A Casa Do Escritor

143
A Casa do Escritor Vera Lúcia M. de Carvalho Pelo Espírito Patrícia Copyright by Petit Editora e Distribuidora Ltda. 1993 1a Edição/impressão: outubro/93 - 20.000 exemplares 2a Reimpressão: setembro/94 - 10.000 exemplares 3a Reimpressão: novembro/94 - 10.000 exemplares 4a Reimpressão: fevereiro95 - 15.000 exemplares 5a Reimpressão: junho/95 - 15.000 exemplares 6a Reimpressão: dezembro95 - 20.000 exemplares 7a Reimpressão: agosto/96 - 15.000 exemplares 8a Reimpressão: março/97 - 5.000 exemplares 9a Reimpressão: junho/97 - 20.000 exemplares Impresso no Brasil na Primavera de 1997 PETIT EDITORA E DISTRIBUIDORA ITDA.

description

Livrsss a

Transcript of A Casa Do Escritor

  • A Casa do Escritor

    Vera Lcia M. de Carvalho

    Pelo Esprito Patrcia

    Copyright by Petit Editora e Distribuidora Ltda. 1993 1a Edio/impresso: outubro/93 - 20.000 exemplares 2a Reimpresso: setembro/94 - 10.000 exemplares 3a Reimpresso: novembro/94 - 10.000 exemplares 4a Reimpresso: fevereiro95 - 15.000 exemplares 5a Reimpresso: junho/95 - 15.000 exemplares 6a Reimpresso: dezembro95 - 20.000 exemplares 7a Reimpresso: agosto/96 - 15.000 exemplares 8a Reimpresso: maro/97 - 5.000 exemplares 9a Reimpresso: junho/97 - 20.000 exemplares Impresso no Brasil na Primavera de 1997 PETIT EDITORA E DISTRIBUIDORA ITDA.

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 2

    Outros livros psicografados pela mdium Vera Lcia Marinzeck de Carvalho: Com o Esprito Antnio Carlos:

    - Reconciliao - Cativos e Libertos - Copos que Andam - Muitos so os Chamados - Filho Adotivo - Reparando Erros - A Manso da Pedra Torta - Palco das Encarnaes - Aconteceu - O Talism Maldito

    Com o Esprito Patrcia:

    - Violetas na Janela - Vivendo no Mundo dos Espritos - O Vo da Gaivota

    Com Espritos diversos:

    - Valeu a Pena - Perante a Eternidade

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 3

    ndice

    Prefcio ........................................................................................4 1 - A Colnia de Estudo ..............................................................5 2 - Colnia Tringulo, Rosa e Cruz ...........................................14 3 - Recordando o Passado .........................................................24 4 - A Casa do Escritor ...............................................................38 5 - O Jornalista ..........................................................................49 6 - A Reunio ............................................................................61 7 - Aprendendo Sempre.............................................................68 8 - A Biblioteca .........................................................................75 9 - No Umbral ...........................................................................85 10 - Trabalhando com a Equipe..................................................91 11 - Excurses..........................................................................100 12 - Fatos Interessantes ............................................................108 13 - Meu Pai.............................................................................118 14 - A Histria de Loreta..........................................................123 15 - No Trmino.......................................................................137

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 4

    Prefcio

    sempre um prazer termos em mos uma obra de encantos mil. com orgulho carinhoso que prefacio esta obra. A Casa do Escritor meu lar, amo o trabalho que ela promove.

    Patrcia, com sua linguagem simples e jovem, descreve-a to bem que nos comove. deveras A Casa do Escritor como foi narrada. um plo positivo da Literatura Brasileira e, principal-mente, da Esprita, que tanto bem e tantas instrues tem semea-do.

    A jovem escritora, que por algum tempo abrilhantou com sua presena nossa adorvel Colnia, soube bem aproveitar todos os instantes aqui presente e at nas simples conversas soube aprovei-tar a oportunidade para conhecer. Com os trabalhos de equipe soube ser til. E em todos os eventos soube aproveitar o mximo para depois escrever este livro.

    A Casa do Escritor uma realidade que nossa Patrcia to bem expe aos seus leitores. Espero que este livro seja um incentivo a todos que trabalham com a Literatura edificante. E tambm aos que possam vir a trabalhar.

    Felizes os que se instruem e fazem dos seus conhecimentos a-limentos saborosos para aqueles que anseiam por conhecer.

    Caros leitores, aqui est uma obra fantstica, um bocadinho de frutos do Saber sobre o Plano Espiritual. E que to bem Patrcia nos descreve.

    Alegria! Antnio Carlos

    So Carlos - SP - 1993

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 5

    1 - A Colnia de Estudo

    Como foi diferente o estado de alegria que senti quando che-gou o momento de iniciar nova etapa de estudo. Um profundo jbilo preencheu toda minh'alma revelia do meu controle men-tal.

    Veio-me memria o dito do grandioso Nazareno aos seus discpulos. Trechos que tirei para meditar do Evangelho de Joo, dos captulos XIV e XV. "Eu vos dou a minha Paz, vos dou a alegria, para que completa seja vossa Paz, repleta a vossa alegria."

    Que paz e alegrias eram estas? Pois foram dadas por um ho-mem que no possua nada, no desfrutava de bens mundanos. E, mais, ainda foram ditas antecedendo horas de muitas dores e tristezas, fatos e dificuldades que Ele iria enfrentar.

    A paz e a alegria que Jesus distribua no estavam ligadas ao nosso modo de ver e viver. E, no entanto, eram vividas por um homem de carne, osso e esprito como ns.

    Quando encarnados, nossa alegria est ligada a sensaes e prazeres dos sentidos, e at satisfao de uma conquista mental, seja de fora ou de erudio. A felicidade que buscamos no plano fsico sinnimo de ociosidade, prazer e ausncia de dificuldades.

    No conseguimos compreender que as dificuldades, quando no criadas por ns mesmos, so por via de regra instrumentos da natureza que no nos deixa cair na inatividade, pois a monotonia a prpria morte. A natureza vida que se renova incessantemente.

    Como num acender de luzes, compreendi que a alegria perene no pode estar ligada a pessoas ou coisas. No pode depender de estmulo nenhum para que acontea. um estado de ser em ven-tura, sem limites, por saber compreender. viver a vida pela vida e no para ganhar alguma coisa ou atingir um fim. Conheci a felicidade real.

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 6

    Dois anos se passaram, nos quais fiquei a estudar na Colnia de Estudo: a Casa do Saber. Foi um perodo maravilhoso em que muito aprendi, fiz novos amigos, amadureci espiritualmente. Recordo que, ao chegar Casa do Saber, me emocionei at as lgrimas e exclamei comovida:

    - Esta Colnia linda! Que lugar de encantos e sonhos! De fato, a Casa do Saber um lugar que para os encarnados s

    se poderia comparar a encantadores sonhos. Antnio Carlos, meu amigo querido, acompanhou-me. Volita-

    mos tranqilos. - Patrcia, vamos agora devagar. Observe a Colnia, ali, na-

    quele ponto radiante. Vi um ponto luminoso branco e logo j distinguia os prdios e jardins. A Colnia no cercada. fants-tico v-la, volitando.

    Meu amigo me esclareceu: - A Colnia de Estudo no tem sistema de defesa. Todos que

    nela habitam vibram numa mesma intensidade que a sustenta. E s consegue v-la quem vibra igual.

    A Colnia est suspensa no ar, como que em cima de uma grande e slida nuvem. Para os encarnados, no lugar no existe nada, no perceptvel viso dos encarnados e dos desencarna-dos que no sintonizam com suas vibraes. Descemos no crculo que est em sua volta. Para que me entendam, nesta parte slida em que est a Colnia h um beiral de alguns metros e logo esto seus prdios e ptios.

    Sorri encantada e atendi ao convite do meu cicerone. - Vamos entrar, Patrcia. Primeiramente iremos cumprimentar

    o diretor da casa. Caminhamos. No h diferena do solo das outras Colnias. A

    Casa do Saber uma Colnia pequena, est dividida em ruas.

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 7

    Andamos tranqilos, nada de desconfiana. As pessoas que en-contramos sorriam cumprimentando-nos. Olhava tudo curiosa. Tudo to lindo! O ar perfumado, a brisa suave. Os prdios, harmoniosos. uma Colnia encantadora, na qual poderia passar horas s olhando o conjunto, a Colnia em si.

    Paramos em frente de um prdio e entramos. Numa porta, com uma placa escrita Diretoria, meu amigo bateu e logo ela foi aber-ta. Antnio Carlos abraou efusivamente um senhor de agradvel aspecto, que em seguida veio at mim.

    - Esta Patrcia de quem lhe falei. - Sou Alfredo. Encantado por t-la conosco. J escutei falar

    muito de voc. Ento, gostou da nossa Colnia? - Oh, me parece encantadora. O prazer meu de estar aqui, sou

    grata pela acolhida. Amo aprender. Estar aqui tudo que almejo no momento.

    Alfredo muito agradvel, olhar inteligente e sorriso amvel. Por alguns momentos, os dois amigos passaram a trocar notcias de amigos comuns. Enquanto isso, observei a sala da diretoria. Tudo ali paz, ela espaosa, com mveis claros, bonitos qua-dros na parede e vasos com flores. Bem atrs da escrivaninha estava bordada a orao de So Francisco de Assis, to conhecida de todos ns. Em todos os lugares onde h equilbrio, onde se cultiva a paz e harmonia, h um encanto especial, tudo se torna maravilhoso. E por toda a Colnia reina a alegria de se estar bem consigo mesmo.

    - Patrcia - disse Alfredo, gentil -, vou pedir a Rosely para a-companh-la numa excurso pela Colnia para que a conhea.

    Tocou uma suave campainha e uma moa loura, muito bonita, sorriso franco, entrou na sala.

    - Oi, sou Rosely.

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 8

    - Eu, Patrcia. Sorrimos, foi como se a conhecesse h muito tempo. Antnio

    Carlos me elucidou. - Patrcia, aqui ter sempre esta sensao de conhecer todos.

    uma unio por vibrao. Estou contente, pois vejo que est a vibrar em harmonia com todos aqui.

    - Venham comigo, terei um enorme prazer de mostrar a Col-nia a vocs.

    Despedimo-nos de Alfredo e emocionados acompanhamos nossa jovem cicerone. A Colnia no grande. Conhecemos sua parte externa meia hora, minutos que passei extasiada. Acompa-nhava as explicaes de Rosely.

    - Este prdio o da Orientao. Aqui esto os gabinetes dos professores e a diretoria. Este outro o das salas de aula, da bibli-oteca e das salas de vdeos. A esto as salas de palestras. Devido s muitas palestras que podem ocorrer ao mesmo tempo so vrias as salas, tendo uma bem grande para maior nmero de assistentes e que serve tambm para o teatro. Este prdio simples, bem decorado, tendo lindos quadros e muitas flores. As cadeiras so giratrias, tudo muito confortvel. tudo harmonioso, convidan-do meditao e prece.

    - Este aqui o prdio destinado aos alunos. Venham, vamos entrar. um prdio de quatro andares todo dividido em gabinetes. Tudo muito limpo e claro. No posso mais denominar este espao particular a cada um de quarto. Aqui no se dorme e nem se ali-menta. um cantinho seu, onde se estuda, medita, ora, etc.

    Rosely nos levou ao que me foi destinado. uma sala grande, arejada, que chamarei de gabinete.

    - Que lugar encantador! - exclamei comovida.

