A CIDADE DAS CHAMINÉS -...
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A CIDADE DAS CHAMINÉSHISTÓRIA DA INDUSTRIALIZAÇÃO DE PESQUEIRA
BETÂNIA FLÁVIA CAVALCANTI GALINDO
Orientador: José Raimundo Oliveira Vergolino, Ph.D.
Dissertação apresentada como requisito complementar para obtenção do grau de Mestre em Administração, do Centro de Pesquisa e Pós-Graduação em Administração da Faculdade Boa Viagem.
Recife, 2007
AGRADECIMENTOS
Foi um trabalho árduo, mas que me fez despertar para a história de minha cidade e
rememorar a época maravilhosa que em Pesqueira vivi.
Sem a importante ajuda de algumas pessoas este trabalho jamais poderia ser
realizado, por isso, a essas pessoas o nosso sentimento de gratidão é imenso.
Agradeço inicialmente ao meu orientador Prof. Raimundo Vergolino, que com seu
criterioso padrão fez com que eu buscasse ao máximo o aprimoramento da dissertação sem,
contudo, alterar a afabilidade com que me tratou.
Agradeço ao Prof. Olímpio Galvão, pelo constante estímulo que me ofereceu,
fazendo-me crer no êxito da realização do curso.
Aos ilustres professores Fernando Dias e Augusto Oliveira, que muito contribuíram
com o meu aprendizado.
A todos aqueles que me ofereceram subsídios através de material e depoimentos, o
que possibilitou o enriquecimento do trabalho.
À Faculdade Boa Viagem, da qual faço parte do quadro, pela aplicada realização do
mestrado.
Agradeço, por fim, aos meus pais, meu marido, familiares e amigos, que sempre me
apoiaram na consecução deste tão desejado objetivo.
2
Dedico esta dissertação a uma pessoa
muito especial, Ir. Angélica de Carvalho,
minha mestra e amiga, que representa
todos aqueles que contribuíram para
minha formação moral e intelectual.
3
Eu ainda era criança
E já me acostumara a acordar
Com o apito lamentoso das fábricas
Que era o despertador de uma cidade
Que sempre cheirou a doce.
Givanildo Paes Galindo
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RESUMO
Este trabalho estudou a história-econômica de Pesqueira, proeminente
município do interior pernambucano, que durante cerca de um século, por meio de suas
indústrias alimentícias, tornou-se símbolo de pioneirismo e progresso. Dentro desse contexto
examinou-se o surgimento da industrialização brasileira, na qual o município de Pesqueira
representa um capítulo sui generis, pois o processo industrial da cidade ocorreu
concomitantemente com o período de desenvolvimento da indústria nacional, mas com fatores
que a diferenciaram, principalmente, da forma inicial da industrialização nordestina.
Pesqueira, na sua trajetória agroindustrial de doces e de tomate, gerou uma transformação
sócio-econômica singular no Agreste pernambucano, propiciando conseqüências positivas no
cenário econômico do Estado. Os produtos fabris do município tornaram-se conhecidos
nacionalmente e também mundialmente e até os anos de 1950 representava uma das indústrias
mais conceituadas do ramo alimentício. Contudo, da metade do século XX em diante,
Pesqueira, pela soma de vários aspectos negativos, sofreria com o declínio de sua
industrialização. A investigação sobre a origem, apogeu e decadência do processo industrial
pesqueirense se faz, sobretudo, pelos registros históricos, dados econômicos e entrevistas
realizadas com os mais variados citadinos e colaboradores. O objetivo primordial desta
dissertação, portanto, é mostrar a trajetória do município de Pesqueira desde o aparecimento
da atividade industrial até o seu encerramento e evidenciar, ou tornar mais compreensível, a
importância da atividade industrial para o desenvolvimento de Pesqueira e o fato do
fechamento das fábricas ter ocasionado o declínio econômico do município.
Palavras-chave: Industrialização. Desenvolvimento. Declínio. Pesqueira.
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ABSTRACT
This dissertation studied the economic history of Pesqueira, prominent city in
the Pernambuco’s countryside, which for nearly a century, through their food industries,
became a symbol of pioneering and progress. Within this context the emergence of Brazilian
industrialization was examined, in which Pesqueira is a particular chapter, hence the
industrialization process in the city occurred concurrently with the period of the national
industry development, and also different from, the initial form of Brazilian northwest
industrialization. Pesqueira, agribusiness of jams and tomatoes, generated a unique socio-
economic transformation in Pernambuco’s semi-arid, positive influence on the economic
scenario of the state. The products manufactured in the city became known nationally and
globally and until the 1950’s represented one of the most respected the food industry.
However, on the second half of the twentieth century, Pesqueira, due to several negative
factors, would suffer with the decline of its industries. The study on the origin, peak and
decline of the industrial process of the city was made, above all, by historical records,
economic data and interviews conducted with the most varied city dwellers and collaborators.
The primary goal of this dissertation, therefore, is to show the trajectory of the municipality of
Pesqueira since the advent of industrial activity until its closure and present, or make it more
understandable, the importance of industrial activity for the development of Pesqueira and the
fact of the closure of factories caused the decline of the city economy.
Key words: Industrialization. Development. Decline. Pesqueira.
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO 11
2. PERNAMBUCO E SEU PROCESSO INDUSTRIAL 152.1. Uma Alusão ao Início da Industrialização Brasileira 152.2. A Industrialização em Pernambuco 232.3. O Agreste Pernambucano e sua Base Econômica 33
3. PESQUEIRA: DO COMÉRCIO À INDÚSTRIA 403.1. Nas Origens de Ororubá 403.2. A Preeminência Mercantil de Pesqueira (1870-1920) 523.3. O Início da Industrialização do Município 60
4. A INDUSTRIALIZAÇÃO DE VENTO EM POLPA 674.1. Período Áureo da Industrialização Pesqueirense (1910-1950) 674.2. Pesqueira se Destaca no Interior Pernambucano 804.3. A Influência da Economia na Cultura 93
5. O AROMA DAS CHAMINÉS DESVANECE 1075.1. A Indústria Começa a Agonizar 1075.2. Principais Fatores da Derrocada 1165.2.1. O Contexto Nacional 1165.2.2. O Solo, a Água e outros Fatores 120
6. CONCLUSÃO 127
FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 131I. Jornais de Pesqueira 131II. Arquivos Públicos 132III. Referências Bibliográficas 133
APÊNDICE – Fotos de Pesqueira 138
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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
BANDEPE Banco do Estado de Pernambuco
BNB Banco do Nordeste do Brasil
CODEVASF Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco
CPATSA Centro de Pesquisas do Trópico Semi-Árido
D. Dona
Dr. Doutor
EMBRAPA Instituto Brasileiro de Pesquisa Agropecuária
ESG Escola Superior de Guerra
FAO Food and Agriculture Organization
GTDN Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IRESI Instituto de Relações Sociais e Industriais
N. S. Nossa Senhora
PSD Partido Social Democrático
SUDENE Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
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LISTA DE TABELAS
Tabela I (2) – Brasil – Extensão da Rede Telegráfica (1861-1907) 18
Tabela II (2) – Brasil – Estrutura Industrial (1850-1919) 19
Tabela III (2) – Produção e Exportação de Açúcar em Pernambuco (1856-1919) 25 (Quantidades médias anuais)
Tabela IV (2)–Vendas de Açúcar de Pernambuco no Comércio Interno (1856-1928) 27 (Quantidades médias anuais)
Tabela V (2) – Distribuição dos Investimentos Pernambucanos (1873-1930) 28
Tabela VI (2) – Estabelecimentos Industriais de Pernambuco (1907) 30
Tabela VII (2) – Indústrias Manufatureiras no Brasil (1907 e 1920) 32 (Alguns estados brasileiros)
Tabela VIII (2) – Produção Algodoeira em Pernambuco (1865-1915) 36
Tabela IX (2) – Municípios por microrregiões do Agreste de Pernambuco 39
Tabela X (3) – Escravos Pertencentes a Antônio dos Santos Coelho 47 (Fazendas de sua propriedade – 1822)
Tabela XI (3) – Estabelecimentos Comerciais de Pesqueira (1902-1903) 57
Tabela XII (3)–Expansão das Estradas de Ferro em Pernambuco (1851-1930) 58
Tabela XIII (3) – Indústrias de Doces em Pernambuco (1909) 66
Tabela XIV (4) – Recenseamento Agrícola de 1920 em Pernambuco 84 (Gado existente nos estabelecimentos rurais por espécie, por municípios)
Tabela XV (4) – Recenseamento Agrícola de 1920 em Pernambuco 85 (Estabelecimentos rurais recenseados possuidores de mecanismos de
transformação ou beneficiamento de produtos agrícolas, por municípios)
Tabela XVI (4) – Recenseamento Agrícola de 1920 em Pernambuco 85 (Quadro demonstrativo dos descaroçadores de algodão, por municípios)
Tabela XVII (4) – Ensino Primário Municipal em Pernambuco (1927) 86
Tabela XVIII (4) – Grupos Escolares Estaduais em Pernambuco (1927) 86
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Tabela XIX (4) – População dos Municípios de Pernambuco (1921 e 1927) 87
Tabela XX (4) – Número e Percentagens de Eleitores nos Municípios de Pernambuco 88 (1935)
Tabela XXI (4) – Prédios Urbanos Computados em Pernambuco, por Municípios (1940) 89
Tabela XXII (4)–Arrecadação das Coletorias Federais do Estado de Pernambuco 90 (1927-1931)
Tabela XXIII (4)–Arrecadação das Coletorias Federais do Estado de Pernambuco 90 (1932-1936)
Tabela XXIV (4) – Exportação (País) dos Principais Produtos do Estado de Pernambuco, 91 Segundo o Valor (1934-1936)
Tabela XXV (4) – Principais Jornais de Pesqueira, Criação por Década (1900-1950) 97
Tabela XXVI (5) – Recenseamento do Município de Pesqueira (1937) 111 (Funções exercidas pelos munícipes)
Tabela XXVII (5) – Distribuição Pluviométrica Anual do Município de Pesqueira 122 (Média de 50 anos)
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1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho destaca o interesse em estudar a história econômica do
município de Pesqueira, cujo fenômeno industrial fez emergir no Agreste pernambucano uma
cidade que durante décadas foi sinônimo de inovação e pioneirismo.
O estudo tem como objetivos precípuos pesquisar o processo de
desenvolvimento industrial do município e conhecer as principais causas que provocaram o
fim desse processo, extirpando de Pesqueira os cheiros de doce e de tomate que aromatizavam
a cidade, encerrando sua prosperidade econômica.
Quanto à natureza histórica, a dissertação visa examinar a trajetória do
município de Pesqueira desde o aparecimento da atividade industrial, surgida a partir de uma
iniciativa particular e local, até a desregionalização da indústria alimentícia e as demais
causas que provocaram, paulatinamente, o fim da industrialização do município.
A apreciação econômica do trabalho, por sua vez, estende o conhecimento
histórico à importância da atividade industrial para o avanço de Pesqueira e o fato do
fechamento das fábricas ter ocasionado o declínio econômico do município, encerrando o
processo industrial que tornou a cidade símbolo de progresso e desenvolvimento.
A manifesta dissertação foi uma opção pela escolha de um tema regional e de
maior satisfação pessoal. Abordar a origem, o sucesso e o encerramento da industrialização de
Pesqueira, pioneira e influente em Pernambuco e também no Nordeste, acima de tudo se dá
pelo sentimento de carinho do qual a cidade é merecedora.
Pesqueira, nascida no sopé da Serra de Ororubá, teve uma grande importância
agroindustrial para o Estado de Pernambuco, que perdurou por cerca de um século,
estimulando toda uma economia e, por via de conseqüência, o desenvolvimento de uma vasta
região sob sua influência.
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A colonização da Serra de Ororubá, antes chamada de Serra de Urubá pelos
índios ararobás, na qual se situa a cidade de Pesqueira, inicia-se pelos idos de 1654, com a
doação de uma extensa parte do Agreste pernambucano feita pelo rei de Portugal a João
Fernandes Vieira, como recompensa pela sua contribuição na expulsão dos holandeses.
A origem do município de Pesqueira se deu no século XVIII (1762), quando
Cimbres, denominada Aldeia de Ararobá, tornou-se a sexta Vila oficializada em Pernambuco.
Ao pé da Serra de Ororubá, no ano de 1800, Manoel José de Siqueira, anos depois
sucessivamente sargento-mor e capitão-mor, fundou uma fazenda chamada Poço do Pesqueiro
e nela edificou uma grande casa para sua residência, senzalas para os escravos e uma pequena
Igreja sob a invocação de Nossa Senhora Mãe dos Homens.
A fazenda logo se tornou parada obrigatória para os brejeiros e viajantes e
numa posição privilegiada pela condição de sua localização à margem da estrada passou a
povoado e rapidamente surgiu uma nova cidade, Pesqueira, que se tornou um conhecido
entreposto comercial, gerando importantes relações mercantis Recife-Agreste-Sertão.
Em 1880, Pesqueira passou à categoria de cidade, chamada de Santa Águeda
de Pesqueira, tornando-se a 15ª cidade pernambucana e a primeira do Semi-Árido. Quando se
diz que Pesqueira originou-se casualmente, deve-se justamente ao fato de ter surgido pela
descoberta de um novo caminho para se chegar ao Sertão, através do Vale do Ipojuca,
passando pelo sopé da Serra de Ororubá, na qual se localizava a fazenda Poço do Pesqueiro,
que deu origem ao nome de Pesqueira.
A partir de 1883, quando é empossado o primeiro prefeito do município, a
cidade inicia seu desenvolvimento, estimulado pela atividade mercantil que ali se estabeleceu.
Com a chegada da estrada de ferro em 1907, a atividade comercial de Pesqueira atingiu seu
ponto máximo e em razão de sua força econômica, logo no início do século passado a cidade
contava com serviços impensáveis em outras comunidades interioranas, como uma eficiente
iluminação elétrica, água encanada, serviço telefônico, serviço urbano de bondes de tração
animal, além de uma vida social efervescente para uma cidade provinciana.
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A partir de 1920, quando os trilhos da estrada de ferro estenderam-se até o
Sertão do Estado, Pesqueira perdeu sua preeminência mercantil regional, que perdurou de
1870 a 1920. Todavia, ao tempo que o comércio declinava, outra atividade econômica
começava a ganhar importância na economia do município: a industrial.
Graças à rápida substituição de uma atividade por outra o desenvolvimento do
município continuou. A economia mercantil de outrora garantiu a formação de um excedente
de capital que possibilitou a transformação da base econômica de Pesqueira do comércio para
a indústria.
Enquanto o Agreste tinha sua economia baseada nas culturas de subsistência,
no plantio de algodão e na pecuária extensiva, surgia na região uma atividade diferenciada,
uma indústria nascida da iniciativa local, que tornou sua atividade industrial, representada
principalmente pela Fábrica Peixe, conhecida mundialmente.
A industrialização pesqueirense confunde-se com a própria história de
surgimento da Fábrica Peixe, pois foi o sucesso dessa indústria que incentivou a instalação de
outras fábricas alimentícias, fazendo da cidade um perímetro industrial.
Com o enfraquecimento da atividade comercial, Dona Maria da Conceição
Cavalcanti de Britto, Dona Yayá, esposa do Capitão Carlos de Britto, comerciante da cidade,
começou de forma artesanal a fabricar doce em tacho doméstico e em fogo cru. A idéia deu
tão certo que dois anos depois, em 1901, a pequena fábrica já exportava doces para Recife.
Daí em diante a fábrica se expandiu e perdeu seu caráter artesanal, tornando-se
verdadeiramente uma indústria, a Peixe, a fábrica que mudou a face da cidade.
Delmiro Gouveia, patrono da industrialização nordestina, chegou a dizer que
muito do que aprendeu deveu-se ao tempo que passou em Pesqueira, observando o espírito
empreendedor dos capitães de indústria daquela localidade.
Outras fábricas doceiras logo surgiram em virtude do crescimento da cidade,
entre elas a Fábrica Rosa, a Fábrica de Doces Tesouro, a Touro, a Tigre e algumas outras ao
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longo do tempo. A Fábrica Peixe cresceu tanto que instalou filiais no Rio de Janeiro, São
Paulo, Minas Gerais e Recife. Com o sucesso das fábricas, o comércio de Pesqueira também
retomou a grande influência mercantil que tinha na região no século XIX e lá surgiu uma das
casas comerciais mais tradicionais do Estado, as Casas José Araújo.
Pesqueira desenvolvia-se velozmente e em decorrência de seu rápido
crescimento foi cognominada de a “Terra do Doce”, “Cidade das Chaminés” e “Capital do
Tomate”, este último epíteto em virtude de ter sido o primeiro município a produzir o tomate
rasteiro no Brasil, próprio para industrialização, e um dos maiores produtores de tomate em
terras contínuas do mundo.
Contudo, todo o sucesso conquistado até a década de 1950 não garantiu uma
estrutura suficientemente segura para conter os fatores que fizeram com que o ditoso
município de Pesqueira visse sucumbir as suas tradicionais indústrias.
Muitas foram as causas que levaram as fábricas a fecharem suas portas, mas
dentre as principais pode-se destacar as difíceis condições edafo-climáticas; a escassez dos
frutos; o crescimento das pragas, gerando o aumento do custo com adubos e defensivos
agrícolas; o contexto nacional de favorecimento econômico das empresas do Centro-Sul; o
desenvolvimento da fruticultura no Vale do São Francisco, entre outros que, reunidos,
provocaram o fim da atividade agroindustrial do município.
Mediante os objetivos da dissertação sobre o processo industrial de Pesqueira
acredita-se, portanto, que o presente trabalho pode contribuir para a compreensão da formação
econômica do município e para o esclarecimento dos fatores que geraram o fechamento das
fábricas alimentícias, ocasionando o declínio econômico pesqueirense.
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2. PERNAMBUCO E SEU PROCESSO INDUSTRIAL
2.1. Uma Alusão ao Início da Industrialização Brasileira
O presente trabalho não tem por objetivo investigar a fundo a historiografia da
industrialização do Brasil e de Pernambuco, mas apenas fazer uma abordagem sobre esse
início de processo industrial, com a finalidade, mais adiante, de entender a industrialização de
Pesqueira nesse contexto nacional e estadual.
O Brasil, que durante séculos foi colônia de Portugal, teve como primeiro e
mais valioso produto de exportação o açúcar, que até um pouco mais de meados do século
XVIII seria o principal produto do país, promovendo o seu crescimento econômico e abrindo
as portas para a exportação de outros produtos primários.
Para Celso Furtado houve uma diferença fundamental entre a estrutura
produtiva do Brasil e das colônias Inglesas na América do Norte. Enquanto nas colônias
inglesas a agricultura era distribuída em pequenas propriedades e havia muitos comerciantes
urbanos, no Brasil a agricultura era feita em grandes latifúndios que exploravam a
escravidão1, ou seja, à proporção que a renda era mais bem distribuída na América do Norte,
houve o surgimento de um mercado interno que possibilitou a estrutura para desenvolver
outros setores, como os ramos do comércio e da indústria. Ao tempo que no Brasil, a grande
concentração de riqueza pelos latifundiários limitou o mercado interno e impediu que a
economia do país tivesse abertura para outras atividades.
O Brasil teve três principais ciclos econômicos: o da cana-de-açúcar, do ouro e
do café. Este último se tornou o principal produto de exportação no final do século XIX e foi
________________________1 FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. 20ª ed., São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1985, pp. 100-101.
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o produto responsável, em 1891, por 63% das exportações brasileiras 2 e , sem dúvida, foram
as exportações de café que geraram o crescimento da economia brasileira nas décadas finais
do século XIX, o que formou o acúmulo de capital para o posterior desenvolvimento da
indústria, principalmente das indústrias do Sul e do Sudeste, como bem observa o economista
Werner Baer:
“A força básica que apoiou esse desenvolvimento industrial foi o incremento
cafeeiro baseado na mão-de-obra imigrante livre. Investimentos significativos
voltados para a infra-estrutura que atendia ao setor cafeeiro (estradas de ferro,
usinas elétricas, etc.), financiados por fazendeiros e capital estrangeiro,
proporcionaram o ambiente para uma produção industrial local maior e aos poucos
criaram uma demanda para peças de reposição produzidas internamente. A grande
população imigrante empregada nos setores cafeeiros e outros a eles relacionados
gerou um enorme mercado para bens de consumo baratos” 3.
O desenvolvimento industrial do país, contudo, já poderia ter engrenado bem
antes de fins do século XIX, não fosse o interesse do governo português de impedir esse
progresso industrial para manter a colônia em sua dependência econômica e política.
Na primeira metade do século XVII, tinham sido fundadas no Rio de Janeiro
algumas fábricas de tecido, especialmente de algodão, veludo e seda, bordado, corda, bem
como azeite de peixe, sabão, chapéu de palha, objetos de louça, entre outras. Porém, o
governo português não via com bons olhos os progressos de sua colônia e, aos poucos, foi
instituindo decretos e ordenações que limitavam ou mesmo extinguiam essas primeiras
tentativas de industrialização. Tanto que, em 1730, Portugal determinou a expulsão de todos
os joalheiros dos distritos de minas do Brasil, para impedir a criação local de jóias, o que
prejudicaria as rendas fiscais do Reino e, em 1785, o governo português ordenou o
fechamento de todas as fábricas da colônia, com exceção das de confecção de roupas para os
escravos, alegando que o país deveria se preocupar em explorar os seus recursos naturais 4.
________________________2 PRADO JÚNIOR, Caio. História Econômica do Brasil. 12ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1970, p. 160. 3 in: A Economia Brasileira. 2ª ed. São Paulo: Nobel, 2003, p. 47.4 LLOYD, Reginald. Impressões do Brazil no Século Vinte – Sua História, Seo Povo, Commercio, Industrias e Recursos.
Londres: Lloyd’s Greater Britain Publishing Company, Ltd, 1913. p. 331.
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A vinda da Família Real Portuguesa para o Brasil, em 1808, foi o marco
histórico que iria mudar definitivamente o desenvolvimento econômico do país. Dentro de
poucos anos da chegada da Corte começaram a surgir pequenos estabelecimentos fabris,
inicialmente no Rio de Janeiro, mas foi a década de 1840 que assinalou a expansão econômica
brasileira, com a importação de maquinário trazido da Europa para modernizar o sistema
fabril 5.
Nas primeiras décadas do século XIX existiam poucas oficinas no Brasil e, em
geral, elas se restringiam ao setor têxtil, de papel, couros, gêneros alimentícios e fundições de
metais. Várias empresas foram sendo criadas a partir da década de 1840, pois o país oferecia
isenção de taxas para as empresas que importassem matéria-prima e maquinário e, com esses
privilégios especiais, muitas foram fundadas, principalmente no ramo têxtil. O número de
empresas têxteis em funcionamento cresceu na primeira metade da década de 1870,
precipuamente nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo 6.
A partir da década de 1880, com o advento da Proclamação da República, que
trouxe um novo despertar político-econômico, o processo de industrialização do Brasil teve
sua fase de real desenvolvimento, período propício para o surgimento de indústrias de bens de
consumo não-duráveis e os primeiros industriais brasileiros foram importadores que, aos
poucos, começaram também a fabricar os próprios bens no Brasil.
No Nordeste esse desenvolvimento industrial se perfaz inicialmente com a
pouca diversificação fabril, basicamente a partir da exportação de produtos agrícolas, com as
usinas açucareiras, as indústrias têxteis e de alimentos. Em geral, a industrialização nordestina
apoiava-se nas indústrias de açúcar e de tecidos de algodão, mas os estados de Pernambuco e
Bahia, que eram mais desenvolvidos industrialmente do que os demais, destacavam-se
também com outros produtos, como o fumo, a fabricação de chapéus, sabão, velas, cal,
cimento, fundições de metais e produtos químicos.
________________________5 “O anno de 1840, marca uma nova era de expansão econômica, devida à substituição das primitivas machinas rudimentares
pela machina a vapor, assim como à introducção de habeis artífices trazidos da Europa”. Ibidem, p. 331. Ver também:
STEIN, Stanley. Origens e Evolução da Indústria Têxtil no Brasil – 1850/1950. Rio de Janeiro: Campus, 1979, p. 28.6 BAER, Werner. Op. Cit., p. 25.
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Há casos peculiares, como ocorreu no município de Pesqueira, cujo início de
seu processo industrial teve um aspecto diferenciado, porque além da pouca necessidade de
importação de insumos, houve também a acumulação de um capital mercantil que serviu de
impulso ao surgimento da atividade industrial, por ter sido, o município, um entreposto
comercial de grande importância no Agreste pernambucano.
Outra contribuição ao desenvolvimento do Brasil, vinculada à industrialização,
a partir da década de 1880, foi o crescimento da rede telegráfica, tanto em extensão como pelo
aumento progressivo do número de estações, o que facilitou o intercâmbio dos
estabelecimentos produtivos, como se pode observar na tabela abaixo. Em Pernambuco, a
comunicação telegráfica chegou em abril de 1873, em Recife.
TABELA I
BRASILEXTENSÃO DA REDE TELEGRÁFICA (1861-1907)
ANOS EXTENSÃO KILOMÉTRICA ESTAÇÕES
1861 65 101865 187 231870 2.080 511874 4.458 81
1881-1885 42.207 7401886-1890 54.862 9081891-1895 78.134 1.4051896-1900 101.772 1.8881901-1907 175.199 3.333
Fonte: IBGE. Séries Estatísticas Retrospectivas. O Brasil, suas Riquezas Naturais, suas Indústrias. Edição fac-similar (original publicado em 1909). V. 2. Rio de Janeiro: IBGE, 1986, p. 232.
De acordo com o recenseamento industrial do Brasil de 1920, como se observa
na tabela seguinte, em meados da década de 1880 havia cerca de 248 estabelecimentos
industriais no país, que quadruplicou no início do século XX e que passou para 5.936
estabelecimentos no começo da década de 1920, ou seja, o início do desenvolvimento
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industrial brasileiro foi intenso e com o predomínio de indústrias leves, de produtos têxteis,
calçados, roupas e indústrias alimentícias 7.
TABELA II
BRASILESTRUTURA INDUSTRIAL (1850-1919)
ÉPOCA DA FUNDAÇÃO
N° DE ESTABELECIMENTOS
INDUSRIAISN° DE OPERÁRIOS
1850 - 1884 353 26.8741885 - 1889 248 24.3691890 - 1894 452 31.1231895 - 1899 472 14.5161900 - 1904 1.080 19.1701905 - 1909 1.358 34.3621910 – 1914 3.135 53.9921915 - 1919 5.936 63.950
TOTAL 13.034 268.356
Fonte: Recenseamento do Brasil, 1920, v. 5, 1ª parte, p. 69.
Em relação à tabela II, verifica-se ainda que as duas primeiras décadas
anteriores à Primeira Guerra Mundial foram fundamentais para o crescimento da indústria
brasileira, já que na primeira década do século XX a libra esterlina não estava tão valorizada,
o que facilitou a importação de maquinário. Outro aspecto que contribuiu para o avanço
industrial do país no início do século XX foi a rápida expansão das linhas férreas. As
ferrovias foram muito importantes na comercialização de mercadorias dentro espaço regional,
pois as estradas ou não existiam ou eram extremamente precárias e o único outro meio de
transporte era a cabotagem.
Justamente nesse período desenvolveu-se a indústria doceira pesqueirense e se
quer, com isso, demonstrar como o ambiente econômico nacional era favorável ao surgimento
de novas indústrias, principalmente no setor alimentício.
________________________7 Ibidem, pp. 46, 51.
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A indústria brasileira, portanto, apresenta dois aspectos marcantes: o primeiro,
onde há a predominância de indústrias de bens de consumo, como as têxteis e de alimentos,
totalizando as duas 43,7% para o ano de 1907 e, em 1919, 50,1% das indústrias nacionais. A
segunda característica seria uma industrialização de cunho descentralizado, que criou uma
reserva de mercado regional, devido aos altos custos de transporte e a aplicação de impostos
interestaduais sobre a circulação de mercadorias 8.
A partir de meados do século XIX, portanto, a industrialização tornou-se uma
atividade essencial no desenvolvimento econômico do país e, sem dúvida, é muito precisa a
prolixa, porém, importante explanação de Simonsen sobre os vários fatores que
caracterizaram a evolução do início da indústria nacional:
“A observação desses vários elementos e de outro que vamos examinar,
indicadores da nossa evolução econômica, permite-nos assim sumariar a situação:
a) na primeira metade do século XIX, a inexistência de fatores favoráveis à
industrialização do Brasil, a política livre-cambista que adotamos, e a
concorrência das manufaturas inglesas, impediram a nossa evolução industrial;
b) entre 1862 e 1885, assinalou-se um período de acentuado progresso. As
exportações ultrapassaram as importações, registrou-se, nessa época, a
instalação de algumas pequenas fábricas, principalmente no Distrito Federal;
mas as atividades agrícolas absorviam, praticamente, todos os capitais e mão-
de-obra disponíveis;
c) no último período do século XIX iniciou-se a grande imigração para as regiões
temperadas do sul do país e em princípios do século XX surgiu a
superprodução cafeeira e um conseqüente refluxo de colonos para as cidades;
d) a decretação, em 1888, do trabalho livre, a maior imigração dos colonos
europeus e a grande cultura cafeeira, determinaram a formação de um mercado
interno de alguma importância para os produtos industriais;
________________________8 GORENDER, Jacob. A Burguesia Brasileira. Coleção Tudo é História. São Paulo: Brasiliense, 1981, pp. 29-30.
20
e) os progressos da eletricidade e a construção de grandes usinas de energia
elétrica, principalmente em São Paulo e no Distrito Federal, constituíram um
dos fatores essenciais à evolução industrial: fontes de energia barata. O
progresso e o barateamento das máquinas operatrizes permitiram o
estabelecimento de indústrias médias de transformação, baseadas na
disponibilidade dessa energia, em maior número nos dois núcleos – São Paulo
e Rio de Janeiro;
f) criaram-se, dessa forma, no século XX, fatores favoráveis ao desenvolvimento
de determinadas regiões do Brasil; energia elétrica abundante e barata (com
papel semelhante ao que os centros olheiros exerceram na Inglaterra, nos
Estados Unidos e na Alemanha); aparelhamento mecânico e moderno e de
preços relativamente baixos; mercados de certa importância e melhores meios
de transporte, pela construção de estradas de ferro e de rodovias; abundância de
mão-de-obra não absorvida pelas fazendas, então em regime de superprodução;
g) como fenômeno econômico geral, as nossas exportações de produtos agrícolas
deixaram de proporcionar poder aquisitivo externo o suficiente para pagar os
produtos industriais reclamados pelo consumo interno. A baixa do câmbio
brasileiro reflete, em grande parte, a situação de desequilíbrio provocada por
uma população que cresce e se civiliza continuamente, e que não dispõe de
meios de pagamento no exterior, para os produtos que necessita. Essa contínua
depressão das taxas cambiais, passou a ser uma forte emulação para o nosso
desenvolvimento industrial;
h) todos esses fatores geraram afinal, uma situação de fato , apropriada à evolução
industrial de determinadas regiões , em condições, porém, ainda bem diversas
das que se verificaram nos Estados Unidos da América do Norte” 9.
Roberto Simonsen, portanto, não só esclarece como se deu a evolução
industrial brasileira, como assevera que a industrialização tem um papel fundamental na
economia nacional, principalmente pelo seu potencial exportador. Também corrobora com
esse pensamento Douglas North, pois para ele “o crescimento de uma região está intimamente
________________________9 SIMONSEN, Roberto. Evolução Industrial do Brasil e outros Estudos. São Paulo: Editora Nacional e da USP, 1973, pp. 11-
13.
21
vinculado ao sucesso de suas exportações e pode ter lugar, ou como resultado da posição
melhorada das exportações existentes relativamente às áreas competidoras, ou como um
resultado do desenvolvimento de novas exportações” 10. As exportações, por conseguinte,
exerceriam um efeito multiplicador sobre o mercado interno.
No caso específico de Pesqueira, ela insere-se perfeitamente nessas
colocações, pois adotou uma política de comercialização inter-regional, permitindo-lhe um
crescimento constante, já que não havia uma concorrência forte aos seus produtos na época
em que o país começava seu processo industrial, atingindo mercados promissores como o eixo
Rio-São Paulo, o que fez com que houvesse um permanente escoamento de sua produção e,
com isso, houve um efeito multiplicador na economia no município.
O processo industrial brasileiro, portanto, teve até 1920 seu primeiro impulso
industrial que, segundo o censo de 1920, foi de rápida expansão, com a existência de mais de
13.000 mil estabelecimentos industriais e empregando mais de 275.000 mil operários em todo
o país. Isso sem contar com as usinas açucareiras e salinas que não estão inclusas nesses
números e que somariam mais de 460 estabelecimentos, além das pequenas fábricas artesanais
e manufatureiras.
