A Carta Aos Romanos

47
A CARTA AOS ROMANOS “Não me envergonho do Evangelho”

Transcript of A Carta Aos Romanos

A CARTA Aos RomAnos

“Não me envergonho do Evangelho”

2 3

A CARTA AOS ROMANOS

“Não me envergonho do Evangelho”

Caros irmãos,

Uma vez mais me dirijo a cada um de vocês com minha carta anual, dando graças a Deus pelas “abundantes riquezas” com que ele continua cumulando a Congregação, não obstante as nossas omissões e fraquezas.

Ela, no ano passado, se beneficiou de novos dons providen-ciais, quer pela celebração do Ano Paulino (28 de junho de 2008 — 29 de junho de 2009), promulgado pelo Papa Bento XVI, quer pela realização do Seminário internacional sobre São Paulo (Ariccia, 18 de junho — 3 de julho de 2009); dois acontecimentos dos quais a linha operativa 1.1.1 do VIII Capítulo geral, que empenha o superior geral a “propor cada ano para toda a Congregação um tema programático para nossa vida espiritual e apostólica, com base nas Cartas de São Paulo e dos escritos de Padre Alberione”, obteve desdobramentos imprevistos.

Dedico-me agora a expor algumas reflexões sobre a Carta de São Paulo aos Romanos, na esperança de estimular cada um a lê-la, assimilá-la e vivê-la; e fazendo votos de que, mediante me-ditações pessoais, retiros e cursos de exercícios espirituais, estu-dos e pesquisas, em nível individual e comunitário, estas minhas reflexões possam ser enriquecidas, melhoradas e completadas, de modo que este texto paulino, considerado fundamental pelo bem-aventurado Tiago Alberione na intuição carismática e na ex-periência apostólica, possa permanecer tal ainda hoje para toda a Congregação.

Os estudiosos que se interessam pelo escrito mais longo do Apóstolo são unânimes em considerá-lo também uma apresenta-ção articulada do “Evangelho de Paulo”, por ele recebido como dom de Cristo ressuscitado, aplicado a si mesmo para mudar radicalmente sua mentalidade de crente e proposto a todos, de modo particular aos gentios.

A afirmação “Não me envergonho do Evangelho: ele é força de Deus para a salvação de todo aquele que crê, em primeiro lu-gar do judeu, mas também do grego” (Rm 1,16) é a pedra angular do Evangelho de São Paulo, porque exprime a universalidade da salvação, concretizada como dom do Pai em Cristo ressuscitado e na vida nova do crente alimentada pelo Espírito.

Padre Alberione, fascinado pela carta do Apóstolo, não he-sita em defini-la “o primeiro e principal ensaio do apostolado das edições, o modelo sobre o qual deveria conformar-se cada edi-ção paulina”. Portanto pergunta-se: “De que modo esta grandiosa carta paulina deve ser considerada o modelo das Edições? No sentido de que, a partir dela, deve modelar-se toda a nossa prega-ção, a redação e a difusão. Mas como? Revestindo-nos, antes de tudo, de Jesus Cristo. ...São Paulo, além disso, adapta os princí-pios do evangelho, interpreta-os, explica-os e dá aos homens do seu tempo, principalmente aos pagãos, o que mais convinha à condição, à mentalidade e à necessidade deles”.1

Estas indicações perspicazes e originais requerem uma lei-tura aprofundada que reproponho com o esquema habitual das minhas cartas anuais anteriores: 1) uma apresentação simples do conteúdo da carta; 2) a análise de algumas citações para com-preender como o Fundador meditou e valorizou a Carta aos

1 Cf. Espiritualidade paulina, Roma, 1962, vol. 1, pp. 88-93, passim.

4 5

Romanos por sua atividade inovadora na Igreja; 3) propostas de aplicação para nossa vida de Paulinos hoje.

O estudo meditativo da Carta aos Romanos, entendida como o “Evangelho de Paulo”, pode ser útil também para partici-par, com nosso carisma, da celebração do Ano sacerdotal em curso (19/06/09 — 11/06/10), desejado por Bento XVI.

São Paulo descreve a sua pregação com os termos do mi-nistério cultual: “Deus, a quem sirvo em meu espírito, anun-ciando o Evangelho do seu Filho, é testemunha de como me lembro continuamente de vós em minhas orações” (Rm 1,9s). Por sua vez, Padre Alberione, a partir da intuição original, de-fine o carisma paulino da “pregação escrita ao lado da pregação oral” como um “apostolado eminentemente sacerdotal”. O sa-cerdócio paulino, posto como fundamento do primeiro núcleo e do desenvolvimento sucessivo do carisma, repensado com a riqueza da teologia do ministério ordenado e do sacerdócio dos fiéis desenvolvida a partir do Concílio Vaticano II e com a visão presente no Evangelho de São Paulo, pode revelar-se como sur-presa para toda a Família Paulina e contribuição original para a comunidade eclesial.

Diz o bem-aventurado Tiago Alberione: «São Paulo pode parecer um modelo inatingível: ele é de fato uma grande alma. Mas, justamente por isso, olhando atentamente para São Paulo, vos tornareis almas grandiosas, de grandes ideias, grandes co-rações, grande generosidade, grande compreensão e grande caridade».2 Pode acontecer que o estudo e a reflexão sobre a Carta aos Romanos nos pareça árduo e exija certo esforço, mas o resultado será certamente gratificante.

2 Às Filhas de São Paulo, 1946-1949, Roma, 2000, p. 545.

I. A CARTA Aos RomAnos

InTRoDUÇÃo

A Carta aos Romanos é um dos escritos mais significativos, mas também mais difíceis do Novo Testamento. Sua apresenta-ção do Evangelho de Cristo sempre estimulou a teologia cristã. Além disso, desde Lutero, este texto bíblico vem suscitando as mais acaloradas discussões e polêmicas entre as comunidades cristãs. Hoje não poucos se referem a este escrito para pôr em discussão a coerência do pensamento do Apóstolo. A sua leitura exige, portanto, uma atenção especial e a sua riqueza poderá ser compreendida somente levando em consideração o significado das técnicas literárias usadas pelo Apóstolo e a modalidade da sua argumentação. O sentido de cada unidade da carta depende efetivamente do seu papel no conjunto da exposição. O esforço da leitura pode, em todo caso, trazer frutos muito preciosos. Para nós paulinos, além do mais, é significativo que a admiração e a devoção de Padre Alberione para com São Paulo tenham nascido justamente do estudo e da meditação desta carta.3

1. As circunstâncias históricas da redação da carta

Com toda probabilidade, o apóstolo Paulo escreveu a Carta aos Romanos em Corinto, entre 55 e 59 (talvez no inverno de 57). Quem a entregou e explicou presume-se que tenha sido Febe, diaconisa de Cencreia, o porto de Corinto, que o apóstolo re -comenda vivamente antes das saudações conclusivas (16,1-2). É

3 Cf. História carismática da Família Paulina, Roma, 1998, n. 64.

6 7

difícil, ao invés, precisar com segurança os motivos que levaram Paulo a escrever à Igreja que não foi por ele fundada. O Apóstolo menciona sua responsabilidade para com as nações, entre as quais devem-se acrescentar também os cristãos de Roma (1,1-15; 15,15-16), e o seu projeto da missão na Espanha (15,28). A carta é, portanto, uma espécie de “cartão de visita” com o qual ele quer apresentar-se antes da sua chegada. Paulo conta também com o apoio dos Romanos em vista das dificuldades que deverá enfrentar em Jerusalém (15,30-31). Mas estes motivos não são suficientes para explicar o conteúdo da carta.

2. os destinatários da carta

No tempo em que Paulo escrevia a Carta aos Romanos, os cristãos de Roma uniam a fé em Cristo com a observância da lei mosaica. As comunidades de Roma eram de origem mista (israe-lita e pagã), mas os pagãos que tinham se tornado cristãos haviam acolhido a fé em Cristo por meio do judaísmo, e julgavam que pertenciam a uma das suas formas. A consciência de que a fé em Cristo assinala não somente um “caminho” no interior do judaís-mo (cf. At 2,1-2; 18,25-26; 19,9.23; 22,4; 24,14.22), mas define a identidade do crente (cf. At 11,26), ainda não estava clara. A Carta aos Romanos é uma das importantes contribuições para o seu amadurecimento.

Não deve, portanto, causar admiração o fato de Paulo es-crever aos “conhecedores da Lei” (7,1) e que nas suas argumen-tações recorra continuamente à Sagrada Escritura e aos conceitos tradicionais do pensamento judaico. Não deve tampouco estra-nhar que antes de falar da vida do crente em Cristo o Apóstolo, partindo da Lei e dos Profetas, procure demonstrar que a justi-ça de Deus se manifestou “independentemente da Lei” (3,21).

O pensamento tradicional judaico, partilhado pelos cristãos de Roma, sublinhava de fato a distinção entre o Judeu e as nações e a diferença da situação deles diante do juízo de Deus.

3. A forma da Carta aos Romanos

O modo de argumentar da Carta aos Romanos e a sua lin-guagem se distinguem das outras cartas de Paulo. De fato, o Apóstolo, escrevendo a cada grupo de pessoas, trata dos seus problemas e se adapta ao modo de pensar deles. Por exemplo, na 1Cor Paulo enfrenta o problema do falso espiritualismo que busca manifestações extraordinárias do poder de Deus e desvalo-riza a realidade material. Por isso, na sua argumentação, ele parte da cruz de Cristo que, mais que qualquer outra coisa, manifesta que a salvação passa pela estrada da fraqueza humana. A vida daqueles que receberam o Espírito de Cristo não consiste na fuga do mundo material, mas no caminho comunitário caracterizado pela caridade.

Na Carta aos Romanos, ao invés, a argumentação cristo-lógica está ausente nos primeiros quatro capítulos e, a seguir, aparece somente ao lado da argumentação de tipo sinagogal. Além disso, Paulo descura totalmente os temas eucarísticos e eclesiais, ao passo que desenvolve os temas da ira de Deus, da eleição e da justificação. Ao desenvolver o seu pensamento, re-corre à terminologia e aos procedimentos retóricos e exegéticos do judaísmo do seu tempo. É impressionante o número de ci-tações bíblicas, que supera o de todas as suas outras cartas reu-nidas. Embora querendo apresentar o Evangelho que se refere a Cristo (1,3-9) e que manifesta a gratuidade do perdão de Deus e a sua compaixão (1,10-17), o Apóstolo inicia o seu discurso recorrendo unicamente à tradição judaica, porque esta é a base

8 9

comum que lhe permite entrar em diálogo com os seus interlo-cutores de Roma.

Sugestões para uma leitura paulina. 1. A minha identidade de paulino nasce e se desenvolve a partir do estudo e da meditação das cartas de São Paulo? 2. O Apóstolo confia a sua carta à diaco-nisa Febe. Isto pode significar alguma coisa para o nosso aposto-lado? 3. O que nos ensina a flexibilidade de Paulo em assumir o pensamento e a linguagem dos destinatários das suas cartas?

I. A CARTA E os sEUs TEmAs PRInCIPAIs

O plano da carta é apresentado pelo Apóstolo no final da sua introdução (1,1-17) em dois versículos que constituem a sua tese geral (1,16-17). Com uma formulação elíptica e proposital-mente ambígua, Paulo apresenta aqui as principais questões que serão tratadas em seguida: 1) a fé como princípio de justificação (1,18-4,25); 2); a ação de Deus como motivo (único) de glória do cristão (5,1-8,39); 3) a relação entre os judeus e os gregos (9,1-11,36); 4) a manifestação do poder de Deus na vida dos crentes (12,1-15,13).

1. o único caminho de justificação para todos (1,18-4,25)

a) Diante de Deus não há exceções nem privilégios. Falando aos cristãos de Roma, que se consideravam como judeus que creem em Cristo, o Apóstolo não põe em discussão as con-vicções deles, mas procura definir os princípios da justiça divina com base na Lei mosaica. O ponto de partida para Paulo são os conceitos e imagens usados pelo pensamento judaico com relação aos pagãos, considerados como pecadores pelo próprio fato de viver sem a Lei (cf. Gl 2,15). O discurso do Apóstolo é simplista e não leva em consideração os diversos aspectos da busca de Deus

e da religiosidade dos pagãos, porque ele não entra em particula-res, mas somente menciona os pontos principais do pensamento partilhado pelos seus leitores. Recordando a reflexão tradicional sobre a realidade dos pagãos, Paulo evita em todo caso, desde o início, usar termos que os contrapõem aos judeus, mas fala generi-camente de “homens” (1,18). O Apóstolo progressivamente inclui os judeus na sua descrição. A idolatria (1,23) é apresentada por ele mediante uma alusão ao passado idólatra de Israel (Sl 106,19-20), e depois a sua acusação contra aqueles que julgam os outros e cometem as mesmas coisas (2,1-5) é endereçada a “quem quer que sejas” (2,1), permitindo ver aí quer um filósofo pagão, quer um judeu que reconhece o pecado do gentio. Finalmente, com a menção explícita do judeu que prega o bem e faz o mal (2,17), Paulo esclarece que o princípio que Deus é contrário ao pecado e não o tolera, vale tanto para os judeus quanto para os pagãos.

Na descrição do pecado baseada na experiência (1,18-2,29) o Apóstolo evita expressar-se a respeito do número dos peca-dores. A sua intenção é a de levar gradualmente o leitor a reco-nhecer que o único critério do juízo de Deus é a “circuncisão do coração” (2,27-29). O fato de que alguns pagãos seguem a lei escrita nos seus corações (2,14-15) e que entre os judeus “alguns foram infiéis” (3,3) é já motivo suficiente para negar a diferença entre os judeus e os pagãos com relação ao juízo de Deus e à justificação.

b) Diante de Deus ninguém pode vangloriar-se da pró-pria justiça. Enquanto na primeira parte da sua argumentação Paulo recorre à experiência que faz ver o pecado de alguns e a ira de Deus sobre eles (1,18-2,29), o testemunho da Sagrada Escritura lhe permite afirmar que ninguém pode apresentar-se como justo diante de Deus. Paulo não fala mais da ira contra

10 11

“toda impiedade e injustiça” (1,18) ou de “toda pessoa” que faz o mal (2,1.9), mas de “todo homem” (3,4.9.12.19.20), e constata que nem mesmo os mais piedosos entre os judeus podem sentir-se merecedores de louvor (3,19-20).

c) A redenção em Jesus Cristo. O pensamento tradicional seguido até esse ponto por Paulo leva à aporia. Se a ira de Deus se manifesta contra toda impiedade e os pecadores merecem a morte, como é possível que Deus não destruiu o mundo, não obstante o seu pecado? O apóstolo resolve esta contradição com o anúncio da justificação que é independente da Lei, mas realiza-da por meio da fé em Jesus Cristo (3,21-22).

d) Deus justifica pela fé. Paulo está consciente de que a separação entre a Lei e a justificação põe o problema da coerência de Deus. Deus mudou talvez o seu modo de agir? O Apóstolo responde mostrando, com base na Sagrada Escritura, que a Lei nunca foi instrumento de justificação e que Deus desde sempre justifica unicamente pela fé. A argumentação de Paulo segue os critérios da exegese hebraica do seu tempo. Com base nas suas regras, ele podia relacionar duas passagens bíblicas que, pela in-terdependência entre elas, mostravam a justificação de Abraão como gratuita e faziam ver que o mesmo princípio de justificação, válido para Abraão ainda incircunciso, vigorava também para o judeu circunciso de que fala o Salmo. O Apóstolo sublinha, além disso, que a promessa na qual o patriarca acreditou não se redu-zia ao dom de um filho (Isaac) e de um território delimitado (a terra de Canaã), mas dizia respeito a todos os que creem. A fé, que espera de Deus coisas humanamente impossíveis (4,18-19), encontra o seu cumprimento na fé que reconhece em Jesus o Senhor morto por causa das nossas culpas e ressuscitado para a nossa justificação (4,23-25).

Sugestões para uma leitura paulina. 1. A distinção entre os cris-tãos de origem judaica e pagã hoje não tem importância, mas o discurso de Paulo mostra a relatividade de todas as diferenças cul-turais, rituais e devocionais. O que significa isto para a nossa vida comunitária e para o nosso apostolado? 2. Diante de Deus não há exceções nem privilégios. Que valor tem esta afirmação para a nossa vida de consagrados? 3. Em vista da nossa relação com Deus e com os outros, o que nos ensina a confiança de Abraão, que acredita não obstante a sua velhice e a esterilidade de Sara?

2. o motivo de glória do cristão (5,1-8,39)

Depois de ter apresentado a fé como único caminho de jus-tificação, Paulo fala de pessoas que receberam pela fé a paz com Deus. O que acontece agora com elas? Como organizam a sua vida? Que perspectivas se abrem diante delas? Paulo demonstrou que a Lei mosaica não tem significado salvífico. Agora procura provar que ela não é sequer fonte da vitalidade dos que creem em Cristo.

a) O amor de Deus foi derramado em nossos corações. É significativo que o Apóstolo abra a nova seção detendo-se sobre a glória dos que creem. Paulo já demonstrou que ninguém pode vangloriar-se pelo fato de pertencer a um grupo de eleitos que receberam e seguem uma regra de vida particular (2,17; 3,27). Os crentes não podem, portanto, vangloriar-se nem da própria fé nem das próprias obras, mas devem vangloriar-se da ação de Deus, que se manifesta, antes de tudo, na tribulação deles, isto é, nas suas fraquezas e dificuldades. O motivo de glória, de que Paulo fala, não se reduz a uma satisfação interior, mas indica a manifestação exterior do motivo da própria esperança, que é a justificação gratuita pelo amor de Deus. O Apóstolo insiste sobre

12 13

o excesso do amor de Deus que se demonstra na morte de Cristo pelos pecadores (5,6-10). A sua demonstração tende para a afir-mação de que é o amor de Deus, que se manifesta em Cristo Jesus e é derramado no coração dos crentes com o dom do Espírito Santo, que fundamenta a fé e a esperança do cristão (8,31-39).

b) A nova ordem da graça. Com o confronto entre Cristo e Adão (5,12-21), Paulo retoma a linguagem e o raciocínio sina-gogais, mas sem entrar novamente nos particulares da reflexão judaica tradicional; acena apenas a convicções partilhadas pelos seus ouvintes para relembrar o fato do domínio do mal e da morte sobre toda a humanidade. Porém, simplifica as considerações tra-dicionais sobre o pecado das origens e se concentra unicamente em Adão, para poder estabelecer um confronto entre o primeiro homem, que para ele se torna símbolo de toda pessoa privada da graça de Deus, e Cristo como primícias da nova humanidade (cf. 1Cor 15,20-23.45-49). A justiça de Deus que é dada aos crentes em Cristo, não somente quebra o reino da morte, mas torna cada um dos crentes partícipe do reino de Deus (5,17). Paulo conclui a comparação com a tese sobre o papel limitado da Lei (5,20-21), que ele provará progressivamente nos capítulos seguintes (6,1—8,39).

c) Servir a Deus e à justiça. Paulo, seguindo a tradição ju-daica, distingue entre “pecar” e estar “no pecado”. O crente ainda não está ressuscitado como Cristo e, portanto, experimenta con-tinuamente a sua fraqueza, mas não é mais escravo do pecado. A sua esperança pode ser sólida porque ele está unido a Cristo, morto para o pecado uma vez para sempre e que agora “vive, e vive para Deus” (6,10). O Apóstolo, para sublinhar a necessidade do empenho dos crentes, apresenta o status deles como um servi-ço ao novo patrão. Eles já receberam o Espírito Santo (5,5), mas

estão sempre a caminho (cf. 1Cor 13,12; 2Cor 5,7-8) e devem se esforçar para correr rumo à vida eterna (6,21; cf. 1Cor 9,24-27; Fl 3,13-14). O fato de não mais estar sob a Lei (6,15) não os isenta da obrigação de tender à santidade.

d) Libertados da ânsia do pecado para amar e viver na fraternidade. Paulo explica os seus juízos negativos sobre o pa-pel da Lei (4,15; 5,20; 7,5), descrevendo a experiência do homem que procura atingir a perfeição com as próprias forças (7,7-25). A contraposição entre o “eu” de quem se esforça para cumprir a Lei e o “nós” dos crentes (7,5.6.25) põe em destaque a solidão da pessoa enredada na ânsia da culpa, da morte e da salvação. Os que acolhem pela fé a justificação gratuita são, ao invés, guiados pelo Espírito Santo (8,3-17); e mesmo que continuem a experi-mentar a própria fraqueza, os seus sofrimentos não constituem obstáculo a Deus que os leva à plena glorificação (8,18-30). Os crentes não estão livres do pecado e das suas consequências, cuja morte física é o auge (8,10), mas o Espírito que habita neles é pe-nhor da sua ressurreição e participação da glória de Cristo (8,11). Paulo exorta os crentes a corresponder à graça de Deus, porque vivendo “segundo a carne” poderiam torná-la inútil (8,13). Em todo caso, ele está certo de que o Espírito lhes dará toda a força necessária para que sejam capazes de viver a sua condição huma-na como Cristo, e assim entrar também na sua glória (8,14-17; cf. 1,16; 1Cor 10,13; 2Cor 12,9).

e) Voltados para o futuro na esperança. A razão da glória do crente é a sua esperança (5,2). Os cristãos ainda não par-ticipam, de fato, da glória de Deus, mas da novidade da vida de Cristo (6,1-14). Para Paulo, o mundo presente não está em oposição ao futuro. Ainda que a humanidade, e com ela toda a criação, esteja marcada pelo pecado e pela morte, leva em si os

14 15

germes da sua redenção (8,18-30). A vida cristã não consiste por isso na fuga do mundo, mas na assunção das suas tribulações para viver agora, com paciência e perseverança, do amor do Filho de Deus na esperança da glória futura.