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 9

    Emocionei-me e fiquei alegre por ser ali o lugar em que passa-ria horas no longo perodo que permaneceria na Casa do Saber. Ali estava uma escrivaninha toda trabalhada, linda. Uma estante, dois sofs e uma mesinha com um lindo vaso com florzinhas azuis. A janela dava para o ptio todo florido. Estranhei por no haver abajures, lustres, algo que demonstrasse ter luz artificial.

    Antnio Carlos, como sempre lendo meus pensamentos, sor-rindo, tratou de me esclarecer.

    - Aqui no escurece. A luz do sol brilha sempre. Colnias nesta dimenso no seguem a rotao da Terra. Esto fixas e recebem os raios benficos do nosso astro rei o tempo todo.

    - Ento, no como a Colnia So Sebastio que est sempre no espao da cidade de So Sebastio do Paraso? indaguei curio-sa.

    - No, colnias de estudo, como algumas outras, no esto vin-culadas a lugares na Terra, esto no espao da Terra, no todo. Aqui existem algumas colnias que so para servir o povo brasi-leiro, logo depois esto as de outros pases; muitas so para todos os terrqueos, que se comunicam pelo esperanto e pelo pensamen-to.

    - Sensacional! No verei a noite! - exclamei. - A noite tem seu encanto - disse Antnio Carlos. - Mas a ver

    sempre que visitar a Terra, familiares e as Colnias de Socorro. - E como saberei quando noite l na Terra? - indaguei nova-

    mente. - Para ter um controle no calendrio, a Colnia segue o horrio,

    como dia e hora do Brasil. Temos tambm aqui a sala do Relgio, neste local h o horrio de todos os pases da Terra.

    - Antnio Carlos - quis saber curiosa -, como achou a Colnia entre tantas? Veio to fcil!

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 10

    - Pela sintonizao. Mentalizei a Casa do Saber e vim pela vi-brao. Logo aprender a usar este processo, porque ir se loco-mover muito e ir s. J bem grande e auto-suficiente para sair sozinha.

    Rimos com a brincadeira. Trouxe poucos objetos que deixei em cima da escrivaninha.

    Aps, ao estar a ss, organizei-os. Coloquei alguns livros na estante, cadernos de anotaes na escrivaninha e as fotos de meus familiares na parede e na minha mesa de trabalho. No trouxe nada de pessoal. No trocava mais de roupa. Visto calas compri-das largas e camiseta azul-clara. Sinto-me bem assim.

    Fomos conhecer o restante da Colnia. - Aqui a parte mais bonita - disse Rosely. Parei deslumbrada com a encantadora paisagem. Tudo parecia

    brilhar, como se o local fosse pontilhado com centenas de estreli-nhas. Sentia-me leve, como uma nuvenzinha a bailar com a brisa suave. minha frente estava o harmonioso e fenomenal jardim da Casa do Saber. Muitas rvores, todas perfeitas, sadias e floridas. As variedades so tantas que no h duas rvores da mesma esp-cie. Esto sempre floridas. Suas flores de diversas cores e perfu-mes do viso total uma combinao de cores que encanta.

    As rvores parecem desfilar tranqilas, ensinando-nos a ser equilibrados e harmoniosos para o bem de quem nos v. Muitos so os canteiros entre as rvores, so formados de flores delica-das, coloridas, que brilham. Os canteiros formam frases, figuras convidando a reverenciar o Criador. Muitos bancos esto espalha-dos por todo o jardim e so confortveis, alguns de balano, ou-tros em baixo de caramanches floridos.

    -Aqui, tambm, costumamos ouvir palestras de convidados de outras esferas, que sempre nos brindam com seus ensinamentos - disse Rosely, chamando-me de volta realidade, porque, diante

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 11

    de tanto encanto, me pareceu por instante que fazia parte da pr-pria natureza, comunguei por momentos com as belezas que ali via.

    Antnio Carlos sorria ao me ver embevecida. - to bom estar em um lugar de Paz, heim Patrcia? Sorri, concordando. Qualquer opinio dada era pouco para des-

    crever tanta harmonia. - Neste recanto - disse Rosely, mostrando a ala direita - esto o

    lago e a cascata. Um pequeno rio brota do solo, corre uns cinqenta metros e

    forma um pequeno lago. Suas guas claras e cristalinas deixam ver no fundo suas pedras de diversos tamanhos e cores. No resis-ti e coloquei minhas mos n'gua. Sua temperatura como o ambiente, agradvel, to leve que no nos molha; levei-a aos lbios e no posso compar-la mais pura das guas do planeta Terra, bem melhor. Dei um suspiro, que fez meus companheiros sorrirem e exclamei extasiada:

    - Que beleza! Do outro lado do lago est a cascata, a gua desce entre plantas

    e flores, aps entra no solo desaparecendo. - Aqui o lugar predileto para as meditaes e o preferido dos

    pensadores - disse Rosely. - Agora vou lev-la a sua sala de aula, onde sua turma est tendo a primeira aula.

    - Despeo-me de voc, Patrcia - disse Antnio Carlos. - Agora voc j conhece sua nova morada. - Estou encantada e agradecida, Antnio Carlos. Obrigada por

    tudo. Abraamo-nos com carinho.

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 12

    Entramos, Rosely e eu, no prdio das salas de aula, estava e-mocionada. Atravessamos corredores e paramos diante de uma porta na qual minha cicerone bateu de leve. A porta abriu e um senhor de agradvel aspecto nos cumprimentou, sorrindo.

    - Boa tarde! Sou Leonel. - Boa tarde! Sou Patrcia. Uma nota curiosa, na Casa do Saber usa-se muito o cumpri-

    mento "A Paz esteja convosco" ou "A Paz seja convosco!" s vezes, costuma-se dirigir-se ao outro com um oi ou um ol. Como no escurece, no se usa nunca o boa-noite, mas, s vezes, costu-ma-se ouvir os cumprimentos tradicionais da Terra de bons pres-sgios como bom-dia e boa-tarde. Realmente, se desejados de corao, recebemos com os cumprimentos votos de harmonia.

    - Entre, por favor. Leonel dirigiu-se a mim gentilmente e virando-se para a turma

    me apresentou. - Esta mais uma aluna. Seu nome Patrcia. Fique vontade,

    logo conhecer todos. Acomode-se. Acomodei-me numa escrivaninha. Olhei a sala, era grande, es-

    paosa, tinha quarenta alunos que me olharam sorrindo. Senti-me vontade.

    Logo no primeiro intervalo me enturmei. Todos eram excessi-vamente agradveis. J no se conversava mais sobre desencarna-es ou o que era ou o que foi quando encarnado. O assunto pre-ferido era sobre estudos. Encantei-me com todos.

    Assim, os dias sempre calmos, horrio todo preenchido, o tem-po passou rpido, como sempre acontece quando estamos felizes.

    A Casa do Saber foi meu lar por dois anos consecutivos. A maior parte do tempo passei nas salas de aula, nas salas de pales-tras e no Recanto da Paz, como chamado o jardim da Colnia.

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 13

    Ali, vendo as flores, a cascata, muito pensei, meditei no que a-prendia.

    Amadureci muito, era uma nova Patrcia, equilibrada, mais fe-liz ainda, s no mudara minha sede de saber, de conhecer. Tive, neste perodo, muitos mestres que foram verdadeiros amigos e dos quais guardo as melhores recordaes e sentimentos de gratido.

    Aprendi muito dos Evangelhos e do Plano Espiritual. Passei a falar corretamente o Esperanto e a me comunicar pelo pensamen-to, no final do curso s nos comunicvamos assim. Visitamos outras Colnias de Estudo na mesma rea, eram todas um tanto parecidas, cada qual com seu encanto. Fomos a muitas Colnias de outros pases, onde treinamos o Esperanto e a comunicao pelo pensamento. Estas excurses nos maravilharam, sempre agradvel conhecer e fazer novos amigos.

    O estudo nesta Colnia tambm uma complementao do es-tudo que fiz anteriormente e que descrevi no livro "Vivendo no Mundo dos Espritos". Muito vi e aprendi. Mas maravilhava-me cada vez mais com os conhecimentos que adquiria e ansiava por continuar sempre aprendendo.

    Tnhamos muitas horas de estudo por dia, completvamos com muitos trabalhos que fazamos em grupos. Fiz muitas amizades, todos os habitantes da Colnia eram e so meus amigos, mas sempre h alguns que nos completam mais, so mais afins. Entre eles, uni-me com sincero carinho a Lcia, Ins e Murilo. Reuna-mo-nos em grupinhos nos gabinetes, ora de um, ora de outro, para trocar idias. No comeo, conversvamos, aps o grupo ficava em silncio e se comunicava pelo pensamento. ramos alegres sem ser alvoroados. Reunamo-nos tambm no jardim, sempre debai-xo de algum caramancho, sentados nos seus bancos confortveis, tendo por companhia as frondosas rvores que nunca deixei de admirar.

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 14

    Tnhamos momentos livres, nos quais tanto podamos receber visitas como sair a visitar. Aprendi logo a me locomover nesta esfera e a achar com facilidade a Casa do Saber. Nas minhas horas livres, ia Colnia So Sebastio rever amigos, visitar, na Terra, meus familiares e sempre ditava mensagens a eles.

    H sempre muitos estudantes nestas Colnias. Todos unidos pelo objetivo de aprender, so espritos afins. A turma dos vetera-nos se une em conversao sadia com os novatos e o assunto preferido o que se estuda no momento. Freqentvamos muito a biblioteca e amos sempre s salas de vdeos. No eram somente meus lugares preferidos, mas de todos. Nestas salas, acha-se de tudo, seus assuntos so completos. No s freqentvamos para fazer os trabalhos, como tambm amos nas horas de lazer para ver ou rever fitas ou livros de nosso agrado.

    Nesta Colnia ou em Colnias assim, no h mais o to co-mentado bnus-hora. Bnus-hora uma forma de pagamento de trabalhos prestados como um incentivo para ser til. usado nas Colnias de Socorro. Tudo o que se faz numa Colnia de Estudo por prazer, por vontade. E sentida a imensa gratido por ali estar. S quem almeja o Saber, ama o aprender, realiza-se numa Colnia de Estudo. Para mim, foram dois anos de imensas alegri-as, em que tive o prazer de desfrutar a harmonia desta Colnia encantadora.

    2 - Colnia Tringulo, Rosa e Cruz

    Lembrei dos ensinos que ouvi de meu pai e que s vim a com-preender agora, aps tanto estudo. um ensinamento sobre sinto-nia e unidade.

    A lagarta, na sua estafante peregrinao pelo solo e galhos caa de folhas, no se descuida um segundo sequer da sua unio

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 15

    com a natureza. No trmino do seu tempo como lagarta, procura um local adequado, fecha-se em si mesma e entrega-se ao Cria-dor. Findo o tempo necessrio, renasce como borboleta com vida e ao completamente diferentes da sua vida anterior. Que fants-tico! Que exemplo nos d esta filha da natureza.

    Com os homens, os acontecimentos se tornam complexos. A maioria tem contornos de dor e sofrimento. Perdemos a sintonia. No sabemos mais confiar no Criador. Afastamo-nos, e desta forma ficamos fragmentados, separados do centro comum, que Deus. Conseqentemente nos agarramos forma atual, imperme-veis a modificaes naturais. S custa da ajuda de irmos dedicados conseguimos pouco a pouco atingir estados que poderi-am ser atingidos quase de imediato.

    Com a morte do corpo fsico, se socorridos em Postos de So-corro, levamos conosco costumes, vcios, condicionamentos de comida e bebida, at supersties e sectarismo religioso. O que a lagarta faz inconsciente, temos que realizar conscientes. Aos poucos, vamos abandonando as necessidades de alimentao, depois aprendemos a nos comunicar atravs da lngua universal. Ultrapassando, no necessitamos de smbolos da linguagem. Comunicamo-nos com vibraes mentais, chegando assim bem prximos do silncio verbal e mental, quase prontos para neste silncio ouvir o que Deus tem a nos dizer.

