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A' C4 15 > AVEH;& ,.mk l p3 l Ccntrnl SEMANARIO - de 9 a 15 de Maio, 1974 - IV série n.º 2248 PR E Ç O : MADEIRA 4$00 - CONTINENTE o AÇORES 5$00 director e proprietário: João Carlos da Vei ga Pestana O red. e adm.: rua do Carmo, 23-2.o - Funchal - Madeira - Tel. 2 88 33 composição e Impressão: Tipografia Minerva, rua dos Netos, 20 '.\fanifestação do l. de ;\tolo no Fun<'lial \ . , _Y

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SEMANARIO - de 9 a 15 de Maio, 1974 - IV série n.º 2248 PR E Ç O : MADEIRA 4$00 - CONTINENTE o AÇORES 5$00 director e proprietário: João Carlos da Veiga Pestana O red. e adm.: rua do Carmo, 23-2.o - Funchal - Madeira - Tel. 2 88 33 composição e Impressão: Tipografia Minerva, rua dos Netos, 20

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A eclosão dot. acontecimentos de 25 de Abri l e a sua sequência não po­diam deixar de ter as maiores reper­cussões na vida de CF. Para além da modificação dos condicionalismos ex­ternos que o afectavam como órgão da imprensa legal - tal era particular­mente o caso da censura -. CF en­controu-se perante o desafio súbito de novas e especiais responsabilidades. E porque CF é, à partida, um jornal feito na Madeira - ainda que com projecção nacional -. porque CF foi o único órgão anti-fascista da Imprensa regi<> nal, o seu papel tornou-se de uma extraordinária lmportãncla no Ambito madeirense. Assim, na passada semana, apenas fol publicada uma edição es­pecial de CF para a Madeira - que apesar de uma tiragem excepcional· mente elevada para o nosso melo (10.000 exemplares) se esgotoo rapida­mente. Limitações humanas e materiais ~por diversas vezes temos procurado Informar os leitores das condições pre­cárias em qu·e o CF é feito) Impediram­-nos de concretlzar, como seria nosso desejo, uma edição especial para todo o país. Por outro lado, as tarefas que se depararam eos redactores de CF, como militantes políticos que também são aqui e agora, sobrepuseram-se Ine­vitavelmente ao seu trabalho como jor­nalistas - não podendo deixar de afectar, no plano Imediato, a vida nor­mal deste semanário.

Entretanto, as m:JIUplas alterações da conjuntura política nacional, produzidas pela queda do regime fascista, vieram determinar a necessidade de rever to­talmente a estratégia e o âmbito da intervenção de um órgão de Imprensa com as caracterfstlcas de CF. Num momento em que a -censura desaparece e a vida Interna de grande parte dos jornais portugueses aofre eensivels mo-

EDITORIAL

O desafio dificações (o apareoimento de conse­lhos de redacção é, a este respeito, um factor Importante); num momento em que a definição de posições no seio da esquerda e da extrema-esquerda perante o Movimento das Forças Ar­madas e o seu programa constitui um tema de debate intenso (que não pode ser compreendido e enquadrado em esquemas e fórmulas simplistas); num momento em que um clima emotivo sem precedentes na história recente do nosso pais e em que a sucessão vertiginosa dos acontecimentos não po­dem deixar de afectar decisivamente uma apreciação global rigorosa e cor­recta das implicações e consequências do movimento em curso; num momento em que, finalmente, a queda brua<:a de um regime com quase meio séoulo de existência fez desencadear compreen­sivelmente, um processo de adesão sen­timental das massas populares - repri­midas ferozmente durante tantos anos pelo aparelho policial do fascismo -ao movimento militar triunfante, num momento como este em que vivemos impõe-se vm trabalho vasto e em pro­fundidade, um trabalho de reflexãa., es­tudo e discussão no interior de CF e entre OF e os seus leitores de modo a se encontrarem as vias m&:s correctas para o futuro do nosso jcrnal -, vias que dêm efectivamente resposta a tan­tas perplexidades, a tantas Interroga­ções, a tantas dúvidas. A superação da emotividade, a necessidade de vi· trapassar as tentações Imediatas (e naturais) do subjectivismo, exigem urna distanciação critica que resista quer aos cantos de sereia dos oportunismos reformistas - correndo pressurosa­mente atrás da procissão -, quer aos aventurelrismos que podem conduzir -devido a uma totat incapacidade láctica de Integração num novo momento his­tórico - ao marginalismo mais lncon-

sequentc e estéril, condenado final­mente ao divóroio das massas popula­res. Para já, o primeiro de Maio de 1974, em Port1.19al. encerra lições que importa aprender urgentemente.

