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A CAPOEIRA COMO ELEMENTO DA CULTURA CORPORAL ATUANDO NA DESCONSTRUÇÃO DE ESTEREÓTIPOS E NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE
RACIAL NO CONTEXTO DA ESCOLA PÚBLICA
Aderlita Amaral Germano1
Deiva Mara Belfini Batista 2
Resumo
O presente artigo busca promover a reflexão acerca da Cultura Afro-brasileira, por meio da capoeira, resgatando-a como conteúdo de ensino na disciplina de Educação Física por meio da dança. A partir de um referencial teórico buscou-se a construção de um projeto que contribuísse para a implementação da Lei 10.639/03 nas escolas públicas estaduais do Paraná. O referido projeto fora disponibilizado para que os profissionais da educação realizassem discussões no Grupo de Trabalhos em Rede (GTR). As discussões foram realizadas em ambiente virtual e contribuíram de maneira significativa na efetivação do projeto. As atividades buscaram sempre valorizar o conhecimento prévio dos alunos sobre a cultura Afro-brasileira em suas diferentes dimensões, problematizando a questão da capoeira e da diversidade étnico-racial. Foram realizadas atividades práticas e teóricas objetivando, por meio da mediação do professor, proporcionar aos alunos da 5ª série do Ensino Fundamental do Colégio Olavo Bilac de Sarandi no Estado do Paraná, experiências com a capoeira e a cultura Afro-brasileira a partir do conteúdo estruturante proposto nas Diretrizes Curriculares de Educação Física do Estado do Paraná, a dança. As atividades realizadas fazem parte do Programa de Desenvolvimento Educacional que é fruto de uma política pública do Governo Paranaense que possibilita diálogos construtivos com professores do ensino superior e com os da educação básica.
Palavras-chave: Capoeira – Diversidade - Diretrizes Curriculares - Educação Física.
11 Germano, Aderlita Amaral (Orientanda), Licenciada em Educação Física (UEM), Pós graduada em Administração Orientação e Supervisão Escolar (ESAP), Educação Especial (ESAP) e Professora participante do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), turma 2010- Universidade Estadual de Maringá (UEM).2 Delfino, Deiva Mara (Orientadora), Professora Mestre Assistente do Departamento de Educação Física (DEF)
da Universidade Estadual de Maringá(UEM).
2
1 Introdução
A partir da temática sobre o papel da escola pública na sociedade,
vivenciamos diferentes perspectivas, filosóficas, históricas, sociais, científicas,
culturais e pedagógicas que procuram em cada tempo e espaço histórico localizar o
referido papel no projeto de construção da sociedade, ora privilegiando o sujeito, ora
o objeto do conhecimento. Assim, considerando as transformações sociais ocorridas
nos últimos séculos, mais especificamente, as revoluções industriais, percebe-se
que a escola procura se ajustar aos moldes exigidos pelo sistema vigente, ou seja,
privilegiando o objeto e não o sujeito do conhecimento. Contemporaneamente, a
escola/educação tem sido requisitada para cumprir seu papel, levando em
consideração o sujeito que se pretende formar.
As Diretrizes Curriculares da Educação Básica – Educação Física (2008)
estabelece bem essa relação ao afirmar que a escola é o lugar de socialização do
conhecimento produzido pela humanidade a todos os sujeitos (crianças, jovens,
adultos), geralmente, oriundos da classe assalariada de diversas regiões e com
diferentes origens étnicas e culturais. Isso requer que o conhecimento seja tratado
de forma contextualizada, trazendo à tona as contradições sociais, políticas e
econômicas a que estes sujeitos estão submetidos.
As mesmas Diretrizes ao tratar dos fundamentos teóricos - metodológicos,
apresenta a necessidade de conhecermos a história da disciplina de Educação
Física para que se compreendam as mudanças teórico-metodológicas que
ocorreram no decorrer dos anos até chegar à configuração atual defendida neste
documento. Isso significa reconhecer os principais problemas da Educação Física
atual, responsáveis por sua desqualificação como área de conhecimento
socialmente relevante, que comprometem sua legitimação no currículo escolar,
dentre eles, a “falta de uma reflexão aprofundada sobre o desenvolvimento da
aptidão física, e sua contradição com a reflexão sobre a Cultura Corporal” (PARANÁ,
2008, p.50).
Isto traz à reflexão a forma como a dança sempre foi tratada na Educação
Física, destituída de sentido e significado, dicotomizada, relegada ao plano teórico
de algumas manifestações e abordada só em períodos específicos do calendário
escolar, tais como nas festas juninas e apresentações em algum evento. Dessa
forma, é necessário reconhecê-la como uma prática corporal construída
historicamente na relação do homem com a natureza e com os outros homens
imprimindo um sentido à existência humana, portanto, com significado e objetivo. No
caso das manifestações dançantes parece evidente então, como o conteúdo deve
ser abordado para que a mesma se legitime como conteúdo de ensino.
Buscando romper com a forma tradicional com que este conteúdo vem sendo
tratado, articulando-o ao elemento da diversidade étnico-racial é que se propõe o
presente trabalho, buscando responder ao seguinte questionamento: qual a
contribuição do trabalho com a dança afro-brasileira (Capoeira), para romper com
estigmas e resgatar a diversidade étnico-racial na construção da identidade social do
aluno da escola pública?
Partindo de tais problemáticas, traçamos o seguinte objetivo: promover a
reflexão acerca da Cultura Afro-brasileira, por meio da capoeira, resgatando-a como
conteúdo de ensino na disciplina de Educação Física por meio da dança. Tal
objetivo somente seria alcançado especificamente, tendo em vista o conhecimento
prévio dos alunos sobre a cultura Afro-brasileira em suas diferentes dimensões e
problematizando a questão da capoeira e da diversidade étnico-racial, por meio de
um conhecimento sistematizado mediado pelo professor. Finalmente objetivamos
proporcionar aos alunos da 5ª série do Ensino Fundamental do Colégio Olavo Bilac
de Sarandi no Estado do Paraná vivências e experiências com a capoeira e cultura
Afro-brasileira a partir da dança, culminando com uma mostra cultural.
Vale lembrar que as atividades realizadas fazem parte do Programa de
Desenvolvimento Educacional (PDE) que é fruto de uma política pública do Governo
Paranaense, por meio dele os professores estabelecem diálogos construtivos com
professores do ensino superior e os da educação básica. São realizadas atividades
teóricas e práticas que permitem mudanças nas metodologias aplicadas nas escolas
públicas do Estado.
2 Breves considerações acerca da escola pública e das práticas educacionais na contemporaneidade
Atualmente, a escola pública do Brasil, mais especificamente, nos últimos
anos, atende um número crescente de estudantes das mais variadas classes
sociais, destacando-se as classes populares. Nesse sentido, o papel da escola
pública passa por diversas discussões, em especial, para atender as necessidades
educacionais dessa sociedade em constante transformação.
A escola, assim como a educação, traduz o caráter contraditório da própria
sociedade, ou seja, de uma sociedade de classes que apresenta interesses
antagônicos, e a escola é desvalorizada com um ensino descontextualizado, para a
manutenção dos interesses da classe hegemônica, pois para esta classe, a escola
deve ser reprimida, pois se nela se ensinasse a verdade, a verdade é sempre
revolucionária (SAVIANI, 2000).
As discussões marcam-se historicamente sobre o real papel da escola pública
para a sociedade, nesse sentido, surgem as diferentes perspectivas (filosóficas,
biológicas, psicológicas, cientificas, sociais, pedagógicas) para tentar explicar as
mudanças sociais ocorridas em cada tempo e espaço histórico, ou seja, localizar a
escola e as práticas educacionais ao referido papel no projeto de construção da
sociedade.
Dessa forma, com as mudanças ocorridas no âmbito educacional, as escolas
públicas procuram ajustar-se aos paradigmas sociais, ou seja, ela é convocada para
cumprir o seu papel, levando em consideração a formação integral dos alunos, “Ao
definir qual formação se quer proporcionar a esses sujeitos, a escola contribui para
determinar o tipo de participação que lhes caberá na sociedade” (PARANÁ, 2008,
p.14). Para que ocorra essa formação integral dos alunos e ela possa ser efetivada
na escola, o conhecimento deve ser compreendido de maneira contextualizada,
inclusive demonstrando quais são as contradições sociais que interpelam os
sujeitos.
Para Saviani (2000),
A pedagogia histórico‐crítica entende que a tendência a secundarizar a escola traduz o caráter contraditório que atravessa a Educação, a partir da contradição da própria sociedade. À medida que estamos ainda numa sociedade de classes com interesses opostos e que a instrução generalizada da população contraria os interesses de estratificação de classes, ocorre esta tentativa de desvalorização da escola, cujo objetivo é reduzir o seu impacto em relação às exigências de transformação da própria sociedade (p. 114).
O grande desafio da escola é promover e incentivar um enfrentamento da
ideologia dominante, ou seja, proporcionar transformações sociais garantindo
oportunidades para todos. Outro desafio é a importância em redirecionar as práticas
pedagógicas para que estas possam desenvolver a autonomia dos alunos,
possibilitar o diálogo entre as disciplinas, ou seja, desenvolver habilidades
intelectuais, o pensamento crítico, dessa forma, a educação deve partir da formação
individual promovendo também a interação entre os alunos.