    Foram feitas vrias excurses durante o curso a outras Col-nias, Postos de Socorro, no Umbral, hospitais, lugares que j descrevi no livro "Vivendo no Mundo dos Espritos". Encantei-me de modo especial com as excurses a outras Colnias de Estudo e as do Plano Superior, onde passamos horas de agradvel convvio e inebriados com tantas belezas.

    Foi enorme alegria para o meu corao visitar a Colnia e Tri-ngulo, Rosa e Cruz. Esta Colnia intermediria entre o Oriente e o Brasil. uma Colnia habitada por orientais e brasileiros,

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 16

    visando um aprendizado maior entre as duas culturas, principal-mente a sabedoria que une a Deus. No fcil descrev-la para os encarnados. algo deslumbrante, belezas que encantam. Est no espao ao centro do Brasil no muito longe da Colnia Nosso Lar, um pouco mais acima para o Norte. Esta Colnia localizada pela vibrao. Quando se quer encontr-la, concentra-se e se atrado para ela. Samos para visit-la, ns, os quarenta alunos, um instru-tor e um morador oriental da Tringulo que viera para nos acom-panhar.

    Fomos volitando um ao lado do outro. Ao aproximar-nos, voli-tamos devagar para melhor apreciar o local. No espao onde est a Colnia, o cu mais azul, o ar mais puro e rarefeito. De longe, a Colnia parece um enorme castelo sobre as nuvens. Um encan-to! O castelo branco e brilha como uma delicada estrela.

    - Parece que estou vendo um castelo de contos de fadas - disse Hrcules, um colega.

    Concordamos com ele. medida que nos aproximvamos a vi-so do castelo ficava mais linda. Tringulo, como chamada, no tem muro, as paredes so as divisas. No tem nenhuma proteo e nem aparelhos de defesa. que esta Colnia s vista, encontra-da, pelos que vibram muito bem e sabem concentrar-se para se guiar pela sua vibrao. Seu formato de um tringulo, tendo em cada lado um porto. Esta Colnia parece de cristal, tendo o bri-lho e a brancura que do reflexos de muitas cores suaves. Nas paredes do lado de fora, h desenhos em relevo e inscries. So desenhos de figuras humanas em atitudes de orao e adorao ao Pai. Esta Colnia cpia das antigas, porm uma das mais atuais Colnias do Oriente. Colnias que existem h milnios. As inscries so orientais, algumas frases so em Portugus. Frases que glorificam a Deus.

    - S por ter visto isto me sinto realizada. Que maravilha! - exclamou Lcia, outra companheira.

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 17

    Tem sete torres arredondadas, sendo trs mais altas. Seus te-lhados so em tringulo e so de tonalidades azul-clarinho, pare-cem ser tambm de cristal. Paramos na frente do porto principal.

    - Vamos, por favor, ficar observando mais um pouquinho - pediu extasiado Fbia.

    Era a vontade de todos. Passei a mo devagarinho na parede, senti o slido da construo e pude observar de perto a delicadeza e a perfeio de seus desenhos. O porto diferente dos que j vira no mundo espiritual, muito bonito. No feito de nenhum metal que encarnado conhece, difcil compar-lo. grande e tem um enorme emblema de formas perfeitas idealizado por um excelente artista. O emblema de um branco puro um pouco diferente do branco que enxergava quando encarnada. Este em-blema sobressai de tal forma que, ao v-lo, parece que s o ve-mos. Um encarnado, ao v-lo, pensaria que feito de pedras preciosas.

    O oriental que nos acompanhava aguardou tranqilo que ob-servssemos a parte externa da Tringulo. Quando nos agrupamos de novo, ele mentalizou por segundos e o porto foi aberto. Cer-tamente que sabiam que estvamos l fora, mas s foi aberto o porto quando o oriental mentalizou. E a nossa primeira lio sobre a Tringulo foi dada pelo nosso acompanhante.

    - O porto s abre ou fecha por sintonia da mente de um dos seus moradores.

    - Genial! A mente aqui como um controle remoto - exclamou Hyolanda.

    - Um controle de alta preciso que no falha - disse nosso ins-trutor sorrindo.

    - Aqui no escurece? J era para ser noite. Daqui d para ver a noite logo ali. Esta Colnia no est vinculada rotao da Ter-ra? - indagou Miriam, outra componente do grupo.

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 18

    - Sim - respondeu esclarecendo nosso instrutor. - Tringulo es-t na esfera que segue a rotao da Terra. De fato, daqui de fora podemos ver o sol e a noite com suas estrelas. Mas a claridade na Colnia sempre amena, parece estar sempre numa manh de sol de clima perfeito. No h iluminao artificial. Seus construtores tambm fizeram a iluminao, que sustentada continuamente pelos seus habitantes.

    Fomos convidados a entrar. Atravessamos um hall ou um espa-o grande coberto, todo em tons de azul. O piso com azulejos, ou mosaicos, algo parecido, que formavam lindos desenhos. Nas paredes, inscries e desenhos em relevo de flores e animais. Paramos para olhar. Peo desculpas aos leitores por no conseguir descrever tantas belezas que o crebro fsico desconhece e no tenho para certos objetos nem como comparar.

    - Que verdadeiras obras de artes! - exclamou Ins encantada. - Damos muito valor ao Belo, harmonia perfeita da arte que

    vem inspirada do Criador, para que todos ao contemplar possam reverenciar o Pai a quem tudo devemos - falou respeitoso o orien-tal.

    Dali, passamos a um ptio ao ar livre, com lindos canteiros re-dondos, com flores que eu desconhecia. O piso entre os canteiros parece ser de estrelas pequeninas, cintilantes, a brilhar ora uma, ora outra. Nunca vira um jardim to lindo e nem flores de tama-nho encanto. Aproximei-me de uma flor que nos d leve lembran-a da nossa rosa. Uma flor brilhante, azul-clara, que exala um suave perfume.

    - Que delicioso perfume! - exclamei admirada. - Esta flor, Patrcia- disse nosso instrutor-, exala o perfume

    predileto de quem a cheira. Est aqui linda deste jeito, como todas as outras, desde a inaugurao desta Colnia h muitos anos.

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 19

    - Que maravilha! Exclamei e tentei passar a mo na flor, que se afastou, seu galho se ergueu para o outro lado.

    - Oh! - disse baixinho a ela. - No quero lhe fazer nenhum mal. Queira me desculpar, ia atrever-me a passar meus dedos nas suas delicadas ptalas.

    A flor voltou ao seu lugar, afastara-se pelo seu instinto mais apurado. No me atrevi a aproximar-me mais dela. Flores so para admirar, no para pegar. Por mim, no sairia mais daquele jardim, encantada com suas plantas. Admirava cada flor com seus forma-tos diferentes e cores harmoniosas. Mas o instrutor nos convidou a entrar.

    - Vamos visitar as salas de audincia. Os sales so de rara beleza, simples, com lindos quadros, nas

    paredes, de Jesus ensinando. Embaixo dos quadros, trechos dos Evangelhos, principalmente de Mateus, do Sermo da Montanha. Vasos de flores brancas esto sempre presentes, encantando o ambiente. Os sales so amarelo claro. Em um deles, fomos con-vidados a sentar nas confortveis poltronas e um dos orientadores da casa veio nos abrilhantar com suas explicaes.

    - Sejam bem-vindos Tringulo, Rosa e Cruz, prezados convi-dados.

    Deu uma pausa e nos olhou sorrindo. Era oriental, fisionomia tranqila, transmitia uma Paz que o tornava lindo. Vestia uma tnica branca com emblema no peito, o mesmo que vimos no porto. Muitos ali se vestem assim. Outros vestem roupas ociden-tais, mas predomina a roupa de cor branca.

    - Primeiramente, quero lhes informar que esta Colnia no est vinculada a religio nenhuma na Terra. Tem este nome porque tringulo o seu formato. A rosa, nome de uma flor que tiramos da natureza numa linda manifestao de Deus. A cruz porque ns, os orientais, queremos nos aprofundar nos ensinamentos cristos.

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 20

    Aqui estamos com o objetivo de trazer nossos melhores e reais conhecimentos raa brasileira e com ela aprender cada vez mais. Aqui estamos para servir, trabalhar entre os encarnados e os de-sencarnados. E tambm preparar os ocidentais brasileiros para reencarnar no oriente, levando a pases orientais ensinos cristos. Agora, se quiserem fazer perguntas, estejam vontade.

    - Senhor, por favor, como devo dirigir-me a sua pessoa? - indagou Marystela. - Devo me dirigir ao senhor por mestre? Pai?

    - Mestre aquele que ensina, pai o que orienta. Aqui empre-gamos muito estas duas formas de tratamento. Minha cara convi-dada, sinta-se vontade para dirigir-se a mim como quiser. Meu nome Chuan.

    - Mestre - disse Marystela sorridente -, est aqui h muito tem-po? Pretende reencarnar? Onde? No Brasil ou no Oriente?

    - Estou h bastante tempo aqui e devo ainda permanecer por muitos anos. No tenho data para reencarnar e devo retornar ao corpo fsico no Brasil.

    - Os moradores permanecem muito tempo aqui? - quis saber Laura.

    - S ficam mais tempo os orientadores. A maioria faz rodzio, ficam aqui e em Colnias no Oriente. Muitos, aps um curso, reencarnam.

    - Os construtores desta Colnia foram somente orientais? Esto ainda aqui? - indagou Ins.

    - Sim, foram os orientais que a planejaram e construram. A maioria veio somente para este evento e voltou ao Oriente. Al-guns ficaram e trs ainda esto conosco.

    - Tem dado resultado este intercmbio? - indagou Murilo. - Sim, tem dado. Embora nosso trabalho seja considerado como

    uma grande plantao que no futuro dar doces e sbios frutos.

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 21

    Como ningum indagou mais, Chuan concluiu. - Aqui temos tentado nos despir de todos os preconceitos. De-

    vemos ser todos iguais e esforar-nos para nossa melhoria. Tanto que a orientadora geral desta casa nos tem dado inmeros exem-plos de bondade e dedicao. Esta Colnia foi construda o inter-cmbio das duas raas e para tirar o melhor que h para o Bem de todos ns. Os orientais que desejam reencarnar no Brasil, aqui fazem cursos de lngua e costumes para melhor orientao. Tam-bm orientamos os brasileiros que querem reencarnar no Oriente. Nosso principal objetivo nos realizar interiormente, levar com nossos exemplos outros a faz-lo. Somos todos irmos, devemos aprender a nos amar como tais.

    - Que agradvel palestra! - exclamou Lcia. - to simples e cativante, poderia ficar a ouvi-lo por muitas horas.

    Concordamos com ela, mas nossa excurso tinha que seguir o horrio j organizado. Fomos ver outro salo, o de msica. Uma suave e delicada melodia se ouvia. Muitos dos moradores estavam desfrutando de suas horas de lazer a escutar to encantadoras melodias. uma sala diferente, agradvel, com lindos quadros na parede exaltando a msica. S se escutam canes do mundo Espiritual.

    Ao passarmos pelo ptio, vimos um grupo de encarnados en-trando no salo. Admiramo-los, surpresos. Uns estavam extasia-dos com tantas belezas, outros, talvez acostumados, estavam normalmente, uma minoria parecia um pouco alheia. O oriental que nos acompanhava esclareceu.

    - So encarnados filiados a nossa Colnia. Seus corpos psqui-cos esto dormindo. Sempre estamos recebendo grupos de encar-nados. Aqui so trazidos para receberem orientaes e incentivos.