A partir desse período estava consolidada a indústria brasileira, contudo, o
desenvolvimento industrial iria se desenvolver de forma diferente entre as regiões do país,
gerando discrepâncias econômicas e sociais.
__________________________10 in: Location Theory and Regional Economic Growth. Journal of Political Economy, 63:243-58, jun. 1955. in: Economia
Regional - Textos Escolhidos. Ord. Jacques Schartzman. Belo Horizonte: CEDEPLAR, 1977, p. 315.
22
2.2. A Industrialização em Pernambuco
Falar de Pernambuco é, na verdade, fazer menção a um Estado que sempre foi
sinônimo de pioneirismo e desenvolvimento na história nacional. A economia pernambucana,
alicerçada na atividade açucareira, manteve-se forte por cerca de quatro séculos (1540 a 1900)
e fez do Estado um centro político, acadêmico e cultural.
A exploração da atividade açucareira foi o que fomentou a economia
pernambucana por tão vasto período e garantiu o desenvolvimento do Estado, assim como
estimulou inicialmente à ocupação de seu território 11 e colocou Pernambuco no cenário
econômico nacional.
O crescimento do mercado de açúcar, a partir da segunda metade do século
XVI, constituiu, segundo Furtado, um fator fundamental para o avanço da colonização do
Brasil e isso se deve, particularmente, à contribuição dos holandeses, pois “especializados no
comércio intra-europeu, grande parte do qual financiavam, os holandeses eram nessa época o
único povo que dispunha de suficiente organização comercial para criar um mercado de
grandes dimensões para um produto praticamente novo, como era o açúcar” 12.
Entretanto, o açúcar que foi por tanto tempo o ouro pernambucano tornou-se o
seu entrave, pois quando a atividade açucareira entrou em declínio o Estado foi perdendo a
sua primazia, já que não tinha se preparado para diversificar sua economia para outras
atividades. Com a expulsão dos holandeses, o que parecia uma vitória em termos de
recuperação de território, tornou-se um prejuízo econômico para Pernambuco, uma vez que
eles haviam acumulado conhecimento sobre o manejo da cana-de-açúcar e transferiram seus
interesses na atividade açucareira para as Antilhas.
________________________11 VERGOLINO, José; MONTEIRO NETO, Aristides. A Economia de Pernambuco no Século XXI: Desafios e
Oportunidades para a Retomada do Desenvolvimento. Recife e Brasília: Edições Bagaço, 2000, p. 29.12 FURTADO, Celso. Op. Cit., pp. 10-11.
23
“É provável entretanto que as transformações da economia antilhana
tivessem ocorrido muito mais lentamente, não fora a ação de um
poderoso fator exógeno a fins da primeira metade do século XVII. Esse
fator foi a expulsão dos holandeses do Nordeste brasileiro. Senhores da
técnica de produção e muito provavelmente aparelhados para a
fabricação de equipamentos para a indústria açucareira, os holandeses
se empenharam firmemente em criar fora do Brasil um importante
núcleo produtor de açúcar. É tão favorável a situação que encontram
nas Antilhas francesas e inglesas que preferem colaborar com os
colonos dessas regiões a ocupar novas terras e instalar por conta
própria a indústria” 13.
A economia açucareira foi responsável por uma importante etapa de expansão
econômica em Pernambuco. No entanto, como a produção de açúcar era a base da economia
nordestina e como os investimentos eram, em geral, direcionados para essa atividade, isso
dificultou a abertura de outros caminhos para dinamizar a economia pernambucana.
Além disso, é preciso ressaltar que a atividade açucareira demorou muito para
se modernizar. Os engenhos utilizavam obsoletas formas de produção e o transporte do açúcar
era feito por meio de animais e barcaças, o que só começou a ser modificado a partir da
segunda metade do século XIX, com a implantação das estradas de ferro. Por outro lado, o
método ultrapassado de produção dos engenhos garantia uma grande absorção de mão-de-
obra, que viria a ser largamente diminuída com o progresso industrial do século XX 14.
Um único produto básico foi responsável pelo bom desempenho da economia
pernambucana por séculos. O açúcar e seus derivados sustentavam a economia do Estado e
graças à exportação do produto outros setores, mesmo que lentamente, foram desenvolvendo-
se, gerando empregos e melhorias na região. Se tomarmos como exemplo os anos de 1886-90,
verificamos que as exportações foram de aproximadamente 120 mil toneladas, o que
______________________13 Ibidem, p. 25.14 GUIMARÃES NETO, Leonardo. Introdução à Formação Econômica do Nordeste. Recife: FUNDAJ, Editora Massangana,
1989, pp. 37-38.
24
demonstra a força da economia açucareira na época 15.
TABELA III
PRODUÇÃO E EXPORTAÇÃO DE AÇÚCAR EM PERNAMBUCO (1856-1910)(Quantidades médias anuais)
ANOS PRODUÇÃO (ton) EXPORTAÇÃO (ton)
1856-1860 67.339 48.5231861-1865 57.357 46.7411866-1870 54.372 63.2291871-1875 98.231 78.6991876-1880 116.379 91.8821881-1885 133.847 103.8891886-1890 156.321 119.2271891-1895 173.442 -1896-1900 134.326 40.8401901-1905 142.015 11.7011906-1910 141.624 32.993
Fonte: EISEMBERG, Peter L. Modernização sem Mudanças. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1977, pp. 42-44.
Depreende-se, da tabela acima, que a partir de 1896 as exportações começam a
declinar gradativamente e isso se deve à venda do açúcar no mercado interno, pois enquanto a
produção do açúcar crescia, as exportações caiam. O aspecto positivo é que a atividade
açucareira passou a depender menos das variações do mercado internacional, mas,
negativamente, ao longo do tempo, a produção pernambucana de açúcar passou a concorrer
com outras regiões do país 16.
O gradual declínio da economia açucareira provocou uma grande queda na
industrialização de Pernambuco, pois o cluster do açúcar, que era muito bem organizado e
envolvia boa parte das atividades do Estado, respondia por uma grande parcela do PIB
pernambucano e por isso tão forte foi o impacto econômico devido à diminuição da
comercialização do produto e seus derivados.
________________________15 VERGOLINO, José; MONTEIRO NETO, Aristides. Op. Cit., p. 32.16 Ibidem, p. 34.
25
Para o bom desempenho do produto havia toda uma estrutura, ou melhor, toda
uma cadeia de produção organizada: plantação de algodão no Semi-Árido; o algodão
abastecia as fábricas de tecido que produziam, entre outras coisas, a sacaria necessária para
embalar o açúcar; fábricas metalmecânicas e técnicos especializados nesse tipo de serviço;
crescimento do comércio no varejo e outras atividades paralelas. Pernambuco era
reconhecidamente uma força econômica nacional.
A industrialização do açúcar, por conseguinte, teve também um importante
papel no desenvolvimento de centros urbanos próximos às áreas produtoras, inclusive,
conforme Singer, o aparecimento da indústria em Recife está totalmente ligado à atividade
açucareira ao:
a) criar mercado para certos bens de produção, como cal, sacaria,
veículos, entre outros;
b) ampliar o mercado de bens de consumo, ao provocar mudanças nas
relações na zona rural, com a conseqüente expansão da economia
de mercado em detrimento do setor de subsistência;
c) expulsar do campo levas de trabalhadores que iriam constituir, em
Recife, um verdadeiro Exército Industrial de Reserva 17.
O maior erro, portanto, se é que assim se pode colocar, já que o declínio do
açúcar em Pernambuco se deve a uma soma de fatores, foi mudar o destino da produção
açucareira, que a partir de 1890 “(...) passou a ser vendida mais e mais no mercado interno e
menos para o resto do mundo” 18.
Celso Furtado, ao elaborar a pedido do então Presidente Juscelino Kubitschek
um estudo sobre o Nordeste, em 1959, que posteriormente originou a SUDENE, defendia que
as exportações poderiam alavancar a economia nordestina:
________________________________17 SINGER, Paul. Desenvolvimento Econômico e Evolução Urbana. São Paulo: Editora Nacional, 1974, pp. 307-308.18 VERGOLINO, José; MONTEIRO NETO, Aristides. Op. Cit., p. 33.
26
“No Nordeste, como em toda economia de baixo nível de
desenvolvimento, o setor externo – isto é, as exportações e as
importações – ocupa posição fundamental. Com efeito, quanto menos
desenvolvida é uma economia, menos diversificada é sua estrutura
produtiva, e, portanto, maior é a dependência do exterior para o
suprimento de todos aqueles bens (de consumo ou de inversão) cuja
produção apresenta maior complexidade tecnológica. Não é por outra
razão que, para aumentar a oferta desses bens, mister se torna aumentar
as exportações, ou diversificar a estrutura produtiva pela
industrialização” 19.
TABELA IV
VENDAS DE AÇÚCAR DE PERNAMBUCO NO COMÉRCIO INTERNO (1856-1928)(Quantidades médias anuais)
ANOS TONELADAS
1856-1860 12.1771861-1865 10.6281866-1870 10.4841871-1875 13.3921876-1880 17.2411881-1885 21.5811886-1889 21.5811897-1901 24.7671902-1917 78.0161918-1920 -1921-1925 87.2751926-1928 114.8101926-1928 185.070
Fonte: GUIMARÃES NETO, Leonardo. Op. Cit., p. 59.
A industrialização em Pernambuco, como o caso do Nordeste, apresentou um
aspecto marcante, como se percebe na tabela acima, voltou-se praticamente para o mercado
interno e “orientando seu desenvolvimento quase exclusivamente para os mercados internos
________________________19 in: GTDN (Estudo elaborado pelo Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste). Uma Política de
Desenvolvimento Econômico para o Nordeste. 3ª ed., Recife: SUDENE, 1978, p. 35.
27
do país, o Nordeste desperdiçou, em larga medida, as oportunidades oferecidas pelo comércio
internacional” 20.
A economia açucareira pernambucana ficou condicionada ao mercado interno,
especialmente aos estados de São Paulo e Rio de Janeiro e, embora Pernambuco tenha um
aumento em sua produção açucareira no período de 1902-1928, como demonstrado na tabela
IV, não acompanha o avanço industrial do Sudeste, apoiado pelos excelentes resultados da
economia cafeeira desde o final do século XIX.
Na tabela que segue, observa-se que entre 1870 e 1930 houve uma grande
realização de investimentos em Pernambuco, principalmente na malha ferroviária, no porto e
no setor industrial. As ferrovias desempenharam o papel de conexão das regiões interioranas
ao porto do Recife, interligando especialmente as regiões da Zona da Mata (produção de
açúcar) e do Agreste (produção de algodão) com a zona portuária, que era a via de
escoamento dos produtos para exportação.
TABELA V
DISTRIBUIÇÃO DOS INVESTIMENTOS PERNAMBUCANOS (1873-1930)
CAMPO DE COLOCAÇÃO (%)
Ferrovias 11,18 Dívida Pública 7,42 Obras do Porto 19,47 Bancos 13,48 Serviço Público 3,04 Indústrias 19,45 Outros 25,94
Fonte: NASCIMENTO, Luís Manuel Domingues do. Formação e Desenvolvimento do Capital Industrial em Pernambuco (1890/1920): Mercado Interno e Industrialização. Recife: Dissertação de Mestrado, Depto. de História/UFPE, 1988, p. 96.
_______________________20 GOMES, Gustavo; VERGOLINO, José Raimundo. A Macroeconomia do Desenvolvimento Nordestino: 1960/1994.
Prêmio Pernambucano de Economia Dirceu Pessoa, 1994. 1ª ed., Recife: 1995, p. 75.
28
Os investimentos nas linhas férreas foram fundamentais não só para o maior
intercâmbio entre as regiões interioranas, como para o transporte das mercadorias produzidas
no interior do Estado e o recebimento dos insumos importados, sobretudo daqueles que
chegavam por via marítima.
Esses investimentos, apesar de alguns serem feitos com o capital externo e de
empresas privadas, como a Great Western, eram um programa de governo, no sentido de
interiorizar o desenvolvimento nacional, conforme se depreende da transcrição abaixo:
“Tendo o Governo decidido prolongar a linha do Recife ao S.
Francisco, que attingia então a Palmares (Una) para Garanhuns, foi
começada a construcção em 2 de Dezembro de 1876. Em 28 de
Setembro de 1887 chegava o trafego a Garanhuns, com a extensão total
de 146,420 kilometros. Em 1891 começou a construcção do ramal de
Glycerio a União, cujo trafego foi inaugurado em 13 de Maio de 1894,
com a extensão de 47,488 kilometros. Este prolongamento e ramal
constituem a linha denominada “Sul de Pernambuco”, arrendada à
Companhia Great Western of Brasil Railway. O seu custo foi de
23.521:175$ e suas condições technicas são as seguintes: bitola 1
metro, raio mínimo 100 metros e declividade máxima de 0”032” 21.
Os investimentos na indústria também se destacaram e embora grande parte
desses investimentos fosse aplicada nas usinas e nas indústrias têxteis, outros ramos
industriais também foram beneficiados, diversificando a indústria pernambucana. Como
exemplo tem-se o caso da indústria pesqueirense, que criou uma atividade fabril alimentícia
inovadora no interior do Estado.
Vale ressaltar, ainda, a importância da movimentação portuária no Recife, dada
a sua privilegiada situação geográfica: “Pela sua situação na parte mais oriental do Brasil, é
escala obrigada de quase todos os paquetes transatlanticos que se dirigem para o sul; e nelle
tocam os vapores de todas as companhias nacionaes que navegam na costa brasileira” 22.
________________________21 IBGE. Op. Cit., p. 26.22 Ibidem, p. 115.
29
TABELA VI
ESTABELECIMENTOS INDUSTRIAIS DE PERNAMBUCO (1907)
INDÚSTRIAS Nº DE ESTABELECIMENTOS Nº DE OPERÁRIOS
Assucar (usinas) 46 4.887Bebidas alcoolicas e gazozas 9 81Biscoitos 2 42Cal e cimento 1 120Calçado 2 277Chapéos, de feltro, lã, lebre, etc. 2 54Carvão animal 1 9Chocolate 1 6Cordoalha 1 180Cerveja 1 8Doce 5 220Fiação e tecelagem 8 3.700Fumos preparados 3 757Fundição e obras sobre metal 5 320Grampos, colchetes, etc. 1 42Massas alimentares 1 10Massa de tomate 2 60Moveis e decorações 1 -Óleos e rezinas 4 96Perfumarias 1 42Pregos 1 15Preparo de couros 2 200Phosphoros 1 120Productos ceramicos 2 44Productos chimicos 1 400Refinarias de assucar 3 143Roupas brancas 1 10Sabão e velas 5 162Serrarias e carpintarias 3 26Tintas para escrever e outras 2 11
TOTAL 118 12.042
Fonte: IBGE. Op. Cit., p. 83.
Muito embora o açúcar tenha sido o principal produto industrial da economia
pernambucana, vê-se, na tabela VI, que mesmo em número menor de estabelecimentos, o
setor têxtil era de muita importância para o Estado, principalmente em relação à
30
empregabilidade. Também não se pode olvidar da contribuição que outros pequenos setores
industriais acresciam à economia estadual, pois Pernambuco, se comparado a outros estados
do Nordeste, possuía uma grande diversificação industrial, com cerca de trinta tipos de
empreendimentos fabris, o que na época em questão demonstrava a importância econômica do
parque industrial pernambucano.
A primeira etapa da industrialização de Pernambuco, em fins do século XIX e
nas primeiras décadas do século XX, assim como ocorreu na industrialização do Brasil de
modo geral, caracterizou-se pela formação e acumulação de capital através do mercado intra-
regional e da exportação de produtos primários. Como principal particularidade desse início
de industrialização verificamos a prevalência das indústrias de bens de consumo não-duráveis.
A indústria têxtil, junto com as usinas, apresentou um grau elevado de
concentração e de centralização de capital, isso ocorreu a partir das condições e da natureza
do processo de constituição do mercado intra-regional em Pernambuco. Enquanto as usinas
açucareiras ocupavam a área rural, as indústrias de tecidos localizavam-se no perímetro
urbano e são essas indústrias que vão fortalecer consideravelmente o processo de
industrialização local 23.
Pernambuco, que desde o início da colonização brasileira foi um dos estados
expoentes da economia nacional, sempre acompanhando o desenvolvimento do país, viu-se a
partir da terceira década do século XX distanciado dos estados das regiões Sul e Sudeste, que
passaram a se desenvolver mais aceleradamente e centralizaram o potencial industrial da
nação.
Pernambuco passou a importar mais produtos de outras regiões do país que
exportar e o déficit na troca comercial do Estado começou a aumentar 24. A economia
pernambucana, então, apresenta sinais de enfraquecimento, principalmente em relação a
alguns estados do Centro-Sul, que principiaram o desenvolvimento do setor industrial do país.
________________________23 ANDRADE, Manoel Correia de. Estado, Capital e Industrialização no Nordeste. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981, pp.
24-35.24 BARROS, Souza. A década de 20 em Pernambuco. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1985, p. 35.
31
Isso é possível verificar, na tabela VII, ao se comparar o número de
estabelecimentos, em alguns estados brasileiros, das indústrias manufatureiras nos anos de
1907 e 1920. Contata-se que o setor industrial pernambucano foi largamente superado por
estados como São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e até a Bahia começa a ultrapassar
Pernambuco a partir da década de 1920.
TABELA VII
INDÚSTRIAS MANUFATUREIRAS NO BRASIL (1907 e 1920)(Alguns Estados brasileiros)
ESTADOSNº DE
ESTABELECIMENTOS (1907)
Nº DE ESTABELECIMENTOS
(1920)
Distrito Federal 662 1.541 São Paulo 326 4.145 R. G. do Sul 314 1.773 Rio de Janeiro 207 454 Pernambuco 118 442 Minas Gerais 529 1.243 Bahia 78 491
Fonte: LLOYD, Reginald. Op. Cit., p. 332. NASCIMENTO, Luís Manuel Domingues do. Op. Cit., pp. 18-19.
Entretanto, é importante salientar que algumas ilhas de produção no Estado
mantiveram-se ativas, por condições propícias, como foi o caso da indústria alimentícia de
Pesqueira, que soube aproveitar a potencialidade local dos frutos abundantemente produzidos
naquela região e por isso não foi afetada economicamente durante várias décadas, já que seus
produtos, quase originais e com poucos concorrentes, eram aceitos com facilidade no mercado
nacional. Realidade que iria ser alterada a partir da segunda metade do século XX.
32
2.3. O Agreste Pernambucano e sua Base Econômica
A colonização da Capitania de Duarte Coelho teve início na extremidade norte
do litoral pernambucano, especificamente em Igarassú, e depois se estendeu para Olinda, que
foi fundada para servir de residência oficial do donatário. Durante mais de um século,
portanto, a colonização se deu apenas nas zonas litorâneas e da Mata, até que houve a
necessidade de descobrir mais espaços em direção ao interior da Capitania.
Em Pernambuco, a penetração no interior, segundo Hilton Sette, deve-se à
adaptação aos diferentes quadros naturais e desbravamentos por melhores roteiros em direção
às localidades cada vez mais distantes do litoral. Quando já estava prestes a se esgotar em
extensão as terras devolutas da Zona da Mata, as fazendas de criação de gado foram-se
multiplicando nas caatingas do Agreste, pois já havia sido aprendida a técnica de ocupação
em áreas de solo raso e de clima semi-árido, além de ser a passagem mais curta e fácil em
direção aos currais sertanejos, que já eram também utilizados para pecuária em regime
extensivo 25.
É nesse contexto que começa a colonização do Agreste, que se deu mais
tardiamente do que as colonizações do Litoral e Zona da Mata, principalmente quando passou
a servir de celeiro de criação de gado para abastecer as necessidades daquelas regiões, que se
dedicavam mais exclusivamente à monocultura da cana, não sendo, portanto, prioritária a
atividade pecuária, já que era considerada uma ocupação subsidiária e até conflitava com a
cultura da cana, pois necessitava de maior expansão dos campos para pastoreio e outras
características que o Agreste poderia melhor oferecer.
O Agreste, destarte, por muito tempo passou a ser o criadouro de gado que
abastecia as zonas mais desenvolvidas e habitadas do Estado, transferindo-lhe as boiadas para
o abate (consumo de carne), bois para fazer moer os engenhos e carrear a cana e o couro para
________________________25 SETTE, Hilton. Pesqueira: Aspectos de Sua Geografia Urbana e de Suas inter-relações Regionais. Recife: 1956, pp. 42-
43.
33
as pequenas manufaturas artesanais de calçados, arreios e toda espécie de artefatos que dele se
utilizavam.
Nas fazendas dessa região, por força da necessidade de suprimento dos vaqueiros
e seus familiares, foi prosperando a implantação de roçados para a produção de alimentos,
basicamente voltados para o cultivo de milho, feijão e mandioca.
O desenvolvimento da pecuária dá lugar ao adensamento e surgimento de
outras atividades e como resultado dessa evolução há o aparecimento de vilas e povoados e
até mesmo de atividades agroindustriais, nas áreas mais propícias, subsidiárias do criatório e
voltadas, geralmente, para a produção de rapadura e aguardente.
A diversificação das atividades produzidas no Agreste é o que mais diferencia
essa região das demais, o que vai gerar um quadro de relações de produção que vai conduzir,
naturalmente, à divisão social do trabalho na região, como bem explicita Manoel Correia:
“Nos meados do século XVII, quando a população agrestina já
crescera bastante e a pecuária extensiva não era capaz de absorver a
mão-de-obra aí existente, os índios refugiados nos brejos de altitude
foram sendo aldeados e as secas foram fazendo com que os habitantes
da caatinga se abrigassem nos brejos úmidos, ambientando os mesmos
à coleta dos produtos florestais e à agricultura; foi aí que os brejos de
altitude passaram a ser mais densamente povoados. Aí iriam
concentrar-se grupos humanos que se dedicavam à agricultura de
mantimentos e à cultura de cana-de-açúcar, que era transformada por
engenhocas em rapaduras e aguardente, dando origem a sítios e até
pequenas vilas. Agregados dos fazendeiros da caatinga tornaram-se
muitas vezes foreiros, agricultores e rendeiros, que abasteciam o
Agreste de gêneros alimentícios e, quando a cultura e o comércio de
algodão abriram condições, passaram a fornecê-los também à Mata e
ao Sertão” 26.
________________________26 ANDRADE, Manoel Correia de. A Terra e o Homem do Nordeste. São Paulo: Brasiliense, 1963, p. 149.
34
Mas, de fato, a verdadeira alteração econômica em larga escala ocorrida
especialmente na região agrestina foi a introdução da cultura do algodão. Essa ocorrência não
é um fato peculiar, mas a conseqüência da importância que esse produto passou a ter no
cenário mundial naquela época, caracterizado como o “renascimento da agricultura” 27,
porque a ela estão associados enormes contingentes da população européia, ligados às
atividades econômicas e ao comércio internacional, cujos dinamismos foram provocados pela
Revolução Industrial.
Para se ter idéia do interesse do “velho mundo” pelo produto, Pernambuco
exportou para a Europa, em 1811, 1812 e 1813, respectivamente, 28.245, 58.824 e 65.327
sacas de algodão, tornando-se a província que mais lucrou com a exportação do produto
naquele período 28.
Com a criação da máquina a vapor e dos teares mecânicos o aproveitamento do
algodão passou a ser integral, a ponto de tornar-se uma das matérias-primas de maior procura
pelas indústrias 29, já que dele não era só utilizado a fibra para confecção de tecidos, como o
próprio caroço, rico em óleo vegetal, e até mesmo o seu bagaço, usado até hoje para
alimentação animal.
“Na verdade, a lavoura algodoeira não só abriu, à época, perspectiva
econômica para o hinterland nordestino, que somente havia conhecido
a pecuária e a sua atividade subsidiária da produção de alimentos,
como, através do estabelecimento de novas relações sociais, foi
portadora de transformações significativas na economia da região” 30.
________________________27 GUIMARÃES NETO, Leonardo. Op. Cit., p. 30. 28 BARBALHO, Nelson. Cronologia Pernambucana – Subsídios para a História do Agreste e do Sertão – de 1811 a 1817 .
V. 11. Recife: CEHM-FIAM, 1983, p. 203.29 “O algodão foi cultivado no Brazil desde os tempos coloniaes, sendo o seu primeiro centro de cultura o Estado do
Maranhão. Em breve, porém, a cultura se estendia a outros pontos e a producção se tornava tão remuneradora, que as
atividades portuguezas resolveram animar essa promettedora fonte de renda: e em 1750, tomaram medidas para auxiliar o
estabelecimento de fabricas no interior do paiz. Foi o mesmo que chegar um phosphoro a um rastilho de pólvora. A industria
começou a progredir a passos largos, a tal ponto que os próprios portuguezes, então completamente senhores do mercado
brazileiro de tecidos de algodão, se alarmaram”. LLOYD, Reginald. Op. Cit., p. 382.30 GUIMARÃES NETO, Leonardo. Op. Cit., p. 30.
35
Mesmo quando arrefeceu a exportação do algodão em decorrência,
principalmente, do aumento da produção norte-americana, com o fim da Guerra da Secessão e
do incremento do algodão egípcio e asiático, não houve grande repercussão econômica no
Agreste, já que tinham sido instaladas várias indústrias têxteis e de extração de óleo em
Pernambuco, absorvendo, assim, a produção local, cujas áreas produtivas passaram a ser
consorciadas com outros tipos de lavouras, aumentando a sua rentabilidade econômica.
TABELA VIII
PRODUÇÃO ALGODOEIRA EM PERNAMBUCO (1865-1915)
PERÍODOS PRODUÇÃO EM KILOS
1865-1870 57.604.5771871-1875 52.066.1011876-1880 32.635.4411881-1885 56.523.0501886-1890 92.203.6251891-1895 86.883.8251896-1900 74.607.6751901-1905 95.219.5001906-1910 85.531.6751911-1915 98.291.025
Fonte: NASCIMENTO, Luís Manuel Domingues do. Op. Cit., p. 106.
A tabela acima reproduzida reflete essa argumentação da continuidade da
produção do algodão no Estado. Vendo-se que a partir de 1886 os números são quase sempre
crescentes e correspondem a uma produção algodoeira eficiente, em função do aparecimento
de novas indústrias têxteis 31.
________________________31 O Estado de Pernambuco, no início do século XX, contava com um número considerável de indústrias de tecelagem e de
outras empresas ligadas à produção algodoeira, como empresas de exportação. Entre elas pode-se destacar: Société
Cotonuiére Belge-Brésiliense, de manufatura de tecidos em geral; Fabricação Fiação e Tecidos de Malha, especializada em
meias para homens, mulheres e crianças; Companhia Tecidos Paulista, dirigida por Herman Lundgren até a sua morte;
Companhia Industrial Pernambucana, de fiação, tecelagem, branqueamento e tinturaria; Boxwell & Co., que possuía, em
Pernambuco, a maior prensa de algodão existente no Brasil e Neesen & Cia., uma firma especializada na exportação de
algodão. LLOYD, Reginald. Op. Cit., pp. 427, 941.
36
O algodão, sem dúvida, foi um produto primordial para a região agrestina,
contudo, além da predominante característica econômica do Agreste de fixar-se na dualidade
algodoeira-pecuária, outras atividades foram surgindo nesse novo espaço, a exemplo da
agroindústria pesqueirense. Assim, por meio de diferentes atividades que foram despontando,
o Agreste integrou-se definitivamente às zonas situadas à leste do Estado de Pernambuco,
uma vez que crescia a sua densidade demográfica e maior era o intercâmbio entre as regiões.
Pelo fato do Estado apresentar características diversas como fatores edafo-
climáticos, culturais e socioeconômicos, o território pernambucano foi dividido, para melhor
detalhamento de cada região, em mesorregiões. A Zona Agreste do Estado, por sua vez,
corresponde hoje a, aproximadamente, 20% da área total de Pernambuco e é uma área
fisiográfica intermediária, situada entre a Zona da Mata e o Sertão.
“O Agreste é uma zona de transição entre a Mata úmida e o Sertão
semi-árido. (...) Apresenta um clima variado entre subúmido dos
“brejos de altitude” e semi-árida nas partes mais baixas do Planalto da
Borborema, cuja pluviosidade varia entre 500 a 900 mm anuais. Seu
relevo é o mais acidentado do Estado, representado pelo Planalto da
Borborema, cuja altitude varia entre os 450 a mais de 1.000 m de
altitude, como ocorre nas serras de Ororubá, em Pesqueira. (...) Os
solos existentes são do tipo arenoso e franco arenoso, em sua maioria
rasos e com baixa capacidade de água, devido a predominância na área
de rochas cristalinas. A vegetação predominante é a caatinga
hipoxerófila, devido a umidade recebida dos ventos do sudeste” 32.
O município de Pesqueira, foco do presente estudo, faz parte da Microrregião
Homogênea 183, Vale do Ipojuca, localizado na parte centro-norte-ocidental do Agreste. O
município está a 214 Km da Capital do Estado e tem um território bastante acidentado,
contendo várias serras. Pesqueira, situada ao sopé da Serra de Ororubá, deu início a uma
atividade industrial inovadora e se destacou, por um longo período, no Agreste
pernambucano.
________________________32 MELO, Paulo de Oliveira. Pesqueira, Espaço e Tempo. Pesqueira: s.ed., 1999, pp. 13-14.
37
FIGURA I
REPRESENTAÇÃO DO AGRESTE DE PERNAMBUCO
MUNICÍPIOS DA MESORREGIÃO DO AGRESTE
A área escura do lado esquerdo, com o número 42, corresponde ao Município de Pesqueira.
38
TABELA IX
MUNICÍPIOS POR MICRORREGIÕES
DO AGRESTE DE PERNAMBUCO
Microrregião Vale do Ipanema68- Águas Belas 69- Buíque 71- Itaíba 66- Pedra 70- Tupanatinga 56- VenturosaMicrorregião Vale do Ipojuca55- Alagoinha 39- Belo Jardim 18- Bezerros30- Brejo da Madre de Deus 37- Cachoeirinha 54- Capoeiras26- Caruaru 19- Gravatá 40- Jataúba42- Pesqueira 41- Poção 16- Riacho das Almas44- São Bento do Una 31- São Caetano 43- Sanharó38- TacaimbóMicrorregião Alto do Capibaribe11- Casinhas 15- Frei Miguelinho 29- Santa Cruz do Capibaribe13- Santa Maria do Cambucá 10- Surubim 28- Taquaritinga do Norte27- Toritama 12- Vertente do Lério 14- VertentesMicrorregião Médio Capibaribe04- Bom Jardim 17- Cumaru 06- Feira Nova08- João Alfredo 05- Limoeiro 02- Machados03- Orobó 07- Passira 09- Salgadinho01- São Vicente FerrerMicrorregião Garanhuns50- Angelim 63- Bom Conselho 61- Brejão57- Caetés 49- Calçado 48- Canhotinho59- Correntes 58- Garanhuns 67- Iati53- Jucati 45- Jupi 47- Jurema60- Lagoa do Ouro 46- Lajedo 51- Palmeirina65- Paranatama 64- Saloá 52- São João62- TerezinhaMicrorregião Brejo Pernambucano25- Agrestina 32- Altinho 21- Barra de Guabiraba22- Bonito 23- Camocim do São Félix 33- Cupira36- Ibirajuba 34- Lagoa dos Gatos 35- Panelas20- Sairé 24- São Joaquim do MonteFonte: AMUPE, 2004.
39
3. PESQUEIRA: DO COMÉRCIO À INDÚSTRIA
3.1. Nas Origens de Ororubá
Após uma breve contextualização histórica do início da industrialização no
Brasil e em Pernambuco, finalizando com a evolução mercantil do Agreste, o presente
trabalho prossegue direcionando-se, a partir de então, para o município de Pesqueira e para
que o estudo se faça mais completo e fiel à abordagem histórico-econômica a que se propõe,
torna-se fundamental uma reconstituição das origens e evolução da cidade de Pesqueira, que
surgida no sopé da Serra de Ororubá, aos ditames da Vila de Cimbres, firmou-se cidade e se
destacou no interior pernambucano.
Como é de amplo conhecimento histórico, a colonização brasileira limitou-se,
por longo tempo, a povoar e a explorar apenas as áreas litorâneas, ficando o interior relegado
ao isolamento e somente aos poucos foi sendo arduamente desbravado.
Isso se dera, sobretudo, no nordeste brasileiro, onde os atrativos eram
pequenos em virtude da predominância de terras pouco férteis, ausência de grandes jazidas de
minérios e pela hostilidade do próprio clima, já que a natureza não se apresentava mais rica e
mais útil a qualquer exploração.
