A Casa de David e a Casa de Deus

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A CASA DE DAVI E A CASA DE DEUS (2 Samuel 7 e 1 Crônicas 29) NÃO há nada em que a mesquinhez do coração humano se manifeste tão prontamente como na sua compreensão da graça divina. Somos muito inclinados para o legalismo por- que dá um lugar à personalidade e exalta-a. Porém é isto precisamente que Deus não pode permitir: « ... nenhuma carne será justificada diante d'Ele» (Rom. 3:20), é um decreto que nunca poderá ser revogado. Deus tem de ser tudo, fazer tudo, preencher tudo e dar tudo. Quando o salmista inquiriu, «Que darei ao Senhor por todos os benefícios que me tem feito?» (Salmo 116:13), fez, sem dúvida, uma interrogação piedosa, mas qual foi a res- posta? «tomarei o cálix da salvação». A maneira de «dar» alguma coisa ao Senhor é tomar abundantemente da Sua mão bondosa. Ser-se agradecido, como recipiente da graça, é o modo de glorificar a Deus muito mais do que tudo que Lhe possamos dar. O evangelho da graça de Deus põe o homem inteira- 'mente de parte como um ser arruinado, culpado, e perdido: um ente que, quando entregue a si mesmo, nada pode fazer senão estragar tudo e agir em oposição a todos os planos de bênção que Deus tem delineado a seu favor . Por isso Deus tem de ser o executante no plano da redenção. A re- denção foi planeada pela Sua graça, e de acordo com os

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Exemplos da vida de fé na vida de Davi e época de Davi - C. H. Mackintosh

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    (2 Samuel 7 e 1 Crnicas 29)

    NO h nada em que a mesquinhez do corao humano se manifeste to prontamente como na sua compreenso da graa divina. Somos muito inclinados para o legalismo por- que d um lugar personalidade e exalta-a. Porm isto precisamente que Deus no pode permitir: ... nenhuma carne ser justificada diante d'Ele (Rom. 3:20), um decreto que nunca poder ser revogado. Deus tem de ser tudo, fazer tudo, preencher tudo e dar tudo.

    Quando o salmista inquiriu, Que darei ao Senhor por todos os benefcios que me tem feito? (Salmo 116:13), fez, sem dvida, uma interrogao piedosa, mas qual foi a res- posta? tomarei o clix da salvao. A maneira de dar alguma coisa ao Senhor tomar abundantemente da Sua mo bondosa. Ser-se agradecido, como recipiente da graa, o modo de glorificar a Deus muito mais do que tudo que Lhe possamos dar. O evangelho da graa de Deus pe o homem inteira- 'mente de parte como um ser arruinado, culpado, e perdido: um ente que, quando entregue a si mesmo, nada pode fazer seno estragar tudo e agir em oposio a todos os planos de bno que Deus tem delineado a seu favor. Por isso Deus tem de ser o executante no plano da redeno. A re- deno foi planeada pela Sua graa, e de acordo com os

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    Seus desgnios, muito antes que o mundo existisse; e reali- zada pelo Seu poder irresistvel mediante o sacrifcio de Cristo oferecido uma VE.Z para sempre (Hab. 10:10); e smente pelo Seu Esprito Eterno que o pecador, morta em pecados, pode ser vivificado e crer as boas novas que ela comporta.

    Perante isto, o homem tem de ficar mudo, tanto quanto se refere sua prpria justia, sem excluir a sua jactncia, pois o pecador no pode vangloriar-se numa esfera da qual ele expulso para todos os efeitos, e onde s pode estar corno indigno e necessitado. Quo felizes somos ns por sermos os objetos de urna tal graa, que apaga os nossos pecados, deixa a nossa conscincia em descanso, e santifica todas as afeies do nosso corao! Bendita seja para todo o sempre a fonte de onde e pela qual corre esta graa sal- vadora para pecadores que s mereciam o inferno!

