A cápsula digital da História

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A cápsula digital da História - O Globo 19/05/2010 Cientistas arquivam em caixa-forte nos Alpes códigos para ler tecnologias extintas Diferentemente de hieróglifos em pedras ou pergaminhos, os arquivos digitais têm prazo de validade curto; muito menor do que se pensa. E, para a Humanidade não correr o risco de perder conhecimentos preciosos, como ocorreu após o incêndio da Biblioteca de Alexandria, cientistas europeus esconderam num bunker nos Alpes suíços uma cápsula que contém o “genoma digital”. Ela servirá para que as próximas gerações possam ler dados arquivados em tecnologia obsoleta ou extintas nas próximas décadas. Uma espécie de Pedra de Rosetta — as inscrições encravadas que permitiram decifrar os hieróglifos — da era digital. Nessa missão que lembra o cenário de filmes de espionagem, cientistas foram acompanhados de corpulentos seguranças vestidos de preto. A cápsula do tempo foi levada através de um labirinto de túneis, passando por cinco zonas de segurança, e guardada numa câmara blindada protegida por uma porta de 3,5 toneladas, resistente o suficiente a um ataque nuclear contra à instalação, o“Fort Knox” suíço, próximo às pistas de esqui de Gstaad. A caixa selada contém a chave, ou códigos, para decifrar os formatações digitais extintas, e será guardada pelos próximos 25 anos. A preocupação dos cientistas é que, hoje, para ler as anotações de Albert Einstein, basta pegar seus cadernos numa biblioteca. Mas em 50 anos, as pesquisas de Stephen Hawking, por exemplo, estarão em formato digital, e talvez não seja possível a futuras gerações lê-las, diz o bibliotecário britânico Adam Farquhar, que faz parte do projeto, iniciado há quatro anos e chamado Planetas. O projeto tem o apoio de 16 bibliotecas europeias e instituições de pesquisa para preservar os recursos digitais de todo o mundo, já que hardware e software são substituídos num ritmo vertiginoso. — A cápsula do tempo contém o equivalente digital do código genético de diferentes formatos de dados, ou seja, um genoma digital — comentou Farquhar, coordenador do projeto que custou US$ 18,5 milhões. — Eu não posso ler a minha própria tese hoje, exceto a cópia impressa em papel, porque não havia nada disso quando a escrevi. Para se ter uma ideia, cada indivíduo do planeta já gerou nada menos que 100 GB de dados, o equivalente a 24 toneladas de livros. São desde fotos de férias até prontuários médicos, passando por praticamente quase todas as atividades diárias atuais. Este volume equivale a mais de um 1 trilhão de CDs cheios. Porém, à medida em que as tecnologias avançam, a duração de cada uma delas diminui. Estima-se que só a União Europeia perde em informação digital o equivalente a C 3 bilhões ao ano, dizem especialistas. E os estudos mostram que os formatos comuns de arquivos de dados, como os CD e DVDs, duram 20 anos, enquanto outros formatos têm um prazo de validade menor ainda, de cinco a sete anos. — Se não forem tomadas medidas adequadas de preservação digital, isso poderá nos custar milhares de milhões no futuro — diz Andreas Rauber, da Universidade de Viena.

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A cápsula digital da História - O Globo 19/05/2010

Cientistas arquivam em caixa-forte nos Alpes códigos para ler tecnologias extintas

Diferentemente de hieróglifos em pedras ou pergaminhos, os arquivos digitais têm prazo de validade curto; muito menor do que se pensa.

E, para a Humanidade não correr o risco de perder conhecimentos preciosos, como ocorreu após o incêndio da Biblioteca de Alexandria, cientistas europeus esconderam num bunker nos Alpes suíços uma cápsula que contém o “genoma digital”. Ela servirá para que as próximas gerações possam ler dados arquivados em tecnologia obsoleta ou extintas nas próximas décadas. Uma espécie de Pedra de Rosetta — as inscrições encravadas que permitiram decifrar os hieróglifos — da era digital.

Nessa missão que lembra o cenário de filmes de espionagem, cientistas foram acompanhados de corpulentos seguranças vestidos de preto. A cápsula do tempo foi levada através de um labirinto de túneis, passando por cinco zonas de segurança, e guardada numa câmara blindada protegida por uma porta de 3,5 toneladas, resistente o suficiente a um ataque nuclear contra à instalação, o“Fort Knox” suíço, próximo às pistas de esqui de Gstaad.

A caixa selada contém a chave, ou códigos, para decifrar os formatações digitais extintas, e será guardada pelos próximos 25 anos.

A preocupação dos cientistas é que, hoje, para ler as anotações de Albert Einstein, basta pegar seus cadernos numa biblioteca.

Mas em 50 anos, as pesquisas de Stephen Hawking, por exemplo, estarão em formato digital, e talvez não seja possível a futuras gerações lê-las, diz o bibliotecário britânico Adam Farquhar, que faz parte do projeto, iniciado há quatro anos e chamado Planetas.

O projeto tem o apoio de 16 bibliotecas europeias e instituições de pesquisa para preservar os recursos digitais de todo o mundo, já que hardware e software são substituídos num ritmo vertiginoso.

— A cápsula do tempo contém o equivalente digital do código genético de diferentes formatos de dados, ou seja, um genoma digital — comentou Farquhar, coordenador do projeto que custou US$ 18,5 milhões. — Eu não posso ler a minha própria tese hoje, exceto a cópia impressa em papel, porque não havia nada disso quando a escrevi.

Para se ter uma ideia, cada indivíduo do planeta já gerou nada menos que 100 GB de dados, o equivalente a 24 toneladas de livros.

São desde fotos de férias até prontuários médicos, passando por praticamente quase todas as atividades diárias atuais. Este volume equivale a mais de um 1 trilhão de CDs cheios. Porém, à medida em que as tecnologias avançam, a duração de cada uma delas diminui. Estima-se que só a União Europeia perde em informação digital o equivalente a C 3 bilhões ao ano, dizem especialistas.

E os estudos mostram que os formatos comuns de arquivos de dados, como os CD e DVDs, duram 20 anos, enquanto outros formatos têm um prazo de validade menor ainda, de cinco a sete anos.

— Se não forem tomadas medidas adequadas de preservação digital, isso poderá nos custar milhares de milhões no futuro — diz Andreas Rauber, da Universidade de Viena.

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Aplicações em várias áreas

A cápsula terá aplicações em diversas áreas: de empresas farmacêuticas que quiserem acessar pesquisas realizadas há décadas à indústria aeroespacial que precise, por exemplo, analisar detalhes de de aviões construídos para voar por 30 ou 40 anos.

— As pessoas vão se surpreender quando abrirem a cápsula — diz Raube