Sugestões para uma leitura paulina. 1. Para Paulo, o agir do cristão é expressão de sua glória pela obra que Deus realiza nele. O que significa isto para o nosso apostolado? 2. Paulo opõe a vida dos filhos de Deus ao perfeccionismo do indivíduo. Somos capazes de confiar no poder de Deus, não obstante a experiência de sermos fraquíssimos, ignorantes, incapazes e insuficientes? 3. Em nossas comunidades, estamos atentos às tribulações e às dores do mundo? 4. Sabemos valorizar os dons do Espírito presentes neste mundo?

3. o mistério do agir de Deus (9,1—11,36)

Paulo negou à Lei o valor salvífico e ligou a filiação e a gló-ria unicamente à relação do crente com Cristo (8,14-30). Como conciliar isto com a revelação bíblica que une a filiação e a glória ao povo de Israel (9,4)? Deus talvez tenha mudado e se demons-trou não confiável? O Apóstolo comprova a continuidade da ação divina na história, revelando progressivamente que Deus quer ser misericordioso para com todos (11,32). Toda a argumentação converge para a exclamação final de admiração e de louvor pela insondável e paradoxal sabedoria divina (11,33-36).

a) Deus permanece fiel à sua palavra. Hoje a separação entre cristianismo e judaísmo é um fato óbvio, mas no tempo de Paulo os cristãos percebiam a sua fé como o auge do judaís-mo, e a recusa de Cristo por parte da maioria dos judeus susci-tava neles grandes perplexidades e oscilações. Paulo começa a sua argumentação procurando provar que o fato de que somente

alguns do povo de Israel acreditaram em Cristo e que a fé foi, ao invés, acolhida por numerosos pagãos, não é contrário à promes-sa de Deus (9,6-29). Neste primeiro passo da sua argumentação o Apóstolo não se detém sobre a questão da responsabilidade de pessoas que se opuseram à fé, mas procura mostrar que a surpre-endente negação de Cristo por parte daqueles que receberam a promessa não indica nenhuma mudança no desígnio de Deus.

Paulo sublinha a incapacidade do homem de compreender o pensamento de Deus e de prever as suas estradas (9,19-21). A supereminência da sabedoria de Deus é ilustrada com exemplos de escolhas divinas contrárias aos critérios de mérito e de prece-dência (9,7-13) e, especialmente, com o endurecimento do Faraó (9,17). O Apóstolo ressalta que, neste último caso, Deus parado-xalmente manifestou seu poder e glória não graças à obediência do chamado, mas servindo-se da sua desobediência. Paulo con-segue ver o mesmo paradoxo na paciência de Deus diante do pecado (9,22). Deus manifesta de fato a sua recusa do mal não na destruição invocada pelo pensamento tradicional que realçava a ira divina (cf. 1,18-32), mas na justificação que permite também aos pagãos de atingir a glória (9,23-24). O extraordinário poder de Deus transforma os “não chamados” (9,8) ou até mesmo os “odiados” (9,13) em filhos do Deus vivo (9,25-26), já que desde os tempos de Moisés, Deus se mostra como o justo quando usa de misericórdia (9,14-16). Paulo faz ver que também a dolorosa experiência da recusa de Cristo por parte da maioria dos judeus não indica nenhuma mudança no modo de agir de Deus, e não contradiz as suas promessas. A distinção entre a descendência física e a de eleição existia desde o início da história do povo de Israel (9,8), e os profetas afirmavam desde sempre que nem to-dos os filhos de Israel fazem parte do grupo dos eleitos (9,27). A eleição não foi incluída por Paulo no elenco dos privilégios dos

16 17

judeus (9,4-5) porque Deus, em todos os tempos e sempre de novo, com o seu chamado garantia que alguns entre os israelitas eram diferentes de Sodoma e Gomorra.

b) Israel não escutou a Deus, mas seguiu o próprio cami-nho. Na segunda etapa do raciocínio (9,30—10,21), Paulo indica o motivo da inesperada reviravolta da situação dos judeus e dos pagãos na culpável desobediência ao Evangelho. O Apóstolo ha-via já demonstrado que a justificação era sempre fruto da fé e não da observância da Lei (4,1-25). Agora, porem, precisa que Deus chama à fé que nasce da escuta da palavra manifestada em Cristo (10,17). Para acolher o chamado de Deus não basta ser zelosos, mas é necessário fazer de Cristo o critério de discernimento para o próprio zelo (cf. Fl1,9-11; Cl 1,9-10; Ef 1,16-19). Jesus Cristo leva a termo toda revelação da vontade de Deus (10,4). Nele é superada também a separação entre judeus e pagãos posta pela Lei (10,12; cf. Gl 3,28; Ef 2,18-22). E a toda pessoa dá-se a possi-bilidade de salvação (10,13). Os judeus, que não reconhecem em Cristo o seu Senhor e se esforçam para seguir a Lei, permanecem fora da justiça de Deus, não obstante todo o seu zelo.

c) O triunfo da misericórdia divina. Na terceira etapa do raciocínio sobre as imprevisíveis estradas de Deus (11,1-32), Paulo apresenta a falência dos judeus como um dom providencial para os que estão longe da graça. O Apóstolo se refere talvez ao fato de que a recusa dos judeus favoreceu a aceitação da possibili-dade de viver a fé em Cristo sem uma pesada bagagem de antigas tradições. Paulo está convencido de que os cristãos provenientes do paganismo podem por sua vez ajudar os judeus, provocando-os à emulação com o seu testemunho de vida de fé livre da Lei (11,3-14). O pecado e a tensão entre a fé e a incredulidade fazem parte, segundo Paulo, do projeto de Deus para o mundo. Deus

valoriza também a infidelidade do homem para mostrar a todos misericórdia (11,32). A salvação não se realiza, de fato, mediante o acolhimento dos bons, mas com base na justificação dos ímpios (4,5; cf. Gl 3,22).

Na metáfora do enxerto (11,16-24), Paulo apresenta um procedimento que contradiz as regras de agronomia. Na prática agrícola são os ramos da oliveira doméstica que, transplantados para a oliveira silvestre, garantem o bom fruto. O Apóstolo evi-dencia o paradoxo da metáfora e dele se serve para expressar o poder da misericórdia de Deus. Os ramos selvagens normal-mente são inúteis e acabam sendo destruídos. A inserção deles “contra a natureza” (11,24) na raiz nobre da fé de Israel convida à confiança também em relação à sorte de todo o povo judaico. Fazendo dos pagãos filhos de Abraão, capazes de produzir frutos bons e abundantes, Deus realizou um enxerto impossível. A in-credulidade daqueles que tinham recebido as promessas de Deus não pode, portanto, tornar inútil o plano divino da salvação. A severidade de Deus em relação aos que caíram (11,22) não pare-ce ser a sua última palavra.

Sugestões para uma leitura paulina. 1. O insucesso da evangeli-zação voltada aos judeus desencorajava muitos cristãos no tempo de Paulo. O seu ensinamento sobre a sabedoria de Deus pode ser para nós motivo de confiança? Como enfrentamos nossas decep-ções e falências no apostolado e na vida comunitária? 2. Os judeus procuravam com zelo responder à vontade de Deus expressa na Lei, mas não perceberam que a Lei terminou com Cristo. Esta ex-periência nos ensina algo a respeito da vontade de Deus expressa na história carismática da Família Paulina? Esforçamo-nos para discernir o que, na vontade de Deus, é atual e o que pertence ao passado?

18 19

4. A vida do cristão torna operante a sua fé (12,1—15,13)

Tendo demonstrado que Cristo leva a termo a Lei, isto é, que todos os crentes, judeus e gregos, sem distinção receberam na palavra de Cristo o critério operativo para o seu comporta-mento (10,1-21), Paulo apresenta agora alguns exemplos con-cretos de como a fé deveria transformar o cristão. A recusa da Lei não significa de fato que os crentes podem viver no pecado (3,8), mas de preferência é um convite a fazer de toda a vida um ato de culto em honra de Deus (12,1-2). No Evangelho o homem pode encontrar o poder de Deus (1,16) que, manifestado na res-surreição de Cristo (1,4), age agora nos crentes permitindo-lhes caminhar numa vida nova (6,4; 1Cor 6,14; 2Cor 13,4).

a) O culto espiritual. O cristão exprime a sua obediência a Deus não mediante simples ritos e tampouco com atos espirituais ou místicos, mas com a oferta do próprio “corpo”, isto é, na trans-formação do seu poder de pensar e de agir conforme a vontade de Deus. O ponto de referência é o conhecimento de Deus misericor-dioso alcançado pela fé em Cristo. O projeto da vida do cristão é, portanto, expresso por Paulo como transformação na imagem de Cristo (2Cor 3,18; cf. 8,29) ou como revestir-se do Senhor Jesus (13,14). A transformação do cristão torna eficaz a fé por meio da caridade (Gl 5,6), mesmo que durante a vida neste mundo tal trans-formação não pode ser nunca considerada acabada (1Cor 13,12; Fl 3,20-21), e requer um contínuo empenho (cf. Fl 3,12-15; 2Cor 7,1).

b) A medida da fé. A primeira ilustração de como a fé de-veria determinar as ações do crente (12,3-8) retoma a imagem do corpo desenvolvida em 1Cor 12—14. Nas exortações dirigi-das aos cristãos de Roma (12,3—15,13), Paulo não se refere aos problemas específicos deles, mas apresenta diversas situações de

vida. A maior parte das indicações destes capítulos já está exposta nas cartas escritas anteriormente (especialmente 1-2Cor e Gl). Paulo as repropõe e elabora para explicitar que o cristão deveria considerar toda a realidade segundo a medida da fé.

c) A perspectiva da fé. O cristão é chamado a reconhecer a sua vida como o tempo especial em que está para se cumprir a sua salvação. Paulo relembra expressões que falam do fim do mundo referindo-as, porém, ao presente. A imagem batismal do revestimento de Cristo (13,14) mostra que a graça, pela qual o cristão já recebeu a nova vida de filho de Deus por adoção (8,15), indica onde seu empenho deve concentrar-se. Paulo fala da apro-ximação da salvação (13,11) não para indicar um dado cronoló-gico sobre o juízo final, mas para exprimir uma característica es-sencial da vida do cristão que não pode deter-se no seu caminho, mas deve voltar-se continuamente para o futuro (cf. 8,23).

d) O respeito recíproco. Em face de diferenças e divisões nas comunidades cristãs, Paulo sublinha a importância do reconheci-mento da diversidade do outro. Ninguém deve violentar a própria consciência (14,23) e ninguém pode desprezar ou condenar os ou-tros por causa das suas fraquezas ou hesitações. Todos os cristãos devem reconhecer a única soberania de Cristo (14,9), mas cada um pode seguir diferentes práticas cultuais e sociais. O critério último das relações recíprocas entre os cristãos é a caridade, que põe o bem do irmão antes da ortodoxia e da ortopraxia (14,15).

e) O exemplo de Cristo. As exortações culminam na apre-sentação das principais características da vida humana de Cristo (15,1-13). Ele é, de fato, o primeiro “entre muitos irmãos”, e a vida cristã consiste em ser conforme a sua imagem (8,29). Nele os crentes encontram o exemplo de quem não busca agradar a si

20 21

mesmo e é capaz de suportar humilhações e insultos para o bem do outro (15,2-3). O acolhimento que Cristo mostrou para com todos, os circuncisos e os gentios (15,8-9), ilumina também a na-tureza da unidade dos cristãos. Paulo sublinha que Cristo aceitou a diversidade dos dois grupos e agiu de maneira condizente com cada um deles.

Sugestões para uma leitura paulina. 1. O convite a considerar todas as realidades da vida segundo a medida da fé pode ter um significado para nossas estruturas apostólicas e religiosas? 2. Que sentido tem para nós hoje o convite a permanecer em contínua conversão? 3. Sabemos valorizar, na perspectiva da fé, a diver-sidade dos carismas dos membros das nossas comunidades? 4. Procuramos construir a união de amor, respeitando a diversidade de pensamento e de comportamento?

II. o BEm-AVEnTURADo TIAGo ALBERIonEE A CARTA Aos RomAnos

0. Apresentação geral

0.1. “São Paulo: o santo da universalidade! A admiração e a devoção começaram especialmente com o estudo e a meditação da Carta aos Romanos. Desde então a personalidade, a santidade, o coração, a intimidade com Jesus, a sua obra na dogmática e na moral, a marca deixada na organização da Igreja, seu zelo por to-dos os povos, foram argumentos de meditação. Pareceu-lhe ver-dadeiramente o Apóstolo: por conseguinte todo apóstolo e todo apostolado poderiam haurir dele”.4

4 História carismática da Família Paulina, n. 64.

De São Paulo, modelo de “todo apóstolo e todo aposto-lado”, Padre Alberione extrai todo o fundamento espiritual da Sociedade de São Paulo e da Família Paulina. Depois de levar em consideração as várias espiritualidades, o Fundador se detém no Apóstolo: “Todavia, passando-se ao estudo de São Paulo, encon-tra-se o discípulo que conhece o Mestre Divino na sua plenitude; ele o vive inteiramente; perscruta-lhe os profundos mistérios da doutrina, do coração, da santidade, da humanidade e divinda-de: considera-o como doutor, hóstia e sacerdote; apresenta-nos o Cristo total, como ele mesmo já se definira: Caminho, Verdade e Vida. Nesta visão encontra-se a religião, dogma, moral e culto; nesta visão encontra-se Jesus Cristo total; com esta devoção o homem é totalmente assumido, conquistado por Jesus Cristo”.5

0.2. Na pregação de 3 de fevereiro de 1958, padre Alberione expõe e comenta o escrito do Apóstolo de modo detalhado:

«Neste ano ocorre o 19º centenário da Carta aos Romanos que São Paulo escreveu de Corinto na casa de Gaio, e provavel-mente no final da terceira viagem apostólica, e mais precisamente antes da páscoa do ano 58. Enviou-a à Igreja de Roma por meio da diaconisa Febe, que, em Corinto, havia ajudado a ele e a mui-tos cristãos.

O Apóstolo nunca tinha estado em Roma, mas se propunha passar por lá indo à Espanha; e esta carta deveria precedê-lo e preparar os ânimos para a sua visita. Entretanto, acontecimentos imprevistos atrasaram a sua viagem, pelo que não lhe foi possível chegar antes do ano 61 e já não livre, mas atado, prisioneiro, impotente. Desse modo, pôde santificar com a dor, mais do que

5 Ib., nn. 159-160.

22 23

com a palavra, este centro da sua nova atividade que devia ser a capital do cristianismo.

A Carta de São Paulo aos Romanos é o primeiro e principal ensaio do apostolado das edições, o modelo sobre o qual deveria modelar-se toda edição paulina. Por isso, quando se construiu a igreja dedicada a São Paulo na casa-mãe, desejou-se representar este belo quadro: o Apóstolo que dita e endereça a sua grandiosa Carta aos Romanos. No fundo aparecem as duas cidades: Corinto de um lado e Roma do outro. O quadro, na sua globalidade, re-presenta bem a índole e a finalidade de nosso apostolado: levar o Evangelho a todas as gentes de todos os tempos pelo exemplo de São Paulo, que foi o fidelíssimo intérprete da doutrina e do coração de Jesus Mestre; incansável apóstolo do Evangelho que ele soube admiravelmente adaptar às várias necessidades das di-versas nações, conforme as necessidades especiais de cada tempo e de cada lugar.

O 19º centenário desta carta já foi celebrado em várias partes do Instituto bíblico ao qual em primeiro lugar cabia essa celebra-ção, sendo esse Instituto criado para a interpretação da Bíblia.

São Paulo, nesta carta, saúda antes de tudo os fiéis de Roma, e enquanto procura bondosamente conquistar-lhes a estima, faz logo, brevemente, uma exposição da sua doutrina, aquela mais tipicamente paulina e que poderia ser chamada “o Evangelho se-gundo São Paulo”.

A esta sintética apresentação da sua pessoa e da sua doutri-na segue-se a tese desta grandiosa carta que poderia ser resumida nestas palavras: “O Evangelho é a força de Deus para a salvação de todo aquele que crê, do judeu em primeiro lugar, depois do grego”.

Depois expõe nos primeiros quatro capítulos as ideias fun-damentais da carta: tanto os judeus como os gentios tinham des-

merecido a salvação e estando abandonados ao mal tinham-se manchado. Os gentios são repreendidos por muitas culpas, e aos hebreus se opõe também a inobservância da lei, principalmente o erro pelo qual eles acreditavam que toda a salvação vinha da Lei.

Para São Paulo, o que salva e justifica, tanto os hebreus quanto os gentios, é a fé; ele o demonstra falando especialmente de Abraão, que teve fé e por essa fé tornou-se o pai de muitos povos no sentido que todos aqueles que crerão devem ser consi-derados como seus filhos; filhos não carnais, mas filhos pela fé. Abraão creu em Deus e a sua fé lhe foi creditada como justiça, como santificação, e as promessas que recebeu se cumpriram, e por meio da fé obteve a graça e a bênção divina.

Deus, para nos mostrar o seu infinito amor, enviou o seu Filho, que se encarnou no seio puríssimo da Virgem, pregou o Evangelho e morreu na cruz para a salvação de todos; e de ini-migos que éramos “fomos reconciliados com Deus mediante a morte do seu Filho”. Quem crer será salvo e quem não crer será condenado.

A fé que realizará a nossa salvação não deve ser, porém, uma fé somente teórica, mas deve ser uma fé eficaz. Todo aquele que crer em Jesus será salvo. Os frutos que vêm da fé em Jesus e da santificação são a paz com Deus, a libertação da escravidão do pecado por meio do batismo; a confiança, aliás, a certeza que vivendo segundo Jesus Cristo se chega à vida eterna, ao paraíso.

