A CIDADE E O RIO

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEAR PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE- PRODEMA-UFC

PAULO ROCHA AGUIAR JNIOR

A CIDADE E O RIO: PRODUO DO ESPAO URBANO EM SOBRAL-CEAR.

Fortaleza 2005

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PAULO ROCHA AGUIAR JNIOR

A CIDADE E O RIO: PRODUO DO ESPAO URBANO EM SOBRAL-CEAR.

Dissertao apresentada ao curso de Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal do Cear para obteno do ttulo de mestre. Orientadora: Dr Maria Salete de Souza

Fortaleza 2005

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____________________________________________________ Aguiar Jr., Paulo A cidade e o rio: produo do espao urbano em Sobral Cear Paulo Rocha Aguiar Jnior. Fortaleza, CE, 2005.180f.: il. Dissertao (Mestrado) em Desenvolvimento e Meio AmbienteUniversidade Federal do Cear, Fortaleza, 2005. 1.Permetro urbano de Sobral. 2.Uso e ocupao do solo 3.Populao ribeirinha -Sobral. I.Ttulo. CDU 504(282.281.5) (813.7)

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PAULO ROCHA AGUIAR JNIOR

A CIDADE E O RIO: PRODUO DO ESPAO URBANO EM SOBRAL CEAR.

Dissertao submetida Coordenao do Curso de Ps-Graduao em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal do Cear como requisito parcial para a obteno do grau de mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente.

Defesa em 13/09/2005

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________ Profa. Dra. Maria Salete de Souza Orientadora

_____________________________________ Profa.Dra.Zenilde Baima Amora

_______________________________ Prof.Dr.Antnio Jeovah Meireles

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Aos meus pais: Paulo Rocha Aguiar e Marluce Monte Silva Aguiar; Ao Paulo Neto ,meu filho; Marsia e Andria, minhas irms; Ao Carlos Eduardo, meu irmo; minha amada, Iana Mamede Accioly.

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AGRADECIMENTOS

A meu Deus, pela vida e pela oportunidade de chegar onde cheguei. professora Dra. Maria Salete de Sousa, por sua pacincia e orientao, aes decisivas para um melhor resultado nesta dissertao; Ao professor Dr. Edson Vicente da Silva (Cacau), pela amizade, incentivo e sugestes essenciais ao meu trabalho e sua elaborao; Ao professor Dr. Jos Borzacchiello da Silva, a quem devo a noo dos conceitos geogrficos, indispensveis a um entendimento mais completo da realidade, resultante da viso do gegrafo somada viso do arquiteto; professora, Dra. Zenilde Baima Amora, pelas indicaes bibliogrficas e sugestes de leituras realizadas durante a disciplina Abordagem Geogrfica da Cidade e do Urbano Mestrado de Geografia -UECE; Ao professor Ernani Cortez Lima, do Departamento de Geografia da Universidade Estadual Vale do Acara (UVA), pela ateno e doao de material de pesquisa; Ao professor do Departamento de Arquitetura da Universidade Federal do Cear, Dr. Marcondes Arajo Lima, por ser meu orientador durante o perodo de seleo para Mestrado. Ao Coordenador do Curso de Tecnologia da Construo Civil da Universidade Estadual Vale do Acara (UVA), Dr. Francisco Arruda Coelho Carvalho, pelo apoio, amizade e ajuda, disponibilizando instalaes e equipamentos para a pesquisa. Ao professor do Curso de Tecnologia da Construo Civil da Universidade Estadual Vale do Acara (UVA), Prof. Odsio Magalhes pelo acesso a amostras de gua do SAAE e da Santa Casa de Sobral. Aos colegas, professores do Curso de Tecnologia da Construo Civil da Universidade Estadual Vale do Acara (UVA), pela amizade, solidariedade e companheirismo. Aos alunos do Curso de Tecnologia da Construo Civil da Universidade Estadual Vale do Acara (UVA), em especial aos da disciplina de Urbanismo, pela ajuda na pesquisa de campo. Dona Elsie MontAlverne Barreto Lima, por sua hospitalidade, durante boa parte do curso de Mestrado.

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Ao Dr.Herbert Vasconcelos Rocha, Secretrio de Desenvolvimento e Meio Ambiente da Prefeitura Municipal de Sobral, em virtude de inmeras informaes sobre o PDDU Sobral (arquivos em CD-ROM), Arquiteta Eucilene Dourado, Assistente Social Snia, bem como a toda equipe da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e do Meio Ambiente de Sobral (SDUMA). Ao Dr.Luiz Odorico Monteiro de Andrade, Secretrio de Desenvolvimento Social e Sade de Sobral, pelos dados de sade pblica e saneamento bsico daquele Municpio. Ao Sr. Jos Alberto Dias Lopes, por sua entrevista a mim concedida e pela disponibilizao de diversas fotos de Sobral. Fundao Instituto de Pesquisa do Cear (IPECE), Secretaria do Desenvolvimento Regional e Local (SDRL), pela viabilizao de fontes primrias como CD-ROM, mapas e dados estatsticos, do Plano de Desenvolvimento Regional de Sobral. Aos meus pais, pela fora, incentivo, carinho, e afeto indispensveis ao trabalho deste pesquisador; Ao meu filho, que, no poucas vezes, involuntariamente, dividiu o sofrimento, a angstia das horas ausentes e outras dificuldades enfrentadas para minha obteno do grau de Mestre; Fundao Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Cientfico (FUNCAP), pela concesso de bolsa de estudo.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABAS ABES AGB ANA BNH CENTEC CHESF COELCE COEMA COHAB COSMAC CREDE CURTMASA DERT DETRAN DIS DNER EMBRAPA FCP FNS IBGE IDH IDHM IDM IES IPEA IPECE IVA LASSA LUOS PDDU PETI PNUD PROURB PSF SAAE SIAB UVA Associao Brasileira de guas Subterrneas Associao Brasileira dos Engenharia Sanitria e Ambiental Associao dos Gegrafos Brasileiros Agncia Nacional das guas Banco Nacional de Habitao Instituto Centro de Ensino Tecnolgico Companhia Hidroeltrica do So Francisco Companhia de Eletricidade do Cear Conselho Estadual do Meio Ambiente Companhia de Habitao Companhia Sobralense de Material de Construo Centro Regional de Desenvolvimento da Educao Curtume Machado SA Departamento de Edificaes, Rodovias e Transportes Departamento Estadual de Trnsito Distrito Industrial de Sobral Departamento Nacional de Estradas e Rodagens Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria Fundao Casas Populares Fundao Nacional de Sade Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica ndice de Desenvolvimento Humano ndice de Desenvolvimento Humano Municipal ndice de Desenvolvimento Municipal ndice de Excluso Social Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada Instituto de Pesquisa e Estratgia Econmica do Cear Instituto Vale do Acara Laticnios Sobralense Ltda Lei de Uso e Ocupao do Solo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Programa de Erradicao do Trabalho Infantil Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento Projeto de Desenvolvimento Urbano Programa de Sade da Famlia Servio de Abastecimento de gua e Esgoto Sistema de Informaes de Ateno Bsica Universidade Estadual Vale do Acara

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LISTA DE FIGURAS E MAPAS Figura 01 Localizao do Municpio de Sobral no Estado do Cear Figura 02 Planta da Vila de Sobral no Final do Sculo XVIII Figura 03 Planta da Cidade de Sobral no Final do Sculo XIX Mapa 01 Localizao das reas de Estudo Mapa 02 Estrutura Urbana Mapa 03 Qualidade Ambiental Mapa 04 -Mapa de Zoneamento- ano 2004

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LISTA DE QUADROS 01 -Sobral: Evoluo da Ocupao do Espao no Sculo XVIII....................................... 16 02 Populao de Sobral (1777 1900).......................................................................... 20 03 -Cronologia dos Principais Fatos Histricos do Sculo XIX...................................... 04 -Cronologia dos Principais Fatos Histricos no Sculo XX....................................... 21 33

05 -Populao Urbana e Rural do Municpio de Sobral (1996-2002).............................. 38 06 -Modelo de Desenvolvimento Urbano para Sobral..................................................... 79 07 -Dados Geomorfolgicos de Sobral............................................................................. 85 08 -Taxa de Prevalncia de Hansenase no Bairro Cidade Jos Euclides........................ 143 09 -Taxa de Prevalncia de Tuberculose em 2002 (jan.- nov.)........................................ 143 10 -Populao dos Bairros do Sistema Flviolacustre do Riacho Paje......................... 151

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LISTA DE GRFICOS 01-Populao da Cidade de Sobral -1996................................................................... 38 02-Populao Ocupada por Setor de Atividade na Cidade de Sobral -1996.............. 39 03-Taxa de Desemprego na Cidade de Sobral........................................................... 39 04-Renda dos Chefes de Famlia Sobralenses............................................................ 70 05-Bairro Sumar -Rendimento Nominal Mdio/Mediano Mensal da Populao...... 93 06-Dom Expedito Situao do Saneamento Bsico................................................... 97 07-Bairro Dom Expedito -Faixa etria ....................................................................... 97 08-Bairro Dom Expedito Doenas Mais Freqentes................................................. 98 09-Bairro Dom Expedito ndice de Escolaridade..................................................... 98 10-Bairro Dom Expedito-Rendimento nominal mdio/ mediano mensal................... 99 11-Bairro das Pedrinhas -Faixa etria......................................................................... 117 12-Bairro das Pedrinhas Escolaridade...................................................................... 117 13-Bairro das Pedrinhas -Tratamento Dgua nos Domiclios................................... 118 14-Bairro das Pedrinhas -Rendimento nominal mdio/ mediano mensal................. 118 15-Bairro das Pedrinhas -Redes tcnicas ................................................................. 119 16-Bairro Derby -Rendimento nominal mdio/ mediano mensal............................. 124 17-Bairro Derby -Domiclio prprio atendidos pelas redes tcnicas........................ 124 18-Bairro Betnia -Rendimento nominal mdio/mediano mensal ............................. 128 19-Bairro Betnia -Domiclios prprios, cedidos e outros ....................................... 128 20-Bairro Tamarindo -Tipologia e padro das redes tcnicas ................................... 130 21-Bairro Santa Casa -Tipologia e padro das redes tcnicas ................................... 136 22-Bairro Dom Jos -Tipologia e padro das redes tcnicas ..................................... 137 23-Bairro Dom Jos -Rendimento nominal mdio/mediano mensal.......................... 138 24-Bairro Dom Jos -Domiclio prprio atendidos pelas redes tcnicas.................... 138 25-Bairro Cid.Jos Euclides Padro das redes tcnicas ............................................. 141 26-Bairro J. Euclides e Terr.Novos -Rendimento nominal mdio/mediano mensal... 144 27-Bairro Vila Unio -Estrutura Etria........................................................................ 146 28-Bairro Vila Unio -Escolaridade dos habitantes..................................................... 147 29-Bairro Vila Unio -Tratamento da gua nos domiclios......................................... 147 30-Bairro Vila Unio Abastecimento de gua............................................................ 148 31-Bairro Vila Unio Tipologia das casas ................................................................... 148 32-Bairro Vila Unio -Destinao do Lixo dos domiclios.......................................... 149 33-Bairro Vila Unio Esgotamento sanitrio dos domiclios....................................... 149 34-B.Domingos Olmpio e Pe.Ibiapina -Rendimento nominal mdio/mediano mensal 150 35-Rendimento nominal mdio/mediano mensal dos chefes de famlia........................ 157 36-Bairro Colina da Boa Vista -Tipologia e padro de redes tcnicas........................... 158 37-Bairro Sinh Sabia Faixa etria dos habitantes....................................................... 163 38-Bairro Sinh Sabia Taxa de analfabetismo............................................................. 164 39-Bairro Sinh Sabia Renda Familiar dos habitantes................................................. 165 40-Bairro Sinh Sabia -Rendimento nominal mdio/mediano mensal ....................... 165 41-Bairro Sinh Sabia Padro de redes tcnicas.......................................................... 166