    - Todos os filiados da Tringulo conseguem xito nas encarna-es? - indagou Murilo.

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 22

    - Gostaramos que todos fossem bem sucedidos. A luta igual para todos. Infelizmente h os que fracassam diante das dificulda-des do plano fsico.

    O silncio desta Colnia divino. No se faz barulho ao cami-nhar. Pouco se fala. Quase sempre se ouvem conversas de grupos de visitantes. Entre os moradores s se usa a telepatia, a comuni-cao pelo pensamento.

    Fomos visitar a biblioteca da Colnia. Grande, espaosa e si-lenciosa. Nada se escuta, com a nossa presena o silncio foi quebrado com algumas expresses de surpresa e com algumas perguntas. Suas estantes so trabalhadas, so do mesmo material de que construda a Tringulo. Parece cristal. So poucos os livros de literatura brasileira. A maior parte dos livros so religio-sos e de cultura geral. O restante dos livros so orientais. Alguns so traduzidos. H livros raros, uns grandes, outros em papiros. So cpias de livros que se encontram nas Colnias Orientais. Infelizmente no teramos tempo para l-los, s observamos. a biblioteca da Tringulo um lugar encantador.

    Subimos em algumas torres. So to lindas! Pudemos ampliar nossa viso, vimos a Terra de longe e de perto como se estivs-semos num avio, voando mais baixo. Para subir na torre volita-se devagar.

    Aps, fomos conhecer, ao lado direito, uma ala que se chama Lar de Repouso.

    - Aqui esto os recm-desencarnados que so filiados Col-nia do Tringulo. Onde se hospedam por determinado tempo.

    - Todos os filiados so socorridos e trazidos para c logo aps a morte do corpo? - indagou Jorge Lus.

    - No. Infelizmente s os que tm merecimento so socorridos aps a morte do corpo e recolhidos no Lar do Repouso. H os fracassados, estes tm por afinidades lugares a que fizeram jus.

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 23

    Mas todos os filiados recebem nossa ajuda. Logo que possvel estes filiados so orientados, s vezes, por certo tempo, em outras Colnias. Quando aptos, trazemo-los ao Lar. Esta parte nos faz lembrar as acomodaes das muitas Colnias de Socorro. Tudo simples e com muitas flores. Ali vimos gua. Um pequeno e encantador chafariz que, alm de embelezar, serve aos hspedes de alimento fludico. Nosso acompanhante esclareceu.

    - o nico alimento que temos na Colnia. E est aqui no Lar do Repouso porque os alojados necessitam desta nutrio. O resto dos habitantes da Colnia no faz uso d'gua, nem de plantas. Sustentam-se com o fluido vital do Criador.

    A gua igual da Colnia de Estudo. No molha, lmpida. O chafariz de cristal ou algo que se pode comparar a esta pe para os encarnados terem uma idia. verde claro, tem forma simples. Os recm-chegados gostam de sentar-se a sua volta. Um deles nos disse:

    - S de ver o chafariz sinto-me alimentado. Esta ala tem alojamentos onde os abrigados descansam. Ficamos quarenta e sete horas visitando a Colnia, ouvindo pa-

    lestras e encantamo-nos com tudo. Observamos desde o teto, suas paredes, o piso, suas flores, quadros, tudo nos maravilhava.

    S podem visitar Colnias assim espritos que esto em Col-nias de Estudo. Indivduos mais esclarecidos e totalmente edifica-dos com o mundo dos Espritos. Fora do Lar do Repouso ningum se alimenta e nem faz exerccios para se nutrir, pois isso ocorre automaticamente. No se necessita descansar. Aprendemos na Colnia de Estudo estes detalhes. Logo nos primeiros meses de estudo, nem aps as excurses no Umbral necessitvamos de descanso ou de nutrio.

    Chegou a hora de nos despedirmos. As saudaes de Paz foram mentais, olhamos sorrindo, fazendo reverncia com a cabea. Ao

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 24

    atravessarmos o porto, volitamos perto um do outro. Olhei para trs, a Tringulo realmente parece com um castelo de fadas...

    Foi maravilhosa a excurso. Quarenta e sete horas de sublime encantamento que ficaro guardadas para sempre na minha me-mria perispiritual. Alegria!

    3 - Recordando o Passado

    Frederico, meu amigo desde os primeiros tempos de desencar-nada, vinha sempre me visitar. Conversvamos tranqilos pelos jardins da Colnia de Estudo. Sabia que ramos amigos de outras encarnaes. Somos espritos afins e sempre agradvel t-lo por companhia. Meu passado, a vivncia de outras encarnaes, vi-nha-me mente, primeiro em pequenos lances, depois em pedaos maiores at formar um complicado jogo de quebra-cabeas. Numa destas conversas com ele, pedi:

    - Frederico, tenho recordado momentos de minha encarnao anterior da qual sei que voc faz parte. Gostaria de record-la toda. Voc me ajudaria?

    - Quem recorda sozinho est apto a faz-lo. O passado a ns pertence. Cada encarnao uma caixinha fechada no nosso crebro espiritual. Basta abri-la para recordar. Muitos o fazem sozinhos, sejam encarnados ou desencarnados, outros necessitam de ajuda. De fato, Patrcia, fao parte do seu passado. Vou ajudar a completar seu quebra-cabea.

    Olhou-me tranqilo, mas profundamente. As recordaes vie-ram em seqncia como num filme que passava na minha prpria mente. Vivia feliz com minha famlia numa pequena e singela cidade. Tinha por me o mesmo esprito de Anzia que minha genitora nesta. ramos pobres mas trabalhadores. Romntica, sonhava com meu prncipe encantado. Um dia, ao visitar meu

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 25

    padrinho, um senhor rico da regio, dono de propriedades, conhe-ci Frederico, um jovem mdico, muito bonito, louro com traos delicados, sorriso franco, que residia na cidade vizinha. Ele estava hospedado na casa do meu padrinho, eram conhecidos, viera para visit-los. Eu completara na poca dezesseis anos e nunca havia namorado. Quando olhei para ele, ao sermos apresentados, meu corao disparou, o amor antigo de outras existncias ressurgiu forte. Frederico tambm me amou assim que me viu. Ficamos conversando, depois ele me acompanhou at minha casa. Combi-namos encontrar-nos no dia seguinte tarde. Aps uma semana de encontros escondidos, Frederico foi minha casa e pediu permis-so ao meu pai para me namorar.

    - Voc linda, Rosela! - dizia ele, enamorado. Chamava-me Rosela na existncia anterior, Curiosamente. tinha os mesmos traos que tive nesta encarnao e que tenho agora. Era loura, alta, magra e com olhos azuis.

    Dias depois, Frederico teve que voltar a sua cidade, mas vinha sempre me ver. Apaixonados, resolvemos casar. Mas problemas surgiram, eu era pobre e ele, rico e filho nico. Seu pai era um abastado fazendeiro e no aceitou o nosso namoro.

    - Rosela - disse Frederico -, meus pais no querem que eu ca-se com voc. Desejam para mim uma jovem do nosso nvel social. Mas amo voc e insisti. Concordaram, s que exigiram que voc se afaste de sua famlia e aps nosso casamento fiquemos moran-do com eles.

    - No posso, Frederico, afastar-me da minha famlia. Eu os amo.

    - Se quisermos ser felizes, necessitaremos fazer algum sacrif-cio. Seno, nosso amor torna-se impossvel. Sou filho nico, voc tem muitos irmos, seus pais no sentiro tanta falta de voc. Diga a eles a proposta dos meus pais, sinto que entendero. Neste

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 26

    mundo, sempre temos que renunciar a alguma coisa para sermos felizes.

    - Mas esta "coisa," minha famlia - falei indignada. - Vocs podero se corresponder, trarei voc uma vez por ano

    para v-los. S que eles no podero nos visitar. O fato que amava Frederico e no queria perd-lo. Falei com

    os meus pais e eles, embora tristes, concordaram. Fui conhecer os pais de Frederico. Eles no gostaram de mim nem eu deles, mas tudo fiz para agrad-los. Os pais de Frederico eram instrudos, ricos, moravam numa manso enorme que at me assustou. Ama-vam demasiadamente o filho e no sabiam negar nada a ele, por isso concordaram com nosso casamento. Casamos na capela da casa deles, numa cerimnia simples que no foi assistida por nenhum dos meus familiares. Frederico e eu estvamos felizes, estvamos juntos, era tudo o que queramos. Estava bonita, no dia do nosso casamento, vesti uma roupa que minha sogra mandou fazer para mim.

    Tivemos por dormitrio um belssimo quarto, era o lugar da casa onde me sentia vontade. Sentia-me encabulada perto dos meus sogros, at dos empregados, era para todos uma estranha que ali estava para educar-se. Tudo fiz para conquist-los, eles apenas me toleravam. Perto de Frederico eles ainda eram educa-dos, longe do meu marido eram irnicos e estavam sempre me criticando, lembrando da minha condio social inferior.

    Isolava-me cada vez mais em nosso quarto. Para no ficar so-zinha e sem fazer nada, passei a ajudar Frederico como enfermei-ra. Aprendi rpido e tornei-me uma boa ajudante. Animei-me mais com o tempo preenchido. Gostava de ajud-lo. Frederico era bom mdico, estudara Medicina na Frana, era atencioso e cari-nhoso com todos. Sempre me tratou com carinho. s vezes, cha-teava-se com a indiferena dos pais para comigo, mas acreditava que acabariam por me aceitar, to logo tivssemos filhos.

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 27

    Durante o tempo que estive casada s vi meus familiares duas vezes em visitas rpidas, mas nos correspondamos regularmente.

    Dois anos aps meu casamento, minha sogra desencarnou. Pensei que minha vida fosse melhorar, porque era ela quem mais me ofendia e tinha cimes de mim, mas no. Meu sogro, Sr. Nic-sio, queria netos. E comeou a nos cobrar diariamente. ele queria a continuao da famlia, queria herdeiros. Porque, se Frederico no tivesse filhos, a fortuna iria para parentes indesejveis. Frede-rico e eu tambm queramos filhos. A cobrana era tanta que esta desesperada e no conseguia engravidar.

    Ajudando Frederico, vi o quanto ele era bom, caridoso; cuidava dos pobres e ex-escravos sem cobrar e at lhes dava remdios e alimentos. Amava-o muito, mas no era feliz. Sentia falta de minha famlia, de minha casa, no me sentia bem naquela enorme manso. Tinha um medo terrvel de no engravidar e, tambm, porque Frederico era muito ciumento no gostava que eu conver-sasse com ningum.

    Aps quase quatro anos que estvamos casados, ia completar vinte e dois anos, fatos novos aconteceram. Vieram nos visitar e conosco ficaram hospedados os padrinhos de Frederico, com um casal de filhos. A filha mais velha, Hortncia, era uma moa muito educada, instruda e muito bonita. Logo que chegaram, o casal ficou doente. No comeo parecia uma gripe forte. Porm, Frederico constatou apavorado que era crupe. A difteria no tinha cura naquela poca e quase sempre levava morte. Frederico isolou-os numa parte da casa e exigiu que eu e sua ama Maria fssemos cuidar deles. Maria era uma preta, ex-escrava que sem-pre cuidou dele, os dois eram muito amigos. Eu no quis ir, Fre-derico insistiu, eram os doentes nossos hspedes e seus padrinhos. Era a pessoa indicada, j que aprendera muito trabalhando com ele. Meu sogro intrometeu-se na conversa e disse com ironia:

    - Voc no serve nem para me dar netos, v se faz algo til.

