A Casinha Feliz de Iracema Meireles

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Prática Educativa da Língua Portuguesa 21 A CASINHA FELIZ O método Casinha Feliz foi criado pela pedagoga Iracema Meireles (1984), na década de 50. Tem uma longa trajetória de aplicação em escolas públicas e particulares e ainda está em uso. A autora acreditava na aprendizagem por meio do jogo, propondo que a sala de aula fosse um espaço para criatividade e a livre expressão das crianças e começou a "personalizar as letras” e associá-las a figuras do universo infantil. Iracema Meireles disse que ocorreu uma mudança importante quando observando as turmas que se alfabetizavam, notou que as crianças adoravam as histórias e as letras/personagens, e esqueciam frases e palavras se ficavam alguns dias sem vê-las. Passou a contar as histórias em função de apresentar as letras. Foi uma ousadia para a época. Meireles buscava facilitar a aprendizagem de novas combinações de letras, mas não comungava com as estratégias de memorização próprias da soletração e silabação. As letras são apresentadas como personagem de uma história: papai (p), mamãe (m), nenê (n) e ratinho (r). O recurso didático, de boa qualidade, agradava, mas não era funcional porque as crianças decoravam as combinações de consoantes com vogais, como se faz na soletração. A base do método era associar a forma da letra a uma personagem o qual, por sua vez, representava determinado som. Na aplicação dos métodos fônicos, a maior dificuldade técnica é tentar articular o som das consoantes isoladas, pois, de fato, elas só ganham

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    A CASINHA FELIZ

    O mtodo Casinha Feliz foi criado pela pedagoga Iracema Meireles

    (1984), na dcada de 50. Tem uma longa trajetria de aplicao em escolas

    pblicas e particulares e ainda est em uso.

    A autora acreditava na aprendizagem por meio do jogo, propondo

    que a sala de aula fosse um espao para criatividade e a livre expresso das

    crianas e comeou a "personalizar as letras e associ-las a figuras do

    universo infantil.

    Iracema Meireles disse que ocorreu uma mudana importante

    quando observando as turmas que se alfabetizavam, notou que as crianas

    adoravam as histrias e as letras/personagens, e esqueciam frases e palavras

    se ficavam alguns dias sem v-las. Passou a contar as histrias em funo de

    apresentar as letras. Foi uma ousadia para a poca.

    Meireles buscava facilitar a aprendizagem de novas combinaes de

    letras, mas no comungava com as estratgias de memorizao prprias da

    soletrao e silabao. As letras so apresentadas como personagem de uma

    histria: papai (p), mame (m), nen (n) e ratinho (r). O recurso didtico, de boa

    qualidade, agradava, mas no era funcional porque as crianas decoravam as

    combinaes de consoantes com vogais, como se faz na soletrao. A base do

    mtodo era associar a forma da letra a uma personagem o qual, por sua vez,

    representava determinado som.

    Na aplicao dos mtodos fnicos, a maior dificuldade tcnica

    tentar articular o som das consoantes isoladas, pois, de fato, elas s ganham

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    sons quando esto acompanhadas de uma vogal. Existem algumas

    consoantes, como o /f/ e o /v/, que podem ser prolongadas com certa

    facilidade, dando a impresso que fundem som as vogais que as acompanham.

    Mas no o caso da maioria das outras que s so ouvidas claramente

    quando acompanhadas das vogais.

    Um cuidado que deve ser observado na aplicao dos mtodos

    fnicos decorre da prpria natureza do Portugus, lngua alfabtica na qual

    uma letra pode representar diferentes sons conforme a posio que ocupa na

    palavra, assim como um som pode ser representado por mais de uma letra,

    segundo a posio. Assim, no basta ensinar o som da letra em posio inicial

    da palavra, mas preciso mostrar os sons que as letras tm em posio inicial,

    medial (no meio) ou final da slaba.

    POR QUE AS CRIANAS TROCAM LETRAS AO ESCREVER?