Perante o futuro, CF terá de definir­-se cada vez mais e melhor ouma fun­ção que a partir deste momento - e em face dos dados específicos da situa­ção que vivemos - deve ser dupla. Na Madeira, um papel Informativo popular é aquele que parece corresponder com maior justeza às nossas f'esponsab:lida­des. No plano nacional-e num momento em que o aspecto propriamente informa­tivo é absorvido quase por completo pela imprensa diária -, a CF caberá, sobretudo, Intervir ectlvamente no ter· reno do debate Ideológico (contrapon­do-o às tentações do sectarismo e do dogmatismo), sem prejuizo, porém, da sua vivacidade jornalística, do seu ca­rácter de porta-voz fiel dos problemas das ·classes trabalhadoras.

Apesar de todos os problemas e li­mitações humanas e materiais, OF pro­curará manter a partir de hoje duas edições semanais: uma de âmbito na­cional, outra de clrculação regional. No Inicio desta nova fase da sua vida, CF apela com força e esperança para os seus leitores: a sua participação, a sua Intervenção, a sua colaboração a todos os nivels são hoje mais necessárias que nunca. Para além da complexidade dos problemas que se nos deparam como um dos jornais políticos de maior audiência em Portugal, as dificuldades de ordem téonlca e material - com­portando um acréscimo elevado de en­cargos - não deixarão de fazer-se sentir durante estes primeiros tempos de reestruturação. O desafio está lan­çado - e a resposta terá de ser dada por nós todos.

'-·~-----------------------------------------------------J OF-Maio 9. 1971

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PAIS

O feitiço contra o feiticeiro A política colonial fascista, sustentáculo e justi­f icação do regime, acabou por provocar a sua perda - quando o beco sem saída das contra­dições geradas pelo colonialismo português o

fechou sobre si próprio.

A relativa - e, à primeira vista, sur­preendente - facilidade com que o golpe militar de 25 de Abril desmantelou a armadura defensiva e repressiva do apa­relho fascista, viria revelar-nos subitamen­te a Imagem exemplar de um regime de­vorado pelas suas próprias contradições. Contradições cuja extensão e profundidade eram mascaradas por um aparato político e militar de facto Impotente, mas ainda aparentemente sólido e eficaz.

O fracasso da intentona das Caldas da Rainha, apenas um mês antes, viera, aliás, radicar a convicça.o de que o regime, mar­cando entã.o uma viragem ainda mais à direita, se encontrava suficientemente fir­me para fazer face a qualquer ameaça que pudesse pôr em risco a sua sobrevivência. rratava-se afinal de um canto de cisne: os corpos médios da hierarquia militar haviam conseguido, entretanto, consolidar :> Isolamento entre a autoridade <los altos tomllndos e a base do exército. Estavam reunidas as condições para a queda do regime.

Do impasse à corrosão

Prisioneiro de si mesmo, Incapaz de idaptar o aparelho de Estado às novas .lnhas de força do çapitallsmo português, iue impunham uma mudança da estratégia :olonlal (1). o regime encontrou-se perante o impasse militar que o avanço irrever­;ivel dos movimentos de libertaçtlo, sobre­tudo na Guiné e em :Moçambique, tornava dia a dia mals e vi d e n te. Ora, esse Impasse não podia deixar de repercutir-se fundamente nas fileiras do exército, sobre-

contacto mais dlrecto com as realidades da guerra - ao contrário do que sucedia com as altas-patentes -, se apercebiam progressivamente da Impossibilidade de uma vlt.órla no campo das armas. Por outro lado, as necessidades do recrutamento em massa e a carência de quadros - Impon­do a rápida promoção de elementos estra­nhos à hierarquia militar clâsslca, como é o caso dos milicianos -, vieram abalar a coesão Interna do exército. As condições objectlvas e subjectivas propicias a uma agudização das contradições provocaram, assim, um processo de corrosão acelerada e profunda no monolitismo tradicional do bloco militar.

Por outro lado, o bloqueamento da fase Inicial de diberalizaçào> marcellsta mostrou até que ponto as estruturas do regime e o peso das suas bases de apoio tradicionais não suportavam - sem se exporem ao risco de desagregaçtlo - as consequências que as adaptações políticas às novas realidades não poderiam deixar de produzir. O dilema do regime acabou por tornar-se um beco sem salda. Ou acei­tava essas consequências e condenava-se a desaparecer como regime; ou recusava­-as, como efectlvamente sucedeu, e via-se obrigado a ter de aceitar a sua queda.