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 28

    Fui, contrariada. Maria e eu tomamos todas as precaues de-vidas para no contrair a doena. O filho, um menino de dezesseis anos, tambm ficou doente. Depois de alguns dias enfermo, o casal acabou morrendo. Hortncia estava triste e Frederico dava muita ateno a ela, fiquei com cimes. Estava cuidando do mo-cinho, quando senti, apavorada, os sintomas da doena. Adoeci. Maria cuidava com o carinho de sempre de mim e do menino. Frederico vinha me ver vrias vezes ao dia, sempre preocupado. Meu sogro no me visitou. As vezes, Hortncia vinha ver o irmo. Estava triste, chorosa e Frederico a consolava. Odiei-a. Ela sim, pensava, era a nora desejada, a esposa que um mdico merecia. Achei que Frederico se arrependera de ter casado comigo, manda-ra cuidar dos doentes para que adoecesse e ficasse livre. Estava magoada com meu esposo, culpava-o por ter adoecido. Senti muitas dores fsicas, mas a dor moral e a raiva eram maiores. Sentia-me desprezada e sozinha. Desencarnei com muita agonia, com dio de Hortncia e de Frederico.

    Fui atrada para o Umbral por vibrar igual. Estava revoltada por ter desencarnado jovem, no lembrei de Deus, nem de orar. Durante muitos anos vaguei com rancor pelo Umbral. At que um dia um homem me falou:

    - Voc no Rosela, a nora do Nicsio, aquele carrasco? - Sou. - Por que est aqui? Gostava do seu sogro? - No. - Voc no quer ir a sua casa terrestre? As coisas mudaram por

    l. - Posso ir para casa? No sei como. - Levo voc, mas se prometer ajudar a nos vingarmos de Nic-

    sio.

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 29

    - Prometo. Assim, fui levada por ele a minha antiga casa. Quando vagava

    perdi a noo do tempo, s vezes achava que fazia muito tempo, outras, meses somente. horrvel vagar pelo Umbral. Tive uma grande surpresa ao ver minha ex-famlia. Frederico estava casado com Hortncia e tinham trs filhos, o mais velho, um menino de nove anos chamado Nicsio, igual ao av, e duas meninas de sete e cinco anos. Pareciam todos muito felizes. Frederico e meu ex-sogro adoravam o pequeno Nicsio. Odiei a todos.

    - Ento foi mesmo para que morresse que mandou que cuidasse dos doentes! - queixei-me rancorosa. - Queria casar com Hortn-cia e ter filhos.

    Os outros espritos que ali estavam, oito, queriam vingar-se do meu ex-sogro. Este no foi boa pessoa, fez muitas maldades que Frederico desconhecia. Incentivada por eles, resolvi vingar-me. Escolhi o filho de Frederico para obsediar, este era sensvel, um mdium. Escolhi porque achei que, fazendo o menino sofrer, meu ex-sogro, Frederico e Hortncia sofreriam juntos. Tinha razo.

    Comecei logo a executar meu plano de vingana. Colei-me a ele. Logo o pequeno Nicsio foi prostrando, adoentou. Frederico preocupado no achava a causa de sua fraqueza. O menino foi piorando. Levaram-no a outros mdicos, a cidades maiores, tomou muitos remdios e piorava sempre. Por dois anos ali fiquei sem me afastar um segundo. Trocando energias com o garoto, sentia-me melhor e mais animada. Tinha o objetivo de me vingar e era incentivada e aplaudida pelos outros, que tanto como eu queriam a infelicidade dos moradores da casa, principalmente do Sr. Nic-sio.

    Para aumentar minha revolta, narraram com detalhes as infeli-cidades que padeceram por causa do av do menino. Ali estavam somente alguns a quem ele havia feito terrveis maldades, muitos o perdoaram. Eram ex-escravos, colonos, pequenos proprietrios

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 30

    de terra, at uma mulher que foi seduzida e abandonada por ele. Nossa permanncia tornou-se fcil porque naquele lar no havia religio, no se costumava orar, se oraes eram feitas, eram decoradas sem serem sentidas.

    Ria, ramos com a preocupao de Hortncia, com a tristeza de Frederico e com o desespero do meu ex-sogro que tanto me havia desprezado. Tudo me parecia normal, quando o pequeno Nicsio contraiu crupe. Assustei. Tinha verdadeiro horror a esta doena. Vi desesperada Frederico angustiado examinar o filho e dizer:

    -No, de novo! Crupe, doena ingrata que leva meus afetos. Primeiro a esposa adorada, agora meu filho!

    Sa de perto do garoto, mas no da casa. Apavorei-me pela primeira vez, raciocinei sobre o mal que estava fazendo. Fiquei arrependida. Pedi auxlio aos espritos que ali estavam. Queria curar o menino. No queria sua morte e nem a de ningum.

    - Ajudem-me, por favor! No podem deixar que ele morra! Pi-edade! - exclamei a chorar.

    - Ora, que pensa voc que somos? - disse-me um deles. - S Deus pode fazer o que nos pede. Voc pensa que o matou? No nada para isto. Todos morrem porque tm que morrer.

    S Deus - pensei. S Deus para ajudar Mas como ach-lo? Como pedir a Ele?

    O menino piorou e desencarnou tranqilo. Estranhei, porque ele no ficou ali. Vimos, os espritos obsessores e eu, uma luz maravilhosa lev-lo. que foi socorrido ao desencarnar.

    Sofri muito. Sa daquela casa, retornei ao Umbral. Gritava sem parar: "Sou assassina! Sou assassina!" Como me arrependi de ter retornado quela casa. Fiz sofrer um inocente e ele desencarnou. Pensava nisto o tempo inteiro. Como sofri. O remorso como um fogo que queima sem descanso. Andava de um lugar a outro no

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 31

    Umbral sem descanso, chorando desesperada e repetindo: Sou assassina!

    Como compreendo agora os que sofrem e vagam pelo Umbral. Sofre-se tanto que no posso comparar com nenhum sofrimento que se tem quando encarnado. Naquele tempo, quando vagava, no lembrava de Deus, no queria, sentia imensa vergonha. Acha-va que era indigna at de pronunciar Seu nome. Encontramos quase sempre dois tipos de sofredores no Umbral. Um, como fiquei, com remorsos destrutivos, achando-me indigna, merecedo-ra de castigo e envergonhada. Outros que se revoltam, acham que no merecem o castigo, blasfemam e odeiam. Todos so infelizes e carentes de auxlio. Os que sofrem, mas lembram de Deus, pedem perdo, estes so mais fceis de serem socorridos.

    Um dia, quando andava desolada, escutei: - Senhora, por favor! H muito no escutava algum se referir a mim em termos to

    suaves e educados. Virei e observei. Vi uma suave luz, prestei mais ateno, vi um vulto, sem distinguir quem era.

    - Quero conversar com a senhora, venha aqui, por favor, perto de mim.

    Fui, sentamos numa pedra. Parei de gritar, aquiesci como por encanto. que naquele momento sentia os fluidos de harmonia que me doava o visitante. Conversei em tom normal e indaguei.

    - Conhece-me? - A senhora no quer falar um pouco de si? Por que est to

    triste? - No sei se devo... No estou triste, estou desesperada, Sofro

    tanto! Ele pegou a minha mo. Pela primeira vez desde que desencar-

    nei senti um pouco de paz.

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 32

    - Fale-me da senhora. Que lhe aflige? Comecei a falar, como o vulto parecia interessado narrei toda

    minha vida. Chorava s vezes, mas meu choro desta vez era calmo e sofrido. Por momentos, o vulto passou a mo, com imenso carinho, na minha cabea. Percebi que o vulto era de pequena estatura. Uma criana talvez. No omiti nada, falar tudo me deu um certo alivio. Quando acabei, ele me disse:

    - Por que se atormenta assim? Sabe que no possvel um de-sencarnado matar um encarnado. Voc o obsediou, mas foi porque ele aceitou. Teria o pequeno Nicsio como lio passar por tudo isto. Por que voc no pede perdo a Deus e a ele? Tenho certeza de que, se for sincera, ambos a perdoaro.

    - Tenho vergonha. Como posso pedir perdo a Deus to bom e justo pelo meu crime to feio? E Nicsio, como ach-lo? No me perdoaria.

    - Perdoaria sim. - Como sabe? - Porque eu sou o Nicsio. Foi ento que o vi. O pequeno Nicsio lindo, risonho e tranqi-

    lo. Olhava-me sereno. Quis fugir, mas ele segurou forte minha mo.

    - No fuja! Fique comigo. Quero tanto continuar conversando com a senhora.

    - Tenho vergonha. Fez-se um silncio. Abaixei a cabea, mas fui olhando devagar

    para ele. Continuava a me olhar sorrindo. - No est com dio de mim? - atrevi-me a perguntar. - No. No tenho dio, prefiro cultivar o amor. bem melhor.

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 33

    - , deve ser - disse com voz baixa. E pensei: "Enquanto eu o-diava e sofria, ele amava e era feliz".

    - Por que no perdoa a si mesma? Voc no faria nada do que fez de novo, no ?

    - No! No faria! - comecei a chorar. Nicsio esperou que me acalmasse para depois dizer: - Voc foi imprudente, mas no foi m. Nada tenho contra vo-

    c. Quero ajud-la. - No mereo ajuda, sim, sofrer. - J sofreu e muito. Permite que eu a abrace? Ele me abraou com carinho. Senti seu fluido. Ajoelhei a seus

    ps. - Nicsio, pelo amor de Deus, me perdoe! - Perdo-a! Venha comigo. Levantou-me com carinho. Segui-o de mos dadas. Levou-me

    a um Posto de Socorro. Como me senti bem neste local de auxlio. Grata, era obediente, no gritei mais, s chorava de arrependimen-to. Nicsio vinha me ver sempre, seu afeto sincero e sua bondade me ajudaram muito. Logo melhorei. Quando tive alta do Posto de Socorro, fui para uma Colnia aprender e trabalhar. Um dia, Nicsio me levou ao meu antigo lar. L nos esperava Hortncia que tambm havia desencarnado dois anos aps o filho. Ao v-la envergonhei-me. Como triste ter de enfrentar os que prejudica-mos. Mas ela me abraou com tanto carinho que logo me senti vontade. Sentamos na varanda para conversar.

    - Rosela, seu dio, seu rancor no teve razo de ser, se tivesse procurado entender, compreender, tudo teria sido mais fcil a voc. Frederico sempre a amou. O remorso muito o tem castigado. No fez por mal ou com inteno de prejudic-la. Pensava que voc com os conhecimentos de enfermeira e sendo to forte no

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 34

    adoeceria. Sofreu tanto com seu desencarne! Tempos depois casamos por convenincia. Fomos, somos somente amigos. Sem-pre fui apaixonada por outro homem. Adolescente, apaixonei-me por um moo pobre, e nos encontrvamos escondidos. Meu pai, ao saber, mandou mat-lo. Sofri muito. Quando meus pais e meu irmo desencarnaram fiquei sozinha. Frederico e eu nos consol-vamos mutuamente.

    Casamos para ter filhos. Tivemos uma vida tranqila e falavam sempre dos nossos amores. Mas, Rosela, sofri muito com tudo por todos.

    Chorei baixinho. Agora no estava perturbada, mas o remorso no me abandonou. Vi o tanto que fui imprudente. Hortncia sofreu tanto e eu agravei seu sofrimento obsediando o filho.