    Quando os alunos esto aprendendo as convenes do sistema

    alfabtico, comum alguns cometerem trocas entre P e B, T e D, F e V. Essas

    trocas ocorrem devido ao fato desses sons serem muito parecidos em sua

    realizao no aparelho fonador e, por isso, ao escrever, surgem dificuldades

    em diferenci-los. Tecnicamente, esse grupo de letras (P/B, V/F, T/D)

    chamado de "pares mnimos. Esses sons so produzidos expelindo-se o ar do

    mesmo modo, do mesmo ponto de articulao, diferindo apenas porque em um

    (exemplo, o/b/), as cordas vocais vibram, enquanto no outro som (exemplo,

    o/p/) elas no vibram.

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    A maioria dos alunos que apresenta tal dificuldade na escrita, no

    tem problemas em compreender ou falar as palavras com esses mesmos sons.

    Isto , ao ouvirem, por exemplo, algum falar "pote, no a confundem com

    "bote, assim como, ao se expressarem oralmente, articulam bem uma e outra

    palavra.

    Para a maioria desses alunos, a questo parece residir na

    dificuldade Fundamentos e de analisar fonologicamente os segmentos sonoros

    na hora em que esto Didtica da escrevendo.

    Assim, pode-se oportunizar ao aluno atividades que o ajudem a

    realizar essa anlise. Ao fazer comparaes com as diferentes formas de

    escrita (FACA e VACA, por exemplo) e ao evidenciar as correspondncias

    letra-som, o aluno se dar conta de que, em nosso sistema de escrita, existe

    uma nica e definida letra para notar o som em questo.

    Desta forma, fica evidente a necessidade de promoo do

    desenvolvimento da conscincia fonolgica, ou seja, o aluno deve aprimorar

    sua capacidade para distinguir o fonema na cadeia da fala (o som) para poder

    escrever ou para transformar as combinaes dos sinais grficos em seus

    correspondentes significados.

    O PROCESSO DE ALFABETIZAO: APROPRIAO DE

    MUITAS LINGUAGENS

    A leitura e a escrita fazem parte do dia-a-dia da sala de aula a partir

    da pr-escola. Se as crianas ainda no so leitoras, possvel que a prpria

    professora leia para elas e que escute as leituras de faz-de-conta das crianas.

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    Caso as crianas ainda no escrevam, interessante que aceitemos as

    interpretaes que elas do aos seus prprios rabiscos. Estas pseudoleituras e

    estas pseudoescritas so processos iniciais naturais das futuras leituras e das

    futuras escritas.

    Quando a professora descobre quais so os tipos de texto que mais

    interessam s crianas, lendo estes textos e estimulando-as a lerem e a

    escreverem, ela est contribuindo no s para motivar o aluno para aprender a

    ler e a escrever, mas tambm fornecendo-lhes os modelos dos estilos de

    linguagens peculiares a vrios tipos de texto. Recentemente, a reescrita e a

    releitura de textos lidos previamente em sala de aula pelo professor tem sido

    uma atividade amplamente utilizada em escolas que seguem uma orientao

    construtivista.

    Sabemos que muitas crianas que vo para o exterior terminam por

    aprender a se comunicar numa segunda lngua, simplesmente porque tm

    oportunidade de usar esta lngua em contexto comunicativos. Um fato que tem

    chamado a nossa ateno, como a de outros pesquisadores, que crianas

    regularmente expostas leitura de certos tipos de texto podem possuir ideias

    bastante avanadas em relao lngua que aparece em determinados textos.

    Os nossos estudos tm enfocado principalmente as histrias infantis, mas nada

    impede que esse fenmeno tambm ocorra em relao a outros tipos de texto.

    O nosso primeiro exemplo envolve duas crianas que esto fazendo de conta

    que leem um livro. O livro pretensamente lido O Fogo no Cu (de Mary

    Frana e Eliardo Frana, Editora tica) e o texto contido no livro o seguinte:

    "O bode falou para o rato-, O cu pegou fogo!

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    O rato falou para a pata: O cu pegou fogo!

    A pata falou para o galo: O cu pegou fogo!

    Fugiu o rato, fugiu o galo, fugiu a pata. Fugiu o bode.

    O bode viu a coruja e falou: Foge coruja!

    O cu pegou fogo e o fogo vai cair na mata!

    A coruja viu o cu e falou: O fogo um balo de So Joo!

    O bode falou: um balo de So Joo?

    vamos apagar o balo?

    o fogo no pode pegar na mata.