O peso dos mitos ideológicos

No plano cultramarlno>, a Incapacidade em operar a passagem a n.ivel politlco -apesar das titubeantes adaptações efectua­das no estatuto das cprovlnclas de além mau - da fase do colonialismo clãssico

tudo ent re os quadros militares que, em para uma .fase neo-colonial, derivava tam-

bém dos próprios mitos Ideológicos que, criados e persistentemente difundidos pelo regime como justlflcaça.o de legitimidade para a sua política de cunldade nacional>, na.o podiam deixar de fazer com que o fei­tiço se voltasse contra o feiticeiro. Com efeito, o regime acabou por ver a sua so­brevivência condicionada pela perpetuação dos mitos com que Irreversivelmente se Identificara. Por outras palavras: a falên­cia desses mitos arrastariam consigo a fa­lência do regime.

A defesa int ransigente do mito da «in­tegridade t erritorial> do Portugal cpluri­· contlnental e multi-raclab na.o admitia excepções. Aceitar, por exemplo, a inde· pendência da Guiné (território sem inte­resse económico, numa perspectlva de ex­ploração colonialista) era abrir uma bre­cha fatal, a breve prazo, na coerência do edlficlo Ideológico com que o Imperialismo portugu~s procurava justificar-se aos olhos de uma Nação mantida sob a pressão constante das <verdades lndlscutlveis>. Ora a manutenção da Guiné, para além de não ter razão de ser para a exploração econó­mica colonial, mostrava-se cada vez mais lnsustentâvel no plano mllltar.

A operação «ultra"

A intentona projectada recentemente pelos cultras> - e que em Dezembro passado provocou considerável efervescên­cia nos meios políticos e militares - pro­curava uma salda desesperada para esse Impasse. Tratava-se, em prl.nclplo, de acei­tar, pragmaticamente, a centrega> da Gui­né ao P.A.I.G.O., concentrando e intensi­ficando, entretanto, o esforço militar em Moçambique e em Angola, de acordo com a estratégia, defendida nomeadamente por Kaulza de Arriaga e Adriano Moreira, de construção de um grande bloco Atrlca Aus­tral-Brasil-Portugal. Só que o Brasil, virado decididamente para relações directas com

CF - !\falo 9, 1974 página 3

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Estados da fabta litoral africana, não pa­recia dJsposto a comprometer o futuro dessas relações em troca de uma aventura de hor!wntes nebulosos, tanto mais que o desenvolvimento da acção dos movimen­tos de libertação nos territórios sob domi­nação portuguesa e nos Estados racistas sul-africanos, além da pressão diplomática Internacional, ameaçavam os participantes dessa aventura de um perigoso Isolamento na cena mundial. Aliás, a nova fase poli­tlca do regime brasileiro aberta com a presidência do general Ernesto Gelsel, velo afastar ainda mais M já de si remotas hipóteses de concretização do projecto. Finalmente, as manobras de sedução de­senvolvidas junto dos meios mais actl­vos do exército português, para captar apoio a um cputsch> encabeçado pelos sectores extremistas da reacção, erra­ram completamente o alvo: as ten­dências dominantes, porque mais dinâ­micas no selo de um aparelho militar esclerosado, polarizavam-se já. à volta do cmovlmento dos capitães> tendo como guia Inspirador o general Splnola, a quem a experiência concreta da guerra na Guiné fizera compreender a Impossibilidade d<i uma solução militar para o problema colo­nial. E a politização crescente do movi­mento, ultrapassando reivindJcações estric­tamente profissionais, foi favorecida pela hostilidade cada vez mais acentuada que se lhe deparou por parte do aparelho fascista, :forçando os seus adeptos a uma actua­ção seml-clandestlna. Também aqui, a

página. 4

repressão faria voltar o feitiço contra e feiticeiro.

O princípio do f im

De facto, quando os cultras> parecem regressar em força depois do afastamento dos generais Spínola e costa Gomes da chefia do Estado Maior General das !"orças Armadas e do fracasso sequente da «Inten­tona> das Caldas, esta última guinada ain­da mais à direita do regime (que Marcello caetano, numa das suas novas piruetas na corda bamba do poder, sancionara em desespero de causa) era apenas o principio do tlm. O avolumar da tensão entre as fileiras milltares era a tal ponto pronun­ciado que o regime se vê constrangido ll prudência e à moderação: é Isso que res­salta do estilo significativamente brando e paternal com que Marccllo Caetano se refere, na sua última cconversa em faml­lla>, ao levantamento das Caldas. A emi­nência da eclosão de um movimento militar crepitava em surdina, de novo, nas últimas semanas. Mas o aparelho militar cflel> e o escudo repressivo do fascismo já. se en­contravam minados pela base, para pode­rem oferecer resistência duradoura e efi­caz. O derradeiro golpe teatral de Marcello Caetano - prisioneiro também das ilusões em manter as rédeas do poder, jogando alternadamente com cgregos> e ctrolanos~ do regime, sem se aperceber de que o oportunismo é uma carta viciada - che­gou a ser confundido com uma posição