Nem todos os hebreus, porém, receberam Jesus Cristo; pelo contrário, muitos recusaram-se a acreditar nele e o crucificaram, mas a reprovação, a obstinação deles não foi geral; de fato, mui-tos acreditaram e todos aqueles que acreditaram tornaram-se fi-lhos de Deus. Entre os que acreditaram, em primeiro lugar está a Virgem Santíssima, seguida por todos os apóstolos. O mundo foi

24

evangelizado pelos apóstolos, que são todos hebreus: São Paulo, São Pedro, Santo André etc.

A reprovação e a cegueira de muitos judeus tinham sido preditas, como tinham sido preditas a vocação e a eleição dos gentios, isto é, dos pagãos, entre os quais estamos nós que entra-mos na Igreja e que teremos parte no reino de Deus: “chamarei meu povo aquele que não era meu povo, e amada aquela que não era amada, e provida de misericórdia aquela que não tinha alcançado misericórdia”.

Todavia, enquanto se apresenta aflito e angustiado pelos seus patrícios hebreus, São Paulo promete a sua oração para ob-ter de Deus o arrependimento deles para que também eles te-nham parte no reino de Deus, e prediz a volta deles: “Deus não repudiou o seu povo que de antemão conhecera”. Portanto, o apóstolo encoraja todos a viver em Cristo; isto é, acreditar na sua palavra, seguir os seus exemplos e praticar os seus preceitos, indicando-nos o caminho certo da salvação.

Em outros quatro capítulos, São Paulo mostra o que devem fazer os que receberam o batismo para comportar-se como verda-deiros cristãos. Fala de três deveres principais:

O primeiro dever é para com Deus e nos impõe conservar puro e inocente o coração, e oferecer a própria vida “como hóstia viva, santa, agradável a Deus, como vosso culto segundo a razão”.

O segundo dever é para com o próximo e nos obriga à ob-servância da caridade que se deve ter segundo o corpo social que é a Igreja: “do mesmo modo que num só corpo temos muitos membros e todos os membros não têm a mesma função, assim nós (embora muitos) somos um só corpo em Cristo, mas indivi-dualmente somos membros uns dos outros”.

Expõe como a caridade é o resumo da Lei, e quem quiser agradar a Deus em primeiro lugar deve praticar a caridade: “Que

25

vosso amor seja sem hipocrisia, detestando o mal e apegados ao bem; com amor fraterno, tendo carinho uns para com os ou-tros, cada um considerando o outro como mais digno de estima. Sede diligentes, sem preguiça, fervorosos de espírito, servindo ao Senhor, alegrando-vos na esperança, perseverando na tribulação, assíduos na oração, tomando parte nas necessidades dos santos, buscando proporcionar a hospitalidade; abençoai os que vos per-seguem, abençoai e não amaldiçoeis. Alegrai-vos com os que se alegram, chorai com os que choram, tende a mesma estima uns pelos outros”.

Com uma série de preceitos, o Apóstolo sugere como deve ser a prática da caridade na vida cotidiana, e como ela é a rai-nha e mãe de todas as virtudes. Termina dizendo: “não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal com o bem”. Miserável seria, de fato, aquela caridade que se limita a um trabalho negativo, isto é, o de evitar o mal. A virtude exige algo mais: o trabalho positivo.

Depois passa a inculcar a submissão às autoridades consti-tuídas, “pois não há autoridade que não venha de Deus, e as que existem foram estabelecidas por Deus. De modo que, aqueles que se revoltam contra a autoridade, opõem-se à ordem estabe-lecida por Deus. E os que se opõem atrairão sobre si a condena-ção”. É necessário, portanto, respeito, submissão, docilidade aos superiores.

Finalmente, São Paulo fala daqueles que foram seus com-panheiros no apostolado e saúda os que já foram seus discípu-los e que se encontravam em Roma. Elenca nada menos que 24 pessoas, recordando o que tinham feito por ele e como o haviam ajudado no seu apostolado; portanto, numa doxologia, que é o digno coroamento de toda a carta, glorifica Nosso Senhor Jesus Cristo e nele o Pai celeste. E termina com a sua assinatura.

26 27

De que modo essa grandiosa carta paulina deve ser con-siderada o modelo das Edições? No sentido de que nela deve modelar-se toda a nossa pregação, a redação e a difusão. Mas de que modo? Revestindo-nos, antes de tudo, de Jesus Cristo.

São Paulo, após a conversão ocorrida em Damasco, levou cerca de dez anos antes de começar a pregar, e iniciou seu minis-tério apostólico somente quando foi chamado a Antioquia por seu primo Barnabé. Mas, oficialmente, foi mais tarde ainda que empreendeu o seu apostolado entre os gentios. Portanto, a seu exemplo, deve-se dar em primeiro lugar importância ao estudo, à piedade, à formação religiosa, para sermos ricos do que que-remos dar.

Se quisermos comunicar às almas a graça, a virtude, é ne-cessário que as possuamos, porque ninguém dá o que não tem. A atividade exterior, as boas palavras, ou o que aprendemos de outros, poderá de alguma forma ajudar, mas erra-se o modo de dá-lo e nem sempre tem conteúdo o que se dá. É necessário pos-suir a graça de Deus e o espírito cristão. É necessário, aliás, ser verdadeiramente religiosos observantes.

São Paulo, além disso, adapta os princípios do Evangelho, interpreta-os, explica-os e dá aos homens do seu tempo, princi-palmente aos pagãos, o que mais convinha à condição, à menta-lidade, à necessidade deles. É necessário ter sempre presente o público a quem nos devemos dirigir, quais leitores, quais espec-tadores do cinema para dar-lhes aquilo que lhes fará maior bem, direta ou indiretamente.

São Paulo é o nosso Pai: dele devemos tomar o espírito, a mentalidade, os sentimentos, isto é, o amor a Jesus Cristo e o amor às almas. Santa foi a conduta, a vida religiosa de São Paulo, assim deve ser a nossa vida! Sermos verdadeiramente filhos de São Paulo!

Imitemos este nosso Pai no zelo. São Paulo encerrava em seu coração todos os povos; afirma que o seu coração tinha se dilatado para conter todos os povos; nas suas intenções, nas suas orações, nos seus desejos, todos estavam presentes. Amor às al-mas, portanto; demonstremos este amor, principalmente, para com os que vivem nas trevas da ignorância.

O coração de São Paulo estava bem impregnado do amor a Jesus Cristo e do amor às almas, e o seu coração estava envolvido com os mesmos sentimentos do coração do Divino Mestre.

Alimentemos o zelo pela salvação das almas, não com mui-tas palavras, essas não são mais que folhas secas e não servem senão para serem jogadas no fogo; é necessária a ação em favor das almas, o apostolado exercido com fervor e por amor, tendo presente todos os homens. Oh, quantos países ainda não foram atingidos! Nações grandes como a China que conta com 540 mi-lhões de habitantes e pouquíssimos entre eles são cristãos!6 Oh, sim! Não obstante o nosso ministério seja ainda tão limitado, é necessário pensar em todos, rezar por todos e desejar a hora de poder chegar a todos.

Entre os livros da Sagrada Escritura, deve-se preferir o evan-gelho e as cartas de São Paulo; e, entre estas, a primeira e a mais importante: aos Romanos. Neste ano, meditemo-la bem. No co-meço, vai parecer um pouco dura, porque São Paulo é o domi-nador da história e tem ideias amplíssimas que nem todos conse-guem imediatamente enfrentar, compreender e assimilar. Mas, se formos humildes, o Espírito Santo falará às nossas mentes e nos fará entender muitas coisas gradativamente.

6 Isso, em 1958. Hoje, a China conta com 1,3 bilhões de habitantes e, se-gundo as estatísticas oficiais, os cristãos ultrapassam 30 milhões; segundo ou-tras estimativas, porém, seriam mais de 100 milhões.

28 29

Não é necessária muita instrução para penetrar a palavra de Deus; mas a primeira condição é, ao invés, a pureza de coração, depois a humildade. São estas duas virtudes que nos abrem para a luz de Deus. Mediante o estudo, o humilde de coração adqui-rirá os conhecimentos necessários, e estes, sob o influxo da luz do Espírito Santo, serão aprofundados; e desta ciência iluminada nascerá o zelo.

Dediquemos este ano ao estudo desta carta, principalmen-te nas Visitas ao Santíssimo Sacramento. No passado, dedicava-se um ano inteiro ao estudo desta carta, nas escolas de Sagrada Escritura, para assimilar seus profundos e altíssimos conselhos.

Num primeiro momento, a carta parecerá difícil, como di-fíceis podem parecer quase todos os escritos paulinos por sua profundidade de conceitos, razão pela qual se exigirá um pouco de mortificação e um pouco de esforço, mas quando se chegar a adquirir o gosto, então quase não se poderá mais afastar-se do pensamento do Apóstolo. E nisto nos dá exemplo o Mestre Giaccardo, que fazia das cartas paulinas o seu alimento espiritual diário, que repartia com aqueles a quem pregava. Se nem todos os conceitos ficarem claros, poder-se-á buscar uma explicação em alguma escola.

O apostolado orientar-se-á cada vez melhor e serão evitados os perigos de desvio. São Paulo lamentava que depois dele sur-giriam pessoas que não seguiriam a nova doutrina e a corrompe-riam com falsas explicações. Esse perigo é de todos os tempos! Nosso apostolado é coisa delicada e pode ser muito mal-enten-dido. Procurar agradar, sim! mas ter em vista a Deus e o bem das almas! Não buscar a estima dos homens, mas o louvor de Deus! São Paulo escreve: “Se eu agradasse aos homens não seria servo de Jesus Cristo”. Buscando agradar o mundo, não se agradará a Jesus Cristo e não se socorre, como convém, as almas.

Examinemo-nos bem, neste ano, sobre este ponto funda-mental da nossa atividade apostólica: o que damos, como o da-mos e a quem o damos».7

Em outro lugar, padre Alberione exprime a conexão entre São Paulo e o apostolado das edições, nestes termos: “O aposto-lado das edições de São Paulo alcança a sua máxima expressão na sua Carta aos Romanos”.8

1. Primeiro capítulo: vv. 1-32

1.1. Refletindo sobre as citações da Carta aos Romanos, en-contradas no atual banco de dados da Opera Omnia Alberioniana, nota-se como o Fundador lança mão desse texto para viver a própria fé e para infundir o “espírito paulino” nos membros das instituições por ele fundadas.

Do ponto de vista quantitativo, isto é, com base na frequ-ência do uso, o interesse do Fundador se concentra nos capítulos 8, 5, 10, 12; os capítulos menos citados são: 3, 4, 2, 14; os capí-tulos restantes são objeto de uso quase equivalente.

Naturalmente, se o uso quantitativo das referências aos versículos específicos de um capítulo pode indicar onde se po-larizou o interesse de padre Alberione, é necessário levar em consideração também o uso qualitativo que ele faz, sobretudo referindo-se ao carisma paulino.

1.2. A consciência da vocação e da missão apostólica de São Paulo leva padre Alberione a sublinhar a beleza da vocação pau-

7 Cf. Espiritualidade paulina, pp. 88-94.8 San Paolo, fevereiro de 1958; cf. Carissimi in San Paolo, organizado por

Rosário F. Esposito, Roma, 1971, p. 606.

30 31

lina e a sua universalidade. “Falando de Jesus, o apóstolo Paulo diz aos Romanos: ‘Por meio dele recebemos a graça do apostola-do para obter a obediência da fé entre todos os gentios’ (1,5). Por Jesus Cristo recebemos a graça e o apostolado; para obedecer-lhe devemos cumprir o apostolado omnibus gentibus, a todas as na-ções. Por isso, São Paulo, embora não tivesse ainda chegado a Roma, já mandava a sua carta in omnibus gentibus”.9

1.3. A universalidade do apostolado paulino é retomada com a referência a 1,14: «Os homens têm direito de receber de nós a luz. São Paulo dizia: “Eu me sinto devedor ‘a todos’ ”. É justo que demos aos homens a luz, que os ajudemos a encontrar a fé».10

1.4. Padre Alberione serve-se de 1,17 para recordar a fonte que alimenta a fé: «Os que leem a Escritura aumentam a sua fé; aqueles que, rezando, têm frequentemente entre as mãos este livro e fazem dele o seu alimento divino cotidiano, pouco a pouco, se tornam sobrenaturais nos pensamentos, sobrenaturais nos raciocínios, sobrenaturais nos juízos e aspirações e se tor-nam homens, como diz o próprio Espírito Santo: ‘o justo viverá da fé’».11

1.5. A atitude dos pagãos que “mantêm a verdade prisioneira da injustiça” (1,18) produz um estado de ignorância para com o criador, desemboca na idolatria e nos valores negativos aos quais estão expostos tanto os pagãos quanto os judeus. Daqui a im-portância atribuída por padre Alberione ao papel da mente e, por conseguinte, ao estudo como caminho para a fé: «Santificar

9 Per un rinnovamento spirituale, Cinisello Balsamo, 2006, p. 512s.10 Às Filhas de São Paulo, 1946-1949, p. 100.11 Às Filhas de São Paulo, 1929-1933, Roma, 2005, p. 352s.

a mente: o estudo das ciências leva a conhecer as obras de Deus. Tal estudo, oferecido ao Senhor, lhe é muito agradável e junto a ele tem mérito. O serviço de Deus, feito com o uso da nossa principal faculdade, que vem dele, nos recorda o dizer do Divino Mestre: “Amarás o Senhor com toda a mente”. ... Todo bem e todo mal têm a raiz e a primeira expressão na mente».12 Com base na sua concepção da personalidade humana, ele também está con-vencido de que não “possuir um verdadeiro conhecimento de Deus” (1,28) leva à escolha de valores humanos que desvirtuam a pró-pria identidade e as relações sociais.

2. segundo capítulo: vv. 1-29

2.1 Para a correção fraterna, padre Alberione se refere a 2,1-2: “O respeito mútuo? O falar bem de todos? O lastimar os erros? Diz o apóstolo São Paulo: existem os que criticam os ou-tros e não veem que cometem os mesmos erros”.13 “São Paulo tem palavras severas para quem prega e faz o contrário; quem con-dena o mal nos irmãos e faz o mesmo mal contra quem insurge; contra os hipócritas que do próximo exigem muito, ao passo que são indulgentes para consigo mesmos. ... É necessário ser o que se quer aparecer”.14

2.2 A teologia do mérito unida às obras do cristão leva pa-dre Alberione a valorizar nesse sentido a referência de São Paulo a Deus que “retribuirá a cada um segundo suas obras” (6): “O paraíso é prêmio desigual. ... Duas pessoas que fazem a mesma jornada,

12 Ut perfectus sit homo Dei, Cinisello Balsamo, 1998, II parte, n. 171.13 Per un rinnovamento spirituale, p. 506.14 Maria Rainha dos Apóstolos, Cinisello Balsamo, 2008, n. 64.

32 33

não têm o mesmo mérito à tarde: quem faz somente por Deus, quanta glória recebe!”15

3. Terceiro capítulo: vv. 1-31

3.1. Por sua formação teológica, pelas interpretações dos protestantes e pelas condenações do magistério, de que foi tes-temunha, padre Alberione não parece propenso a atribuir muita importância ao conteúdo deste capítulo. Sua maior atenção pare-ce concentrar-se na necessidade da fé: «Quantas coisas passam a faltar porque não há a fé! Não há o fundamento! A fé é “radix omnis iustificationis” (cf. 3,26-28), é a raiz de toda santidade, fun-damento de toda a vida espiritual; por isso, recitando o Creio e o Ato de fé, pedimos sempre a graça de crer mais, crer melhor, crer segundo o espírito do Evangelho. Crer segundo o Evangelho».16

4. Quarto capítulo: vv. 1-25

4.1. A ilustração que São Paulo faz da figura de Abraão, pai de todos os crentes, dos incircuncisos e dos circuncisos por sua fé e não por suas boas obras, é usada por padre Alberione para sublinhar a perseverança no crer (cf. 18), mesmo quando as circunstâncias humanas não são favoráveis, como soube fazer a Virgem Maria: «No entanto, Maria não duvidou um instante que o seu filho teria vencido os seus inimigos; manteve-se certa de que teria reinado na terra e no céu: acreditou contra toda a esperança».17

15 Mihi vivere Christus est, n. 12, cf. Viviamo in Cristo Gesù, Cinisello Balsamo, 2008, p. 174s.

16 Às Irmãs de Jesus Bom Pastor 1957, Roma, 1984, n. 361.17 As grandezas de Maria, Albano Laziale, 1953, p. 70.

5. Quinto capítulo: vv. 1-21

5.1. A justificação recebida de Deus em Cristo leva São Paulo a gloriar-se “mesmo nas tribulações” (3); padre Alberione serve-se desta expressão para insistir que as adversidades fazem parte da vida humana e cristã: «Não temos a isenção das doenças, nem da morte. Mas Jesus Cristo com seu exemplo nos ensinou a aceitá-las e torná-las instrumentos de mérito e de glória. Diz São Paulo: “Nós nos gloriamos também nas tribulações, sabendo que a tribulação nos faz exercitar a virtude da paciência” (3); assim se vence a provação e se espera a vida eterna».18

5.2 Utiliza 5,5 para sublinhar a caridade como dom de Deus: «É virtude mais nobre, mais meritória; é um dom que é infundido por Deus no santo batismo junto com a fé e a esperan-ça: “A caridade de Deus foi derramada em nossos corações por meio do Espírito Santo que nos foi dado” (5). Amemos a Deus e ao próximo. Estas palavras indicam o objeto da caridade, que é dúplice, compreendendo Deus e o próximo. “A caridade – diz Santo Agostinho – tem dois braços: com um se agarra a Deus, com o outro ao próximo”».19

5.3 Com a citação de 5,12-21, padre Alberione trata do pe-cado como causa de mal-estar pessoal e social: «“Pelo pecado, a morte” (12). ... Quantos males físicos e morais por causa do pecado! Quantos desgostos e dissabores, quantas inquietações e misérias! E também com relação à tua família, aos companheiros, à tua Congregação, à tua paróquia e ao lugar em que moras!».20

18 Breves meditações para cada dia do ano, Cinisello Balsamo, 2008, p. 160.19 As grandezas de Maria, p. 74.20 Si vis perfectus esse, n. 131; cf. Viviamo in Cristo Gesù, p. 97.

34 35

A consciência do pecado leva a confiar em Cristo: «Ninguém, jamais, perca a esperança da salvação eterna. Se a alma merece por si o inferno, Jesus mereceu o paraíso, no qual cada um pode entrar por ele e com os seus méritos. Nem a gravidade, nem o número dos pecados devem tirar-nos a confiança, pois “onde abundou o pecado superabundou a graça” (20)».21

6. sexto capítulo: vv. 1-23

6.1. «Meu ministério será eficaz na proporção da minha vida espiritual. De um homem de Deus, todos sentem que de-vem aprender. Aquele quê divinal que transparece da sua pessoa, raciocínios, vida simples, piedosa, recolhida, impressiona: os ho-mens o entreveem como “aliquid divinum”; sentem que estão na presença de algo superior. É um homem ressuscitado, elevado acima de cada coisa terrena: “Se morremos com Cristo, temos fé de que também viveremos com ele” (8)».22

6.2. A participação na vida, morte e ressurreição de Cristo se torna o programa da vida espiritual do cristão e do paulino: «São Paulo diz: “Mas agora, libertos do pecado e postos a serviço de Deus, tendes vosso fruto para a santificação e, como desfecho, a vida eterna” (22). “Vivamos vida nova” (4). “Despojai-vos do ve-lho homem, revesti-vos do homem novo, isto é, de Jesus Cristo” (Ef 4,22). Viver segundo Jesus Cristo, revestir-nos de Jesus Cristo significa imitar os seus exemplos».23

21 É necessário rezar sempre, Alba-Roma, 1940, vol. II, p. 185.22 Paulo Apóstolo, Roma, 1981, n. 60; cf. O Apóstolo Paulo, inspirador e mode-

lo, Cinisello Balsamo, 2008, p. 190.23 Breves meditações para cada dia do ano, p. 422.