No Agreste pernambucano, especificamente, os sinais iniciais de colonização
principiaram-se no século XVII. Na região agrestina as serras tiveram papel importante na
formação dos primeiros grupos de habitantes, onde se destacavam como regiões de brejo, com
relevos de cerca de mil metros de altitude, as serras do Brejo da Madre de Deus, do Acahy e
de Ororubá.
Na serra de Ororubá, por força de sua uberdade, alguns silvícolas da tribo
Ararobás que pertenciam à nação dos Tapuias, tida como a mais antiga do país, ali viviam
40
desde tempos mais remotos. Essa tribo dos Ararobás, contudo, foi invadida pelos Xucurús e
Paratiós, que nessas mesmas terras, de clima mais úmido, desenvolveram uma agricultura de
subsistência, o que posteriormente atraiu fazendeiros e boiadeiros para a região 33.
Os índios Xucurús e alguns Paratiós ocuparam as chapadas da Serra de
Ororubá e eram seus únicos habitantes até mais da metade do século XVII, quando se deu de
fato a colonização do interior da Capitania de Pernambuco. Assim, pode-se imaginar quão
vasto território do Agreste e Sertão era despovoado.
Esses índios que habitavam a Ororubá vieram para a região agrestina fugindo
da ocupação da Zona da Mata, pois temiam serem escravizados pelo avanço do plantio de
cana de açúcar, cultura predominante dos interesses europeus. Com base numa análise feita
por Darcy Ribeiro sobre os índios em Pernambuco, confirma-se o relato anterior de que
grupos indígenas “(...) foram compelidos a abandonar as antigas aldeias, transformadas em
vilas, e a acoitar-se mais longe, como os Xucurús, da serra de Urubá, em Pernambuco (...)” 34.
O caminho de fuga que os índios fizeram foi propositalmente o oposto dos
caminhos utilizados pelos boiadeiros e com esse traçado chegaram pela Chapada da
Borborema aos brejos úmidos da serra de Ororubá. Porém, há informação de que havia alguns
Xucurús em locais mais afastados da região de Cimbres 35.
Os índios de Ororubá, cuja aldeia chamava-se Urubá, desciam a serra com suas
lanças, flechas, puçás e timbós apenas para pescar nos poços que no sopé da serra abundavam
de peixes e também para caçar, principalmente pássaros. A propósito, muito se divaga sobre o
vocábulo Urubá: “segundo Alfredo de Carvalho, é corrutela de Urú-ibá, fruta do urú (gênero
de aves galináceas ainda existentes na serra); também onomatopaico de várias perdizes
pequenas. Ororobá na definição de Mário de Melo: palavra duvidosa, provavelmente cariri.
________________________33 Sobre os grupos indígenas de Pesqueira da serra de Ororubá há maiores informações em: SOUZA, Vânia R. Fialho de P.
As Fronteiras do Ser Xukuru. Recife: FUNDAJ, Editora Massangana, 1998.
34 in: Os Índios e a Civilização. Rio de Janeiro: Civilização Brasilerira, 1970, p. 56.35 WILSON, Luís. Minha Cidade, Minha Saudade. Recife: s. ed., 1972, p. 66.
41
Sendo Tupi, pode provir de uru-ubá, o fruto do pássaro, provável corrutela de arara-ubá, fruto
de arara” 36.
Com a expansão da monocultura da cana e o crescimento dos engenhos na
Zona da Mata, os desbravadores, então, perceberam que já era o momento de adentrar na
Capitania de Pernambuco em direção ao Agreste, avançando no território a fim de descobrir a
fauna, a flora e os habitantes da região.
Enquanto os índios desfrutavam de sua liberdade e de um vasto território
intocável no interior da Capitania, no litoral, mais precisamente na capital da província,
travava-se uma luta política e territorial com as invasões e, posteriormente, expulsões dos
estrangeiros franco-holandeses.
Com o retorno de Maurício de Nassau à Holanda, em 1644, o arguto João
Fernandes Vieira, que antes era colaborador dos batavos, passa para o lado português e se
torna líder na guerra contra os holandeses em Pernambuco. Seu interesse em derrotar os
holandeses não possuía nenhum cunho patriótico, pelo contrário, almejava apenas se apossar
de terras ainda intocáveis.
“Homem muito esperto, previdente, oportunista, João Fernandes
Vieira, após alcançar as duas espetaculares vitórias sobre os holandeses
no morro dos Guararapes, em 1649, trata de pedir ao rei de Portugal
toda uma série de vantagens e concessões pessoais, movimentando
seus requerimentos em Lisboa através de Gaspar Berenguer, seu
procurador no reino. Assim, entre outras várias solicitações, destaca-se
uma referente a dez léguas de terra a começar da última sesmaria da
parte de Santo Antão para o interior, comprometendo-se a conquistá-
las aos índios e povoá-las” 37.
________________________36 MACIEL, José de Almeida. Pesqueira e o Antigo Termo de Cimbres. V. 1. Recife: CEHM/FIAM, 1980, p. 113.37 SANTA CRUZ, Pedro et al. Pesqueira Secular: Crônicas da Velha Cidade. Recife: Editora Santa Cruz, 1980, p. 29.
42
Em 1654 encerra-se o período de domínio holandês no Brasil e, três meses
depois, o rei de Portugal D. João IV, em agradecimento à façanha dos colonos, faz uma
doação de grande parte do Agreste pernambucano, na qual estava inclusa a Serra de Ororubá,
ao mestre-de-campo João Fernandes Vieira, pelo seu feito nas grandes vitórias logradas
durante a expulsão dos holandeses, tornando-o proprietário “da sesmaria de dez léguas de
terra em redondo, a contar do último morador que se achasse para as partes de Santo Antão
em Pernambuco” 38.
Em 04 de outubro de 1666, João Fernandes Vieira toma posse de suas terras e
nelas assenta vaqueiros e gado, fundando naquela região agrestino-sertaneja várias fazendas
de criação. Assim se inicia, oficialmente, a colonização daquela serrania.
A sesmaria de Ararobá, que seria posteriormente denominada de Cimbres,
abarcava mais de vinte léguas de extensão, abrangendo uma base geográfica onde atualmente
estão inseridos cerca de vinte municípios pernambucanos 39, entre os quais: Alagoinha,
Altinho, Arcoverde, Belo Jardim, Bonito, Buíque, Brejo da Madre de Deus, Custódia,
Garanhuns, Inajá, Pedra, Pesqueira, Sanharó, São Bento do Una, São Caetano, Sertânia,
Taquaritinga, Venturosa e Vertentes 40.
Muito embora a sesmaria de Ararobá despertasse o interesse dos primeiros
colonizadores em conseguir hectares de terra na região, mostrava-se unânime a intenção de
todos eles de conquistarem algumas terras na área das serras, visto que estas eram providas de
água, possuíam um solo fértil para a agricultura, com abundância de frutos, e o clima era
muito aprazível. Deste modo, “nos pedidos de doação de terras preocupavam-se os futuros
sesmeiros com que suas sesmarias se estendessem até as serras, nos brejos, pois as pessoas
que ficassem a tratar do gado, necessitavam de gêneros alimentícios para o próprio
abastecimento” 41.
_______________________38 Ibidem, p. 30.39 MACIEL, José de Almeida. Op. Cit., p. 114.40 GALINDO, Givanildo. Reminiscências de Um Pequeno Mundo. Pesqueira: s.ed, 1996, pp. 37-38.41 ANDRADE, Manoel Correia de. A Pecuária no Agreste de Pernambuco. Recife: s. ed., 1961, p.56.
43
Com a intenção de cristianizar os silvícolas, aportaram na Aldeia de Urubá,
com o consentimento do dono da sesmaria de Ararobá, os primeiros missionários
catequizadores e o primeiro deles a subir a serrania da aldeia foi o pe. João Duarte do
Sacramento, responsável pela fundação da aldeia indígena de Nossa Senhora das Montanhas
ou aldeia de Ararobá, em 1669, que depois se tornaria Vila Cimbres e, mais à frente, faria
parte do município de Pesqueira 42.
Como João Fernandes Vieira havia se tornado um dos homens mais ricos da
colônia e não estava conseguindo administrar todos os seus negócios, decidiu vender boa
parte de suas terras da enorme sesmaria agrestino-sertaneja ao tenente-coronel Manuel da
Fonseca Rego e o restante deu como doação à Congregação de São Felipe Néri, que mais
tarde conseguiu comprar de Fonseca Rego suas terras e as reuniu as outras propriedades de
Ararobá. Assim, a congregação fundou sua missão no povoado chamado de Monte Alegre 43,
passando depois a ser denominado de Cimbres que, em 1692, foi fundada pelo bispo Dom
Matias de Figueiredo e Melo, tornando-se a primeira paróquia do interior pernambucano.
Cimbres recebeu o honroso reconhecimento de Vila Nobre e Real e a Igreja de
Nossa Senhora das Montanhas, que assim teria sido chamada por ter sido encontrada uma
imagem de Nossa Senhora pelos silvícolas, sobre o tronco de uma craibeira, configurou-se
como a primeira Matriz do Agreste.
De acordo com registros históricos, alguns importantes nomes da história
nacional passaram por Ararobá. Em 1680, por exemplo, o bandeirante paulista Domingos
Jorge Velho, acompanhado de aproximadamente mil homens, teria atravessado a sesmaria de
Ararobá, vindo do sertão do Rio Grande do Norte, através do Piancó, para combater os negros
foragidos no Quilombo dos Palmares, assim como por lá também passou o revolucionário
pernambucano Bernardo Vieira de Melo, que deixou residindo na serrania cento e sessenta e
seis praças, inclusive seu filho, Antônio Vieira de Melo, que permaneceu em Ararobá até
meados do século XVIII 44.
________________________42 SANTA CRUZ, Pedro et al. Op. Cit., pp. 31-32.43 Ibidem, p. 32.44 MACIEL, José de Almeida. Op. Cit., pp. 153-154.
44
O nome de Cimbres, embora para alguns filólogos signifique em dialeto
indígena ‘lugar de ensino’, para os historiadores não tem relação com a linguagem indígena,
pois foi um termo designado pelo governo português com a intenção de nacionalizar a
colônia. Portugal havia determinado que os nomes indígenas dos povoados fossem
substituídos por outros mais expressivos e comuns no Reino, alterando, portanto, a antiga
aldeia Urubá por Cimbres, que já era o nome de uma freguesia existente em Portugal 45.
Antes de Cimbres se tornar sede de município, apenas cinco outras localidades
a precederam na hierarquia civil de vilas oficializadas em Pernambuco: Igarassú, 1535;
Olinda, 1537; Sirinhaém, 1627; Recife, 1709 e; Goiana, 1742 46. Leve-se em consideração que
estas povoações situavam-se no Litoral e Zona da Mata, o que demonstra a importância e
tradição de Cimbres, por ser uma comunidade localizada no distante interior agrestino.
Em 03 de abril de 1762, Cimbres passou a ser considerada vila e sede do termo
e a partir de então contava com um juiz ordinário, um diretor dos índios, o Senado da Câmara
e cartórios. A Comarca de Cimbres exercia uma jurisdição tão importante quanto sua extensa
área territorial, cuja atuação legal prolongava-se do agreste pernambucano às fronteiras do
Sudeste.
A ascendência de Cimbres no interior da província era notória, principalmente
pela atuação do Senado da Câmara, cujas sessões tratavam dos mais diversos assuntos, desde
a imposição de multas e penas até pormenores como, por exemplo, o combate à sujeira,
limpeza da vila, pureza das águas e higiene, como citado no trecho transcrito da ata da sessão
de 09.08.1830, publicado no Jornal A Voz de Pesqueira em 15/08/1948:
_______________________45 As várias designações utilizadas para descrever a mesma área gera, muitas vezes, uma grande confusão lingüística a
respeito das origens de Pesqueira, por isso, fazem-se necessárias algumas considerações: a antiga aldeia dos índios Xucurús
chamava-se Urubá, enquanto a serra onde situava-se a aldeia era denominada de Ararobá ou Ororobá. A aldeia indígena de
Urubá passou a ser chamada pelos Jesuítas de povoação de Monte Alegre, posteriormente, o governo português determinou
que fosse chamada de Cimbres. Hoje, Cimbres é um distrito de Pesqueira, a aldeia tornou-se reserva indígena Xukuru, com
área de mais de 27 mil hectares demarcados pelo governo federal, e a serrania que envolve o Município de Pesqueira chama-
se Ororubá.46 CAVALCANTI, Bartolomeu. No Tacho, o Ponto Desandou – História de Pesqueira, de 1930 a 1950. Recife: Tese de
Doutorado, Depto. de História/UFPE, 2005, p. 39.
45
“Presidente Lourenço da Silva Cavalcanti. Comparecem os vereadores
José Claudino Leite, João Florentino e padre Manuel Henrique. Aberta
a sessão o presidente designou os trabalhos do dia: ofício do juiz de
Paz da freguesia do Bréjo. Entrou em discussão o cuidado que deveria
ter a Câmara de alguns objetos tendentes à limpeza desta vila e purêza
das águas do tangue da mesma sobre o que assentou publicar por edital
e postura seguinte, vedando toda lavagem de roupas, fatos, cavalos,
couros cortidos ou deitar de môlho em cabêlo, e tudo quanto fôr
imundo dentro do açude desta vila, com multa de 200 réis pela
primeira vez e daí a dobrar segundo as reincidências, e aos indigentes
24 horas de prisão na fórma sobredita. (...)” 47.
Praticamente cinqüenta anos depois, em 1810, a vila de Cimbres, por resolução
do Capitão-general Caetano Pinto de Miranda Montenegro, tornou-se sede da Comarca do
Sertão de Pernambuco, ou seja, foi a terceira comarca criada na Capitania de Pernambuco,
cuja jurisdição começava em Garanhuns e se estendia até os limites com Minas Gerais 48.
A supremacia interiorana da vila de Cimbres, contudo, começou a enfraquecer
devido a dois acontecimentos relevantes: a criação da Comarca do Brejo da Madre de Deus,
que reduziu a amplitude da Comarca de Cimbres e o surgimento de uma nova localidade no
sopé da serra de Ororubá, a fazenda Poço do Pesqueiro, futura cidade de Pesqueira, que por
sua fácil localização alterou o trajeto rumo ao Sertão.
Pelos idos de 1800, o Capitão-mor Antônio dos Santos Coelho da Silva,
riquíssimo português que residia na fazenda Genipapo, provavelmente umas das maiores
fortunas do interior pernambucano, concedeu que sua filha, Clara, casasse-se com o Capitão-
mor Manoel José de Siqueira, dando como dote de casamento uma fazenda no sopé da serra
de Ororubá, na qual ficavam os poços de pescaria que serviram, remotamente, como local de
pesca dos índios Xucurús.
________________________47 MACIEL, José de Almeida. Op. Cit., p. 64.48 Ibidem, p. 126.
46
O Capitão-mor Antônio dos Santos Coelho da Silva, sogro do fundador de
Pesqueira, Manoel José de Siqueira, e avô de grandes personalidades da história
pernambucana, como o Dr. Domingos de Souza Leão, 2º Barão de Vila-Bela e o célebre
conselheiro Paes Barreto, residia na fazenda Genipapo, situada a vinte e quatro quilômetros da
propriedade que dera a seu genro, vindoura Pesqueira 49. Antônio dos Santos Coelho, no início
do século XIX, concentrava um dos maiores patrimônios de Pernambuco, o que pode ser
averiguado através da descrição de bens do seu espólio, cujo inventário é datado de 1822.
No inventário de Santos Coelho, verificou-se um elevado número de escravos,
mais uma confirmação da afamada riqueza do de cujus, que possuía um total de quinhentos e
dezesseis negros, distribuídos em suas diversas fazendas, como se observa na tabela abaixo.
TABELA X
ESCRAVOS PERTENCENTES A ANTÔNIO DOS SANTOS COELHO (Fazendas de sua propriedade - 1822)
FAZENDAS ESCRAVOS ESCRAVAS TOTAL GERAL
Batalha 21 3 24Caiana 67 27 94Caípe 17 4 21Capivara 17 7 24Genipapo 67 59 126Lagoa do Peixe 19 5 24Mulungú 33 20 53Passo 9 2 11Sanharó 19 6 25Sítio do Meio 72 24 96*Crianças de peito - - 18
TOTAL 341 157 516
Fonte: Revista do Arquivo Público. Recife: 1947, Ano II, Nº III, p. 30.
*Crianças de peito não era o nome de uma fazenda, correspondia aos filhos pequenos dos
escravos, inclusos na contagem geral.
________________________49 Revista do Arquivo Público. Recife: 1947, Ano II, Nº III, pp. 15-16.
47
Contudo, não se resumia a escravos à riqueza do Capitão-mor Antônio dos
Santos Coelho 50, pois o inventário composto de quinhentas folhas contava com bens
diversificados, entre eles os principais: vinte e sete peças de ouro; vinte e oito jóias, dentre as
quais anéis e solitários de diamante; trinta e nove peças de prata; vários objetos em ferro,
cobre e latão; além de mobílias e louças européias. Entretanto, os bens de raiz eram os mais
valiosos, pois era vasto o número de propriedades pertencentes ao Capitão-mor, que possuía
desde inúmeras fazendas na Zona Agreste do Estado a vários prédios e terrenos situados em
Recife e Olinda. Chama atenção também a grande quantidade de algodão descrita em seu
patrimônio, além de engenhos e prensas descaroçadoras do produto, o que demonstra que o
plantio de algodão era a principal atividade econômica de suas fazendas 51.
Em relação à fazenda Poço do Pesqueiro, esta foi logo elevada à categoria de
povoado, pois se consolidou como um ponto de apóio para viajantes e tropeiros, já que
representava um novo caminho para se chegar ao Sertão pernambucano, através do vale do
Ipojuca, não mais sendo necessário fazer o trajeto antes utilizado, mais penoso e cansativo, de
subir a serra pela vila de Cimbres. Conforme o Mapa da Estrada Real, de 1802, o caminho das
boiadas serviu de base à atual BR-232 52.
Com esse novo caminho para se chegar ao Sertão, a fazenda Poço do
Pesqueiro, que deu origem ao nome da cidade de Pesqueira, tornou-se parada inevitável para
todos que seguiam tal trajeto e, devido a sua boa localização à margem da estrada, passou a
atrair não só tropeiros e viajantes, mas também os habitantes da serra e das localidades
próximas, convertendo-se em um importante entreposto comercial 53.
________________________50 O Capitão-mor Antônio dos Santos Coelho da Silva faleceu em 1821, o seu funeral foi ostentoso, sendo sepultado no
Convento de São Francisco, em cuja intenção foram celebradas 220 missas e queimadas 1.373 libras de cera, alcançando uma
enorme despesa fúnebre de 2.300$000 (dois contos e trezentos mil réis). Ibidem, pp. 17-19.51 Ibidem, pp. 19-22.52 BARBALHO, Nelson. Caboclos do Urubá. Recife: CEHM-FIAM, 1977, p. 84.53 “A Fazenda da Pesqueira, ao sopé da Serra do Urubá, Município de Cimbres, graças ao trabalho e dinamismo do capitão
Manuel José de Siqueira, seu proprietário, e a colaboração efetiva do irmão deste (...), já vai perdendo as características de
simples propriedade particular, para ganhar nova projeção e novas dimensões sociais, entremostrando-se como uma das
povoações mais vivas e movimentadas de toda a região ararobaense”. Ibidem, p. 59.
48
O Capitão-mor Manoel José de Siqueira, proprietário da fazenda Poço do
Pesqueiro, fez três edificações que serviram de base para o surgimento da cidade de
Pesqueira: “Edificou sua casa, sua residência (...) ao lado, uma igrejinha, dedicada à N. S.
Mãe dos Homens (...) e edificou, ainda, uma pequena escola (...). Nessa tríplice sustentação,
nasceu Pesqueira” 54.
A capela N. S. Mãe dos Homens, construída em 1822, é considerada a
edificação mais antiga de Pesqueira e a ela se seguiram dois sobrados, que depois tornaram-se
o Palácio do Bispo, a Casa da Câmara e a Cadeia, que Manuel de Siqueira não conseguiu
terminar. Segundo o Pe. Frederico Bezerra Maciel, Pesqueira cresceu em torno da Capela e
assim era o núcleo da cidade:
“1. CAPELA da antiga padroeira Nossa Senhora Mãe dos Homens,
cujo exercício regular do culto foi inaugurada a 6 de janeiro de 1822,
com bênção, Missa cantada, “a primeira festa da padroeira”.
2. CEMITÉRIO, que se estendia do oitão direito à traseira da capela.
Nele, porém, não eram enterrados os escravos.
3. SOBRADO, com água-furtada servindo de vigia dos caminhos das
boiadas e da serra, de toda a fazenda. Residência definitiva do Capitão-
mor Fundador, Manuel José de Siqueira.
4. SOBRADO anexo, construído para os familiares do Fundador e
hóspedes de grande categoria.
5. JARDIM do sobrado, quase todo de belíssimas rosas (...).
6. CURRAL DE LEITE, com duas cancelas, uma dando para a rua,
por onde saía o gado vendido; outra para atrás, por onde, todas as
manhãs, entrava e saía o gado leiteiro.
7. PEQUENO CURRAL dos bezerros.
8. ESTRIBARIAS.
9. SOBRADO, a primeira das construções, para servir, de início, de
residência do Fundador, e depois, no andar de cima, a hóspedes em
geral, visitantes da fazenda.
________________________54 GALINDO, Givanildo Paes. Op. Cit., p. 34.
49
10. CASA DA CÂMARA E CADEIA. Construído pelo Fundador e
complementado pelo Maestro Tomás de Aquino.
11. RUA DE BAIXO, antiga denominação dada por causa do
desnível da rua neste lado. Constando de sete residências de estilo
colonial construídas pelos escravos.
12. ARMAZÉM-CELEIRO, isolado e um pouco recuado.
13. SENZALA GERAL dos escravos, cogumelada em três lances
desiguais, de taipa e telha.
14. CASEBRE DE “CONGO” (...) robusto e bem cevado negro
padreador.
15. SENZALA DE PADREAÇÃO, de negras de “pedigree”, novas,
bonitas, sadias e bem fornidas.
16. CERCADO de pernoite do gado leiteiro trazido, diariamente,
pelos vaqueiros, de baixa de capim do riacho Salgado” 55.
O crescimento do povoado provocou, paulatinamente, a decadência de
Cimbres. Em 1836, pela Lei Provincial nº 20, Pesqueira recebeu definitivamente os foros de
Vila 56. Cimbres, na verdade, já havia perdido a mais de três anos suas principais instituições
de poder, como o Batalhão da Guarda Municipal, o Senado da Câmara e a sede do Governo
Municipal, transferidos para a povoação de Pesqueira.
Havia algumas dúvidas sobre quando de fato ocorreu a transferência da matriz
de Cimbres para a vila de Pesqueira, pois o comentário histórico predominante era de que os
próprios vereadores de Cimbres, em 1852, teriam requerido a mudança da matriz para
Pesqueira. Porém, em um artigo publicado no Jornal A Voz de Pesqueira de 30/03/1952 fica
esclarecido que:
________________________55 in: UBASSAGAS – Sagas Sócio-Tradicionais da Cidade Pernambucana de Pesqueira. Série 1. Recife: Editora
Universitária da Univ. Fed. de Pernambuco, 1982, pp. 299-305.56 “(...) a Câmara municipal, sessão de 11 de julho de 1834, oficiava ao Presidente da Província enviando uma representação
dos habitantes do município sobre a pretensão de transmutar-se a vila para a fazenda Pesqueira fundando-se ou dando-se por
causal o grave detrimento dos empregados públicos e total escassês, e deterioramento local. (...) O golpe de misericórdia que
alcançou Cimbres, deferiu-o a Lei nº 20, de 13 de maio de 1836, deslocando definitivamente para Pesqueira, como se
impunha por todos motivos, o predicamento que a antiga séde detinha há 74 anos”. MACIEL, José de Almeida. Op. Cit., pp.
98, 100.
50
“Não houve transferência da matriz de Cimbres para Pesqueira em
1852: Pesqueira somente conseguiu a criação do seu paroquiato em
1870 (lei de 25 de julho), desmembrando da antiqüíssima freguesia de
Nª. Sª. das Montanhas de Cimbres e que ainda hoje permanece, criado
que foi em 1692 pelo bispo de Olinda dom Matias de Figueiredo e
Melo” 57.
Em 20 de abril de 1880 Pesqueira é elevada à categoria de cidade pela Lei nº
1484, com o nome inicial de Santa Águeda de Pesqueira 58, ficando sob sua jurisdição os
então distritos de Alagoinha, Sérgio Loreto (Poção), Cimbres, Salobro, Sanharó e Rio Branco
(Arcoverde). Com o título de sede de município, Pesqueira se torna a 15ª cidade
pernambucana e a primeira do Semi-Árido.
A cidade, que se apregoa ter surgido casualmente, pelo fato de ter-se originado
pela descoberta de um novo caminho para se chegar ao Sertão, passando pelo sopé da Serra de
Ororubá, logo se tornou um conhecido entreposto comercial, gerando intensas relações
mercantis Recife-Agreste-Sertão.
A partir de 1883, quando é empossado o primeiro prefeito do município, o
tenente-coronel André Bezerra do Rêgo Barros, a cidade rapidamente inicia seu
desenvolvimento, estimulado pela atividade comercial que ali se estabeleceu, tornando-se
uma das mais influentes cidades da região. A atividade comercial de Pesqueira a fez
conhecida em todo o Estado de Pernambuco e, posteriormente, a sua atividade industrial, por
meio das indústrias alimentícias, tornaria seus produtos difundidos e apreciados
nacionalmente.
_______________________57 Ibidem, pp. 148-149.58 Anuário Estatístico de Pernambuco. Recife: 1927, Ano I, p. 198.
51
3.2. A Preeminência Mercantil de Pesqueira (1870-1920)
Como mencionado no item anterior, Pesqueira nasceu quase ao acaso, em
decorrência de um caminho mais acessível que ligava o Litoral ao Sertão, através dos vales
dos rios Ipojuca, Ipanema e Moxotó.
Antes da descoberta do caminho pelo sopé da serra de Ororubá, para se fazer a
ligação entre a zona litorânea e o Sertão o trajeto era árduo e longo, era necessário dar uma
grande volta pelos vales do Ipanema e São Francisco para ir, por exemplo, de Cimbres a
Recife 59.
Com a utilização da fazenda ‘Poço do Pesqueiro’ como nova rota para o
Sertão, o trajeto ficou mais rápido e menos sinuoso. O que não se podia imaginar é que, por
causa desse novo percurso, estava por surgir uma localidade que se desenvolveria de forma
fugaz, alicerçada no comércio gerado nas suas porteiras. Verifica-se, portanto, que dois
fatores principais acarretaram a rápida evolução de Pesqueira como centro mercantil:
“1.º) a localização. Pesqueira ficava ao sopé da Ororubá, não havia
necessidade de se subir a serra por caminhos puxados e penosos.
2.º) ali estava o caminho das boiadas: o ponto de intercepção entre a
Capital e o Sertão entrecruzando-se com os caminhos da serra ao norte
e de Garanhuns ao sul; e o pouso obrigatório para descanso, mercadejo
ou escambo dos almocreves, de arraçoamento das alimárias, de
transporte de cargas de toda sorte...” 60.
Antes mesmo de se tornar cidade, o povoado de Pesqueira já concentrava uma
considerável atividade comercial, tornando-se um ponto para a troca de produtos, com uma
variedade de mercadorias que iam desde produtos agrícolas, couros e peles a outros mais __________________________59 SETTE, Hilton. Op. Cit., p. 42.60 MACIEL, Frederico Bezerra. Op. Cit., p. 65.
52
aprimorados trazidos de Recife, como tecidos, calçados, ferramentas, miudezas, etc. Como o
povoado se tornou um local de confluência entre o litoral pernambucano e os sertões do São
Francisco, passou a ser mais freqüentado e conhecido, o que gerou o seu rápido
desenvolvimento.
Devido ao avanço do povoado de Pesqueira, Segundo Hilton Sette, “(...) os
povoados de Cimbres, do Genipapo e até do próprio Brejo da Madre de Deus, embora
continuassem aparentemente prósperos por mais alguns anos, tiveram a sua sentença de
irremediável declínio decretada” 61.
Os viajantes e tropeiros que vinham ou iam em direção ao litoral,
acostumaram-se a fazer suas paradas nos brejos úmidos da localidade de Pesqueira, pois lá
recuperavam suas forças para as longas viagens. Alguns se hospedavam, outros apenas
repousavam por algumas horas, enquanto os animais descansavam e eram reabastecidos.
Como a fazenda localizava-se num brejo úmido, a água era farta e havia sempre plantações
para suprir os arrieiros. Diz-se, ainda, que foi o espírito hospitaleiro dos donos da localidade o
primeiro atrativo para tornar a fazenda ponto de parada para os viajantes.
Para Sette, foi a freqüência dessas visitas cada vez mais constantes feitas pelos
tropeiros, que tornou um hábito descer das serras úmidas até a localidade, para a qual levavam
seus produtos agrícolas e os trocavam por outras mercadorias com os viajantes e os
caatingueiros locais. A troca era feita entre os mais diversos produtos como milho, café,
feijão, mandioca, mamona, queijos, artefatos de couro, querosene, tecidos e outros tantos que
supriam as necessidades de cada um e assim começou a se formar, naquele lugar, uma espécie
de mercado livre 62.
________________________61 SETTE, Hilton. Op. Cit. p. 45.62 “A freqüência dessas visitas, dia a dia mais numerosas e demoradas, dos tropeiros em marcha, ora em demanda dos sertões,
ora em direção ao litoral, serviu de motivo a que os brejeiros se acostumassem a descer, de quando em quando, as “serras”
úmidas trazendo os seus variados produtos agrícolas e os caatingueiros acorressem de toda parte levando os seus queijos e
artefatos de couro, mercadorias que conseguiam trocar pelo pano de vestir, pelo querosene, pelos instrumentos de trabalho e
por muitas outras coisas vindas do Recife, tão necessárias às atividades e à subsistência humana em “habitat” rural”. Ibidem,
p. 50.
53
No final do século XIX Pesqueira tinha um movimento mercantil intenso para
a época e por conta de sua boa localização, como cidade intermediária entre o Litoral e o
Sertão, ocorreu um grande intercâmbio de mercadorias no seu centro urbano, mercadorias que
vinham de várias regiões de Pernambuco e até de outros estados, como de Alagoas e da
Paraíba.
Em 1880, como relatado, Pesqueira é elevada à categoria de cidade e como a
15ª cidade pernambucana já surgiu numa condição privilegiada, uma vez que se tornava uma
das cidades mais conhecidas do interior, por sua atividade comercial.
No ano de fundação da cidade, em 20 de abril de 1880, Pesqueira tinha tão
somente trezentas casas de pedra e cal, sem contar os casebres 63, número que rapidamente foi
sendo acrescido com o seu desenvolvimento. No decênio de 1880 a 1890, pode-se constatar
que o intercâmbio comercial existente em Pesqueira, como perímetro mercantil, criou
recursos e estímulo para que a cidade desenvolvesse outras áreas de interesse dos munícipes,
como educação, cultura e entretenimento, aspectos sociais apenas encontrados nas cidades
mais proeminentes e adiantadas do Estado.
Pesqueira, na década de 1880, já dispunha de qualificados e dedicados
professores públicos, como os docentes Rufino Epifânio Rodrigues dos Santos e Úrsula
Cizelina de Andrade Lima, que ministravam aulas no curso primário e o professor Frânclin
Minervino Martins, no ensino de latim e francês. Uma importante realização ligada à
educação, nesta década, foi a criação de uma sociedade intitulada de Biblioteca Popular de
Pesqueira, idealizada pelo professor Rufino dos Santos e que tinha como objetivo precípuo ser
uma associação de caráter educacional e beneficente 64.
________________________63 MACIEL, José de Almeida. Op. Cit., p. 270. 64 A Biblioteca Popular de Pesqueira foi criada através de um estatuto que continha sessenta e seis artigos e da leitura deste
estatuto percebe-se a grande preocupação de transmitir conhecimento e disseminar cultura na comunidade, como pode ser
verificado em trechos transcritos de alguns artigos, cuja finalidade da Biblioteca era: “Instruir os sócios e o povo; cuidar do
bem-estar dos sócios quando os seus lícitos e legítimos interesses o exigirem; promover a instrução por todos os meios, de
conformidade com os presentes Estatutos; fornecer roupa e livros aos meninos pobres para freqüentarem as aulas públicas;
promover o bem-estar dos sócios e o engrandecimento da Biblioteca”. Ibidem, p. 274.