caixas registadoras

* EFICIENC!I(

* RAProEZ

de força: mas a corte política marcellsta, instalada nas cadeiras de São Bento em «representação da Nação>, ou no comando da administração pública, não pa~savam já. de tristes figurantes de uma ópera-bufa.

Um fruto podre

l!: assim que o regime cai CQmo um castelo de cartas. Os focos de reacção ao golpe de 25 de Abril acabaram por limi­tar-se, sobretudo, à policia política. A faci­lidade CQm que o movimento militar triun­fante controlou quase de lmedJato a situa­ção nas colónias - quando se chegara !l

levantar a possibilidade de resistência -veio mostrar que também ai o terreno se encontrava minado.

Foi deste modo que o pais assistiu à derrocada de um regime que ainda dias atrás, escudado nas aparências espectacu­lares de um poder que já. não controlava verdadeiramente, parecia ainda capaz de fazer frente de novo ao choque das tensões avolumadas. Mas embora a casca escon· desse a peçonha, o fascismo caiu da á.rvore fatal das suas contradJções, como um fruto podre.

VIOENTE JORGE SILVA 0

(1) Contrariamente a algumas análises apressadas e ligeiras de certa imprensa estrangeira («Le Monde>, por exemplo) o grande capital, particularmente os dois grupos principais - CUF e Champalimaud -, declarava-se decldldamente adepto de uma estre,tégla neo-colonlallsta. As contra­dições enfre a polltlca do regime e os lnte· resses do grande capital, que ultimamente se vinham agudizando (as recentes críticas de António Champallmaud à política eco­nómica do governo de Marcello Caetano, que a censura procurou silenciar, mostram­-se, a esse respeito, fortemente elucidatl· vas), não são estranhas também à vulne­rabilidade do aparelho fascista.

(2) A desadaptação do modelo politico colonial em relação às novas realidad~s

dominantes a nlvel económico, de que a l~i

dos pagamentos Inter-territoriais era Ins­trumento - ao consagrar a liquidação da exploração colonial primitiva, de <saque> - foi Igualmente slntomã.tlca das CQntra­dlções apontadas na nota anterior.

CF - :\laio 9. 1914

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O triunfo do :Movimento das Forças Armadas no 25 de Abril, traz multas inter· rogações à cena poUtlca portuguesa.

O fascismo era uma forma politica de governo correspondente à ditadura do grande capital que, face a um poder rei­vindicativo sempre actuante da classe ope­raria durante a República Democrãtica, se viu na necessidade de refrear a agita· ção operária através de um aparelho de Estado policiesco e altamente repressivo.

A primeira grande questão que se nos põe e para a qual não encontramos r es­posta cabal, é a seguinte: o Movimento do 25 de Abril 6 um movimento contr:i. o grande capital ou corresponde a uma adequação do aparelho de Estado a novas aecessldades desse mesmo grande capital, esejoso de uma .-solução> politlca para

a guerra colonial e consciente de que a ntenção da classe operária poderia ser

elta dentro de uma liberalização do regi·

De momento, os factos apontam para segunda hipótese. Aparte certas medidas

!ransltórlas para evitar a fuga de capitais, ·o há. outras medidas que afectem o ande capital. O grande burguês António ampallmaud não esconde as suas sim· tias pela liberalização do regime. Vasco

leira de Almeida, que não é propriamente m grande capitalista mas um gestor do

nde capital, actualmente no grupo Bu· osa, colabora decidida e abertamente com JSN. Dos grupos financeiros portugueses

QUE COLIGAÇOES?

Vivemos ainda um momento de interrogações. Entretanto, Frederico Sousa levanta aqui algu­mas questões pertinentes para um debate

nã.o há sinais de manifestações contra a llberallzação.