De acordo com Duarte (2003, p. 35), “[...] o trabalho educativo tendo como
referência o processo de humanização do gênero humano e do indivíduo, aponta na
direção da superação do conflito entre as pedagogias da essência e as pedagogias
da existência”. Dessa forma, a teoria educacional de conteúdo crítico deve oferecer
aos sujeitos condições para que tenham um ensino de qualidade e, principalmente
tenham uma formação capaz de compreender os reais interesses das classes
dominantes que, por vezes, tentam parecer populares para que suas ideologias
permaneçam inquestionáveis.
Portanto, consideramos que a Educação Física deve ser compreendida
dentro das propostas pedagógicas criticas que possibilitam transformações
necessárias para que as práticas educacionais, por meio da cultura corporal,
modifiquem a própria história dos alunos enquanto sujeitos.
2.1 Educação Física e Cultura Corporal
Na disciplina de Educação Física a vertente critica se faz presente com na
obra Metodologia do Ensino da Educação Física, de 1992, proposta por um coletivo
de autores cuja “matriz é o materialismo histórico–dialético, a abordagem
metodológica é denominada Crítico-Superadora, o objeto de estudo é a Cultura
Corporal e no campo educacional se situa na Pedagogia Crítica” (ALBUQUERQUE,
1992).
Neste sentido, consideramos que a materialidade corpórea foi historicamente
construída, existindo, portanto, uma cultura corporal como resultado de
conhecimentos socialmente produzidos e historicamente acumulados pela
humanidade.
Nas relações com a natureza e com o grupo social de pertencimento, por meio do trabalho, os seres humanos desenvolveram habilidades, aptidões físicas e estratégias de organização, fundamentais para superar obstáculos e garantir a sobrevivência. Inicialmente, correr, saltar, rastejar, erguer e carregar peso era habilidades essenciais para abater uma caça e transportá-la para “casa”, escapar de uma perseguição, alcançar lugares onde os frutos fossem abundantes. Outras manifestações corporais e culturais se concretizavam em celebrações dos frutos do trabalho. As danças comemorativas das colheitas, danças de guerra, danças religiosas, dentre outras, são exemplos disso. (PARANÁ, 2008, p.52).
As materialidades corporais necessitam ser retraçados e transmitidos para
outras gerações, inclusive pela escola. Contudo, elas necessitam ser compreendida
como parte indissociável da cultura, essa por sua vez corresponde a tudo o que o
homem faz, por meio do trabalho, transformando e sendo transformado, é a práxis
humana. Logo, Cultura Corporal trata-se das práticas corporais construídas durante
a história da humanidade a partir de suas necessidades, tanto vitais quanto lúdicas e
prazerosas.
Nesta metodologia, a Educação Física é uma disciplina que deve tratar
pedagogicamente essas práticas denominadas de Cultura Corporal, agrupadas nas
diferentes manifestações, tais como: jogos, ginásticas, danças, lutas, esportes
(SOARES et al, 1992) que se transformam em conteúdos de ensino.
De acordo com Escobar (1995), a Educação Física apresenta-se como uma
particularidade do complexo cultural e como área de conhecimento importante no
processo de formação humana, em especial na construção da identidade e da
autonomia dos alunos desenvolvendo aspectos corporais. Dessa forma,
compreendemos que a disciplina curricular tem papel fundamental no processo de
escolarização dos indivíduos. Recai sobre ela a responsabilidade de desenvolver
atividades relacionadas a Cultura Corporal.
O conceito de Cultura Corporal tem como suporte a ideia de seleção, organização e sistematização do conhecimento acumulado historicamente, acerca do movimento humano, para ser transformado em saber escolar. Esse conhecimento é sistematizado em ciclos e tratado de forma historicizada e espiralada. Isto é, partindo do pressuposto de que os alunos possuem um conhecimento sincrético sobre a realidade, é função da escola, e neste caso também da Educação Física, garantir o acesso às variadas formas de conhecimentos produzidos pela humanidade, levando os alunos a estabelecerem nexos com a realidade, elevando-os a um grau de conhecimento sintético (PARANÁ, 2008, p.45).
Os conteúdos da Cultura Corporal necessitam ser estudados visando
apreender a expressão corporal como linguagem que “expressam em
sentido/significado onde se interpenetram dialeticamente, a
intencionalidade/objetivos do homem e as intenções/objetivos da sociedade
(SOARES et al. 1992, p.62).
Contudo, as Diretrizes Curriculares da Educação Básica- Educação Física
(2008), prevê que os conteúdos da Cultura Corporal estejam articulados a elementos
que buscam tratar de forma contextualizada a questão do corpo, da ludicidade, da
saúde, do mundo do trabalho, da desportivização, da técnica e tática, do lazer, da
diversidade e da mídia.
2.2 A dança: a cultura corporal em movimento
A Cultura Corporal apresenta a dança contribuindo para que haja respeito
às diferenças culturais, éticas e sociais, construindo conceitos e fortalecendo a
identidade dos alunos, fazendo-se necessário o resgate da cultura brasileira no
mundo da dança através da tematização das origens culturais, sejam do índio, do
branco ou do negro, como forma de despertar a identidade social do aluno no
projeto de construção da cidadania (SOARES et al, 1992). A Dança enquanto
manifestação da Cultura Corporal é
expressão de vida, transmissão de sentimentos, comunicação, vivencia corporal, emocional. Sendo o movimento e não pode ser satisfatoriamente descrita, verbalizada, por isso é essencialmente vivê-la, senti-la e experimentá-la. É necessário desmistificá-la, desenterrá-la, cultivá-la e compartilhá-la. (CARBONERA, 2008, p.7).
Toda criança necessita de experiências de comunicação criativa e
interpretativa por meio de movimentos. A experiência da dança integrada as
experiências de aprendizagem oferecerá opções para esse tipo de expressão. A
dança é a manifestação da cultura corporal responsável por tratar o corpo e suas
expressões que se concretizam em diferentes práticas, como nas danças típicas
(nacionais e regionais), danças folclóricas, danças de rua, danças clássicas entre
outras. Em situações onde houver oportunidade de teorizar acerca da dança, o
professor pode aprofundar com os alunos uma consciência crítica e reflexiva sobre
seus significados, criando situações em que a representação simbólica, peculiar a
cada modalidade de dança, seja contemplada.
A dança, por ser um dos conteúdos estruturantes, e por concordar com a
visão crítico-superadora de que é uma “expressão representativa de diversos
aspectos da vida do homem” e que pode ser considerada como “linguagem social
que permite a transmissão de sentimentos, emoções, da afetividade vivida nas
esferas da religiosidade, do trabalho, dos costumes, hábitos, da saúde, da guerra,
etc.” (SOARES et al.1992, p.82), aponta para a necessidade do resgate da cultura
brasileira no mundo da dança por meio da tematização, das origens culturais, sejam
do índio, do branco ou do negro, no sentido de despertar a identidade social do
aluno no projeto de construção da cidadania.
Historicamente, a dança foi tratada na Educação Física destituída de sentido
e significado, dicotomizada, relegada ao plano teórico de algumas manifestações e
abordada só em períodos específicos do calendário escolar, tais como nas festas
juninas e apresentações em algum evento. Diante dessa constatação, é necessário
reconhecê-la como uma prática corporal construída historicamente na relação do
homem com a natureza e com os outros homens imprimindo um sentido à existência
humana, portanto, com significado e objetivo,
Esta objetividade, advinda da condição material da história da humanidade em que o trabalho é sua categoria fundante, é que nos aproxima do conceito de cultura no sentido de que “implica aprender o processo de transformação do mundo natural a partir dos modos históricos da existência real dos homens nas suas relações na sociedade e com a natureza.” (ESCOBAR, 1995, p.93).
No caso das manifestações dançantes parece evidente então, como o
conteúdo deve ser abordado para que a mesma se legitime como conteúdo de
ensino. No decorrer do presente artigo, serão descritos de que maneira a dança
enquanto elemento da cultura corporal pode ser um rico instrumento educativo nas
práticas de Educação Física, mais especificamente, por meio da capoeira que é uma
das manifestações da cultura africana e se reveste de legitimidade para cumprir esta
função, já que
Em situações que houver oportunidade de teorizar acerca da dança, o professor poderá aprofundar com os alunos uma consciência crítica e reflexiva sobre seus significados, criando situações em que a representação simbólica, peculiar a cada modalidade de dança, seja contemplada (PARANÁ, 2008, p.70).
Assim, o professor deve reconhecer que a dança se constitui como elemento
significativo da disciplina de Educação Física no espaço escolar, pois contribui para
desenvolver a criatividade, a sensibilidade, a expressão corporal, a cooperação,
entre outros aspectos, sendo de fundamental importância para refletirmos
criticamente sobre a realidade que os cerca, contrapondo-se ao senso comum.
O professor de Educação Física tem, assim, a responsabilidade de organizar
e sistematizar o conhecimento sobre as práticas corporais, o que possibilita a
comunicação e o diálogo com as diferentes culturas. Com propostas bem definidas
e voltadas para a formação e o exercício crítico dos conteúdos, a Educação Física
deve também promover discussões que resgatem conceitos éticos, de relações
interpessoais capazes de demonstrar a importância do respeito.
2.3 Educação Física e relações culturais e interpessoais
As relações estabelecidas entre os homens, de certa forma, moldam e criam
padrões, sejam de comportamentos, institucionais e até educacionais. A educação,
na maioria das vezes, mantem e perpetuam a chamada cultura.