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LISTA DE FOTOS 01-Mercado Central na Praa Dr.Jos Sabia em 1905....................................... 13 02-Margem esquerda do rio Acara perto do bairro Derby Clube...................... 14 03-Tipologia das casas de fazenda e da vila existentes na poca......................... 15 04-Casas que davam frente para o largo da Igreja Matriz de Sobral.................... 16 05e 06 -Fbrica de tecidos Ernerto Deocleciano.................................................. 19 07-Desmatamento das vertentes do rio Acara, retirada de madeira.................. 20 08-Tipografia de Sobral (jornais antigos)........................................................... 23 09-Rua Vitria (trilhos do bonde)...................................................................... 24 10- Monumento do Eclipse Solar........................................................................ 26 11-Fbrica Santa Emiliana (beneficiamento de algodo.................................... 27 12-Palace Club.................................................................................................... 28 13-Cristo Redentor- bairro Alto do Cristo (vista panormica)........................... 31 14- Construo do colgio Diocesano- Seminrio............................................. 47 15- Foto area mostrando o seminrio depois de construdo............................. 48 16- Vista area de Sobral- trecho Grandene, Lagoa da Fazenda........................ 48 17- Abrigo construdo por Dom Jos Tupinamb da Frota................................ 49 18- Reformas de Dom Jos nos sobrados- Colgio SantAna (antes)................ 49 19- Reformas de Dom Jos nos sobrados- Colgio SantAna (depois).............. 49 20- Praa da Ema- teatro So Joo..................................................................... 56 21- Arco do Triunfo............................................................................................ 57 22- Posto de gasolina retirado da avenida Dr.Guarany....................................... 58 23- Posto novo na rotatria................................................................................. 58 24- Prdio reformado no centro da cidade.......................................................... 58 25- Foto panormica da Praa da Matriz............................................................. 59 26- rea de expanso da cidade em direo serra da Meruoca........................ 61 27- CIDAO- quando ainda estava em funcionamento........................................ 62 28- Fbrica de cimento de Sobral....................................................................... 63 29- Riacho do Crrego que passa pela Grandene............................................... 64 30- Estdio de Futebol do Junco......................................................................... 67 31- Via Pericentral............................................................................................... 68 32- Estao de trem de Sobral- foto antiga.......................................................... 69 33- Estao de trem de Sobral- foto 2004............................................................ 69 34- Derby Clube bairro de manses de alto padro.......................................... 72 35- Bairro do Tamarindo inundado na cheia do rio Acara em2004.................. 74 36- Bairro Sinh Sabia (Vista Area)-COHAB I e II........................................ 75 37- COHAB I e II.(foto area) ............................................................................. 77 38- Aerofoto trecho entre pontes da BR-222 e ponte Dr.Jos Euclides.............. 89 39-Vacarias no bairro Sumar na margem esquerda, perto do rio....................... 91 40- Bairro Pantanal Sumar Lixo espalhado e casas de taipa.............................. 92 41- Vista do Alto do Sumar (Igreja do Sumar)................................................ 93 42- Bairro Dom Expedito -casebres na beira do rio Acara................................ 96 43- Aerofoto 2003- obras da margem esquerda do rio Acara........................... 99 44- Vista Panormica do bairro Dom Expedito................................................... 100 45- Margem direita do rio Acara....................................................................... 101

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46- Afloramento rochoso do leito do rio- bairro Dom Expedito.............................. 101 47- Urbanizao da margem esquerda do rio Acara-vista da catedral da S.......... 102 48- Obras na margem esquerda do rio Acara-ancoradouro-espelho dgua........... 103 49- Obras de Urbanizao e canal de drenagem....................................................... 104 50- Rio Acara poluio, turbidez e eutrofizao ................................................ 105 51- Obras na margem esquerda do rio Acara-anfiteatro-espelho dgua............... 105 52 e 53- Quadras poliesportivas-margem esquerda do rio Acara.......................... 106 54- Vista da antiga fbrica ...................................................................................... 107 55- Biblioteca pblica j construda e inaugurada (estilo ps-moderno)................ 107 56- Margem esquerda do rio, vista do anfiteatro..................................................... 105 57- Barragem Vertedoura vista do lado do espelho dgua (a montante)............... 108 58- Tipologia das habitaes da margem esquerda do rio Acara........................... 111 59 e 60 -Cheia no centro de Sobral em 197.............................................................. 112 61- Cheia do rio Acara cobrindo o anfiteatro da urbanizao da margem esquerda 113 62- Correnteza do rio Acara no trecho entre pontes................................................. 114 63- Revista Veja- reportagem sobre Sobral................................................................ 114 64- Bairro Pedrinhas jusante da ponte Otto de Alencar- rampa de lixo.................. 116 65-. Sub-habitao/lixos na beira do rio Acara Pedrinhas..................................... 119 67 e 68- Verticalizao no bairro do Derby ao lado das Pedrinhas....................... 121 69- Poluio no rio Acara no bairro Derby Clube................................................ 123 70- Campus da CENTEC-UVA............................................................................. 123 71- Campus da Betnia-UVA................................................................................ 125 72-Vista Area do campus da Betnia e parte da Lagoa da Fazenda................... 126 73- Degradao Ambiental da lagoa da Fazenda- bairro Betnia.......................... 127 74- Sobral parque ecolgico da lagoa da Fazenda............................................... 127 75- Cheia de 1924- Prado...................................................................................... 129 76- Bairro Tamarindo- trecho mais crtico prximo ao rio Acara....................... 136 77- Degradao ambiental por lixo a cu aberto (rampa de lixo)......................... 132 78- Rio Acara poludo por lixo e esgoto das casas do Tamarindo...................... 133 79- Cidade Jos Euclides(Terrenos Novos)-gua parada e poluda- riscos de dengue 140 80- Bairro Cidade Dr.Jos Euclides II (Terrenos Novos)...................................................142 81-Presena de vacarias Bairro Terreno Novos..............................................................144 82- Canal do riacho Mucambinho e lagoa de estabilizao...............................................146 83- Obras do Parque da Cidade..........................................................................................153 84- Parque da cidade...........................................................................................................153 85- Riacho Paje canalizado...............................................................................................154 86- Super Lagoa- foto externa urbanizao do Parque da Cidade...................................155 87- Centro de Convenes de Sobral..................................................................................156 88- Vila Recanto esgoto a cu aberto...............................................................................160 89- Dom Expedito- limite com o sistema hdrico da Vrzea Grande.................................162 90- Poluio do Sistema Hdrico da Vrzea Grande..........................................................162 91- Conjunto de fotos do Pantanal Sinh Sabia................................................................168

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RESUMO

O presente trabalho analisa a dinmica dos processos de uso e ocupao do espao urbano de Sobral, especificamente nas reas das margens do Rio Acara e demais cursos dgua, onde foram implantados, nos ltimos anos, projetos de urbanizao, provocando mudanas na paisagem urbana. Sobral como cidade de porte mdio e centro regional de grande importncia na zona norte do Estado do Cear, vem apresentando, segundo os recenseamentos, rpido crescimento urbano. O incremento do comrcio, dos servios e da indstria atrai migrantes das reas rurais do municpio e de outros municpios vizinhos, agravando os problemas sociais e ambientais urbanos. Diferentes agentes sociais atuam na produo do espao urbano, conferindo cidade um processo de expanso que contribui para a formao de novas centralidades. O centro histrico foi tombado pelo Patrimnio Histrico e Artstico Nacional IPHAN, proporcionando um processo de renovao urbana, atravs da recuperao e preservao das edificaes. A cidade de Sobral vem se destacando como um centro de fluxo de investimentos produtivos (industriais e de servios), alm do crescimento do mercado imobilirio. A presena da Universidade Vale do Acara UVA e a implantao e modernizao de equipamentos do setor sade tm favorecido a ampliao de sua rea de influncia, levando a sua polarizao alm do limites do Estado. O modelo de produo do espao urbano de Sobral gerador de grandes impactos ambientais, haja vista a segregao socioespacial urbana e o uso inadequado dos seus recursos hdricos.

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SUMRIO LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS.......................................................................viii LISTA DE FIGURAS E MAPAS.......................................................................................ix LISTA DE QUADROS........................................................................................................x LISTA DE GRFICOS.......................................................................................................xi LISTA DE FOTOS..............................................................................................................xii 1 INTRODUO.............................................................................................................. 17 2 O RIO ACARA E A CIDADE DE SOBRAL-CE.....................................................25 2.1 Importncia do Rio Acara para o Crescimento da Cidade de Sobral...........................25 2.2 Colonizao do Vale do Acara no Sculo XVIII (da Fazenda Caiara Vila Distinta e Real de Sobral)..................................................................................................................26 2.3 A Economia Algodoeira no Sculo XIX e a Expanso de Sobral ............................. ...28 2.4 Sobral no Sculo XX- Avano da Modernidade e da Urbanizao Sobral, CidadeVitrine, Cidade empresa-cultural (perodo de grandes projetos de equipamentos culturais). City marketing....................................................................................................42 3 AGENTES SOCIAIS- ANLISE DOS PROCESSOS SCIO-ESPACIAIS E A URBANIZAO DE SOBRAL-CE.................................................................................60 3.1 Novas Estruturas Urbanas e Formas Espaciais..............................................................69 3.1.1 Ncleo Central........................................................................................................... 72 3.1.2 Zonas Perifricas ao Centro..................................................................................... 77 3.1.3 reas Fabris...............................................................................................................79 3.1.4 Subcentros Comerciais- Novas centralidades........................................................ ...83 3.1.4.1 Transposio das Barreiras Fsicas e Novos Vetores de Expanso....................... 85 3.1.5 reas Residenciais.................................................................................................... 88 3.1.6 Anlise do Modelo de Desenvolvimento ............................................................. ...88 4 USO ATUAL DAS MARGENS DA BACIA URBANA DO RIO ACARAPROBLEMAS AMBIENTAIS .......................................................................................99 4.1 rea 1- Plancie de Inundao Urbana e Calha do Rio Acara................................ 99 4.2 rea 2-Sub-bacia Urbana do Riacho Mucambinho................................................. 101

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4.3 rea 3-Sistema Flviolacustre do Riacho Paje e Riacho Mata Fresca (APA do Crrego)................................................................................................. ............................105 4.4 rea 4 Sistema Hdrico da Vrzea Grande............................................................. CONSIDERAES FINAIS..................................................................................... REFERENCIAS BIBLIOGRFICAS...................................................................... 160 187 190

1 INTRODUO

Sobral, cidade de porte mdio da regio noroeste do Cear, situada na zona do serto centro-norte do Estado, tem rea urbana de 52km2. Sua localizao determinada pelas coordenadas geogrficas de 3 4110 de latitude sul e 402059 de longitude oeste, com altitude mdia de 70 m. ligada capital do Estado pela rodovia BR-222, distando de Fortaleza, 238 km. Tambm se comunica com a capital por via area, em vos dirios e por via frrea, atualmente utilizada apenas para o transporte de cargas. (IBGE). A figura 01 mostra a localizao do Municpio de Sobral no Estado do Cear, bem como os seus limites (ao norte com a serra da Meruoca, Municpios de Alcntaras, Santana do Acara e Massap; ao sul Municpios de Forquilha, Groaras, Carir, Santa Quitria; ao leste Municpios de Mirama e Irauuba; e ao oeste Municpios de Corea e Mucambo). Sobral tem uma rea de 2.129km, sendo o 13 do ranking em extenso territorial no Cear. Possui 11 distritos, incluindo o Distrito-Sede. Por estar bem localizada e possuir vias de fcil acesso, a sede de Sobral centraliza a produo de bens, mercadorias e servios, comercializando-os para muitos Municpios cearenses e algumas reas do norte do Pas.