    O captulo 7 do II Livro de Samuel est cheio do ensino do grande princpio da graa: o Senhor tinha feito muito pelo Seu servo David; tirara-o de um lugar de extrema obscuridade e elevara-o a uma posio excessivamente ele- vada, e David compreendeu isto e 'pde olhar sua volta e meditar nas misericrdias que, com profuso, pavimenta- vam, por assim dizer, o seu caminho. E sucedeu que, estando o rei David em sua casa, e que o Senhor lhe tinha dado descanso de todos os seus inimigos em redor: disse o rei ao profeta Natan: Ora olha, eu moro em casa de cedros, e a arca de Deus mora dentro de cortinas. Notem-se as palavras: estando o rei David em sua casa. Ele achava-se rodeado de boas circunstncias e pensou que era preciso fazer alguma coisa para Deus; mas infelizmente estava en- ganado na idia de edificar urna casa para o Senhor. A arca morava, sem dvida, dentro de cortinas, porque ainda no era chegado o tempo de encontrar um lugar de repouso. Deus havia estado sempre na mais plena compaixo com o Seu amado povo. Quando estavam metidos na fornalha da escravido do Egito, Ele revelou-Se na sara ardente; du-

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    rante a sua longa e fatigante jornada atravs do deserto torrido, o Seu carro de fogo viajou com eles todo o caminho, e toda a Sua glria foi vista atravs das areias do deserto. Quando esbarraram com os muros ameaadores de Jeric, o Senhor estava com eles como homem de guerra, com urna espada na Sua mo, pronto a agir por amor deles. Desta maneira, Deus e o Seu Israel estiveram juntos, em todas as ocasies: enquanto trabalhavam, Ele trabalhava tambm, e enquanto eles no descansassem Ele no descansaria. Mas David desejava edificar uma casa e preparar um lugar para habitao de Deus enquanto havia adversrios e mau en- contro: desejava abandonar o servio de homem de guerra e tornar a posio de homem reformado. Mas isto no podia ser; porque era contrrio aos pensamentos e desgnios do Deus de Israel. Porm, sucedeu naquela mesma noite que a palavra do Senhor veio a Natan, dizendo: Vai e dize a Meu servo, a David: Assim diz o Senhor: Edificar-me-ias tu casa para Minha habitao? Porque em casa nenhuma habitei, desde o dia em que fiz subir os filhos de Israel do Egito, at ao dia de hoje: mas andei em tenda e tabernculo. O Senhor no deixou despontar um novo dia sem ter corri- gido o erro do Seu servo; e o modo corno o fez foi plena- mente caracterstico. Pe diante dele a maneira como o havia tratado e a Israel: lembra-lhe corno nunca buscara uma casa ou lugar de repouso para Si, mas acompanhara o Seu povo em todas as ocasies e fora afligido em todas as suas aflies. Em todo o lugar em que andei com todos os filhos de Israel falei porventura alguma palavra com qual- quer das tribos de Israel, a quem mandei apascentar o meu povo de Israel, dizendo: Porque me no edificais uma casa de cedros? Que graa encantadora, comovente, encontra- mos nestas palavras! O Bendito Deus descera para ser um viandante cansado com o Seu povo atravs do deserto. Pisou as areias do deserto porque o Seu povo ia ali; fez com que a Sua glria habitasse entre peles de texugo porque os Seus remidos encontravam-se em luta. O Senhor no buscou uma

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    casa de cedros; no foi para isso que visitou o Seu povo na hora da sua aflio no Egito; havia descido para dar, no para aceitar; para gastar e deixar-Se gastar, e no para exigir; para servir e no para ser servido. verdade que, quando o povo se colocou debaixo do concerto das obras, no Monte Sinai, Deus teve de os experimentar por meio de ensino que era caracterizado pelas palavras faze e d. Mas, ah! se eles tivessem andado no poder do pacto de Deus com Abrao, nunca teriam ouvido tais palavras no meio dos terrveis troves do Monte Sinai. Quando Deus desceu para os redimir da mo do Fara, e da casa da servido; quando os conduziu como que nas asas de guias e os trouxe para Si; quando abriu um caminho no mar para que os Seus remidos pudessem passar e sepultou as hostes do Egito nas suas profundidades; quando fez chover o man do cu e fez brotar gua fresca da rocha; quando tomou o Seu lugar na coluna de fogo de noite e na nuvem durante o dia para os guiar atravs do deserto; quando fez todas estas coisas e muitas outras, por amor deles, no foi certamente com base em qualquer coisa que eles pudessem dar ou fazer, mas simplesmente com fundamento no Seu amor eterno e o con- certo feito com Abrao. Sim. foi este o fundamento da Sua actuao para com eles; e, quanto ao que eles podiam fazer, foi apenas rejeitar a Sua graa, espezinhar as Suas leis, desprezar os Seus avisos, recusar as Suas misericrdias, apedrejar os Seus profetas, crucificar o Seu bendito Filho, e resistir ao Seu Esprito. Este foi o seu procedimento, desde o princpio ao fim, cujos frutos amargos colhem agora, e tero de colher, at serem levados a curvarem-se humilde- mente e reconhecidamente perante o Seu concerto da graa.