Aranha (1996) apresenta a Cultura sob dois aspectos, sendo o primeiro a
representação de tudo o que é feito para o homem, seja material ou espiritual. Já o
segundo aspecto vem ao encontro com a produção intelectual de um povo, através
das manifestações filosóficas, artísticas, cientificas e literárias.
Dessa forma, Chauí (1986), relata que o ato que gera a cultura é a criação, a
invenção, a transformação e trabalhar com a cultura é trabalhar com a revolução do
próprio corpo, pensamento, no tempo e no espaço, a todo instante, trabalhando o
momento de crítica e de construção, de continuidade e percepção, porque a cultura
faz com que você se olhe no espelho e se reconheça como o próximo, como o outro,
como o diferente, como o igual, como o negro e o branco, trabalhando nas múltiplas
possibilidades.
O reconhecimento de determinada cultura implica em saber lidar com a
diversidade que se faz presente nas diferentes práticas sociais. Na escola, é preciso
adotar abordagens capazes de reconhecê-la. Sendo assim, as aulas de Educação
Física, cujo professor adota essa prática de reconhecimento e valorização das
diferenças presentes na cultura de uma dada sociedade, oportunizam situações
capazes de estabelecer o respeito entre os alunos e, ainda, apresentar as diferenças
dentro de paradigmas que demonstram a valorização humana. A essa abordagem
incluem as políticas de inclusão que “não representa caridade ou assistencialismo,
mas condição de afirmar a pluralidade, a diferença, o aprendizado com o outro, algo
que todos os alunos devem ter como experiência formativa” (PARANÁ, 2008, p.61).
Contudo, na escola é preciso que esses entendimentos a respeito da cultura
permitam aos alunos uma convivência harmoniosa com as diferenças. Na disciplina
de Educação Física as relações corporais devem ser vivenciadas em atividades
capazes de oferecem aos alunos relações interpessoais centradas no respeito, no
convívio social e acima de tudo no reconhecimento das diversidades e como essas
podem ganhar novos significados dentro de cada cultura.
2.4 A cultura afro-brasileira e a capoeira como manifestação da cultura corporal
Muito se discute, na atualidade, sobre a cultura afro-brasileira, ou seja, a
cultura dos negros vindos da África que foi desenvolvida no Brasil a partir dos
inúmeros descendentes que aqui permaneceram e se reproduziram de forma
miscigenada com a população brasileira. No entanto, para compreendermos como a
capoeira pode servir como representante dessa cultura no contexto escolar é
necessário retomarmos, em linhas gerais, qual é a história do povo africano no Brasil
e como podemos compreender a cultura que eles construíram no nosso país? Logo,
o presente capítulo tentará reconstituir essa história marcada por lutas, conquistas,
resistência, estereótipos e identidade racial.
Antes de identificarmos como se constitui a cultura afro-brasileira é
necessário saber o que é uma cultura e, nesse sentido, observamos que ela pode
ser definida como tudo o que o homem faz, por meio do trabalho, transformando e
sendo transformada, em síntese, ela é a práxis humana.
Cultura, como sabemos, é tudo que as pessoas lançam mão para construir sua existência, tanto em termos materiais como espirituais, envolvendo aspectos físicos e simbólicos. A cultura é um patrimônio importante de um povo, porque resulta dos conhecimentos compartilhados entre as pessoas de um lugar, e vai passando e sendo recriada, de geração em geração. É a cultura que nos diz em que acreditar, influencia os nossos modos de ser e estar no mundo, de agir, sentir e nos relacionar com o natural e o social. (SELO UNICEFF, 2008, p.6).
A definição exposta na citação acima nos ajuda a observar as especificidades
presentes na cultura de um povo, assim entendemos, a partir das considerações do
Selo UNICEF (2008), que a existência humana só é possível a partir de sua relação
com uma cultura. Nesse sentido, a cultura ampara o ser humano na sociedade, dá
reflexo aos seus pensamentos e crenças, bem como pauta suas atitudes nos
conhecimentos partilhados por um povo. Portanto, devemos observar a cultura afro-
brasileira, ou seja, a cultura do africano miscigenado com outros povos, no caso,
portugueses, índios, italianos, espanhóis, dentre muitos outros que vieram para o
Brasil construírem suas histórias. Tal cultura é hoje resultado de um longo processo
de desenvolvimento que não cessará, uma vez que ela vai passando de pai para
filho e se reconfigurando mediante as condições de produção nas quais seus
representantes vivem.
Devemos considerar que a cultura afro-brasileira é uma mistura da cultura
trazida da África com a cultura brasileira que foi sendo construída pelos negros e
outros povos que vieram trabalhar no nosso país. Nesse contexto, podemos dizer
que existem raízes da cultura africana que acabaram se misturando aos modos de
vida dos brasileiros.
A partir de tais considerações, destacamos que fazem parte da cultura afro-
brasileira os seguintes elementos: instituições, ideias, materiais e técnicas. Tal
classificação se aplica em todas as cultuas, no entanto, de acordo com Silva (2006),
eles podem variar na forma de cultura para cultura. Os dois primeiros elementos
constituem o plano abstrato, neles estão presentes “modelos de comportamento de
carácter normativo, ou seja, as instituições se referem às regras comportamentais”
(SILVA, 2006, p.1), também destacamos que as ideias “prendem-se essencialmente
aos conhecimentos importantes, crenças populares (superstições, por exemplo),
valores partilhados por uma determinada sociedade; também se podem relacionar
por vezes com a religião” (SILVA, 2006, p.1).
Assim, compreendemos que uma cultura é constituída, no plano abstrato, de
valores, comportamentos coletivos, regras, crenças populares religião, ou seja, tudo
o que está no plano do pensamento e comportamento humano em sociedade. A
partir da definição de Silva (2006), pretendemos, nos subitens a seguir, buscar como
tais elementos estão presentes na cultura afro-brasileira.
2.5 A história do negro no Brasil: raízes culturais
A história do negro no Brasil se iniciou entre 1550 e 1850, quando teriam
desembarcado no país de 3,6 e 5,6 milhões de africanos. De acordo com
Albuquerque e Fraga Filho (2006), essa vinda dos negros para o Brasil de forma
abrupta se configura como uma diáspora uma vez que esses homens e mulheres
vivenciaram “não somente a violência da viagem transatlântica no julgo do tráfico
negreiro para as Américas, mas toda a rede de usurpações sofridas no processo
escravizatório” (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p.10).
Quando chegaram ao Brasil, os Africanos e afrodescendentes passaram a
representar “a massa trabalhadora” durante o período da colonização brasileira.
Observamos que essa mão de obra, escrava, acabou executando todos os ofícios
realizando todas as formas de trabalho existentes, “formou a população majoritária
dando a base cultural do país em associação com povos de outras origens”
(DIEGUES JUNIOR, 2000).
De acordo com Diegues Junior (2000), os africanos tinham conhecimentos
técnicos e tecnológicos superiores aos dos Europeus e dos Indígenas para as
atividades produtivas desenvolvidas durante o período de colônia e império. Tal
característica teria tornado a mão de obra africana responsável pelas atividades de
trabalho desenvolvidas durante tal período. A cultura africana tinha como
conhecimentos partilhados o saber sobre agricultura, pastoril, artes dentre outros.
Os africanos para aqui trazidos como escravos tiveram um papel civilizador, foram uns elementos ativos, criador, visto que transmitiram à sociedade em formação elementos valiosos da sua cultura. Muitas das práticas da criação de gado eram de origem africana. A mineração do ferro no Brasil foi aprendida dos africanos. Com eles a língua portuguesa não apenas incorporou novas palavras, como ganhou maior espontaneidade e leveza. Enfim, podemos afirmar que o tráfico fora feito para escravizar africanos, mas terminou também africanizando o Brasil. (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p.43).
Portanto, a vinda do povo africano tinha muito a dar ao Brasil, uma vez que
possuía conhecimentos que eram necessários para o desenvolvimento das colônias.
Outro fator preponderante para o desenvolvimento da colônia foi que a quantidade
de negros trazidos para o país, a partir do tráfico, possibilitou que os portugueses
colonizassem de fatos essas terras, uma vez que para onde os portugueses iam
com eles eram levados muitos negros, que por diversas regiões ficavam
trabalhando. Em outras palavras, “Foi através da importação maciça de africanos
que os lusitanos conseguiram defender o território da cobiça de outras potências
coloniais, que também tinham planos para ocupar e explorar as riquezas tropicais
aqui encontradas”. (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p.42).
Partindo das habilidades que poderiam ser desenvolvidas pelo povo negro, o
homem branco se apropriou do mesmo na forma da escravidão, ou seja, como se o
negro fosse apenas um ser objeto sem direito a vida e a cultura, vivendo em
condições sub-humanas. Nesse sentido, podemos destacar que essa imigração
forçada, na forma da escravidão, durou quase quatro séculos e trouxe mais de seis
milhões de pessoas para o Brasil.
A escravidão foi muito mais do que um sistema econômico. Ela moldou condutas, definiu desigualdades sociais e raciais, forjou sentimentos, valores e etiquetas de mando e obediência. A partir dela instituíram-se os lugares que os indivíduos deveriam ocupar na sociedade, quem mandava e quem devia obedecer. Os cativos representavam o grupo mais oprimido da sociedade, pois eram impossibilitados legalmente de firmar contratos, dispor de suas vidas e possuir bens, testemunhar em processos judiciais contra pessoas livres, escolher trabalho e empregador. (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p.66-67).