Figura 01 - Localizao do Municpio de Sobral no mapa do Estado do Cear Fonte: IPECE (2000)

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A Sobral do sculo XXI cresce num ritmo acelerado. Com uma populao de 119.433 habitantes na sede do seu Municpio (2000, IBGE), , hoje, fora as cidades que integram a Regio Metropolitana de Fortaleza, a segunda maior do Cear, vindo logo aps de Juazeiro do Norte, e a quinta maior cidade do Estado, em populao, estando concentrados, aproximadamente 77% da mesma, em sua Sede. O Municpio possui uma populao total de 155.276 habitantes, e uma rea de 2.129Km, sendo sua densidade demogrfica de 72,93hab/Km e a taxa de urbanizao de 86,62% (IBGE, 2000). Nos ltimos anos, cresceram em Sobral os problemas sociais e de ordem ambiental. O comrcio, os servios e a indstria que atraem grandes investimentos, mo-de-obra especializada, maior volume de capital e migrantes oriundos de outros Municpios menores, vizinhos como tambm os da zona rural do prprio Municpio, acabam por atrair, tambm, a pobreza, o desemprego, a violncia, bem como a concentrao de renda e a desigualdade social. Isto acompanha as relaes homem/ambiente como ilustra SMITH, na citao que se segue:(...) as relaes entre os homens esto permeadas de contradies. Assim, a relao com a natureza acompanha o desenvolvimento das relaes sociais e, na medida em que estas so contraditrias, tambm o a relao com a natureza. (SMITH, 1998, p.85).

A produo do espao urbano, aliada s questes do uso e ocupao do solo, configura, hoje, assuntos polmicos, que envolvem um jogo de interesses entre os investidores que disputam aquele espao, visando mais o lucro e a acumulao de capital que o uso e a ocupao que lhes so adequados. mais uma opo para a burguesia comercial, hoje classe empresarial emergente, que busca diversificar seus investimentos, garantindo o futuro de suas geraes. Na paisagem urbana de Sobral, saltam aos olhos os contrastes sociais. A principal obra de urbanizao da cidade - a urbanizao da margem esquerda do rio- deixa ver toda a sofisticao e beleza da arquitetura moderna, paralelas aos quintais dos casebres, com a presena de dejetos e esgotos a cu aberto.

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A questo espacial, pela disputa do espao intra-urbano, pelo direito cidade, moradia digna, ao consumo dos espaos de lazer e de convivncia e pela distribuio eqitativa dos equipamentos urbanos. O objetivo principal do presente trabalho analisar essa produo do espao urbano, as localizaes, o uso e ocupao do solo s margens do rio Acara e dos demais cursos dgua dentro das 04 (quatro) reas de estudo a saber: Plancie de inundao urbana e calha do rio Acara; Sub-bacia urbana do riacho Mucambinho; Sistema flviolacustre do riacho Paje e do riacho Mata Fresca (APA do Crrego); Sistema hdrico da Vrzea Grande, escolhidas as reas por sua importncia ambiental para a cidade de Sobral.(Vide Mapa 01 - localizao das reas de estudo). Foram propostos mecanismos de proteo ambiental, analisando-se tambm as ocupaes nas reas de preservao permanentes (APP) e/ou unidades de preservao ambiental (UPA) por atividades humanas. Caminha-se para a utilizao de um planejamento integrado, considerando-se os aspectos ecolgicos, fsico-territoriais, econmicos, sociais, administrativos, abrangendo as partes, os elementos e o todo de um sistema ou ecossistema. (...) Esta proposta envolve tambm o objetivo de preservar, no sentido de que mais correto prevenir os males ao invs de corrigi-los a posteriori (BRANCO E ROCHA, 1977) . Dentro da filosofia de um planejamento integrado com o meio ambiente, tica e responsabilidade social que se dividiu o presente trabalho em 3 (trs) captulos: O primeiro partiu da anlise histrica da cidade de Sobral, estudando sua evoluo urbana, por reconhecer-se ser impossvel entender processos sociais, polticos, econmicos e espaciais sem os contextualizar na histria. Desde a sociedade dos fazendeiros, burguesia comercial at a classe empresarial, Sobral foi passando da rusticidade de povoado, fase dos sobrados de arquitetura simples (paredes grossas, duas guas etc.), depois utilizao de telhados de trs e quatro guas e, por ltimo, fase dos azulejos portugueses nas fachadas, herana cultural dos rabes e que hoje figuram como vestgios de um passado de opulncia dos ciclos do gado e do algodo refletidos na, ainda atual, morfologia urbana; O

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segundo enfoca os diferentes agentes sociais e sua atuao nos processos scio-espaciais e no fenmeno da urbanizao, tendo como primeira referncia da estruturao urbana daquela cidade, o ncleo central, depois as zonas perifricas, as reas fabris (que surgiram com a implantao das indstrias) e as novas reas residenciais, fruto da fragmentao e segregao dos espaos, formando novas centralidades; No terceiro fez-se a diviso da rea de estudo em 4 (quatro) trechos, reconhecendo as caractersticas de cada um deles e promovendo a anlise dos aspectos socioambientais, como os dados demogrficos, os recursos naturais, os indicadores socioeconmicos, urbansticos e de sustentabilidade, levando em conta a densidade populacional, o padro habitacional (tipologia das edificaes), a renda familiar e a existncia ou no de saneamento bsico nos domiclios, bem como a destinao final dos resduos de forma adequada, com tratamento antes de alcanarem os aqferos. Observaram-se as ocorrncias de impactos ambientais na bacia urbana do rio Acara, na sede do Municpio de Sobral, objetivando diagnosticar ou relacionar os principais problemas estruturais das reas, identificando os empreendimentos que provocaram mudanas drsticas na dinmica do rio, seus afluentes, e suas reas de influncia. Procurou-se tambm sugerir algumas medidas mitigadoras, de controle -controle do desmatamento e eroso do solo; recuperao das reas degradadas com plantio de vegetao nas vertentes dos rios; proteo dos recursos hdricos por meio de mecanismos urbansticos como faixas de preservao da biodiversidade- e de educao ambiental da comunidade, com finalidade de fornecer suporte tcnico para formulao de polticas pblicas para Sobral. Neste captulo, foram feitos alguns comentrios contingentes acerca da legislao urbana e ambiental de Sobral e das polticas pblicas do Municpio em prol da preservao do meio-ambiente. A metodologia utilizada arrimou-se na concepo dialtica do fenmeno da urbanizao. A dialtica homem x natureza est na base do processo de desenvolvimento e transformao das sociedades humanas. Desenvolveu-se uma base conceitual apoiada em autores como Lefbvre, Milton Santos e Lobato Corra, entre outros, para melhor

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compreenso de conceitos bsicos, dentre os quais tiveram primazia o de espao urbano, urbanizao e de periferizao. Segundo CORRA (1989), a complexidade do espao urbano capitalista pode ser entendida em quatro aspectos indissociveis, intrnsecos sua prpria definio. Na forma, o espao urbano capitalista aparece como que fragmentado, separado pelas diversas atividades produtivas e de consumo. Na realidade a diviso desse espao apenas na sua configurao espacial j que no h autonomia dos chamados fragmentos em relao ao urbano como um todo; Este totalmente articulado, dadas as relaes espaciais de natureza social, por exemplo as decises do poder constitudo, a circulao de informaes e investimentos de capital e a ideologia, entre outros, que unem em um s espao, os demais fragmentos da cidade. O espao urbano reflexo no s das relaes sociais ocorridas hoje mas tambm das que ocorreram outrora, no passado. Ele reflete todo o avano social sofrido atravs da histria. O autor ressalta que o espao urbano capitalista, por refletir as relaes sociais e ser fragmentado, visivelmente dessemelhante, e, pelo mesmo fato de refletir essas relaes sociais, pode estar sempre mudando e, ainda, que essa mudana tambm varia em si mesma seja no ritmo, direo ou natureza. Numa outra esfera, as formas espaciais no s proporcionam como tambm condicionam a reproduo das formas e condies da produo. Assim, segundo CORRA, o processo de reproduo das classes sociais envolve o quotidiano e o futuro prximo, bem como as crenas, valores e mitos criados no bojo da sociedade de classes e, em parte, projetados nas formas espaciais: monumentos, lugares sagrados, uma rua especial etc.(CORRA, 1995, p.9). Identifica-se por essas formas sociais a dimenso simblica do espao urbano que varia de acordo com os diferentes grupos, seja em atividades sociais, faixa etria, aspectos assim. A desigualdade socioespacial dentro da cidade, acarreta em diversos movimentos, conflitos e lutas sociais justificadas pelo desejo de conquista do direito cidade, igualdade social e, como disse o mesmo autor, cidadania plena. Cabe ressaltar que o entendimento da relao sociedade x natureza e da questo ambiental tambm passa pela reavaliao dos processos produtivos atuais, visando a tecnologias limpas e ao bem-estar coletivo. Formas espaciais surgem como resultado da estruturao de relaes sociais imbricadas entre si e de difcil desarticulao, de sorte que se mostram como uma s

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tessitura e diferenciam o espao. O espao urbano, portanto, no diz respeito apenas ao modo de produo, mas a todas as relaes sociais que lhe so inerentes, sejam polticas, religiosas, econmicas, jurdicas, melhor dizendo, diz respeito a todo o seu cotidiano. Nessa direo, Carlos (1994, p. 181) entende que:(...) a idia de urbano transcende aquela de mera concentrao do processo produtivo stricto sensu. O urbano um produto do processo de produo de um determinado momento histrico, no s no que se refere determinao econmica do processo (produo, distribuio, circulao e consumo), mas tambm no que se refere s determinaes sociais, polticas, ideolgicas, jurdicas que se articulam na totalidade da formao econmica e social. Assim, o urbano mais que um modo de produzir, tambm um modo de consumir, pensar, sentir, enfim um modo de vida.