6.3. «Para expressar a inefável realidade da incorporação do cristão na vida divina, São Paulo cunhou palavras novas, ain-da que agora inadequadas: “Morremos com Cristo: commortui” (2Tm 2,11); “Com ele fomos sepultados: consepulti” (4); “Com ele somos ressuscitados: conresuscitati” (Ef 2,6); “Com ele fomos vivificados: convivificavit nos in Christo” (Ef 2,5); “Fomos enxerta-dos: et complantati” (6,5); “Para vivermos com ele: et convivemus” (2Tm 2,11); “E com ele reinaremos eternamente: et consedere fecit in cælestibus in Christo Iesu” (Ef 2,6)».24

7. sétimo capítulo: vv. 1-25

7.1 A maior parte das citações dos versículos deste capítulo serve para padre Alberione refletir e resolver a luta entre o bem e o mal, presente em todo crente. «Rompida a unidade, razão e coração impulsionam a vontade para caminhos opostos: a razão age por si; o amor descontrolado acende seu fogo terrível nos sentidos e devora o organismo; e a vontade, sem a graça de Deus, é arrastada pelo coração para caminhos lamacentos; eis as duas leis da carne e do espírito, eis o “não faço o bem que quero, mas o mal que não quero” (15.19)».25

7.2. Também para padre Alberione a descrição da luta entre o bem e o mal, que caracteriza a condição humana do crente, tem como êxito final a certeza de São Paulo: «O desespero, o desânimo, o desconforto são doenças opostas, que, no entanto, levam igualmente a deixar os meios de salvação e santificação.

24 San Paolo, junho-julho, 1963; cf. Carissimi in San Paolo, p. 1384s.25 San Paolo, setembro, 1974; cf. Anima e corpo per il Vangelo, Cinisello

Balsamo, 2005, p. 30.

36 37

São Paulo estava também persuadido de que sozinho não teria resistido, mas confiante na promessa e na graça de Deus, pedia “a graça de Deus por meio de Jesus Nosso Senhor” (25)».26

8. oitavo capítulo: vv. 1-39

8.1. Este capítulo concentra o maior número de citações de padre Alberione com aplicações à espiritualidade paulina.

A superação da luta entre a lei da carne e a do espírito, ocor-rida graças à obra de Cristo, educa a desmascarar uma prudência somente humana: «Há também uma falsa prudência: “a prudên-cia da carne” (6), que produz a morte da alma porque está orien-tada a escolher todos os meios para alcançar o maior número de prazeres e de comodidades. Ao passo que a verdadeira prudência do espírito, a prudência cristã, é a que nos faz afastar os perigos do mal e assumir os meios do céu».27

8.2. A persuasão de poder contar com a obra de Cristo ins-pira padre Alberione a ilustrar a vantagem de escolher a mortifi-cação: «Outro impedimento é o espírito mundano... “Se viverdes segundo a carne, morrereis, mas se pelo Espírito fizerdes morrer as obras do corpo, vivereis. Todos os que são conduzidos pelo Espírito de Deus são filhos de Deus” (13-14)».28

8.3. A garantia de sermos filhos de Deus é poder dirigir-nos a ele chamando-o “Abbá”: «Então, o que deve fazer a Sociedade de São Paulo, as Filhas de São Paulo, a Família Paulina no seu conjunto? Procurar fazer o que fez o Mestre Divino: “Ser filhos

26 Breves meditações para cada dia do ano, p. 204.27 Às Filhas de São Paulo 1940-1945, Roma, 2000, p. 327.28 Sacerdote, eis a tua meditação, Alba, 1975, n. 511.

de Deus..., deu o poder de tornar-se filhos de Deus”, fazer fi-lhos de Deus! Eis tudo! O Filho de Deus se fez homem para que nos tornássemos filhos de Deus como ele, e, portanto, irmãos de Jesus Cristo, e olhando para o Pai criador pudéssemos chamá-lo: “Abbá, Pater”, Pai! (15)».29

8.4. A condição de filhos de Deus torna também “herdeiros de Deus”, pelo que vale a pena suportar toda adversidade na vida presente na perspectiva da vida futura em Deus. «Quando o dever exige esforço e renúncia, o pensamento do prêmio que nos aguarda se em nós está vivo, nos anima, nos dá força e nos faz vencer tudo, dado que não há proporção entre o prêmio futuro e as dificuldades presentes: “Penso, com efeito, que os sofrimentos do tempo presente não têm proporção com a glória que deverá revelar-se em nós” (18)».30

Afadigar-se por Cristo tem um prêmio: «Ter no coração uma grande alegria porque não é absolutamente perdido ou inú-til o que fazemos da manhã à noite: “A vossa fadiga não é vã no Senhor” (1Cor 15,58). Breve é o padecer, eterno será o desfrutar. “Os sofrimentos do tempo presente não têm proporção com a glória futura” (18); ter este objetivo acima de tudo: buscar a gló-ria de Deus e a salvação dos homens, mediante todas as dificul-dades que possamos encontrar».31

8.5. Na expectativa de receber o prêmio celeste, vivemos na esperança e na invocação do auxílio de Deus, guiados pelo Espírito: «A meditação é oração mental. São Paulo diz: “Não sa-

29 Às Filhas de São Paulo 1961, Explicação das Constituições, Roma, 2003, n. 261.

30 Às Filhas de São Paulo 1934-1939, Roma, 2003, p. 655.31 Às Filhas de São Paulo 1940-1945, p. 585.

38 39

beis sequer o que vós pedis a Jesus” (26). É verdade, não somos capazes, mas em nós está o Espírito Santo que nos torna capazes de rezar. O Espírito Santo penetrando a nossa alma, forma-a e a santifica. Do fundo da nossa alma faz emergir pensamentos, afetos. Todo pensamento sobrenatural surge por meio do Espírito Santo, e não há nenhum pensamento bom que não venha dele».32

8.6. A expectativa do céu permite valorizar tudo positiva-mente: «Quem faz, erra (alguma vez); mas quem não faz, erra sempre. Não desanimar, manter sempre um otimismo sadio. A his-tória é mestra da vida; e as nossas experiências passadas nos dão lições para o futuro. Perdida uma batalha (enquanto vivemos) há tempo para vencer outra. “Tudo concorre para o bem” (28) quando se tem boa vontade».33

8.7. Talvez o versículo mais citado deste capítulo diz res-peito ao dom de Deus em Cristo para os crentes: “Ser confor-mes à imagem do seu Filho” (29); a verdade teológica recorda o programa da vida espiritual paulina: “... até que Cristo seja formado em vós” (Gl 4,19).

«Donec formetur Christus in vobis. Foi a primeira circular que mandei; agora repito com os mesmos pensamentos: “... esses tam-bém predestinou a serem conformes à imagem do seu Filho, a fim de ser ele o primogênito entre muitos irmãos” (29). O esforço do reli-gioso é trabalhar em vista da perfeição. “Se queres ser perfeito...”. O processo de santificação é um processo de cristificação: “... até que Cristo seja formado em vós” (Gl 4,19). Por isso, seremos santos à medida que vivermos a vida de Jesus Cristo; ou melhor,

32 Pregações às Irmãs Pastorinhas, Roma, 1981, vol. VI, p. 61-62.33 San Paolo, janeiro de 1954; cf. Anima e corpo per il Vangelo, p. 185.

segundo a medida em que Jesus Cristo vive em nós: “o cristão é outro Cristo”; e é o que São Paulo diz de si mesmo: “eu vivo, mas já não sou eu que vivo, pois é Cristo que vive em mim”. Isto se forma em nós gradativamente até “a idade viril de Jesus Cristo”; como gradualmente cresce a criança até tornar-se adulta».34

8.8. O dom de ser “conforme à imagem do seu Filho” é também a garantia da presença de Deus que tira o temor dos obstáculos: «A esperança nos inspira uma generosa operosidade: ardentes desejos do paraíso, ardor na oração, energia no trabalho, a garantia de que Deus está em seus servos fiéis que nele confiam. “Se Deus é por nós, quem será contra nós?” (31). Se Cristo está conosco e nós estamos, de fato, com ele, o que poderão o demô-nio e os homens? Quem está certo da vitória, está firme no bom caminho e no apostolado».35

8.9. «Paulo, o apóstolo que vive em Cristo e o anuncia. Muito se rezou antes de estabelecer o Instituto sob a sua proteção. E escolheu-se um Santo que supera em santidade e, ao mesmo tempo, é admirado no seu apostolado. Ele uniu em si o amor a Jesus Cristo: “Quem me separará do amor de Cristo? A tribulação ou angústia, a fome ou a sede?...” (35). Nada. Nem a vida, nem a morte. E a morte não foi capaz de afastá-lo de Jesus Cristo; cami-nhou intrépido, percorreu a via Ostiense, chegou às Três Fontes, inclinou a cabeça: “Nem a morte, nem a vida me afastam do amor a Jesus Cristo”. E cumpriu, antes de dar este último testemu-nho de amor a seu Mestre, uma vida de apostolado. Apostolado completo!»36

34 San Paolo, fevereiro-março-abril, 1965; Carissimi in San Paolo, p. 11.35 Breves meditações para cada dia do ano, p. 202.36 Às Filhas de São Paulo 1961, Explicação das Constituições, p. 261.

40 41

9. nono capítulo: vv. 1-33

9.1. A vida espiritual é colaboração com a misericórdia de Deus: «Temos tanta confiança de que o Senhor preencha todas as partes da nossa alma, de tal modo que, segundo a nossa medida, se possa dizer de nós: “cheia de graça”. Deus é tudo, mas a alma é capaz de pouco; “a iniciativa não é do homem que quer ou que corre, mas de Deus que usa de misericórdia” (16). Não é o agitar-se ou o muito falar, mas esperar em Deus que é caridade».37

9.2. A vocação universal dos judeus e pagãos recordada por São Paulo é retomada por padre Alberione como uma di-mensão do apostolado paulino: «Hoje, mais do que no passado, é necessário um estudo suficiente da sociologia. A nossa vida se desenvolve em grande parte em sociedade; e é na sociedade que se deve exercitar o apostolado e santificar os relacionamentos. A sociabilidade pede uma convivência serena; mas quer ao mesmo tempo uma convivência benéfica e apostólica também na família humana mais ampla: “Chamou-nos não somente dentre os ju-deus, mas também dentre os povos pagãos” (24)».38

10. Décimo capítulo: vv. 1-21

10.1. A atenção de padre Alberione polariza-se nos versí-culos com os quais São Paulo descreve o meio privilegiado do anúncio do Evangelho: a pregação (14-18), porque lhe permi-tem uma aplicação original do apostolado paulino, sobretudo ao empenho da difusão no apostolado das edições. «“A fé depende

37 Às Filhas de São Paulo 1940-1945, p. 666.38 San Paolo, novembro de 1953; cf. Anima e corpo per il Vangelo, p. 138.

da pregação; a pregação, do mandato de Cristo” (17). A dignida-de e o mérito do propagandista resultam de modo confiável deste trecho de São Paulo. O propagandista canaliza a execução e o elemento essencial para o apostolado. Para que serviriam os bons livros, os bons periódicos, os bons filmes, se permanecessem no armazém? Seria a luz debaixo do alqueire; o Mestre sem discípu-los. Como se manteria vivo o apostolado se não fosse alimentado com a entrada dos fiéis?»39

«A pregação é, geralmente, anunciação, manifestação: “Dizei-o em plena luz, pregai-o acima dos telhados”. Falando es-pecificamente: é evangelização, anunciar a boa nova, “a palavra do Senhor a partir de Jerusalém”. “Como poderiam crer se não lhes tivesse sido anunciado?” (cf. 14s). Ela é necessária: em todo tempo, porque cada tempo vê transformar-se a geração sobre a terra; em todo lugar, porque é preceito: “no mundo inteiro, ... a toda criatura”; a todo homem, pois todos têm: inteligência para compreender e elevar-se a Deus, alma a salvar, ignorância deriva-da do pecado original».40

10.2. Para reforçar o admirável empenho, sobretudo das Filhas de São Paulo, de passar de casa em casa para a difusão, padre Alberione sublinha com força: «Certamente a propaganda requer maior sacrifício, mas deve-se pensar nos maiores méri-tos de cada uma que exerce esse trabalho: “Bem-aventurados os pés de quem leva a paz, de quem leva o bem, de quem leva o Evangelho” (15). Os anjos contam esses passos. No julgamento de Deus, as irmãs saberão quantos passos deram e tudo terá o seu

39 San Paolo, setembro, 1961.40 Apostolato stampa, Alba, 1933, p. 3; cf. L’Apostolato dell’Edizione, Cinisello

Balsamo, 2000, n. 13.

42 43

prêmio. As carteiras de Deus, as carteiras da Igreja! Revigorar ou relembrar as bem-aventuranças de quem faz a difusão, a propa-ganda, que já tinham sido escritas há algum tempo».41

10.3. Não é somente a difusão, mas o apostolado paulino no seu conjunto que é interpretado à luz do que São Paulo diz a respeito da pregação; estamos diante de uma comovente pági-na do Fundador: «As máquinas são matéria; e esta só é atraente para o homem cristão porque o próprio homem não é somente espírito. Mas esta matéria que constitui as máquinas é obra de Deus e é trabalhada pelo gênio maravilhoso do homem a quem o Criador a tinha entregue. Estas máquinas maravilhosas se tornam preciosas e venerandas, como é precioso e venerando o púlpito ao orador sacro.

São Paulo, naquele monumento de conhecimento e de ca-ridade elevado diante dos séculos — sua Carta aos Romanos — exclama: “A fé vem da pregação e a pregação é pela palavra de Cristo... Quão maravilhosos os pés dos que anunciam boas notícias” (15-17). Como são belas as máquinas destinadas aos evangelizadores do bem. O apóstolo da boa imprensa diante das máquinas experimenta algo maior do que São Francisco quando sentia sair da alma o hino ao irmão sol. O pensamento do apósto-lo se transfere para a máquina que o materializa numa folha que é quase viva porque traz verdades eternas, alimento espiritual que nutrirá infinitos leitores: “Nem só de pão vive o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus” (Mt 4,4). A divina Sabedoria nutriu pela palavra divina o coração e a alma do após-tolo, que a meditou sobre as divinas escrituras; da sua alma pas-sou a adquirir consistência, encarnar-se, materializar-se mediante

41 Às Filhas de São Paulo 1961, Explicação das Constituições, p. 293.

o crisol, as espirais, as engrenagens, os platôs de uma máqui-na; saiu com o corpo de papel; ela será o pensamento de outros homens, de outras almas; passará os mares, saltará os montes, tornará fraternais os sentimentos, as ideias de duas pessoas que nunca se viram, o escritor e o leitor; cristão o escritor, cristão o leitor. A verdade divina ilumina o mundo, o reino de Jesus Cristo conquista novas mentes, novos espíritos, novos corações».42

11. Undécimo capítulo: vv. 1-36

11.1 São Paulo usa a imagem de uma oliveira selvagem en-xertada numa oliveira boa para passar a ideia de que os gentios foram inseridos na revelação de Deus ao povo hebreu (17-24). Padre Alberione utiliza com certa abundância esta comparação para explicar o dinamismo da espiritualidade paulina, a cristi-ficação.

«Pensar na inserção em Cristo Mestre, meditar o que fez, como viveu. Então honrar Jesus Cristo Mestre, e sempre mais introduzir em nós esta devoção, inserir-nos nós mesmos nele. Tu que eras uma oliveira selvagem foste enxertado por meio de um enxerto tomado de uma oliveira doméstica, sadia, perfeita (cf. 24). Enxertados em Cristo: a cabeça, o coração, a mente, as atividades, as obras, todo o apostolado, sim, todo apostola-do! Quando se sentem as almas, quando se sente a missão, a vocação...»43

«Segredo de grandeza é modelar-se em Deus, vivendo em Cristo. Por isso, seja sempre claro o pensamento de viver e agir

42 La primavera paolina, organizado por Rosário F. Esposito, Roma, 1983, pp. 141-142. Cf. L’Apostolato dell’Edizione, pp. 365-366.

43 Às Filhas de São Paulo 1961, Explicação das Constituições, p. 262.

44 45

na Igreja e pela Igreja; enxertar-se como oliveira selvagem na oli-veira vital (cf. 24), Cristo Eucaristia; pensar e nutrir-se de cada frase do Evangelho conforme o espírito de São Paulo».44

11.2 São Paulo, diante do projeto misterioso da salva-ção pensado pela Providência, louva a Sabedoria divina; padre Alberione, consciente das “abundantes riquezas” espalhadas por Deus ao longo do processo fundacional que se concretizou na Família Paulina, convida ao reconhecimento pela variedade das vocações: «Quem conhece os desígnios divinos? A nós cabe a tarefa de manter o ouvido aberto para ouvir o som do sino divino, a hora de Deus! Que a Regina Apostolorum pode antecipar. Assim como fez nas núpcias de Caná, quando Jesus tinha respondido: “minha hora ainda não chegou”; Maria com a sua missão e fé a fez antecipar. Possamos exclamar com São Paulo: “Oh abismo da ri-queza, da sabedoria e da ciência de Deus! Como são insondáveis seus juízos e impenetráveis seus caminhos!” (33)».45

12. Duodécimo capítulo: vv. 1-21

12.1 O convite de São Paulo aos Romanos a fim de que ofereçam a Deus o próprio corpo como um “culto racional” (1), é assumido por padre Alberione para interpretar o trabalho exi-gido pelo apostolado paulino: «O trabalho do paulino (sacerdote ou discípulo) tem uma característica: Jesus-operário trabalhan-do produzia coisas pobres; São Paulo produzia tendas militares chamadas cilícios, ao passo que o paulino exercita um aposto-lado direto dando com o Evangelho a verdade, exercendo um

44 História carismática da Família Paulina, p. 95.45 San Paolo, junho-julho, 1961; cf. Carissimi in San Paolo, p. 739.

ofício de pregação tornado missão e aprovado pela Igreja. ... Há o martírio pela fé, há o martírio pela caridade. Ora, o trabalho de apostolado é exercício de caridade como o é o do confessor. ... É oferecer o nosso corpo a Deus. No sentido de São Paulo: “Exorto-vos, portanto, irmãos pela misericórdia de Deus, a que ofereçais os vossos corpos como hóstia viva, santa e agradável a Deus: este é o vosso culto espiritual!” (1)»46

12.2 O objetivo de todo apostolado paulino é levar o ho-mem todo a prestar culto a Deus: «Também na exposição da ma-téria, o apostolado da imprensa deve ser pastoral. Dirigir-se a todas as faculdades do homem: inteligência, vontade e sentimen-to para que todas sejam nutridas dos dons divinos, do próprio Deus; para que o homem se transforme em Deus. O homem todo deve dar glória a Deus de modo conveniente: todas as suas ener-gias devem dobrar-se diante dele para prestar-lhe íntegra e sábia homenagem, “obséquio racional” (1)».47

12.3 A imagem dos crentes descritos como multiplicidade de membros que formam o único corpo de Cristo (4-5), é apli-cada por padre Alberione à Congregação: «Todas têm influência na Congregação. Do mesmo modo que a Congregação é, como a Igreja, o corpo místico de Jesus (cf. 4-5), se o sangue que nela circula não é bom, toda Congregação sofre as consequências».48

12.4 Para reforçar a tenácia pessoal e para favorecer a vida comunitária, padre Alberione se refere várias vezes a 12,21: «As maiores batalhas se combatem na mente. Aí deve concentrar-se

46 San Paolo, janeiro, 1954, cf. Anima e corpo per il Vangelo, p. 173s.47 L’Apostolato dell’Edizione, n. 31.48 Às Filhas de São Paulo 1940-1945, p. 177.