De acordo com as observações destacas pelos autores acima,
compreendemos que a escravidão deixou marcas na sociedade brasileira que
jamais serão desfeitas, uma vez que ela perpetuou a opressão e o preconceito
racial. Tais elementos fazem parte da cultura brasileira e apesar de muitos anos
terem se passado essas são as marcas da colonização do Brasil.
De acordo com Albuquerque e Fraga Filho (2006), o escravo que chegava da
África passava por um treinamento conduzido pelos senhores e feitores das
fazendas. Nesse treinamento, eles aprendiam as bases da língua portuguesa, para
que compreendessem as ordens dos senhores e feitores, também ensinavam
obediência, regras e condutas que esses escravos deveriam respeitar dentro da
fazenda. Por fim, eles também aprendiam os princípios da religião católica para que
pudessem passar a rezar.
A realidade a qual o negro estava sendo submetido era constituída pela
hierarquia ao senhor, servidão, exploração física, senzala, bem como a adaptação à
outra religião, no caso, católica. Em outras palavras, o negro havia sido tirado de
forma violenta de sua cultura que primava pela vida em família, preservando as
memórias dos ancestrais bem como da religião de um determinado grupo para viver
sozinho em uma terra de brancos que lhe tiraram tudo.
O tráfico durou muitos anos e somente em 4 de setembro de 1850 teve fim
com a promulgação da lei Eusébio de Queiroz. Tal decisão somente foi tomada por
meio de pressões da marinha britânica e pelo medo de sublevações africanas.
Posteriormente, os negros conquistaram o direito de criarem seus filhos, com a lei
que proibia, nas vendas, a separação de pais e filhos menores de 15 anos. No
entanto, somente em 1871 foi declarada a Lei do Ventre Livre, que além de libertar
os filhos das escravas nascidos a partir de sua promulgação, buscou garantir a
“integridade da família” cativa estabelecendo que os filhos menores de oito anos
acompanhassem as mães que fossem libertas (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO,
2006, p.103).
Em 1885, o parlamento imperial aprovou a lei do sexagenário que libertava os
escravos com mais de 60 anos. Tal lei ludibriava os adeptos ao abolicionismo e por
mais alguns anos os negros buscavam a liberdade de forma plena em terras
brasileiras. De acordo com Buonicore (2008), a libertação dos escravos não ocorreu
por decisão voluntária dos fazendeiros paulistas e, muito menos, foi uma dádiva da
família imperial. Ela foi fruto de uma grande luta popular, que envolveu diretamente
os próprios escravos em fugas e revoltas dentro das fazendas.
Apesar de terem sido deturpadas as condições mínimas de organização das
comunidades africanas no Brasil observaram que os negros passaram a construir
novas comunidades justamente com a finalidade de assegurar a sobrevivência dos
mesmos e a cultura africana nesse novo território. Essa nova comunidade passava a
ser constituída ainda na senzala ou nos cativeiros onde os negros viviam, de acordo
com Albuquerque e Filho (2006, p.95), “os escravos e escravas buscavam acionar
relações sociais aprendidas na África e aqui inventadas”. Sendo assim, destacamos
que havia um senso de lealdade entre escravos pertencentes a mesma etnia ou
nação. E nesse contexto aparecem os parentes e patrícios, os primeiros eram
considerados integrantes da mesma etnia e os segundos eram vindos da mesma
região da África. Estabelecia-se assim uma nova forma de parentesco que ligava os
negros independentemente do seu desligamento futuro. Somente a partir dessa
nova comunidade os escravos puderam preservar parte da cultura africana e
transmiti-la aos filhos e netos, uma vez que construir uma família era o projeto de
vida do africano.
A partir desse contexto, destacamos a presença da religiosidade na
constituição da cultura afro-brasileira uma vez que, de acordo com Campi (2009), as
Religiões Afro-brasileiras se mantiveram ao longo dos anos como foco de resistência
cultural, formando uma estrutura que marca de forma significativa a cultura
brasileira. Para a autora, os templos de Religiões Afro-brasileiras constituem-se, há
séculos, em espaços de inclusão para os grupos historicamente excluídos, de
acolhimento e de aconselhamento.
Nesse ambiente, os negros começavam preservar as raízes da cultura
africada a partir da prática do Candomblé e Umbanda. No entanto, devido à
diversidade de povos presentes nas comunidades negras e própria imposição do
catolicismo a eles podemos dizer que novas práticas eram incorporadas a religião
afro-brasileira que se constituía, tais como: deuses, cultuados separadamente em
regiões distintas da África – Oxossi, do reino de Ketu, Xangô de Oió, Oxum de
Oxogbô e assim por diante, assim, como islamismo e crenças indígenas. Essa
diversidade e miscigenação fez que um determinado tipo de religiosidade africana
fosse reinventada no Brasil.
Outro elemento da cultura africana que passou a ser reinventado em terras
brasileiras foi a culinária. De acordo com Colombo (2012), os negros passaram a
adaptar seus hábitos culinários aos ingredientes da colônia. A autora ainda destaca
que algumas substituições foram primordiais para que a tivéssemos em nossa dieta
o consumo de alimentos como: a mandioca que substitui o inhame, o azeite de
dendê, substituto das pimentas africanas e os animais: tatu, lagartos, cutias,
capivaras, preás e caranguejos. A autora afirma que os pratos africanos eram
produzidos na forma de assados dos quais se retirava o caldo, a partir dele tivemos
a origem do pirão, resultado da mistura com a farinha de mandioca ou o angu. A
galinha e ingredientes da culinária indígena também passaram a ser incorporados à
cozinha das negras. Colombo (2012) afirma que os seguintes ingredientes, hoje
parte da culinária brasileira, vieram da África, entre outros, coco, banana, café,
pimenta malagueta, azeite-de-dendê, inhame, quiabo, gengibre, amendoim,
melancia e o jiló.
Outro elemento da cultura afro que foi sendo desenvolvido no Brasil é a
dança, de acordo com Diegues Junior (2000), essa aliada à música são as principais
manifestações artísticas trazidas para o nosso país. Devemos destacar que muitos
elementos tanto da música quanto da dança engendraram o que hoje chamamos de
cultura brasileira, em síntese, “O negro influenciou na formação de danças e cantos.
Trouxe-nos também os seus instrumentos que se congregaram na nossa orquestra
popular” (DIEGUES JUNIOR, 2000, p.1). De acordo com o autor, as danças
representam um
Motivo para reunir as tribos os grupos de indivíduos sem escolha de sexo, refletem um espírito coletivo, uma solidariedade. Um sacrifício da individualidade para uma só comunhão de ideias. Uma disciplina do pensamento. Pelas danças refletem os povos seus sentidos de sociabilidade reunião social que elas são, e, sobretudo, seu espírito religioso ( p.1).
É, justamente, por refletirem um espírito coletivo que as danças e músicas
africanas estão intimamente relacionadas com a religião, uma vez que durante os
rituais os negros espiritualizam-se, deixando de lado o mundo exterior, em outras
palavras, seu interior domina o ambiente e lhes orienta o desenvolvimento da dança.
São exemplos de danças negras: o coco, dança socializada, o quilombo, dança
dramática, o samba do matuto, próximo da dança dramática e transição do
maracatu, e o frevo, dança generalizada, o maracatu, os congos, Semba, Funaná,
Kuduro, Sakiss, Puita, Marrabenta, Schikatti e Gnawa.
2.6 Imaginário social sobre o negro no Brasil: estereótipos e identidade racial
O primeiro imaginário sobre o negro veio a partir da literatura iluminista, nesse
momento, a liberdade, igualdade e fraternidade era para todos os considerados
comuns, nesse caso, europeus. Tal concepção foi construída com base em relatos
de viajantes que descobriram povos que não eram descritos na teologia cristã.
Assim, o negro passava a ser o outro, classificado como um animal e que dava
origem ao preconceito uma vez que uns acreditavam na existência de uma raça com
varias subespécies e outros que poderiam existir várias raças, mas a branca era
superior a todas as outras. (TOKARSKI, 2012, p.7).
De acordo com Santos (2005), tanto Voltaire quando Diderot, filósofos
iluministas, considerava o homem negro como um animal de cor preta exaltando as
características físicas desses homens como exageradas, assim como narizes, lábios
e espessura do cabelo. Partindo de tais premissas os iluministas legitimaram a
escravidão e a diferença entre negros e brancos pautados na superioridade branca
em virtude da civilidade. Em suma, de acordo com Tokarski (2012), os filósofos
iluministas defendiam também a tese de que as desigualdades sociais seriam
naturais, uma vez que para existir progresso era necessário que alguns estivessem
a trabalhar para o bem de outros, que seria a minoria. Teoria essa que o Darwinismo
social também propagou a partir da tese sobre a evolução das espécies.
Posteriormente, tivemos o surgimento da sociedade industrial que propagava
o desempenho individual como estágio mais avançado do desenvolvimento das
habilidades humanas, a partir desse principio, mais uma vez, legitimava-se a ideia
de inferioridade para os povos que não alcançavam esse estágio do
desenvolvimento. De acordo com Tokarski (2012), os principais precursores da
construção de um imaginário estereotipado sobre o negro no Brasil foram as teorias
racistas e o liberalismo, uma vez que tais representações afirmavam a incapacidade
intelectual do negro, condenaram sua religião,sua capacidade de trabalhar e
constituir uma família.
