A CAPES E A GREVE: QUEM SANCIONARÁ OS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO QUE SUSPENDEREM SUAS...

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Reflexões e posicionamentos da Associação de Pós-graduandos sobre a greve das Universidades Federais.

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A CAPES E A GREVE: QUEM SANCIONARÁ OS PROGRAMAS DE PÓS-

GRADUAÇÃO QUE SUSPENDEREM SUAS ATIVIDADES?

Vitor Sousa Freitas

Estudante do Programa de Mestrado em Direito Agrário da UFG

A APG-UFG tem se manifestado publicamente, desde sua fundação, ocorrida em

05 de junho de 2012, pelo apoio à greve dos profissionais da educação superior do Brasil e

conclamou a comunidade universitária a paralisar as atividades da pós-graduação,

conjuntamente com as atividades já atingidas pelos atos de greve.

Desde então, os membros da APG-UFG tem sido questionados em relação aos

prejuízos que podem advir de referida paralização, em virtude dos possíveis riscos trazidos à

avaliação da CAPES em relação aos programas de pós-graduação. Mesmo os docentes

grevistas parecem titubear com relação ao tema, e, após manifestação da APG-UFG, somente

no final da última Assembleia dos Docentes, no dia 3 de agosto, deliberou-se pela realização

de gestões perante os programas de pós-graduação no sentido de paralisar as atividades.

O tema se tornou mais acirrado quando, em 02 de agosto de 2012, a Agência

Brasil publicou reportagem em seu sítio virtual dando conta de que as atividades de pesquisa e

pós-graduação não foram paralisadas nas universidades federais e que a CAPES teria enviado

comunicado aos programas de pós-graduação informando que não haveria prorrogação de

prazos para entrega de pesquisas e para avaliações. Igualmente, tal notícia dizia que o CNPq

adotaria a mesma postura.

Entretanto, o único comunicado publicamente acessível em que a CAPES se

manifesta em relação à greve se deu por meio do Ofício Circular nº 19/2012, assinado pelo

seu Diretor de Educação a Distância, que trata do não pagamento de bolsas aos tutores dos

cursos de educação à distância do Sistema Universidade Aberta do Brasil que paralisassem

suas atividades durante a greve. Os comandos nacional e locais de greve se manifestaram

devidamente contra o teor do ofício, e representantes do Comando Nacional de Greve do

Sindicato Nacional dos Docentes-ANDES-SN realizaram um ato, no dia 7 de agosto, em

frente ao prédio da CAPES. Nesse ato, reiterou-se a solicitação de audiência com o presidente

da referida autarquia e houve manifestação para que a CAPES suspenda, enquanto durar a

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greve, os prazos relacionados à conclusão de dissertação e teses dos bolsistas a ela vinculados,

de relatórios de bolsistas de produtividade e de projetos de pesquisa e editais.

O último ato que relaciona a CAPES com a greve se deu com a deflagração de

greve de seus servidores, a partir do dia 13 de agosto.

Diante desse cenário, algumas perguntas se colocam para os estudantes de pós-

graduação: é viável a paralização da pós-graduação durante a greve? A CAPES pode

sancionar os programas de pós-graduação que aderirem à greve? Os estudantes dos programas

paralisados perderão suas bolsas? Caso os programas sejam paralisados, haverá prorrogação

de bolsas? Os prazos para conclusão de pesquisas serão prorrogados? A quem recorrer caso a

paralização gere prejuízos para o cumprimento das disciplinas e para a finalização da

pesquisa?

Para que os pós-graduandos colaborem para a resposta a tais questões é preciso

que esse famigerado personagem chamado CAPES seja mais bem compreendido. E essa

compreensão é complexa.

A CAPES é uma autarquia federal, na modalidade Fundação Pública, subordinada

ao Ministério da Educação, e tem por finalidade subsidiar esse Ministério na “formulação de

políticas e desenvolvimento de atividades de suporte à formação de profissionais de

magistério para a Educação Básica e superior e para o desenvolvimento científico e

tecnológico do País”. Assim, a ela compete “coordenar o sistema de pós-graduação e avaliar

os cursos desse nível, e estimular, mediante bolsas de estudo, auxílios e outros mecanismos, a

formação de recursos humanos altamente qualificados para a docência de grau superior, a

pesquisa e o atendimento da demanda dos setores público e privado”1. Desta forma, a CAPES

conta com vários programas, periodicamente criados, extintos e modificados, cada qual com

diferentes critérios de avaliação, com diferentes fontes de recursos e formas de gestão.

Do ponto de vista administrativo, a CAPES é comandada por uma Diretoria-

Executiva e por um órgão colegiado denominado Conselho Superior, que é composto por

1 Vide Decreto nº 7.692, de 2 de março de 2012, que “Aprova o Estatuto e o Quadro Demonstrativo dos Cargos

em Comissão da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, e remaneja cargos

em comissão”.