46 47

o esforço. É necessário vigiar sobre os pensamentos, porque não é possível fechar ermeticamente cada porta. Colocar pensamen-tos bons no lugar dos maus: “Vence o mal com o bem” (21). Substituir as leituras vazias ou más com leituras sadias. Se salvas a mente, salvas a ti mesmo».49

«Se vences o mal com o bem (cf. 21)... consequentemente naquelas casas reinará a paz, a concórdia, a boa harmonia, a coo-peração e o auxílio mútuo».50

13. Décimo terceiro capítulo: vv. 1-14

13.1 São Paulo recomenda aos cristãos de Roma que obe-deçam às autoridades civis e se comportem como cidadãos ob-servantes das leis, porque “não há autoridade que não venha de Deus” (1). Falando do papel da autoridade, tanto na sociedade civil como nas comunidades religiosas, padre Alberione partilha a necessidade de ver nas “autoridades” a vontade de Deus. «Deus não vem dar-nos diretamente preceitos particulares: ele se faz re-presentar pelos Superiores. Na sociedade deve haver quem guia, na família, na comunidade, no país, na Igreja, em toda organiza-ção. “Não há autoridade que não venha de Deus” (1), e obedecer aos Superiores é obedecer a Deus».51

13.2 A vida de comunidade encontra em 13,8 uma regra eficaz: «Haja somente o amor entre todas. Haja somente o amor! É o que diz o apóstolo São Paulo: “Não devais nada a ninguém a não ser o amor mútuo” (8)».52

49 San Paolo, outubro de 1964; cf. Anima e corpo per il Vangelo, p. 45.50 Às Irmãs de Jesus Bom Pastor 1958, Roma, 1984, n. 48.51 Breves meditações para cada dia do ano, p. 237.52 Às Filhas de São Paulo 1961, Explicação das Constituições, n. 398.

13.3 Padre Alberione, referindo-se a 13,12-14, encontra uma confirmação da eficácia a ser atribuída ao apostolado das edições: «Eis um exemplo do valor da Palavra divina: quando S. Agostinho, jovem, encontrava-se na suprema luta interior, ouvi-da uma voz misteriosa, três vezes repetida: “pega e lê!”, tomou nas mãos a bíblia, abriu-a ao acaso e encontrou as palavras: “A noite avançou e o dia se aproxima. Portanto, deixemos as obras das trevas e vistamos a armadura da luz” (12-14)».53

A referência frequente à conversão de S. Agostinho, gra-ças à leitura da bíblia, confirma a convicção da igual dignidade entre a “pregação escrita e a pregação oral”. Santo Agostinho lê a palavra de Deus; outro grande santo a escuta: «Santo Antônio Abade é outra grande pérola da Sagrada Escritura. As palavras do Evangelho: “Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens e dá aos pobres e terás um tesouro nos céus, depois, vem e segue-me” (Mt 19,21), ouvidas na igreja, o sensibilizaram. O jovem decide deixar tudo. Foi, vendeu tudo e o distribuiu aos pobres: depois, retirando-se para o deserto, fez rigorosíssimas penitências e se tornou famoso pelos seus milagres. Ele é o grande patriarca dos Cenobitas».54

14. Décimo quarto capítulo: vv. 1-23

14.1 Algumas diretrizes, dadas por São Paulo para resolver o antagonismo entre os cristãos de Roma, servem a padre Alberione como orientação para a vida cristã e comunitária: «Por vezes acontece julgar como almas perdidas aqueles cristãos que não fazem certas práticas de piedade, ou que não as fazem bem. Ora,

53 San Paolo, outubro-novembro, 1965.54 Leggete le Sacre Scritture, Cinisello Balsamo, 2004, n. 147.

48 49

nós não sabemos como é o coração dos outros. Nunca devemos julgar. “Quem és tu que julgas o teu irmão?” (10). Deixa que o Senhor o julgue, ele julga o irmão e julga também a nós».55

14.2 A vida de fé na sociedade se manifesta também com a atenção pela fé dos outros: «São Paulo quer que sejam evitadas também aquelas palavras e obras que embora indiferentes em si, pela ignorância ou pela fraqueza do irmão, podem se tornar in-centivos ao mal. Ele quer que os mais instruídos levem em conta os escrúpulos do próximo: “A fim de que a tua ciência não perca o irmão, por quem Cristo morreu” (1Cor 8,11; cf. 14,13)».56

15. Décimo quinto capítulo: vv. 1-33

15.1 A dedicação de Cristo por nós é exemplo para a nossa responsabilidade social no viver a fé: «São Paulo é o grande Doutor dos gentios. Poder-se-ia por toda a vida fazer a medita-ção sobre as suas cartas e sobre a sua própria vida sem esgotar o assunto. São Paulo diz: “Cada um de nós procure agradar ao próximo, em vista do bem, para edificar. Pois também Cristo não buscou a sua própria satisfação...” (2-3). Vivemos em sociedade: somos membros de uma sociedade civil, de uma sociedade reli-giosa e de uma Congregação. Vivendo em sociedade temos obri-gações especiais para com os outros membros, porque estamos em contato contínuo. Além de pertencer a um corpo, estamos em contato contínuo com os outros membros, e temos sempre alguma influência: benéfica ou maléfica. Ninguém pode dizer: posso não dar bom exemplo, mas também não dou escândalo.

55 Padre Alberione às Apostolinas 1957, p. 195.56 Breves meditações para cada dia do ano, p. 213s.

Não é possível: a nossa atitude impressiona os outros. Também o nada fazer é já escândalo, porque devemos fazer o bem; também o ser mornos já é escândalo porque devemos causar boa impres-são. Não induzir os outros à frieza. Não podemos dizer: penso em mim».57

15.2 A abnegação de Cristo é critério necessário para a pas-toral vocacional e etapas formativas: «Na escolha dos jovens, principalmente quando se aproxima a aceitação definitiva para a profissão, atentamente, devemos considerar se eles dão esperança de serem úteis à Igreja por meio da Congregação. A Congregação deve ser a reunião de pessoas ativas, de iniciativas e, na sua ativi-dade, de resultados concretos. Não se pode vê-la como um lugar para viver tranquilamente, mas o lugar para servir ao Senhor, à Igreja, às almas. Este serviço deve apresentar-se com espírito combativo: ... [do contrário] não podem cuidar dos interesses de Deus nem das almas: “Cristo não buscou a sua própria satisfação” (3). ... Cada um deve produzir frutos, não comer frutos».58

15.3 A consciência que São Paulo tem da sua missão junto aos gentios deve caracterizar, segundo Alberione, o carisma pau-lino: «O apóstolo das edições se apresenta como São Paulo: “Para que eu fosse ministro cultual em relação aos pagãos” (16). Jesus Cristo “do qual me tornei ministro” (Cl 1,23). “Considerem-nos os homens como servidores de Cristo e administradores dos mis-térios de Deus” (1Cor 4,1). O apóstolo das edições apresenta a doutrina da Igreja em primeiro lugar. Os Apóstolos pregavam antes que os Evangelhos fossem escritos».59

57 Per un rinnovamento spirituale, p. 502.58 San Paolo, fevereiro, 1936; cf. Carissimi in San Paolo, p. 55.59 Ut perfectus sit homo Dei, 1936, IV parte, n. 123.

50 51

16. Décimo sexto capítulo: vv. 1-27

16.1 Os inúmeros nomes femininos que aparecem no con-sistente elenco das saudações, no final da carta paulina, tranqui-lizam padre Alberione quanto a sua sensibilidade e abertura para com a participação da mulher na missão paroquial e da mulher consagrada na missão paulina. «Bendita a mulher de zelo! São Paulo para ela deixou escritas palavras que se referem a Febe, Evódia e Síntique: as quais trabalharam comigo pelo Evangelho (cf. 16,1-2; Fl 4,2-3)».60

16.2 Dirigindo-se às Filhas de São Paulo, padre Alberione realça a sua identidade apostólica: «No espírito tendes os meios mais poderosos para adquirir méritos, no apostolado tendes tam-bém os meios mais potentes para fazer o bem. Sede como aquelas mulheres que ajudaram São Paulo no apostolado (cf. c. 16). O Senhor vos preparou um mistério de graça, vós tomais a palavra de Deus e a espalhais por toda parte».61

III. os PAULInos DE HoJE InTERPRETAmA CARTA Aos RomAnos

0. metodologia interpretativa do bem-aventurado Tiago Alberione

0.1 Visto que, entre as cartas de São Paulo, a Carta aos Romanos é a mais longa, paralelamente — julgando com base na quantidade das citações que se encontram na Opera Omnia —

60 A mulher associada ao zelo sacerdotal, Cinisello Balsamo, 2001, n. 90.61 Às Filhas de São Paulo 1929-1933, p. 458.

penso poder afirmar que ela é também a carta mais usada por padre Alberione para a reflexão pessoal e para os seus escritos e discursos.

O conjunto de citações expostas acima é apenas uma sele-ção entre as muitas disponíveis. Não se trata, portanto, de uma apresentação exaustiva, mas de uma simples proposta metodoló-gica que pode ser retomada e aprofundada. Pareceu-me útil, de fato, oferecer uma contribuição de estudo direto das citações da Carta aos Romanos, para que possamos inteirar-nos da origina-lidade da interpretação de padre Alberione e, ao mesmo tempo, do contexto cultural e teológico que orienta a sua leitura, por vezes devedora ao seu tempo.

Levando em conta os estudos atuais sobre a Carta aos Romanos é fácil perceber escolhas realizadas pelo Fundador e cri-térios que ele usou para suas aplicações. É suficiente examinar bem os capítulos que são usados em maior número e os que são pouco citados, ou os versículos aos quais ele não faz menção alguma.

Como sabemos, padre Alberione não é um biblista nem um teólogo especialista do pensamento de São Paulo, mas certamen-te é singular no interpretar o Apóstolo com intento de fazê-lo reviver não em um texto de estudo, mas mediante o carisma pau-lino e as Instituições por ele fundadas com a finalidade de “ser São Paulo vivo hoje”.

Do mesmo modo que as cartas que hoje os estudiosos não atribuem mais diretamente a São Paulo, mas à redação de comu-nidades cristãs que continuaram a pensar e a viver a experiência de fé conforme o “Evangelho de Paulo”, assim padre Alberione “escreveu” uma carta que se inspira em São Paulo, elaborando o carisma paulino da evangelização na comunicação com a comunicação e ligando à espiritualidade de São Paulo todas as Instituições que formam a Família Paulina.

52 53

0.2 É desta “genialidade” de fundo que nós, Paulinos de hoje, devemos haurir a nossa metodologia interpretativa de São Paulo na sua integralidade. Estou convencido de que a pregação do dia 3 de fevereiro de 1958, por ocasião do 19º centenário da Carta aos Romanos, contém “critérios hermenêuticos” ainda váli-dos para interpretar hoje a Carta aos Romanos.

Sintetizo as indicações do Primeiro Mestre que considero insubstituíveis para os Paulinos de todos os tempos:

a) «A carta de São Paulo aos Romanos é o primeiro e prin-cipal ensaio do apostolado das edições, o modelo em que se deveria modelar toda edição paulina».

b) O quadro no templo de Alba, que representa São Paulo ditando a carta da cidade de Corinto, tendo no fundo a cidade de Roma, «representa bem a índole e a finalidade do nosso apostolado: levar o Evangelho a todas as nações de todos os tempos pelo exemplo de São Paulo, que foi fidelíssimo intérprete da doutrina e do coração de Jesus Mestre; incansável apóstolo do Evangelho que ele soube adaptar de modo admirável às várias necessidades das diversas nações, conforme as necessidades especiais de cada tempo e de cada lugar».

c) «De que modo esta grandiosa carta deve ser considera-da o modelo das Edições? No sentido de que nela deve modelar-se toda a nossa pregação, a redação e a difusão. Mas de que modo? Revestindo-nos antes de tudo de Jesus Cristo. ... Portanto, a seu exemplo, deve-se dar em pri-meiro lugar importância ao estudo, à piedade, à formação religiosa para sermos ricos do que queremos dar».

d) «São Paulo, além disso, adapta os princípios do Evan-gelho, interpreta-os, explica-os e dá aos homens do seu

tempo, principalmente aos pagãos, o que mais convinha à condição, à mentalidade, à necessidade deles. É neces-sário ter sempre presente o público a quem nos devemos dirigir, quais os leitores, quais os espectadores do cine-ma para dar-lhes aquilo que lhes fará maior bem, direta ou indiretamente».

e) «São Paulo lamentava que depois dele surgiriam pesso-as que não seguiriam a nova doutrina e a corromperiam com falsas explicações. Esse perigo é de todos os tempos! Nosso apostolado é coisa delicada e pode ser muito mal-entendido. Procurar agradar, sim! mas ter em vista a Deus e o bem das almas! Não buscar a estima dos homens, mas o louvor de Deus! São Paulo escreve: “Se eu agradasse aos homens não seria servo de Jesus Cristo.” ... Examinemo-nos bem, neste ano, sobre este ponto fundamental da nossa atividade apostólica: o que damos, como o damos e a quem o damos».

0.3 Em síntese: a Carta aos Romanos é o modelo de toda pregação paulina, redação e difusão, porque nela encontramos São Paulo revestido de Cristo e capaz de adaptar o Evangelho aos homens do seu tempo, principalmente aos gentios. Também para o Paulino é necessário o constante empenho de revestir-se de Cristo, aplicando-se ao estudo, à piedade e à formação religio-sa para poder adaptar o Evangelho ao povo da comunicação de hoje. O amor a Deus e às almas nos deve preservar de qualquer tentação de desvirtuar o nosso apostolado para agradar aos ho-mens, sabendo interrogar-nos constantemente sobre os conteú-dos, sobre os meios e as linguagens e seus destinatários.

Por isso pode ser útil fixar nossa atenção na descrição uni-tária que padre Alberione traça do carisma paulino: revestir-se

54 55

de Cristo para saber adaptar o Evangelho aos diversos des-tinatários; levando em conta que a constante fidelidade a esta unidade comporta, ao mesmo tempo, a observação atenta da eficácia apostólica avaliada sobre o bem das almas.

Os critérios indicados pelo nosso Fundador para a inter-pretação de São Paulo hoje e, particularmente, para a leitura da Carta aos Romanos devem ser usados após ter realizado um estu-do aprofundado do pensamento do Apóstolo com base na abun-dante documentação de pesquisas e estudos especializados. A aplicação dos conteúdos da Carta aos Romanos ao carisma pauli-no será tanto mais eficaz e útil, quanto maior for o conhecimento dos estudos interdisciplinares atuais.

1. Unidade do carisma paulino: 1,1-7

1.1 Padre Alberione percebe na Carta aos Romanos a inte-gralidade da figura de São Paulo «revestido de Cristo e capaz de adaptar, interpretar, explicar e dar aos homens, sobretudo aos gentios, o evangelho». Nestes termos estão descritos to-dos os elementos da evangelização: o apóstolo, a mediação do Evangelho, os destinatários do anúncio.

Nos sete versículos que contêm o endereço e a saudação aos Romanos, São Paulo sintetiza a unidade fecunda que, pela graça, se realiza na sua pessoa: “Servo de Jesus Cristo, chamado para ser apóstolo, escolhido para o Evangelho de Deus; ... por meio de Cristo recebemos a graça e a missão apostólica para levar à obediência da fé todos os gentios”.

O processo comunicativo em que São Paulo se sente in-serido, e que vive, compreende a mobilização nele da ação de Deus, de Jesus Cristo e dos gentios. Do ponto de vista da his-tória da salvação trata-se de elementos diferentes, concatenados

entre eles e realizados sucessivamente, mas no “mistério” do de-sígnio misericordioso de Deus tudo é concebido em uma unida-de simultânea.

Tanto o Seminário sobre A atualização do carisma paulino no terceiro milênio: espiritualidade e missão (Ariccia, 18 de junho – 3 de julho de 2008), a que serviu de moldura o texto Impulsionados pelo Espírito a atualizar o carisma paulino (4 de abril de 2009),62 quanto o Seminário internacional sobre São Paulo (Ariccia, 19-29 de abril de 2009), fizeram compreender melhor a unidade do carisma paulino nos seus componentes de amor a Deus e amor ao próximo, de contemplação e ação, de vocação e missão, de evangelização e profissionalismo em comunicação, de fideli-dade aos conteúdos da fé e preocupação pastoral, para que eles se tornem salvação para os homens de hoje.

Na gênese histórica da elaboração do carisma paulino, mais do que de uma prioridade, trata-se de uma unidade fecun-da entre a motivação teológica da missão: “Vinde a mim todos” (Mt 11,28) e a escolha pastoral do apostolado da imprensa para atingir as massas que se afastam da Igreja. Esta síntese encontra-se bem expressa na exclamação de São Paulo: “Ai de mim se eu não evangelizar!” (1Cor 9,16): a fé é por sua natureza missionária, não solitária, e a vocação é para a missão.

Por força desta unidade inseparável, também o processo de atualização do carisma paulino, na perspectiva da celebra-ção dos cem anos do seu nascimento, pode seguir dois percursos complementares que, embora partindo de pontos de vista dife-rentes, conduzem ao mesmo objetivo.

62 Cf. Atas do Seminário internacional: A atualização do carisma paulino no terceiro milênio: espiritualidade e missão, Roma, 2009 pp. 5-49.

56 57

1.2 O carisma paulino pode ser atualizado partindo da pes-soa de São Paulo revestido de Cristo e empenhado em adaptar o evangelho aos gentios: a celebração do Ano paulino (2008-2009) deu uma amostra da fecundidade deste percurso. Por indicação do próprio Primeiro Mestre, São Paulo é a fonte originária: «Todos devem considerar como pai, mestre, modelo, fundador somente São Paulo apóstolo. Ele o é de fato. Por meio dele nasceu toda a Família Paulina. Por ele foi alimentada e cresceu. Dele recebeu o espírito», razão pela qual, paradoxalmente, padre Alberione pede para «desaparecer da cena e da memória».63 Naturalmente, para nós, é claro que não podemos dispensar padre Alberione se qui-sermos chegar a São Paulo e, por ele, a Cristo Mestre Caminho, Verdade e Vida, guiados pela interpretação original e audaz con-tida no carisma paulino.

Meditando atentamente sobre o pensamento e sobre a ati-vidade apostólica de São Paulo com relação aos gentios, com as devidas transposições para os contextos atuais, encontra-se o modelo do evangelizador e da evangelização que os progressos da comunicação — imprensa, audiovisual, multimedial, e em rede — postulam. Confinar São Paulo somente à inspiração es-piritual significa redimensionar a própria figura do Apóstolo e, ainda mais preocupante, desconhecer a própria herança que nos foi deixada com clareza pelo Fundador.

O carisma paulino pode ser atualizado também partindo do estudo atento e multidisciplinar da comunicação atual, enten-dida não só como o conjunto das tecnologias em uso hoje na sociedade, sobretudo as digitais, mas como fenômeno complexo que produz uma cultura e, hoje, uma multidão de projetos in-

63 História carismática da Família Paulina, n. 2.

dividuais e sociais para poder comunicar da melhor forma pos-sível.

A metodologia usada nos dias de estudo do Primeiro en-contro dos juniores latino-americanos (São Paulo, 13-24 de julho de 2009) permitiu, embora de forma apenas embrionária, perceber como as mudanças culturais, antropológicas e pedagó-gicas ligadas às mudanças comunicativas exigem “repensar” e “reprogramar” a nossa atividade apostólica quanto aos conteú - dos e às formas de expressão, a nossa vida comunitária e a in-terpretação dos votos religiosos, as etapas da formação, a busca vocacional, propondo uma experiência espiritual capaz de ser missionária na comunicação de hoje. Em outras palavras: como o apostolado da imprensa exigiu que padre Alberione elaborasse a totalidade dos aspectos do carisma paulino, assim o apostolado na comunicação de hoje, bem mais complexa, nos motiva a re-elaborar, com fidelidade criativa, a totalidade dos componentes do carisma paulino.