    - Perdoe-me, Hortncia. Ela me abraou carinhosamente. Rever Frederico me emocionou muito. Entendi que ele sempre

    me amou. Estava vivo por duas vezes e no pensava em casar novamente, de fato no o fez. Amava e dedicava-se cada vez mais Medicina. O poro da casa era um pequeno hospital cheio de doentes pobres. O Sr. Nicsio estava louco com a morte do neto que adorava, e os obsessores puderam atorment-lo. Quis ajud-lo Incentivada por Hortncia e o menino Nicsio, me fiz visvel a eles aos obsessores, pedi, implorei que o perdoassem e viessem conosco Falei a eles o que ocorrera comigo e o tanto que era bom estar em paz, das belezas dos Postos de Auxlio. Deram-me aten-o, senti que se interessavam, alguns vieram, outros no. Muitas vezes fui at eles e tentei ajud-los como tambm auxiliar o meu ex-sogro. pouco que fiz me deixou contente. Aps muitas conver-sas, todos os obsessores vieram conosco. Mas o Sr. Nicsio tinha uma dolorosa colheita, plantou muitos males. Quando desencar-nou, o neto pde socorr-lo. Demorou para se recuperar.

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 35

    - Sabe, Rosela - disse uma vez o pequeno Nicsio. - Se voc me obsediou foi porque eu aceitei. Por erro do passado, tinha como colheita uma lio dolorosa. Por escolha minha, iria adoecer e desencarnar jovem. Como obsediei desencarnado, queria passar por uma obsesso para dar valor tranqilidade alheia. Se no fosse voc, iria ser um dos obsessores do meu av a me obsediar. Aprendi muito nesta curta existncia. Agora estou feliz. Como bom estar quites conosco mesmo, com nossa conscincia.

    Frederico dedicou toda sua vida Medicina e s duas filhas. Desencarnou velho.

    O tempo passou. Sentia vontade de reencarnar, estando apta, pedi a reencarnao como bno para esquecer e para ter um recomeo. Minha me, reencarnada, ia engravidar. O Plano Espi-ritual provocou um encontro entre ns duas. Pedi a ela que me aceitasse por filha, falei que por aprendizagem ia desencarnar jovem. Minha me aceitou, amava-me, ama-me.

    Pela programao que escolhi, ia passar o que o pequeno Nic-sio passou. Reencarnaria num lar feliz, adolescente ia ficar doen-te, ia passar de mdico em mdico, sofreria uma doena incurvel e desencarnaria. Antes mesmo de Frederico desencarnar, reencar-nei. Hortncia e o pequeno Nicsio haviam reencarnado. Mas no ia encontr-los, amos reencarnar em locais diferentes.

    As lembranas findaram. Sequei as lgrimas do rosto, recorda-es sempre nos so penosas. Porm elas me deram um alvio. Agora sabia de tudo. Olhei para Frederico que estava quieto, acompanhando minhas lembranas. Olhou-me sorrindo e conclu-iu:

    - Patrcia, depois que voc desencarnou, vivi de lembranas. Casei com Hortncia, porque queria dar continuao famlia, sempre fomos amigos. Minha encarnao tambm no foi fcil. Cuidei de minhas filhas, elas foram felizes, casaram-se e sempre estiveram comigo. Trabalhei muito e fui bom mdico. Quando

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 36

    desencarnei, fui socorrido e logo estava bem. Nunca deixei de estar com voc.

    - Frederico, no ia ficar doente? Desencarnei com sade. - Patrcia, doenas so miasmas negativos que so queimados

    pela dor ou pela bondade, pela sinceridade, pela transformao interior para melhor. Voc queimou estes miasmas pela segunda opo. Voc se transformou interiormente para melhor. E seu corpo no adoeceu.

    - Frederico, quando pequena tive difteria. Sarei, a doena no teve conseqncias.

    - Voc trouxe pelo remorso os miasmas da doena no perispri-to que transmitiu ao corpo.

    - Remorso por ter o pequeno Nicsio desencarnado com esta doena. Tambm porque, quando a tive, no aceitei, sinto que necessitava desencarnar daquela forma. Sofri com a doena, mas a no aceitao no deixou que queimasse todos os miasmas que trazia comigo.

    - Voc, na encarnao anterior, como Rosela, ia desencarnar jovem, amo-nos separar para um aprendizado necessrio pelos erros cometidos anteriormente.

    - J estivemos juntos mais vezes? - Sim. Naquele momento saber desta me bastava. Meditei sobre tudo

    e indaguei a Frederico, tirando a ltima dvida. - No fiquei doente, no poderia tambm ter ficado encarnada

    por mais tempo? - Voc no quis. Quem vai Terra pela encarnao e volta no

    tempo certo, pode se dar por feliz. O corpo lhe era uma priso que voc abenoou e deu o devido valor. Com o tempo vencido era justa sua absolvio.

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 37

    Frederico me deixou no meu gabinete. Pensei muito em tudo que recordei e desejei ver o pequeno Nicsio. Na primeira oportu-nidade, pedi a Frederico, que me atendeu. Marcamos dia e hora para que pudesse rev-lo. No dia marcado, voltamos para a Terra. Descemos numa cidade do interior muito singela e agradvel. Entramos numa bonita e confortvel casa.

    - Aqui est Hortncia - disse Frederico. - Est casada com seu eterno apaixonado, o rapaz que o pai mandou matar no passado. Nossa Hortncia, que atualmente tem outro nome, est feliz e tem por irmo o pequeno Nicsio que agora se chama Nelson. Venha, vamos v-lo.

    Para minha surpresa, entramos num simples mas agradvel Centro Esprita. Reconheci logo que o vi. um homem, jovem ainda, muito bonito, fisionomia tranqila. Estava orando concen-trado. Aproximei-me dele, ajoelhei ao seu lado e beijei-lhe as mos. Frederico segurou minha mo e me levantou.

    - Vamos assistir sesso. Fiquemos aqui. Nelson agora ir tra-balhar. um mdico de profisso e dentro do Espiritismo um mdium ativo.

    Envergonhei-me do meu rompante. Fiquei quieta no lugar indi-cado. A reunio da noite foi muito bonita e proveitosa. No final, Frederico incorporou ajudando, aconselhando os encarnados presentes.

    Nelson emocionou-se. Amava aquele esprito, um mdico chamado Frederico que ia regularmente ao Centro Esprita ajudar a todos. No me atrevi mais a me aproximar de Nelson. Quando terminou, Frederico foi abraado e cumprimentado pelo pessoal desencarnado da casa. Logo em seguida, convidou-me a partir.

    - Frederico - disse -, como gostaria de ajudar Nelson. Como queria retribuir o que ele fez por mim.

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 38

    - Patrcia, Nelson no necessita desta ajuda paternalista que voc almeja lhe dar. Ele esprito que cresce e progride. Depois, Patrcia, quem perdoou no carente de ajuda. Voc poderia, por sentir-se devedora, o que no tem razo de ser, querer fazer o que compete a ele fazer. Nelson bom. correto, luta e cresce, talvez porque os problemas que aparecem sejam por ele mesmo solucio-nados. Poder, sim, seguir o exemplo que ele lhe deu e fazer o bem para aos que carecem de ajuda. Nem sempre possvel retri-buirmos o bem recebido ao nosso benfeitor. Mas, como a ns foi feito, devemos fazer a outros. Compreendi.

    Minha gratido pelo pequeno Nicsio, por Nelson, grande. Aprendi a reverter minha gratido em vibraes carinhosas que remeto a ele todos os dias. Com Nelson aprendi que sempre de-vemos fazer o Bem, mesmo para aqueles que nos fizeram mal. Porque o bem realizado a ns mesmos retorna, nos tornando auto-suficientes e fazendo-nos teis cada vez mais. O passado est em ns e no podemos mud-lo um pingo que seja. Mas podemos, sim, tirar lies para o futuro e entender o presente. As recorda-es fizeram com que eu ficasse mais grata e entendesse os que sofrem, principalmente os que vagam pelo Umbral, os que se consomem pelo remorso. Motivaram-me a ser melhor no futuro. Do passado, devemos tirar s lies que nos ajudaro a progredir sempre.

    4 - A Casa do Escritor

    Que prazer nos proporciona fazer algum trabalho sem estarmos esperando ou condicionados a um pagamento, ou agradecimento de outras pessoas. At ento, desde o meu desencarne recebera incessantemente amor, carinho, conhecimentos e uma oportunida-de atrs da outra.

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 39

    Sempre que terminava um curso, meus fraternos amigos j providenciavam outro. Sentia-me feliz e desejosa de transmitir esta felicidade a outras pessoas, de gritar ao mundo tudo o que eu sabia e vivia, sonhando com a hiptese de que todos iriam aceitar o que dizia, comungando comigo toda alegria e felicidade de que era portadora.

    O curso na Colnia Casa do Saber terminou com o mesmo cli-ma de alegria e harmonia que houve em seu decorrer. Cada um de ns, agora, deveria fazer uma atividade diferente, muitos iam ser instrutores nas Colnias de Socorro. Congratulamo-nos uns com os outros, felizes por termos realizado mais uma etapa da nossa vivncia espiritual.

    Particularmente, estava radiante. A Casa do Saber estaria sem-pre nas minhas recordaes e voltaria sempre l para rever os professores e a Colnia1. Estvamos sempre reencontrando os amigos. Os mais chegados trocavam informaes de onde estari-am para se reencontrarem.

    Numa cerimnia simples, mas agradvel, ns nos despedimos. Fui visitar a Colnia So Sebastio e fiquei na casa da vov. Revi meus amigos. Como gostoso estar com os que amamos, trocar idias e informaes. Pude estar perto das minhas violetas que continuavam lindas e floridas. Sempre sinto muita Paz ao estar com elas. So um pedacinho de minha me perto de mim. Apro-veitei os dias livres que tive para tambm rever amigos e familia-res encarnados.

    Logo ia comear uma nova atividade, recordei uma conversa agradvel que tive anteriormente com meu amigo Antnio Carlos.

    1 N.A.E. - Denominamos Colnias de Estudo aquelas onde h somente escolas. Colnias de Socorro so aquelas onde h tambm os hospitais e onde so internos os recm-socorridos, como a Colnia So Sebastio que j descrevi em livros anteriores e a to conhecida Colnia Nosso Lar.

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 40

    Ele estava sempre me incentivando para que me dedicasse Lite-ratura.

    - Patrcia, escreva aos encarnados suas experincias - dizia en-tusiasmado. - Aprender muito com este trabalho. Com sua narra-o, brindar os encarnados que gostam da leitura edificante, contando o que a vivncia no mundo dos Espritos para uma pessoa que, encarnada, foi Esprita fervorosa e praticante. Dar, com seu exemplo, incentivo aos bons Espritos. Os encarregados na espiritualidade da divulgao da Doutrina Esprita almejam mandar para os encarnados relatos de um desencarnado que teve conhecimentos do Espiritismo, quando no corpo fsico. Mostrar nestes escritos como fcil a desencarnao e a adaptao dos que retornam Ptria Espiritual com conhecimentos verdadeiros e isentos de erros. Os bons espritas esto necessitados de motiva-o e da confirmao do ensinamento que est no Evangelho Segundo o Espiritismo, no captulo XVIII - "Aos espritas, portan-to, muito ser pedido, porque muito recebem, mas tambm aos que souberam aproveitar os ensinamentos, muito lhes ser dado".

    - Bem, se voc acha realmente que devo tentar, necessito a-prender, porque sei que no basta boa vontade para fazer algo bem feito.

    - Tem razo. Necessita aprender, estudar para realizar este tra-balho. No se deve fazer sem este preparo, nem sem autorizao dos espritos encarregados deste setor. Treino j tem. Ao ditar mensagens aos seus pais, neste tempo, treinou. Este treino para o melhor entrosamento entre o mdium e o desencarnado que ir escrever ou ditar.

    - Todos que ditam livros pela psicografia fazem este estudo? - Deveria ser assim. Quando o desencarnado quer, realmente,

    ele faz sem o visto do pessoal encarregado do bom desenvolvi-mento literrio.