54
Como disse o insigne jornalista pesqueirense José de Almeida Maciel, “uma
boa iniciativa como que estimula outras”, então, logo após a abertura da biblioteca foi
fundada, em 1883, por Tomás de Aquino Almeida Maciel, uma sociedade musical, sinônimo
de progresso nas localidades interioranas. Por fim, a década ainda contava com as famosas e
movimentadas corridas de prado, tendo sido construída em Pesqueira uma sociedade hípica,
chamada de Prado Pesqueirense, considerada uma das mais bem organizadas do Estado e que
atraía um grande número de freqüentadores.
Porém, o grande marco para o avanço do município se deu no início do século
XX, cujo impulso comercial sobreveio com a chegada dos trilhos da linha férrea Great
Western (Great Western of Brazil Railway Limited), que primeiro alcançou Caruaru e São
Caetano em 1895, depois Tacaimbó em 1896, Belo Jardim e Sanharó em 1906 e, por fim,
chegou a Pesqueira em 1907 65 e durante cinco anos não houve prolongamento das linhas.
Deste modo, a estação ferroviária de Pesqueira era a última parada para o Sertão e foi isso que
estimulou o comércio da cidade naquele período, já que obrigatoriamente todos que iam ou
vinham do Sertão pernambucano precisavam embarcar ou desembarcar em Pesqueira, fazendo
do local um agitado ponto de convergência de pessoas e mercadorias.
Com a chegada da linha férrea, portanto, a cidade de Pesqueira, que era o
principal entreposto comercial da região, fez-se ainda mais imponente e teve seu ritmo de
crescimento acelerado 66. O trem, diariamente, trazia pessoas que em Pesqueira
desembarcavam para depois seguirem viagem aos seus destinos, assim como também outras
tantas pegavam o transporte férreo em direção à capital e durante esse tempo de espera entre
um trem e outro, transitavam pela cidade, compravam mercadorias, artigos de necessidade
pessoal e até alguns presentes, nas várias lojas de miudezas, para mimosear os parentes e
amigos na volta para casa, o que movimentava o centro comercial da cidade.
________________________65 SETTE, Hilton. Op. Cit. p. 56.66 “A condição de ponto terminal de linha ferroviária fez crescer enormemente o comércio local, tornando-o mercado onde os
produtores de regiões vizinhas e de grande parte do Sertão de Pernambuco e da Paraíba comercializavam seus produtos, ao
mesmo tempo em que se abasteciam dos bens normais de consumo até de equipamentos de produção”. SANTA CRUZ,
Pedro et al. Op. Cit., p. 34.
55
Esse vai-e-vem constante de pessoas dos mais variados lugares, principalmente
trazidas pelo trem, fez com que o comércio da cidade fosse diversificando-se e aumentando
suas transações econômicas. Até o número de pequenas hospedarias cresceu em virtude dos
passageiros vindos do Alto Sertão que, em geral, alojavam-se nas estalagens apenas para
pernoitar e depois seguirem viagem 67.
As negociações de compra e venda no ponto comercial da cidade incluíam as
mais diversas mercadorias, como mamona, algodão, couros, peles, calçados, tecidos,
alimentos em geral, ferragens, miudezas, chapéus, remédios, enfim, produtos variados e que
movimentavam o centro urbano de Pesqueira, atraindo de outras localidades comerciantes,
compradores, viajantes e espectadores.
A ferrovia, portanto, teve um papel crucial no desenvolvimento do município
de Pesqueira, assim como no de outras cidades que souberam aproveitar o transporte férreo
para o crescimento econômico. A linha férrea estadual seria um catalisador no processo das
relações comerciais entre as regiões, funcionando como um elemento dinâmico da economia
agrestina, incrementando a circulação de mercadorias e pessoas no mercado intra-regional 68.
A importância do comércio era tão significativa para a cidade, que até o
aspecto físico de Pesqueira, ou seja, sua paisagem urbana, principiou-se na localização das
casas de negócios. Pode-se constatar que o antigo bairro comercial, assim como as
construções mais remotas, situa-se de forma retilínea no centro da cidade. A urbanização de
Pesqueira, destarte, seguiu uma linha reta, como se fosse uma “longa espinha dorsal uniforme
onde se encontram as casas comerciais e residenciais que dominam a sua paisagem urbana” 69.
________________________67 “O comércio, como já ficou referido, cresceu em número e importância econômica das transações de compra e venda,
refletindo-se isso no aspecto material, na variedade do sortimento e mesmo na quantidade de lojas e armazéns.
Multiplicaram-se as pequenas hospedarias para os que chegavam do Alto Sertão com o objetivo de pegar o trem do Recife e
vice versa”. SETTE, Hilton. Op. Cit. p. 57.
68 PATRIOTA, Fernando R. Barros. Industrialização do Caroá no Sertão de Pernambuco: Um Processo Interrompido.
Recife: Dissertação de Mestrado, Depto. de História/UFPE, 1992, p. 16.69 CAVALCANTI, Célia Maria de Lira. A Acumulação de Capital e a Industrialização em Pesqueira. Recife: Dissertação de
Mestrado, Depto. de Economia, PIMES/UFPE, 1979, p. 38.
56
Para a época e em comparação a outras cidades, Pesqueira já possuía um
número expressivo e diversificado de estabelecimentos comerciais, como demonstra o anuário
comercial dos anos de 1902/3, conforme a tabela XI:
TABELA XI
ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS DE PESQUEIRA (1902-1903)
CASAS COMERCIAISN° DE
ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS
Casas que compram algodão, mamona,
couros e peles......................................... 7
Casas que vendem tecidos e
miudezas................................................ 15
Casas que operam com calçados,
chapéus e chapéus de sol........................ 8Casas que negociam com ferragens....... 11Casas que vendem secos e molhados.... 15Casas com drogas e produtos
farmacêuticos......................................... 2 Fonte: SETTE, Hilton. Op. Cit. p. 53
Outra demonstração da importância comercial de Pesqueira era o grande
número, em fins do século XIX e início do XX, de anúncios comerciais publicados em
periódicos de Pernambuco e também em jornais da imprensa local. Uma das firmas mais
importantes da cidade na época em questão, assim fez seu reclamo em um anuário comercial
do Estado:
“CORDEIRO & SANTOS
Estado de Pernambuco – Cidade de Pesqueira
Grande armazém de compras e vendas de algodão, courinhos, couros
secos e salgados, solas, mamona e todos os mais produtos do País.
Encarregam-se de toda e qualquer comissão, quer para dentro, quer
para fóra do País. Satisfazem encomendas para compras de
57
locomotivas, machinas de quaisquer utensílios tendentes aos
machinismos de descaroçamento de algodão. São no Centro principaes
agentes das acreditadas firmas comerciaes Francisco Xavier & Santos
e Nessen & Comp. da Praça do Recife. Teem seu armazém e
escriptório à rua Duque de Caxias n. 55, em Pesqueira, com valioso
seguro na Companhia de Seguros contra fogo “L” Union de Pariz.
End. telegraphico: CORDEIRO” 70.
A continuação dos trilhos da linha férrea Great Western em direção ao Sertão,
em 1912, passando na povoação de Olho-dágua-dos-Bredos, que hoje é a cidade de
Arcoverde, fez com que o fluxo de pessoas vindas dos mais diversificados lugares diminuísse,
pois Pesqueira já não era a última parada ferroviária. O avanço dos trilhos em direção ao
Sertão do Estado provocou uma diminuição significativa nas transações comerciais da cidade
e, em decorrência disso, o antigo reconhecimento de “despensa do Sertão” que pertencia a
Pesqueira passou para a cidade de Arcoverde.
TABELA XII
EXPANSÃO DAS ESTRADAS DE FERRO EM PERNAMBUCO (1851-1930)
DECÊNIOSEXTENSÃO
KILOMÉTRICA POR DECÊNIO*
1851 – 1860 57,6701861 – 1870 66,4791871 – 1880 -1881 – 1890 350,5911891 – 1900 181,2331901 – 1910 129,1501911 – 1920 34,9701921 – 1930 195,254
TOTAL 1.015,347
Fonte: Anuário Estatístico. Recife: 1930, Ano IV, pp. 305-12.
* Só foram registradas as ferrovias com bitola de 1,00 m.________________________70 SETTE, Hilton. Op. Cit. p. 54.
58
De acordo com a tabela XII, até a década de 1930 vê-se que houve uma grande
expansão nas linhas férreas pernambucanas, sem contar com a extensão quilométrica férrea
relativa às usinas que não foi inclusa na tabela, por terem bitolas diferentes da citada (0,75 m
e 0,60 m), o que equivaleria aproximadamente a 1.200 Km a mais de linhas férreas em
Pernambuco.
O decênio de 1881 a 1890 foi o que teve o maior aumento quilométrico, cerca
de 350,591 Km, o que é explicado pela expansão dos trilhos da Zona da Mata para a Região
Agreste, direcionando a partir desta década as linhas férreas para o interior do Estado. Até a
década de 1930 a Zona da Mata possuía a maior extensão ferroviária do Estado, com mais de
1.100,000 Km, seguida pelo Agreste, com cerca de 315,498 Km e o Sertão, que possuía
165,072 Km 71.
No período que vai de 1870 a 1920, portanto, Pesqueira teve um grande
desenvolvimento urbano, isso gerado por dois fatores: no primeiro momento Pesqueira era um
necessário entreposto comercial entre o Litoral e o Sertão do Estado, no segundo, o comércio
atingiu seu pico de crescimento com a chegada da ferrovia, fazendo da cidade o suporte
mercantil da região.
Entretanto, embora as transações comerciais tenham diminuído após a década
de 1920, a base comercial do município já estava estruturada e, mais adiante, serviria de apoio
para o bom andamento da atividade industrial em marcha, atividade esta que consolidaria a
economia pesqueirense como uma das mais promissoras do interior pernambucano.
O desenvolvimento comercial de Pesqueira durante o século XIX e que se
estendeu até as primeiras décadas do XX, somado ao contexto estrutural da região agrestina e
ao período favorável ao crescimento da indústria regional, permitiu ao município
pesqueirense o acúmulo de capital necessário para substituir a atividade comercial pela
industrial. Assim, pode-se conjeturar que foi esse capital acumulado no próspero período
comercial da cidade que impulsionou o surgimento da indústria do doce e do tomate.
________________________71 NASCIMENTO, Luís Manuel Domingues do. Op. Cit., p. 102.
59
3.3. O Início da Industrialização do Município
O desenvolvimento comercial de Pesqueira foi o passo inicial e fundamental
para a evolução da urbanização da cidade. A prosperidade do comércio diversificado e a
geração de riqueza proveniente dessa atividade aceleraram e garantiram o crescimento da
cidade e, mesmo quando o comércio começou a declinar no início do século XX,
principalmente pelo avanço das linhas férreas rumo ao Sertão do Estado, como já referido, o
capital gerado pela atividade comercial do município mostrava-se consolidado, o que permitiu
a transferência de uma atividade econômica para outra: do comércio à indústria. Estava em
andamento, então, uma nova fase para o progresso de Pesqueira, a industrial.
O período de intensa atividade comercial de Pesqueira, a partir de 1870,
quando a cidade era um importante empório mercantil do interior do Estado, tornando-se um
ponto de comercialização de mercadorias advindas do Litoral e do Sertão, possibilitou-lhe
formar uma base econômica sólida para o conseqüente rumo da cidade:
“No contexto de uma ordem mercantil, como a que foi formada em
Pesqueira, marcada pela existência de uma classe de comerciantes
detentora de um excedente de capital comercial que suscita um
empreendimento no qual se pudesse aproveitar o mercado local e uma
mão-de-obra livre procedente do campo definiu, a nosso ver, as bases
materiais da ideologia da livre iniciativa que conduziu aquela classe de
comerciantes para a produção industrial” 72.
Graças à flexibilidade econômica do município, à inovadora atividade
industrial e ao contexto econômico nacional favorável ao surgimento de novas indústrias no
final do século XIX e início do XX, como mencionado no capítulo anterior, Pesqueira
conseguiu evitar a perda de sua posição como importante município do Agreste
pernambucano.
________________________72 CAVALCANTI, Célia Maria de Lira. Op. Cit., p. 40.
60
Da mesma forma que se diz que Pesqueira foi uma cidade surgida ao acaso, em
decorrência de sua boa localização, o que a tornou geograficamente um elo entre a Capital e o
Sertão, gerando seu aglomerado humano e seu desenvolvimento mercantil, diz-se, também,
que o surgimento da industrialização do município foi outro acontecimento fortuito.
E esta afirmativa não deixa de ser uma verdade, porque toda a industrialização
do doce foi iniciada sem maiores pretensões por Dona Maria da Conceição Cavalcanti de
Britto, conhecida como Dona Yayá, esposa do comerciante de miudezas e tecidos Carlos de
Britto, que seria o fundador das indústrias Peixe.
Carlos de Britto e sua família, após meados do século XIX, mudaram-se de
Recife para Pesqueira, certamente em busca de melhores oportunidades e levados pela
propagada fama da cidade de ser um dos melhores lugares do Estado para o investimento em
atividades comerciais. Lá instalaram seu comércio, que tinha uma boa diversidade de
mercadorias entre tecidos e miudezas.
A atividade comercial do município era muito rentável e atraía negociantes de
várias localidades do interior pernambucano e também de estados circunvizinhos, como da
Paraíba e de Alagoas. Contudo, um fato ocorrido com o Coronel Delmiro Golveia, figura
expressiva do meio empresarial nordestino, inovador comerciante e industrial, muito
prejudicou o comércio de Pesqueira. Delmiro Golveia foi uma “espécie de Mauá de
Pernambuco. Um homem incompreendido na época, ousado demais” 73.
Delmiro comercializava couro, algodão e gêneros alimentícios em
Pernambuco, comprando esses produtos no interior e revendendo para outros centros
comerciais do Estado, do Nordeste e também para exportação. O comércio de peles e couro de
Pesqueira, por exemplo, dependia muito dele e no tempo em que residiu na cidade assim
disse: “Sinceramente, foi Pesqueira que me ensinou a querer fazer coisas grandes” 74.
________________________73 BARROS, Souza. Op. Cit., p. 49.74 GALINDO, Givanildo. Op. Cit., p. 127.
61
O Coronel Delmiro Golveia, no entanto, transferiu-se para Alagoas, para se
tornar proprietário de uma fábrica de linhas, em parceria com os Lundgren. Antes de se
tornarem industriais, os irmãos Lundgren eram também comerciantes de pele e compravam o
produto no interior de Pernambuco para exportá-lo para a Europa, depois passaram para o
ramo da indústria têxtil.
Com a transferência de Delmiro para o Estado de Alagoas, devido a
divergências com o chefe político de Pernambuco, o Conselheiro Francisco de Assis Rosa e
Silva 75, Pesqueira teve uma grande perda econômica, pois era um dos maiores centros
fornecedores de peles de boi e de bode do Estado e sem mais o intercâmbio comercial
estabelecido por Delmiro Golveia, a comercialização de tais produtos provocou um grave
abalo na economia do município.
Assim, agora são dois os principais fatores que explicam a queda comercial de
Pesqueira: a saída de Delmiro Golveia de Pernambuco para Alagoas e, posteriormente, a
partir de 1912, a ampliação das linhas férreas de Pesqueira para o Sertão do Estado,
acarretando a diminuição das transações comerciais no município.
Com a transferência do Coronel Golveia, O município de Pesqueira começou
um paulatino declínio mercantil e vários comerciantes foram afetados, inclusive o Capitão
Carlos de Britto. Porém, enquanto o comércio passava por uma crise, Dona Yayá, sua esposa,
nos idos de 1897, criativamente começou a utilizar um fruto abundante na região, a goiaba,
para fabricar doces.
De início, sem o apóio do próprio marido, que certamente julgava esse
empreendimento como apenas mais uma atividade doméstica e que não geraria mais do que
alguns trocados de lucro, Dona Yayá começou o fabrico dos doces no fogão de sua residência.
Passou a produzir tabletes de doces de goiaba e depois de banana, frutos extrativos em
excesso na Serra de Ororubá, e que eram trazidos pelos caboclos para serem vendidos por
preços irrisórios nas feiras livres da cidade.
________________________75 GÓES, Raul de. Herman Lundgren: Pioneiro do Progresso Industrial do Nordeste. Rio de Janeiro: A Noite, 1949, p. 32.
62
O primeiro nome dado por D. Yayá ao seu doce foi ‘Goiabada Buldogue’,
possivelmente em homenagem ao seu cão, Tejo, dado ao casal pelo padre Antônio Teixeira e
o ponto de cozimento ideal que gerou o sucesso inicial dos doces foi dado por D. Dina. Os
primeiros doces eram vendidos em tabuleiros por meninos nas ruas, a dez réis 76.
Nascia, portanto, de forma totalmente artesanal, fabricado em fogo cru e tacho
doméstico, a fábrica doceira Maria Britto, talvez uma das primeiras do gênero no Brasil 77.
Com os bons resultados da produção doceira, o fundador das Indústrias Peixe, Carlos de
Britto, transformou a atividade de sua esposa numa pequena indústria artesanal, de fundo de
quintal, que mais tarde se tornaria um grande negócio, modificando toda a situação econômica
não só da cidade, mas de toda aquela região sob sua influência.
“Carlos Frederico Xavier de Britto (...) Saindo do Recife em 1882 (...)
Chegou a Pesqueira (...) E ali instalou uma casa comercial (...)
Também abriu um armazém para comprar peles no Sertão (...) Tempos
depois, porém, derivou as suas atividades para uma pequena indústria,
que seria mais tarde uma das mais poderosas do Brasil (...) E que em
tachos de cobre, a fogo nu, a sua esposa (...) Dona Maria da Conceição
Cavalcanti de Britto, iniciara o fabrico do doce de goiaba, numa
simples atividade doméstica. Carlos de Britto, então se apercebeu do
valor daquela iniciativa e assim, ao lado de Dona Yayá, lançou as
bases da industrialização da goiaba (...) Rasgava-se um novo horizonte
para a região (...) Ele iria revolucionar, com uma nova indústria, a
paisagem agrestina. Seria um agente poderoso (...) Imprimindo uma
nova fisionomia à ecologia daqueles meridianos agitando e
dinamizando a terra e a gente (...) Vindo tentar a vida no interior (...)
Não repetiu nem seguiu o caminho dos outros. Foi original na sua
arrancada (...) Lançou mão de uma fruta singela e a transformou na
alavanca de sua poderosa indústria (...) Carlos de Britto foi ao encontro
da goiaba (...) Fundou a sua fábrica (...) A larga aceitação de seus
produtos multiplicou as atividades de fabricação (...) Enchia-se de
__________________________76 GALINDO, Givanildo. Op. Cit., p. 122. 77 WILSON, Luís. Ararobá Lendária e Eterna. Recife: CEPE, 1980, p. 43.
63
pacotes (...) E ia para o Sul presentear os amigos, difundir o produto
(...) E de tal modo esse matuto falou sobre o doce e demonstrou as suas
qualidades que o Brasil começou a olhar para a goiabada Peixe” 78.
Dois anos depois da criação da pequena fábrica de doces, os produtos eram
todos vendidos não só na cidade como nos municípios circunvizinhos e a qualidade dos doces
de D. Yayá já começa a se propagar na região. Em 1901, com a rápida expansão da produção
doceira, Pesqueira já exportava doces para o Recife e outras cidades.
Em 1902, mesmo ainda com formato artesanal, a indústria já havia tido um
aumento significativo em sua produção, havendo a necessidade de mais empregados e do
acréscimo no número de tachos. Em conseqüência, houve uma divisão mais racional do
trabalho. A indústria doceira crescia de tal forma, que foi preciso comprar novas máquinas e
ampliar a comercialização. A fábrica logo passou para uma nova fase, mais moderna,
substituindo os tachos a fogo cru pelos mecânicos, quando adquiriu as primeiras
despolpadeiras e quebradores mecânicos, que agilizaram a produção da goiabada. Nesse
período, Dona Yayá, instituidora da produção doceira, ainda se encontrava na direção de sua
fábrica 79.
A partir de 1902, então, a fábrica entrava na fase manufatureira e “para
resolver a crise de excesso de procura, montam em 1902 pequena instalação a gasolina para o
preparo de latas e elevam o número de tachos e de forma a poderem, em 1904, dar começo a
exportação para o Norte, principalmente sendo o Pará e o Amazonas os melhores clientes” 80.
A fabrica D. Maria Britto, assim, passava de artesanal à manufatureira e desse momento em
diante começa a modificar, positivamente, a estrutura da cidade.
________________________78 SANTOS, Luiz Cristóvão dos. Carlos Frederico Xavier de Britto (O Bandeirante da Goiaba). Recife: 1953. in:
CAVALCANTI, Célia Maria de Lira. Op. Cit. p. 45.79 “Em 1902 (...) como a indústria continuava a crescer, foi necessário a compra de novas máquinas e a ampliação dos raios
de comercialização. Assim surgiu a Fábrica Peixe, que foi crescendo com a aquisição dos primeiros motores, das
despolpadeiras, despolpando uma quantidade significativamente maior de goiaba do que quando essa tarefa era realizada
manualmente, e, do quebrador mecânico, que macerava a semente do fruto, inserindo-o na produção da goiabada”.
CAVALCANTI, Bartolomeu. Op. Cit., p. 46.80 PERES, A.; CAVALCANTI, M. Machado. Indústrias de Pernambuco. Recife: Imprensa Industrial, 1935, p. 65.
64
A repercussão dos bons resultados da indústria doceira acelerou a urbanização
do município, atraindo pessoas dos mais variados lugares que iam a Pesqueira em busca de
trabalho e, em 1906, surge mais um estabelecimento industrial, a Fábrica Rosa, dos irmãos
Didier, com o capital advindo dos lucros gerados pela vultosa atividade comercial de
Pesqueira nas últimas décadas do século XIX e com o propósito de suprir a grande demanda
de doces que a Fábrica Peixe, já consolidada, não estava conseguindo satisfazer totalmente.
No rastro desse sucesso de vendas das fábricas Peixe e Rosa, outras pequenas indústrias
surgem, como a Tesouro e a Touro, que seguem a mesma linha produtiva.
Ainda em 1906, como exemplo de pioneirismo, é construída na cidade, pelo
Coronel Antônio Didier, um dos fundadores da Fábrica Rosa, a primeira vila operária do
interior pernambucano 81. Tonhé Didier, como gostava de ser chamado, era um homem de
visão e se assevera que também humanitário, então idealizou e criou uma vila operária, na
periferia de Pesqueira, para os trabalhadores de sua fábrica. Logo em seguida, a Fábrica Peixe
apreciou a idéia e igualmente construiu uma vila para seus funcionários, denominada de Vila
Operária Maria de Britto.
O sucesso da produção e comercialização doceira já estava tão arraigado, que
as fábricas começaram a investir em melhorias, como a compra de novas máquinas e a
especialização de alguns serviços. A Peixe já fazia, em 1906, todo o controle dos serviços
relativos à exportação de doces e cada vez mais se especializava na mecanização de sua
produção e na comercialização de seus produtos, conquistando novos mercados.
Com a chegada da estrada de ferro, em 1907, que facilitaria enormemente o
transporte de mercadorias, houve um incremento da demanda de produtos. As fábricas
doceiras chegaram a estender os trilhos até seus portões, através de bondes de tração animal,
facilitando o envio da produção e o recebimento de alguns insumos para a sua fabricação. A
chegada dos trilhos favoreceu tanto o comércio como a indústria do município.
_________________________81 O Coronel Antônio Didier, conhecido por Tonhé, era considerado um gentleman, um homem de fino trato, íntegro,
possuidor de uma inteligência prática, amigo íntimo de Delmiro Golveia, que tinha Tonhé como orientador e consultor. Entre
tantos outros feitos fundou, em 1906, a Vila Operária de Pesqueira, única no seu tempo no interior de Pernambuco. MACIEL,
Frederico Bezerra. Op. Cit., p. 82.
65
Em 1908, com a industrialização acentuada na Europa, a Peixe importa da
Inglaterra tachos aquecidos a vapor, o que modifica toda a forma de produção dos doces,
aumentando a demanda de Insumos, a produtividade e também o número de operários, para os
quais sempre eram abertas novas vagas de emprego. A Fábrica Rosa também investe em
novos mecanismos de produção e passa a dispor, aos poucos, de turbinas a vapor, autoclaves,
despolpadeiras, trituradores de frutas e máquinas de descascar goiabas 82.
Em 1909, como demonstrado na tabela abaixo, Pesqueira dominava o mercado
de doces em Pernambuco e as duas fábricas, a Peixe, registrada como D. Maria Britto e a
Rosa, como Antônio Didier & Irmão, juntas não tinham nem de longe um concorrente para
disputar com seus produtos. Observa-se, ainda, que pelo número de operários e pelo valor da
produção, as demais fábricas eram artesanais, enquanto as fábricas pesqueirenses já se
firmavam como as principais indústrias doceiras do Estado.
TABELA XIII
INDÚSTRIAS DE DOCES EM PERNAMBUCO (1909)
CIDADES PROPRIETÁRIOS CAPITALVALOR DA PRODUÇÃO
Nº DE OPERÁRIOS
Pesqueira D. Maria Britto 250:000$ 300:000$ 150Pesqueira Antônio Didier & Irmão 100:000$ 330:000$ 50Palmares Raymundo Francisco 30:00$ 18:00$ 6Recife A. Bruére & C. 10:00$ 19:00$ 8Olinda Amorim Costa & C. 15:00$ 25:00$ 6
Fonte: IBGE. Op. Cit., p.80.
Estava, assim, configurada a fase manufatureira da indústria doceira
pesqueirense, que a partir de então, com o aparecimento de outras fábricas, tornar-se-ia um
pólo industrial e, mais tarde, teria um reconhecimento nacional.
_______________________82 PERES, A.; CAVALCANTI, M. Machado. Op. Cit., p. 66.
66
4. A INDUSTRIALIZAÇÃO DE VENTO EM POLPA
4.1. Período Áureo da Industrialização Pesqueirense (1910-1950)
Ingressando na fase industrial propriamente dita a partir da década de 1910,
cujo crescimento seria progressivo até a década de 1950, Pesqueira viveu o período dourado
de sua economia, carreada pela agroindústria da goiaba e, posteriormente, do tomate.
Em decorrência do capital acumulado com a atividade mercantil, o município
teve condições de iniciar seu processo industrial, em grande parte, com seus próprios
recursos, o que evidenciou o aspecto endógeno de seu desenvolvimento. A partir do capital
derivado das relações de produção do setor agrário direcionadas à atividade comercial e de
uma mão-de-obra composta por pessoas que se mudaram da zona rural para a cidade,
Pesqueira teve os meios necessários para transferir sua base econômica, passando de cidade
mercantil para pólo agroindustrial.
O processo de industrialização endógena tem como principal característica a
produção de bens, geralmente produtos industriais, que são transformados pela organização
flexível da produção e pela utilização intensiva do trabalho. Pode-se dizer também que a
industrialização endógena está enraizada no território, pois é uma industrialização que surge
em cidades de pequeno e médio porte, invariavelmente pelo empenho de empresários locais.
O desenvolvimento endógeno tem seu ponto de partida na utilização de recursos do próprio
território (econômicos, humanos, institucionais e culturais) 83.
Em 1910 a produção de doces é diversificada com o início da fabricação de
compotas de calda de goiaba, ampliando-se também a variedade de frutas regionais que
fariam parte da nova produção fabril do município (banana, abacaxi, caju, figo, etc.).
________________________83 IADH-GESPAR. Arranjos Produtivos Locais e Desenvolvimento Endógeno. Recife: 2005, pp. 32-34.
67
Nesse mesmo ano os produtos industriais pesqueirenses passaram a ganhar
espaço nos mercados consumidores do Sudeste, em função do maior conhecimento de suas
marcas, que se firmavam em decorrência da qualidade de seus produtos e também pelo
inteligente marketing adotado pelos dirigentes da Fábrica Peixe, que constantemente
convidavam empresários e pessoas do Sul do país para conhecerem a cidade e as instalações
da fábrica. Os visitantes sempre ficavam impressionados ao descobrirem que em pleno torrão
do Semi-Árido nordestino havia uma cidade com ares européus, com acomodações
sofisticadas e confortáveis e um povo civilizado. Essas visitas propagavam o crescimento
industrial de Pesqueira e colaboravam para desmistificar a imagem melancólica e agonizante
do Nordeste brasileiro 84.
Por conta dessa rápida difusão, as indústrias alimentícias do município
receberam alguns prêmios internacionais, ultrapassando os limites da nação, como o da
Exposição de Bruxelas, em 1910 e das Exposições da Argentina e de Turim, em 1911 85.
Vale ressaltar que, em 1910, o fundador das Indústrias Peixe, Cel. Carlos de
Britto, assumia o cargo de prefeito do município de Pesqueira, estreitando a ligação entre os
poderes político e econômico. Essa hegemonia política se prolongaria até o fim dos anos de
1950, pois o cargo de prefeito de Pesqueira era sempre ocupado por pessoas da família Britto
ou por seus indicados, embora através de eleições legais, facilmente decididas em favor
daquele grupo em razão de sua poderosa influência local.
Contudo, essa estreita relação entre a política e o setor industrial era alvo de
duras críticas. Há várias acusações de favorecimento político ao grupo da Peixe, uma delas é a
denúncia de que a Fábrica Peixe usava toda a água da cidade em sua atividade fabril,
causando sérios problemas de abastecimento à população e de que era a prefeitura que arcava
mensalmente com a conta de água da referida fábrica.
Outro fato delatado foi a incompatibilidade de funções exercidas por Carlos de
Britto, que por ser prefeito e ao mesmo tempo proprietário da firma que detinha a concessão
________________________84 A Região, Pesqueira, 26 out. 1941, p. 03. 85 LLOYD, Reginald. Op. Cit., p. 940.
68
do serviço de bonde da cidade, sentiu-se pressionado a se afastar da prefeitura, transferindo o
cargo para o vice-prefeito, pois como perspicaz empreendedor preferiu que sua empresa
continuasse com a concessão do serviço de bonde, que transportava diariamente passageiros e
mercadorias, a ter que romper o contrato para se manter no cargo de prefeito. Seu mandato,
por conseguinte, foi curto (1910-1913).
Pelo mesmo motivo o seu filho Joaquim de Britto, em 1937, teve seu diploma
de deputado estadual cassado, pois a concessão do serviço de bonde de Pesqueira sempre era
renovada com a firma Carlos de Britto & Cia., dona das Indústrias Peixe, da qual era sócio-
proprietário Joaquim de Britto. Na época, o PSD, através do Jornal O Democrático, relatou o
fato com grande fervor, propagando que a cassação política do poderoso industrial serviria
para resgatar no povo a crença na lei e na justiça 86.
No entanto, não se pode contestar que pela influência política do grupo Peixe,
a partir da década de 1910 a cidade de Pesqueira começaria a sentir os benefícios de uma
comunidade em desenvolvimento como, por exemplo, a instalação da energia elétrica (1913),
fornecida por um motor a gás, importado da Inglaterra pelo prefeito Carlos de Britto, o que
muito contribuiria na vida dos citadinos.
Embora com todo o sucesso das fábricas doceiras, com a utilização da goiaba
como seu principal produto, um novo fruto iria aumentar a prosperidade econômica das
indústrias do município: o tomate. A cultura do tomate, apesar de ter-se tornado uma
novidade agroindustrial no país apenas em meados do século XX, foi introduzida em
Pesqueira, segundo estudos da EMBRAPA, já no final do século XIX, mais precisamente na
década de 1890 e, conforme o referido instituto, Pesqueira foi o primeiro município brasileiro
a cultivar o “tomate rasteiro”, ou seja, o tomate propício para industrialização e o fruto se
adaptou perfeitamente ao clima e solo da região 87.
________________________86 O Democrático, Pesqueira, 31 jan. 1937, p. 01.87 A cultura do tomate teve um grande impulso nacional apenas a partir da década de 1950, principalmente no Estado de São
Paulo, viabilizando a implantação de diversas agroindústrias. Até 1950 Pesqueira dominava o mercado nacional de produção
industrial de tomate. EMBRAPA. Cultivo de Tomate para Industrialização. Disponível em: < http://www.cnph.embrapa.
br/sistprod/tomate/index.htm >. Acesso em: 21 mar. 2007.
69
Se a industrialização do doce, conforme já conhecida sua história, deu-se quase
que fortuitamente, a utilização do tomate para fins industriais, a partir de 1914, por sua vez,
senão resultado de um planejamento estratégico, foi fruto de uma decisão correta e ousada dos
gestores da firma Carlos de Britto & Cia., proprietários da Fábrica Peixe, pois no país ainda
não se desenvolvia o plantio de tomate e, muito menos, industrializava-se sua polpa, que só
era adquirida através de importação, sendo a Itália o principal fornecedor.