Na perspectiva do centenário de fundação da Congregação podem ser programadas com essas metodologias também outras iniciativas, inclusive um mês de Exercícios espirituais concebi-do no estilo alberioniano, como aquele que ele desejou em abril de 1960.

1.3 Partindo de São Paulo enviado aos gentios, pode-se atu-alizar o carisma dos Paulinos enviados à comunicação atual; par-tindo da realidade comunicativa de hoje, pode-se atualizar o carisma paulino chegando a identificar no “Evangelho de Paulo” uma proposta de fé capaz de plasmar todos os seus aspectos.

De ambos os pontos de partida resulta uma metodologia única de atualização: não podemos imaginar de atualizar so-mente um elemento do carisma, deixando imutáveis os demais.

58 59

Porque as “quatro rodas” do carro paulino devem mover-se em perfeita sincronia, cada operação em uma delas influencia sobre as outras três.

Esta perspectiva é providencial porque permite evitar o pe-rigo de isolamento nos âmbitos da vida paulina. Da espirituali-dade de São Paulo para a missão aos gentios, padre Alberione deduziu certa qualidade da busca vocacional e da formação, conteúdos, meios e linguagens de comunicação, estilo de vida comunitária e compreensão dos votos religiosos. Com uma com-preensão mais ampla da espiritualidade de São Paulo, com base nos estudos de hoje, é necessário tirar consequências para todas as outras partes do carisma paulino.

Da fuga das massas da Igreja nos inícios de 1800, padre Alberione elaborou um processo completo de “nova evangeli-zação”, como ele mesmo o define:64

uso da imprensa para che-

gar aos destinatários, conteúdos de fé explícita que apresentam o Cristo integral à pessoa toda e toda a existência humana do ponto de vista cristão, pessoas idôneas para evangelizar com a imprensa, espiritualidade de São Paulo como a mais adequada nesse projeto novo.

Levando em consideração o uso e a qualidade da comunica-ção hodierna, os Paulinos são chamados, a exemplo do Fundador, a formular um projeto completo de “nova evangelização”: uso de toda a comunicação; conteúdos da fé explícitos ou de cultura hu-mana cristã; apóstolos idôneos para esta evangelização; espiritua-lidade de São Paulo como a mais apropriada à experiência de fé.

1.4 A atualização almejada para os cem anos de existência do carisma paulino não pretende ser simples elemento celebrati-

64 Cf. La primavera paolina, p. 580.

vo nem simples retoque de aspectos secundários. A Congregação pretende empenhar-se em uma operação de “fidelidade criati-va”, cuja fecundidade depende da medida com que se estuda e se conhece com amplidão e completude o passado: o pensamento e a obra do Fundador, a história das pessoas e das atividades apos-tólicas em nível mundial, a pertença carismática da Congregação à Família Paulina. Ao mesmo tempo, o conhecimento do presen-te, voltado para o futuro, de sociedade, cultura, comunicação, Igreja, Congregação, mostra a mudança das coordenadas his-tóricas nas quais relançar o carisma paulino na sua totalidade, servindo-se de São Paulo e da comunicação.

A teologia da vida consagrada, a partir do Concílio Vaticano II e em alguns pronunciamentos do magistério universal, produ-ziu textos de referência importantes que podem favorecer a qua-lidade da nossa fidelidade criativa. Quanto mais estiver consoli-dado o conhecimento do bem realizado e recebido do passado, tanto mais se torna exigente o empenho de programação para o futuro.

Já no seu tempo, com a sensibilidade que tinha pela histó-ria e a sociologia, o Primeiro Mestre escrevia: «Hoje, mais do que nos tempos passados, é necessário um estudo suficiente da sociologia. A nossa vida se desenvolve em grande parte em so-ciedade; e é na sociedade que se deve exercer o apostolado e santificar as relações».65

Cônscios desta herança, podemos aceitar, de fato, no inte-rior da congregação, de circunscrições e comunidades, uma con-vivência de estima e de colaboração entre Paulinos de gerações diferentes pela idade, pelas experiências formativas baseadas em

65 San Paolo, novembro, 1953; cf. Anima e corpo per il Vangelo, p. 138.

60 61

motivações antropológicas, pedagógicas e teológicas diferentes, pela elaboração dos conteúdos da fé e da cultura cristã, pela pre-paração e capacidades específicas em comunicação, pelos dotes criativos na atividade apostólica. Nos sulcos da história destes cem anos, podemos observar com serenidade que o carisma pau-lino não é uniforme, mas composto de elementos mutáveis e de elementos imutáveis, que permitem a todas as gerações pau-linas das várias épocas históricas serem fiéis ao próprio tempo, sendo igualmente fiéis ao Fundador.

2. A evangelização como ministério cultual: 1,9; 6,12.19; 10,14-15; 12,1; 15,16

2.1 “Deus, a quem sirvo em meu espírito, anunciando o Evangelho do seu Filho, é testemunha” (1,9); “... para que eu fosse ministro cultual de Jesus Cristo para os gentios e prestasse o meu culto em relação ao Evangelho de Deus, para que a oferta sacrifical representada pelos gentios se torne aceita, santificada como é por meio do Espírito Santo” (15,16). São Paulo descreve a sua pregação usando os termos do culto: é ministro cultual de Cristo no evangelizar, a evangelização é culto.

Estudos especializados sobre estas afirmações de São Paulo nos oferecem uma compreensão minuciosa do que ele pretende dizer. Recolhendo aqui e ali, pode-se sublinhar como São Paulo vive e descreve o evangelizador e a evangelização como um ato sa-cerdotal em que o anúncio realiza o encontro entre a revelação de Deus e a escuta das criaturas. A função sacerdotal da evangeliza-ção com o seu anúncio produz uma comunicação efetiva entre Deus que se revela e as criaturas que podem encontrá-lo.

O conteúdo da pregação é a morte e a ressurreição de Cristo, que São Paulo descreve também como ato cultual: “Deus

o expôs publicamente como propiciação, por meio da fé, no seu sangue, para manifestar concretamente a sua justiça, pelo fato de ter deixado sem punição os pecados de outrora” (3,25). O sangue de Cristo é salvação.

2.2 A pregação do Evangelho é o anúncio do dom da re-conciliação de Deus; a fé vem do anúncio porque permite o en-contro com Deus: “Mas como poderiam invocar aquele em quem não creram? E como poderiam crer naquele que não ouviram? E como poderiam ouvir sem pregador? E como podem pregar se não forem enviados? Conforme está escrito: ‘Quão maravilhosos os pés dos que anunciam boa notícia!’ ” (10,14-15).

A prioridade do anúncio é reivindicada por São Paulo tam-bém com as comunidades de Corinto: “Não foi para batizar que Cristo me enviou, mas para anunciar o Evangelho, sem recorrer à sabedoria da linguagem, a fim de que não se torne inútil a cruz de Cristo” (1Cor 1,17).

2.3 Para São Paulo, o coroamento da pregação é recolher entre os gentios “frutos” para oferecer a Deus “in sacrificio” por meio do Espírito: “para que a oferta sacrifical representada pelos gentios se torne aceita porque santificada pelo Espírito”. Saudando Epêneto, São Paulo comenta: “...meu amado, primí-cias da Ásia oferecidas a Cristo” (16,5).

Não somente a pregação e os seus frutos são interpretados por São Paulo com categorias sacerdotais, mas também a vida cristã em si é “culto”: “Que o pecado não impere mais em vos-so corpo mortal, sujeitando-vos às suas paixões; nem entregueis vossos membros, como armas de injustiça, ao pecado. Pelo con-trário, oferecei-vos a Deus como vivos provindos dos mortos e oferecei vossos membros como armas de justiça a serviço de Deus” (6,12-13).

62 63

E mais adiante o Apóstolo afirma com precisão: “Como outrora entregastes vossos membros à escravidão da impureza e da desordem para viver desregradamente, assim entregai agora vossos membros a serviço da justiça para a santificação” (6,19). Enfim, iniciando a parte exortativa da carta escreve: “Exorto-vos, portanto, irmãos, pela misericórdia de Deus, a que ofereçais vos-sos corpos como hóstia viva, santa e agradável a Deus: este é o vosso culto espiritual” (12,1).

Também a viagem a Jerusalém, onde Paulo chega com as ofertas recolhidas nas comunidades da Macedônia e da Acaia, é apresentada com insistência como um “serviço sagrado” (15,28) prestado pelo Apóstolo aos crentes.

2.4 Os termos cultuais usados na carta paulina para expri-mir o valor da morte de Cristo, o dever do Apóstolo de pregar aos gentios, o fruto da sua pregação, o modo dos cristãos viver no corpo, por si e pelos outros, podem tornar-se fonte de reflexão para a compreensão exata e a atualização do carisma paulino.

Citando 10,14 já relembrei a aplicação explícita que padre Alberione faz ao apostolado da pregação paulina e, em particular, à atividade da difusão.

Não é supérfluo recordar que na base da sua intuição fun-dante do carisma paulino, “a pregação escrita ao lado da pre-gação oral”, existe a preocupação de evangelizar os que não frequentam mais a igreja, não limitando-se, porém, a uma sim-ples atividade editorial que faz “produtos” de conteúdo religioso: “Para fazer esta imprensa são suficientes homens que sabem; ao invés, para fazer o Apostolado é necessário um coração, uma alma sacerdotal. Isso é apostolado eminentemente sacerdotal”.66

66 La primavera paolina, p. 668s.

2.5 Neste “Ano sacerdotal” (19 de junho de 2009 – 11 de junho de 2010) promulgado por Bento XVI a fim de que a comu-nidade eclesial reflita sobre o ministério e a santidade do sacerdó-cio ministerial, a Sociedade de São Paulo e toda a Família Paulina, além de participar do empenho da Igreja, usufrui de uma oportu-nidade providencial para meditar sobre o “sacerdócio paulino”. Com a riqueza adquirida pela celebração do Ano paulino, que precedeu este Ano sacerdotal, os Paulinos e as Paulinas podem aprofundar o sacerdócio “particular” que o Fundador colocou na base de todos os apostolados da Família Paulina, dos quais o primeiro é a evangelização na comunicação com a comunicação.

2.6 Para ser fiéis à identidade traçada pelo Primeiro Mestre para o “sacerdócio paulino” é necessário, antes de tudo, evitar um equívoco: o sacerdócio paulino não é sinônimo de “clericalis-mo” se, com este termo, se entende certa teologia do ministério presbiteral que justifique o monopólio do sagrado que às vezes, historicamente, teve como consequência privilégios, poderes, honras.

O sacerdócio paulino surgiu intimamente ligado ao apos-tolado da imprensa, com referência ao sacerdócio secular: «As quatro piedosas mulheres que recebem a Comunhão cada ma-nhã, os quatro jovens que se reúnem ao redor do Pároco toda tarde, não são toda a aldeia, não são todo o povo: muitas outras ovelhinhas estão fora do aprisco... É necessário salvar todas as almas: é necessário que o Pastor vá até elas; hoje, chega-se a essas almas por meio da imprensa».67

O sacerdote diocesano, que exerce o ministério na paróquia, está envolvido com múltiplas iniciativas para oferecer a integrali-

67 Ib., p. 645s.

64 65

dade da vida de fé: dogma, culto e moral. Com o seu ministério de comunicação, o sacerdote paulino oferece a mesma integrali-dade: Cristo Caminho, Verdade e Vida.

O sacerdote diocesano tem um grupo de fiéis delimitados por confins territoriais; o sacerdote paulino se dirige aos fiéis que entram em contato com as suas atividades de comunicação apostólica. É importante notar, de passagem, que em vista da aprovação eclesiástica, padre Alberione especificou a sua ideia do sacerdote paulino, que se dedica exclusivamente ao apostolado da imprensa e não desempenha ministério na paróquia; o apos-tolado da imprensa permanece em todo caso objeto de sua cons-tante atenção, e a redução das atividades próprias da paróquia é motivada pela necessidade de reservar um tempo suficiente para a vida espiritual.68

As semelhanças entre pregação oral e pregação escrita são expressas por padre Alberione também em termos especiais: por exemplo, o “púlpito da igreja” e o “sino da igreja”, aplicados ao boletim paroquial, tornam-se o “púlpito de papel” e o “sino de papel”.69

2.7 Padre Alberione oferece uma interpretação quase “sa-cramental” a respeito do apostolado paulino: «O nosso apos-tolado tem uma parte material que se assemelha à indústria ou ao comércio, mas que não é nem uma nem outro. E que, apesar disso, exige o mesmo cuidado, prudência e justiça daquela e des-te. A água que se utiliza no batismo deve ser natural e, à medida do possível, limpa e preparada com uma bênção especial; serve

68 Cf. Giancarlo Rocca, A formação da Pia Sociedade de São Paulo [1914-1927], Roma, 1982, p. 507 e doc. 44, p. 596.

69 Apostolato stampa, pp. 72-73; cf. L’Apostolato dell’Edizione, p. 299.

como matéria para produzir efeitos sobrenaturais: cancela o pe-cado original e infunde uma nova vida, pela qual nos tornamos filhos de Deus. No apostolado a matéria (indústria ou comércio) serve apenas para os efeitos sobrenaturais “na divulgação da dou-trina católica, utilizando os meios mais rápidos e eficazes”».70

2.8 Desta visão teológica brotam todas as aplicações espiri-tuais do Fundador às coisas materiais do nosso apostolado: «Os meios técnicos, as máquinas, os tipos, todo o aparato cinema-tográfico e todo o aparato radiofônico etc. são objetos sagrados para o fim a que se destinam. Por isso, a máquina se torna púlpi-to; o local da paginação, das máquinas e da propaganda tornam-se igreja onde se deve permanecer com mais respeito do que na escola. Se a escola é um templo, muito mais o são os locais do nosso apostolado!».71

«Quando esses meios do progresso humano são utilizados para a evangelização, eles recebem uma consagração, são eleva-dos à dignidade máxima. A sala de redação, as dependências da parte técnica, as livrarias tornam-se igreja e púlpito».72

2.9 O sacerdócio paulino que, mediante as diversas formas de comunicação, torna possível o encontro entre Deus e as almas, para ser eficaz não pode ser monopólio somente do sacerdote. A ele padre Alberione confia, desde os inícios, a “redação”, enquan-to confia a “técnica” e a “difusão” aos Irmãos Discípulos e aos Cooperadores paulinos na Sociedade de São Paulo e, na Família Paulina, às Irmãs, conforme a especificidade de cada Congregação, e aos Institutos Paulinos de vida secular consagrada.

70 San Paolo, fevereiro, 1952; cf. Carissimi in San Paolo, p. 915s.71 Per un rinnovamento spirituale, p. 548.72 Ut perfectus sit homo Dei, I parte, n. 316.

66 67

A participação dos Irmãos Discípulos e das Filhas de São Paulo nesta “eficácia sobrenatural”, que se realiza mediante as três fases do apostolado paulino (redação, técnica e difusão), é pensada com as categorias possíveis naquele tempo, como um “quase sacerdócio”.

Observando como, ao lado do sacerdote, em muitas Instituições eclesiais, agregaram-se leigos, o Fundador se pergun-ta: «E por que, além do mais, não se poderão ainda associar a um apostolado? Como um dia surgiram Institutos em que o sacerdote religioso encontrava o caminho aberto às obras de zelo e cuidado pastoral, hoje é necessário dar ao Irmão leigo uma participação do zelo do sacerdote; dar-lhe um quase sacerdócio!»73

A redação do livro “La donna associata allo zelo sacerdotale” (1915) deve-se, em parte, também a uma frase que marcou padre Alberione e que ele recorda na introdução: «As celibatárias, diz Frassinetti, são chamadas neste tempo da providência a um qua-se sacerdócio, a um verdadeiro apostolado».74

Transferindo estas convicções para o carisma paulino, pa-dre Alberione as aplica, antes de tudo, às Filhas de São Paulo: «Vossa missão está unida à obra do sacerdote... O que sois? Diria diaconisas, diria sacerdotisas! Da mesma forma que se fala de Maria».75

Antes ainda que o Concílio Vaticano II introduzisse a sábia reflexão sobre o sacerdócio ministerial e sobre o sacerdócio de todos os fiéis, padre Alberione com uma reflexão sobre as neces-sidades pastorais ligadas à evangelização com os meios de comu-

73 História carismática da Família Paulina, n. 40.74 A mulher associada ao zelo sacerdotal, n. 10.75 Vademecum, organizado por Pe. Angelo Colacrai, Cinisello Balsamo, 1992,

n. 92.

nicação social, servindo-se da categoria “quase sacerdote”, nos dá a exata definição do sacerdócio paulino que não é clerical, mas ministerial e pastoral: o leigo consagrado, a religiosa, homens e mulheres de vida paulina secular consagrada ou cooperadores, colaboram necessariamente com o sacerdote paulino empenhado no ministério da redação, para que aconteça o encontro entre Deus e as almas e das almas com Deus no ministério da comu-nicação. O carisma paulino se realiza como sacerdócio porque é garantia de comunicação entre Deus e os homens.

3. o Evangelho de Paulo: 1,14-16; 2,16; 15,20; 16,25

3.1 Com diferentes motivações, os estudiosos de São Paulo concordam em definir a Carta aos Romanos como o escrito mais exigente do Apóstolo, por sua vontade de expressar o que signi-fica o Evangelho para cada pessoa.

As cartas de São Paulo não são tratados teológicos nem oca-sionais nem sistemáticos, mas escritos nascidos do desejo de so-correr, por meio deste instrumento de comunicação da época, às necessidades dos destinatários das várias comunidades. Elas, nascendo dos problemas concretos das comunidades, não pre-tendem constituir um conjunto de verdades teológicas bem or-ganizadas, mas são a resposta adequada a exigências específicas. Por isso, cada carta de São Paulo desenvolve aspectos particulares da fé, que se ampliam com base nas urgências da vida concreta. Para São Paulo, o pensar a fé está intimamente ligado às necessi-dades pastorais da vida dos cristãos; a sua teologia está em função da missão de pregar o Evangelho aos gentios: uma teologia que se torna pastoral.

3.2 Entre as razões que levaram São Paulo a escrever a Carta aos Romanos parece estar também a vontade de apresentar a esta

68 69

comunidade, já fundada por outros, o conteúdo do Evangelho que ele prega por força da sua missão de “apóstolo dos gentios”: “Pois eu me sinto devedor a gregos e a bárbaros, a sábios e a ig-norantes. Daí meu propósito de levar o Evangelho também a vós que estais em Roma” (1,14).

Sabendo bem que em Roma o Evangelho já chegou, o Após-tolo sente-se no dever de expor o “seu” Evangelho, o Evangelho que ele prega a “todos os gentios” por força da sua missão especí-fica. A consciência do “específico” que deriva da missão justifica o fato de São Paulo desenvolver o seu ministério em um lugar onde outros semearam antes dele.

Alguns estudiosos afirmam que ele apresenta o “seu” Evangelho porque, além de já ter tido notícias da fé dos romanos (1,8), também está a par das divisões entre cristãos vindos do judaísmo e cristãos vindos do paganismo. Esta seria a razão a mais que motiva o Apóstolo a propor o “seu” Evangelho, nascido exatamente para estender o anúncio de Cristo a todos: “Não me envergonho do Evangelho: ele é força de Deus para a salvação de todo aquele que crer, em primeiro lugar do judeu, mas também do grego” (1,16).

3.3 Para apresentar o seu Evangelho, São Paulo adota o es-tilo de sempre: o Evangelho não é entendido como conjunto dos ditos e dos feitos de Jesus, mas a exposição dos novos efeitos da morte e da ressurreição de Cristo na pessoa e na sociedade. A cris-tologia de São Paulo é a “vida nova em Cristo” dos crentes; os cristãos são o Cristo vivo: dirigem-se ao Pai chamando-o “Abbá” e são movidos pelo Espírito em toda ação da sua existência.