O espao produzido e consumido diferentemente, comparando-se os padres de uso e ocupao do espao urbano e suas relaes de poder e dominao inter e intraespacial, ou ainda, analisando-se o comportamento de dois ncleos urbanos na disputa por mercados. Existem, assim, dois tipos de valores atribudos ao espao: o valor de uso (espao efetivo) e o valor de troca (espao consumido). A produo para a troca, no modo capitalista de produzir, implica uma nova relao com a natureza, procurando produzir valor monetrio a ela. Tudo, inclusive as pessoas, transformado em moeda, ou faz parte de relaes de interesse ou de comrcio. A velocidade tornou-se necessria dentro do processo de acumulao de capital, e produzir mais em menos tempo, num menor espao, vital para o modo de produo. A fibra ptica, os semicondutores, os satlites, enfim a tecnologia de ponta alterou o ritmo de vida da sociedade urbana. O grau deste impacto determinado pelo uso das tcnicas, objetos, resqucios dos processos tcnicos anteriores, e do fator histrico ou temporal da sociedade em estudo, alterando a relao espao-tempo e as relaes sociedade-natureza. Santos (1997) esclarece que:(...) o espao formado de objetos; mas no so os objetos que determinam os objetos. o espao que determina os objetos: o espao visto como um conjunto de objetos organizados segundo uma lgica e utilizados (acionados) segundo uma lgica. (SANTOS, 1997,p 239)

A lgica do capital em distribuir os objetos, as tcnicas e os servios no espao urbano varia de acordo com seus interesses, individuais ou coletivos (de grupos ou de uma classe). O acmulo de trabalho (servios) e objetos (infra-estrutura, natureza etc.) num

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determinado espao, qualifica-o como sinnimo de modernidade, poder, conforto, bemviver. A fragmentao dos espaos serve para diferenciar, valorizar ou desvalorizar os mesmos, conforme a inteno de aproximar e/ou afastar deles, pessoas e objetos. Sem representatividade, a populao menos favorecida fica a merc dos detentores do poder/saber, apenas sobrevivendo e reproduzindo a classe trabalhadora. Este modelo altamente cmodo e rentvel para o processo de explorao e acumulao do capital. Santos (1996, p.10), ao analisar o processo de urbanizao brasileira, destaca que:Ao longo do sculo, mas, sobretudo nos perodos mais recentes, o processo brasileiro de urbanizao revela uma crescente associao com a da pobreza, cujo lcus passa a ser, cada vez mais, a cidade, sobretudo a grande cidade. O campo brasileiro moderno repele os pobres, e os trabalhadores da agricultura capitalizada vivem cada vez mais nos espaos urbanos. A indstria se desenvolve com a criao de pequeno nmero de empregos e o tercirio associa formas modernas a formas primitivas que remuneram mal e no garantem a ocupao.

Os procedimentos tcnicos e metodolgicos adotados na pesquisa foram: pesquisa exploratria, bibliogrfica, documental, cartogrfica, fotogrfica e levantamentos de dados estatsticos nos diversos rgos pblicos; notadamente o IBGE, nos seus recenseamentos demogrficos (1960, 1970, 1980, 1991, 2000), DATA-SUS (2003), SEMACE (2000), IPECE (2002), SDLR (2003), GAIA (2002), SDUMA (2003, 2004), IPHAM (1999), PMS (1999), CENTEC Sobral (2004), FUNCEME (1990). Dentre os dados secundrios obtidos, podem ser citados: Foto area da Sede do Municpio de Sobral -1996 e 2003; Base cartogrfica do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano- PDDU de Sobral (1999) na escala de 1:10.000 (Anexo II); Mapa base da Sede do Municpio de Sobral, da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente- SDUMA (2003), na escala de 1:5.000, com curvas de nvel metro a metro; e Mapas temticos do Plano de Desenvolvimento Regional PDR Vale do Acara e tambm do Plano de Gerenciamento de Recursos Hdricos do Governo do Estado do Cear.

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A pesquisa de campo foi efetuada com visitas programadas in loco, aplicao de questionrios sobre o padro de ocupao das quadras, a tipologia das edificaes, rede tcnica instalada e projetada, densidades de equipamentos comunitrios, mobilirio urbano. A pesquisa foi apoiada em mapas de usos diferenciados, tendo em vista os objetivos e metas a alcanar. Equipamento utilizado nas fotografias: mquina digital (SONY - Cybershot 3.2 Mega Pixels). Foram tambm utilizados na pesquisa softwares e grficos para fazer a vetorizao de mapas temticos, tendo por base imagem aerofotogramtrica. Quanto s amostras da gua de pontos do rio, riacho e lagoas, contou-se com a ajuda dos tcnicos de saneamento do laboratrio de anlise de gua Centro de Tecnologia- CENTEC Sobral e dados da dissertao do Professor Carlos Mesquita, do curso de Saneamento Ambiental (CENTEC).

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2 O RIO ACARA E A CIDADE DE SOBRAL

2.1 Importncia do rio Acara para o crescimento da cidade de Sobral Entre os recursos naturais de que o homem dispe, a gua aparece como um dos mais importantes, sendo indispensvel para sua sobrevivncia. A revista Poder Local comentou, em um dos seus artigos a escassez crescente dos recursos hdricos em escala mundial, dizendo que: contraditria a ao antrpica poluidora e de alguns casos de mau uso e desperdcio de gua, sabendo-se ser um recurso mineral cada vez mais raro, (...) apenas 1% da gua do planeta encontra-se em condies adequadas para o consumo humano. Atualmente, cerca de 1,2 bilhes de pessoas enfrentam problemas de acesso gua potvel em todo mundo. Projees das Naes Unidas indicam que at a metade desse sculo o nmero deve saltar para sete bilhes de pessoas. O que deve significar que 75% da populao mundial em 2050 sofrer com a falta de gua para beber (Revista Poder Local, no.3, pg.5).

Para a cidade de Sobral (CE), o rio Acara uma importante fonte de abastecimento de gua, afora seu uso na agricultura e na indstria. No fcil periodizar a evoluo urbana de Sobral enfocando o vis ambiental quando os registros histricos o negligenciam. A abordagem socioeconmica predomina, at porque recente a preocupao com a destruio do meio ambiente, sendo contada do sculo XX, praticamente dos anos 60 para c. A regio de Sobral, desde sua origem, convive com falta de chuvas regulares e escassez de gua. Precisa-se saber conviver com pouca gua, valorizar, como nenhum outro, este recurso, j que impossvel antever com preciso um perodo de forte estiagem. Apesar de a gua constituir-se um fator decisivo para o desenvolvimento sustentvel, no tm sido observados os processos de conservao da qualidade das guas e a preservao das matas ciliares ao longo dos rios, particularmente nas margens do Rio Acara, no trecho da cidade de Sobral. Pelo contrrio, ao longo de sucessivas administraes municipais, a cidade, de costas para o rio, esteve poluindo-o, assoreando-o e lanando todo tipo de resduo nas suas guas, tornando-as imprestveis para um nmero cada vez maior de usos. Pode-se acreditar na capacidade tcnica do homem em recuperar a natureza? Sim, tudo

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possvel, mas a que custo? necessrio refletir sobre a forma como se est interagindo com a natureza, principalmente num ambiente artificial, como a cidade, concentradora de capital, deixando em terceiro ou em quarto plano do ranking de prioridades a resoluo de problemas socioambientais como: o saneamento bsico e a recuperao da qualidade das guas dos rios e riachos.

2.2 Colonizao do vale do Acara sculo XVIII (da Fazenda Caiara Vila Distinta e Real de Sobral)

Os rios foram pontos essenciais da colonizao; os caminhos flvio-terrestres serviam de escoadouros das boiadas de corte para os mercados consumidores, e, nesse contexto, a Estrada de Caiara, percorrida frequentemente pelas boiadas, foi importante fator de ligao entre o interior e o litoral (GIRO & SOARES, 1997, p.21).

Esta citao bem pode ilustrar a cidade de Sobral, no que diz respeito aos acontecimentos que lhe deram origem. A ocupao territorial do Cear deu-se pela implantao das fazendas de gado por criadores que partindo de Pernambuco e Bahia, passaram pelo interior da Paraba e Rio Grande do Norte entrando pelo Sul do Cear pela regio do Cariri, derivando duas rotas principais, uma com destino ao meio norte, Piau e Maranho, e a outra seguindo a ribeira do rio Jaguaribe at Aracati, litoral cearense. Foi no entroncamento das rotas, no sc. XVIII, formando um eixo comercial, que Sobral nasceu e cresceu, dedicada inicialmente s atividades pastoris e comerciais. O sculo XVIII marcou o processo inicial de ocupao das terras que deram origem a Sobral, desde o povoado da Caiara, a partir da fazenda de gado de mesmo nome, localizada margem esquerda do rio Acara, em plena depresso sertaneja, no sop da serra da Meruoca (ponto de referncia que orientava os viajantes da ribeira do rio Acara), a Vila Distinta e Real de Sobral. GIRO & SOARES comentam com propriedade sobre esses fatos.No incio do sculo XVII, a estratgia de colonizao portuguesa no serto cearense era a doao de terras (sesmarias) para a criao de gado como atividade

27 principal. (...) em catorze (14) de outubro de 1702, o portugus Antnio da Costa Peixoto, vereador de Aquiraz antiga capital do Estado conseguiu uma sesmaria na Ribeira do Acara, onde hoje se localiza a cidade de Sobral com meia lgua de largura, estendendo-se da margem esquerda do rio Acara at o sop da serra da Meruoca (GIRO e SOARES, 1997, p 14.).

A subsistncia numa regio de clima semi-rido, quente, com secas peridicas e adversidades pela falta de gua, e a dificuldade de encontrar alimento nos perodos de estiagem, fazia aumentar a pobreza e as epidemias. Era comum o cultivo de vazante ou sequeiro, bem como o feitio de poos no leito do rio, para se abastecer do lenol fretico nos perodos secos, prtica at hoje repetida. As margens dos rios eram vistas como espaos vantajosos a serem ocupados, por possurem um microclima mais ameno em razo da presena da brisa e umidade, favorecendo a ocupao, sem contudo, haver a preservao da mata ciliar, iniciando-se, assim, o processo gradativo de desmatamento das vertentes do rio Acara. Da fazenda Caiara ao povoado de mesmo nome, passando ao arraial e posteriormente vila, os caminhos das boiadas foram transformando a paisagem natural, acompanhando o rio, que abastecia de gua e alimento tanto o gado como as bandeiras. ARAJO tambm confirma alguns destes fatos, na seguinte citao:(...) Entre as povoaes que se instalaram na regio do Vale do Acara, em funo das facilidades do pasto, surgiu o arraial de So Jos, e o estabelecimento de vrias fazendas nos seus arredores, entre elas a Fazenda Caiara, posteriormente Povoado Caiara e Vila Distinta e Real de Sobral, que em 12 de julho de 1841, pela Lei Provincial no. 229, foi elevada condio de cidade (ARAJO, 1978, p.19).