Por outro lado, a liberdade de formação de partidos políticos tem mostrado que estes surgem com uma extraordinária frag­mentação. (53, informou Mário soares). Isso Indica praticamente que qualquer go­verno a formar-se terá de ser de coligação. O primeiro governo serA o provisório, em relação ao qual quer o Partido de Alvaro Cunhal, quer o partido de Má.rio Soares, emitiram declarações de que estão dispos­tos a nele participarem. Outras formações polltlcas - Convergência Monárquica, Par­tido Popular Democrá.tlco (PPD), Acçl!.o Democrática-Social (ADS), etc. -terão possivelmente urna palavra a dizer no governo provisório. Soares frisou já que a coligação não é comparável à de um iMltterrand·Marchals, não 6 a de uma Fren­te Popular, mas a de Salvação Nacional. A questão que se nos põe, é a de saber qual o papel a desempenhar por formações po­Utlcas que se definem com um programa anti-monopolista (caso do partido revisio­nista de OUnhaJ, ou mesmo do P SP ) em relação ao grande capital.

Será um papel semelhante ao do tra­balhismo Inglês, com nacionalizações de sectores da economia de pouca rentabUI· dade para o capital privado? Será o de domesticação da classe operária, através de aperelhos sindicais com actividade pri· mordia! de contratação colect lva., do g(?. nero da CGT francesa?

Serã esta a expectativa do grande capi-

necessário.

tal em relaçã.o aos partidos pollticos que que de momento têm mais força? A curta distância dos acontecimentos, não nos pode levar a conclusões deflnltlvas mas apenas a hipóteses. No caso destas serem válidas o p reço económico de uma tal politlca (impostos progressivos que permitissem uma certa polltlca social em saúde .e habl· taçAo, por ex., uma ou outra naclonall· zaçã.o) seria pouco caro comparado com o tributo que a classe operária teria de pagar se ficasse acorrentada aos dirigentes revislonlstas. Estes tém, por enquanto, urna certa marrem de manobra; por um lado, devido ao prestigio adquirido nos t empos em que o partido (que ainda man· tém Indevidamente o nome de <comunista>) era um partido revolucionário que dlrlg!a as lutas da classe operária; por outro lado, devido a uma esquerda marxlsta-leninlsta organizativamente dividida (com certas divergências programáticas de carácter tá.ctlco) e ainda Insuficientemente radicada na vanguarda da classe operária. Mas cada vez mais o Partido de CUnhal perde a sua base operária e adquire-a nos assalariados Improdutivos, na aristocracia operária e nos quadros técnicos e administrativos.

E a classe operaria vai subtraindo-se à infiuência do revisionismo e vai dando passos no se.ntldo da emancipação política em relação a teorias burguesas para a classe operá.ria e na escolha do marxismo­· len!nlsmo como gula de acção para a destrulçl!.o do poder do capital.

FREDERICO SOUSA O

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, COLONIAS: o significado

de uma mudança O artigo que se segue foi escrito antes do 25 de Abril e procurava analisar o conteúdo da «mudança,. do apelido «Províncias Ultramari­nas• que era dado às colónias para o de «Es­tado», b~m como o significado de algumas propostas participativas então apresentadas. Neste momento, o artigo só parcialmente está ultrapassado. No que diz respeito ao papel das colónias para a burguesia portuguesa nas suas relações com o imperialismo e à denúncia de

certas soluções «liberais•, desde o neocolonia­lismo à comunidade lusíada, o artigo não perdeu actualidade e por isso achamos importante a sua publicação.

O capitalismo português pode caracte­rizar-se hoje, grosseiramente, por uma rápida concentração das actlvldades eco­nómicas essenciais nas mãos de alguns grandes grupos Industriais e financeiros. Essa concentração não terá sido ainda mais acentuada devido à intima ligação entre o capital Industrial e o bancário -e este não suportaria o desaparecimento da g.eneralldade das pequenas e médias empresas (1) que constituem o grosso da sua cllentela. Mas a dimensão Incipiente desses grupos, o baixo nivel de produtivi­dade em que trabalham, a extrema depen­dência da tecnologia externa, só lhes asse­gurariam uma posição de subalternidade em relação ao grande capital Internacional. Poder-s.e-la cair (dado que a partir da dé­cada de 60 a Integração se tornou impe­riosa) no caso clássico da exploração co­mercial e financeira via exportação de ma­térias primas e importação de produtos manufacturados, entrada de capitais ex­ternos e sua posterior saiUa como reem­bolso e repatriamento de lucros e, assim, dar a preponderância à grande burguesia comercial. Tem tido, no entanto, o capi­talismo português um trunfo importante que lhe tem permitido soluções favoráveis no confronto com o capital Internacional: as colónias em Afrlca.