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vinte membros, sendo um deles um estudante de doutorado representante da Associação

Nacional de Pós-Graduandos.

No que diz respeito à criação e avaliação dos programas de pós-graduação stricto

sensu, a CAPES conta com um Conselho Técnico-Científico da Educação Superior (CTC-

ES), ao qual compete “propor critérios e procedimentos para o acompanhamento e a avaliação

da pós-graduação”, bem como deliberar “sobre propostas de cursos novos e conceitos

atribuídos durante a avaliação dos programas de pós-graduação”. Esse conselho conta, entre

outros, com representantes das áreas de conhecimento2 e com um estudante de doutorado

indicado pela ANPG. A avaliação das propostas de cursos novos e a avaliação periódica dos

programas existentes, por sua vez, são promovidas e coordenadas pela Diretoria de Avaliação

da CAPES, que encaminha para o CTC-ES os pareceres exarados por cada uma das 48

comissões de área de avaliação. Essas comissões são as responsáveis pela elaboração dos

critérios de avaliação de sua respectiva área. Tais critérios são distribuídos em cinco eixos:

proposta do programa; corpo docente; corpo discente, teses e dissertações; produção

intelectual; e inserção social. A forma como tais eixos são articulados e os critérios criados

para a avaliação, constam de documentos elaborados por cada uma das comissões de área

avaliação, que os atualiza, ao menos, a cada três anos. Em geral, tais critérios envolvem o

volume da produção do programa, a qualificação e simbiose do corpo docente, a obediência

aos prazos por parte do discente ― com a consequente depreciação escalonada do deste item

de avaliação do programa, proporcionalmente ao índice de discentes que não observam tais

prazos e solicitam prorrogação ―, a contribuição da produção científica do programa para a

comunidade acadêmica e para a sociedade circundante e nacional, o alcance e relevância da

produção científica do programa, o seu nível de internacionalização, a comparação dos

resultados obtidas por um programa com a totalidade de programas de uma área de avaliação,

entre outros fatores.

Com isso, vê-se a complexidade do processo avaliativo realizado pela CAPES, no

qual obediência a prazos é apenas um fator, entre vários outros, a serem considerados na

avaliação dos programas, e seu efeito nas avaliações dependerá do juízo de cada comissão de

área. Assim, a greve na pós-graduação, no que diz respeito a cumprimento de prazos atinge

2 Colégio de Humanidades (Grandes Áreas de Humanas, de Sociais Aplicadas e de Letras e Linguística e Artes),

Colégio de Ciências da Vida (Grandes Áreas de Ciências da Saúde, de Ciências Biológicas e de Ciências

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parcela mínima dos critérios considerados. Cada uma das áreas de avaliação poderá

considerar ou não a greve ao avaliar concretamente um programa. Tal só não ocorrerá se o

Conselho Superior da CAPES determinar que a greve não justifique o não cumprimento de

prazos. Mesmo se considerando que a greve também pode afetar a produção do programa, é

preciso ter em mente que a avaliação se dá trienalmente, de forma a haver tempo para a

compensação da queda de produtividade em um dado ano.

Daí que, por enquanto, não se pode afirmar com certeza plena que a greve causará

prejuízos à avaliação dos programas de pós-graduação e nem mesmo que o não cumprimento

de prazos possa comprometer essa avaliação. Tais prejuízos só poderão ser determinados

posteriormente, quando da avaliação concreta dos programas. Nessa oportunidade todo o

trabalho do programa será analisado e os itens de avaliação ponderados pelas comissões de

área. É sobre essas comissões, compostas por professores universitários de reconhecida

competência em seus campos de atuação, que recairá a pressão em relação à consideração da

greve na avaliação realizada ou não. O que pode fazer a direção da CAPES é não adiar o

fechamento do triênio de avaliação, ou, como já dito, via Conselho Superior ou CTC-ES,

determinar que a greve gere sanções aos programas. Se analisarmos a composição do

Conselho Técnico-Cientifico3, veremos que sua maioria é composta por docentes que

representam as áreas de conhecimento, escolhidos entre os coordenadores de área de

avaliação, que, por sua vez, são escolhidos pelo CTC-ES dentre integrantes de lista tríplice

por ele elaborada a partir de nomes propostos pelos programas de pós-graduação e

associações e sociedades científicas e de pós-graduação. Mesmo no Conselho Superior, os

dirigentes da CAPES nomeados pelo Governo não são maioria4.