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 41

    - Os que querem se exercitar com a psicografia tm muito tra-balho?

    - Patrcia, no se faz nada bem feito sem esforo, trabalho e perseverana de ambas as partes, a encarnada e a desencarnada. Veja o exemplo de sua tia Vera, estudou muito a Doutrina, treinou nove anos para escrever o primeiro livro. Enquanto ela se prepa-rava, eu tambm me preparei, estudei, fiz e fao parte desta equi-pe literria. Tudo que escrevo passado pela censura desta casa, para depois ditar mdium. Este ditado feito no mnimo trs vezes, para que aps seja editado aos encarnados. Todos os que querem fazer um trabalho edificante, de boa vontade, espontane-amente, se submetem apreciao desta equipe.

    - So muitas as casas, Colnias, que se dedicam a este traba-lho?

    - Muito se trabalha para ter uma Colnia deste tipo no espao espiritual de cada pas. Temos uma que coordena o trabalho de todas que se chama "Manso dos Intelectuais", da qual faz parte Allan Kardec. Esta manso lindssima mvel como todas as outras que seguem sua orientao. J tivemos oportunidade de t-la muitas vezes no espao brasileiro. Muitos bons escritores brasi-leiros trabalham nela. O objetivo principal incentivar os que queiram fazer a Literatura que educa na boa moral e motivar todos a apreci-la. Todos ns vibramos com as boas obras edita-das. Aqui no Brasil temos A Casa do escritor.

    - A Casa do escritor?! Que bonito nome! - Voc ir gostar dela. L estudar por dois anos. Dedicar-se-

    ao estudo de como escrever, o que escrever e para quem escrever. - Esta casa dedicada s aos escritores? - Apesar de se chamar assim, dedica-se a toda boa literatura.

    Quando foi criada, seu objetivo maior era formar bons escritores em cursos que existem at hoje. Seus trabalhos foram aumentan-

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 42

    do. Atualmente d assistncia aos seus pupilos, quando encarna-dos. Orienta todos que querem educar, instruir, informar sobre o cristianismo e sobre a boa moral. D assistncia s editoras que trabalham com bons livros e estende esta ajuda a todos que se dedicam a divulgar e vender estes livros.

    - Certamente os livros Espritas fazem parte da assistncia des-ta casa?

    - Com carinho primordial. Desde que o Espiritismo surgiu, tm seus livros educado, fazendo progredir inmeras pessoas. Trata-mos, na Casa do escritor, com toda ateno que merece a Literatu-ra Esprita e todos os que trabalham com ela.

    Desde que tivemos esta conversa, ansiava por conhecer esta Colnia que cuida com tanto amor da Literatura Esprita que sempre amei. No tomei a deciso de ditar aos encarnados sem antes pensar e ouvir amigos. Fui incentivada por todos eles. Ma-triculei-me no curso. No foi preciso ir Colnia para isto. Da Casa do Saber mandei, por um aparelho, parecido com um fax dos encarnados, meu histrico e pedido de matrcula. A resposta me aceitando veio de imediato. Era s aguardar o incio. Tudo que se marca data chega. Antnio Carlos fez questo de me acompanhar. Convite que aceitei prazerosa. Contente, fui conhecer a to falada Colnia.

    A Casa do escritor no tem sistema de defesa. Parece estar flu-tuando no espao. Que viso maravilhosa v-la cercada de rvo-res e flores.

    - A Casa no atacada? - indaguei curiosa. - Muito raramente. Quando sentida a aproximao de irmos

    ignorantes que vm com inteno de atacar e perturbar, alguns moradores saem para o ptio e enviam ondas mentais que neutra-lizam tanto os atacantes como as suas armas. Isto possvel por-que na casa esto somente espritos equilibrados e harmoniosos.

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 43

    - Que linda! - exclamei, ao descermos no seu ptio da frente. Olhando-a pareceu uma imensa manso, onde a tranqilidade se faz presente. Observei-a por um tempo me extasiando com tanta Paz. Suspirei feliz.

    Toda a Casa est rodeada de ptios com muitos canteiros flori-dos e pequenas rvores, iguais s que vemos na Terra. Tudo me encanta de um modo particular. rvores e flores so sadias, bem cuidadas, so respeitadas. Na Casa do escritor predominam as flores brancas. Como gostoso olhar um canteiro florido, sentir a energia das flores. Observava suas formas, sentia o seu perfume.

    Quem gosta da natureza, fica deslumbrado com os jardins do Mundo Espiritual. Quem ama o local, sente o quanto ele belo. s observar e achar as belezas, o encanto das coisas simples. A manso de uma beleza nica, apesar da sua simplicidade. A sua viso nos induz comunho de conhecimentos, trazendo-nos lembranas das edificaes da Grcia antiga. A construo bege clara, com inmeras colunas brancas de uns vinte centmetros de dimetro. As colunas esto ao redor da construo toda, dando um encanto especial Colnia. O telhado um tringulo vermelho, lembrando realmente as casas bem cuidadas e bonitas na Terra. Do ptio, sobe-se trs degraus at a rea com as colunas. Esta rea tem dois metros e meio de largura, aps, as paredes. Subi os degraus e no resisti: abracei uma coluna.

    - Que lugar de encantos mil! - exclamei. - De fato cativante - disse meu acompanhante. - Identifico-

    me plenamente com esta casa. - Que desenhos magnficos! Corri at as paredes para observar melhor. Nelas, desenhadas

    em relevo, mas da mesma cor, gravuras que mostram trechos da literatura antiga. So quadros fascinantes que se pode passar horas contemplando. Os mais interessantes para mim so os desenhos

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 44

    sobre a Bblia, em especial os de Moiss escrevendo parte do Antigo Testamento. O piso nesta rea entre as colunas e as pare-des de um vermelho clarinho, brilhante e tambm contm gravu-ras maravilhosas da histria antiga. Como agradvel observar quadro por quadro, analisando seus detalhes perfeitos.

    - Aqui estamos - disse Antnio Carlos, sorridente. - No seu no-vo lar.

    - Mora aqui tambm? - Sim, tenho minha sala onde escrevo. Amo a Literatura Espri-

    ta e esforo-me para participar de sua divulgao. Gosto de modo especial das reunies que a Casa promove.

    Olhando de frente, vemos vrias portas. Algumas estavam a-bertas.

    - Estamos sendo aguardados nesta sala - disse meu amigo, des-pertando-me do xtase da contemplao da casa.

    Caminhamos para uma das portas abertas. Entramos. Defron-tei-me com uma sala agradvel, no muito grande, enfeitada com quadros e vasos de flores. Os quadros no Mundo Espiritual so realmente lindos, pinturas de artistas que se pode ficar horas contemplando. Na Casa do escritor h quadros exaltando a leitura e a escrita. Obras de arte encantadoras. As janelas so delicadas e redondas, algumas, com vidros coloridos e claros, esto do lado contrrio ao da porta. Na sala havia algumas poltronas confort-veis.

    Um grupo animado conversava em p. Antnio Carlos conhe-cia algumas pessoas presentes, porque assim que entramos foram cumpriment-lo e tambm a mim. Sentia-me vontade e logo estava conversando.

    Com a chegada de todos, comeou a palestra. Havia na sala trinta pessoas. Fomos convidados a sentar.

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 45

    - Atualmente, sou diretor desta casa. Digo atualmente porque, aps um acordo entre todos os moradores, fazemos rodzio no cargo de orientao. Sejam bem-vindos! Aqui estamos reunidos, professores, alguns convidados e os candidatos aos dois cursos que logo iniciaro. O primeiro para os que desejam ditar a en-carnados, por meio da psicografia. Como tambm h os que dese-jam inspirar, sem serem notados, os encarnados nos seus trabalhos escritos. O segundo curso para os que querem preparar-se e estudar para encarnar e, quando encarnados, dedicarem-se litera-tura edificante. Espero que gostem tanto da nossa casa como dos cursos escolhidos. E sintam aqui como se fosse o prprio lar. Aqui esto os professores do primeiro curso, professor Aureliano e professora Maria Adlia.

    Que simpticos eram meus professores, gostei muito deles, Aps apresentou os professores do segundo curso. Pediu que cada um de ns se apresentasse. Fiz com alegria. ramos oito a fazer o primeiro curso. Este s inicia quando termina o outro. Assim, s de dois em dois anos tem incio. Sabemos tambm que nem todos os que concluem o curso tm oportunidade de ditar a um mdium. Alguns o fazem mais para ter experincias, por gostar, ou at mesmo se preparando para serem mdiuns psicgrafos, ao encar-narem.

    Depois de o diretor ter falado sobre algumas normas da casa, ele pediu a um dos professores que fizesse uma orao. As ora-es espontneas feitas por aqui so simples, normalmente curtas, mas sinceras e comoventes.

    Numa atitude de espontnea fraternidade, fomos convidados a conhecer a Colnia. A Casa do escritor considerada uma Col-nia pequena. As portas que do acesso manso nos levam aos sales, menos a do meio que leva ao interior da casa. As salas so todas parecidas, muito agradveis, enfeitadas com lindos quadros e flores brancas. Duas destas salas se destacam pelo seu tamanho.

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 46

    - Estas salas so para palestras, encontros que a casa promove com todos os seus filiados encarnados e desencarnados disse o diretor.

    - Pelo nmero de salas deve haver muitas reunies - comentou um dos alunos.

    - Tem razo. Estamos sempre trocando idias, promovendo e-ventos, organizando tarefas. Reunimo-nos com grande fraternida-de em conversas edificantes.

    Adentramos um amplo corredor que nos levaria ao interior da Colnia, ultrapassando as salas, e defrontamos com um agradvel e delicado ptio para onde as janelas dos sales do acesso. Os ptios se assemelham, todos tm muitos encantos. Seguimos pela galeria. Para melhor memorizao do leitor, diramos que as salas de aula, a biblioteca e a sala de vdeos esto localizadas na segun-da ala.

    Aps as salas, deparamos com um novo ptio, semelhante ao segundo que vimos.

    - Nesta parte, esto as salas particulares. Todos ns, moradores da casa, professores, alunos e filiados desencarnados, temos um lugar particular, um cantinho s para ns - explicou bem-humorado o diretor.

    Tanto a ala direita como a esquerda so providas de corredores os quais do acesso s portas numeradas de ambos os lados. Aps estas salinhas h outro ptio e o trmino da Colnia. Ela toda cercada com colunas brancas e suas paredes so desenhadas. De qualquer ngulo que a observamos, vemos o telhado em tringulo.

    - Agora, os alunos iro receber um caderno de orientao, no qual est anotado o nmero da sala de aula e tambm o da sua sala particular. Estejam vontade para conhecer o que quiserem. As aulas s tero incio dentro de cinco horas - falou, sorrindo, o

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 47

    diretor, que entregou a cada um dos alunos uma caderneta com o nome gravado na capa.

    O diretor despediu-se de todos com um sorriso cativante. Antnio Carlos aproximou-se de mim. - Patrcia, quero lhe mostrar minha sala. Enquanto caminhvamos pelo corredor, perguntei ao meu ami-

    go: - Antnio Carlos, aqui terei muitas horas livres. Que poderei

    fazer para preench-las? - Esta casa segue o horrio da Terra. Aqui os moradores no

    dormem nem se alimentam. Ningum fica sem fazer nada. Aqui muito movimentado. A casa recebe muitas visitas, h muitas palestras das quais poder participar, com isto aprender muito. Esto sempre organizando grupos de auxlio a encarnados filia-dos. Tambm poder freqentar a biblioteca, poder ir mais vezes Terra, e em outras Colnias, alm da Colnia So Sebastio. Ter muito o que fazer. Entre, por favor, aqui minha sala. Para este espao particular no plano espiritual damos muitos nomes. Quartos, nas Colnias de Socorro, porque muitos ainda dormem, mas chamamos tambm de gabinetes, salas, etc.