Investimentos estrangeiros

Assim, nos últimos anos, tem-se assis­tido a um notável Incremento dos Investi­mentos de capitais provenientes do mundo ocidental nas colónias portuguesas .e cujas causas se podem, em primeira análise, assacar à pouca agressividade (Impotên­cia) do capitalismo português e as necessi­dades Internas criadas na década de 60 Quando a burguesia industrial portuguesa se preparava para crescer em importância, uma série de factores vieram agitar o bonançoso mar em que tinha realizado a Jsua acumulação: a eclosão das guerras de libertação nas colónias; a emigração maciça para J<'rança, acarretando uma cer-

Sobre novas questões que se levantam, face à alteração na v ida polít ica portuguesa poste­rior ao 25 de Abril, pedimos ao leitor a atenção para o artigo «Um povo só é livre, se não oprime outros povos».

ta pressão do lado dos salários principal­mente dos operários especializados, etc. (2). Ora esses capitais, que se prezam, trazem indissoluvelmente associadas as noções d~ eficácia e de segurança.

Quanto à eficácia, esta impllca um es­quema de gestão racional, Implicando assim a existência de estruturas que o possibili­tem, não se compadecendo com burocra­cias centralizadoras. A eficácia implica ainda um certo dinamismo. Ora, tanto lá como cá, a ideologia propalada nestas últi­mas décadas pelos sectores dominantes da t>urguesla portuguesa, baseada no culto e revivalismo das glórias passadas, assim como as estruturas postas de pé para re­solver cfraternalmente> os problemas do capital-trabalho, revelam-se muito pouco dinâmicas. Contrariam, portanto, a eficá­cia desses capitais externos e, também, a eficácia dos capitais da burguesia finan­ceira e Industrial portuguesa realizada que foi a sua acumulação com o inestimável auxilio dessas mesmas estruturas. Não é então por acaso que os porta vozes dessa fracção da classe dominante (SEDES, cEx­presso>) tanta atenção dediquem ao pro­blema sindical. De facto, o sistema não pode passar hoje sem uma ccerta> pressão sindical que o obrigue ao apuramento dos métodos de racionalização e à inovação tecnológica t endentes a uma maior produ­tividade.

Um trunfo para a grande burguesia

Quanto à segurança, o problema parece complicar-se um pouco. O sistema ainda não descobriu qual o melhor .estatuto para .Afrlca. As vãrias experiências feitas (Es­tados dndependentes> submetidos ao neo­-colonlallsmo, por um lado, Rodésia, Mri­ca do Sul, por outro) são disso um Indi­cador seguro. Par.ece, no entanto, depreen­der-se que, numa perspectlva a longo pra7'0, a solução neo-colonlal é a mais favo1·ável, até porque há o exemplar caso da América Latina. Mas a natureza ldeológ-lca dos mais

representativos movimentos de libertação pode atemorizar os detentores de capitais.

No que respeita à grande burguesia industrial e financeira portuguesa já se deixou antever que as colónias represen­tam, antes de mais, um lmportantlssimo trunfo. Há uns anos atrás, João Martins Pereira (3) escrevia: «A grande burguesia industrial e financeira oompreende qne, a longo prazo, a opção europeia é a que mais lhe convém. l\fesmo a parte dela que det:6m fortes Interesses nos territórios afri­canos tem diante de si o exemplo de tantos grupos económicos e f inanceiros de pafses que efectuaram a descolonização a mos· trar-lhe que nem sempre ela lhes foi d&­snstrosa. Não é outra, aliás, a atitude do capitalismo internacional que pouco a pou­co se tem vindo a lnt.eressar por aqueles territórios». Por outro lado, o actual slste· 1 ma de pagamentos tem feito declinar a Importância dos mercados coloniais para as pequenas e médias empresas.

«Estugar de passos•

No melo disto tudo ainda se nã.o o as· pecto mais importante: a pressão militar exercida pelos movimentos de libertação, um dos quais (PAIGC) recentemente lndi· cou Inequivocamente qual o fim do actual estatuto: a Independência das colónias. Nesta perspectlva, e antes que seja tarde, surge a mudança da pasta do Ultramar (4) e o crescendo da teoria da autonomia adml· nlstratlva, etc., na t entativa da formação acelerada de camadas locais cdialogantes>. Elucidativamente, escrevia na altura o Expresso: cà polftlca de autarquia como forma de prevenção de contaminações in­

desejáveis sucedeu-se uma fase em que lnt.eressa, paulatlnam ent.e, fomentar uma certa participação cfvlca das popula~

ultramarinas». E, mais adiante: cFol útil que a presença do governo central (refere-se à visita do ministro do ultramar) pudesse vir a dar esperanças de um estugar de passos numa rota onde já se perdeu tem· po» (o sublinhado é meu).