Agrárias), e Colégio de Ciências Exatas, Tecnológicas e Multidisciplinar (Grandes Áreas de Ciência Exatas e da

Terra, de Engenharias e Multidisciplinar). 3 O Conselho Técnico-Científico da Educação Superior é composto pelo Presidente da CAPES, pelo Diretor de

Avaliação, pelo Diretor de Programas e Bolsas no País, pelo Diretor de Relações Internacionais, por dezoito

representantes de cada uma das grandes áreas do conhecimento, por um representante do Fórum Nacional dos

Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação, e por um estudante de doutorado. 4 O Conselho Superior é composto pelo Presidente da CAPES, pelo Secretário de Educação Básica do Ministério

da Educação, pelo Secretário de Educação Superior do Ministério da Educação, pelo Presidente do Conselho

Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-CNPq, pelo Presidente da Financiadora de Estudos e

Projetos-FINEP, pelo Diretor-Geral do Departamento de Cooperação Científica, Técnica e Tecnológica do

Ministério das Relações Exteriores, pelo Presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições

Federais de Ensino Superior-ANDIFES, por sete membros escolhidos entre profissionais de reconhecida

competência, atuantes no ensino e na pesquisa, por dois membros escolhidos entre lideranças de reconhecida

competência do setor empresarial, por um membro escolhido dentre os componentes do colegiado do Fórum

Nacional dos Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação, por um estudante de doutorado representante da

Associação Nacional dos Pós-Graduandos, por um membro do Conselho Técnico-Científico da Educação

Superior eleito pelos seus pares, e por um membro do Conselho Técnico-Científico da Educação Básica eleito

pelos seus pares.

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Com isso, está em aberto a questão sobre os prejuízos da greve para a avaliação

dos programas. Podemos concluir também que, dada a composição do CTC-ES, está nas mãos

dos docentes da educação superior vinculados à pós-graduação a decisão sobre a avaliação

dos programas diante do cenário de greve. Portanto, até o momento, o embate com a CAPES

é um embate entre docentes e suas diferentes concepções educacionais ― concepções essas

que são pauta da greve ―, cabendo à comunidade universitária pressionar os representantes

das áreas de conhecimento junto à CAPES para que a greve não implique em sanção aos

programas de pós-graduação em suas avaliações. A presidência da CAPES não pode se

manifestar sobre o tema sem ouvir seus conselhos e, caso estes contrariem os interesses do

governo, não poderá este revogar a nomeação ou substituir os representantes de área

escolhidos, sob pena de violar as normas da própria CAPES.

O embate com a CAPES, por certo, não diz respeito somente à avaliação dos

programas. Estão em jogo bolsas de produtividades para docentes, editais em andamento,

prazos para conclusão de pesquisas com financiamento oriundo da CAPES e seus convênios,

entre outros.

Nessa conjuntura, como ficamos nós os estudantes de pós-graduação? A greve

certamente cria obstáculos ao andamento de nossas atividades discentes. Sem servidores, não

nos matriculamos, não temos acesso à biblioteca e a laboratórios. Sem professores, não temos

orientação, disciplinas ficam pendentes e a bolsa pode terminar sem que concluamos as

atividades da pós. É possível que necessitemos de dilação de prazos, que deverão se

solicitados perante a coordenação do programa de pós, que, por sua, é a instância competente

para deferir ou negar a referida dilação de prazo. Não é a CAPES e seus órgãos que decidem

sobre isso e sim os programas nos quais estão matriculados os estudantes. Pode a CAPES ser

pressionada para prorrogar o pagamento de bolsa, não sancionar bolsistas do Sistema UAB,

etc. Mas quem delibera sobre a situação concreta do estudante de pós-graduação é seu próprio

programa, que deverá avaliar se a concessão de prorrogação de prazo para seus estudantes

implicará em prejuízo na avaliação, ao sopesar esse fator com os vários outros envolvidos.

Mais uma vez, os docentes estão com a decisão em suas mãos.

Estando a questão inconclusa, como já anteriormente afirmado, cabe ao

movimento docente pressionar seus representantes junto à CAPES para que os mesmos

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também façam adesão ao movimento grevista, tal como fizeram os servidores da própria

CAPES. Cabe pressionar o Conselho Universitário para, a exemplo da Universidade Federal

de Santa Catarina, adiar o início das atividades da graduação e da pós-graduação. Cabe apoiar

a luta dos servidores técnico-administrativos em educação em suas pautas.

Por fim, é de se concluir que a greve na pós-graduação é viável, dá coerência ao

movimento grevista e inaugura uma oportunidade para que os docentes da pós-graduação

reflitam sobre a política empreendida pelos seus próprios representantes junto à CAPES. Cabe

refletir se o produtivismo que tanto se critica não é fruto da própria postura de um segmento

hegemônico dentre os docentes brasileiros e que agora pode ser posto em xeque. Ou seja, o

protagonismo docente até aqui revelado também precisa protagonizar os embates no âmbito

da pós-graduação.

À APG-UFG, para cumprir com o decidido em sua Assembleia de fundação, cabe

apoiar a greve na educação superior e conclamar, como já fez, os estudantes a pressionarem

seus programas para que paralisem suas atividades sem prejudicar os próprios estudantes, que,

igualmente, podem se organizar para afirmarem, por meio de sua ação política, seu próprio

direito de greve.

Goiânia, 13 de agosto de 2012.