    De modo que foi passando em revista todas estas coisas perante David que o Senhor lhe mostrou o seu erro em pro- curar edificar uma casa.

    Edificar-me-ias tu casa para minha habitao? ... Agora, pois, assim dirs ao Meu servo, a David: Assim diz o Se- nhor dos exrcitos: Eu te tomei da malhada, de detrs das

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    ovelhas, para que fosses o chefe sobre o Meu povo, sobre Israel. E fui contigo por onde quer que foste, e destru a teus inimigos diante de ti; e fiz para ti um grande nome, como o nome dos grandes que h na terra. E preparei lugar para o Meu povo, para Israel, e o plantarei, para que habite no seu lugar, e no mais seja movido, e nunca mais os filhos da perversidade o aflijam, como dantes, e desde o dia em que mandei que houvesse juzes sobre o Meu povo de Israel: a ti porm te dei descanso de todos os teus inimigos: tam- bm o Senhor te faz saber que o Senhor te far casa. Nestas palavras dito a David que a sua histria, assim como a histria do seu povo, era uma histria de graa desde o princpio ao fim.

    David conduzido, em pensamento, do redil ao trono, e do trono aos sculos eternos, e v todo o caminho mar- cado com os feitos da graa divina. Por graa ele tinha sido escolhido; foi a graa que o levou ao trono; a graa ven- cera os seus inimigos; a graa havia de ampar-lo ; e pela graa a sua casa seria estabelecida c firmada para todas as geraes. Era tudo devido graa de Deus; tinha muita razo em pensar que Deus havia feito muito por ele: uma casa de cedros era qualquer coisa de grande para o pastor de Belm; contudo, o que era isso comparado com o futuro? O que era tudo aquilo que Deus havia feito compa- rado com aquilo que ainda havia de fazer? Quando teus dias forem completos, e vires a dormir com teus pais, ento farei levantar depois de ti a tua semente, que sair das tuas entranhas, e estabelecerei o seu reino. Este edificar uma casa ao meu nome, e confirmarei o trono do seu reino para sempre. Vemos assim que no se tratava apenas de qua- renta anos da sua curta vida, que eram caracterizados pela graa de Deus, pois da sua casa fala-se para tempos dis- tantes.

    A quem julgais que estas promessas maravilhosas se re- ferem? Devemos consider-las como tendo o Seu pleno cumprimento no reinado de Salomo? De certo que no.

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    Por muito glorioso que fosse o reinado desse monarca, no foi de modo nenhum o cumprimento do quadro apresentado a David. No foi, de fato, seno um momento transitrio, durante o qual brilhou o raio de luz no horizonte de Israel; porque to depressa somos conduzidos ao pinculo a que Salomo foi elevado, ouvimos logo as palavras arrepiantes: E o rei Salomo amou muitas mulheres estranhas (I Reis 11 : 1). Mal o clix do prazer chegado aos lbios, logo arrojado ao cho, e ouve-se o brado desanimador: Vai- dade de vaidades! tudo vaidade: tudo vaidade e afli- o (Ecl. 1 :2, 14).

    O Livro de Eclesiastes mostra-nos como o reinado de Salomo ficou muito longe de realizar as promessas magni- ficentes feitas a David no captulo 7 de II Samuel. Nesse livro vemos os anelos de UIY, corao que sentiu um vazio doloroso, e que percorre o vasto domnio da criao em busca de um objeto que o satisfaa, mas busca em vo. Devemos, portanto, olhar para l do reinado de Salomo para um maior do que ele, Aquele de quem o Esprito fala por intermdio de Zacarias, nessa magnfica profecia de Lucas, captulo I: Bendito o Senhor: Deus de Israel, porque visitou e remiu o Seu povo, e nos levantou uma salvao poderosa na casa de David Seu servo. Como falou pela boca dos Seus santos profetas, desde o princpio do mundo; para nos livrar dos nossos inimigos e da mo de todos os que nos aborrecem; para manifestar misericrdia a nossos pais, e lembrar-Se do Seu santo concerto, e do juramento que jurou a Abrao nosso pai. E tambm nas palavras do anjo a Maria: E eis que em teu ventre concebers e dars luz um filho, e pr-lhe-s o nome de Jesus. Este ser grande e ser chamado filho do Altssimo; e o Senhor Deus lhe dar o trono de David, seu pai; e reinar eternamente na casa de Jac, e o seu reino no ter fim. Aqui o corao pode descansar sem um simples embarao. No existe uma hesi- tao, dvida, interrupo ou exceo. Sentimos que temos debaixo dos ps uma rocha, a Rocha dos Sculos, e que no