OF -:\faio 9. 197

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Um povo só é livre

se não oprime outros povos

Depois do Movimento das Forças Armadas ter derrubado o governo fascista de Caetano & Cia., de ter extinto a Pide, abolido a censura e ser permitida a formação de partidos políticos, de ser exercido o direito de reunião e de expressã.o, pergunta-se: o povo português tem de facto a liberdade?

Há conquistas e medidas práticas que não podem ser negadas. Mas o povo português ainda não é livre.

Por um lado liberdade e democracia, assim em abstracto, significam também a liberdade dos operários continuarem a ser explorados, a liberdade dos capitalistas continuarem a enriquecer à custa do trabalho de outros. As liberdades de hoje, nã.o são as liberdades do programa polltlco do proletariado, isto é, democracia para a classe operária e para os seus aliados sob a sua direcção e ditadura sobre os capitalistas, os grandes proprietários rurais e outros explo­ra\3or es do povo.

Por outro lado, a opressão e a exploraçã.o sobre os povos coloniais continuam. A guerra colonial e a manutenção da exploração das colónias são grilhetas que têm de ser que­bradas, para que o povo de Portugal possa caminhar no sentido da sua própria libertação.

O direito dos povos à autodeterminação e à lndepen· dência, à separação completa e efectlva da metrópole colo· nizadora, têm de passar das palavras a um exercício efectlvo. Não compete à classe operária em Portugal procurar outras csoluções> como apregoam os burgueses mais ou menos liberais ou uma tecnocracia, que anda multo próximo dessa burguesia e com inter.esses indirectos na exploração das colónias.

Para a classe operária em Portugal, para as massas trabalhadoras em geral, a única atitude perante a questão colonial é clndependência Imediata e Incondicional das coló· nias> e a)l-Oiar os movimentos de libertação das colónias. O PAIGC proclamou já a Independência da República Guiné· -Bissau. Mas o exército português ainda não retirou desse território independente, ocupando um território sobre cujo futuro só ao povo gui.néu compete decidir. Os movimentos de libertação (PAIGC, FR®LIMO e MPLA) pronunciaram-se Inequivocamente: só aceitam a solução da Independência total da Guiné, Moçambique e Angola.

A manifestaçâo de solidariedade internacional do prole­tariado português passa P,elo apoio incondicional a essa pro-

clamação dos movimentos de libertação. Ao mesmo tempo que reconhece os interesses _de outros povos, trabalha no seu próprio interesse. O interesse da classe operária portuguesa, de outros trabalhadores, dos camponeses, não se Identifica com os Interesses da CUF, do Espírito Santo, do BNU, dos Quinas ou de Champalimaud e de outros grupos financeiros portugueses ou das grandes empresas multinacionais com interesses nas colónias. A tragédia da guerra colonial para o povo português é ver os seus filhos (operários, empregados, camponeses, estudantes) obrigados a pegarem em armas para matarem os melhores filhos dos povos irmãos de An· gola, Moçambique, Guiné e Cabo Verde, que no entanto lutam contra os próprios lnlmlg"os do proJ.etariado português: a grande burguesia e o Imperialismo Internacional.

E certo que é um peso bem rtorte que a classe operária portuguesa e as massas trabalhadoras em geral, têm de deitar fora. Foram anos e anos de propaganda sobre a grandeza de Portugal aquém e alem-mar, sobre o Império Colonial Português, estrlbllhos como o cAngola é nossa> e tanta outra coisa que deixou marcas profundas na cons­ciência das pessoas. A exploração das colónias dura há séculos e não foi uma invenção do fascismo, pois a própria burguesia republicana e democrática de 1910 manteve essa exploração e alguns dos tais <democratas> que se diziam anti-fascistas tinham os seus negócios nas colónias.

Mas, apesar de tudo Isso, o apoio incondicional à inde­pendência das colónias é a única atitude digna do povo português. Não há que a preceder de debates nacionais, pois não é um direito do povo português decidir se hâ.-de conti­nuar ou não a exploração de outros povos. A Igualdade entre os povos determina que reconheça o direito à Independência dos outros povos. O apoio é Incondicional, pois as negociações a haver ou não, a atitude que os povos coloniais depois de Independentes hã.o-de tomar em relação a Portugal, é um problema deles e não nosso. Esta questão da Independência imediata e incondicional das colónias não pode ser sacrifl· cada à ânsia de fazer parte dum governo provisório corno o fazem Cunhal, Mário Soares, SEDES e outros, que embora apregoem essa Independência, estão dispostos a todo o custo a fazer parte do governo provisório qu.e até poderá ser i:oloniallsta pois nã.o há nenhuma condiçã.o prévia sobre a Independência das colónias.

