A Cidade Sem Estado - Revista de História
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15/12/2015 A cidade sem Estado - Revista de História
http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/a-cidade-sem-estado 1/3
A cidade sem EstadoDurante dois meses, a Comuna de Paris envolveu 1 milhão de habitantes empráticas de autogestão generalizada
Nildo Viana
1/11/2015
Imagem que celebra a Comuna parisiense, primeiratentativa de revolução proletária e referência paratodas as tendências revolucionárias posteriores.(Imagem: Reprodução)
Primeira tentativa de revolução e autogestãode trabalhadores, a Comuna de Paris (1871)foi recebida com entusiasmo pelos maisfamosos teóricos do comunismo e doanarquismo: de Marx e Bakunin a Kropotkin,Rosa Luxemburgo, Kautsky, Lênin, Trotsky,Korsch e Lefebvre. Ainda hoje, historiadorese sociólogos se dedicam ao estudo daqueleacontecimento, que terminou com um banhode sangue: foram 20 mil operários fuzilados.Apesar da derrota e do fim trágico, oepisódio se tornou uma das mais persistentesfontes de inspiração de movimentoscontestadores. Entender a Comuna de Paris éentender um dos capítulos mais importantesda modernidade e dos movimentos operário ecomunista.
O desenvolvimento industrial emergente naFrança, especialmente em Paris, formava uma classe operária em convivência com vários outrostrabalhadores do campo e da cidade, como camponeses, artesãos e comerciários. Ao mesmotempo, a constituição do Estado bonapartista, o regime monárquico instaurado pelo golpe deEstado por Napoleão III (1852‐1870), criou uma enorme máquina burocrática. As péssimascondições de trabalho, a intensa exploração dos trabalhadores e as formas precárias de vidageravam crescente insatisfação. Na época, o movimento e a cultura socialista já tinham grandepresença nos meios operários, e sua proposta de transformação social provocava temor entre ospoderosos.
Em julho de 1870, eclodiu a guerra franco‐alemã, fruto de uma disputa antiga entre os grandesimpérios francês e prussiano, em batalhas que bateram às portas de Paris. A força superior dosalemães e sua vitória iminente levaram à capitulação do governo francês. A populaçãoparisiense, no entanto, ergueu‐se em resistência por meio da guarda nacional e de outrossetores, tais como os operários, que receberam armas para enfrentar o exército inimigo. Esseprocesso ficou conhecido, através da pena de Karl Marx, como “o povo em armas”. A partir deentão, os trabalhadores não apenas organizaram milícias operárias, como também começaram atarefa de reorganizar a sociedade por conta própria, sem um aparato burocrático centralcomandado por dirigentes estatais. Era o processo de abolição do Estado e de autogestão dacidade de Paris.
A Comuna de Paris foi decretada no dia 18de março de 1871, mas a repressão dogoverno oficial francês – após ser firmada apaz com os alemães – fez a experiência durarpouco: apenas dois meses. Mesmo nesse
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As barricadas nas ruas de Paris se tornaram osímbolo da luta revolucionária. Acima, ilustraçãodos combates na Rue Rivoli. (Imagem: Reprodução)
A barricada ou a espera, tela de André Devambez.(Imagem: PALÁCIO DE VERSALHES – FRANÇA)
curto período, o conjunto de mudançasanunciadas, iniciadas ou desenvolvidasesboçou uma sociedade comunista. Entre asiniciativas estavam a abolição do exércitopermanente e sua substituição pela auto‐organização armada da população, a trocado aparato estatal burocrático peloautogoverno dos produtores, adesapropriação de casas vazias e suaocupação por trabalhadores sem residênciaprópria. Outras mudanças foram iniciadas,como a alteração nas relações entre homense mulheres, pais e filhos, antes dominadaspor autoritarismo, sendo substituídas porrelações igualitárias. Uma nova forma deeducação, fundada em princípiosautogestionários, começou a ser efetivada nolugar do tradicional modelo autoritário. Aautogestão também foi concretizada nas
fábricas abandonadas pelos capitalistas.
Algumas medidas não superaram os limites do capitalismo por causa do curto tempo que aComuna durou numa cidade sitiada por um poderoso inimigo militar. Foi o caso da adoção desalários iguais aos dos operários para todos os trabalhadores, sem distinção. O projetocomunista, desde Marx (Salário, Preço e Lucro, 1865), apontava para a abolição do trabalhoassalariado, o que não seria possível concretizar no período de dois meses numa cidade sitiadapor um poderoso inimigo militar.
O grande feito da Comuna foi a autogestãoterritorial, não apenas das milíciaspopulares, mas também da cidade como umtodo. Paris tinha mais de 1 milhão dehabitantes e limitados recursos tecnológicose de transporte. O principal meio decomunicação era o telégrafo, e ascorrespondências eram trocadas por cartas.Apenas a elite tinha carros. O trem era oprincipal meio de transporte coletivo, e osônibus ainda precisavam ser puxados porcavalos. Nesse contexto, a Comunaorganizou‐se de forma autogerida, atravésde assembleias que efetivavam as decisõescoletivas, e de delegados comunais, queestavam submetidos aos princípios deeleição, remoção, substituição eresponsabilidade. Eles eram eleitos e nãotinham mandato fixo – poderiam serremovidos ou substituídos a qualquermomento, desde que a coletividade assim odesejasse. Os delegados também não podiamdefender interesses particulares ou tomardecisões por conta própria: suaresponsabilidade era executar asdeliberações coletivas.
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Por ter sido a primeira tentativa de revolução proletária, a Comuna de Paris tornou‐se referênciapara todas as tendências revolucionárias posteriores. Para algumas do movimento socialista, atéos dias de hoje, representa um modelo alternativo às experiências dos regimes burocráticos do“socialismo real” (incluindo a antiga URSS, China, Cuba etc.). Apesar dos questionamentos deoutros sobre suas falhas e limites, continua sendo inspiração para as novas gerações domovimento revolucionário e fonte de permanente questionamento: é possível uma sociedadefundada na autogestão generalizada?
Nildo Viana é professor da Faculdade de Ciências Sociais na Universidade Federal de Goiás eautor de Escritos Revolucionários sobre a Comuna de Paris (Rizoma, 2011).
Saiba mais
GONZÁLEZ, Horácio. A Comuna de Paris. Os Assaltantes do Céu. São Paulo: Brasiliense, 1982.LISSAGARAY, Prosper‐Olivier. História da Comuna de 1871. São Paulo: Ensaio, 1995.MARX, Karl. A Guerra Civil na França. Rio de Janeiro: Global, 1986.