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    somos, semelhana do escritor do Eclesiastes, constran- gidos a lamentar a falta de um objeto capaz de encher os nossos coraes e satisfazer os nossos desejos; mas antes, como algum disse, semelhana da noiva no Livro de Can- tares, a confessar a nossa inteira incapacidade para desfru- tar o glorioso objeto que nos apresentado, e que cndido entre dez mil (Can. 5: 10) .

    Do seu reino no haver fim: Os fundamentos do Seu trono esto lanados nos profundos recessos da eternidade; o selo da imortalidade est posto no Seu ceptro, e o da in- corruptibilidade sobre a Sua coroa. No haver ento ne- nhum Jeroboo para se apossar de dez partes do reino; ser um reino indivisvel para sempre, debaixo do poder pacfico d'Aquele que manso e humilde de corao. Tais so as promessas de Deus casa de Seu servo David. Bem podia o herdeiro de tais promessas, falando de tudo que havia sido feito por ele, exclamar: E ainda foi isto pouco aos teus olhos, Senhor Deus. O que era o passado, quando comparado com o futuro? Graa no passado, mas glria resplandecente no futuro. O Senhor dar graa e glria (Salmo 84: 11). A graa lana o fundamento; a glria embeleza a superestrutura.

    Isto verdadeiro a respeito de tudo; verdadeiro, num sentido notvel, acerca da Igreja, como aprendemos na Epstola aos Efsios: Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abenoou com todas as bnos espirituais nos lugares celestiais, em Cristo, como tambm nos elegeu nele, antes da fundao do mundo, para que fssemos santos e irrepreensveis, diante dele, em caridade; ... para louvor e glria da sua graa, pela qual nos fez agradveis a si, no Amado; com o fim de, na dispensao da plenitude dos tempos, sermos para louvor da sua glria (Ef. 1:1 a 6,10 e 12). Mas Deus que riqussimo em mise- ricrdia, pelo seu muito amor com que nos amou, estando ns ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graa sois salvos) e nos ressuscitou junta-

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    mente com ele, e nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus; para mostrar nos sculos vindouros as abun- dantes riquezas da sua graa, pela sua benignidade para connosco, em Cristo Jesus. Aqui, pois, temos graa e glria apresentadas ditosamente: a graa garantindo, sobre prin- cpios imutveis, o pleno perdo dos pecados, por meio do precioso sangue de Cristo, e plena aceitao da Sua ado- rvel Pessoa; glria distncia, dourando com os seus raios imortais os sculos vindouros. assim que a Palavra de Deus se dirige a dois grandes princpios na alma do crente, a saber: f e esperana. A f repousa sobre o passado, a esperana antecipa o futuro; a f apoia-se na obra de Deus j consumada, a esperana olha em frente com desejo ardente para os Seus atos ainda a realizar. Isto d ao crente uma posio profundamente interessante, e separa-o de tudo para Deus. Quanto ao passado, ele apoia-se na cruz; e quanto ao presente, sustido e confortado pelo sacerdcio e as promessas; e acerca do futuro, regozija-se na esperana da glria de Deus.