Apesar das inúmeras tentativas sociais feitas no decorrer dos anos para
desmaterializar as representações racistas construídas em torno da figura do negro,
ainda temos um cenário em que “Se a genética nos mostra que raça não existe, no
imaginário popular ainda persistem representações que relacionam as pessoas à cor
e estas à maior ou menor capacidade intelectual, ideal de estética e de cultura”
(TOKARSKI, 2012, p.15). Compreendemos a partir de tais considerações que é
nesse contexto que devemos destacar a identidade racial, ou seja, como forma de
resgate da importância do negro para nossa sociedade.
Nesse sentido, destacam-se as considerações de Conceição e Conceição
(2010) sobre a identidade racial do negro no Brasil, pois, de acordo com os autores,
existe uma cultura do preconceito e descriminação que fez com que o próprio negro
tivesse tido vergonha da sua raça e origem no decorrer da história do país. Ferreira
(2000) afirma que o motivo de tal negação étnica advém da historicidade presente
na identidade negra, como: passado da escravidão, negação das tradições africanas
e estigmatização das mesmas, na atual sociedade, assim como a descriminação
racial.
Ser negro, muitas vezes está relacionado com a escravidão e a cor da pele, razão porque há uma série de expressões que disfarçam a condição de origem étnico racial da população negra, a saber: marrons bombons, morenos claros, morenos escuros, pardos, café com leite, escurinho, canela, café, dentre outros que fazem parte de uma certa formalidade das relações sociais. É como se fosse deselegante se referir a alguém como negro ou preto, a tentativa é de criar um certo eufemismo quanto a origem e de branquear o conteúdo identificatório. (CONCEIÇÃO; CONCEIÇÃO, 2010,p.5).
De acordo com os autores, podemos destacar que o preconceito perpassa a
identidade dos negros uma vez que ele se apropria de suas características físicas
para os descriminarem não apenas pela sua cor, mas também pela sua condição
social, dada como inerente as pessoas com essa cor de pele. Outro ponto
destacado é o fato de que alguns apelidos ou codinomes que “clareiam” a cor do
negro são dados para tentar diminuir o impacto do preconceito sobre esses na
nossa sociedade. Assim, é por esse tipo de atitude ao longo dos anos e nos diversos
setores da sociedade que o negro teve sua identidade deturpada e continua tendo
sua verdadeira cor negada pelos brancos.
De acordo com Passos (1999), a identidade é a forma com a qual os
indivíduos se reconhecerem e são reconhecidos pela sociedade e, nesse contexto:
O processo educativo pode ser uma via de acesso e resgate da autoestima, da autonomia e da assunção da identidade, pois a escola é um ponto de encontro das diferenças étnicas, podendo ser instrumento eficaz para diminuir e prevenir o processo de exclusão social e incorporação do preconceito pelos educandos negros.(CONCEIÇÃO;CONCEIÇÃO,2010,p.2).
Compreendemos, de acordo com os autores, que o espaço escolar é o lugar
adequado para que professores, comunidade e alunos possam discutir questões
relacionados as diferenças sociais e étnicas presentes na sociedade o que
favorecerá ao reconhecimento e valorização do negro na história do Brasil. Tais
procedimentos poderão ajudar na construção de identidade para os negros que
ainda não se reconhecem como tal, buscando sua emancipação em um país que
infelizmente ainda não tem conhecimento as inúmeras contribuições do negro para a
constituição e formação do Brasil.
A construção da identidade da criança e do jovem precisa do apoio de imagens confirmadoras positivas. Isto é necessário para todos eles, mas no caso de crianças e jovens negros, esta é uma tarefa essencial, pois os jovens e crianças que não são negras já encontram naturalmente na sociedade essa confirmação. A escola pode e deve ser um lugar facilitador desse encontro com imagens e referências identitárias positivas para crianças e jovens negros. Estar atento ao que se oferece como material para os alunos, quais modelos de vida e de beleza que as imagens afirmam é uma tarefa diária de planejamento de aula. (CONCEIÇÃO; CONCEIÇÃO, 2010, p.5).
Portanto, entendemos que a construção da identidade negra no Brasil ainda
continua sendo construída, uma vez que existem inúmeras práticas identitárias em
desenvolvimento no próprio ambiente escolar que tem como finalidade principal
reconstruir a história do Negro. Assim, somente a partir da construção de uma
imagem positiva do negro e de sua história no Brasil, as crianças poderão crescer
sabendo da importância das suas gerações para o desenvolvimento e crescimento
do país em que vivem, bem como de sua identidade não tendo vergonha, mas sim
se orgulhando de sua raça e etnia.
2.7 A capoeira: elemento da cultura afro-brasileira
Ainda que tradicionalmente desvalorizados na época colonial e no século XIX,
os aspectos da cultura brasileira de origem africana passaram por um processo de
revalorização a partir do século XX, que continua até os dias de hoje. De maneira
geral, tanto na época colonial como durante o século XIX a matriz cultural de origem
europeia foi a mais valorizada no Brasil, enquanto que as manifestações culturais
afro-brasileiras foram muitas vezes desprezadas, desestimuladas e até proibidas,
destacando-se, nesse caso, a capoeira. A Capoeira é uma prática corporal da
Cultura Afro-brasileira, cujos elementos são importantes para entender a história do
Brasil, firmando como uma forma de expressão cultural popular enraizada na nossa
história.
Partindo de tais considerações julgamos oportuno estudarmos o conteúdo
estruturante dança com o elemento articulador diversidade para tratarmos da Cultura
Africana, do resgate histórico-cultural e social e da identidade do aluno por meio
especificamente, da capoeira.
A capoeira surgiu no Brasil como luta de resistência de uma comunidade
que trazia uma imensa bagagem cultural de sua terra de origem e que precisou
desenvolver um conjunto de técnicas de ataque e defesa em virtude da situação de
opressão em que vivia durante a escravidão. Aliás, devemos considerar que a
capoeira faz parte de todo um processo de resistência dos negros no Brasil que
também se expressou na religião, na arte, na culinária etc. Em outras palavras, era
necessário aos negros não só permanecerem vivos e lutarem pela sua liberdade,
como também preservar aspectos de sua cultura ancestral.
É uma palavra genuinamente brasileira que provém da palavra CAÂ, que
significa mato, mais o sufixo do pretérito nominal PUERA que significa mata extinta.
A capoeira trata-se de uma expressão cultural que mistura jogo, luta e dança. Foi
desenvolvida por escravos africanos trazidos ao Brasil e seus descendentes, e é
caracterizada por movimentos ágeis e complexos, utilizando os pés, as mãos e
elementos ginásticos e acrobáticos. (WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre, 2010).
De acordo, com o Dicionário Aurélio (1999) capoeira significa “gaiola grande
ou casinhola onde se criam e alojam capões e outras aves domésticas”, já na língua
tupi é conhecida como kapu’era que tem como significado “terreno onde o mato foi
roçado ou queimado para o cultivo da terra ou para outro fim”.
A capoeira é um método de ginástica genuinamente brasileiro que desenvolve de forma natural e espontânea as qualidades físicas: força, velocidade, resistência, equilíbrio, destreza, flexibilidade e coordenação, atuando com eficácia na melhoria da condição física geral, produzindo efeitos benéficos nos sistemas orgânico, muscular e articular, além de influenciar de forma positiva os aspectos cognitivo, afetivo e motor dos seus praticante (CAMPO, 1995, p.22).
A arte na capoeira se faz presente através da música, do ritmo, canto,
expressão corporal, criatividade de movimentos e presença cênica. A luta representa
sua origem e sobrevivência através dos tempos na sua forma mais natural, como um
instrumento de defesa pessoal genuinamente brasileiro, e uma estratégia de
resistência ao aniquilamento de uma cultura.
Silva (2001) afirma que ainda não existe uma data estabelecida ou um local
que possa ser apontado como o berço da capoeira no Brasil, no entanto, podemos
dizer que ela é uma manifestação cultural a partir de uma mistura da luta com a
dança, a brincadeira, a teatralização e o jogo.
Com a ascensão sociocultural da capoeira, mostrou-se que de nada
adiantaram as perseguições que ela sofreu. Segundo Vieira (1999), outro passo
importante na institucionalização da capoeira como esporte e arte marcial foi seu
ingresso nas escolas e universidades sendo reconhecida como instrumento
educativo importantíssimo para a consciência de nossa cultura, como expressão do
folclore nacional e como técnica eficiente de luta.
Ribeiro (1992), diz que no jogo de capoeira são evidenciadas a agilidade,
destreza, coordenação motora, flexibilidade dos praticantes, podendo ainda
desenvolver sua criatividade, jogando para recrear e não para testar capacidades. O
professor deve trabalhar, de forma integrada, com os três domínios de
aprendizagem do ser humano: motor, afetivo- social e cognitivo.
A ludicidade constitui-se num dos elementos preponderantes da capoeira, e
pode servir como estratégia pedagógica no processo de ensino-aprendizagem. A
capoeira é uma atividade em que o jogo, a luta e a dança se interpenetram, o que a
diferencia de outras modalidades de luta, refletindo o sentido de uma atividade
descomprometida, à vontade, sem objetivos práticos e imediatos.
A capoeira possui dois estilos de jogo, a capoeira angola e a capoeira
regional, que se diferenciam nos movimentos e no ritmo musical de
acompanhamento. O estilo mais antigo, criado na época da escravidão, é a capoeira
angola. As principais características deste estilo são: ritmo musical lento, golpes
jogados mais baixos (próximos ao solo) e muita malícia. O estilo regional
caracteriza-se pela mistura da malícia da capoeira angola com o jogo rápido de
movimentos, ao som do berimbau. Os golpes são rápidos e secos.