A topografia tambm influenciou na escolha do stio para implantao do primeiro povoado margem esquerda do rio, pois a cota deste lado era mais alta o que o protegeria das enchentes. O primeiro vetor de expanso do ncleo histrico foi no sentido oeste Matriz de Caiara, com casario e igrejas, dando as costas para o rio, aproveitando trechos mais estreitos do Acara, devido rpida travessia de canoa. A igreja, instituio aliada coroa Portuguesa, teve importante papel na dominao dos povos nativos da regio do semi-rido nordestino e na organizao de seus povoados, vilas e cidades, atuando por intermdio da catequese, principalmente nas reas de educao e sade (primeiras escolas e hospitais). Atente-se para o fato de que o incio da estruturao do espao urbano deveu-se ao fortalecimento de instituies, como a Igreja,

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juntamente com os poderes jurdico e poltico, dominados pelas elites, e com os criadores de gado e comerciantes, detentores do poder econmico que enviavam o gado pelas trilhas que margeava o rio at o litoral, onde havia as oficinas de salga (no Acara e Camocim). A citao seguinte, ilustra o dito:Percorrendo as cidades localizadas s margens do Rio Acara, por volta de 1723, o Padre Antnio dos Santos Silveira ministrava aulas particulares, enquanto o Padre Antnio Thomas da Serra se dedicava a ensinar a ler, escrever e contar aos meninos moradores da povoao de Caiara e Serra da Meruoca, entre os anos de 1740 e 1787. A primeira escola particular fundada na povoao de Caiara foi por iniciativa do Padre Manuel Gomes do Carmo, em 1761. Filho de escrava, o sacerdote, implantou a escola destinada aos negros, antecipando-se aos brancos, que somente em 1870, criaram uma escola para seus filhos (...)(GIRO e SOARES, 1997, p.100).

Segundo as autoras Giro e Soares (1997), na metade do sculo XVIII, comeava a ser desbravada a serra da Beruoca (Meruoca) para exploraes agrcolas, iniciando assim o seu desmatamento. A serra da Meruoca importante barreira fsica e um dos elementos formadores do clima de Sobral, colaborando com o mecanismo dos ventos (brisas da serra) e de formao de chuvas de conveco1. Por se tratar de uma serra mida, tambm contribui para o aumento da umidade relativa do ar da regio e na hidrologia, atravs das nascentes de riachos tributrios dos rios que correm no vale do Acara (riachos do Mucambinho, do Crrego, Paje entre outros). Em certas pocas do ano, v-se a neblina escondendo completamente a serra, proporcionando manhs de clima bastante agradvel, abaixo, na cidade. Em pocas de muito calor no vale, os fazendeiros subiam a serra, a cavalo, em liteiras ou carros-de-boi, procura de clima ameno, criando o hbito dos veraneios, piqueniques etc. Hoje, com a estrada asfaltada, a tendncia a populao de Sobral morar na Serra, evidenciando o fenmeno de reurbanizao2. Desse modo, o vetor de expanso da cidade, na direo noroeste, no sentido da Serra, bastante forte. Os ndios, primeiros habitantes do vale do Acara, viviam como coletorescaadores at os brancos, colonizadores, chegarem e se apropriarem de suas terras. DeEstas so conhecidas tambm por chuvas de relevo formadas pela brusca subida de massas de ar quente, mais leves, que se encontram com outras de ar frio, ocorrendo condensao e precipitao. 2 (...) processo de imbricao do urbano no rural, uma terminologia que vem sendo empregada por especialistas, com certa intensidade, desde o final da dcada de 70 (...) Coelho (2000, p.193).1

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acordo com GIRO & SOARES (1997, p.20): os Potiguaras e os Tabajaras habitavam as regies de Jaibaras e Ibiapaba; os Tremembs, a regio de Almofala; os Araris, Groaras e Meruoca ; os Tapuias, Jaibaras e adjacncias e os Reris, a Meruoca e o mdio Acara. Ou seja, algumas dessas tribos viviam nas proximidades onde hoje est a cidade de Sobral e muitos fugiram para a serra ou foram dizimados. Ainda de acordo com as autoras, no povoado simples da Caiara foram erguidas uma capela, a casa da fazenda, outras menores com cobertura de palha e, ao redor delas, os currais, mais prximos da margem esquerda do mesmo rio. As condies de vida eram bem precrias. As picadas, os fluxos dos escravos e as tropas de animais geraram os caminhos das boiadas, margeando o rio em direo aos outros centros existentes, como o de Acara, Jaibaras, Aracatiau e Meruoca, constituindose nos embries dos primeiros e empoeirados largos, vias, travessas e praas da vila. O casario concentrado em torno do largo da Capela representou o incio do povoado e alguns, mais distante, acompanharam a direo das picadas e sadas da vila. Tambm, em direo Meruoca, dava-se a ocupao do espao, pela populao mais pobre, constituda de retirantes, escravos etc. Segundo Giro e Soares (1997), o primeiro sinal de que a Vila era erigida foi a construo do Pelourinho na Praa da Matriz, que representava a supremacia e o poderio do governo portugus, onde os negros eram duramente castigados. Ele foi demolido em 1824 pela Intendncia Municipal e, em seu lugar, v-se hoje um monumento comemorativo elevao da localidade Caiara Vila Distinta e Real de Sobral. Distinta, pois fora criada por portugueses e Real, porque por ordem do Rei de Portugal. Quatro anos aps a criao da Vila, veio a seca dos trs setes (1777), causando o incio do declnio da pecuria. A funo comercial fortaleceu o elo entre o interior e o litoral, ligando Sobral com o mercado nacional (capitanias de Pernambuco e Bahia as principais). As tradicionais feiras do Largo da Matriz, na Rua da Gangorra, movimentavam a Vila de Sobral, at mudarem, no final do sculo XIX e incio do XX, para o local onde estava o Mercado Central, na praa Dr. Jos Sabia (ver foto 01). Existia intenso trfego comercial em lombo de tropas de jumentos ou em carros de bois, entre Sobral e o porto de Acara, levando carne salgada, couro e sola para o litoral e trazendo de volta tecidos, artigos manufaturados, objetos de loua e prata e tambm alguns negros. O escambo e o

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crdito pessoal eram a base do comrcio do sculo XVIII e tinha o couro como seu principal produto de exportao Foto 01: Mercado Central na Praa Dr.Jos Sabia em 1905

Arquivo: Museu Dom Jos/Cmara Jnior de Sobral

A foto 02, de 2004, mostra a degradao da mata ciliar com presena de poucas rvores, carnaubeiras, com as vertentes passando por sucessivos processos erosivos dentro do permetro urbano de Sobral. V-se a presena de gado bovino s margens do rio Acara, ainda compondo a paisagem por onde passavam as trilhas e os caminhos das boiadas. Foto 02 Margem esquerda do rio Acara perto do bairro Derby Clube

Foto 02: Paulo Rocha

Fonte: Arquivo Paulo Rocha

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A foto 03, abaixo, chama ateno para as modestas casas dos primeiros moradores da vila. Neste perodo, sem luz eltrica, sem os veculos automotores, o comrcio da vila limitava-se ao entorno do mercado. No perodo chuvoso, as trilhas da boiada acompanhavam o caminho do rio. Uma das residncias mais antigas de Sobral, a casa do Capito-Mor Jos de Xerez Furna Uchoa (1772), exemplo da rusticidade das habitaes setecentistas. O Capito-Mor foi responsvel por trazer mudas de caf, em 1747, e plantar parreiras, tamarindos e mangueiras na serra da Meruoca (stio Santa rsula).3

Foto 03 Tipologia das casas de fazenda e da vila existentes na poca

Casa da Antiga Lagoa da Fazenda (1918) (Fotos: Museu Dom Jos)

Casa do Capito-Mor (1770-80)

A planta da Vila Distinta e Real de Sobral do final do sculo XVIII , em 1773, representada no figura 02, e a planta da Cidade de Sobral de 1850, figura 03, mostram a evoluo da vila cidade por volta do final do sculo XIX. A planta da cidade de Sobral, de 1850, foi confeccionada em virtude da construo da estrada de ferro Sobral-Camocim. Elas tm as seguintes diferenas: a presena da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceio (1850) ao invs da Capela da Vila (1773), possivelmente localizada no

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Fonte: GIRO e SOARES, 1997: 53

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pavimento do lado direito da Matriz, dito contestado pelo estudioso Jos Alberto Dias Lopes. Na planta de 1850, j aparecia o embrio da malha urbana da cidade com espaos pblicos como praas, alm do Teatro So Joo, da Igreja das Dores, e da Igreja do Menino Deus. A planta da Vila (1773), mostra os caminhos dos escravos entre a Gangorra, onde trabalhavam nos currais de gado, e a Igreja do Rosrio dos Pretinhos e seu largo, onde se realizavam as festividades dos negros.4 O mercado pblico, composto de estrutura metlica, localizava-se esquerda da Capela de Nossa Senhora da Conceio em direo Gangorra. Uma lagoa existia no local em que se encontra, hoje, a praa Jos Sabia, para onde tambm foi o Mercado Pblico, depois que saiu de perto da Matriz. Segundo Olmpio, O beco da Gangorra terminava na vrzea que o rio Acara inundava nas cheias, em um renque de casas velhas habitadas por michelas e soldados do destacamento (OLMPO, 1999, p.100).O beco da Gangorra compreende, hoje, a rua Rodrigues Jr. e vai da estao rodoviria at a Cmara dos Vereadores. Pela Foto 04, a seguir, v-se o padro rstico das casas do perodo colonial, geminadas, de ps-direitos baixos, duas guas, sem passeio, dando para ruas de terra batida, empoeiradas, sem infra-estrutura nem arborizao.

Foto 04 Casas que davam a frente para o largo da Igreja Matriz de Sobral

Casario da Praa da S. Tipologia simples (Foto: Museu Dom Jos)

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como a festa do Reisado do Congo, entre outras.

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O quadro 01 mostra a evoluo dos fatos histricos de Sobral no perodo colonial com o incio do povoamento nas fazendas de gado, s margens do rio Acara. Quadro 01 Sobral: evoluo da ocupao do espao no sculo XVIIIDatas 1702 1716 1722 1746 1750 1765 Fatos histricos importantes Antnio da Costa Peixoto, portugus conseguiu sesmarias na Ribeira do Acara Instalao do Curado do Acara na Fazenda Caiara

Fazenda Caiara sede do curado Construda a primitiva capela na Fazenda Caiara. Vinda da filha e do genro de Antnio da Costa Peixoto para morarem na Fazenda Caiara No local onde hoje se encontra a pequena Igreja de Santo Antnio, existia um nicho de Nossa Senhora do Bom Parto. 05/07/1773 Criao da Vila Distinta e Real de Sobral, primeira sesso realizada na Cmara Municipal. 1777 Grande seca, incio do declnio da criao do gado.Concluso da Capela-Mor(Capela de N.S.do Rosrio dos Pretinhos) 1778 Lanamento da pedra fundamental da Igreja Matriz. 1781 Concluso da Capela-Mor Fonte: Adaptado do Livro Sobral Histria e Vida (GIRO e SOARES, 1997).

No final do sculo XVIII, foi erguido um Cruzeiro ou Cruz das Almas, pelo missionrio Frei Vidal de Penha, onde hoje o Arco do Triunfo. No mesmo perodo, surgiram as primeiras casas do largo do Rosrio, construdas sem alinhamento, provocando uma irregularidade no traado urbano, o que deu origem ao Becco do Cotovelo5, visto hoje mais como uma riqueza de perspectivas e paisagens. 100 metros de rua, um dos espaos de sociabilidade mais importantes da cidade e o mais democrtico. Aproximadamente, 150 anos de histria e tradio popular, espao da fofoca, do bate-papo sobre o cotidiano sobralense. Local pitoresco, ldico, de encontros, da memria e dos costumes.