    Mas, pode perguntar-se, qual foi o efeito produzido em David por toda esta manifestao de graa e glria ao seu esprito? Uma coisa certa, corrigiu os seus erros em pro- curar, como algum disse, trocar a espada pela trolha. Isto fez com que ele compreendesse realmente a sua pequenez em face da grandeza de Deus nos Seus atos e desgnios. Ento entrou o rei David, e ficou perante o Senhor, e disse: Quem sou eu, Senhor Deus? impossvel traduzir em lin- guagem humana as experincias profundas da alma de David, na sua atitude e interrogao. Quanto sua atitude, ele entrou, o que nos d a idia de absoluto descanso em Deus, sem a interveno de uma simples nuvem: no existe uma dvida, suspeio ou hesitao. Deus, como gracioso Executante, enchia a viso da sua alma, e por isso, ter admi- tido uma dvida seria o mesmo que levantar a questo se Deus podia e queria fazer tudo que lhe havia dito. Como poderia ele duvidar? Era impossvel! O passado dava-lhe

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    amplos argumentos em prova tanto da vontade como do poder de Deus, para poder admitir uma s dvida.

    Na verdade, bem-aventurada coisa compreendermos qual o nosso lugar na presena de Deus: deixarmos que o corao medite nos Seus caminhos maravilhosos de graa, e podermos estar na Sua presena no pleno conhecimento do Seu amor redentor. verdade que difcil compreender o motivo por que Ele havia de amar criaturas como ns somos. E contudo mesmo assim; e ns apenas temos que crer e regozijar-mo-nos.

    Mas note-se a sua interrogao: Quem sou eu? Aqui temos o esconderijo da personalidade. David sentiu que nada tinha a ver com o assunto. Deus era tudo, e a perso- nalidade nada, para com o rei David, quando entrou na presena do Senhor. Agora j no fala dos seus atos, da sua casa de cedros e do seu propsito de edificar uma casa para a arca do Senhor. No; alarga-se em consideraes acerca dos atos de Deus, e os seus feitos perdem-se na sua prpria insignificncia, segundo o seu critrio. O Senhor havia dito: Edificar-me-ias tu casa? Tambm o Senhor te faz saber que o Senhor te far casa. Em resumo: o Se- nhor fez saber a David que devia ser superior em tudo, e, que, portanto, no podia ser precedido na construo de uma casa. Isto poderia parecer uma lio simples; contudo, aqueles que conhecem alguma coisa dos seus coraes orgu- lhosos sabem que era muito diferente. Abrao, David, Job, Paulo e Pedro experimentaram a dificuldade de esconder a personalidade e exaltar Deus. Esta , de fato, a lio mais difcil para o homem; porquanto todo o seu ser ba- seado, naturalmente, em princpios completamente opostos; isto , a exaltao da individualidade e a indiferena para com Deus.

    desnecessrio acrescentar alguma coisa em prova disto: a Escritura Sagrada e a experincia demonstram o facto que o homem procura um lugar de importncia; e isto no pode ser conseguido sem que os direitos de Deus

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    sejam postos de parte. Porm, a graa de Deus inverte o assunto, e faz do homem nada, para tornar Deus tudo. isto o costume dos homens? No , de fato, o costume nem a lei do homem, ma l o costume de Deus. O costume do homem elevar-se a si prprio, regozijar-se na obra das suas mos, andar luz do seu prprio brilho; por outra parte, o costume de Deus desviar o homem de si prprio, a fim de o ensinar a ver a sua prpria justia como trapos da imundcie, a abominar-se e a arrepender. se no p e na cinza (Jo. 42:6) e a apegarse a Cristo do mesmo modo que o nufrago se agarra rocha. Sucedeu assim com David, quando entrou na presena do Senhor, e, esquecendo-se de si prprio, permitiu que a sua alma sasse em santa adora- o de Deus e dos Seus caminhos. esta a verdadeira ado- rao e o inverso da religiosidade humana. Adorao o reconhecimento de Deus, na energia da f; religiosidade a eleio do homem no esprito do legalismo. Sem dvida, David teria parecido a muitos um homem mais consagrado a Deus quando pensava edificar uma casa para o Senhor do que quando estava na Sua presena. No primeiro caso ele procurava fazer alguma coisa, no ltimo no fazia apa- rentemente nada. semelhana das duas irms de Betnia, em que uma parecia, no juzo da natureza, ter estado a fazer todo o trabalho e a outra ter estado assentada, ociosa. Mas como so diferentes os pensamentos de Deus! David assen- tado na presena do Senhor estava numa posio correcta; ao passo que quando procurava edificar uma casa para o Senhor estava numa posio errada.

    preciso recordar que ao passo que a graa nos afasta dos nossos prprios atos no nos impede de agirmos por Deus. Antes pelo contrrio, impede apenas o trabalho obtuso: no anula o servio, mas pe-no no seu devido lugar. Por isso, quando a alma de David foi restaurada- quando compreendeu que no era no seu tempo, nem ele o homem para pr de parte a espada e pegar na trolha, quo prontamente acedeu! Como desembainhou pronta-

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    mente a sua espada para tomar o seu lugar outra vez no campo de batalha! Como se disps a ser o servo militante at ao fim, e permitiu que o vu fosse lanado sobre ele nesse carter! Quo pronto estava a retirar-se para que outro pudesse fazer o trabalho!