    O cantinho de Antnio Carlos bem agradvel. Umas cadeiras, escrivaninha e uma estante repleta de livros.

    - Aqui guardo exemplares que ganho! - Mas h livros de escritores encarnados! - Certamente. Livros bons de encarnados so plasmados aqui.

    escritores bons tm acesso casa. Conversamos muito, ns e eles. Aqui fazemos at noite de autgrafos. Muitos destes livros esto com dedicatria. Orgulho-me em t-los. Aqui tenho tudo o que preciso. Amo meu cantinho. Agora, vamos conhecer sua sala.

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 48

    Passamos para outra ala, direita, no nmero indicado paramos e entramos. A minha sala era como a de Antnio Carlos, algumas cadeiras, uma escrivaninha e a estante.

    - Voc pode decor-la como quiser. Dias depois decorei-a com quadros e vasos de flores, coloquei

    na pequena estante livros, cadernos de anotaes e as fotos de meus familiares. Em destaque, as dos meus sobrinhos Rafael e da pequena Patrcia.

    - Que bonitos lustres! - exclamei. Os lustres tm formatos delicados. A Colnia tem iluminao

    artificial como nas demais Colnias que seguem o fuso horrio da Terra. noite a Colnia linda, parece uma estrela de longe, de perto muito luminosa. Dentro da casa claro como o dia.

    Depois de ter visto minha sala, Antnio Carlos me convidou para conhecer a biblioteca. muito bonita e grande. Diferente das outras que conhecia. Exerce um fascnio todo especial nos seus visitantes e freqentadores. Nela encontramos mais livros sobre Literatura, livros histricos e sobre variedades, livros espiritualis-tas e Espritas. Nas salas de vdeos, o assunto se assemelha. Ant-nio Carlos mostrava tudo com entusiasmo. Ama de modo particu-lar esta casa. As horas passaram.

    - Patrcia, logo mais comea sua aula. No vamos nos despedir, pois estou sempre por aqui e estaremos sempre nos encontrando. Quero dizer-lhe que bem-vinda a este Lar.

    Sorri, agradecendo. Sentia-me bem ali e j amava aquela casa. Preparei-me para a primeira aula.

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 49

    5 - O Jornalista

    Que interessante quando as emoes nobres se repetem. Sem-pre que isto acontece, temos a impresso de que no a primeira vez que vivemos estes fatos. Foi isto que me aconteceu quando entrei na sala de aula para ter meu primeiro contato com este novo curso que, pela bondade de Deus e pelos amigos, me foi propor-cionado. E no foi sem razo, pois a alegria que senti naquele momento permanece em meu peito at hoje. Tenho a certeza de que o contentamento achou por bem fazer morada em meu cora-o, A perspectiva de poder anunciar aos encarnados pela via medinica a bem-aventurana que eu vivia e de que era portadora me enchia de entusiasmo e nimo para este novo estado e treino teleptico. Queria aprender para fazer bem. E, como acontece quando estou muito feliz, sorria sem parar; foi neste estado de satisfao que cumprimentei o professor e alguns alunos que estavam na sala. Nossa classe era pequena, as escrivaninhas esta-vam em crculo.

    - A Paz seja convosco! - respondeu o professor Aureliano ao meu cumprimento. - Sente-se, Patrcia, escolha um lugar e fique vontade. Logo iniciaremos a aula.

    Sentei e observei tudo. Na parede, s havia uma lousa. O que dava um toque especial eram as bonitas janelas redondas. Na sala, havia as escrivaninhas e uma enorme estante. Logo chegaram todos os alunos. Conversamos animados e aps alguns minutos j nos conhecamos como se fssemos amigos de longa data. Todos agradveis, instrudos e com vontade de aprender. Seus nomes j estavam gravados na minha mente e no corao. A doce Ruth, o Carlos Alberto, o mais velho em aspecto, a ruiva Adelaide, o intelectual Henrique, o mais extrovertido Jos Luiz, Maria da Penha, a que se tornou como me de todos, e Osvaldo, o contador de histrias.

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 50

    O professor Aureliano deu incio aula. - Como sabem, Maria Adlia e eu iremos dar este curso to til

    a nossa Literatura Esprita. No to simples assim intuir ou ditar pela psicografia aos encarnados. Aqueles que fazem sem preparo quase sempre no fazem o melhor que poderiam. O que mais importante: quando se intui na Literatura ou se dita pela psicogra-fia? A matria, sem dvida. esta matria que iremos aprender a fazer. Certamente aqui estou como coordenador, espero que todos aprendamos juntos. Tanto que quero ser tratado como amigo, sem ttulos, s pelo meu nome. Ficarei com as aulas de redao. Maria Adlia dar aulas de Literatura. No seu histrico, vamos conhecer como surgiu a idia de grafar os acontecimentos.

    Os primeiros escritos, as primeiras histrias imaginrias, a Li-teratura contempornea, a atual e a Esprita com todo o seu encan-to e ensinamento. Muito temos para aprender neste curso. Nas minhas aulas aprenderemos a fazer uma redao, um artigo ou um livro. Tambm aprendero a transmitir estes escritos, porque no se pode ditar qualquer coisa, para isto tem que se ter alguns crit-rios. Estes escritos tm que estar dentro da Doutrina e da codifi-cao de Allan Kardec e trazer ensinamentos bons e cristos, alm de ter-se o cuidado de no fazer revelaes que ainda no so permitidas, ou anunciar desgraas com datas marcadas, etc. As revelaes tm que ser feitas com conhecimento e devem ser reais e otimistas. H tantas coisas lindas para serem ditas. Todos os que so filiados a esta casa tm que passar seus escritos pela censura. E aqui aprendemos tambm a censurar. Daremos especial ateno parte do intercmbio ao encarnado. No fcil a um crebro que desconhece captar certos fatos. Assim, teremos que escrever para ditar ou inspirar o que o encarnado pode receber. Este curso longo porque teremos muitas excurses, nas quais faremos uma coleta de histrias com muita ajuda, E tambm porque grande a responsabilidade de todos aqueles que deixam grafados seus

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 51

    pensamentos, principalmente que querem fazer um bem com este evento. Particularmente ns que iremos pela psicografia, em nome de uma religio, tentar motivar, alertar, recordar os ensinos de Jesus a tantos irmos. Nos ltimos seis meses do curso, vocs estaro aptos a realizar esse trabalho sozinhos, mas ainda contaro com nossa orientao.

    Para comear nossa aula de redao, quem de vocs quer con-tar uma histria ou, se for interessante, a da prpria existncia para que possamos comear o nosso trabalho?

    Jos Luiz levantou a mo. - Posso falar de mim. - Sim - disse Aureliano. - Vamos ouvi-lo. Jos Luiz sorriu. magro, alto, cabelos crespos curtinhos mui-

    to simptico. Sua voz agradvel e forte, Comeou a falar. - Nasci e cresci na grande cidade de So Paulo. Sempre gostei

    de jornalismo. Quis ser jornalista. No foi fcil, meus pais eram separados e minha me dava um duro danado para sustentar os quatro filhos. Era o terceiro. No colegial, fiz um curso tcnico em contabilidade noite e passei a trabalhar durante o dia. Trabalha-va numa indstria. Meu sonho era conseguir emprego num jornal, Uma colega tinha amigos em um grande e influente jornal, tanto pedi a ela que acabou me atendendo. Levou-me l e me apresen-tou aos seus amigos que prometeram me ajudar, Cumpriram o prometido, acabei empregado. Fiquei felicssimo, embora o jornal fosse mais longe e ganhasse menos, Mas queria estar ali para aprender. Sempre fui timo, na escola, em redao. Comecei a escrever artigos, era muito difcil conseguir que publicassem, mas fazia sempre na esperana de ser um bom jornalista um dia. Quando terminei meu curso, passei a me dedicar mais ao meu trabalho e a ter mais tempo para fazer as matrias. Um dia, um dos diretores leu o que escrevi, gostou, e acabou publicando o

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 52

    artigo. Aconselhou-me a ter aulas de redao. Eram pagas e caras. Porm, este diretor conseguiu que o jornal pagasse a metade do curso. Fiz o curso com entusiasmo. Foi com perseverana que me tornei um jornalista. Comecei a fazer crticas ao governo de ma-neira ftil. Estvamos nos anos sessenta com a ditadura militar. Passei a usar um pseudnimo para fazer estes artigos. Um grupo de idealistas que queriam um Brasil melhor me procurou para que fosse assistir a suas reunies. Fui e gostei. Eram pessoas honestas e idealistas. Estes companheiros no achavam certo os meios que outros grupos empregavam, porm entendiam que eram necess-rios tanto para chamar a ateno como para conseguir dinheiro. Aes como seqestros e roubos. Nosso grupo se ocupava mais em divulgar nossas idias. Nestas reunies, conheci uma moa, Mrita, que tinha uma filhinha. Seu companheiro fora morto num cerco com os militares. Nesta poca, j ganhando mais, fui morar sozinho num pequeno apartamento perto do jornal. Tanto escrevia com meu nome verdadeiro artigos no comprometedores, como com pseudnimo artigos contra a ditadura. Apaixonei-me por Mrita, tornamo-nos amantes sem, porm, morar juntos. Passei a participar mais das reunies, fazer palestras e panfletos. Meus artigos tornaram-se mais violentos. Seis anos se passaram. Deram uma batida no jornal e prenderam muitas pessoas. Umas, tortura-das, deram meu nome verdadeiro. Fui preso. Confessei no inter-rogatrio tudo que fiz e escrevi. Mas eles queriam mais, os nomes dos companheiros. Como neguei, comeou a tortura. Um horror! Na histria da Humanidade sempre o ser humano torturou outro ser humano. No incio, as lutas eram por alimentos e territrios. Depois, vieram as lutas por simples conquistas, nas quais os ven-cedores tornavam os vencidos escravos e os torturavam. Aps, houve as cruzadas, as lutas por religies, a Inquisio, os escravos na Amrica, as guerras modernas e os campos de concentrao. Depois, pela poltica, por ideal, foram tratadas com muita desu-manidade pessoas que, certas ou erradas, queriam o que achavam

  • Vera Lcia M. de Carvalho - A Casa do Escritor 53

    o melhor para sua Ptria. Fui torturado com outros companheiros, de forma brutal e cruel. Nada falei. Pensava em Mrita e na sua filhinha que amava como se fosse minha. Num sofrimento maior desencarnei. Sa do corpo de forma violenta. tonto e vendo tudo confuso. Levantei cair no canto da sala. Vi meus carrascos e meu corpo ser, amarrado e sangrando. Escutei os comentrios.

    "Morreu a peste? Sujeito duro e idiota!" "Morreu!" - disse um outro escutando meu corao. "Coloque com os outros, iremos enterr-los nas valas. Vi desamarrarem meu corpo e lev-lo para outro lado. Confuso

    e com muitas dores. adormeci. Acordei mais confuso ainda "Ei companheiro voc morreu, acorda!" Tentei tanto entender o que ele me dizia como reconhecer o su-

    jeito que me dirigiu a palavra. Ser nova forma de tortura? - pensei. Mas no estava amarrado e no conhecia aquele homem.

    Tentando ser simptico, disse: Venha, d a sua mo, ajudo voc. Morreu! Voc simplesmente morreu como eu.

    "Estranho!" "Que nada! Logo voc acostuma." Levantei com a ajuda dele. Levou-me para uma das cel