2.3 A Economia algodoeira no sculo XIX e a expanso de Sobral No sculo XIX, em 1841, Sobral passa de vila a cidade, e, diante do crescimento do aglomerado urbano, tanto em populao quanto na diversificao das suas atividades econmicas e culturais.A 12 de janeiro de 1841, Sobral foi elevada condio de cidade, com o nome de Fidelssima Cidade Januria do Acara, pela Lei Provincial no. 229, do Presidente Jos Martiniano de Alencar. Era a afirmao de Sobral como centro

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Fonte: GIRO e SOARES, 1997: p.83

34 urbano, difusor de cultura em todo o norte cearense (GIRO e SOARES, 1997, p. 21).

O sculo XIX marcado pela difuso das atividades algodoeiras. Fortaleza enriqueceu com o ouro branco. Sobral tambm reforou sua economia, virando centro poltico e cultural da regio norte da Provncia do Cear. Ambas transformaram seus centros urbanos, ganhando ares de cidades comerciais, retomando o crescimento da economia cearense. A economia do gado teve notria decadncia, nesse perodo, porm o binmio do gado-algodo ainda foi o responsvel pela expanso da cidade de Sobral. A sociedade sobralense com o processo de acumulao de capital, no perodo da produo da pecuria e do algodo, foi adquirindo um padro de consumo mais elevado. Os produtos manufaturados eram todos importados da Europa e chegavam pelo porto de Camocim. Os sobralenses acompanhavam a moda e os ditames europeus. Vestiam-se os homens de bens de terno de casimira preta, fraque preto e sobrecasaca, e as donzelas de longos vestidos bordados, chapus e guarda-sis, enquanto a pobreza dominante vestia a chita ou tecido grosseiro de algodo moc. Predominavam, porm, os espaos das ruas estreitas, de terra batida, com pequenas casas. A expanso urbana deu lugar ao surgimento de edificaes do tipo sobrado. Conforme Castro (1997), houve trs fases que marcaram o perodo dos sobrados: a primeira, do incio do sculo XIX, quando aquelas construes possuam paredes grossas, telhados de duas guas, a exemplo do sobrado do Cel. Incio Gomes Parente, construdo em 1814, o mais antigo da cidade; o sobrado do Radier e o do Senador Paula Pessoa, atual Colgio SantAna. A segunda fase foi a dos sobrados com motivos greco-romanos, Bonaparte, com telhados de trs ou quatro guas. A terceira foi a do solar, residncia espaosa, com ptio interno, grandes grades de ferro, alguns dos quais revestidos de azulejo portugus, em decorrncia das novidades da Corte Imperial. O prdio atual da Cmara Municipal foi construdo na primeira metade do sculo XIX, substituindo a primitiva Casa de Cmara e Cadeia, sendo reformado na segunda metade do mesmo sculo. Faz parte, hoje, do Patrimnio Histrico de Sobral. Na segunda

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metade do sculo XIX, surgiram em Sobral novos estilos nas fachadas das edificaes, seguindo os modelos urbansticos neobarroco e o neoclssico. Ao final do mesmo sculo, o movimento ecltico misturou os estilos, ampliando a diversidade dos mesmos nas edificaes, surgindo a novas diretrizes para o traado urbano, ficando assim as quadras melhor definidas. A uma quadra acima da Rua do Negcio (em direo norte), numa rea de aterramento de uma lagoa, foi construdo o Mercado Pblico, que passou a ser o centro do comrcio com feiras de finais de semana, para onde convergiam os fazendeiros a fim de adquirir produtos da cidade, comprando-os ou trocando pela produo do campo. O comrcio na Praa do Mercado Pblico (sculo XIX), atual Dr. Jos Sabia, interligava os dois primeiros ncleos populacionais de Sobral: o Largo da Matriz (feira do sculo XVIII) e o largo do Rosrio. A seca dos dois setes (1877-1878) acarretou quase o total declnio do comrcio das charqueadas no Cear, fato agravado pela concorrncia da produo do Rio Grande do Sul. A sada encontrada pelos fazendeiros foi plantar algodo, cultura que seria responsvel pela intensificao da eroso do solo, em razo do desmatamento de grande parte da vegetao, para dar lugar ao seu plantio. A primeira fase da implantao de indstrias em Sobral foi a dos setores txtil (beneficiamento de algodo e seus derivados) e de couro (e seus derivados). A vinda de Ernesto Deocleciano de Albuquerque, de Acarati para residir em Sobral, montando uma indstria txtil, em 1895 (fotos 05 e 06), marcou o incio das atividades industriais de Sobral, que experimentou grande crescimento econmico graas exportao dos fios e tecidos, atravs da Estrada de Ferro de Sobral (ver foto 30 e 31), aliada ao escoamento da produo algodoeira, atravs do porto de Camocim. A presena dessa primeira indstria teve reflexo direto na infra-estrutura da cidade, haja vista que data de 1895 a primeira rede de iluminao pblica, ainda com lmpadas a querosene, em postes de madeira, que permaneciam acesas at s 21:00 hs. e apenas nas vias principais de Sobral.

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Quanto aos transportes, a Empresa Carril Sobralense (1894-1918), somava seus bondes puxados a burros, a outros meios j conhecidos (cavalos, jumentos, carroas etc). Foto 05 e 06 Fbrica de Tecidos Ernesto Deocleciano at hoje funcionando

Foto: Arquivo Jos Alberto Dias Lopes

Foto: Arquivo Nirez

Outros tipos de indstrias sobralenses foram as extrativistas de produtos vegetais e minerais, cuja matria-prima era comum na regio, como: oiticica, palha e cera de carnaba, mamona, argila (olarias), calcrio etc. Eram elas: Casa Quirino Rodrigues (1916) exportao de castanha-de-caju, couros e oleaginosas; Fbrica Santa Catarina (1916) guaran, cidra, champagne, conhaque de alcatro, vinhos e xaropes de morango; Fbrica Hermanos (1929) indstria de guaran. Trechos do romance do escritor de Luzia-Homem, Domingos Olmpio, mostram o cotidiano da vida comercial sobralense:(...) organizou o comboio com trs burros, e outros tantos cavalos de sela, e partiu na direo de Sobral, a cidade intelectual, rica e populosa, emprio do comrcio do Norte da provncia, na qual o governo estabelecera opulentos celeiros (OLMPIO, 1999, p. 151).

OLMPIO (1999, p.52), j descrevia Sobral no sculo XIX como um centro polarizador, exercendo forte atratividade populao rural: A salvao estava em Sobral, na cidade formosa e opulenta, o osis hospitaleiro anelado pelas caravanas de pegureiros esqulidos. Uma importante rota comercial era a estrada real que ligava Sobral a Acara (CE) ao longo da margem esquerda do rio de mesmo nome, depois substituda pela CE-178. Com a intensificao das atividades pecurias e algodoeiras, s margens do Acara,

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registraram-se as iniciais alteraes no equilbrio geoecolgico, surgindo paisagens agrrias e pastoris fortemente modificadas. A foto 07 mostra o desmatamento e o uso extensivo agropastoril s margens daquele rio.

Foto 07 Desmatamento das vertentes do rio Acara, retirada de madeira

Foto: Arquivo Nirez

Pela ltima dcada do sculo XIX, Sobral sofreu um decrscimo populacional (ver quadro 02), em razo da pobreza, fome e epidemias decorrentes da conhecida seca dos dois setes, a despeito do intenso fluxo migratrio de retirantes decorrente daquele flagelo. No quadro 03, vem-se os principais fatos histricos de Sobral do sculo XIX, entre eles a elevao da vila condio de cidade (1842) e o xodo rural causado pela pior seca do Cear (1877).

Quadro 02 Populao de Sobral (1777-1900) POPULAO DE SOBRAL (1777 1900) ANO 1777 1813 1872 6.207 15.518 27.567 POPULAOFonte: UCHOA, W. Anurio do Cear, Fortaleza, 1962.

1900 23.578

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Quadro 03 Cronologia dos principais fatos histricos de Sobral no sculo XIXConstruo da Casa do Capito-mor da Vila.. Construo da Capela do Bom Jesus dos Passos Fidelssima Cidade Januria do Acara, Lei Provincial no. 229, do Presidente Jos Martiniano de Alencar. Elevada a condio de cidade. 25/11/1842 Cidade de Sobral, Lei Provincial no.244. Voltando o nome. 1877 A pior seca dos dois setes. xodo da populao sertaneja para o litoral (capital) e principais cidades do interior do Cear como Sobral. 1878 Decreto no.6.918, autoriza a abertura de crdito para construir a estrada de ferro de Sobral a Camocim. 26/07/1880 Inaugurao do Teatro So Joo. 1884 Escravido foi oficialmente extinta em Sobral. 1885 Emancipao da Meruoca (desmembrando de Sobral) 1893 Fundao do Derby Clube Sobralense 1897 Emancipao de Massap (desmembrando de Sobral) Arrendamento da Estrada de Ferro de Sobral a firma Sabia, Albuquerque & Cia.(contrato rescindido em 1910). Fonte: Livro Sobral Histria e Vida (GIRO e SOARES, 1997). 1814 1823 12/01/1841

No sculo XIX o Cear passou por vrios surtos epidmicos de clera, varola etc., provocados, em parte, pela afluncia de populao das zonas rurais para as cidades que sem infra-estrutura que atendesse quele contingente populacional, acabou por desencadear todo o desenvolvimento das epidemias presenciadas naquele perodo.

O xodo rural em direo s grandes cidades do Estado do Cear, principalmente capital, Fortaleza, ocasionou um alto ndice de mortalidade devido s epidemias, como a peste de varola, de clera. O Brasil copiava modelos produtivos e urbansticos europeus, mas no seguia o exemplo infra-estrutural e higienista. Por isso o caos, s vezes, era inevitvel. Cidades que cresciam desordenadamente eram vtimas de calamidades pblicas. As principais cidades cearenses transformaram-se em cenrio de terror... (...) Cidades nobres como Sobral (do norte) e Ic (do serto), cujas belezas arquitetnicas eram apreciveis, viram-se num patamar de igualdade nada invejvel diante de assombrosa epidemia de febre amarela que vitimou 124 pessoas entre maio e agosto de 1852 (SILVA, 2003, p.12).

Doenas epidmicas, iniciadas desde 18626, intrigavam os mdicos da poca, pois lhes desconheciam o agente causador, percebendo apenas seu fortalecimento durante os perodos chuvosos, o que os fazia relacion-las com a gua. A falta de saneamento bsico e6

. O primeiro caso de clera foi verificado em Fortaleza no dia 13 de maio de 1862, alastrando-se por todo o Estado. A Vila de Io, que contava com cerca de 3.000 habitantes, perdeu quase a metade da populao com a clera, 1.400 almas, 1.960 vidas foram ceifadas em Maranguape, e em Sobral tambm morreu bastante retirante com a peste negra, pode-se notar pelos relatos do livro Luzia-Homem, de Domingos Olmpio.

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mesmo a escassez e/ou poluio da gua nos centros urbanos agravaram os problemas de sade pblica. Em pleno sculo XXI, ainda se verificam bitos pela dengue hemorrgica, uma doena de veiculao hdrica. Obras assistencialistas foram promovidas para gerao de emprego e subsistncia da populao carente7. Contudo, em razo do progresso da burguesia comercial e da fase de implantao das indstrias, o processo de urbanizao e o crescimento da cidade puderam seguir adiante, como ilustra Villaa:

Um dos traos marcantes do processo de urbanizao que se manifestou no Brasil a partir do sculo XIX foi o rpido crescimento das camadas populares urbanas. Terminando o perodo de patriarcalismo rural(...) e iniciando o perodo industrial das grandes usinas e das fazendas e at estncias exploradas por firmas comerciais das cidades (...) (VILLAA, 2001, p.226).