    O captulo 8 do II livro de Samuel mostra- nos David combatendo e ferindo os filisteus e adquirindo deste modo uma maior fama como homem de guerra, e provando como tinha aprendido eficazmente a lio do Senhor. Ser sem. pre assim com todos aqueles que aprendem o significado da graa e glria. Pouco importa qual seja o carcter do servio, quer seja edificando uma casa ou vencendo os ini- migos do Senhor tudo a mesma coisa. O verdadeiro servo est pronto para tudo. David saiu do santo repouso da casa de Deus para guerrear as guerras do Senhor, a fim de poder, por meio da sua luta, limpar o terreno para outro lanar as bases dessa casa que o seu corao tanto desejara construir. Na verdade, isto era renncia prpria: David era em tudo o servo: no aprisco, no Vale do Carvalho, na casa de Saul, no trono de Israel, ele manteve sempre oca- rcter de servo.

    Mas devemos considerar outros acontecimentos de modo a podermos aprender princpios mais profundos acerca de David em ligao com a casa de Deus. Ele teve de aprender, de um modo notvel, onde deviam ser lanados os funda. mentos da casa de Deus. Leia o leitor o captulo 21 do I Livro de Crnicas, que paralelo ao captulo 24 de II Sa- muel, e ver como teve lugar a queda de David mandando numerar o povo. Envaideceu-se das suas hostes, ou antes as hostes do Senhor, que ele de boa vontade considerava suas: quis contar os seus recursos, e, enfim, teve de aprender a sua inutilidade: a espada do anjo destruidor destruiu se. tenta mil dos soldados em que tanto se vangloriava e ps na sua conscincia, com terrvel solenidade, o seu pecado de numerar o povo do Senhor. Contudo, isto teve o efeito de mostrar muito da graa e renncia prpria que havia

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    em David. Escutai as suas palavras comoventes, enquanto expe o seu peito aos golpes do juzo divino: No sou eu o que disse que se contasse o povo? E eu mesmo sou o que pequei, e fiz muito mal; mas estas ovelhas que fizeram? Ah! Senhor, meu Deus, seja a tua mo contra mim, e con- tra a casa de meu pai, e no para castigo de teu povo. Isto era graa preciosa, ele pde dizer, teu povo, e estava pronto a colocar-se entre o povo e o anjo destruidor. Porm, no meio da ira houve misericrdia: na eira de Ornan, o anjo meteu a sua espada na banha. Ento o anjo do Senhor disse a Gad que dissesse a David que subisse David para levantar um altar ao Senhor na eira de Ornan, jebuseu. Aqui, pois, estava o lugar onde a misericrdia triunfou e fez com que a sua voz se ouvisse acima do rudo do juzo. Foi aqui que correu o sangue da vtima, e aqui se lanou o fundamento da casa de Deus. Vendo David, ao mesmo tempo, que o Senhor lhe respondera na eira de Ornan, Jebuseu, sacrificou ali. Porque o tabernculo do Se- nhor, que Moiss fizera no deserto, e o altar do holocausto, estavam naquele tempo no alto de Gibeon. E no podia David ir ali consultar ao Senhor; porque estava aterrori- zado por causa da espada do anjo do Senhor. E disse David: Esta ser a casa do Senhor Deus, este ser o holocausto para Israel. E deu ordem David que se ajuntassem os estra- nhos que estavam na terra de Israel: e ordenou cortadores de pedras, para que lavrassem pedras de cantaria para edi- ficar a casa de Deus (I Cor. 21 :28 a 22:1 a 2). Que ben- dita descoberta! David no podia ter descoberto com tanta certeza o lugar onde a casa do Senhor deveria ser edificada. Se o Senhor lhe tivesse indicado o Monte de Moria e dito para ele marcar um ponto onde deveria ser edificada a casa, ele nunca poderia ter uma idia do seu profundo signifi- cado. E porque perder palavras com isto? O Senhor sabe como guiar o Seu povo, e o modo de o instruir segundo os segredos da Sua mente. Ensinou o Seu servo David, pri- meiramente por instrumental idade do julgamento, e de mi-

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    sericrdia em seguida, e deste modo levou-o ao prprio lugar onde desejava que o templo fosse constru do. Foi por meio das suas necessidades que David descobriu tudo quanto ao templo de Deus e ento continuou com os preparativos como aquele que havia aprendido a conhecer o carter de Deus por meio do seu prprio fracasso.