De início, o tomate era cultivado apenas para a fabricação de massa, cuja polpa
era vendida sem um processamento mais aprimorado, sendo utilizada basicamente na
conservação de sardinhas. Porém, perceberam os empresários locais que agregariam mais
valor ao produto com a venda do extrato de tomate, já enlatado e pronto para o consumo, o
que ocorreu a partir da década de 1920, principalmente pelo espírito empreendedor de Manuel
de Britto, conhecido como Manuelzinho, um dos filhos do fundador da Peixe.
Manuelzinho de Britto enfrentou inúmeros obstáculos “para instalar e
desenvolver a exploração das massas de tomate e o aumento intensivo dos doces de frutas,
produtos regionais que deram também ao Estado uma posição de grande relevo na sua
produção e exportação (Manuel de Britto era incansável e foi para a época, certamente um
empresário nato, de grande tenacidade)” 88.
Mesmo sendo o tomate um fruto alienígena, adaptou-se muito bem no Agreste
pernambucano e como é uma cultura que necessita de concentração espacial e proximidade
das unidades de processamento, por ser muito perecível, as indústrias pesqueirenses
incentivaram o seu cultivo não só no município, mas também em outros municípios
circunvizinhos, convertendo o Agreste Centro Ocidental de Pernambuco 89 na maior área
produtora de tomate rasteiro do país.
________________________88 BARROS, Souza. Op. Cit., p. 52.89 O cultivo de tomate no Agreste Centro Ocidental de Pernambucano, mais precisamente na Microrregião do Vale do
Ipojuca, na qual situa-se Pesqueira, representou uma nova e importante atividade econômica para a região, já que por muito
tempo o Agreste ficou condicionado à função de abastecedor de gado bovino e eqüino para a as regiões da Zona da Mata e do
Litoral e, posteriormente, sua economia ficou restrita às atividades agrícolas de subsistência (milho, feijão, mandioca, cana
para a fabricação de mel e rapadura etc.) e ao plantio de algodão. ANDRADE, Manuel Correia. A Pecuária..., p. 52.
70
A partir daí o Agreste do Vale do Ipojuca e algumas outras mesorregiões
próximas seriam invadidas pelo cultivo de tomate, cujas plantações eram todas
asseguradamente compradas pelas fábricas pesqueirenses e, junto com a goiaba, a banana, o
abacaxi, o caju, o figo e outros frutos, formavam a base de insumos para a produção das
indústrias alimentícias do município.
Pesqueira, então, da década de 1910 até meados de 1950 viveria os melhores
anos de sua história. Com a fabricação de doces, conservas de tomate e também a produção de
laticínios, o município crescia vertiginosamente. O número de habitações aumentava sem
cessar, embora o maior número dessas residências fosse de casas consideradas modestas 90,
ocupadas pelos operários das fábricas, situadas na periferia, nos chamados bairros proletários.
Por muitos anos a cidade também possuiu um bom sistema de transporte em ferro-carril de
tração animal; grandes edifícios foram sendo construídos para abrigar mais instalações fabris,
várias repartições públicas e colégios; as principais ruas e praças foram melhoradas, o que deu
a cidade um aspecto mais moderno e com melhor estilo arquitetônico. Enfim, o progresso
chegara 91.
Indubitavelmente, a utilização industrial do tomate foi uma atitude de visão
empreendedora que trouxe ótimos resultados e que se consolidaria como o principal produto
fabricado pelas indústrias do município, ultrapassando, em muito, a fabricação original de
doces.
________________________90 Conforme os dados referentes aos percentuais de tipos de casas existentes em Pesqueira na década de 1950, verifica-se que
a atividade industrial era de suma importância para a cidade, pois o predominante número de casas modestas, habitadas pelos
operários das fábricas e suas famílias, demonstra o quanto a economia do município dependia dessas indústrias. “O quadro
percentual (...) evidencia que, tendo em vista as diferentes categorias em que classificamos as suas construções residenciais,
Pesqueira, por ser uma cidade de atividades industriais, enriquece a muito poucos mas, em compensação, proporciona
trabalho e ganho de vida à grande maioria de seus habitantes.
Casas de gente rica....... 9... 0,38%
Casas da classe média... 353... 14,95%
Casas modestas............. 1719.... 72,87%
Casebres miseráveis..... 278... 11,79%
TOTAL.... 2359... 100,00%
SETTE, Hilton. Op. Cit. p. 81.91 Ibidem, pp. 65-66.
71
A produção de tomate compeliu às fábricas a adquirirem novas máquinas,
aumentarem as suas instalações, contratarem mais mão-de-obra e melhorarem o seu potencial
tecnológico. A exemplo disso podemos citar as aquisições feitas pela Fábrica Rosa: “(...) para
massa e estracto de tomate conta oito vácuos com capacidade cada um de 800 kilos, de seis
em seis horas, seis despolpadeiras e quatro trituradores de tomates com quatro bombas
alimentadoras dos vácuos” 92.
O setor industrial não parava de se desenvolver, as plantações frutíferas e de
tomate da região já não eram suficientes para abastecer as fábricas e o município passou a
importar frutos de uma vasta área do Agreste, o que também modificou o cenário urbano de
Pesqueira, pois era sempre crescente o número de migrantes do campo para a cidade, devido à
oferta de emprego.
Outras fábricas logo começam a surgir e, em 1919, quando é fundada a Fábrica
Tigre, Pesqueira torna-se, inquestionavelmente, um centro industrial. O crescimento era tanto
que as fábricas, principalmente a Peixe, mudaram não só a estrutura da cidade como também
da zona rural do município. A partir da década de 1920, a Fábrica Peixe, além de comprar
toda a produção de frutas que lhe fosse oferecida pelos agricultores, começou o seu próprio
plantio 93, adquirindo muitas propriedades rurais nas redondezas e com essa inovação
provocou outra, passou a ter trabalhadores assalariados.
O trabalho assalariado era algo incomum no Agreste pernambucano 94, sendo
mais utilizadas as formas de pagamento por produção ou tempo trabalhado, por isso se diz
que foi uma inovação, já que o salário fixava o trabalhador rural na propriedade, tirando-o de
uma condição semelhante a dos bóias-frias, que conseguem ocupações apenas sazonais.
_______________________92 PERES, A.; CAVALCANTI, M. Machado. Op. Cit., p. 66.93 FREITAS, M. Britto de. A Parceria Agrícola de Indústrias Alimentícias Carlos de Britto S/A (Fábrica “Peixe”) na
Agroindústria do Tomate de Pesqueira. Recife: 1966, p. 17.94 Embora já houvesse no Brasil leis ordinárias que tratavam de direitos trabalhistas, como o trabalho de menores (1891), da
organização dos sindicatos rurais (1903) e urbanos (1907), o trabalho das mulheres (1932) etc., apenas com a Constituição de
1934 o Direito do Trabalho teve um tratamento específico, garantindo ao trabalhador a liberdade sindical (art. 120), isonomia
salarial, salário mínimo, jornada de trabalho de oito horas, repouso semanal, férias anuais remuneradas (art. 121, § 1º) etc.
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas, 2003, p. 39.
72
Todavia, os salários pagos tanto aos trabalhadores rurais como aos operários
eram muito baixos, o que não lhes proporcionava uma boa condição de vida 95. As fábricas se
anteciparam a uma provável insatisfação fazendo uso de uma espécie de assistencialismo para
gratificar seus empregados, como exemplo, doavam bolsas de estudos aos filhos dos
funcionários que mais se destacavam em suas funções fabris, mantinham escolas primárias
para os filhos dos operários e davam casas para os funcionários que não tinham onde morar,
deste modo, firmava-se a figura do “bom patrão”, figura bem utilizada na época pelas fábricas
do município 96.
O processo industrial estava tão bem consolidado, que mesmo com a morte do
pioneiro da industrialização pesqueirense, Cel. Carlos de Britto, em 1920, não houve
descontinuidade no desenvolvimento das Indústrias Peixe e, conseqüentemente, do município,
mas pelo contrário, seus familiares deram seguimento às atividades industriais e alargaram os
horizontes comerciais, expandindo em muito a sua atuação com a aquisição de outras
indústrias do mesmo ramo em vários municípios e até em outros estados do país, com o que
passaram a fabricar novos produtos.
Manuel de Britto, após o falecimento do pai, assume a direção das Indústrias
Peixe, em 1920, contando com a participação dos demais familiares na administração dos
negócios. O grupo Peixe fez grandes aquisições a partir desse período com a compra de várias
unidades industriais em Recife, entre elas as fábricas Talher, Milton de Oliveira e Indústrias
Reunidas Bernardino Costa, onde foi instalada uma estamparia com o nome Maria Britto. No
interior do Estado também foram compradas mais duas fábricas alimentícias: a de doces
Antônio Raposo, em Goiana e outra fábrica doceira em Bezerros 97.
________________________95 Os salários pagos aos operários pelas fábricas pesqueirenses eram ínfimos e as condições de trabalho não eram boas, eles
tinham pouco tempo de descanso, não recebiam alimentação apropriada e o local de trabalho não recebia uma limpeza
adequada, além disso, ressalte-se ainda que em períodos de maior produção, como nas épocas de safra, a jornada de trabalho
costumava chegar até 24 horas. A história do trabalho “identifica-se com a história da subordinação, do trabalho subordinado
(...)”. Ibidem. p. 37.96 CAVALCANTI, Bartolomeu. Op. Cit., pp. 51-52.97 Ibidem, p. 50.
73
Em 1924 o extrato de tomate já exercia uma enorme importância na economia
estadual 98 e em 1928 novamente a Peixe acrescia as suas instalações, modernizando os
equipamentos produtivos, que eram importados e seguiam a maquinaria européia, o que
possibilitava uma ativa produção de extrato de tomate enlatado e, em decorrência de sua
grande produção em latas, a Peixe era o maior consumidor de flandres do Estado 99.
Na década de 1930 a industrialização de Pesqueira estenderia seus horizontes.
O município firmara-se como um dos maiores centros industriais do interior nordestino.
Nessa década, as Indústrias Peixe alargaram suas pretensões fabris para além de Pernambuco,
instalando fábricas no Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. A aspiração dos dirigentes
era que a marca Peixe ganhasse os mercados do Centro-Sul e, já não se contentando apenas
com a fabricação de doces e de tomate, o grupo Peixe passou a investir em outras indústrias
alimentícias, como a Fábrica Sul América, a Fábrica Duchen (importante indústria de
biscoitos) e a Usina Central de Barreiros, cuja aquisição, de expressivo valor, tinha como um
dos objetivos baratear o custo do açúcar utilizado pelas suas fábricas.
Em 1934 o extrato de tomate pesqueirense atingiu o mercado nacional e
provocou uma grande redução na importação do produto que vinha do exterior,
particularmente da Itália, como o famoso “Pomidoro” italiano, superado pelo extrato de
tomate Peixe.
As indústrias do município estavam em plena ascensão, principalmente as
Indústrias Peixe, cujo administrador, Manuel de Britto, numa entrevista concedida ao Jornal
Folha da Manhã, em 1938, disse ter ido a Nápoles, na Itália, para conhecer as instalações das
fábricas Cyrio e observar as novidades em maquinário e tecnologia que poderia empregar nas
suas fábricas 100. Essa era uma relevante característica dos industriais da Peixe, estavam
sempre ávidos por novidades do mercado. As visitas a outros estabelecimentos industriais,
principalmente do exterior, mantinha-os atualizados sobre os melhores e mais modernos
equipamentos e novas técnicas de produção.
________________________98 SANTA CRUZ, Pedro et al. Op. Cit., p. 35.99 SOUZA, José de Anchieta. As Dobras da Vida. Recife: Ed. do Autor, 2006, p. 35.100 CAVALCANTI, Bartolomeu. Op. Cit., p. 50.
74
Outro importante empreendimento para o município de Pesqueira foi a
construção do campo de aviação, pela iniciativa privada (Indústrias Peixe), na década de
1940, único numa vasta área, utilizado com freqüência pelo avião da Peixe e vez por outra por
autoridades que visitavam a cidade. Os habitantes da cidade já conheciam até o estilo de
chegada do avião da Peixe. Quando ele dava duas voltas sobre a cidade todos logo sabiam que
pessoas da família Britto estavam aterrissando e as voltas avisavam aos serviçais que se
dirigissem ao campo de aviação para buscá-los 101.
O aeródromo, que ficava em um ponto alto e com bela vista, a uns três
quilômetros da cidade, fora construído dentro de um padrão da aviação na época, capaz de
receber em sua pista de pouso não só pequenas aeronaves, mas também aviões de porte maior
e ainda contava com um amplo hangar.
Devido à dimensão das Indústrias Peixe, tornou-se um dos campos mais bem
utilizados do interior do Estado e até um avião da Força Aérea Brasileira, um DOUGLAS DC
3, esteve no Campo de Aviação de Pesqueira, como relata o Jornal Folha de Pesqueira, em
1947:
“Causou um acontecimento marcante de entusiasmo a vinda a
esta cidade de um DOUGLAS, das Forças Aéreas Brasileiras. A
aterrisagem do importante aparelho verificou-se de modo magnífico.
Numa simples manobra, muito naturalmente, o bi-motor desceu no
campo de pouso, ante o entusiasmo da população, calculada em cerca
de três mil pessoas, que tinham até ali ido assistir ao embarque do ex-
bispo de Pesqueira.
– ‘Ótimo campo’ – respondeu-nos o tenente-coronel aviador
Vitor Barcelos, quando o interpelamos. Acrescentando que tinha feito
sua aterrisagem sem a menor preocupação e sem o menor incidente,
tanto assim que aterrisara em posição contrária, tal a confiança que lhe
inspirou a segurança do campo, já anteriormente inspecionado” 102.
________________________101 GALINDO, Givanildo. Op. Cit., p. 123. 102 Folha de Pesqueira, Pesqueira, 29 set. 1947, p. 01.
75
Não se pode deixar de mencionar que com o crescimento da industrialização,
necessariamente foi surgindo no município toda uma rede estrutural constituída para atender à
atividade agroindustrial, cujo arranjo produtivo era formado por uma cadeia de serviços que,
embora de pequena visibilidade, apresentava grande importância econômica para a região.
O arranjo produtivo local ou cluster pode ser compreendido como “todo tipo
de aglomeração de atividades geograficamente concentradas e setorialmente especializadas –
não importando o tamanho das unidades produtivas, nem a natureza da atividade econômica
desenvolvida, podendo ser da indústria de transformação, do setor de serviços e até da
agricultura”. Diz ainda o mesmo autor que o “objetivo primordial a ser seguido é o de criar,
em cada local ou região, uma atmosfera favorável ao desenvolvimento de atividades
econômicas (...)” 103. Conforme tal explanação, não há dúvida que em Pesqueira existiu o
cluster da indústria do doce e do tomate e devido à produção local foram criadas
oportunidades para o aparecimento de outras atividades e para o surgimento de pequenas e
médias firmas, pois o arranjo produtivo possibilita esse crescimento tanto nas regiões
industrializadas quanto nas regiões menos desenvolvidas 104.
A indústria pesqueirense gerou várias novas atividades, como o fornecimento
de lenha, consumida em larga escala para aquecimento das caldeiras a vapor. Isso produziu
uma ação intensa entre os proprietários rurais e ao tempo em que derrubavam as árvores para
fornecer lenha às indústrias, ampliavam seus campos de pastoreio ou agricultáveis. Nesses
espaços muitas plantações de tomate surgiram para venda do produto às fábricas alimentícias.
O consumo desmedido de lenha pelas fábricas, contudo, geraria uma
destruição ambiental sem precedentes na região, destruição que só seria sentida décadas à
frente. Na ânsia de fornecer lenha às indústrias, os agricultores devastavam suas propriedades,
colocando abaixo toda a vegetação nativa e, no local, ao invés de fazerem o plantio de
alimentos de subsistência, que ao menos supriam suas famílias, preferiam plantar frutas
________________________103 GALVÃO, Olímpio José de Arroxelas. Clusters e Distritos Industriais: Estudos de Casos em Países selecionados e
Implicações de Política. PPP. Nº 21. Brasília: IPEA, jun. 2000, pp. 8-9.104 ALMEIDA, Manoel Bosco de et al. Identificação e Avaliação de Aglomerações Produtivas: Uma Proposta Metodológica
para o Nordeste. Recife: IPSA/PIMES, 2003, p.13.
76
tomate necessários à produção fabril, com isso, ficavam totalmente dependentes das indústrias
alimentícias do município. Não é para menos que Pesqueira também se destacou por “possuir
as maiores plantações de tomate em terras contínuas do mundo” 105.
Com a demanda cada vez maior desses insumos (lenha, frutas, tomate etc.),
havia a necessidade de contratação de caminhões particulares para transportá-los,
especialmente nas épocas de safra, já que as fábricas não tinham uma frota suficiente. Desta
forma, gerava-se uma oferta de trabalho para uma categoria que até então quase não existia na
comunidade. Muitas pessoas investiram suas economias em caminhões para fazer transporte
para as fábricas e, por conseqüência, foram surgindo novas oficinas mecânicas especializadas
em veículos de carga, para reparos da frota de veículos utilizada pelas indústrias.
Com a dinamização e extensão das plantações, abriu-se outro leque de
oportunidades para o aproveitamento de técnicos agrícolas e práticos na administração,
fiscalização, medição, pagadores e tantos outros serviços afins, que as atividades
agroindustriais passaram a exigir.
Outro setor estimulado pelo desenvolvimento industrial foi a confecção, em
madeira, de caixotes para o transporte de frutos in natura, já que ainda não existia outra forma
de transportá-los. Os caixotes de madeira tinham uma demanda contínua por causa da grande
quantidade de insumos das fábricas 106 e como não havia outro material economicamente
viável na época para substituir a madeira, utilizavam-se os caixotes, que eram feitos ou de
modo artesanal ou através do serviço de serraria, serviço no qual Pesqueira também era muito
eficiente e gerava ocupação para vários munícipes.
Por fim, ainda se pode destacar o serviço de funilaria, extremamente utilizado
pelas fábricas, que adquiriam as folhas-de-fladres na Capital, das quais se confeccionavam as
latas que serviriam para embalagem dos produtos fabricados. As fábricas alimentícias do
município contavam com um qualificado setor de funilaria, como se pode averiguar numa
________________________105 SOUZA, José de Anchieta. Op. Cit., p. 29.106 “Realmente, nas safras anuais, eram mais de 500 (quinhentos) caminhões transportando tomate em caixas e o sumo que
delas emanava e deixava nos paralelepípedos que cobriam a cidade uma indelével mancha preta e o cheiro da tomate
prensada naquelas toscas embalagens que enchia o ar daquele cheiro agridoce”. (O grifo é nosso). Ibidem, p. 34.
77
descrição de maquinário e serviços referentes à Fábrica Rosa já nas primeiras décadas do
século XX: “Este importante estabelecimento adotou a marca “Rosa” para os seus produtos.
Dispõe ele sessenta turbinas à vapor, dois autoclaves, quatro despolpadeiras, dois trituradores
de frutas (...) Dispõe de um completo serviço de funilaria e serraria (...)” 107.
Pesqueira logo se tornou um centro de referência de técnicos funileiros,
principalmente de torneiros mecânicos, que foram criando suas próprias oficinas para atender
às fábricas do município e também de outras regiões. Revelam os habitantes mais antigos que,
por conta dessa especialização, muitas indústrias de Pernambuco e até de outros estados
vizinhos enviavam peças de seus equipamentos para serem torneadas em Pesqueira.
Embora redigido de forma poética, um escritor local transcreve algumas
experiências de sua infância desse cotidiano das ruas de Pesqueira, que absorviam a influência
das indústrias, por onde passavam diariamente pessoas das mais variadas profissões:
“(...) Onze horas da manhã, onze badaladas. Menino, pensativo,
também ouvi ao mesmo tempo a velha sirene da Peixe. Vi saindo do
principal portão da fábrica centenas de industriários. Luiz Doido já
dizia: - É tanta gente, que parece formigueiro. Muitos deles usando
macacões. Macacões azuis. Cada um passava pelo meu batente com
cheiro de operário, com cheiro de suor do trabalho. Calado, sem saber,
observava os que passavam: eletricistas, mecânicos, fechadores de
latas, motoristas, mestres ponteiros, caldeireiros. Era o vigor do
trabalho correndo nas veias de Pesqueira. (...) Do batente da minha
casa vi muitas e muitas vezes o grande bueiro da Fábrica Peixe
soltando fumaça pela sua chaminé. (...) em épocas de safra, vi muitas
filas formadas por 20, 30 e até 40 caminhões cheios de tomates
maduros, bem vermelhos. Vi ainda nas mesmas épocas de safra,
operárias (...) cheirando a serão, saindo da Peixe às 9, 10 ou 11 da
noite. (...) Vi filas começando em frente ao principal portão da Peixe, a
se perderem de vista. (...)” 108.
________________________________107 PERES, A.; CAVALCANTI, M. Machado. Op. Cit., p. 66.108 ALMEIDA, Fernando. Da janela da Minha Casa. Olinda: Editora Raiz, 2001, pp. 12, 86.
78
O Censo Demográfico de 1950 classificou Pesqueira como um dos municípios
mais populosos do Estado de Pernambuco, com 37.732 habitantes, dos quais 22.608
habitavam no campo e 15.124 na área urbana, sendo 13.134 na sede do município 109.
Notavelmente, as fábricas pesqueirenses empregavam diretamente 2.008 pessoas, além de um
número de aproximadamente 8.000 pessoas que exerciam atividades ligadas às indústrias,
obtendo rendimentos provenientes dessas atividades.
Diante dos números expostos, verifica-se quão fundamental era o setor
industrial para a economia do município, pois absorvia direta e indiretamente muita mão-de-
obra, já que de 37.732 habitantes mais de 10.000 e suas famílias dependiam das fábricas.
Além disso, a atividade industrial trouxe outro benefício ao município, manteve durante
décadas a maior parte de sua população no meio rural, pois tanto as grandes e médias como as
pequenas propriedades rurais tinham uma essencial participação na produção fabril, com o
fornecimento de insumos. Outrossim, os operários das fábricas que possuíam algum pedaço
de terra preferiam permanecer morando no campo, pois os membros da família se ocupavam
no roçado e na criação de alguns animais, o que, devido aos reduzidos salários pagos pelas
fábricas, garantia o complemento para o sustento da família.
A industrialização de Pesqueira, indiscutivelmente, gerou resultados
econômicos extraordinários até a metade do século XX. A partir de meados da década de
1950, porém, o processo industrial pesqueirense, paulatinamente, começa a decrescer,
resultado de uma soma de fatores que desestruturaram as indústrias do município, entre eles:
problemas com o solo, clima, falta de água, queda na produtividade dos frutos, mudanças na
política nacional, crescimento da fruticultura no Vale do São Francisco etc. Contudo, o início
da desestruturação da base econômica do município não foi, por um tempo, percebido pela
população, pois embora algumas fábricas menores já estivessem em crise, a Peixe, principal
grupo industrial da cidade, não parava de crescer e só nas décadas subseqüentes os problemas
seriam evidenciados pelos citadinos.
________________________109 Em 1970, o quadro populacional de Pesqueira já apresentava mudanças, com a maior parte dos munícipes residindo no
meio urbano. De uma população de 50.145 habitantes, 21.900 moravam no campo e 28.245 na zona urbana, sendo 24.637 na
sede do município. IBGE, Censos Demográficos de 1950 e 1970.
79
4.2. Pesqueira se Destaca no Interior Pernambucano
Enquanto o Agreste tinha sua economia baseada nas culturas de subsistência,
no plantio de algodão e na pecuária extensiva, surgiu na região uma atividade diferenciada,
uma indústria nascida da iniciativa local, com capital próprio e origem endógena, que tornou
sua atividade industrial, representada principalmente pela Fábrica Peixe, conhecida
mundialmente.
Em razão de sua força econômica, logo no início do século XX a cidade de
Pesqueira contava com serviços impensáveis em outras comunidades interioranas, como a
instalação da iluminação elétrica já em 1913, água encanada, serviço urbano de bondes de
tração animal e outros serviços e melhoramentos. De um pioneirismo singular, Pesqueira foi a
primeira cidade no interior pernambucano a instalar fábricas de laticínios, óleos vegetais,
doces e conservas, além de introduzir a palmatória, antes planta ornamental, como forrageira 110 e ainda foi o município responsável pela implantação da cultura do tomate rasteiro no
Brasil, o tomate apropriado para industrialização.
Em 1925, quando o Coronel Cândido de Britto, um dos membros das
Indústrias Peixe, encerrava seu mandato de Prefeito de Pesqueira, foi editado um álbum que
descrevia uma síntese de sua gestão e nesse álbum há uma crônica de um autor desconhecido
que relata como era Pesqueira na época, demonstrando o seu grande desenvolvimento para
uma localidade interiorana. Destaca-se, pois, parte do que dizia o artigo:
“Pousada no flanco da Serra do Ororubá, engastada num bello
trecho do nosso sertão, encontra o viajante, depois de nove horas de
jornada nos trens da Great Western, a ridente e grande cidade de
Pesqueira.
Aos olhos de quem chega a impressão de agrado logo se impõe,
porque o cazario extenso e alegre, as chaminés das fábricas, as torres
________________________110 SANTA CRUZ, Pedro et al. Op. Cit. , p. 167.
80
das igrejas, o verde forte das plantações repartidas em cercados,
denotam bem que se está numa localidade que progride, que trabalha e
que mais se embelleza.
Situada a 660 metros de altura sobre o nível do mar, com clima
suave e sadio, Pesqueira é hoje uma das mais adiantadas cidades do
Estado de Pernambuco, aliás do Norte do Brasil. A sua edificação
cresce dia a dia, vai se remodelando aos poucos para tomar um aspecto
moderno, as ruas se alinham melhor, o commercio avulta, a industria
prospera, a agricultura toma uma saliência notável.
É sede de varias repartições, não só federaes, como estaduaes e
municipaes (...).
A cidade está ligada à estação por um bem feito serviço de
bondes de muar, existindo já grande número de automóveis (...) A luz
elétrica é de primeira ordem e a água é distribuída nos domicílios, em
canalisação (...).
Pesqueira é séde de um dos bispados pernambucanos o que bem
lhe demonstra a importância. No seu município nasceu o Cardeal
Arcoverde – primeiro na América do Sul.
As conhecidas e conceituadas fábricas de doces são três, com
producção avultada... estando aparelhadas do que há de mais moderno
e hygienico no assumpto. Existem, tambem, outras pequenas fábricas
de calçados, torrefacção de café, artefactos de couro, etc.
Linda, rica, progressista, futurosa, Pesqueira é (...) uma terra que
se pode oferecer à visita do turista nacional ou estrangeiro como
testemunho da grandeza e da prosperidade de Pernambuco” 111.
Como se depreende do artigo citado, Pesqueira, já na década de 1920, possuía
um eficiente serviço de luz elétrica, gerada por um motor de grande força, e água encanada
bem distribuída nos domicílios, serviços que eram precários ou inexistentes em outras cidades
do interior na época e, mesmo o município tendo uma água de boa qualidade, ela ainda era
decantada e filtrada antes de ser remetida para o abastecimento. Também o serviço de bondes
de muar era muito utilizado e útil, pois ligava a cidade à estação ferroviária, conduzindo
diariamente viajantes, munícipes e também servindo de transporte de carga para as fábricas.
________________________111 Álbum de Pesqueira, Gestão do Prefeito Cândido de Britto. Pesqueira: 1925, pp. 7-8.
81
O transporte feito através de bondes de tração animal era público, mas sua concessão, desde o
início da realização do serviço, pertencia ao grupo Peixe, o que, como já mencionado
anteriormente, gerou alguns problemas políticos para os membros do grupo industrial.
A cidade, que sempre foi empreendedora e modernista, continuamente estava
em transformação. Nesse tempo contava com prédios imponentes e vistosos, como o
Convento dos Franciscanos; a Catedral no centro da cidade; a residência do então prefeito
Cândido de Britto, um belíssimo chalé em estilo colonial situado em frente à Fábrica Peixe,
pertencente a sua família; grupos escolares municipais e estaduais bem cuidados; os prédios
do açougue municipal e da cadeia pública, construídos no primoroso estilo da época; o
clássico Palácio Episcopal e sua Capela; a Praça Pessoa de Queiroz, em frente à estação de
trem; os colégios particulares, como o Dorotéia e o Diocesano, que além de uma grandiosa e
bela estrutura física eram considerados como os melhores educandários daquela área agrestina
e, é claro, as fábricas, com suas suntuosas chaminés.
O dinamismo da cidade, conseqüência de sua crescente atividade industrial, fez
com que Pesqueira fosse um município interiorano sempre inovador, como exemplo, em 1º de
janeiro de 1930, em virtude do intenso movimento de veículos particulares e de carga nas ruas
da cidade, a Delegacia Regional da Décima Zona Policial delimitou que a velocidade máxima
no perímetro urbano fosse de até 20 km/h para carros de passeio e de 15 km/h para veículos
pesados, principalmente caminhões, e também estabeleceu que haveria mão e contramão para
o fluxo automotivo nas ruas da cidade 112.
O município desenvolvia-se a passos largos, prova disso era o número
crescente de habitantes, pessoas que vinham das mais variadas localidades e até de outros
estados nordestinos para se estabelecerem em Pesqueira, em busca de oportunidade de
trabalho e de uma melhor condição de vida. Pesqueira, em razão de seu crescimento
populacional a partir da década de 1920, entrou no rol dos municípios mais populosos do
interior do Estado e com a sua próspera economia passou a figurar também entre os
municípios mais evoluídos de Pernambuco.
________________________112 Correio de Pesqueira, Pesqueira, 1º jan. 1930, p. 06.
82
A importância que teve Pesqueira para o Estado, destarte, não consta apenas de
relatos orais ou literários, mas se reflete em números de censos e anuários estatísticos que
registraram a sua significância. Os dados obtidos, principalmente das décadas de 1920 e 1930,
demonstram a relevância econômica que o município pesqueirense teve para Pernambuco.
Para comprovar o destaque que o município de Pesqueira possuía no interior
pernambucano foram escolhidos três outros municípios para servirem de comparação,
municípios que são hoje os de maior importância econômica no interior do Estado, são eles:
Caruaru, Garanhuns e Petrolina. Excluiu-se Recife desta análise por ser, além da Capital do
Estado, superior numericamente a qualquer outro município desde seu surgimento e também
não foram incluídos nas tabelas comparativas municípios da Zona da Mata, já que sempre
tiveram intenso desenvolvimento devido à atividade açucareira.
Pesqueira, no período áureo de sua atividade industrial, conseguia se
aproximar e em alguns números até superar municípios como Caruaru e Garanhuns, que
sempre foram cidades proeminentes do Agreste pernambucano e, quase sempre, possuía
números bem expressivos em comparação ao município de Petrolina, que hoje representa a
economia mais forte do Sertão do Estado.
Embora as indústrias alimentícias tenham sido o principal suporte econômico
do município durante quase todo o século XX, a prática da agropecuária sempre foi intensa
em Pesqueira, representando um setor que absorvia muita mão-de-obra, com um significativo
número de propriedades rurais. A bacia leiteira do Agreste Centro-Ocidental, na qual está
situado o município, também sempre foi considerada a mais importante do Estado 113.
O uso da terra era basicamente feito em sistema de complementaridade, tanto
para a agricultura como para a pecuária, ou seja, às pequenas propriedades rurais aplicavam-
se as culturas de subsistência, enquanto as de grande porte exploravam a pecuária extensiva.
Dessa atividade agropecuária extraem-se números expressivos para o município de Pesqueira,
como demonstrado na tabela XIV.
________________________113 SANTA CRUZ, Pedro et al. Op. Cit., pp. 35-36.
83
TABELA XIV
RECENSEAMENTO AGRÍCOLA DE 1920 EM PERNAMBUCO(Gado existente nos estabelecimentos rurais por espécie, por municípios)
MUNICÍPIOS BOVINO EQUINOASININO
E MUAROVINO CAPRINO SUÍNO
Caruaru 19.388 4.886 1.352 18.373 54.619 5.864Garanhuns 9.275 3.523 342 5.707 9.164 2.858Pesqueira 29.039 5.586 1.974 18.970 30.014 7.182Petrolina 11.020 1.557 1.760 3.850 9.193 1.273
Fonte: Anuário Estatístico de Pernambuco. Recife: 1927, Ano I, pp. 290-291.
Como no século XIX e início do XX Pesqueira fora uma importante cidade
mercantil do interior do Estado, com destaque para a comercialização de peles e couros, foi
natural a expansão da pecuária no município e, mesmo com a diminuição desse tipo de
comércio, a criação de semoventes continuou crescente e economicamente importante,
tornando o município um dos maiores criatórios do Agreste-Sertão.
Apreende-se, da tabela acima, que a pecuária era muito relevante para o
município de Pesqueira, representando outro setor forte de sua economia. Verifica-se, pois,
que os rebanhos do município eram bem maiores do que os de Garanhuns e Petrolina, só
sendo seguidos por Caruaru, por isso, além da atividade industrial, Pesqueira também se
destacava pelos bons resultados de seus criatórios.