Aceitando considerar a carta dividida em duas grandes se-ções: 1,16 — 11,36: a descrição da revelação de Deus em Cristo, e 12,1 — 15,13: as consequências operativas da vida nova em

Cristo, completadas pela conclusão (15,14 — 16,27), pode-se evidenciar a metodologia fundamental da reflexão de São Paulo sobre a fé. A partir da compreensão e aceitação da nova manei-ra de ser crente, revelada por Deus na morte e ressurreição de Cristo, derivam para o crente as consequências de uma nova vida. Acolher a reconciliação de Deus como dom, muda a maneira de compreender a relação de fé: da misericórdia de Deus nasce a liberdade do crente.

Os inúmeros estudos especializados sobre a Carta aos Romanos podem ser preciosa ajuda para compreender a caracte-rística do “Evangelho” de São Paulo e o seu modo de elaborá-lo com o uso de categorias bíblicas; sempre, porém, em vista da salvação dos destinatários.

3.4 O fundamento da compreensão da fé de São Paulo é que o Evangelho é “poder de Deus para a salvação daquele que crê” (1,16). O Evangelho é um projeto “misterioso” da sa-bedoria de Deus (cf. 11,33-36) que quer revelar-se a todas as criaturas, judeus e pagãos, para oferecer “salvação” a todos os que “creem”.

Nas comunidades cristãs de Roma, convivendo judeus tornados cristãos e gentios convertidos a Cristo, encontram-se juntas duas interpretações diferentes da fé. São Paulo, com base na experiência pessoal e em toda a sua atividade de pregação, envolve-se totalmente no que escreve na carta, conseguindo mostrar até que ponto ele tenha refletido sobre a “novidade” de Cristo em relação à lei de Moisés e à fé vivida mediante as práti-cas judaicas.

Em Cristo se concretiza a revelação por parte de Deus de uma “nova fé”: não é mais o homem que tenta tornar-se justo ob-servando escrupulosamente leis e práticas, mas é Deus que com

70 71

um ato de amor torna justo o homem; a justiça de Deus é mise-ricórdia para todo aquele que crê, não a exclusiva de um povo; a consciência do amor gratuito de Deus leva quem crê a uma fé que responde com o amor ao dom divino recebido.

3.5 Como foi costume do bem-aventurado Tiago Alberione, nós, paulinos de hoje, devemos interrogar-nos sobre o nosso co-nhecimento e assimilação do “Evangelho” de Paulo. Não basta uma leitura rápida das cartas do Apóstolo, nem limitar-nos a elas para preparar retiros, meditações e homilias. Nas cartas de São Paulo, nós paulinos encontramos a reflexão sobre a experiência da fé vivida e pregada; a nossa teologia é a teologia de São Paulo, e podemos perguntar-nos se a nossa cultura bíblica, a nossa vida espiritual, os conteúdos da nossa atividade apostólica provêm de São Paulo. Teologia, cristologia, pneumatologia, espiritualidade, mística, oração, eclesiologia, pastoral etc. são as de São Paulo? É necessário pensar como São Paulo.

As cartas paulinas deveriam constituir o conteúdo e o mé-todo da nossa espiritualidade, pastoral vocacional, formação, apostolado, vida comunitária e votos religiosos. Por vontade do Fundador, somos chamados a ser “São Paulo vivo hoje” na co-munidade eclesial, mas certamente não chegamos a isso somente pelo fato de que no nosso apostolado nos servimos da comunica-ção de hoje. O carisma paulino é muito mais rico: é a experi-ência de fé de São Paulo para evangelizar na comunicação.

3.6 Além do conhecimento aprofundado dos seus conteúdos e das suas finalidades pastorais, para interpretar como paulinos de hoje o “Evangelho” de São Paulo, é necessário examinar tam-bém a sua atividade missionária: “Desde Jerusalém e arredores até a Ilíria eu levei a termo o anúncio do Evangelho de Cristo, fazendo questão de anunciar o Evangelho onde o nome de Cristo

ainda não era conhecido, para não construir sobre alicerces lan-çados por outros” (15,19-20); “... agora, porém, não tendo mais campo para meu trabalho nestas regiões e desejando há muitos anos chegar até vós, irei quando for para a Espanha...” (15,23).

A obra missionária de São Paulo é guiada por dois princí-pios: ir a toda parte: de Jerusalém à Ilíria, a Roma, à Espanha; pregar onde ainda “não chegou o nome de Jesus”.

Fazendo nossos estes dois critérios, devemos com gratidão repensar a obra sábia de padre Alberione que soube abrir-se gradativamente à imprensa, ao cinema, ao rádio, à televisão, aos discos, às imagens, deixando-nos por herança um constante “lan-çar-se para frente” que assume pelo Evangelho “os meios mais rápidos e eficazes” de qualquer época histórica.

Observando os quase cem anos da Congregação, deve-mos também ser gratos a todos os paulinos que evangelizaram e continuam evangelizando, permanecendo fiéis às indicações do Fundador.

3.7 O critério de São Paulo de ir a toda parte se traduz, para nós paulinos, no pôr a serviço do evangelho toda a comunicação atual. Este projeto que empenha toda a Congregação deve ser rea- lizado, antes de tudo, com a convicção de que não devemos ex-cluir tecnologias: não podemos abandonar a evangelização com a imprensa e os outros meios de comunicação para concentrar-nos unicamente nas tecnologias digitais.

A presença de todas as formas de comunicação é um ob-jetivo eficaz, porque leva a valorizar o que nos vem do passado e a abrir-nos, com determinação e competência, às tecnologias digitais. Demorar muito para assumir as novas formas de comu-nicação midial pode impedir uma presença apostólica significa-tiva nas tecnologias digitais, ao passo que a corrida instintiva às

72 73

tecnologias digitais pode gerar uma consideração limitada sobre a validade de formas apostólicas passadas.

Se a presença simultânea de todas as formas de comuni-cação no Projeto apostólico de uma Circunscrição e de toda a Congregação é uma estratégia apostólica prudente, também é ne-cessário acompanhar este múltiplo empenho com um adequado conhecimento da comunicação atual.

A evangelização que concretiza formas diferentes de comu-nicação iludir-se-ia fatalmente se pensasse que é suficiente mu-dar as tecnologias ou os meios. O processo comunicativo unido aos mass media e à comunicação digital vive-se dentro de uma “cultura” que se coaduna com mudanças antropológicas, sociais, culturais, e se realiza no contexto de uma infinidade diferente de “projetos de comunicação” de indivíduos, de grupos e de socie-dade. Não basta a habilidade técnica para fazer chegar o nome de Cristo às formas de comunicação que o ignoram.

4. A vida nova em Cristo: 12,1 — 15,13

4.1 São Paulo, após ter apresentado o “mistério” do projeto divino de salvação universal em Cristo segundo o seu Evangelho, expõe qual é a vida nova de quem foi “enxertado” na morte e na ressurreição de Cristo.

A ligação entre a reflexão teológico-cristológica e o estilo de vida cristã, todavia, não é uma simples dedução, ou seja: de prin-cípios teológicos derivam comportamentos éticos. A perspectiva de São Paulo, embora manifestada com acentos diversos nas duas partes da carta, não evidencia na realidade nem uma divisão nem uma sequência temporal. A revelação da misericórdia de Deus contém simultaneamente como dom a possibilidade de respostas das criaturas.

Deus com o seu ato gratuito de reconciliação do homem, enquanto ainda é pecador, oferece em Cristo o exemplo de quem é filho de Deus: “A noite avançou e o dia se aproxima. Portanto, deixemos as obras das trevas e vistamos a armadura da luz. ...ves-ti-vos do Senhor Jesus Cristo e não procureis satisfazer os desejos da carne” (13,12.14).

Revelando-se justiça, misericórdia e reconciliação, Deus ins-taura uma nova forma de relação entre ele e o crente. Ao amor livre de Deus, as criaturas não correspondem com a observância de leis e preceitos, mas com o “estilo de vida de Cristo”.

A ética é cristológica, não dedução de obras de princípios abstratos; as obras dos fiéis em Cristo são “ações de Cristo”, porque nele tudo se cumpriu: “Pois ninguém de nós vive e nin-guém morre para si mesmo, porque se vivemos é para o Senhor que vivemos, e se morremos é para o Senhor que morremos” (14,7-8).

O comportamento ético, fazer ou não fazer, não se reduz a uma execução de leis, mas é um processo de semelhança com Cristo: “... considerai-vos mortos para o pecado e vivos para Deus em Cristo Jesus” (6,11); os crentes são “predestinados por Deus a ser conformes à imagem do seu Filho, a fim de ser ele o primogênito entre muitos irmãos” (8,29).

4.2 As inúmeras citações de 8,29, onde São Paulo traça o perfil do homem “novo” como empenho a se tornar “imagem conforme a do Filho”, servem para padre Alberione delinear todo o processo da espiritualidade paulina como uma contínua ação “para que Cristo seja formado em nós”.

A contribuição indispensável de estudos específicos nos permite compreender melhor o pensamento de São Paulo a res-peito do homem “novo” inserido em Cristo pela graça do próprio

74 75

Deus e não pelo esforço laborioso de uma autoinserção humana, com uma sequência de etapas peculiares a outras sensibilidades espirituais. Os paulinos de hoje, servindo-se desses aprofunda-mentos, são convidados a uma pedagogia da espiritualidade paulina que busca em São Paulo os seus conteúdos, deixando a outros “estratégias formativas” baseadas em uma concepção “fari-saica” do esforço humano e dos méritos a obter com as próprias forças para ser considerados justos e observantes.

Também nas diversas etapas formativas que se referem ao homem, ao crente, ao religioso e ao paulino, a nossa pedagogia deveria tornar-se devedora a São Paulo: menos moralismos fa-vorecidos por uma disciplina desmotivada e por preceitos ex-ternos, e mais convicções geradoras de valores partilhados e interiorizados, em condições de orientar a vida toda como uma bússola sempre disponível.

Dentre as outras citações, convém não esquecer aquelas com as quais padre Alberione apresenta o papel das convicções que contêm já em si a força do agir: “O ideal é uma linha a seguir, um programa para o máximo rendimento temporal e eterno da vida. Concebe-se com a mente e ama-se visceralmente. ... o ideal vivo e operante, um pouco por vez, torna-se uma mentalidade: então temos a ideia-força, porque corroborada por muitos elementos. Quanto mais viva é a ideia tanto mais é poderosa, até o ponto de agir fisicamente e contra a própria vontade. ... isto na ordem natural. Mas há uma idéia-força para a qual convergem a nature-za e a graça; e mais esta do que aquela. Então, nos encontramos diante de figuras que se impõem e desmantelam todos os nossos cálculos: São Paulo etc.”.76

76 San Paolo, outubro, 1954; cf. Anima e corpo per il Vangelo, pp. 46-47.

Falando da formação durante o curso de exercícios espiritu-ais de 1960, padre Alberione afirma: “Em geral o sistema preven-tivo, positivo, otimista, deve ser preferido ao sistema repressivo, pessimista e negativo. É muito sábio imprimir ideias-virtude para formar uma vontade robusta, a fim de que o jovem... chegue a uma santidade equilibrada e total, a agir em uma justa liberda-de e fim sobrenatural”.77

4.3 São Paulo delineia a vida nova em Cristo na exorta-ção: “Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos, renovando a vossa mente, a fim de poderdes discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, agradável e perfeito” (12,2).

A primeira revelação de Deus é a criação que deveria levar o homem a interrogar-se a respeito da verdadeira identidade do Criador, ao passo que muitos “sufocam a verdade na injustiça” (1,18), “pois, tendo conhecido a Deus não o honraram como Deus nem lhe renderam graças; pelo contrário, eles se perde-ram em vãos arrazoados e seu coração insensato ficou nas trevas” (1,21). Desta ignorância brota a idolatria para com as criaturas e uma mudança de valores na vida pessoal e social que fecham o homem no seu horizonte terrestre, vítima do próprio egoísmo (cf. 1,23-32).

Com a nossa espiritualidade, haurida de São Paulo, que se expressa em todas as nossas atividades apostólicas, devemos amadurecer uma mentalidade que saiba avaliar e expor a pró-pria opinião em relação aos que hoje poderíamos considerar “idólatras”, porque concentrados em uma simples visão terrena e material de pessoas e coisas.

77 Ut perfectus sit homo Dei, II parte, n. 192.

76 77

4.4 Alguns estudos especializados motivam as fortes conde-nações expressas por São Paulo sobre os idólatras e seus valores existenciais com referências a contextos culturais e religiosos do tempo, tanto no âmbito judaico quanto pagão. A condenação da idolatria é radical porque leva a revirar uma “ordem natural” e uma “harmonia social” que é fonte de negatividade.

Vivendo em nosso contexto social, cultural e comunicativo, inspirando-nos em São Paulo, nós paulinos fazemos nossas as considerações do Apóstolo, adotando seu estilo de apresenta-ção da vida nova em Cristo. No esforço de “não falar somente de religião, mas falar de tudo cristãmente”,78 como São Paulo, somos convidados a colocar a crônica da vida na “história da salvação” realizada por Deus com livre ato de amor para com o homem pecador.

Segundo São Paulo, a avaliação de ideias, movimentos so-ciais, propostas de leis, atitudes de vida pessoal e social, antes ainda de ser realizada provindo de uma ou outra reelaboração sistemática da doutrina cristã, deveria mergulhar nos valores da “vida nova em Cristo”. O testemunho de fé expresso por meio do jornalismo de opinião nos vários meios de comunicação deve-ria ser guiado não pela preocupação de assumir posições “éticas”, mas pelo pensamento de antecipar considerações “cristológicas”.

Para evitar mal-entendidos, isso significa que as regras de-ontológicas do “jornalismo paulino” não são simplesmente de caráter profissional, mas também de valor teológico. Uma edito-ria multimedial e em rede e, em particular, um jornalismo pau-lino que se limite a “reagir” ao que outros fazem e pensam, tem sabor de preguiça moralista que distribui, com mais ou menos

78 História carismática da Família Paulina, n. 87.

elegância, juízos de “bem” ou de “mal”. Trata-se de uma editoria parasita, sem capacidade de propor.

Fiel ao estilo de São Paulo no avaliar pessoas e fatos, a edi-toria paulina terá autoridade moral não somente com base nas denúncias, mas por força do “pensamento” e das “propostas ope-rativas” oferecidas com criatividade. O Fundador adverte: «A crítica negativa do mal é o pranto dos ociosos e dos que não conhecem o mistério do amor do Pai, que se alegrou em “reca-pitular todas as coisas, as que estão nos céus e as que estão na terra” (Ef 1,10)».79

4.5 A personalidade de todo crente, “uma oliveira selvagem enxertada numa magnífica oliveira” (11,24), conserva todo o seu valor, de tal modo que a comunidade dos crentes não é um con-junto uniforme, mas um organismo harmonioso: “Assim como num só corpo temos muitos membros e os membros não têm todos a mesma função, de modo análogo, nós somos muitos e formamos um só corpo em Cristo, sendo membros uns dos ou-tros” (12,4).

O culto instaurado por Cristo ressuscitado, do mesmo modo que transforma o corpo de cada um em oferta sagrada, assim faz de todos os corpos dos crentes um “único corpo em Cristo”. Por isso, São Paulo exorta:

“O amor fraterno seja afetuoso, estimando os outros mais que a si mesmo. Com zelo incansável e fervor de espírito servi ao Senhor” (12,10-11);

“A ninguém pagueis o mal com o mal. ...Não te deixes ven-cer pelo mal, mas vence o mal com o bem” (12,17.21);

79 Apostolato stampa, p. 154.

78 79

“Não devais nada a ninguém, a não ser o amor mútuo, pois quem ama o outro cumpriu a lei. ... A caridade não pratica o mal contra o próximo. Portanto, a caridade é a plenitude da lei” (13,8.10);

“Cada qual siga a sua convicção. ...Deixemos, portanto, de nos julgar uns aos outros” (14,5.13);

“Nós, os fortes, devemos carregar as debilidades dos fracos e não buscar a nossa própria satisfação. Cada um de nós procure agradar ao próximo, em vista do bem, para edificar” (15,1-2).

4.6 A imagem do “corpo” usada por São Paulo deveria ins-pirar as convicções dos Paulinos no conceber, viver e propor a realidade da Igreja por meio da atividade apostólica. Uma ecle-siologia que pensa a unidade dos batizados como o conjunto de membros diferentes tendo como única cabeça o Cristo, conduz ao respeito e à valorização de cada um, não somente de alguns por sua função particular. A unidade da diversidade dos mem-bros não se fundamenta em normas, mas no estar “enxertados em Cristo”. A Igreja, entendida como “corpo”, é uma Igreja em que cada serviço, mesmo o mais modesto, merece a mesma dignidade enquanto concorre para o bem geral de todo o corpo.

Uma consequência que deriva do enxerto comum em Cristo é o respeito pelas diversidades, não o fanatismo da uniformida-de. A primeira Carta aos Coríntios e a Carta aos Romanos, cada qual com motivações diferentes, apresentam razões “cristológi-cas” para elaborar uma eclesiologia de convivência das diversi-dades.

Na Carta aos Romanos, São Paulo mostra que conhece bem a diversidade de sensibilidades que caracteriza as comunida-des cristãs da cidade, sobretudo a convivência de cristãos pro-venientes do judaísmo e de cristãos provenientes do paganismo.

Depois de ter ilustrado a “universalidade da salvação” por parte da misericórdia de Deus, ele apresenta como critério de convi-vência a atitude de Cristo: “Acolhei-vos, portanto, uns aos outros como também Cristo vos acolheu, para a glória de Deus” (15,7); “Cada um de nós procure agradar ao próximo, em vista do bem... Também Cristo não buscou a sua própria satisfação” (15,3-6).

Juntamente com a imitação de Cristo, a unidade das diver-sidades na Igreja requer, segundo São Paulo, o empenho de cada pessoa: “Cada um aprofunde as próprias convicções” em vez de “condenar” as dos outros. Confiante na capacidade de todos os batizados de saber acolher em plenitude o mistério da salva-ção universal, realizado por Deus em Cristo, ele exorta, mais do que a discussões, diatribes e condenações do pensamento alheio, ao estudo, ao aprofundamento, à reflexão séria sobre o próprio pensamento e atitude.

Inspirando-nos nesses critérios, nós paulinos podemos dar a nossa colaboração à opinião pública da Igreja, sobretudo a respeito de temas em que o único critério de juízo é a “caridade”. Sustentados por reta mentalidade, daremos a nossa contribuição de pensamento, quer expondo pontos de vista documentados e fidedignos, quer apresentando as nossas convicções por meio do gênero literário da narração, isto é, recontando fatos e comentan-do notícias. A informação como formação.

Mencionando a liberdade de opinião na Igreja, para jus-tificar sua legitimidade, pode-se partir apelando aos direitos hu-manos; pode-se expor, com base em documentos, a história do magistério universal que passa de um pensamento uniforme à ne-cessidade de um confronto de ideias; mas o estilo de criar opinião pública, que nós paulinos devemos oferecer como bom exemplo à comunidade eclesial, fundamenta-se na eclesiologia de São Paulo. A eclesiologia fundamenta a liberdade do diálogo eclesial.

80 81

4.7 A nós, paulinos de hoje, cabe aplicar ao nosso carisma específico também a imagem do conjunto dos batizados como “corpo de Cristo” e a “vida nova em Cristo” que daí deriva para as comunidades cristãs.