A música é o componente fundamental da capoeira, e que a distingue entre
outras lutas, pois é através dela que se determina o ritmo e o estilo do jogo
(SANTOS, 2010, p.126). Para que a cultura negra seja efetivamente vivida, torna-se
necessário reconhecer, enfrentar e desfazer sentimentos e construções históricas
enraizadas em políticas preconceituosas e homogeneizantes no sentido de efetivar
uma outra realidade. Esse corpo, marcado por discriminações, estereótipos, alegria,
risos e oração, guarda a memória da liberdade e da escravidão, representando a
base para a construção de identidades étnico-raciais.
Partindo de tais considerações sobre a capoeira e sua relação intrínseca com
a cultura afro-brasileira, podemos compreendê-la enquanto elemento da cultura
corporal que deve ser trabalhada na escola, especialmente na disciplina de
Educação Física. Consideramos a capoeira a partir desses pontos de vista
ancorados nos seguintes pressupostos:
As Diretrizes Curriculares da Educação Básica – Educação Física (2008) -
apontam a Cultura Corporal como objeto de estudo e ensino da Educação
Física, evidenciando a relação estreita entre a formação histórica do ser
humano por meio do trabalho e as práticas corporais que daí decorreram;
Soares et al (1992), afirma ainda que o trabalho com a cultura corporal no
contexto escolar ,representa a possibilidade de um resgate cultural e a
criação da identidade do próprio aluno para que este possa atuar sobre sua
realidade de uma maneira critica e transformadora;
O papel da Educação Física deve ir além do senso comum em relação às
diversas práticas e manifestações corporais. Priorizam o conhecimento
sistematizado, para elaborar ideias, e práticas que ampliem a compreensão
do aluno sobre os saberes produzidos e suas implicações para a vida;
A perspectiva da Cultura Corporal apresenta a dança contribuindo para que
haja respeito às diferenças culturais, éticas e sociais, construindo conceitos e
fortalecendo a identidade dos alunos negros e não negros, fazendo-se
necessário o resgate da cultura brasileira no mundo da dança através da
tematização das origens culturais, sejam do índio, do branco ou do negro,
como forma de despertar a identidade social do aluno no projeto de
construção da cidadania (SOARES ET AL, 1992).
Portanto, a dança é a manifestação da cultura corporal responsável por tratar
o corpo e suas expressões que se concretizam em diferentes práticas, como nas
danças típicas (nacionais e regionais), danças folclóricas, danças de rua, danças
clássicas entre outras. Em situações onde houver oportunidade de teorizar acerca
da dança, o professor pode aprofundar com os alunos uma consciência crítica e
reflexiva sobre seus significados, criando situações em que a representação
simbólica, peculiar a cada modalidade de dança, seja contemplada.
3 A Capoeira na disciplina de Educação Física da 5ª série do Ensino Fundamental do Colégio Estadual Olavo Bilac: Intervenção pedagógica
Considerando que o objetivo geral do presente trabalho foi o de promover a
reflexão em torno da Cultura Afro-brasileira por meio da prática da Capoeira,
resgatando-a como conteúdo de ensino da disciplina de Educação Física por meio
da dança, propõe nesse momento, a análise de algumas atividades que fizeram
parte do projeto pedagógico “A capoeira como elemento da cultura corporal atuando
na desconstrução de estereótipos e na construção da identidade racial no contexto
da escola pública”.
Metodologicamente foram traçados uma série de estratégias pedagógicas que
visavam o cumprimento dos objetivos propostos, em outras palavras, buscamos, por
meio das atividades aplicadas, refletir sobre a cultura afro-brasileira, diagnosticar os
conhecimentos prévios dos alunos sobre a prática da capoeira, problematizar a
relação da capoeira com a diversidade étnica e racial presente no Brasil e, por fim,
propiciar vivências aos alunos da prática da capoeira, bem como dos seus principais
movimentos.
A escola definida para a aplicação do projeto foi Colégio Estadual Olavo Bilac,
localizado na Rua Jaçanã, município de Sarandi no Estado do Paraná. Optamos por
esse estabelecimento devido a nossa área de atuação e por ser o colégio onde
exercemos a profissão docente. Dessa forma, com o intuito de colocar em prática os
conhecimentos obtidos no decorrer do Programa de Desenvolvimento Educacional
(PDE), optamos pela elaboração de um projeto pedagógico que contemplasse uma
discussão contextualizada da importância da cultura afro-brasileira no contexto
escolar, tendo em vista a desconstrução dos estereótipos construídos ao longo dos
anos sobre o negro e seu lugar na sociedade brasileira. Esse projeto foi
disponibilizado para que os professores do Grupo de Trabalhos em Rede
discutissem e colaborassem para as implementações futuras.
A turma definida para a aplicação do projeto foi a 5ª série do Ensino
Fundamental, visamos com isso contribuir para a formação cidadã das crianças
dessa classe, uma vez que nessa fase elas estão propícias a novas experiências e
também estão formando suas próprias opiniões sobre o mundo e a sociedade em
que vivem. Também se justifica a escolha por essa turma uma vez que ela dispunha
de uma carga horária estendida ao contra turno, ou seja, teríamos um tempo maior
para desenvolver o projeto com os alunos.
Partindo de tais considerações, podemos expor as três etapas de aplicação
do projeto, a saber: a primeira, com duração de 06 aulas, realizou-se o diagnóstico
da realidade do aluno, uma vez que consideramos que ele tem uma visão sincrética
da realidade, de forma difusa. Assim, cabe ao professor identificar tais dados para
que eles compreendam as relações existentes entre as relações interpessoais aluno
com aluno, no mundo, na sociedade, na comunidade e no bairro, etc. Nessa etapa,
foram feitos questionamentos aos alunos sobre o conhecimento prévio que eles têm
da cultura afro-brasileira, bem como sobre a prática da capoeira, discriminação,
estereótipos, preconceito, estigmas, diversidade social e cultura. Vale lembrar que
tais perguntas serão apresentadas posteriormente para que possamos analisar as
respostas dadas pelos alunos.
Já na segunda etapa, com duração de 09 aulas, aconteceu o início da
sistematização do conhecimento por meio dos alunos. Observamos que após fazer o
levantamento dos conhecimentos prévios, fomos traçando elementos que
contribuíssem para que eles adquirissem consciência de suas possibilidades de
abstrações, confrontando os dados da realidade com as representações do seu
pensamento. Tal prática se justifica, pois é nesse momento de confronto das
representações com a realidade na qual se desenvolveu atividades da cultura afro-
brasileira, que ocorre um salto qualitativo na formação desses alunos. Na sequência,
iniciamos a ampliação da sistematização do conhecimento, pois o aluno começa a
reorganizar a identificar dados da realidade através do pensamento teórico adquirido
no decorrer das aulas que contemplaram a leitura de textos e exibição de filmes,
bem como reportagens sobre a cultura afro-brasileira e a prática da capoeira.
Por fim, a terceira e última etapa da aplicação do nosso projeto, com duração
de 09 aulas, representou a síntese de todo o trabalho, pois nela propomos que os
alunos refletissem sobre o tema da cultura afro-brasileira, por meio da vivência da
cultura corporal da capoeira, a partir da realização de trabalhos destinados a compor
uma “Mostra Cultural”. Entendemos que o espaço da Mostra se tornou importante
para que os alunos externassem os conhecimentos construídos ao longo das aulas,
além de também figurar como uma forma de socialização da capoeira no contexto
escolar, bem como com a comunidade que abriga o Colégio.
Partindo das etapas acima, iniciamos a aplicação e desenvolvimento do
projeto suscitando a temática da Capoeira a partir de uma pesquisa prática no
laboratório de informática sobre os seguintes termos: diversidade humana, cultura,
raça e etnia, estereótipos e estigmas, preconceito e valores éticos. Essa atividade
fomentou uma aula sobre como poderíamos perceber no contexto escolar questões
como diversidade, respeito, culturas múltiplas, constituição miscigenada do povo
brasileiro, estigmas, preconceito e valores como ética e moral.
Posteriormente, trouxemos para reflexão no presente trabalho, a descrição da
aula que contemplou a introdução à Capoeira no contexto escolar dos alunos da 5ª
série. Nesse caso, iniciamos a aula com o diagnóstico dos conhecimentos prévios
que os alunos tinham sobre a capoeira, assim, pedimos para que eles se
organizassem na forma de uma roda e, sentados no chão da quadra, começaram a
socializar com o professor e colegas o que sabiam sobre a Capoeira. Foram
realizadas algumas questões como: O que vocês sabem sobre a capoeira? Já
participaram de uma roda de capoeira? Qual o significado dos movimentos
praticados na roda para vocês? Dessa forma, as primeiras respostas demonstram
uma representação grosseira sobre essa arte, nesse caso, os alunos identificaram-
na como “coisa de vagabundo”, “macumbeiros” e “macacos”. O movimento mais
ressaltado entre os alunos como representante da Capoeira foi a voadora, sempre
lembrada como um golpe de defesa pessoal e luta.
Destacamos que os conhecimentos prévios dos alunos sobre a Capoeira
representam o imaginário construído socialmente sobre a história do negro no Brasil,
em outras palavras, apesar de vivermos um momento em defesa da diversidade e
da valorização do negro, ainda temos práticas raciais que permearam a formação
dessas crianças.