Ainda em relação às atividades ligadas ao campo, o município também contava
em sessenta e uma de suas propriedades rurais com máquinas para transformação ou
beneficiamento de alguns produtos como café, açúcar, manteiga, cereais e outros alimentos
agrícolas. Segundo Souza Barros “são estas pequenas propriedades da zona do Agreste-
Caatinga que fornecem ao Estado a sua maior produção de cereais, de plantas leguminosas, de
frutas e do algodão, dos queijos, da manteiga, etc.” 114.
________________________114 in: Op. Cit. p. 37.
84
Pesqueira possuía também doze instalações descaroçadoras de algodão, com
dez descaroçadores com trezentas e dez serras, uma bolandeira com vinte serras e uma usina
com trezentas e vinte serras, o que dá um total de seiscentas e cinqüenta prensas. Os salários
recebidos pelos homens que trabalhavam nesses estabelecimentos eram, em média, de 3$000
(três mil réis) e as mulheres recebiam, em média, 1$750 (mil setecentos e cinqüenta réis), o
que praticamente correspondia à média estadual de salários pagos para essas atividades:
homens, 2$970 (dois mil novecentos e setenta réis) e mulheres, 1$785 (mil setecentos e
oitenta e cinco réis) 115. Observa-se nas tabelas XV e XVI os números comparativos do
município de Pesqueira segundo o recenseamento agrícola de Pernambuco de 1920.
TABELA XV
RECENSEAMENTO AGRÍCOLA DE 1920 EM PERNAMBUCO(Estabelecimentos rurais recenseados possuidores de mecanismos de
transformação ou beneficiamento de produtos agrícolas, por municípios)
MUNICÍPIOS ESTABELECIMENTOS RURAIS
Caruaru 46Garanhuns 79Pesqueira 61Petrolina 11
Fonte: Anuário Estatístico de Pernambuco. Recife: 1927, Ano I, pp. 292-293.
TABELA XVI
RECENSEAMENTO AGRÍCOLA DE 1920 EM PERNAMBUCO(Quadro demonstrativo dos descaroçadores de algodão, por municípios)
MUNICÍPIOS Nº DE INTALAÇÕES Nº DE PRENSAS
Caruaru 35 1.718Garanhuns 11 960Pesqueira 12 650Petrolina 2 65
Fonte: Anuário Estatístico de Pernambuco. Recife: 1927, Ano I, pp. 332-335.
________________________115 Anuário Estatístico de Pernambuco. Recife: 1927, Ano I, p. 335.
85
Paralelamente ao desenvolvimento econômico ou como conseqüência deste, o
setor educacional de Pesqueira também se sobressaía no interior, reunindo em seus
educandários um alunato não só de munícipes, mas advindos de outras regiões e até de outros
estados do Nordeste, cujo ensino ia desde o primário até a formação colegial.
Os educandários do município, tanto os públicos como os particulares, eram
muito bem conceituados, possuíam boas instalações e professores qualificados. As tabelas
XVII e XVIII referem-se aos números do ensino público municipal e estadual e é curioso
relatar que Pesqueira, com uma população menor do que a de Garanhuns, em 1927, possuía
um número maior de alunos. Pode-se dizer que isso se deve ao fato da repercussão do bom
ensino pesqueirense atrair discentes de várias localidades.
TABELA XVII
ENSINO PRIMÁRIO MUNICIPAL EM PERNAMBUCO (1927)
MUNICÍPIOS Nº DE ESCOLAS Nº DE ALUNOS FREQUÊNCIAMÉDIA
Caruaru 29 1.427 1.027,2Garanhuns 18 773 524,0Pesqueira 24 974 760,0Petrolina 5 127 87,0Fonte: Anuário Estatístico de Pernambuco. Recife: 1927, Ano I, pp. 150-151.
TABELA XVIII
GRUPOS ESCOLARES ESTADUAIS EM PERNAMBUCO (1927)
MUNICÍPIOS Nº DE ESCOLAS Nº DE ALUNOS FREQUÊNCIA MÉDIA
Caruaru 4 252 155,9Garanhuns 5 176 127,9Pesqueira 4 200 134,1Petrolina - - -Fonte: Anuário Estatístico de Pernambuco. Recife: 1927, Ano I, p. 147.
86
Durante várias décadas do século XX a linguagem escrita ainda era o principal
meio de comunicação entre as pessoas, já que o uso do telefone era restrito na maior parte do
território nacional e, em Pesqueira, a primeira central telefônica só foi instalada em 1938. O
município de Pesqueira, mais uma vez reafirmando sua importância no Estado, contava na
década de 1920 com sete agências postais (Correios), servindo a cidade e seis distritos:
Alagoinha, Sérgio Lorêto (Poção), Cimbres, Salobro, Sanharó e Rio Branco (Arcoverde).
Caruaru possuía apenas três agências, Garanhuns quatro e Petrolina uma 116. Pesqueira era o
município com o maior número de agências postais no Agreste-Sertão e isso, em boa parte,
devido às atividades econômicas da região, que necessitavam cada vez mais de tais serviços.
A partir da década de 1920 o município de Pesqueira já registrava uma
população numerosa para o interior do Estado, decorrente das oportunidades de trabalho
ligadas direta ou indiretamente às atividades fabris, o que demonstra a relevância do centro
urbano de Pesqueira na época, que se percebe nos números abaixo.
TABELA XIX
POPULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DE PERNAMBUCO (1921 e 1927)
Fonte: Anuário Estatístico de Pernambuco. Recife: 1927, Ano I, pp. 101-102.
Em 1921, Pesqueira registrava uma população de 46.906 habitantes e em apenas seis anos, em 1927, já contava com 56.203 munícipes, um aumento populacional de quase 10.000 habitantes, ou seja, proporcionalmente equivalente ao crescimento demográfico dos municípios de Caruaru e Garanhuns, que foi de aproximadamente 13.000 habitantes. Petrolina, por sua vez, acresceu sua população em um pouco mais de 3.000 pessoas.
________________________116 Anuário Estatístico de Pernambuco. Recife: 1927, Ano I, pp. 346-350.
MUNICÍPIOS 1921 1927
Caruaru 63.522 76.115Garanhuns 65.673 78.691Pesqueira 46.906 56.203Petrolina 17.460 20.921
87
O crescimento populacional do município também se reflete no número de
eleitores, ultrapassando até os demais municípios em comparação, já que Pesqueira, que fazia
parte do 3º distrito, possuía um dos maiores distritos eleitorais de Pernambuco. É tão notável
o número de eleitores inscritos na sede do município que, em todo o Estado, em 1935,
Pesqueira só ficava atrás de Recife em inscrição eleitoral. Veja-se a tabela XX.
TABELA XX
NÚMERO E PERCENTAGENS DE ELEITORES NOS MUNICÍPIOS DE PERNAMBUCO (1935)
Fonte: Anuário Estatístico de Pernambuco. Recife: 1936, Ano VIII, p. 357.
A relevância do município de Pesqueira para o Estado de Pernambuco até
meados do século XX se perfaz, então, nos mais variados campos: na pecuária, na agricultura,
no comércio, na área educacional e até na esfera religiosa, cujos números também servem de
constatação da importância do município na época em questão, pois a Igreja Católica como
principal instituição religiosa do país e com a influência que exercia no meio político-social,
geralmente situava suas dioceses nos municípios de maior visibilidade de uma região 117.
A Diocese de Pesqueira geria, em 1935, 21 paróquias, abarcando 18
municípios do Agreste-Sertão, o que era de grande relevância, pois o Catolicismo era
praticamente a única religião do país, com uma infinidade de seguidores, e ter uma diocese
influente significava que o município também possuía prestígio político e poder econômico.
________________________117 “A fama de Pesqueira abalou até o Bispo de Olinda, D. Luís Raimundo da Silva Brito, desde as notícias dadas por D. Xisto
Albano, seu bispo auxiliar, quando da visita que esse fizera em junho de 1912. Pelo que, programou D. Luiz, para o início de
outubro de 1915, outra visita pastoral, agora feita por ele próprio, ansioso por voltar (estivera antes em 1903) à “cidade do
Progresso” (...)”. MACIEL, Frederico Bezerra. Op. Cit., p. 152.
SÉDES Nº DE ELEITORES% SOBRE A
POPULAÇÃO
Caruaru 4.252 4,30Garanhuns 3.740 4,88Pesqueira 5.866 11,39Petrolina 2.149 6,82
88
A Diocese de Pesqueira contava com setenta e cinco associações pias, dezoito
irmandades e oitenta e oito capelas e oratórios, representando uma das maiores dioceses de
Pernambuco. Apenas no ano de 1935 a Diocese de Pesqueira constituiu 2.672 casamentos e
realizou 10.334 batizados 118. “Por muito tempo Pesqueira contou com a presença diária de
mais de uma dezena de padres que residiam na cidade, ensinavam nos colégios, dirigiam as
várias paróquias e, portanto, mantinham uma atuação constante sobre a população, inclusive
através da imprensa e até mesmo um cinema a Diocese chegou a possuir” 119.
Pesqueira também possuía um número relevante de edificações e constava na
lista dos dez municípios com o maior número de prédios urbanos de Pernambuco. O
município, em contínuo crescimento, tinha desde imponentes construções a prédios mais
simples, como as habitações das vilas operárias.
Faz-se mister ressaltar, observando a tabela abaixo, que a sede do município de
Pesqueira tinha menos prédios do que as sedes dos municípios em comparação, mas nos
distritos superava em edificações os municípios de Caruaru e Garanhuns, isso porque os
distritos de Pesqueira eram mais desenvolvidos, mais habitados e também a área total do
município em Km² era maior do que a dos municípios de Caruaru e Garanhuns.
TABELA XXI
PRÉDIOS URBANOS COMPUTADOS EM PERNAMBUCO, POR MUNICÍPIOS (1940)
MUNICÍPIOS CIDADE DISTRITOS TOTAL
Caruaru 5.729 1.226 6.955Garanhuns 3.845 1.386 5.231Pesqueira 2.479 1.557 4.036Petrolina - - -
Fonte: Anuário Estatístico de Pernambuco. Recife: 1940, Ano X, p. 206.
_________________________118 Anuário Estatístico de Pernambuco. Recife: 1936, Ano VIII, pp. 276-277.119 GALINDO, Givanildo. Op. Cit., p. 87.
89
Contudo, não há comprovação mais fidedigna da importância que tinha
Pesqueira para Pernambuco, principalmente para o interior, do que os números que
evidenciam seu vigor econômico. Observando as tabelas XXII e XXIII percebe-se, com
facilidade, quão volumosas eram as arrecadações das coletorias federais no município,
tamanha era sua produção industrial.
TABELA XXII
ARRECADAÇÃO DAS COLETORIAS FEDERAIS DO ESTADO DE PERNAMBUCO (1927-1931)
COLETORIAS 1927 1928 1929 1930 1931
Caruaru 162:999$ 202:327$ 200:215$ 156:625$ 183:620$Garanhuns 245:411$ 260:194$ 353:342$ 265:220$ 192:188$Pesqueira 1ª 2ª 3ª 1.094:902$ 1.078:481$ 1.045.979$ 772.701$ 1.041.791$Petrolina 1ª 2ª 153:244$ 163:226$ 152:217$ 138:761$ 145.338$
Fonte: Anuário Estatístico de Pernambuco. Recife: 1936, Ano VIII, pp. 116,118.
TABELA XXIII
ARRECADAÇÃO DAS COLETORIAS FEDERAIS DO ESTADO DE PERNAMBUCO (1932-1936)
COLETORIAS 1932 1933 1934 1935 1936
Caruaru 214:464$ 274:656$ 227:415$ 304:417$ 261:376$Garanhuns 165:569$ 256:420$ 170:616$ 277:982$ 243:462$Pesqueira 1ª 2ª 3ª 838:727$ 1.358:173$ 843.201$ 1.469:613$ 1.754:903$Petrolina 1ª 2ª 99:776$ 161:486$ 134:782$ 200:526$ 216:539$
Fonte: Anuário Estatístico de Pernambuco. Recife: 1936, Ano VIII, pp. 117,119.
Pesqueira era o único município de todo o Estado de Pernambuco, excetuando-
se o de Recife, que dispunha de três coletorias federais e, como se verifica nas duas tabelas
anteriores, a soma das arrecadações das coletorias de Pesqueira suplantavam as arrecadações
dos municípios de Caruaru, Garanhuns e Petrolina, que tinham um montante arrecadado
diminuto em comparação ao ditoso município industrial.
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Em 1940 as coletorias federais de Pesqueira tiveram uma arrecadação maior do
que as coletorias federais de Recife. Nesse ano Pesqueira teve a segunda maior arrecadação
federal do Estado de Pernambuco, ficando atrás apenas do município de Paulista. É
surpreendente constatar que um município fora da circunferência da Zona da Mata e do
Litoral, sem uma economia alicerçada na produção açucareira ou têxtil, pudesse ter resultados
tão vultosos como os obtidos pelas indústrias alimentícias pesqueirenses.
A fabricação de doces e de massa de tomate, assim como os derivados dessa
fabricação, como o extrato de tomate, a polpa de goiaba, os doces em calda, geléias, suco de
frutas, suco de tomate, entre outros produtos, colocaram as indústrias pesqueirenses no rol das
principais indústrias de Pernambuco e, porventura, entre as principais indústrias alimentícias
do Nordeste.
A produção pesqueirense de doces, massa de tomate e derivados, passou a
representar uma importante parcela na exportação pernambucana para outros estados do país,
o que aconteceu a partir da década de 1930 e durante toda a década de 1940.
TABELA XXIV
EXPORTAÇÃO (PAÍS) DOS PRINCIPAIS PRODUTOS DO ESTADO DE PERNAMBUCO, SEGUNDO O VALOR (1934-1936)
PRODUTOS 1934 1935 1936
Aguardente 544:441$ 377:989$ 385:809$Álcool 4.684:346$ 6.301:344$ 8.532:698$Algodão 4.681:075$ 2.905:504$ 2.657:937$Açúcar 102.511:101$ 109.854:210$ 111.312:737$Couros e Peles 924:829$ 934:146$ 2.272:360$Doces 4.180:878$ 3.969:417$ 6.568:237$Farinha de trigo 6.918:910$ 7.432:731$ 8.004:225$Massa de tomate 2.699:814$ 3.346:060$ 3.420:919$Papel para embrulho 6.316:287$ 9.296;508$ 4.111:178$Tecidos 84.230:905$ 88.892:964$ 89.177:465$ Fonte: Anuário Estatístico de Pernambuco. Recife: 1936, Ano VIII, p. 181.
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Embora houvesse outras pequenas fábricas doceiras no Estado de Pernambuco,
pode-se dizer, com segurança, que os números apresentados na tabela anterior em relação à
exportação de doces e massa de tomate para outros estados do Brasil, em referência aos anos
de 1934 a 1936, decorrem da produção quase exclusiva das indústrias de Pesqueira e ainda na
tabela é possível depreender que, no ano de 1936, a soma das exportações de doces e massa
de tomate superaram, em valor, as exportações de alguns produtos característicos da
economia pernambucana.
Produtos como a aguardente, o álcool, o algodão, os couros e peles, a farinha
de trigo, o papel para embrulho e outros que não foram inseridos na tabela como o coco, o
café, a farinha de mandioca, o óleo de caroço de algodão, o óleo de mamona e a pólvora
tiveram uma exportação-país menor do que os doces e a massa de tomate exportados pelas
fábricas pesqueirenses. Ressalte-se, no entanto, que o algodão, o café, os couros e peles e o
óleo de caroço de algodão, destacaram-se pouco na tabela XXIV porque tiveram o grosso de
suas exportações direcionadas para o estrangeiro.
Durante as décadas de 1930 e 1940 a fabricação alimentícia pesqueirense
constou entre os principais produtos exportados no Estado de Pernambuco para outros
estados, cuja ordem decrescente era: açúcar, tecidos, doces, algodão, álcool, massa de tomate 120 entre outros, isto é, os doces, a massa de tomate e seus derivados garantiram para o
município o terceiro e o sexto lugares entre os produtos economicamente mais importantes do
Estado.
O município de Pesqueira, portanto, no período próspero de sua atividade
industrial, foi detentor de números invejáveis por outros municípios pernambucanos, nas mais
variadas áreas, adquirindo um destaque merecido no interior do Estado.
________________________120 BARROS, Souza. Op. Cit., p. 35.
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4.3. A Influência da Economia na Cultura
Decisivamente, a economia tem uma forte influência sobre a cultura dos
povos... Com Pesqueira não seria diferente. Ali, mais do que tudo, essa influência era
evidente, pois se tratando de uma pequena comunidade interiorana, a presença do poder
econômico na vida da população marcava muito acentuadamente essa ascendência.
Ao analisar essas questões, buscou-se informações na transmissão oral, nas
experiências vividas por antigos moradores da localidade e ex-funcionários das fábricas, que
ofereceram subsídios mais eficientes e verídicos do que a literatura poderia ofertar.
Observe-se, logo, que já no início do século XX era intensa a atividade cultural
da comuna, que caminhava ativa ao lado do vigoroso comércio e do pioneirismo da
agroindustrialização, cujos empreendimentos faziam com que Pesqueira polarizasse todo o
Agreste e Sertão pernambucano, tornando-se um intenso centro de convergência religiosa e
educacional.
O primeiro cardeal da América Latina, D. Joaquim Arcoverde, nascido em
Pesqueira, a cognominou de “A Atenas do Sertão”, em virtude de sua pujança educativo-
cultural, numa época em que o interior era desprovido de qualquer apoio e incentivo à cultura,
de vez que tudo que se relacionasse ao desenvolvimento era concentrado nos centros maiores.
É preciso, no entanto, ressaltar que, se a potencialidade econômica favorecia -
a reboque - o desenvolvimento cultural, em suas várias acepções, não se pode deixar de se
assinalar que não havia, por parte dos representantes do setor industrial, a preocupação
específica de promover diretamente esse desenvolvimento.
A influência da economia sobre a cultura era, portanto, uma conseqüência. Ela
se dera, conforme se pode constatar, pela condição natural de absorção de uma civilização que
nasceu tendo como paradigmas: a família, a fé e a educação. Essas foram as três edificações
(uma casa residencial, uma igrejinha e uma sala/escola) construídas pelo fundador de
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Pesqueira, no início do século XIX, formando, assim, um tripé que seria vivenciado, posterior
e continuamente, pela comunidade.
Há que se reconhecer que um dos maiores alavancadores culturais, afora a
conseqüente contribuição da economia, fora à criação, por transferência, da Diocese de
Pesqueira, em 1919, que trouxe para a cidade um expressivo número de padres, que passaram
a exercer, naturalmente, uma enorme influência cultural no meio da sociedade local.
Numa época em que o catolicismo exercia uma quase absoluta influência no
meio social e que conduzia o ensino médio (particular) no país, sua autoridade natural era
indiscutível. Toda essa atuação, contudo, era benéfica à sociedade e contribuía
significativamente para o seu desenvolvimento educacional.
Igualmente, não se pode obscurecer o desempenho de figuras individuais que
cooperaram expressivamente para esse estágio de progresso cultural da comunidade. Desde os
mais simples e anônimos habitantes (os artesãos, as rendeiras, industriários, os mais diferentes
profissionais liberais), como os intelectuais, os políticos e os abastados, que deram sua parcela
de contribuição para o aprimoramento cultural.
Pesqueira, a partir do início do século XX, nunca deixou de ter um jornal
semanal. O primeiro semanário foi o Serrano, surgido em 1900, sob a direção dos irmãos
Anísio e Alípio Galvão. Ele era todo manuscrito. Mas o mais importante jornal daquele início
de século fora Gazeta de Pesqueira, fundado por Sebastião Bezerra Cavalcante, em 1902,
onde se destacaria o talento de Zeferino Galvão que, posteriormente, passou a ser o seu
proprietário.
Esse ilustre jornalista e escritor fora, sem dúvida, a figura proeminente das
letras em Pesqueira. Nascido em um desconhecido recanto rural das redondezas, de família
humilde, foi um autodidata que falava e escrevia em francês e latim, um enérgico produtor
literário, que teve seu trabalho publicado em várias partes do país. Militou por muitos anos na
imprensa, questionando e lutando pelas coisas da região.
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Só para citar uma dessas importantes atuações de Zeferino Galvão, pode-se
mencionar sua defesa, feita através de seu jornal Gazeta de Pesqueira, da mudança do trajeto
projetado para a ferrovia, que saindo de Recife teria como destino final o Estado da Paraíba,
argumentando que os trilhos deviam de Pesqueira, que era a última estação ferroviária do
Estado, seguir rumo ao Sertão, em direção à Povoação de Olho-D’água-dos-Bredos, depois
denominada Rio Branco e, posteriormente, Arcoverde, pois acreditava o jornalista que o
trajeto beneficiaria o município de Pesqueira e as ligações geográficas do interior
pernambucano.
O percurso original planejado pela linha férrea inglesa seguia da estação de
Sanharó, anterior à estação de Pesqueira, para municípios da Paraíba, ou seja,
impossibilitando a ligação férrea entre o Agreste e o Sertão. Depois de uma longa contenda,
através da publicação de vários artigos que defendiam a continuação do trajeto pelo interior
de Pernambuco e com o apóio de vários jornais do interior, de Recife e até de outros estados
(Ceará, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná), a solicitação do obstinado jornalista foi
atendida pela Great Western, antiga concessionária das linhas de ferro do Nordeste e, em
1910, ouviu-se o primeiro apito do trem chegando à Ipanema, Distrito de Pesqueira e, depois,
rumo ao Sertão 121.
Para relatar esses fervorosos artigos publicados por Zeferino em seu Jornal, na
campanha que fez em favor da continuidade dos trilhos, foram separados dois trechos da
Gazeta de Pesqueira, um da edição de 07 de junho de 1908 e o outro da edição de 02 de
agosto do mesmo ano, respectivamente:
“Corre fama e tem razão de ser que o prometido prolongamento de
nossa estrada de ferro com destino a Triunfo será autorizado, porém
com flagrante violação aos interesses deste município e, sobretudo, à
sede desta comarca, donde soltamos o grito de protesto em nome do
direito e de uma população superior a 50.000 almas. Asseveram que
está deliberado o prolongamento, não de Pesqueira que é o ponto
terminal da linha, e sim da estação de Sanharó que fica a 16kms e é um
________________________121 SETTE, Hilton. Op. Cit. pp. 58-59.
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povoado de algumas dezenas de casas. Assim feito, deixará de
beneficiar o centro de Pernambuco, pois bifurcando-se para o norte,
atravessará necessariamente uma faixa da Paraíba e um território
improdutivo” 122.
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“Seria um verdadeiro descalabro o prolongamento da estrada de ferro
pelo povoado de Sanharó, deixando Pesqueira mergulhada no maior
dos ostracismos, gemendo ao peso do desrespeito e vendo cair na
ignomínia o talento de seus filhos, a riqueza de seu solo, o seu alto
comércio e indústria, e a marcha da cidade que principia a ser vista
pelo mundo civilizado” 123.
Naquela época um simples jornalista do interior distante não seria nem notado,
mas em face do seu talento literário, Zeferino Galvão conseguiu ser chamado a fazer parte do
Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco, bem como se tornar membro
da Academia Pernambucana de Letras. Isso, sem sombra de dúvida, era um fato notável
naquele tempo.
Depois da Gazeta de Pesqueira vieram muitos outros periódicos, destacando-se
o Era Nova, mantido pela Diocese e que circulou por cinco décadas, sendo dirigido sempre
por padres da Paróquia de Pesqueira, a Voz de Pesqueira, dirigido por Eugênio Maciel
Chacon, a Folha de Pesqueira, dirigido por Paulo Oliveira, entre tantos outros de vidas mais
curtas, mas não menos influentes na sociedade pesqueirense e eficazes colaboradores de sua
cultura. Pesqueira, em 1927, dispunha de catorze periódicos publicados, o mesmo número de
publicações de Recife no mesmo ano 124, o que caracteriza a importância que os munícipes
conferiam às letras e como o crescimento econômico do município indiretamente influía nesse
avanço literário.
________________________122 Ibidem, p. 60.123 Ibidem, p. 61.124 Anuário Estatístico de Pernambuco. Recife: 1927, Ano I, p. 165.
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Na tabela XXV foi feito um apanhado dos principais jornais de Pesqueira em
cada década, de 1900 a 1950.
TABELA XXV
PRINCIPAIS JORNAIS DE PESQUEIRA, CRIAÇÃO POR DÉCADA (1900-1950)
DÉCADAS JORNAIS
1900 O Serrano, A Tarde, O Colibri, Gazeta de Pesqueira, O
Collegial.
1910A Pátria, O Teatro, Ideal-Jornal, O Infantil, O Efémero,
O Pesqueirense, Pesqueira Esportivo.
1920Era Nova, A Fogueira, O Grêmio, Correio de Pesqueira,
Diocese de Pesqueira.
1930
Jornal de Pesqueira, O Oriente, O Raio, O Monitor,
Pesqueira Social, Avante, A Marcha, O Ororubá, A Voz
de Pesqueira, Coligação, A Cultura, O Sabre, O
Democrático.
1940
A Região, A Voz do Cristo Rei, Mocidade, A Coruja, A
Festa, O Clarim, A Folha de Pesqueira, O Balão, O
Escarlate, O Ideal, A Flama, O Itinerário.
1950S.A.P. Jornal, O Balcão, A Bomba, Jornal de Mimoso,
A Poeira.
Fonte: GALINDO, Givanildo. Op. Cit., pp. 139-134. SANTA CRUZ, Pedro et al. Op. Cit., pp. 65-89.
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Por conseqüência, o grande fervor literário sempre foi expressivo no número
de livros publicados por filhos e residentes do município, cujas obras, apesar de não se
tornarem amplamente divulgadas, nem se sobressaírem na história da literatura nacional,
foram relevantes nos meios locais.
No campo específico da educação, tem-se que destacar que a cidade oferecia
ensino primário e médio da melhor qualidade e em função disso abrigava muitos jovens
estudantes das vizinhas e mais distantes cidades do interior do Estado e até de outros estados.
A primeira escola oficial de que se tem notícia, aberta na povoação do Poço do
Pesqueiro, antes mesmo de se tornar a cidade de Pesqueira, foi a do Professor João Rufino,
em 1878 125. A essa se seguiram muitas e muitas outras, no curso da história de uma
comunidade que sempre valorizou a cultura como uma alternativa de subsistência social.
Em 1938, com a finalidade de educar os filhos dos operários, os diretores da
Fábrica Peixe fundaram a Escola Maria Britto e posteriormente criaram escolas também na
zona rural. A Fábrica Peixe cedeu ainda uma de suas dependências para a instalação do Sesi
de Pesqueira, fundado em 1948 e mais à frente, em 1955, o Sesi adquiriu sede própria e
recebeu o nome de Comendador José Didier, em homenagem ao insigne industrial da Fábrica
Rosa 126.
Entre os colégios particulares, o Santa Dorotéia, destinado às moças da região,
abrigava jovens de diversas localidades, também com o seu famoso internato e em número
bem maior do que qualquer outro do município, já que mantinha os cursos ginasial e
pedagógico, formando milhares de professoras desde o ano de 1919, quando se instalaram as
________________________125 “O surgimento educacional de Pesqueira, teve tendências, no século XVII, na Aldeia Ararobá (hoje Cimbres) da Serra do
Ororubá, os nativos Xucurús, da nação Tapuia e os Paratiós, receberam sua civilização inicialmente pelo Pe. João Duarte
Sacramento, membro da Missão Nossa Senhora das Montanhas. Podemos ressaltar a atuação desses religiosos da
Congregação do Oratório – os oratorianos, dedicados à catequese nessa aldeia em condições rudimentares onde
possivelmente a matéria de ensino constava de catecismo, leitura, escrita e cálculo, adotando práticas educativas à altura da
mentalidade dos nativos e de acordo com o ambiente. Posteriormente chegaram a construir no local, uma igreja e uma
escola”. SANTA CRUZ, Pedro et al. Op. Cit., p. 55.126 Ibidem, pp. 60-61.
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primeiras educadoras Dorotéias trazidas pelo primeiro Bispo Diocesano Dom José de Oliveira
Lopes. O colégio contou, desde o início, com um sistemático apoio das famílias oligárquicas
(donas das indústrias alimentícias), que chegaram a ceder, inclusive, suas próprias residências,
como a casa de D. Marieta Pita, para abrigar as primeiras freiras que vieram fundar o
educandário.
Essas jovens ingressavam quase que automaticamente no magistério e
multiplicavam em escala progressiva os ensinamentos ali adquiridos, colaborando para a
transformação da realidade regional no que concerne à luta pela erradicação do analfabetismo
e aprimoramento do desenvolvimento cultural.
O Ginásio Cristo Rei, inicialmente chamado de Colégio Cardeal Arcoverde,
criado em 1921, era mantido pela Diocese e tinha no seu corpo docente a grande maioria de
padres, dispunha também de um internato e se dedicava ao ensino de admissão à 4ª série
ginasial. O colégio era para o sexo masculino e ali estudaram muitos jovens que depois se
tornaram desde proeminentes figuras públicas, como ministros de Estado, secretários,
desembargadores, deputados federais, a competentes profissionais, como médicos, juristas,
engenheiros, empresários, artistas e toda espécie de renomadas e bem sucedidas pessoas.
Posteriormente, em 1929, foi também criado o Seminário São José, que se
propunha a educar os futuros padres. Era mais um educandário de bom ensino, que, assim,
contribuía para o aprimoramento educacional da região. Sabe-se que a Peixe deu uma vultosa
ajuda financeira para a construção do Seminário e que havia forte colaboração de setores da
comunidade para a manutenção desse estabelecimento educacional, pois a Igreja Católica
mantinha boas relações com os representantes do poder econômico do município.
Em 1945 foi fundado outro colégio que veio agregar ainda mais qualidade ao
já bem conceituado ensino pesqueirense, o educandário Ruy Barbosa, anteriormente
denominado Grupo Escolar Virgínia Loreto. Do início do século até o final da década de 1950
o município contou com vários estabelecimentos educacionais, menos afamados do que os já
citados, mas igualmente importantes na missão de educar, entre eles as escolas Dom Vital,
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Amaury de Medeiros, Zeferino Galvão, Medalha Milagrosa, Escola Profissional Diocesana,
Fundação João XXIII e o Grupo Escolar Municipal José de Almeida Maciel.
Um fator de relevante importância na educação daquela época era a excelente
qualidade do ensino fundamental, denominado de ensino primário, ministrada pelo Poder
Público, que abrigava ricos e pobres na mesma sala de aula, especialmente no Grupo Escolar
Ruy Barbosa, freqüentado pelo maior contingente de crianças da comunidade.
A vinculação entre a educação e o poder econômico de Pesqueira evidenciava-
se costumeiramente em pequenas atitudes como, por exemplo, segundo ex-alunas do Santa
Dorotéia, as Indústrias Peixe mantinham um caminhão coberto de lona e com bancos de
madeira, que servia quase que exclusivamente para cedê-lo aos colégios, especialmente ao das
freiras Dorotéias, para excursões, passeios e piqueniques.
Outro fator de importância na vida da cidade era a presença freqüente de
visitas ilustres, trazidas pela força econômica das indústrias alimentícias. Essas visitas eram
tão constantes que o grupo industrial da Peixe mantinha duas casas de hospedagem só para
receber os visitantes. Para acomodar os hóspedes eram utilizadas antigas residências de
familiares que se encontravam desocupadas, tidas como verdadeiras mansões, levando-se em
conta os padrões das demais moradias locais.
Governadores pernambucanos e outras figuras proeminentes dos meios
políticos e empresariais sempre participavam de acontecimentos festivos que ali se
realizavam. Igualmente, candidatos à Presidência da República compareciam à cidade com
suas caravanas políticas 127, às vésperas de eleições, numa demonstração da relevância do
município de Pesqueira.
_______________________127 “Todos os anos havia a festa do tomate, quando do início da colheita do vermelho fruto, com a participação de visitantes
ilustres e nestas oportunidades, como criança curiosa, me inseria entre os convidados para ver de perto os governadores,
ministros, generais, candidatos à Presidência da República que visitavam Pesqueira. Juscelino Kubstchek, naquele jeito
simples e sorridente passou a mão sobre meus cabelos (...). Cumprimentei o General Lott, o Governador Cordeiro de Farias e
tantas e tantas outras personalidades (...)”. GALINDO, Givanildo. Op. Cit., p. 123.