    O balo caiu, O bode apagou o fogo e pendurou o balo. E

    todos deram viva a So Joo..

    O texto produzido pela primeira criana, Lucilene, ao fazer de conta

    que lia o livro O Fogo no Cu foi o seguinte:

    "O bode disse para o rato-,O cu pegou fogo!

    O rato disse para a pata: O cu pegou fogo!

    A pata disse para o galo: O cu pegou fogo!

    O rato fugiu, O galo fugiu, O bode fugiu.

    O bode encontrou a coruja e disse: Foge coruja!

    O cu pegou fogo!

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    A coruja disse: um balo de So Joo! vamos apagar o balo?

    Apagaram o fogo e deram viva a So Joo.

    J a reproduo do texto do livro O Fogo no Cu feita por uma

    outra criana, Fernanda, da mesma classe de Lucilene, foi a seguinte:

    "A o rato viu o bode e falou com o bode.

    A o rato falou para a pata: O cu pegou fogo!

    Correu o rato, correu a pata, correu o bode.

    A o bode falou para a pata: o cu pegou fogo.

    Bora apagar o fogo de So Joo?

    A deu viva a So Joo.

    Lucilene conhece o texto do livro, ela faz uma reproduo mais fiel

    ao estilo do livro. J Fernanda reproduz o texto num estilo mais prximo da

    linguagem oral usando expresso "A e outras tambm coloquiais como bora.

    Lucilene demonstra maior familiaridade com o estilo de linguagem do livro

    exemplificado.

    Exemplos como estes sevem para ilustrar um fenmeno j explorado

    por alguns pesquisadores: crianas que desde cedo so expostas e exploram

    textos escritos tm desempenho superior em leitura e produo de textos. Uma

    exposio precoce leitura e escrita na escola , sobretudo, importante para

    aquelas crianas que, em casa, tm pouca oportunidade de interagir com estes

    tipos de texto.

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    A alfabetizao no apenas um processo de aquisio de leitura e

    escrita, discusso j superada. A compreenso da alfabetizao como

    processo de apropriao de diferentes linguagens (escrita, matemtica, das

    cincias, das artes e do movimento - teatro e dana, sem esquecer as mdias

    interativas), ter como finalidade as concepes de conhecimento, de

    aprendizagem e do desenvolvimento pelo qual as crianas fazem as suas

    conquistas.

    A alfabetizao constitui-se, ento, numa atividade interativa,

    interdiscursiva de apropriao de diferentes linguagens produzidas

    culturalmente. Dentre elas, situa-se a escrita como um artefato presente em

    todas as atividades das sociedades letradas, e, portanto, buscada pelo escritor

    at mesmo como uma forma de insero social, um posicionamento grupal ou

    ainda uma demarcao territorial. necessrio, deste modo, compreender que,

    no processo de alfabetizao, o convvio com a linguagem escrita deve ser

    atividade real e significativa, na qual as crianas interagem com diferentes

    conhecimentos, com o professor, sua intencionalidade e a linguagem escrita

    em suas diferentes manifestaes.

    Essas diferentes manifestaes se referem ora aos estilos, ora s

    tcnicas, ora s possibilidades de ambas. Para aprender a ler e escrever,

    necessrio que o aluno sinta a sala de aula como um lugar onde as razes

    para ler (e escrever) so intensamente vivenciadas. A escrita s ir ganhar

    esses contornos se o professor, desde muito cedo, comear a abord-los. A

    escrita infantil tem sabor de utilidades:

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    para produzir uma receita, esta precisa se pautar em

    degustao;

    para escrever uma carta ao prefeito da cidade, essa carta

    necessita ser endereada a ele;

    Com o crescimento da produo, cresce tambm o nvel de cobrana em

    relao a ela. O que no permitido aqui deixar a criana, diante da

    impossibilidade de execuo, traduzir essa como incompetncia pessoal. Em

    relao escrita, sempre h uma possibilidade de o escritor resolver o

    impasse, ou o problema encontrado, no entanto, da mesma maneira, isso

    acontecer com o domnio e s possibilidades reais do aluno. Em relao ao

    aluno, a impossibilidade momentnea. Lembramos que o nosso trabalho de

    ensino-aprendizagem sempre com o possvel e no com o limitado.