    Esta ser a casa do Senhor Deus: o lugar onde a mi- sericrdia pde regozijar-se contra o julgamento - o lugar onde o sangue da vtima correu; onde David viu o seu pe- cado tirado. Tudo isto era muito diferente de edificar uma casa com base no fato de ele habitar numa casa de cedros, como lemos em 11 Samuel, captulo 7. Em vez de dizer, eu moro em casa de cedros, podia confessar, sou um pobre pecador, perdoado. Uma coisa agirmos com base naquilo que ns somos e outra atuarmos com base naquilo que Deus . A casa de Deus deve ser sempre um testemunho da Sua misericrdia, quer pensemos no templo da antigui- dade ou na Igreja, agora. Um e a outra mostram o triunfo da misericrdia sobre o julgamento. Na cruz vemos o golpe da justia caindo sobre a vtima imaculada, e ento o Es- prito Santo veio para juntar os homens em redor d' Aquele que ressuscitou de entre os mortos. Do mesmo modo que David se disps a juntar as pedras lavradas e os materiais para a casa de Deus logo que o local para sua edificao foi marcado. A Igreja o templo do Deus vivo, do qual Cristo a pedra da esquina. Os materiais para este edifcio foram adquiridos e o lugar da sua fundao comprado no momento dos sofrimentos de Cristo: David um smbolo de Cristo nos Seus sofrimentos, assim como Salomo sim- boliza o Senhor na Sua glria. David foi homem de guerra, ao passo que Salomo foi o homem do repouso. David teve que lutar com o inimigo; ao passo que Salomo pde dizer: adversrio no h, nem algum mau encontro (I Reis 5:4). assim que estes dois reis ilustram Aquele que, por meio da Sua cruz, fez ampla proviso do necessrio para edifi-

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    cao do templo que ser revelado em ordem divina e per- feio no dia da Sua glria.

    David mostrou, por fim, que, embora a sua idia de edificar a casa de Deus necessitasse de ser corrigi da, a sua afeio pela casa no era menos fervorosa. Por fim, ele exclama: Eu, pois, com todas as minhas foras j tenho preparado para a casa de meu Deus ouro para as obras de ouro e prata para as obras de prata e cobre para as de cobre, ferro para as de ferro c madeira para as de madeira, pedras sardnicas e as de engaste, e pedras de ornato e obra de engaste, e pedras de ornato e obra de embutido e toda a sorte de pedras preciosas e pedras marmreas em abundncia (I Crnicas 29:2) (1). Assim a graa pe o servio no seu prprio lugar, e no somente isso, mas d-lhe uma energia que o servio extemporneo nunca pode apre- sentar. David havia aprendido lies na presena do Se- nhor que, na eira de Omam, o Jebuseu, o prepararam ma- ravilhosamente para fazer os necessrios preparativos para o templo. Agora ele podia dizer: com todas as minhas foras j tenho preparado ... e ainda de minha prpria von- tade para a casa do meu Deus o ouro e prata particular que tenho demais, eu dou para a casa do meu Deus, afora tudo quanto tenho preparado para a casa do santurio. A sua energia e o seu afeto eram consagrados a uma obra que havia de ser levada maturidade por outro.

    A graa faz com que o homem se oculte a si prprio e faa de Deus o seu alvo. Depois de David ter contem-

    (') Em 1 Samuel 24 :24" lemos, a respeito do stio onde o templo foi edificado, ... assim David comprou a eira e os bois por cinqenta siclos de prata. E em I Crnicas 21 :25, lemos, E David deu a Ornam por aquele lugar o peso de seiscentos siclos de ouro. O con- fronto das duas passagens, longe de apresentar discordncia, apre- senta beleza divina. A justia avaliou o lugar pela primeira impor- tncia; ao passo que a graa deu a ltima quantia. David deu de tudo quanto tinha preparado, de sua prpria vontade, para a casa de Deus (I Crn. 29:3). um gesto muito simples e belo.