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Duas demonstrações do prestígio de Pesqueira, como muitas outras que se
poderia citar, podem ser verificadas na mensagem enviada pelo Governador de Pernambuco
Estácio Coimbra ao Cel. Cândido de Britto, membro das Indústrias Peixe e prefeito do
município, em 1928, noticiado no Jornal Correio de Pesqueira, como na nota divulgada do
Jornal A Voz de Pesqueira, em 1950, que tratou da cogitação do nome do industrial da Peixe,
Manuel de Britto, como candidato ao governo do Estado de Pernambuco, respectivamente:
“Do exmo. dr. Governador do Estado, recebeu, hontem, o cel. Cândido
de Britto, prefeito e chefe político deste município o seguinte
despacho:
Agradeço expressões vossa solidariedade política applausos meu
governo congratulando-me organização directorio ahi.
Cordeaes saudações
Estácio Coimbra” 128.
x x x
“Continua em franca efervescencia a escolha do candidato a governo
do Estado. Entre os nomes indicados, dois deles foram recebidos com
regosijo em Pesqueira:
o do deputado federal Dr. José Maciel e do Comendador Manuel de
Britto. Este ultimo ainda continúa com o nome no cartaz embora, em
entrevista ao “Diário”, tenha dito que não aspira posto eletivo nenhum,
pois seus afazeres na prospera organisação industrial que dirige são
tantos que não o permitem desviar atenções para administrar um
Estado” 129.
Os industriais pesqueirenses, principalmente os da Fábrica Peixe, mantinham
uma íntima relação com a política, muitas vezes ocupando cargos eletivos, mas em todo o
________________________ 128 Correio de Pesqueira, Pesqueira, 29 jul. 1928, p. 01. 129 A Voz de Pesqueira, Pesqueira, 25 jun. 1950, p. 01.
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tempo vinculados direta ou indiretamente ao município de Pesqueira, como os cargos de
prefeito e deputado estadual, embora comente-se que não foram poucos os convites, em várias
décadas, para que se candidatassem a cargos públicos de maior projeção política.
Vale mencionar ainda, a título de ilustração, que os estagiários da importante e
prestigiada Escola Superior de Guerra - ESG, comandada, à época, pelo General Juarez
Távora – célebre militar que participou dos movimentos revolucionários de 1922, 1924 e
1930, tornando-se também Ministro de Estado em 1930 e 1964, além de deputado federal em
1958 – estiveram por mais de uma vez visitando a cidade, em viagem de estudos, a fim de
conhecerem detalhadamente o parque industrial e os campos de plantação de tomates.
A Festa do Tomate, realizada todos os anos, quando do início da safra,
geralmente no mês de agosto, tornara-se um acontecimento importante e para Pesqueira
convergiam ilustres personalidades. Como comprovação da repercussão deste evento anual,
cita-se, por exemplo, uma nota do Jornal ‘O Tacape’, da vizinha cidade de Arcoverde, por ser
mais insuspeito, que no ano de 1937 assim descrevia o acontecimento:
“Pesqueira. Festa do Tomate. Revestiu-se de grande brilhantismo,
sábado último, a Festa do Tomate, organizada pela Firma Carlos de
Brito & Cia. De todos os pontos do Estado afluíram candidatos. Esteve
presente o Sr. Governador do Estado, acompanhado da exma. família;
o Ministro da Agricultura; o Sr. Presidente da Assembléia Legislativa
do Estado; diversos deputados federais e estaduais e inúmeras pessoas
de alta representação política, econômica e social. Realizou-se à
noite um banquete de 310 talheres, falando diversos oradores, entre os
quais o Cel. Cândido de Brito, chefe da firma promotora da festa e o
Dr. Carlos de Lima Cavalcanti, governador do Estado. Após realizou-
se um baile esplendoroso. Foi também inaugurada a Fábrica Nova, no
bairro da Pitanga” 130.
________________________130 O Tacape, Arcoverde, nº 56, 1937, p. 04.
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Como se depreende, a vida social era ativa, sobretudo porque entre os
dirigentes daquelas organizações agro-fabris havia alguns como Jurandir de Britto, Antônio
Didier e José Pita, membros das fábricas Peixe e Rosa, que por suas favoráveis condições
econômicas promoviam uma constante movimentação social. Para os que vivenciaram os
acontecimentos pesqueirenses nos tempos de outrora, Antônio Didier, da Fábrica Rosa,
conhecido por Tonhé, era um genuíno festeiro e “foi o pivô de toda a vida social de Pesqueira
durante quase quarenta anos” 131.
Para abrigar a sociedade elitizada da cidade e seus arredores foi criado, em
1931, por um grupo de cinqüenta pessoas, um clube social que passou a denominar-se o
‘Clube dos 50’, onde só entravam para participar de suas atividades aqueles que realmente
pertenciam ao grupo ou seus convidados. Com o passar do tempo o clube foi expandindo o
seu número de associados, mas só podiam pertencer aquele grupo as pessoas mais abastadas
do município.
Um dos eventos sociais marcantes da cidade foi o primeiro concurso de rainha
do carnaval, em 1938, que contou com nove candidatas e teve mais de dez mil votos, pois
nesse concurso era a população que votava, utilizando cédulas que eram publicadas no Jornal
A Voz de Pesqueira e, com quase quatro mil votos, a escolhida foi a senhorita Irene Pita. Em
1941, o concurso de Miss Simpatia também movimentou a cidade, mas desta vez a escolha foi
feita por uma comissão de jurados, formada por personalidades ilustres da sociedade
pesqueirense, e o anúncio da vencedora, a senhorita Mariquinhas Valença, foi feito no Cine
Teatro Moderno, antes do início da sessão de cinema 132. Porém, é relevante ressaltar que não
era qualquer jovem que podia participar dos concursos realizados na época, as candidatas
pertenciam sempre às famílias mais prósperas e conceituadas do município, por isso as
disputas eram tão acirradas.
________________________131 “A vida social, intensa e elevada, através da “Sociedade Centro Recreativa Pesqueirense”, com suas “matinées” e “soirées”
dominicais, do “Centro Musical” e do “Club Philarmônico Pesqueirense”, tudo agora sob o comando e liderança do fabuloso
Tonhé. Ao “Corpo Dramático”, Tonhé seu fundador e diretor, cedeu o salão térreo do sobrado de sua propriedade (...)
reservou o 1º andar para sua residência e o térreo destinou às sedes do Centro Recreativo Pesqueirense, do Teatro provisório,
da banda de música e da escola, onde Tomás de Aquino ensinava música”. MACIEL, Frederico Bezerra. Op. Cit., pp. 82,
152, 264.132 A Região, Pesqueira, 21 dez. 1941, p. 01.
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Um grupo de jovens que não podia freqüentar o Clube dos 50 fundou, 16 anos
depois da criação daquele clube, para ter a sua oportunidade de uma vida social, uma outra
associação, denominando-a de ‘Clube dos Radicais’, que passou a ser tão movimentado e, em
muitas festas, até mais vibrante do que o da elite local, já que congregava a população mais
simples, de classe média.
Observe-se, portanto, como a vida econômica do município era influente,
porque motivava situações em todos os setores de suas atividades. Essa diferenciação social
que, de fato havia, ensejava manifestações culturais de todas as classes sociais, que
encontravam, como no Carnaval, uma forma de se revelar.
Desde o início do século XX Pesqueira desfrutava de animadíssimos carnavais,
com troças como o Juvenil, Os Marujos, O Botijão Misterioso, a Troça do Pirão, entre tantos
outras que foram surgindo 133. Enquanto as elites locais viviam os seus carnavais em clubes
fechados, o povo se organizava em blocos e também festejava, a seu modo, aquela festa já
tradicional em nosso meio. O Lira da Tarde, como exemplo, era um bloco que saia do reduto
mais humilde da cidade arrastando numerosos foliões.
Os Caiporas, outro antigo grupo carnavalesco, representavam uma lenda
existente que nas serranias de Ororubá existiam seres de rostos irreconhecíveis, que andavam
pelas suas chapadas amedrontando os caçadores que por ali se aventuravam em perseguir a
fauna do local. Eram verdadeiros guardiões da mãe natureza. Esses foliões, enquanto
brincavam o tríduo momesco, prestavam uma homenagem a esses seres lendários.
As Cambinas Velhas eram outro tipo de carnavalescos, que também se valiam
das memórias dos antepassados para os reverenciarem de modo alegre e festivo durante esse
período. Todos esses e mais alguns grupos de caboclinhos, barcamarteiros, cangaceiros,
reeditavam, naquele período de festa espontânea que é o carnaval, as mais legítimas tradições
de uma localidade e isto era vivido pelo povo mais simples, que contribuía, assim, com a
cultura local, expressa em forma de divertimento.
________________________133 MACIEL, Frederico Bezerra. Op. Cit., p. 152.
104
Outra forma de expressão popular era o esporte das massas, o futebol,
praticado na primeira metade do século XX e eram os operários das fábricas que mantinham
essas agremiações futebolísticas no município, embora recebessem dos patrões um apoio para
a prática do esporte.
Nos idos de 1940, o clube de futebol o Guarany foi fundado pelos irmãos
Rocha, donos da fábrica de doces Tigre e depois o Cruzeiro Esporte Clube também passou a
representar o futebol pesqueirense. O União Peixe, por sua vez, time mais famoso e mais
competitivo da região, fora criado pelos antigos funcionários das Indústrias Peixe, em 1946, e
inicialmente teve o nome de Mecânica União Peixe, por ser organizado pelos operários que
trabalhavam nas oficinas mecânicas da fábrica e depois de formado recebeu o apóio das
Indústrias Peixe, que contribuíam financeiramente com algumas despesas clubistas, o que
comprova que a economia andava pari passu com as realizações e comportamentos da
comunidade.
Em 1938 foi inaugurado, com missa campal e muitas festividades, o Estádio de
Futebol Everardo Maciel, que com a ulterior instalação da iluminação elétrica passou a ter
partidas de futebol realizadas nas noites das sextas-feiras 134. Em 1951, a fábrica Peixe
disponibilizou um terreno para construção do principal estádio da cidade, que recebeu o nome
de Joaquim de Britto, cujo lançamento da pedra fundamental foi motivo de grande
comemoração, com a presença de pessoas ilustres do município, autoridades, jornalistas,
desportistas e cidadãos 135.
Naturalmente, outras agremiações futebolísticas foram surgindo e Pesqueira
tornou-se um centro dessa modalidade de esporte, já que congregava, em seu campeonato, as
agremiações das cidades circunvizinhas e, de quando em vez, recebia visitas de times
importantes da Capital do Estado e de outras localidades, em verdadeiras festas esportivas que
traziam muitas pessoas à cidade. Desde a década de 1930 a Rádio Club de Pesqueira já
transmitia jogos de futebol, que logo se tornaram mais uma fonte de entretenimento 136.
________________________134 A Voz de Pesqueira, Pesqueira, 06 jun. 1939, p. 04.135 Ibidem, 17 jun. 1951, p. 05.136 Correio de Pesqueira, Pesqueira, 20 abr. 1930, p. 01.
105
Não se pode deixar de lembrar, contudo, de um dos mais freqüentados
estabelecimentos da cidade, o cinema. O introdutor do cinema em Pesqueira foi o Sr. Tito
Rego Maciel e até o início dos anos de 1930 os filmes eram mudos, por isso o cinema contava
com excelentes músicos que sonorizavam os filmes 137. A partir de 1934, o Cine Teatro
Moderno passou a exibir filmes com som, já não mais necessitando de músicos para
acompanhar as películas e as imagens também eram de melhor qualidade. O cinema, então,
tornou-se o principal ponto de encontro da juventude pesqueirense por várias décadas.
Poder-se-ia citar ainda muitas outras manifestações culturais que ocorreram na
comunidade influenciadas pela sua potencialidade agroindustrial, como é natural a qualquer
sociedade que absorve as conseqüências de sua base econômica, um dos mais influentes
fatores determinantes da conduta de um povo. Porém, o que foi relatado tem apenas o intuito
de demonstrar a contribuição cultural e educacional de Pesqueira para o interior
pernambucano, alicerçada na proeminência econômica do município.
Não é difícil verificar, portanto, que Pesqueira, “acondicionada pela natural
dinâmica do comércio e da indústria, tenha assimilado elementos culturais diversificados,
vindo a constituir-se centro de sua cultura própria, ao mesmo tempo provinciana e
cosmopolita” 138.
A procissão de mulas carregadas de goiaba, fruta abundante nas serranias de
Ororubá, no final do século XIX e início do século XX; posteriormente as filas de caminhões
carregados de caixas de tomate, derramando o suco vermelho das frutas mais maduras pelos
caminhos onde passavam; os rolos de fumaça que os imponentes bueiros expeliam em direção
aos céus; os apitos das sirenes das indústrias; o chiado das caldeiras pelas noites adentro e o
cheiro doce dos produtos que ali eram fabricados, não podiam deixar de influir no cotidiano e
na cultura de um povo que vivia e participava, mesmo que indiretamente, da vida de uma
cidade industrial, operária, que tinha nessa atividade a sua condição primária de
sobrevivência.
________________________137 ALEMEIDA, Fernando. Op. Cit., pp. 71-72.138 ALVES, Odete de Andrada. Pesqueira: Endereço da Cultura. Olinda: LivroRápido, 2007, p. 17.
106
5. O AROMA DAS CHAMINÉS DESVANECE
5.1. A Indústria Começa a Agonizar
A cidade de Pesqueira, que descende da antiga Vila de Cimbres, uma das mais
importantes localidades do interior do Estado desde o século XVII e em cujas terras nasceram
ou residiram importantes figuras da história pernambucana, conheceu o sucesso desde cedo,
quando ainda nem era cidade. O povoado, que nasceu às margens do caminho de tropeiros e
viajantes, contribuindo na ligação entre o Litoral e o Sertão, subitamente cresceu, alavancado
pelas transações comerciais ali estabelecidas.
Ao se tornar cidade, em 1880, Pesqueira já era um proeminente centro
comercial da região e quando esta atividade mercantil, por razões já mencionadas, mostrou-se
em iminente declínio, outra atividade a substituiria ainda com maior força econômica, a
industrial. O município, então, passou por uma perceptível transição de atividades
econômicas, deixando para trás o ciclo do comércio e entrando no seu novo período, o de
industrialização.
As indústrias alimentícias geraram resultados econômicos tão bons para o
município, que a ascensão fabril foi refletida em vários setores, como no educacional,
religioso, desportivo, literário e, sem dúvida, na cultura de um povo que se acostumara a
respirar o cheiro exalado pelas chaminés das fábricas, que perfumava toda a cidade.
Pesqueira, por meio de sua produção industrial e da visão e perspicácia de
seus empresários, conquistou no interior pernambucano um papel de destaque, sendo
respeitada e admirada em todo o Estado, por ter tornado uma iniciativa despretensiosa de
fabricação caseira de doces em um dos empreendimentos mais bem sucedidos da Região
Agreste.
107
O período áureo do município esteve totalmente ligado a sua industrialização,
que fazia pulsar a economia e a vida social da cidade. No relato que segue, vê-se como
Pesqueira dependia e se orgulhava de sua atividade fabril:
“Não basta que Pesqueira exiba aos que dela se aproximam, como
marca da principal atividade de seus moradores, erguidos em maior
número na área de “cidade baixa”, os enormes boeiros de importantes
fábricas a manchar de fumo um céu quase sempre vazio de nuvens.
Não é preciso, por outro lado, que o visitante chegue à cidade,
durante os meses das safras, quando, por exemplo, os caminhões
abarrotados de caixotes de frutas e de tomates fazem filas diante dos
portões dos estabelecimentos fabris ou enquanto paira no ar o cheiro da
goiaba em processo de cosinhamento ou o odor acre dos tomates
fermentados atraindo enxames de impertinentes moscas, afim de que
esse alguém se certifique de estar conhecendo um aglomerado urbano
de desenvolvida função industrial.
Sim, ao lado e em torno das compridas chaminés fumegantes,
aparecem os grandes e inconfundíveis casarões (...) cumprindo a
finalidade de abrigar os escritórios, os depósitos, as várias outras
dependências fabris (...)” 139.
O município de Pesqueira vivia em função do setor industrial, do qual
dependiam direta e indiretamente milhares de pessoas e até as atividades rurais foram
modificadas para suprir as necessidades da agroindústria do doce e do tomate.
A paisagem urbana da cidade também sofreu mudanças. Além dos grandes
prédios das indústrias e dos casarões de seus proprietários, vários bairros proletários foram
criados para servirem de moradia aos operários das fábricas. Assim surgiram os bairros do
Prado, do Salgado, da Pitanga, da Mandioca, de São Sebastião e, muitos destes, que ainda
permanecem com o mesmo nome, conservam na arquitetura de suas residências as marcas de
uma época em que além de moradia seus habitantes possuíam, mesmo com os salários
insatisfatórios pagos pelas fábricas, a segurança de um emprego.
________________________139 SETTE, Hilton. Op. Cit., pp. 78-79.
108
O destino promissor da cidade, contudo, esbarrou em fatores que levariam à
indústria pesqueirense uma agonizante decadência. A partir da década de 1930 houve o
primeiro prenúncio de uma crise que, inevitavelmente, consolidar-se-ia nos anos de 1950 na
indústria nordestina e, conseqüentemente, nas indústrias alimentícias pesqueirenses.
Até a década de 1930 houve pouca atuação dos governos brasileiros na
economia e no desenvolvimento do país 140. A indústria nacional até a referida década, por sua
vez, desenvolveu-se por competência e esforço principalmente de pequenos e médios
empreendedores que investiram o capital acumulado em outras atividades, com os recursos
advindos do comércio e da agricultura de exportação, no setor industrial.
Após a revolução de 1930, o Estado irá então participar diretamente do
planejamento econômico do país, contudo, como será analisado mais adiante, a interferência
estatal trará bons resultados para o processo industrial do Centro-Sul, em detrimento da
indústria nordestina, que ficou por algumas décadas distanciada da integração econômica
nacional proposta pelos governos federais.
A indústria pesqueirense, todavia, à parte desses primeiros planejamentos
político-econômicos do país, atingiu seu auge de crescimento justamente na década de 1930,
período no qual a Fábrica Peixe estendeu suas atividades fabris ao Sudeste, instalando
importantes estabelecimentos nessa região, investiu em outras indústrias alimentícias no
interior de Pernambuco e conquistou o mercado nacional de extrato de tomate.
________________________140 A partir da década de 1930 o país começou a adotar políticas de desenvolvimento econômico, mas se observa que essas
medidas eram direcionadas principalmente ao Sudeste, tendo São Paulo como principal foco desse desenvolvimento. “Nas
décadas de 1930 e 1940, a realização de análises sistemáticas e avaliações da estrutura econômica brasileira visando
influenciar o rumo do desenvolvimento do país, conduzidas por estrangeiros e brasileiros, tornou-se mais freqüente. O
primeiro relatório a surgir na década de 1930 foi o Niemeyer Report, publicado em 1931”. Esse relatório declarava que o país
não podia ter a sua base econômica dependendo da exportação de uma ou duas lavouras, como era o caso da lavoura do café
em São Paulo, que após a Depressão passou por uma severa crise. Em 1942 e 1943 um grupo de técnicos americanos realizou
a chamada Missão Cooke, que consistia em avaliar a economia do Brasil: “Uma das conclusões importantes que a missão
chegou foi a de que deveria ser realizado um esforço para desenvolver o Sul do país, visto que essa região tinha as melhores
condições para um rápido desenvolvimento econômico”. BAER, Werner. Op. Cit., pp. 62-63.
109
O município de Pesqueira, até fins da década de 1950, nem de longe poderia
imaginar que seu império fabril estava ameaçado. A sua principal indústria, a Peixe, no
período de 1930 a 1950, continuava em ascensão, diferentemente das demais indústrias
regionais que já demonstravam sinais de enfraquecimento. Nessa fase a Fábrica Peixe adquire
uma frota de caminhão, com a qual diminui os custos de transporte e passa a ter um controle
quase que exclusivo na compra da matéria-prima. Na parte de maquinário é instalada uma
extraordinária caldeira em suas instalações, capaz de produzir até cinco mil quilos de vapor
por hora, aumentando significativamente a produção da fábrica, além da inserção de novas
máquinas automáticas de encher e fechar latas 141.
O crescimento do setor industrial pesqueirense gerou resultados econômicos
que foram sentidos na urbanização e nas obras públicas do município, destarte, com o
aumento da população da cidade novos bairros foram sendo criados, serviços essenciais foram
surgindo, como a instalação de uma central telefônica que interligava a cidade de Pesqueira
aos seus distritos, o assentamento do calçamento de várias ruas, criação de um campo de
aviação que possibilitou a visita de importantes personalidades ao município, construção de
necessários prédios para abrigar serviços públicos, entre eles o dos Correios e Telégrafos e do
Hospital Regional 142, assim como a determinação de regras de trânsito dentro do perímetro
urbano, além de tantas outras realizações que fizeram do município de Pesqueira um exemplo
de êxito e modernidade.
A atividade industrial tornou Pesqueira uma das cidades mais conhecidas e
relevantes de Pernambuco, atraindo pessoas dos mais variados municípios e até de outros
estados, que se mudavam em busca de novas oportunidades de trabalho e embora a maior
disponibilidade de vagas fosse para trabalhar como operário nas fábricas, a cidade, devido a
sua dinâmica, também oferecia labor em jornais, serviços públicos, escritórios,
estabelecimentos comerciais e em serviços ligados à produção industrial.
________________________141 CAVALCANTI, Célia Maria de Lira. Op. Cit. pp. 60-61.142 Foi realizada no Hospital Regional de Pesqueira, em 1942, a primeira operação cesariana do interior nordestino. A
parturiente foi a Senhora Maria Teresa Galindo, que registrou a sua filha com o nome de Cesarina. O acontecimento teve
grande repercussão na impressa local, estadual, estendendo-se até à imprensa do Rio de Janeiro. A criança foi batizada na
própria Capela do Hospital pelo Bispo de Pesqueira, cujos padrinhos foram o Prefeito Dr. Arruda Marinho e sua esposa.
CAVALCANTI, Bartolomeu. Op. Cit., p. 131.
110
Em um recenseamento do município realizado em 1937, pode-se verificar que
havia uma boa diversificação de profissões, algumas até inexistentes em outras cidades do
interior, como chaufeurs, agrônomos, funileiros, tipógrafos, o que demonstra o
desenvolvimento de Pesqueira na época. Conforme se percebe na Tabela abaixo.
TABELA XXVI
RECENSEAMENTO DO MUNICÍPIO DE PESQUEIRA (1937) (Funções exercidas pelos munícipes)
FUNÇÕES Nº DE PESSOAS
Advogados 02Agricultores 364Artistas 45Bacharéis em comércio 01Carpinas 22Chaufeurs 18Colegiais 664Comerciantes 162Comerciários 88Criadores 33Dentistas 04Domésticos 3.933Engenheiros agrônomos 02Engenheiros civis 01Engenheiros eletricistas 01Fazendeiros 47Funcionários Públicos 78Funileiros 22Industriais 15Marchantes 20Mecânicos 06Médicos 04Operários 2.037Padres 04Pedreiros 73Pintores 11Professoras 22Religiosos franciscanos 24Sapateiros 55Tipógrafos 02
Fonte: CAVALCANTI, Bartolomeu. Op. Cit., p. 224.
111
Enquanto o mundo ocidental amargava uma séria crise do capitalismo liberal,
iniciada com o Crack da Bolsa de Valores de Nova Iorque (1929) 143, estendendo-se até fins
da década de 1930 e depois com o advento da Segunda Guerra que causou transformações
profundas na economia mundial, Pesqueira parecia não ter sido abalada por nenhum desses
acontecimentos, pelo contrário, foi o melhor período para as indústrias do município, assim
como para as demais indústrias regionais.
Grande parte do excelente resultado econômico que as indústrias alimentícias
de Pesqueira tiveram entre as décadas de 1930 e 1950, deve-se ao fato de encontrar um
mercado nacional aberto para seus produtos, sem uma concorrência forte que pudesse
ameaçar seu crescimento. Nessa época as fábricas alimentícias pesqueirenses, lideradas pela
Peixe, vendiam seus produtos não só para o mercado nacional como também para o exterior,
o que resultou em fabulosos lucros, permitindo ao Grupo Peixe expandir suas instalações em
outras regiões do país.
A partir de 1940, contudo, com o surgimento da indústria alimentícia ETTI e
depois da CICA, a Peixe começa a sentir as primeiras perdas de mercado, principalmente na
Região Sudeste, já que suas indústrias direcionavam a maior parte da produção para o
mercado nacional, o que daria início a uma crise estrutural da empresa, que só seria sentida na
década de 1950. Com o passar do tempo essa concorrência ficou mais intensa, pois tinha “os
seus competidores apoiados numa produção de valor que se sobrepunha por uma superior
qualidade das virtudes técnicas e da força de trabalho” 144.
A partir de meados da década de 1950, a indústria tradicional nordestina, por
razões político-econômicas que serão analisadas adiante, vê-se sufocada por indústrias de
outras regiões e também por empresas estrangeiras que passaram a investir no país,
possuidoras de mais capital e de força de trabalho com melhor qualificação para a inserção de
seus produtos no mercado nacional.
________________________143 ALVES, Antônio. História 3: O Mundo – Idade Contemporânea. O Brasil – República até Hoje. Recife: Líber, 1982, p.
236.144 CAVALCANTI, Célia Maria de Lira. Op. Cit. p. 67.
112
Ao perceber que precisava se tornar mais competitiva para disputar mercados
com as indústrias congêneres do Sul e do Sudeste, a Peixe parte então para a
agroindustrialização, apoderando-se de toda a extensão agrária disponível no município e até
nos municípios limítrofes, para plantação de tomate. A chamada parceria agrícola adotada
inicialmente pela Peixe e depois seguida pela Fábrica Rosa, a princípio aparentava ter uma
conotação de parceria, mas logo se descobriu seu lado de exploração dos pequenos
agricultores.
Desde o início da industrialização de Pesqueira, a maior parte da matéria-prima
das fábricas provinha de fornecedores do município e da região e apenas uma pequena parcela
derivava da cultura própria de frutos, mas com o intuito de diminuir os custos dos insumos e
de aumentar a produtividade, as indústrias Peixe instituíram o sistema de parceria.
A parceria empregada pelas fábricas se tornou uma armadilha para os
pequenos proprietários agrícolas, que se submetiam ao sistema injusto dos interesses
industriais. Os parceiros agrícolas utilizavam todo o seu tempo na produção de tomate,
plantando, colhendo ou enchendo caixas e mais caixas do fruto, que eram vendidas às fábricas
por aproximadamente seis vezes menos o valor que o comércio pagava pela caixa de tomate.
Na maioria das vezes, respeitando o acordo feito com as fábricas, os parceiros só dispunham
dos domingos para trabalhar em suas terras, cultivando pequenas lavouras de subsistência,
como o feijão e o milho, que mal davam para suprir suas famílias. Por fim, ainda eram
descontados do parceiro-agricultor os gastos com defensivos agrícolas, sementes e adubos
fornecidos pelas fábricas 145.
A parceria adotada pela Peixe, por conseguinte, tinha apenas a denominação de
parceria, pois se caracterizava mais como uma relação comum de trabalho, com os
pressupostos da subordinação do empregado e dos ditames do empregador, prova disso eram
as várias disposições impostas pela fábrica ao parceiro-agricultor, obrigações que tinham que
ser rigorosamente cumpridas, tais como:
________________________145 Entrevista realizada com um ex-parceiro da Fábrica Peixe. Sua parceria com a Peixe começou no final dos anos de 1960 e
foi até meados da década de 1970.
113
“a) acatar as normas indicadas pelo corpo técnico da empresa;
b) manter em bom estado de conservação os terraços, coletores,
cercas, estradas, habitações, etc., recebendo para isso retribuição extra
(não especificada);
c) entregar toda a produção de tomate à empresa, recebendo 50% da
produção ao preço previamente estipulado e que será de CR$ 600,00
por caixa, na safra de 1966;
d) somente plantar – na área reservada à lavoura de subsistência –
cereais ou lavoura de ciclo curto, a fim de que concluída a colheita e de
acordo com o plano de parceria, o gado da Empresa, se isso lhe
convier, possa pastar em toda a área, durante dois ou mais meses, até
início das culturas do ano seguinte” 146.
Ainda fazendo menção ao Estatuto da Associação dos Parceiros da Peixe,
como o trecho acima citado, era estabelecido pelo estatuto normas que também delegavam à
indústria poderes irrestritos, como se firmasse com o agricultor, na verdade, um contrato de
adesão 147 e não uma parceria, que pressupõe liberdade de acordo entre as partes, observe-se:
“a) Art. 16º - A Diretoria terá amplos poderes para agir em nome da
sociedade... : manter a disciplina entre os associados; impor penas e
eliminar os elementos que lhe parecem perturbadores da ordem social;
b) Art. 21º - ... Enquanto vigorar o convênio entre o IRESI e a Fábrica
Peixe, os cargos do Conselho Técnico de Consultas e Deliberações,
serão assim preenchidos: i) dois por indicação do Diretor do IRESI; ii)
dois por indicação dos parceiros-agricultores e iii) dois por indicação
da parceria-proprietária, sendo de quatro (4) anos cada exercício.
(Atente-se para a condição minoritária do parceiro-agricultor).
________________________146 CAVALCANTI, Célia Maria de Lira. Op. Cit. pp. 80-81.147 A colocação de que a Fábrica Peixe estabelecia com os seus parceiros agrícolas um contrato similar ao de adesão, deve-se
ao fato de ser o contrato de adesão um pacto no qual “inexiste liberdade de convenção (...) um dos contratantes impõe ao
outro sua vontade”. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. V. 5. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 31.
Assim, percebe-se que neste tipo de contrato uma das partes sempre define as cláusulas “cabendo à outra apenas aderir ou
não ao estipulado”. FUHRER, Maximilianus. Resumo de Obrigações e Contratos. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 39.
114
c) Art. 24º - A parceria-proprietária terá direito a tantos votos (na
Assembléia Geral) quantos forem os votos dos parceiros-agricultores
presentes.
d) Art. 25º - Nas deliberações da Assembléia Geral, cada
representante dos parceiros-agricultores terá direito a um (1) voto. A
parceria-proprietária, terá direito a tantos votos quantos forem os
representantes dos parceiros-agriccultores” 148.
Com todas essa delimitações, a Peixe comandava com mãos-de-ferro o seu
sistema de parceria, que por um tempo trouxe bons resultados econômicos para a fábrica, mas
não foi suficiente para evitar a crise em suas indústrias e ainda agravou o declive de
crescimento do município, pois os baixos rendimentos dos pequenos e médios agricultores da
parceria somados aos ínfimos salários pagos aos operários geraram um mercado interno com
pouca capacidade de desenvolvimento.
A concorrência acirrada, o contexto nacional de favorecimento econômico das
empresas do Centro-Sul, o desgaste do solo, as condições climáticas desfavoráveis, o
surgimento de um novo pólo de fruticultura no Vale do São Francisco, entre outros, foram
fatores que reunidos provocaram o declínio da industrialização de Pesqueira, causando,
paulatinamente, a diminuição do número de emprego nas fábricas, um êxodo rural em massa e
a queda das demais atividades do município... A Indústria começava a agonizar.
________________________148 CAVALCANTI, Célia Maria de Lira. Op. Cit. p. 79.
115
5.2. Principais Fatores da Derrocada
5.2.1. O Contexto Nacional
A crise da República Velha, que culminou com a Revolução de 1930,
instituindo Getúlio Vargas como o novo presidente do Brasil, foi um divisor de águas na
política-econômica nacional. A partir de 1930 o Estado tornou-se mais centralizador e passou
a adotar políticas de desenvolvimento econômico.
O Estado, utilizando-se de seu poder de regulação e intervenção econômica,
inicia a criação de entidades e empresas públicas que fariam esse papel regulador. Destarte,
vários institutos foram sendo constituídos, como o do Açúcar e do álcool (1931), do Cacau da
Bahia (1931), do Mate (1938), do Pinho (1941), do Sal (1941), o Departamento Nacional de
Produção Mineral (1934), assim como os conselhos do Petróleo (1938), de Águas e Energia
Elétrica (1939) e de Minas e Metalurgia (1940). As empresas públicas e as sociedades de
economia mista também se tornaram organizações muito importantes para o sistema
governamental a partir da década de 1940, como exemplos, a Companhia Siderúrgica
Nacional (1941), a Vale do Rio Doce (1942), a Nacional de Álcalis (1943), A Fábrica
Nacional de Motores (1943), a Companhia Hidrelétrica de São Francisco (1945) 149.
Como ordenador da estrutura desenvolvimentista nacional, o Estado atuava nos
diversos setores econômicos, porém, verifica-se que desde o início dessa interferência estatal,
os planos e metas governamentais sempre se direcionaram mais a algumas regiões, em
detrimento de outras.