Dessa forma, compreendemos que as crianças conheciam a Capoeira a partir
do imaginário social construído sobre o negro ao longo dos anos, sempre o
colocando em condição de inferioridade em relação ao homem branco. Tais
representações são determinadas pelo preconceito à figura do negro no Brasil e pela
negação de sua importância para o desenvolvimento do país. (CONCEIÇÃO;
CONCEIÇÃO, 2010). Com base nos pressupostos teóricos das Diretrizes
Curriculares da disciplina de Educação Física, entendemos que a partir dessas
primeiras impressões tínhamos então o dever de possibilitar que essas crianças
conhecessem de fato a cultura afro-brasileira a partir de outra versão da história,
reconhecendo as qualidades e participação massifica da população negra na
colonização e desenvolvimento do Brasil.
Por outro lado, nessa mesma conversa, identificamos certa vontade de
conhecer a capoeira, bem como experimentar e participar dessa dança que se
realiza como um jogo entre amigos. Outros alunos manifestavam ainda uma
insegurança na capacidade da realização dos movimentos contemplados pela
capoeira. Sobre essas impressões, acreditamos que apenas ao conversar sobre a
temática, os alunos já se sentiram estimulados a praticá-la, no entanto, ainda
precisavam desenvolver autonomia para isso. Nosso projeto encontrava mais um
dos seus objetivos, nesse caso, propiciar que os alunos vivenciassem a prática da
capoeira como elemento da cultura corporal o que os levaria a desenvolver as
seguintes habilidades: agilidade, destreza, coordenação motora, flexibilidade,
criatividade e autonomia.
A segunda etapa dessa aula, sobre a introdução da capoeira no contexto
escolar dos alunos da 5ª série, contemplou a exibição da reportagem “Capoeira” que
relatava a história de seu surgimento e os segredos dessa arte, exibida no programa
MS Record 2ª Edição no quadro “Esporte É”, fonte :
http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?
conteudo=14 . Durante a exibição desse vídeo os alunos permaneceram atentos,
prestando o máximo de atenção, pois se tratava de um assunto novo no seu
contexto e esse despertava interesse e curiosidade devido aos movimentos
praticados na capoeira.
Após a exibição do vídeo e com base na discussão anterior, propusemos que
os alunos socializassem o que haviam aprendido com a reportagem. Tal atividade
teve como objetivo confrontar os conhecimentos prévios, nesse caso, resultados de
uma visão racista sobre o negro com o conhecimento partilhado na reportagem. No
decorrer da atividade, observamos que o ritmo e a melodia da capoeira contagiavam
os alunos, uma vez que eram espontâneos e atuavam como ações práticas que
possibilitaram o fortalecimento das relações e do convívio social. A partir de tais
resultados, destacamos que os alunos começavam a experimentar uma atividade da
cultura afro-brasileira percebendo que essa prática expressava a resistência dos
negros durante a escravidão, além de evidenciar que se travava de uma dança entre
amigos utilizada para se divertirem e se protegerem em momentos propícios.
(ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006).
Em síntese, observamos que ao conhecerem outra vertente sobre a história
dos negros e sobre o surgimento da capoeira como expressão da cultura corporal e
da cultura afro-brasileira, como: religião, família, convívio em comunidade, dança e
manifestação da resistência dos negros à escravidão, os alunos passaram a
experimentar uma nova forma de enxergar essa cultura. Esse novo conhecimento
que começava a ser construído pelos alunos se amparava na percepção de
questões sociais, como: respeito às diferenças culturais, étnicas e sociais,
devidamente elencadas na primeira aula do projeto, que visavam fortalecer a
identidade negra e resgate da cultura afro-brasileira para que esses alunos se
tornassem cidadãos. Nesse momento, retomamos as inúmeras contradições
presentes na sociedade, fazendo com que os alunos começassem a enxergar as
condições de exclusão presentes no contexto escolar, não apenas do negro, mas
também dos gêneros e diversidade.
Posteriormente, já em outro dia, aplicamos uma aula prática sobre a capoeira.
Iniciamos a mesma com a retomada das principais discussões feitas na aula
anterior, sobre a cultura e história do negro no Brasil para evidenciarmos como base
da prática dessa arte o respeito às diferenças e a ludicidade. Entendemos que a
capoeira enquanto expressão da cultura corporal é praticada na disciplina de
Educação Física como conteúdo de ensino que visa garantir que os alunos
vivenciem e experimentem o conhecimento da cultura afro-brasileira e desconstruam
uma visão racista e estereotipada da mesma.
Para iniciar a aula prática levamos os alunos para a quadra, na qual fizemos a
explicação e demonstração dos principais movimentos da capoeira. Tal
procedimento deixava claro que eles deveriam respeitar os amigos e praticarem os
golpes com o máximo de cuidado para não feri-los uma vez que o objetivo da aula
era praticar e vivenciar essa a capoeira enquanto um jogo, ou melhor, uma dança de
movimentos espontâneos. Primeiramente, todos os alunos começaram a praticar os
movimentos individualmente, na sequência, organizados em duplas, essas no meio
da roda começavam a improvisar os movimentos em um jogo. Durante essa primeira
experiência, destacamos que eles deveriam procurar acompanhar o ritmo da música
e seguir as instruções do professor para melhor aproveitamento e segurança.
Procuramos ainda identificar gestos, posturas e atitudes que refletissem sobre
ética e cidadania, pois visamos que os alunos pudessem utilizar dos conhecimentos
e reflexões dessa unidade para favorecer as relações sociais. No decorrer da aula,
observamos algumas dificuldades no que se referia a coordenação motora dos
alunos, para suprimos tais debilidades utilizamos de estratégias como o lúdico, a
partir da improvisação, experimentação com o propósito de não só trabalhar a
modalidade em si, com encaminhamento metodológico abordando os conteúdos da
capoeira, mas entendendo-nos a posturas oriundas da vivência nos moldes da
cultura na qual os alunos estão inseridos comumente.
Outro ponto observado, no decorrer da aula analisada, foi que a partir da
noção de ritmo pessoal e grupal, os alunos desenvolviam noções de espaço-tempo,
percebendo os limites corporais por meio da vivência dos movimentos rítmicos e
expressivos a cultura afro-brasileira. Tal processo se unia à construção de uma
consciência corporal durante as atividades, de forma contextualizada, produtiva e
agradável.
Também destacamos que a arte da capoeira contribuiu significativamente
para o estímulo da livre expressão, portanto, para o desenvolvimento rítmico por
meio do aperfeiçoamento dos movimentos naturais em função do favorecimento do
contato social, e no sentido de proporcionar momentos de alegria e prazer aos
alunos. Partindo então dos novos conhecimentos adquiridos, os alunos executaram
os movimentos da capoeira tentando acompanhar o ritmo de forma bem
descontraída, combinando-os e jogando com o outro e não contra o outro; isso
demonstrava que o oponente não ter que ser nosso inimigo, mas um simples
adversário.
Após a atividade prática que colocava em ação os conhecimentos adquiridos,
trouxemos um texto para leitura dos alunos sobre a origem da capoeira que a
exaltava enquanto manifestação da cultura afro-brasileira. Tal atividade contemplava
a reprodução da história dos negros e por meio de desenhos, produzidos pelos
alunos, observamos suas ansiedades, ideias, necessidades e interesse em
conhecer mais sobre essa cultura estabelecendo relações de aproximação por meio
da participação coletiva, entusiasmo nas discussões e interesse em saber mais
sobre o assunto.
Outra fase da aplicação do projeto constituiu na exibição de trechos de alguns
filmes, no caso, destacado para análise, Besouro trechos 1,2 e 3, fonte :
http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?
conteudo=14 e também no www.besouroofilme.com.br . Tal atividade tinha como
objetivo contribuir para a construção do conhecimento sobre a cultura afro-brasileira.
Tal finalidade, somente poderia ser alcançada a partir do direcionamento das
atividades, pautadas em primeiro lugar, na exibição de trechos que contemplassem
temas específicos sobre a cultura negra no Brasil.
Partindo de tal recorte, iniciamos a aplicação da atividade com o trecho
número 1 do filme besouro. A partir da exibição iniciamos nossa reflexão com a
turma a partir dos seguintes pontos: quais são as atitudes e comportamentos dos
personagens do filme? Existem diferenças entre os personagens? Quais são as
posturas dos mesmos diante dos obstáculos e adversidades encontradas? Qual é a
postura dos mesmos no relacionamento com outras pessoas? Por fim, como
podemos sintetizar os principais elementos da cultura negra no Brasil a partir do
filme?
Durante o debate aberto aos alunos para exporem suas principais impressões
sobre o filme, constatou-se que boa parte da turma compreendeu que a história do
menino Manuel representa a história de muitos negros no Brasil, uma vez que ele
sofre o preconceito da sociedade em relação a sua cor e condição social. A partir
desse primeiro enfoque, conduzimos os alunos a observarem em quais situações
cotidianas ainda podemos destacar o preconceito a cor negra na nossa sociedade,
também destacamos o contexto escolar como um desses lugares. Nesse momento,
os alunos perceberam os aspectos não relacionados apenas ao preconceito racial,
mas também ao gênero, tamanho, peso, características físicas de cada um, dentre
outros.