Por volta do ano de 1860, chegou a Sobral a primeira tipografia (a Typographia Constitucional) apoiada por membros do partido Liberal e, em 1864, circulou o primeiro jornal impresso na Cidade, O Tabyra, o que no duraria por muito tempo.8(Ver foto 08).9 Nos primeiros jornais, viam-se tambm anncios de compra e venda, inclusive de escravos. Em 1872, o Dr. Jos Jlio de Albuquerque Barros, mais tarde conhecido como Baro de Sobral, veio residir na cidade, tornando-se governador da Provncia do Cear em 1878 e, posteriormente, da Provncia do Rio Grande do Sul entre 1883 e 1885. Abolicionista, como Presidente do Conselho de Ministros do Imprio, incentivou a criao do Gabinete de Leitura (1877), assinou a Lei urea, (1878), criou a biblioteca que funcionava no andar trreo da Casa de Cmara e Cadeia do Teatro So Joo (1880) e favoreceu a construo da Estrada de Ferro de Sobral (1882).

7 A partir de 1877, deu-se incio a construo da Cadeia Pblica ou penitenciria, no bairro do Junco, antigamente distante e isolada do ncleo urbano e construda pelos retirantes da seca, como frente de servio. 8 Depois em 1881, a Gazeta de Sobral, rgo do Partido Liberal, foi impresso no primeiro prelo de ferro da cidade, o Correio da Semana (1918) de Dom Jos, O Rebate, do Partido Democrata (1907-1920); a Ordem, do Partido Conservador (1916), A Lucta (1914) de Deolino Barreto, assassinado por inimigos polticos. 9 Fonte: GIRO e SOARES, Sobral Histria e vida, 1997, p. 91

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Foto 08: Tipografia de Sobral (Jornais Antigos)

Arquivo: Paulo Rocha 25/05/04

Em 1875, foi criada a Sociedade Cultural Unio Sobralense, com a finalidade de promover o desenvolvimento cultural da cidade. Ela foi a responsvel pela construo do Teatro So Joo, inaugurado em 26 de setembro de 1880. A cidade comeava a ter uma vida mais intensa, cultural e comercial. A infraestrutura ainda era muito precria, mas o ncleo urbano crescia sem parar, em razo da polaridade que exercia em toda a regio Norte. Com advento do trem, elegeu-se o para a estrada de ferro, o trecho ao longo do rio Acara, desde sua barra at Sobral, perfazendo por volta de 140 km, com trs estaes (Camocim, Granja e Sobral). Quanto a este fato, Oliveira comenta:(...) pelo Decreto no.6.918, datado de 1 de junho de 1878, decidiu o Governo Imperial ordenar a construo de uma via frrea do porto de Camocim cidade de Sobral, com o fito de salvar o povo faminto, proporcionando trabalho a milhares de emigrantes.[...] muitos trabalhadores da via frrea foram vitimados pela fome e epidemia de bexigas (varola). (...) as obras da estrada de ferro de

41 Sobral proporcionaram trabalho a milhares de pessoas flageladas pela terrvel seca que assolou a Provncia do Cear no perodo de 1877 a 1879 (OLIVEIRA, 1994, p.38 e 68).

Finalmente em 31 de dezembro de 1882, foi solenemente inaugurada a estao da cidade de Sobral, quando ento se entregou ao pblico mais 22.600m de ferrovia, percurso compreendido entre Massap e Sobral (OLIVEIRA, 1994, p. 89). Neste mesmo ano, a recm-inaugurada Estao Ferroviria de Sobral, com a movimentao popular, deu incio a um novo bairro, com uma capela em honra a Nossa Senhora do Patrocnio, sendo concluda a igreja, em 1900, no local onde existiu o primeiro cemitrio da cidade, hoje Praa Oswaldo Rangel. O transporte ferrovirio viabilizou a indstria e o comrcio da cidade de Sobral, permitindo a ligao entre a produo e os mercados consumidores. Na foto 09, v-se a Rua Vitria, atual Avenida Dom Jos, uma das principais artrias da cidade, corredor comercial e cultural, vitrine dos principais sobrados da cidade e dos principais acontecimentos histricos sobralenses (rea tombada pelo IPHAM). Atente-se para o sistema de transporte via bonde e o desenho dos trilhos na pavimentao da Rua e tambm para a falta de arborizao.

Foto 09: Rua da Vitria (trilho do bonde)

Arquivo: Jos Alberto Dias Lopes

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O primeiro plano de urbanizao para cidade de Sobral, foi executado pela comisso do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro, com a equipe Astronmica-Geogrfica e de Botnica, em janeiro de 1861, (...) a pedido da Cmara dos Vereadores, e (...) sob responsabilidade de Raja Gabaglia, (...), o que credenciou aquela cidade a ser a primeira do Nordeste a ter um planejamento urbano (GIRO e SOARES, 1997, p.132).

2.4 Sobral no sculo XX: avano da modernidade e da urbanizao... das piores heranas que o sculo XX recebeu do passado a noo de que o progresso humano baseia-se na superao de todo e qualquer obstculo atravs das foras do trabalho e da tecnologia o que supe sempre uma liberdade conquistada custa da degradao do meio ambiente (LEIS, 1999, p.206).

Ao se iniciar o sculo XX, o movimento da Estrada de Ferro de Sobral j era bastante acentuado, no somente no transporte de passageiros e bagagens, como tambm de mercadorias e animais (OLIVEIRA, 1994, p. 117). A ferrovia era o nico meio de transporte utilizado por autoridades que desejassem conhecer Sobral. Eficaz e barato, disposio das populaes existentes ao longo de seu traado, servia, portanto, vasta regio notoriamente desprovida daqueles meios, porm seu estado geral de conservao era bastante precrio no primeiro quartel do sculo XX. Em janeiro de 1950, ocorreu uma tentativa de desativao das oficinas da ferrovia em Camocim. Foi o incio do declnio da estrada de ferro de Sobral. Considerada desde seus primrdios como uma das mais importantes vias de penetrao para os vastos sertes cearenses, foi rebaixada condio de mero ramal ferrovirio, no segundo quartel do sculo XX, quando se estabeleceu, finalmente, a ligao ferroviria entre Fortaleza e Sobral, unindo-se, deste modo, a Capital cearense s ferrovias que atingem o Piau e o Maranho. Era o fim da rota comercial Sobral porto de Camocim. A lei visando ao desmonte do sistema ferrovirio foi a de no. 2.698, datada de 27 de dezembro de 1955,

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criando o Fundo Especial para a construo, revestimento e pavimentao de rodovias destinadas a substituir ramais ferrovirios. Segundo Oliveira (1994) , na dcada de 1910, o transporte de Sobral a Fortaleza era feito a cavalo, em comboios que percorriam estreita estrada carrovel, em, aproximadamente, cinco dias. No espao intra-urbano, o transporte de pessoas era feito por charretes ou liteiras (da poca dos escravos). A partir da dcada de 1920, comearam-se a utilizar, como meio de transporte entre as cidades, caminhes mistos, os paus-de-arara. Em 1919, chegou o primeiro Jipe com a comisso cientfica de Einstein para observar o Eclipse Solar. Havia pouqussimos carros em Sobral nessa poca(1 quartel do sculo XX). As descobertas cientficas da equipe do famoso fsico Einstein, alm de ter sido cenrio da configurao da Teoria da Relatividade, fez de Sobral uma cidade conhecida mundialmente (Ver foto 10). Foto 10: Monumento do Eclipse Solar

Arquivo: Museu Dom Jos

A Estrada Sobral-Meruoca foi iniciada em 1916 e terminada em 1918, indo at a Mata Fresca, hoje limite entre os dois Municpios. Era pavimentada de pedras com numerosas curvas e aclives, em alguns pontos muito ngremes. O clima da Serra, com a mnima de 17C e mxima de 27C, estimulou o passeio dos sobralenses at serra, fugindo do calor de Sobral. Temporadas inteiras de frias eram passadas nos stios.

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Em Sobral, atrs da Igreja Matriz, foi construda a Fbrica de Beneficiamento de algodo e arroz Santa Emlia ou Emiliana (1918), que tambm abrigou a Usina de Energia e Fora, do Sr. Oriano Mendes, figura de grande importncia pelas aes de modernizao do espao urbano, com a eletrificao, e pelo seu empreendedorismo. Ele fundou, na dcada de 40, a Fbrica Randal de beneficiamento de algodo (na Praa da S) e foi proprietrio do Banco de Crdito Agrcola, das primeiras fbricas de rede, de mosaico e de gelo (ver Foto 11). A CIDAO (1921) Cia. Industrial de Algodo e leos S.A teve como seu fundador Trajano de Medeiros, industrial exportador de leo de oiticica, mamona e algodo. A CIDAO funcionou at 1980 e foi uma das primeiras indstrias a ser implantada alm dos limites da linha frrea, local visto, na poca, como subrbio, expandindo a rea central, criando assim outra centralidade nos bairros Derby e Pedrinhas, prximos ao rio Acara.

Foto 11 Fabrica de Beneficiamento de algodo Santa Emiliana

Foto: Arquivo Jos Alberto Dias Lopes ( Atual)

Foto: Arquivo Jos Aberto Dias Lopes (antiga)

No bairro das Pedrinhas, habitado por uma populao de baixa renda, com pequenos casebres beira dos trilhos da estrada de ferro, Fortaleza-Sobral, perto da ponte Otto de Alencar, estabeleceu-se o primeiro curtume da cidade, chamado Mofo.

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O cenrio nacional da dcada de 20, daquele sculo, deu origem ao Brasil Moderno, da consolidao da economia urbana e industrial predominantemente voltada para o mercado interno, numa poltica de substituio de importaes. Era o advento do Estado burgus, de intensas mudanas de uma sociedade de classes em formao.A cincia e a tecnologia, que comearam a avanar com muita velocidade durante o sculo XIX, desenvolveram-se mais rapidamente ainda a partir do incio do sculo XX, com o advento da forma de produzir fordista e a intensificao da atividade industrial. As tcnicas se tornaram cada vez mais sofisticadas e foram multiplicadas em massa, ocupando o territrio (CUNHA e GUERRA, 2003, p. 28).