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    plado a pilha brilhante de ouro que o seu corao havia acumulado, ele pde dizer: da tua mo to damos (I Cr- nicas 29:14). Bendito s tu, Senhor, Deus de nosso pai Israel, de eternidade em eternidade. Tua , Senhor, a magni- ficncia e o poder e a honra e a vitria e a majestade; por- que teu tudo que h nos cus e na terra; teu , Senhor, o reino, e tu te exaltaste sobre todos como chefe. E riqueza e glria vm de diante de ti, e tu dominas sobre tudo, e na tua mo h fora e poder: e na tua mo est o engrandecer e dar fora em tudo. Agora pois, Deus nosso, graas te damos, e louvamos o nome da tua glria. Porque quem sou eu, e quem o meu povo, que tivssemos poder para to voluntriamente dar semelhantes coisas? Porque tudo vem de ti, e da tua mo to damos. Porque somos estranhos diante de ti, peregrinos como todos os nossos pais: como a sombra so os nossos dias sobre a terra, e no h outra esperana. Senhor, Deus nosso, toda esta abundncia, que preparamos, para te edificar uma casa ao teu santo nome, vem da tua mo, e toda tua (I Crnicas 29:10 a 16). Quem sou eu? Que interrogao! David nada era, e Deus era tudo e em todos. Se alguma vez havia tido a idia de que podia ofe- recer alguma coisa a Deus j a no tinha. Era tudo do Se- nhor, e, na Sua graa, o Senhor tinha permitido que eles lhe oferecessem aquilo que era Seu. O homem nunca po- der fazer de Deus seu devedor, ainda que busque sempre faz-la. O Salmo 50 e o primeiro captulo do Livro de Isaas e o captulo 17 dos Atos dos Apstolos provam que os esforos incessantes do homem, quer judeu quer gentio, dar alguma coisa a Deus; mas este esforo vo. A res- posta a dar ao homem, que assim procura fazer de Deus seu devedor, : Se eu tivesse fome, no to diria (Salmo 50:12). Deus tem que ser o dador, e o homem aquele que aceita. Quem, diz o apstolo Paulo, lhe deu primeiro a ele? (Rom. 11:35). O Senhor aceitar graciosamente de aqueles que aprendem a dizer: da tua mo to damos, porm a eternidade mostrar como Deus O GRANDE

  • A CASA DE DAVID E A CASA DE DEUS

    PRIMEIRO DADOR. Ainda bem que assim! Bem para pobres pecadores, culpados, abatidos, poderem reconhecer em Deus o Dador de tudo - dador da vida, do perdo, a paz, santidade, e glria eterna! Feliz David, quando, ao chegar ao fim da sua carreira, pde esconder-se, e as suas ofertas, atrs das ricas abundncias da graa divina! Feliz por saber, ao entregar o plano do templo a Salomo, seu filho, que seria para sempre o monumento do triunfo da misericrdia de Deus! A casa havia, a seu tempo, de ser levantada em magnificncia e esplendor desde as suas fun- daes; a efulgncia da glria divina havia ainda de a encher de um ao outro extremo; contudo nunca poderia ser esque- cido o fato que estava edificada no ponto sagrado onde o juzo devastador havia sido sustado pela mo da misericrdia soberana, agindo de acordo com o sangue de uma vtima imaculada.

    E, passando do templo de Salomo para aquele que nos ltimos dias h de ser levantado no meio do amado povo de Deus, como podemos ver nitidamente o desenrolar dos mesmos princpios celestiais! Ainda mais, quando pas- samos do templo terrestre ao templo celestial, podemos ver o triunfo glorioso de misericrdia sobre todas as barreiras de separao; ou, antes, a gloriosa harmonia estabelecida entre a misericrdia e a verdade, a justia e a paz. No meio do brilho da glria milenial, Israel na terra, e a Igreja na glria, volvero os olhos para a cruz como sendo o lugar onde a justia embainhou a sua espada e a mo da misericrdia comeou a erigir a superestrutura que brilhar, com brilho e glria eternos, para louvor e honra de Deus, o bendito dador de tudo.