________________________149 GUIMARÃES NETO, Leonardo. Op. Cit., p. 94. Ver também: DRAIBE, Sônia. Rumos e Metamorfoses – Estado e
Industrialização no Brasil; 1930/1960. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985, p. 78: “A crise do Estado Oligárquico, ao
estabelecer condições para a centralização política, criou também bases para uma profunda intervenção e regulamentação
econômica estatal, no espaço político constituído pelos interesses sociais e seus conflitos. Nesse campo de forças, constitui-
se aceleradamente um moderno e sofisticado aparelho econômico centralizado, a partir do qual o Estado passou a atuar
sobre os postos-chaves da vida econômica e social (...)”.
116
Concomitantemente com o aumento das disparidades econômicas regionais, a
partir da década de 1950 a indústria pesqueirense inicia seu gradual declínio. Há esse tempo, o
chamado Centro-Sul já se distanciava economicamente da Região Nordeste. Enquanto o
Nordeste tinha uma economia eminentemente agrária, com pouca produtividade e uma
indústria mais artesanal, o Centro-Sul era, em todos os aspectos, mais desenvolvido. Essas
diferenças geraram, ao longo de décadas, grandes desigualdades regionais.
A política econômica estabelecida pelo governo brasileiro nos anos de 1950 e
1960 direcionou-se para o fortalecimento do setor industrial, mas esse setor teve a parte
maciça de seus investimentos nas regiões Sul/Sudeste do país. Foi tal direcionamento
governamental que muito atrapalhou o desenvolvimento das regiões ao norte do país e,
paulatinamente, distanciou o Nordeste das demais regiões do Centro-Sul, pois a economia
nordestina, antes notadamente agropastoril e produtora de bens tradicionais, não acompanhou
a evolução dos estados do Sul e Sudeste.
O governo de Juscelino Kubitschek, com o slogan “50 anos em 5”,
indubitavelmente promoveu o avanço das indústrias de base do país, com o desenvolvimento
das indústrias do aço, do alumínio, da celulose, automotiva, da maquinaria pesada, de
produtos químicos, entre outras 150. O problema é que esses planos desenvolvimentistas,
como os do governo de Juscelino, aumentaram ainda mais os desequilíbrios regionais, pois
essas indústrias surgiam predominantemente no Centro-Sul.
Essas transformações econômicas também modificaram o sistema de
transporte do país e a partir dos anos de 1950 a cabotagem e as ferrovias foram perdendo
espaço para o transporte rodoviário, o que favoreceu o crescimento de uma articulação inter-
regional. Conforme explana Olímpio Galvão: “foi apenas após a efetivação de um programa
nacional de construção de rodovias nos anos 50 e 60 que o Brasil rompeu, de fato, com o
estado de relativo isolamento de suas economias regionais” 151.
________________________150 BAER, Werner. Op. Cit., p. 81.151 in: Comércio Interestadual por Vias Internas e Integração Regional no Brasil: 1943-69. RBE. Nº 53. Rio de Janeiro:
out./dez. 1999, p. 524.
117
Contudo, embora as mudanças no setor de transporte tenham sido
extremamente importantes para a interligação entre os mercados nacionais, esse novo sistema
rodoviário foi mais um fator segregador para a Região Nordeste, pois as rodovias ligavam
bem mais os estados do Sudeste, estendendo-se para o Sul, do que as demais regiões do país
e, assim, precisamente explica Guimarães Neto:
“Estava-se vivendo um momento de amplas transformações no sistema
de transporte que, intensificando os fluxos comerciais e reduzindo os
custos, quebrava as barreiras à entrada em vários mercados
anteriormente isolados. (...) No entanto, no que se refere
fundamentalmente à articulação Nordeste/Sudeste, esse
desenvolvimento do sistema de transporte é nodular, restringido. Dá-se
prevalentemente, no interior de regiões já articuladas na fase anterior –
como a Sul/Sudeste – ou no interior de regiões mais isoladas, como é o
caso do Nordeste” 152.
Outra ação governamental desse período que muito prejudicou a indústria
nordestina foi a adoção da Lei dos Similares Nacionais, que com o intuito de impulsionar a
industrialização agravou as diferenças regionais. Nas décadas de 1950 e 1960, os países da
América Latina adotaram uma infundada teoria de que só se desenvolveriam por meio de um
largo programa de substituição de importações. O programa tinha como idéia central gerar
uma indústria forte em produtos manufaturados, para através da acumulação de capital
promover um desenvolvimento econômico auto-sustentável.
Por causa da utilização desse programa de substituição de importações, o país
ficou com as exportações restritas ao excedente e o mercado nacional passou a crescer
desigualmente, culminando com poucos investimentos em capital humano e a falta de uma
política monetária clara. Segundo Werner Baer: “o registro de um produto como um similar
tornou-se a base para a proteção tarifária e para sua classificação em uma elevada categoria
cambial” 153.
________________________152 in: Op. Cit., p. 95.153 in: Op. Cit., p. 78.
118
Por conta da Lei dos Similares, muitas empresas estrangeiras, principalmente
norte-americanas, aumentaram seus investimentos no Brasil, construindo ou adquirindo
fábricas no país, pois como já não podiam importar produtos que tivessem registro de similar,
para garantir mercado passaram a montar e fabricar produtos dentro do território nacional, o
que incentivou uma grande entrada de capital estrangeiro na economia brasileira. Como o
Nordeste, em geral, tinha pouca estrutura e potencial econômico, tornou-se grande importador
de bens industrializados das companhias estrangeiras instaladas no Brasil e das indústrias
nacionais do Centro-Sul e apenas mero exportador de matérias-primas.
Mesmo o Brasil apresentando no final da década de 1960 e início dos anos de
1970 altas taxas de crescimento, as disparidades já se faziam enormes, principalmente entre as
regiões, pois o Nordeste continuava basicamente agrário e subdesenvolvido, ao tempo que o
Sul e o Sudeste intensificavam sua industrialização. Como um paliativo para os problemas
nordestinos, a partir de fins da década de 1950 foram surgindo órgãos que iriam gerar novos
investimentos na região, como a SUDENE, o BNB, o BANDEPE, e vários outros, na
tentativa de amenizar as desigualdades regionais.
Neste ensejo político-econômico, a indústria pesqueirense já estava submersa
na crise, um período que marca o fim das atividades industriais das fábricas Paulo de Britto,
Tigre e Rosa. A Peixe, por sua vez, lutava bravamente para se manter no mercado, mas a
concorrência com as congêneres do Sudeste e as dificuldades regionais anteriormente
expostas, somadas a outros fatores, impossibilitaram que a fábrica mais tradicional do
município continuasse sua história de sucesso.
Em fins de 1960, com toda a sua crise estrutural e com a dispersão e o
desinteresse da família fundadora da fábrica, os Britto de Freitas, a Peixe tornou-se
propriedade da Brascan, um grupo canadense que depois a vendeu ao grupo Vigor. A partir de
então a Fábrica Peixe, que não mais representava o empresariado local, teve suas atividades
restringidas ao fornecimento de produtos que teriam acabamento industrial no Sudeste 154.
________________________154 “A Fábrica Peixe não mais tinha no mercado regional a base de sua produção. Daí os produtos semi-acabados, como o
caso da massa de tomate a partir da qual se prepara o extrato de tomate, para terem seu acabamento industrial no SUDESTE
passou a constituir a política econômica da Empresa”. CAVALCANTI, Célia. Op. Cit., p. 88.
119
5.2.2. O Solo, a Água e outros Fatores
O município de Pesqueira, como a grande maioria dos municípios do Semi-
Árido nordestino, sempre sofreu com os irregulares períodos de chuva e com a pouca
fecundidade de seus solos. Pesqueira, distante 214 Km de Recife, situa-se no chamado
‘polígono das secas’, o que constantemente representou um difícil obstáculo na plantação de
frutas e de tomate para a produção industrial.
Em 1967/1968, realizou-se pela primeira vez um mapeamento completo dos
solos de Pernambuco, por meio do Ministério da Agricultura e da SUDENE. De acordo com o
pesqueirense mestre em solos Nivaldo Burgos, engenheiro agrônomo e pedólogo da
EMBRAPA, no mapeamento foram identificados no município de Pesqueira solos jovens,
com minerais primários de fácil intemperização, em grande parte rasos e com baixos teores de
matéria orgânica, ou seja, os solos pesqueirenses, quase que em sua totalidade, manifestam
pouca fertilidade natural 155.
O engenheiro agrônomo Moacyr Britto de Freitas, último membro da família
Britto a administrar a Peixe, com seus vastos conhecimentos agronômicos, assegurou que a
fertilidade do solo dos terrenos da fábrica fosse pouco afetada, pois o sistema adotado pela
Peixe era o da rotação de culturas, isto é, plantava-se o tomate em um determinado terreno
durante dois anos e no ano seguinte deixava-se aquela terra descansando, para que o solo se
recuperasse, isso era possível porque a Peixe possuía muitas terras disponíveis para a
plantação de tomate. Dr. Moacyr, como era conhecido, fazia ainda um balanceamento de
elementos para não saturar o solo, com adubação, potássio, magnésio e feldspato. A Fábrica
Rosa, por sua vez, não utilizava o sistema de rotação de cultura, o que acarretou a saturação
do solo de suas terras 156.
_______________________155 SANTA CRUZ, Pedro et al. Op. Cit., pp. 43-44.156 Entrevista realizada com o Sr. Nivaldo Burgos, pedólogo da EMBRAPA.
120
Os solos da região de Pesqueira constituem-se de 95% de solos de encosta e
5% de solos de baixada, sendo quase todos, com exceção dos solos de baixada, pouco férteis,
pois são em sua maioria arenosos ou franco-arenosos, fortemente erosíveis quando expostos à
lavoura mecânica, cuja topografia é ondulada nas áreas utilizáveis, ou seja, os solos do
município são facilmente degradáveis e exigem muitos cuidados.
Mesmo com todos os esforços realizados por Dr. Moacyr, a monocultura do
tomate começou a ser acometida por pragas, como a da mosca branca, exigindo da Peixe
consideráveis gastos com adubos e defensivos químicos. Em anos salteados, por duas ou três
vezes, a fábrica perdeu praticamente toda sua colheita de tomate devido às pragas, o que
gerou um grande endividamento da indústria com os bancos, já que ela fazia volumosos
empréstimos para garantir as plantações de tomate. Em razão desses prejuízos e do
endividamento bancário, a Peixe, aos poucos, teve que se desfazer de diversas fábricas,
inclusive da Duchen e da Usina Central Barreiros. No auge da crise a fábrica foi vendida a um
grupo internacional, a Brascan, e os plantios de tomate, por questões agronômicas, foram
transferidos para outras regiões 157.
Outro agravante para a produção agrícola da região sempre foi a escassez de
água. Em Pesqueira, como em geral no Semi-Árido nordestino, a irregularidade pluviométrica
prejudica a boa produtividade das culturas. O município conta com chuvas anuais entre 400 a
700 milímetros, um pouco mais do que as registradas no Sertão do Estado e bem menos do
que a quantidade pluviométrica da Zona da Mata, o que caracteriza “um clima salubre,
propício à vida animal e incerto à vida vegetal” 158, assim sendo, inconstante para atividades
agrícolas.
_______________________157 SOUZA, José de Anchieta. Op. Cit., p. 37.158 Moacyr Britto de Freitas assim define o clima do município de Pesqueira: “Estamos situados na Zona Tropical Seca, com
clima entre suave e quente, e entre moderado e regular, portanto, praticamente dividido em: subúmido (região dos brejos) e
semi-árido (região central). O regime pluviométrico varia de 400 a 700 milímetros, com chuva máxima de 180 milímetros em
120 minutos; temperatura média de 22º C, com máxima de 36 e mínima de 12 graus; umidade relativa média de 73%, com
mínimos de 60% e máximos de 85%. (...) Ocorrem freqüentemente, no inverno, períodos longos diários de alta-umidade
(80%) e baixa temperatura (15º a 20º), propiciando doenças fúngicas nas lavouras”. SANTA CRUZ, Pedro et al. Op. Cit., pp.
49-50.
121
Dr. Moacyr verificou no final da década de 1970 as chuvas médias mensais do
município nos últimos 50 anos, cujos dados foram fornecidos pelo Posto Meteorológico da
cidade, distribuídos da forma seguinte:
TABELA XXVII
DISTRIBUIÇÃO PLUVIOMÉTRICA ANUAL DO MUNICÍPIO DE PESQUEIRA(Média de 50 anos)
MESES MILÍMETROS
Janeiro 33,75Fevereiro 73,15Março 100,56Abril 109,81Maio 95,42Junho 77,20Julho 61,39Agosto 33,05Setembro 18,31Outubro 16,87Novembro 24,06Dezembro 30,57TOTAL 674,14
Fonte: SANTA CRUZ, Pedro et al. Op. Cit., pp. 49-50.
Observando a tabela, percebe-se a volubilidade das chuvas no município,
chovendo razoavelmente bem entre fevereiro e julho e muito pouco entre agosto e janeiro.
Esse tipo de variação pluviométrica impossibilita um bom aproveitamento agrícola.
No Brasil, até meados dos anos de 1950, dois terços de nossa população
habitava o campo, proporção que se inverteu em cerca de 30 anos, principalmente no
Nordeste. A falta de perspectiva, as desigualdades regionais e a seca foram fatores que
expulsaram as pessoas de suas localidades, provocando uma migração em massa do
nordestino rumo a regiões mais atrativas do país. E em Pesqueira não foi diferente, pois a
partir da década de 1950 as indústrias alimentícias do município diminuíram a contração de
operários e também reduziram as atividades de milhares de pessoas que indiretamente
122
dependiam de trabalhos ligados à indústria. Destarte, Pesqueira foi perdendo sua população,
que migrava principalmente para São Paulo, em busca de melhores condições de vida 159.
A seca, incontestavelmente, sempre se configurou como o maior obstáculo ao
crescimento do Semi-Árido. A economia da região Semi-Árida caracteriza-se, como já
diagnosticou Celso Furtado no GTDN, por uma baixa produtividade e sujeita a crises
periódicas de produção. Segundo Furtado:
“O tipo da atual economia da região semi-árida é particularmente
vulnerável a esse fenômeno das sêcas. Uma modificação na
distribuição das chuvas ou uma redução no volume destas que
impossibilite a agricultura de subsistência bastam para desorganizar
toda a atividade econômica. A sêca provoca, sobretudo, uma crise da
agricultura de subsistência. Daí, suas características de calamidade
social” 160.
O GTDN trouxe à tona também as possíveis causas e explicações do atraso da
economia do Nordeste, estabelecido em indicadores que evidenciavam a disparidade de
riquezas entre as regiões brasileiras. Isso se tornava evidente na medida em que os números
demonstravam o distanciamento de bem-estar entre as regiões. O próprio GTDN apontou
elementos, já mencionados no item anterior, determinantes dessa condição desigual: relações
econômicas desfavoráveis do Nordeste com o Centro-Sul do país; os gastos públicos
prestigiavam a região rica do país; a existência de um arcabouço institucional que perpetuava,
na Região Nordeste, o atraso econômico e social.
_______________________159 Vê-se que o Nordeste tinha “condições que favoreciam a migração: forte pressão demográfica e alta concentração
fundiária. Desse modo, o Nordeste, por seu processo histórico-social-político e econômico, transforma-se numa área
caracterizada por transferir mão-de-obra rural para os centros urbanos mais dinâmicos do país, perdendo, assim, a capacidade
de retenção de população e se transformando em uma área com altos índices de pobreza e de perdas de população”.
CAVALCANTI, Helenilda & GUILLEN, Isabel. Atravessando fronteiras: movimentos migratórios na história do Brasil.
Disponível em: < http://www.imaginario.com.br/artigo/a0061_a0090/a0086-01.shtml >. Acesso em: 25 jul. 2005.160 in: GTDN. Op. Cit., p. 64.
123
A partir do final da década de 1950, com a criação da SUDENE, várias ações
de desenvolvimento foram implantadas no Nordeste. Através dos Planos Diretores, a
SUDENE e seu operador financeiro, o Banco do Nordeste, conduziram os investimentos
públicos na região, o que amenizou a difícil situação nordestina. Entretanto, as diferenças
regionais não foram dirimidas por essas ações, que também foram insuficientes na resolução
de problemas tão graves como a seca.
Em meados de 1960, a SUDENE e a FAO fixaram um acordo para a realização
de estudos sobre o desenvolvimento agrícola no Vale do São Francisco, a fim de analisar as
potencialidades de recursos naturais e a infra-estrutura da região. Os crescentes
empreendimentos no Vale foram transformando o submédio São Francisco numa das áreas
mais produtivas do Estado de Pernambuco, cujo eficiente e cada vez mais abrangente sistema
de irrigação, agregado a numerosos incentivos públicos, fez com que Petrolina e municípios
adjacentes se tornassem um pólo agroindustrial 161.
Para Pesqueira o desenvolvimento do Vale do São Francisco foi mais um fator
agravante na já complicada situação das fábricas, pois o município sofria com a falta de água
e não conseguia competir com a produtividade de Petrolina. Dr. Moacyr conseguiu
desenvolver diversos tipos de tomates para aumentar a área plantada em Pesqueira, mas
mesmo assim a produtividade do município não se igualava a de Petrolina, que produzia 80
toneladas por hectare e tinha três safras de tomate por ano, enquanto Pesqueira só recolhia 25
toneladas por hectare e tirava apenas uma safra por ano. O município, então, não podia
competir com o plantio de frutas e tomate do Vale 162. Há de se ressaltar que o município de
Petrolina, até a década de 1960, possuía uma população bem inferior ao de Pesqueira.
________________________161 O sucesso agroindustrial do Vale do São Francisco deve-se à integração dos setores público e privado, que desenvolveram
em conjunto estudos e investimentos na região. As ações governamentais na área do Vale intensificaram-se a partir da década
de 1960 por meio de empreendimentos, preponderantemente, em transportes, energia e irrigação. “(...) na década de 70, além
das bases de conhecimentos técnicos, ocorridas devido à instalação de campos de experimentação, inicialmente pela
SUDENE e CODEVASF e, posteriormente, pelo Centro de Pesquisas do Trópico Semi-árido (CPATSA), da EMBRAPA,
criaram pré-condições para a enorme mudança no padrão de crescimento e desenvolvimento na área do Submédio São
Francisco, especialmente no complexo Petrolina/Juazeiro”. SUDENE. SUDENE: Uma Parceria de Sucesso no Vale do São
Francisco. Recife: SUDENE, 1995, p.27.162 Entrevistas realizadas com um ex-parceiro da Peixe e com o Sr. Nivaldo Burgos.
124
Para alguns antigos citadinos 163, outros dois fatores também contribuíram
fundamentalmente para o desfecho trágico da industrialização pesqueirense, seriam eles: a
inabilidade de gestão empresarial dos dirigentes das fábricas do município e a falta de
interesse político em ajudar a resolver ou minimizar, de alguma forma, a difícil situação das
indústrias locais.
Comentam tais citadinos que as tradicionais famílias de Pesqueira,
proprietárias das fábricas, começaram a se desestruturar, tendo a maioria de seus membros
saído do município para viver em metrópoles. Em relação à Fábrica Peixe, diz-se que os
membros mais jovens da família, a partir dos idos de 1940, saíam de Pesqueira para estudar
em regiões mais desenvolvidas do país e não mais retornavam, perdendo o vínculo com o
município e o interesse na administração do complexo fabril. Relatam ainda que os herdeiros
da família Britto começaram a retirar grandes somas de dinheiro da fábrica para manterem
suas vidas fora da cidade e, com isso, contribuíram na descapitalização da indústria, sem
nenhum comprometimento com os problemas existentes.
Para muitos desses antigos e observadores moradores da cidade, a governança
empresarial, ou melhor, a ineficiente gestão empresarial foi o fator chave para o declínio da
indústria pesqueirense, pois não houve interesse da nova geração de herdeiros das indústrias
em dar continuidade a tais atividades.
Tal fator ressaltado pelos entrevistados talvez explique porque os industriários
de Pesqueira não se interessaram em investir em terras no Vale do São Francisco para o
plantio de frutas e tomate, o que evitaria os altos custos e a pouca produtividade do município,
ou ainda, porque não ampliaram os investimentos para a Região Sudeste, onde possuíam
várias fábricas e a logística favorecia a produção industrial. São questões que ficam sem
respostas e sem uma apuração precisa, mas que certamente muito ajudariam a esclarecer o
declínio da agroindústria de Pesqueira.
________________________163 Entrevistas realizadas com comerciantes, funcionários públicos, ex-operários das fábricas alimentícias e aposentados,
todos residentes no município de Pesqueira.
125
Quanto ao aspecto político, questiona-se porque os políticos locais não
atuaram de forma mais incisiva em busca de investimentos públicos para o município, como a
perfuração de poços públicos 164, que serviriam tanto ao abastecimento humano como para a
irrigação, e incentivos que possibilitassem às fábricas a manutenção, mesmo que reduzida, de
suas atividades industriais.
Em meados de 1960, o empresário João Carlos Paes Mendonça comprou a
Fábrica Primor, que depois passou a se chamar Palmeiron e demonstrou interesse de instalar a
fábrica em Pesqueira, mas o então prefeito do município na época, Manoel Tenório de Brito,
não teria tido visão administrativa e tato político para negociar a proposta do grupo Paes
Mendonça e a fábrica foi então instalada em Belo Jardim. A ida da Palmeiron para o
Município de Belo Jardim agravou ainda mais a crise das indústrias pesqueirenses, pois a rede
Paes Mendonça, que nessa época era forte na Bahia, comprava grande parte da produção da
Fábrica Peixe para vender em seus supermercados, mas com a Palmeiron fabricando os
mesmos produtos e pertencendo ao grupo, toda a venda de produtos alimentícios que eram
fornecidos pela Peixe foi cancelada 165.
Durante as décadas de 1970 e 1980, algumas pequenas fábricas doceiras e as
fábricas Peixe e Rosa continuavam, obstinadamente, suas atividades industriais, mas
Pesqueira já não era mais a imponente e vigorosa cidade das chaminés. A década de 1990 foi
a fase terminal do parque fabril da agroindústria pesqueirense, fechando um ciclo de cerca de
um século de atividades, que tornou o município uma das mais influentes localidades do
interior pernambucano.
Em 20 de novembro de 1998, os cheiros do doce e do tomate definitivamente
esvaíam-se da cidade. Por decisão da Cyrio e da Bombril, detentoras da marca Peixe, era
fechada a unidade fabril de Pesqueira. A Peixe, pioneira da industrialização do município,
também foi a última a encerrar o ciclo industrial... O apito das fábricas silenciou.
________________________164 No período de 1962 a 1985 foram perfurados mais de 300 poços públicos no Vale do São Francisco, contribuindo para o
fornecimento de água aos agricultores, para a irrigação e para a pecuária. SUDENE. Op. Cit., p. 24.165 Entrevista realizada com um ex-funcionário administrativo da Fábrica Peixe e complementada pelo Sr. Nivaldo Burgos.
126
6. CONCLUSÃO
O objetivo primordial deste trabalho concerne na apuração histórico-
econômica do surgimento, apogeu e declínio da industrialização do município de Pesqueira.
Como relatado ao longo da Dissertação, o início da indústria alimentícia pesqueirense foi de
forma quase aleatória, que se deu em virtude do esforço perseverante e dedicado dos
fundadores e descendentes da Fábrica Peixe. O apogeu industrial trouxe desenvolvimento e
renome para Pesqueira e o seu paulatino decaimento, por diversos fatores, provocou o pesar
do silêncio lastimoso das fábricas.
O ilustre engenheiro-agrônomo, Dr. Moacyr, administrador das Indústrias
Peixe por várias décadas, comentava, com muita propriedade, que Pesqueira viveu quase um
século lutando contra a própria natureza, já que o município não possuía condições para o
cultivo agrícola perene e de grande escala, nem para a implantação de indústrias dependentes
de água em abundância, pois se situa numa área geográfica que, pela inconstância
climatológica, resultante de uma baixa e irregular precipitação pluviométrica, nunca foi
vocacionada para tais atividades.
A despeito de tudo, no final do século XIX e durante o século XX, a
agroindústria pesqueirense tornou-se a principal atividade econômica dessa microrregião, não
só dando condições de subsistência às populações locais, como também proporcionando um
desenvolvimento significativo em relação ao sofrido interior nordestino, projetando seu nome
além das fronteiras regionais, porque ali nasceu e cresceu, como já sobejamente narrado, um
vigoroso parque industrial.
Sem dúvida, essa situação de prosperidade econômica que favorecia
especialmente os grupos proprietários das indústrias alimentícias, também gerou importantes
melhorias nas condições de vida dos citadinos, que eram beneficiados ou diretamente pela
geração de empregos ou indiretamente pelos melhoramentos e progresso do município.
127
Hoje, sabe-se que esse desenvolvimento não podia ser medido apenas pelo
volume de fumaça que subia aos céus, através das chaminés das indústrias, pois que, se bem
analisado, constata-se que essa mesma fuligem era justamente o resultado final da devastação
de suas já tênues florestas, assim como a insistência no plantio seguido da mesma cultura, sem
permitir o descanso da terra, provocou a erosão dos solos pesqueirenses em diversas áreas.
Por certo, deverão ser encontrados muitos outros aspectos negativos,
ecologicamente incorretos, mas no contexto de uma época, mesmo ainda bem próxima, era
um desenvolvimento desejável e mensurado por significações sócio-econômicas.
Mesmo com o funesto encerramento da industrialização pesqueirense, as
marcas dos tempos prósperos da cidade ainda permanecem e são o registro de sua história. Os
prédios das antigas fábricas, parcialmente restaurados, hoje servem à comunidade de forma
útil. Num deles, que abrigava a antiga Fábrica Rosa, acha-se instalado um centro comercial e
cultural, inclusive com o funcionamento do Museu do Doce. O prédio que pertencia à Peixe,
por sua vez, recentemente abrigou em seus pátios as tradicionais feiras da cidade, inclusive
com um espaço para o artesanato local, reordenando completamente o trânsito e logradouros.
A indústria alimentícia encerrou seu ciclo, mas a estrutura histórica das fábricas continua
presente na comunidade.
A derrocada das indústrias alimentícias do município não se deveu a nenhuma
causa isolada, muito pelo contrário, verifica-se que foi um conjunto de fatores que resultou
em tal declínio: a pouca fertilidade do solo; a escassez de água do município, devido aos
períodos irregulares de chuvas; o surgimento de pragas que assolavam os plantios de frutas e
tomate, aumentando os custos com fertilizantes e defensivos agrícolas; os problemas
administrativos das fábricas; as grandes disparidades regionais; a falta de investimentos
públicos na região; o desenvolvimento agroindustrial do Vale do São Francisco são elementos
que, reunidos, dificilmente seriam superados por uma comunidade interiorana.
Premidos por esses fatores político-econômicos decisivos e sem alternativas
viáveis, os clãs proprietários das fábricas, em alguns casos com cisões familiares, viram-se
obrigados a aceitar ofertas de venda a grupos econômicos estrangeiros, que não tinham a
128
menor vinculação com a região, ao contrário, interessava-lhes apenas adquirir uma empresa a
mais e conquistar mercado. Num desses casos, constatou-se que a empresa adquirente tinha
apenas interesse na tradicional marca da indústria, a marca Peixe, conhecida em todo o
território nacional, para utilizá-la em seus produtos fabricados em outras regiões do país.
Quase cem anos de concentração de riqueza nas mãos dos proprietários das
fábricas gerou uma economia apenas aparentemente próspera, quando na verdade não houve
em Pesqueira, durante o período industrial, uma distribuição de renda capaz de melhorar as
condições sócio-econômicas dos munícipes, pelo contrário, quando a industrialização
sucumbiu a população ficou sem perspectivas de outras atividades econômicas que pudessem
suprir a lacuna fabril.
Desmoronou, por completo, o complexo industrial de Pesqueira. A absorção
dos efeitos ruinosos da base econômica municipal foi longa e dolorosa, mas cumprindo com
todos os lutos, o município empenha-se em encontrar alternativas para se reerguer e recuperar
o orgulho de seus habitantes.
Quando as indústrias começaram a dar sinais definitivos de enfraquecimento,
iniciaram por se desfazer dos seus bens imóveis, então, muitos prédios e terrenos espalhados
pelo município e adjacências foram sendo vendidos. Com isso, paradoxalmente, houve uma
maior ampliação urbanística, inclusive as classes menos abastadas tiveram a oportunidade de
adquirir bens para moradia e outras construções.
Os extensos muros altos das fábricas também foram desfeitos, o que
possibilitou o surgimento de novas ruas e avenidas, tornando a cidade mais arejada. Onde era
um grande depósito de lenha, surgiu um bairro inteiro; onde era um parreiral, apareceu um
conjunto residencial e assim por diante.
Com o desemprego provocado pelo fim das atividades fabris, houve o
ressurgimento do artesanato da renascença, que por um longo período era realizado apenas
por uma pequena parcela da população, principalmente na zona rural, mas agora Pesqueira
demonstra o fortalecimento dessa atividade econômica. Despertou-se também para a
129
exploração do turismo religioso, já que na bela Serra de Ororubá, num dos mais altos recantos
do município, há um Santuário Mariano, em devoção ao aparecimento de Nossa Senhora das
Graças, única revelação reconhecida da Virgem em todo o Brasil. O comércio, igualmente,
diversificou-se e se expandiu, bem como o setor de serviços.
Entretanto, mesmo com todas as novas alternativas e ações para reaquecer a
economia do município, não se pode esperar que Pesqueira volte a ter o intenso crescimento e
sucesso de outrora. Hoje, sem a presença das suas famosas indústrias e com o
desenvolvimento atingindo todas as demais localidades ao seu redor, o município passou a ser
uma província comum, disputando com os outros em pé de igualdade o seu espaço
econômico.
A cidade de Pesqueira, então, foi do zênite ao infortúnio. Viu nascer,
desenvolver e perecer as suas indústrias de doce e tomate, o que nos leva a concluir que não
houve, na verdade, um processo industrial sedimentado, visto que este gera mudanças
profundas e contínuas, mas sim, uma atividade industrial cujo ciclo se esgotou e deixou
economicamente órfão todo um município.
Por fim, faz-se necessário ressaltar que este trabalho, em nenhum momento,
teve o pretensioso intuito de encerrar, com os argumentos apresentados, a análise e
investigação da história-econômica da industrialização do município de Pesqueira. O que se
pode com certeza afirmar, sem receio de contestação, é que Pesqueira foi por muito tempo um
dos mais proeminentes e admiráveis municípios do Estado de Pernambuco e ainda conserva,
em suas raízes, os valores e as tradições de seus habitantes.
130
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Semanário social, noticioso
Pesqueira, 26 out. 1941
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Dir. Eugênio Maciel Chacon
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Seminário lítero – social, noticioso e ilustrado
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Prop. Cândido Joaquim de Britto
Folha de Pesqueira
Pesqueira, 29 set. 1947
Dir. Paulo Oliveira
131
Gazeta de Pesqueira
Órgão independente e noticioso
Pesqueira, 07 jun. 1908
Pesqueira, 02 ago. 1908
Dir. Sebastião Cavalcanti
O Democrático
Órgão da opinião do PSD de Pesqueira
Pesqueira, 31 jan. 1937
Dir. Severiano Jatobá e Agostinho Cavalcanti
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137
APÊNDICE
FOTOS DE PESQUEIRA
138
Vista da cidade de Pesqueira em 1913. À esquerda, a Igreja Matriz, à direita, a Capelinha deNossa Senhora Mãe dos Homens, da época do último Capitão-Mor – Manoel José de Siqueira.
Vê-se, à direita, a Fábrica Rosa, à esquerda, a Fábrica Tigre e, ao fundo,
a Estação Ferroviária de Pesqueira.
139
Vista parcial da Praça Buarque de Macedo, atual Praça Dom José Lopes, no centro de Pesqueira.
Inauguração da Praça Dom José Lopes em 09/09/1941.
140
A Fábrica Rosa, foto inferior, na década de 1920, período áureo da atividade industrial doceira.
A Fábrica Rosa fechada.
141
Chegada do Governador Sérgio Loreto à cidade de Pesqueira no ano de 1924. Observar o grande número de carros para a época.
Avenida Carlos de Britto na década de 1920, vendo-se, à esquerda, a Chácara do industrialCândido de Britto.
142
Sede da Fábrica Peixe, foto superior.
Chácara de Cândido de Britto, conhecida como o Casarão da Peixe.
143
Congresso Sacerdotal realizado em Pesqueira em 1939.
Comemoração do cinqüentenário das indústrias Peixe em agosto de 1950.
144
Estação Ferroviária de Pesqueira.
Catedral de Santa Águeda, Igreja Matriz de Pesqueira.
145
Vista parcial da cidade de Pesqueira na década de 1950.
Vista parcial da cidade de Pesqueira em 2006.
146