Em Sobral, no incio do sculo XX, no existia ainda iluminao eltrica, pois s a partir de 1924, com a Cia. de Luz e Fora de Sobral, o ncleo urbano sobralense comeou a ganhar ares de modernidade. A cidade j contava com 18.000 habitantes, um grupo escolar com seis salas, o Seminrio Menor (Betnia) e surgiam os primeiros automveis nas ruas e a primeira forma de organizao dos comerciantes sobralenses a Associao Comercial, surgindo logo aps, a Associao dos Empregados do Comrcio. Em 1926, Sobral viu acenderem-se as primeiras lmpadas eltricas. Assim a febre dos cinemas pde chegar cidade com o cine Teatro So Joo, em 1928, depois o Cine So Jos (atrs do Colgio SantAna), Cine den, Cine Glria e Cine Rangel (1952). Objetos e tcnicas foram ocupando o espao urbano de Sobral medida que as novidades eram trazidas de outros centros mais desenvolvidos. As influncias externas da ordem global invadiram a ordem local, transferindo novos costumes e alterando os sistemas de valores da sociedade. Era a cultura americana que invadia, inclusive, o interior cearense, embora ainda subsistissem os valores culturais da prpria populao. A fundao da Academia Sobralense de Letras, em 1922, veio como exemplo dessa contrapartida. Na foto 12, o Palace Clube, inaugurado em 1926, com nova sede na Praa da Meruoca, ponto de encontro da sociedade sobralense, um dos edifcios

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mais bonitos de Sobral no estilo neoclssico10 que movimentou requintadas festas, shows etc. O acesso era extremamente selecionado a esses espaos de sociabilidade da elite. Foto 12: Palace Clube onde a aristocracia sobralense se divertia

Arquivo: Jos Alberto Dias Lopes

Em 1930, a Cmara Municipal de Sobral aprovou o primeiro cdigo de obras e postura, na gesto do Prefeito Dr. Jos Jcome de Oliveira . Esse cdigo regulamentava normas para passeios, platibandas, beirais, muros e tapumes de obras; fixava o gabarito das casas em 4,60m , a rea mnima da sala, o gabinete ou quarto de dormir nunca inferior a 12,00m, nos novos prdios que fossem construdos. Ele impunha mais regras de posturas do que propriamente de obras. Vale salientar a segregao social como forma de manter a boa compleio da cidade, pelo Art 4. prohibido dentro do permetro urbano edificar casas de palha ou taipa, assim como construir cercas ou curraes de madeira ou material anlogo. Regras de trnsito para os primeiros veculos da cidade, tambm constavam no cdigo, como no Art 50: No permetro urbano a velocidade mxima permitida ser de10 Os estilos arquitetnicos entre eles, o art-nouveau, atingem as residncias de Sobral, imitando o que acontecia na Capital. O mercado pblico composto de um pavilho de ferro (1919) semelhante ao do mercado dos Pinhes em Fortaleza, no estilo art-nouveau foi demolido em 1935, para no seu lugar ser construda a Coluna da Hora (1942), semelhante da praa do Ferreira (Capital). Um dos cones da cidade de Sobral e ponto de encontro de populares, a Coluna da Hora foi extenso natural do Becco do Cotovelo. Em 1955, a sede prpria do Derby Clube foi construda margem esquerda do Rio Acara, no bairro denominado Derby, da elite sobralense. Obedecia aos padres ingleses de funcionamento, com turfes nas tardes de domingo. A tradio faz parte do cotidiano sobralense de imitar os europeus e americanos tambm. Em 1956, o Music-hall, outro clube improvisado na casa de Vicente Barbosa de Paula Pessoa, animou a sociedade com festas.

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20km/h (...). Note-se a diferena na relao espao-tempo daquela poca para hoje, quando o limite de velocidade urbana permitido pelo menos trs vezes maior (60km/h).11 Na dcada de 30, sc. XX, uns poucos automveis e caminhes, comearam a ganhar os espaos das Ruas e da paisagem urbana, com seus rudos, fumaa, buzina, juntamente com o bonde puxado trao animal, da empresa Carril Sobralense. O objeto de desejo das classes abastadas sobralenses era ter um Chandler, ou Chevrolet, ou Ford, ou Overland ou ainda um Studbaker, todos importados12 e a maioria transportada de trem, para Sobral, do porto de Camocim ou de Fortaleza13. [...] o deslocamento de matria e do ser humano tem um poder estruturador bem maior do que o deslocamento da energia ou das informaes (VILLAA, 2001. p.20). O Novo Mercado, importante plo gerador de trfego, foi construdo em 1940, em frente da Cadeia Pblica. Era preciso dotar a cidade de uma dinmica forte de comrcio/servios e de espaos econmico-administrativos. A construo do mercado acelerou a criao de nova centralidade com vetor de expanso norte/noroeste em direo a estrada Sobral-Meruoca14. Na primeira metade do sculo XX, mais precisamente em 1935, foi concluda a ponte Otto de Alencar sobre o rio Acara, entrada da cidade, medindo 205m por 10m de largura, ligando Sobral a Fortaleza, por meio da rodovia BR-222. O transporte de passageiros e cargas de Fortaleza a Sobral comeou a ser feito tambm em 1940 pela Empresa So Cristvo, incrementando o xodo rural para a Capital e o vetor de expanso na direo sul da cidade. Por meio da ponte havia o deslocamento mais facilitado da populao e de cargas, estruturando e ampliando os fluxos intra-urbanos. Sobral foi a ltima cidade cearense, importante, a ser integrada rede urbana do Estado e, o foi, com a construo da ponte Otto de Alencar sobre o rio Acara, cuja concluso aconteceu entre os anos de 1932 e 1935.

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Fonte: Cdigo de Obras e posturas de Sobral (1930)

Hoje, em 2005, o carro importado (Toyota, Mercedes-Benz, Audi etc.) ainda um grande objeto de desejo e poder, de status social, bastante notado nas ruas e avenidas da cidade sobralense (ver matria de jornal nos anexos dessa pesquisa.) A concentrao de renda em Sobral foi e ainda altssima, bem como a segregao socioespacial.13 O Jornal O Povo, de 9/01/1928, dizia que a estrada de Fortaleza a Sobral estava em pssimas condies e levava quase um dia inteiro no trajeto, hoje, de nibus, pela BR-222 faz-se esse percurso em quatro horas e meia de viagem (a realidade ainda continua crtica!!). O trajeto dos anos 30 era o seguinte: tinha que seguir de Sobral sentido Fortaleza de trem at Umary, hoje Umirim, para, daquele lugar, seguir de carro de Catuana ao Soure (Caucaia, hoje).14 Plo gerador de trfego equivale a empreendimentos que geram grande nmero de viagens, determinando um alto fluxo de pessoas e matrias.

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Para diminuir o tempo das viagens entre Sobral-Fortaleza, inaugurou-se o Aero Clube de Sobral ou Aerdromo (1941). Incio do transporte areo em Sobral. O padre Palhano que era piloto de avio, em 1954, oficialmente inaugurou o Aero Clube de Sobral. A construo do Aeroporto Cel. Virglio Tvora terminou em 1979, ocupando uma rea de 850,00m2. Uma equipe do DAC Departamento de Aviao Civil esteve recentemente no aeroporto e efetuou estudos tcnicos de viabilidade. Os tcnicos propem a construo de um outro Aerdromo na estrada que liga a BR-222 ao Distrito de Jaibaras (Jornal Expresso do Norte ms de Abril/2005, p.4). Tambm em Sobral, o processo de massificao cultural15 criou na sociedade de consumo o endeusamento da cultura moderna, do novo, vindo dos pases desenvolvidos, da tecnologia, do fascnio/ fetiche da mercadoria, culminando em 1952, com a era do rdio, com novelas, programas musicais etc., quando se instalou a primeira emissora de rdio sobralense: a Rdio Iracema de Sobral16. Os correios substituram a agncia postal e telegrfica, em 1932, marcando nova era na histria da comunicao sobralense. Em 1947, instalou-se a estao radiotelegrfica no prdio dos correios, situada Praa Senador Figueira. A comunicao era sinnima de progresso. Em matria de infra-estrutura das comunicaes, a partir de 1954, foram instaladas as primeiras 600 linhas telefnicas com respectivo Centro Telefnico de Sobral. Quanto aos espaos tidos como marginalizados pela sociedade sobralense, a demolio da Cruz das Almas, em 1929, teve o objetivo de retirar os bbados, prostitutas e outros desocupados daquela rea, transformando-a em bairro residencial (rea expandida do centro de Sobral). Em 1934, a ala direita da Avenida So Joo foi concluda. Na Praa do Teatro So Joo concentrava-se o espao cultural de Sobral, por muitos anos, o ponto de lazer dos sobralenses. A elite elegeu esta nova ala direita (a Rua dos brancos na Praa da Ema) como rua privativa por onde desfilavam os nobres, ficando a ala antiga (perto da Igreja) destinada s classes menos favorecidas da sociedade, ou seja, diferenciando os espaos pelo poder aquisitivo, exemplo de segregao espacial ainda

15 Processo onde o inconsciente coletivo se encontra povoado de smbolos, marcas, sons, jingles, do modelo moderno de viver, contagiado pelos novos meios de comunicao. Assim o homem tem a representao de qualidade na idia de capacidade de consumo, do poder de compra, do ter se sobrepondo ao ser. Assim a elite sobralense vaidosa, orgulhosa de seus heris, de sua histria, da sua origem branca portuguesa; criam mitos como o de Dom Jos, Pe. Ibiapina, Domingos Olmpio, entre outros; monumentos que os remetem a lugares grandiosos (Paris Arco, Rio de Janeiro Cristo Redentor etc.). 16 Sobral o pioneiro dos Municpios da regio em receber uma estao de rdio, saindo na frente no progresso. Encerrou esta rdio suas atividades em 1980. Houve outras rdios: Rdio Educadora do Nordeste (1959), Rdio Tupinamb (1962), Rdio Assuno (1987), FM Tupinamb (1988).

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bastante presente na fragmentao do espao urbano de Sobral. No entanto, segundo memorialistas, no havia conflitos, pois a forma de lazer era a mesma: ouvir a Coluna da Rdio Imperador (1938) do servio de auto-falantes da Praa (18h s 21h), cada qual do seu lado. Esta avenida dos brancos passou a ser, naturalmente, caminho de passagem dos seminaristas e fiis estrada da Bethnia e ao Seminrio.. Os acessos foram sendo criados e, aos poucos, os espaos vazios foram sendo preenchidos e a cidade foi crescendo alm dos trilhos da estrada de ferro. Em 1939, a Gruta de Nossa Senhora de Lourdes, atual entrada do Campus da UVA Bethnia, passou a ser um centro de romaria em homenagem apario de Nossa Senhora a Bernadette Soubirous, em Lourdes, Frana, aumentando ainda mais o fluxo de pessoas pelo caminho da Lagoa da Fazenda. No mesmo ano, foi inaugurado no Morro do Cruzeiro das Misses, o Cristo Redentor (com 28 metros de altura), criando outro vetor de expanso, agora no sentido oeste da cidade (ver foto 13). Atualmente, situa-se no bairro Alto do Cristo, proporcionando uma vista panormica das mais bonitas de Sobral, porm ainda pouco explorada como ponto turstico, em funo do abandono do lugar pelo poder pblico e da criminalidade. Foto 13: Cristo Redentor de Sobral Bairro Alto do Cristo (Vista Panormica)

Arquivo: Paulo Rocha (13/05/04)

Um outro vetor de expanso, no sentido sul da cidade em relao rea central, originou-se com o desenvolvimento dos bairros Dom Expedito e Sinh Sabia e depois, mais outro, na dcada de 70, com a construo dos conjuntos habitacionais da COHAB I e II, dando o mesmo nome aos respectivos bairros da zona sul de Sobral. Foi inaugurada, em

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1975, por iniciativa do Monsenhor Alosio Pinto, a igreja de Nossa Senhora de Ftima. No ano de 1948, foi construda, na periferia de Sobral, no bairro Sumar, a Igreja de So Jos, dando incio expanso urbana da poro Sudoeste da cidade. Em 1982, foi construdo o Memorial Dom Jos em comemorao ao seu centenrio. As vilas operrias comeavam a aparecer nesse perodo. A Vila Janoca, situada na Praa da Santa Casa, era considerada um espao de lazer para a classe trabalhadora, bem como o Cassino dos Operrios (anexo