Com convicção e constância, haurindo de São Paulo, padre Alberione sublinhou o valor que a obra de cada um tem para o apostolado desenvolvido por toda a Congregação: «O Senhor nos fez de modo que cada um possa fazer alguma coisa útil e cada um tenha necessidade do trabalho dos outros; é uma troca de serviços e de caridade. Há esta vantagem: cada uma partici-pa do bem das outras. Não se pode dizer que aquela que, por exemplo, faz a limpeza não deva ganhar os méritos do apostola-do. ...É o Instituto que em conjunto ensina a doutrina de Jesus Cristo».80

A garantia da convergência da obra de cada um para o bem da Congregação satisfaz todas as formas de apostolado elencadas por padre Alberione, sobretudo o apostolado da oração, do sofri-mento e a oferta da vida.

Na Congregação, o valor sobrenatural da obra de cada um contribui para a missão que, como tal, é confiada à comunida-de, não a cada um. Recordemos, também como comentário desta Carta aos Romanos, o que o Primeiro Mestre diz a respeito da vida comunitária: a nossa «vida em comum nasceu do aposto-lado e em vista do apostolado»,81 para sublinhar que a diversi-dade dos ritmos da vida comunitária se justifica somente dentro da unidade do Projeto apostólico circunscricional e do Projeto comunitário.

80 Às Filhas de São Paulo, 1946-1949, p. 570.81 Ut perfectus sit homo Dei, I parte, n. 285.

É fruto de um conhecimento insuficiente do pensamento de padre Alberione apresentar motivo para um ritmo individualista de vida comunitária, apelando ao seu ensinamento; sustentar que a nossa vida comum deve permitir a liberdade de desenvolver o apostolado, quando de fato não se está colaborando com o pro-jeto da comunidade, mas se está levando à frente de modo autô-nomo um projeto pessoal.

A natureza da vida comunitária paulina postula uma ne-cessária variedade, pois ela constitui o único projeto e as diver-sidades não são frutos de um conjunto de projetos individuais. Neste último caso é necessário lembrar o que diz o Fundador com veemência: «Cada um deve produzir frutos, não comer frutos».82

A vida comum não é “uniformidade”, mas “unidade”: «O que significa a vida comum? Significa unidade de pensamento, unidade de obras, endereço único no falar, unidade de sentimen-tos, unidade de fim. Todos devem colaborar com o fim principal e o fim secundário: a santificação pessoal e o apostolado».83 A comunidade converge para a unidade de forma consciente: «é um organismo, não um mecanismo; mas a pessoa serve ao todo e tudo serve a cada um».84

4.8 Por vontade do próprio Fundador, o apelo a considerar a Congregação como um “corpo” deve estender-se a toda a Família Paulina, que ele apresenta também como “imensa paróquia”.85 Um dos três princípios práticos que garantem a unidade na di-

82 San Paolo, fevereiro, 1936; cf. Carissimi in San Paolo, p. 55.83 Às Filhas de São Paulo, 1954, Roma, 2008, p. 163.84 Ut perfectus sit homo Dei, I parte, n. 284.85 Ib., n. 371.

82 83

versidade é: «Compreender-se e amar-se. ...Os egoísmos pessoais destroem a vida de comunidade; os egoísmos sociais, políticos, familiares, destroem até mesmo os institutos ou ao menos os con-denam à esterilidade».86

4.9 A vida nova em Cristo se manifesta também no compor-tamento com as autoridades civis deste mundo: “Todo homem se submeta às autoridades constituídas, pois não há autoridade que não venha de Deus, e as que existem foram estabelecidas por Deus. ...Dai a cada um o que lhe é devido” (13,1-2.7).

Este texto, junto com Mateus 22,21, ao longo dos séculos foi interpretado com uma graduação de significados que tem como extremos, por um lado, a justificação do poder vigente ainda que contrário aos valores cristãos; por outro lado, a crítica implacável a uma concepção apocalíptica que foge da história.

Para maior compreensão, apresento duas observações dos estudiosos. Primeira: quando São Paulo escrevia a carta, os cristãos de Roma eram apenas algumas centenas, portanto, um número irrelevante da população total da cidade. Segunda: São Paulo sabia que os judeus, por algumas turbulências, já ti-nham sido expulsos duas vezes pelos imperadores de Roma: por Tibério, em 19 d.C., e por Cláudio, em 49 d.C. Sabemos, além disso, que, em 64 d.C., por ocasião do incêndio de Roma, Nero realizou outra expulsão. Nesse contexto, ele, fiel à sua concep-ção da autoridade e do esforço para não “deixar-se vencer pelo mal, mas vencer o mal com o bem”, sente o dever de convidar os cristãos a ser exemplo positivo de obediência, respeitando as autoridades civis e as leis do Estado.

86 Ib., n. 382.

O pensamento do apóstolo sobre a sacralidade da autorida-de e o número restrito dos cristãos de Roma não são bons moti-vos para evitar o argumento. De preferência, em vez de deter-nos numa interpretação literal do texto, convém colocar o ato de obediência pública como expressão da “vida nova em Cristo res-suscitado”, que traz em si valores que não são certamente aque-les ligados com a idolatria (cf. 1,23-32), mas os que derivam do amor (cf. 12,9-21).

Como para outros temas ligados à cultura do tempo, São Paulo não se confronta com o fenômeno sociológico, mas esta-belece raízes cristológicas como sustentação do comportamen-to da pessoa e da sociedade. Ele não é um teólogo da oposição ao poder; é testemunha que propõe “vida nova em Cristo”, que não é um programa político, mas uma revolução de mentalidade individual e social.

4.10 Presentes na opinião pública, nós paulinos temos duplo dever, sobretudo no setor das atividades apostólicas jornalísticas. Seguindo as indicações de São Paulo, não deveríamos jamais per-der, antes de tudo, a “tranquilidade da força” haurida de um pensamento bem equilibrado e confortada por uma documenta-ção incontestável dos fatos. A solidez dos conteúdos e a verdade dos dados nos preservam do litígio faccioso que pode arrastar-nos, mesmo contra a vontade, para um ou outro partido político, perdendo a credibilidade e a liberdade de crítica para com todos os poderes sociais. Demos a todos o que lhes é devido, evitando aquele silêncio aveludado que nos torna cúmplices, de fato.

Além do dever de guia da opinião pública e sua voz crítica, nós paulinos deveríamos, em segundo lugar, apresentar também propostas com base no pensamento paulino que nos inspira, so-bretudo no âmbito prioritário da família.

84 85

5. o Espírito de Cristo: 1,10; 5,5; 7,6; 8,1.4-5; 8,9.11-27; 15,13-19.30

5.1 O Evangelho de Paulo, exposto na Carta aos Romanos, é testemunho de vida, não uma pesquisa teológica erudita; o envolvimento pessoal de São Paulo, observado mesmo só a par-tir das escolhas redacionais, é total. O Evangelho de Paulo diz como o Cristo ressuscitado mudou as convicções e as práticas religiosas de Saulo; o Evangelho de Cristo é atualizado com a “nova vida” do Apóstolo. Vale a pena ainda destacar como o seu intento é apresentar o Cristo ressuscitado, não na reconstrução histórica da sua vida terrena, dos seus ditos e feitos, como farão os Evangelhos sucessivos, mas vivo na vida dos cristãos.

A revelação do “mistério envolvido em silêncio desde os séculos eternos, agora, porém, manifestado” (16,25-26), que lhe ofereceu o Cristo ressuscitado, e a missão recebida de “levar todas as nações à obediência da fé” (16,26), impulsionam o Apóstolo à oração. “Deus, a quem sirvo em meu espírito, anunciando o Evangelho do seu Filho, é testemunha de como me lembro con-tinuamente de vós em minhas orações, pedindo que, de algum modo, com o beneplácito de Deus se me apresente uma oportu-nidade de ir ter convosco” (1,9-10).

Terminando a descrição da obra de reconciliação realizada por Deus em Cristo, São Paulo exclama: “Oh abismo da rique-za, da sabedoria e da ciência de Deus! Como são insondáveis seus juízos e impenetráveis seus caminhos!” (11,33). A conclusão da carta é um louvor: “... a Deus, o único e sábio, por meio de Jesus Cristo, seja dada a glória, pelos séculos dos séculos! Amém” (16,27).

A oração, que constitui quase o ápice de partes importan-tes da carta, é a prova de que não se pode definir a Carta aos

Romanos como um “tratado” de teologia, se com isso se entende a apresentação sistemática e articulada de verdades abstratas vá-lidas por si mesmas. A oração, que permeia as várias partes da carta, em vez de ser a conclusão de uma compreensão finalmente exaustiva, é janela que se escancara para uma revelação ulterior, para novas aplicações que deverão acompanhar o tempo da his-tória com a certeza da parusia já em movimento. A oração, com que São Paulo preenche a sua reflexão cristológica, é a melhor indicação para falar da “fraqueza” das palavras humanas quando expressam realidades divinas. As experiências místicas impe-dem que o Apóstolo seja um teólogo seguro e satisfeito com as próprias elaborações intelectuais. A vida nova em Cristo não pode correr o risco de ser novamente “acorrentada” pela ló-gica e pela dialética teológica, filosófica e literária humana: ela é dom do Espírito de Cristo.

5.2 O Espírito Santo no Evangelho de Paulo é “o Espírito de Cristo” (8,9); a nova vida do Ressuscitado acontece nos cren-tes mediante o dom do Espírito Santo: dinamismo da ressurrei-ção de Cristo e atividade do Espírito Santo estão intimamente ligados. A vida nova de quem ressuscitou com Cristo mediante o batismo é alimentada, sustentada e orientada pelo Espírito Santo, o “Espírito daquele que ressuscitou Jesus dos mortos” (8,11).

O Espírito faz parte, ainda, da “novidade” do plano de re-conciliação que o Pai quis a fim de instaurar um novo tipo de relação com as criaturas: “Mas Deus demonstra seu amor para conosco pelo fato de Cristo ter morrido por nós quando éramos ainda pecadores” (5,8); “... o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (5,5).

A vida de fé que nasce do Cristo ressuscitado é bem diferen-te da fé entendida como observância de leis impostas: “Podemos

86 87

servir em novidade de Espírito e não na caducidade da letra” (7,6); “A lei do Espírito da vida em Cristo Jesus te libertou da lei do pecado e da morte” (8,2) e por isso: “... não vivemos segundo a carne, mas segundo o Espírito” (8,4), assumindo o empenho daqueles que “pensam e desejam as coisas próprias do Espírito” (8,5).

A identidade do batizado é a que vem do Espírito: “O Espírito de Deus habita em vós, pois quem não tem o Espírito de Cristo não pertence a ele. ...Ora, se o Espírito daquele que ressuscitou Jesus dentre os mortos habita em vós, aquele que ressuscitou Cristo Jesus dentre os mortos dará vida também aos vossos corpos mortais, através do seu Espírito que habita em vós” (8,9-11).

“Todos os que são conduzidos pelo Espírito de Deus são fi-lhos de Deus. Com efeito, não recebestes um espírito de escravos, para recair no temor, mas recebestes um espírito de filhos ado-tivos, pelo qual clamamos: Abbá, Pai! O próprio Espírito se une ao nosso espírito para testemunhar que somos filhos de Deus” (8,14-16).

A imensidão do amor do Pai ressuscitou Cristo dos mortos, para que o Espírito da sua nova vida faça de toda pessoa um “fi-lho de Deus”, não o escravo de um Deus legislador.

A presença do Espírito se dá na criação inteira, que “geme e sofre” (8,22), e nas criaturas que têm consciência da grandeza do amor de Deus: “Assim também o Espírito socorre a nossa fraque-za. Pois não sabemos o que pedir como convém; mas o próprio Espírito intercede por nós com gemidos inefáveis, e aquele que perscruta os corações sabe qual é o desejo do Espírito; pois é se-gundo Deus que ele intercede pelos santos” (8,26-27).

Todo o ministério apostólico de São Paulo, empenhado em fazer conhecer as obras do amor de Deus, tornou-se frutuoso

pelo “poder do Espírito” (15,19) e transformou-se em ato cul-tual: “...a fim de que a oblação dos gentios se torne agradável, santificada pelo Espírito Santo” (15,16).

5.3 Enquanto na Primeira Carta aos Coríntios São Paulo, referindo-se à organização da vida eclesial, desenvolveu a obra do Espírito de Cristo como garantia da unidade na diversidade dos carismas (cf. 1Cor 12), na Carta aos Romanos o Apóstolo concentra a sua ilustração na ação do Espírito no crente. A uni-dade que decorre da multiplicidade de todos os que creem, judeus e gentios, deve-se não só à interpretação de cada carisma como parte de um todo, mas também à viva consciência da ação do Espírito em cada batizado.

Nós paulinos, juntamente com os que exercem influência na comunidade eclesial, com credenciais e diferentes modalidades, devemos colaborar para que se forme uma mentalidade eclesioló-gica mormente inspirada no “Espírito de Cristo”. Uma eclesiolo-gia pneumatológica, segundo o Evangelho de São Paulo.

Conceber a vida cristã como experiência de fé e como ordem de valores que inspira a existência humana individual e social; olhar com atenção o envolvimento da criação e das criaturas na vida da Trindade, não pode se reduzir a um programa de quem pode permitir-se o luxo de elucubrações teológicas. A atenção que se dá à identidade e à missão da Igreja no tempo, está intimamen-te relacionada com a compreensão que se tem do envolvimento do Pai, do Filho e do Espírito Santo na história humana.

Assimilando o Evangelho de São Paulo, que liga toda a obra providencial de Deus na história com a ressurreição de Cristo como ação histórica, em que confluem um novo modo do Pai estar em relação com as criaturas e um novo estilo de vida huma-na por obra do Espírito de Cristo, podemos compreender com

88 89

maior lucidez a visão teológica do carisma paulino herdada pelo Primeiro Mestre: uma nova forma de encarnação.

«O Pai celeste ab æterno é o Editor do Filho...; o Divino Filho, Editor do Evangelho...; o Espírito Santo é o Autor e o Editor da Sagrada Escritura...; imitar a Deus, Escritor e Editor. Maria é a Editora do Verbo humanizado...; Edição e Editora é a Igreja...; Maria é também Mãe, Mestra e Rainha dos Editores e das edições».87

5.4 Interpretar o carisma paulino com o Evangelho de São Paulo e atualizá-lo como um acontecimento teológico de “nova encarnação” na comunicação atual, daria maior espaço ao Espírito de Cristo em todos os componentes da vida paulina que necessitam de um sopro impetuoso de oxigênio novo.

O exemplo do Fundador nos ajuda. Posto o fundamento trinitário da Editoria paulina recordado há pouco, ele argumenta de maneira apaixonada e criativa, tomando emprestadas e co-mentando as palavras dirigidas aos escritores católicos pelo então arcebispo de Milão, Dom João Batista Montini:88 «“Vós tomais a palavra de Deus e a revestis de tinta, de caracteres, de papel e a mandais para o mundo assim revestida”. É a palavra de Deus, assim vestida, é o Senhor empapelado, e vós dais aos homens Deus empapelado, como Maria deu aos homens Deus encarnado. Empapelado e encarnado se correspondem»;89 agora, reafir-mando com convicção: «Os editores possuem a palavra, mul-tiplicam-na, difundem-na revestida de papel, caracteres, tinta. Eles têm, no plano humano, a missão que no plano divino teve

87 Vademecum, n. 919.88 João Batista Montini, o futuro Paulo VI, papa de 1963-1978.89 Às Filhas de São Paulo, 1954, p. 266.

Maria: foi Mãe do Verbo divino; ela assumiu o Deus invisível e o tornou visível e acessível aos homens, apresentando-o em carne humana».90

Se a evangelização compromete o carisma paulino a “tornar acessível” ao homem do nosso tempo o “Deus invisível”, que se fez visível em Cristo, então não nos surpreende a atitude sin-gular do Primeiro Mestre que motiva as Filhas de São Paulo a empenhar-se no cinema, dizendo: «Talvez ainda não tenhamos parado suficientemente para meditar sobre isso diante do Senhor e fazer um curso de exercícios sobre esta missão».91

90 San Paolo, novembro-dezembro, 1954; cf. Per un rinnovamento spirituale, p. 530.

91 O apostolado paulino na intuição do Primeiro Mestre, organizado pelas Filhas de São Paulo, Roma, 1967, p. 85.

91

Convite conclusivo

Caros irmãos,

Faço votos que as reflexões apresentadas vos sirvam de estí-mulo para o estudo e a assimilação pessoal da Carta aos Romanos e das outras cartas paulinas, a fim de descobrir a riqueza que delas pode derivar para o carisma paulino. A experiência direta ajuda também a compreender melhor os constantes convites do Primeiro Mestre para concentrar a atenção dos seus filhos e filhas nos escritos do Apóstolo.

Padre Alberione, dócil instrumento do Espírito para semear o carisma paulino como célula da qual brotou, com a inspiração divina e a aprovação da Igreja, toda a Família Paulina, deve ser considerado um “intérprete original” de São Paulo; e a sua pre-sença entre os personagens aos pés do Apóstolo, representados na monumental “Glória” de São Paulo no templo de Alba, é me-recida e legítima.

Ele recorda, com uma pitada de orgulho: «Quando em 1915 e 1916 se falava de São Paulo, quase não se conhecia. Agora, quantos assumiram São Paulo como protetor e modelo! Que este nome seja cada vez mais honrado! São Paulo é um coração ver-dadeiramente apostólico!»92

Durante uma meditação, apontando São Paulo como mo-delo de santidade e de apostolado, pergunta: «Vivemos verda-deiramente no espírito de São Paulo? Como é o espírito de São Paulo? É justamente isto: Paulo é aquele que indica o Mestre Divino, isto é, tomou o Evangelho que meditou profundamente

92 Às Filhas de São Paulo, 1950-1953, Roma, 2007, p. 479.

92 93

e o adaptou e aplicou depois ao mundo, às necessidades do seu tempo e das várias nações, como aquele que prega faz as apli-cações aos ouvintes como são. ...Assim, também nós devemos aplicar o Evangelho aos nossos dias e dar o Evangelho ao mun-do atual com os meios que o progresso nos apresenta, meios capazes de transmitir o pensamento, a doutrina de Jesus Cristo. Devemos usar os meios mais eficazes, mais rápidos, para che-gar às almas! Isto significa viver o nosso tempo, fazer o mundo sentir a atualidade de Jesus Cristo».93

E exortando à leitura dos escritos de São Paulo, garante: «À medida que se caminha, provar-se-á um verdadeiro gosto, uma verdadeira satisfação, tanto que algumas pessoas chegam a dizer: “Por mim não sei falar a não ser com as palavras de São Paulo. E tudo que necessito, todas as minhas dificuldades, eu as resolvo com as palavras de São Paulo”».94

Em vista de uma atualização fecunda do carisma paulino, almejável também pela proximidade do centenário de fundação, cada paulino pode tornar própria a seguinte passagem da Carta aos Romanos: “Eu vos exorto, irmãos, por nosso Senhor Jesus Cristo, e pelo amor do Espírito, que luteis comigo, nas orações que fazeis a Deus por mim” (15,30). É tão apropriada esta defini-ção da oração como um “lutar” que, talvez, faça referência à luta de Jacó (cf. Gn 32,23-32)!

A atualização do carisma paulino precisa de lutadores que enfrentem projetos de vida, sustentados pela liberdade do Espírito de Cristo, não certamente de quem se embalsama com o unguento da vida sossegada.

93 Às Filhas de São Paulo, 1954, p. 224s.94 Às Filhas de São Paulo 1961, Explicação das Constituições, n. 466.

«São Paulo está convosco!».95 Faço minha esta saudação augural do nosso bem-aventurado Fundador e a renovo a cada um com afeto fraterno.

Roma, 25 de janeiro de 2010Festa da Conversão de São Paulo

Pe. Silvio SassiSuperior Geral

95 Pregações do Revmo. Primeiro Mestre, Roma, 1955, p. 76.