Para exemplificarem tais preconceitos, os mesmos destacaram os apelidos
depreciativos dados aos colegas em função de suas diferenças, a partir desse ponto
coube a professora fazer a relação do preconceito com a estigmatização de uma
pessoa na sociedade. Partindo da reflexão de que todos somos diferentes e que
nossas diferenças devem ser respeitadas em qualquer ambiente, os alunos
começaram a se conscientizar do prejuízo causado aos negros pelo preconceito,
durante todos esses anos.
Os alunos ressaltaram ainda a cena em que o mestre Alípio exalta seu
orgulho por ser um representante da cor negra e o menino Manuel pede para
aprender capoeira. Para os mesmos, isso representou o momento em que o menino
olha de frente para seus problemas e começa a fazer uma mudança na sua vida a
partir do resgate de sua cultura e valorização da mesma, por meio da prática da
dessa cultura corporal.
Após a reflexão dessa primeira parte do filme, os alunos destacaram que
Manuel passou a viver uma nova vida a partir da sua nova relação com sua cultura e
com seu corpo. Isso teria sido o marco na vida desse garoto. A capoeira passava a
ser vista de outra forma, não apenas como uma luta, mas como expressão corporal
da cultura negra no Brasil.
Posteriormente, em outra aula, fizemos a exibição do segundo trecho do
mesmo filme e a atividade procedeu da mesma forma, como na primeira etapa.
Aplicamos o trecho e fizemos o debate final no qual os alunos destacaram a
opressão ao negro por meio da agressão física sofrida pelos personagens que
compõem a cena. O ponto alto da discussão se deu quando um dos alunos
ressaltou a fala do personagem Chico Canoa dizendo que a capoeira não era uma
luta, mas sim uma dança. Partindo desse pressuposto a professora interviu e
reorientou a discussão colocando a prática da capoeira como uma manifestação da
cultura corporal negra e principalmente como representante da opressão sofrida
pelos negros no Brasil. Compreendemos que esse trecho do filme ajudou muito para
que os alunos se apropriassem dos conhecimentos históricos sobre a verdadeira
trajetória do negro na nossa sociedade.
Ao entender e visualizar uma singela representação artística das agressões
sofridas pelos negros no Brasil, os alunos puderam se apropriar do conhecimento
sobre a prática da capoeira dentro da cultura afro-brasileira, no contexto de
repressão, preconceito, assédio moral e agressões físicas.
Fizemos a exibição do trecho três do filme que contemplava uma aula de
capoeira que o Mestre Alípio dava aos seus discípulos: Besouro e Quero-quero.
Nessa mesma cena, uma garota passa a fazer parte da roda e Mestre Alípio dá um
ensinamento muito importante para a luta do negro: o povo unido é forte, mas um
sozinho é fraco. Os alunos destacaram em um primeiro momento a aula, dizendo
que era muito interessante e legal, ou seja, começavam a se sentir atraídos pelo
novo, nesse caso, a capoeira. Em um segundo momento, os alunos destacaram a
presença de uma menina compondo a roda, eles disseram socialmente brincadeiras
de lutas são para meninos e não para as meninas. Nesse momento, a professora
reorientou a discussão para intervir sobre a diversidade de gênero presente na
prática de esportes, exemplificando por meio da capoeira que todos podemos
praticá-la. Alguns alunos riram dizendo que as meninas são mais fracas e não
conseguem ir além por isso. Partindo de tal enfoque foi necessário discutir sobre
como a exclusão social pode acontecer no próprio ambiente escolar devido às
características de cada pessoa. Nesse caso, as potencialidades de cada aluno deve
ser ressaltada ao invés da depreciação das suas dificuldades para que todos
possam participar das atividades e crescerem individual e coletivamente.
Por fim, os alunos retomaram o ensinamento do mestre, a partir dele eles
tomaram consciência da necessidade de uma coletividade, ou seja, para que o
negro fosse respeitado ele teria que se unir aos seus irmãos para preservar não
apenas sua cultura, mas construir sua identidade no mundo. Nessa discussão, a
professora retomou a prática da capoeira como um jogo a partir do qual os negros
se uniram para preservar sua cultura e identidade em um país novo. Ela começou a
ser vista como um instrumento de resistência por parte dos negros no Brasil.
Compreendemos que a exibição de trechos do filme Besouro atuou de forma
brilhante na orientação do trabalho docente com os alunos do quinto ano, uma vez
que as discussões foram direcionadas de forma a abranger: cultura afro-brasileira,
história do negro no Brasil, capoeira enquanto elemento da cultura corporal e
instrumento de resistência dos negros ao preconceito, assédio moral, agressão
física, questões de gênero e, principalmente, a diversidade e união dos povos.
Dessa forma, os alunos puderam experimentar, por meio das representações do
filme, a realidade do negro a partir do seu olhar dentro da sociedade que o cerca.
Assim, eles passaram a comparar a história contada pelos brancos e a história
contada pelos negros, posteriormente, isso fez com que um novo conhecimento
sobre a cultura e história do negro no Brasil fosse construído pelos alunos, bem
como o interesse pela capoeira passou a aumentar devido aos novos sentidos
atribuídos a essa manifestação cultural.
4 Abordando o tema no Grupo de Trabalhos em Rede
O Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) compreende várias
etapas, dentre as quais destacamos o Grupo de Trabalho em Rede (GTR) que por
meio de ambiente virtual de aprendizagem buscou oportunizar leituras, reflexões e
diálogos aos participantes.
O principal objetivo do GTR refere-se a prática reflexiva para que os
participantes renovassem seus conhecimentos, trocassem experiências e,
principalmente, tivessem acesso a uma proposta pedagógica capaz de proporcionar
mudanças metodológicas na disciplina de Educação Física. Com os encontros
realizados na Plataforma Moodle foi possível trocar conhecimentos obtendo-se
contribuições que foram retomadas na efetivação do projeto.
Os estudos realizados no GTR foram significativos, pois por meio dos
encontros foi possível compreendermos a necessidade de levarmos para a sala de
aula metodologias diversificada para contribuir para a construção do conhecimento.
5 Considerações finais
O presente artigo buscou promover reflexões acerca da Cultura Afro-
brasileira, por meio da capoeira, resgatando-a como conteúdo de ensino na
disciplina de Educação Física por meio da dança. O referencial teórico possibilitou a
construção de um projeto que contribuísse para a implementação da Lei 10.639/03
nas escolas públicas estaduais do Paraná. Sendo assim, as atividades realizadas
possibilitaram, frente as experiências da cultura corporal, aos alunos conhecimentos
que contribuem para a formação integral dos mesmos.
As atividades realizadas visaram valorizar o conhecimento prévio dos alunos
sobre a cultura Afro-brasileira em suas diferentes dimensões, problematizando a
questão da capoeira e da diversidade étnico-racial. Inicialmente, fora elaborado um
projeto e o mesmo foi disponibilizado para que os professores participantes do
Grupo de Trabalho em Rede (GTR) pudessem ter acesso ao mesmo e contribuir de
maneira efetiva para que as atividades cumprissem com os objetivos do presente
trabalho.
Em seguida, foram realizadas atividades práticas e teóricas objetivando, por
meio da mediação da professora, proporcionar aos alunos da 5ª série do Ensino
Fundamental do Colégio Olavo Bilac de Sarandi no Estado do Paraná, experiências
com a capoeira e a Cultura Afro-brasileira a partir do conteúdo estruturante proposto
nas Diretrizes Curriculares de Educação Física do Estado do Paraná, a dança.
Consideramos que a capoeira sofreu uma série de transformações até se
incorporar no espaço escolar, pois a mesma foi, ao longo dos anos,
descontextualizada, o que de fato gerou muitos pré-julgamentos. Contudo, tanto a
teoria como a práticas realizadas possibilitaram desmistificar conceitos acerca da
rica cultura afro-brasileira, ou seja, as atividades proporcionaram exercícios práticos
e, ainda, atividades reflexivas capazes de auxiliar a formação dos alunos enquanto
sujeitos que conhecem a história da cultura estudada.
Aliar a capoeira aos estudos da própria cultura brasileira é acreditar na
possibilidade de se trabalhar de forma conjunta com dois elementos educacionais
que se relacionam mutuamente. As atividades envolvendo-a enquanto dança
possibilitaram ao aluno a liberdade de se expressar e, até mesmo, conhecerem de
forma mais especifica os movimentos dessa manifestação cultural.
Portanto, as experiências aqui descritas demonstraram que é de fundamental
importância oferecer metodologias diversificadas contribuindo para que o processo
de construção do conhecimento seja dado de maneira efetiva e significativa para os
alunos, professores e para toda a comunidade escolar. Sendo assim, vale ressaltar
que outros trabalhos podem e devem contemplar os conteúdos que ofereçam
atividades práticas e também teóricas, nas quais os alunos possam vivenciar
experiências que os coloquem como sujeitos ativos no processo de ensino e
aprendizagem. Logo, o Programa de Desenvolvimento Educacional possibilitou a
implementação desse e de outros futuros trabalhos que são fundamentais tanto para
professores como para alunos.
Aqui, a disciplina de Educação Física, mais especificamente, o conteúdo
estruturante dança, por meio das expressões corporais dos movimentos da
capoeira, configurou como meio atrativo para oportunizar e estimular o aluno a
conhecer a história e a cultura afro-brasileira, ou seja, as atividades contemplaram o
conhecimento e a valorização aos Direitos Humanos e a pluralidade étnico-racial
brasileira.
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