil que chamou a ateno dos

    pases participantes:

    No Journal Exposition de Paris de 1889 a reao no era

    menos entusiasta: No perca as grandes atraes sua

    espera: correr sob um tnel de folhagem ao longo das rvores, dessas terrveis rvores, demasiado prximas da

    rua, todas com mangas, com as quais lhe dizem para tomar

    cuidado. No ponha a cabea nem a perna para fora. (SCHWARCZ, 2007, p. 405)

    Segundo Heloisa Barbuy (1996, p.227), esta galeria com cerca de 30 metros,

    ligava o Pavilho a uma estufa de forma circular, onde estavam expostas as plantas

    tropicais, sustentada por colunas e arcos em ferro trabalhado. Assim, o Brasil era tratado

    com respeito junto aos outros participantes, uma nao com grandes possibilidades reais

    de crescimento.

    Entre as premiaes, uma esttua intitulada David foi oferecida ao Visconde de

    Cavalcanti nesta exposio, assinada por Marius Jean Antonin Merci (1845-1916),

    escultor e pintor francs. Merci estudou na Escola de Belas Artes, em Paris, com

    Alexandre Falguire e Jouffroy Franois, e em 1868 ganhou o Grand Prix de Roma.

    O modelo da escultura, em gesso, executada na cidade de Roma foi um grande

    sucesso, fazendo com que Merci ganhasse a Legio de Honra. Em 1872, o Estado

    francs fez a encomenda de uma verso em bronze, se tornando uma das imagens mais

    comuns em revistas ilustradas, a partir da, foram feitas verses em miniatura.

    No final dos anos 1870, Antonin Merci encarnou a nova gerao de escultores

    franceses que, sem romper com os cnones tradicionais, queria fazer suas figuras mais

    vibrantes, da as curvas do brao estendido pelo movimento da espada, o joelho

    dobrado, e o movimento gracioso deste David.57

    A estatueta recebida pelo Visconde de Cavalcanti uma reproduo menor,

    sendo, que o original faz parte do acervo do Museu d'Orsay em Paris.58

    56 SCHWARCZ, Lilia Moritz. Opus cit. p. 405 57 PARIS. Muse dOrsay. Collections. Euvres commentes. Sculpture: Antonin Merci David.

    Disponvel em:

  • 39

    Alm da esttua, o Visconde recebeu do governo Chins, um painel apresentado

    na Exposio Universal de Paris de 1889, matizado manualmente59

    .

    O intuito do Comit Brasileiro na Exposio de Paris de 1889 era o de incluir o

    Brasil no rol das naes em desenvolvimento, apresentar no s suas riquezas naturais,

    como tambm, sua capacidade industrial e crescimento cultural, e para isso, nada mais

    interessante que estabelecer contatos importantes e se expor em Paris.

    Vale lembrar, segundo Rogrio Rezende, que esta aproximao da famlia com

    as exposies vm desde Mariano Procpio Ferreira Lage, tio da Viscondessa, que

    participou da delegao brasileira na Exposio Universal de Paris de 1867, sendo,

    posteriormente, agraciado com ttulos honorficos por conta de suas aes e

    desempenho como membro da delegao.

    2.2.3. Objetos diversos espalhados por vrios museus e instituies

    Poucos colecionadores como Alfredo Ferreira Lage, optaram por manter suas

    colees de maneira ntegra e concentradas num s lugar.

    A maioria deles, ainda em vida, se desprendeu de suas colees, por necessidade

    ou pela inteno de perpetuar seu nome, e acabaram espalhando as peas que, na

    maioria das vezes, levaram muito tempo para compor um conjunto digno. Em geral,

    quando ocorre a morte do prprio colecionador, a pulverizao da coleo por seus

    herdeiros, ainda mais acentuada.

    O destino das colees da Viscondessa de Cavalcanti no foi diferente. Ela

    prpria comeou seu desmonte por volta de 1925, processo acentuado nos anos

    prximos ao seu falecimento60

    , tendo em vista o considervel nmero de museus e

    instituies que possuem ao menos uma pea que foi de sua propriedade.

    O Museu Nacional de Belas Artes possui um retrato da Viscondessa, produzido

    por Lon Bonnat, e outro, de sua jovem filha Stella Cavalcanti, retrato em busto, ligeiro

    perfil e vestido com flores. No se tem referncia quanto ao artista que produziu esta

    ltima obra.

    59 De acordo com informaes obtidas por meio da museloga do MMP, Maria das Graas Almeida, se

    trata de um painel ou reposteiro bordo mo em cores e dourado, com diversas figuras, sobressaindo a

    do Imperador da China chamada pintura de agulha, figurou no Pavilho Chins, da exposio de Paris

    de 1889. O governador da China presenteou o Imperador D. Pedro II com esta primorosa pea por

    intermdio do representante brasileiro, naquele certame, Visconde de Cavalcanti. Na parte superior, v-se

    caracteres em chins. Com a Proclamao da Repblica foi doado ao museu pela Viscondessa de

    Cavalcanti. 60 PINTO, Rogrio Rezende. Opus cit. p.155

  • 40

    Trabalhos de Frans Post (1612-1680), pintor, desenhista e gravador, que chegou

    ao Brasil contratado por Nassau, permanecendo em Recife de 1637 a 1644, considerado

    o primeiro paisagista das Amricas, encontram-se na coleo. A obra Runas da S de

    Olinda, de Post, foi doada pela prpria Viscondessa ao Instituto Histrico e Geogrfico

    Brasileiro, em 1926.

    Fazem parte do acervo do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro, alm dos

    manuscritos do dicionrio biogrfico que estava produzindo e do quadro do pintor

    Frans Post, uma coleo de leques decorados com representaes histricas, em que

    duas destas peas pertenceram Viscondessa. O primeiro, representando o

    reconhecimento da Independncia do Brasil, apontado pelo jornalista e secretrio

    perptuo desta instituio, Max Fleiuss, em artigo na revista Ilustrao Brasileira, n.

    3, de julho de 1935, como o de maior importncia, do qual o Baro do Rio Branco

    mandou, inclusive, fazer uma cpia para o Palcio do Itamarati. E o segundo,

    representando a organizao poltica do Imprio.

    Peas que pertenceram Viscondessa tambm fazem parte do acervo do Museu

    Histrico Nacional, como por exemplo os objetos do Imperador que fazem referncia

    aos rituais manicos: o malhete e o espadim de D. Pedro II como Gro-Mestre da

    Maonaria com as iniciais P.I 1822; galo de libr dos lacaios do Pao Imperial;

    avental, faixa e gldio de Gro-Mestre. Rogrio Rezende ainda aponta que, em junho de

    1927, ela havia doado um franco-ouro e em dezembro do mesmo ano, duas cadeiras

    antigas de encosto alto, um lbum de desenhos a carvo dos personagens que aparecem

    nos quadros do juramento da Constituio pela Princesa Isabel61

    , dois pratos, um busto

    em biscuit de D. Pedro I, um fardo negro, luvas, uma chave, um uniforme de fala