A forma que assumirá (se vier a assu­mir) a pretendida comunidade lusiada aln· da é extremamente nebulosa o que não será por acaso; a direcção em que aponta é, porém, extremamente clara.

pretendem do que funcionar como detona· dor (se posslvel, claro!) de uma análl.se que interessa fazer aqui e agora.

e às remessas de emigrantes. Só que outros­valores mais altos se levantaram (devido ao peso das fracções da classe burguesa que detinha o poder) e dificultaram a Industrialização o que acabou por dar ori­gem a um processo lnflaccionlsta acentua­do e a um excesso de liquidez que começa a preocupar o grande capital pois havendo uma excessiva oferta de capitais estes perdem o seu c:valor».

A terminar: considera-se que a análise de determinadas acções políticas que assen· te nas bases económicas de produção e nas r.elações sociais inerentes é Impor­tante, pois dela se podem retirar indica­ções que permitam a definição de uma polltica de intervenção e de ataque ao poder de uma dada classe. Nesta perspec­tiva se devem entender as limitadas consi­derações acima tecidas e que mais não

CF - Maio 9, 19'74

JOS:l!; PINHO FONSECA O

(1) .Perante a dificuldade em obter a sua reconversã.o num curto lapso de tempo.

(2) Estes factores, por si só, eeriam propiclos a um râpido desenvolvimento industrial pois aumentavam Imenso a pro­cura interna devido às despesas militares

(3) JM!P, e>Pensar Portugal hoje> cap. «A longa descoberta do caminho marítimo para a Europa:r..

( !) Este artigo foi escrito antes do 25 de Abril (N.R.).

páglna. 7

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DOCUMENTOS --- - ·--------------

Para a história do colonialismo português na Africa e na Asia t Há cerca de cinco séculos que os portugueses se dizem presentes em África e Ásia. Cinco séculos, talvez um pouco esquecidos da maio­ria dos portugueses. Hoje, mais do que ontem, essas presenças são contestadas. Através do

relato de pessoas ou situações ligadas intima­mente, por razões varias, a essas mesmas África e Ásia, ditas portuguesas, apresentamos alguns documentos reveladores da história do colonialismo português.

e •Trabalhareis por saber a parte de onde é a dita prata e assim de quaisqueres ootros metais, e se os há ie a aoham em sua terra ou noutras e iquão longe, e se são estimadas, e se levam trabalho em os tirar fazendo por nos trazer amostras de todas•.

(Extracto do Regimento de 16 de Fevereiro de 1520 a Baltazar de Castro, sobre as minas de prata de Cambambe - Reino de Angola).

e •Anos houve em que chegaram a despa­char-se pela alfândega da ilha do Príno;pe cerca de cem mil escravos oriundos da Mina, do Congo e de Angola, embarcados nos po­rões dos navios negreiros, para todas as 'Co­

lónias da América•. (Carlos Selvagem e Henrique Galvão, His­

tória de Angola, Ili Volume Lisboa, 1952, pág. 83).

e ·De todo o interior africano afluiam à costa as *evas de escravos. As que seguiam para o Oriente encontravam-se no Cairo e em Zan­zibar; as destinadas às Américas juntavam-se no Golfo da G\Jiné e dai Irradiavam para Richmond, Char!eston, Nova Orleans, $. Do­mingos, Baía e Rio de Janeiro•.

(Gastão Sousa Dias - África Portentosa -- Edição Seara Nova - 1928).

O ·Penetração, povoamento ... mas é toda a colonização!

Obra que não é de hoje, nem de um sé­culo, mas que ocorrreça no 1próprio dia da In­venção ipelos portugueses do Mundo até aí ignorado.

•Chegados os navegadores até às novas paragens povoadas, logo a ânsia •lusíada bus­cava inquietante descobrir, depois das terras, as riquezas, as gentes ie os costumes; e nunca houve ooriosidade mais V'iva e audaz, nem sensações mais frescas e perturbantes que as dce soldados, dos missionários, dos aven­tureiros portugueses na rudeza da barbárie

página 8

ou no mistério subtil de milenárias civiliza­ções•.

(Marcelo Caetano - Catálogo da 1Exposiçáo Histórica da Ocupação, l i volume, pág. 7).

e •O roubo é tão público e tão comum que não choca o carácter de ninguém e a custo é considerado como tal•.

(S. Francisco Xavier, em 1545 - Diário da lndia).

• ·A primeira flebelião amiada teve lugar em 1491>.

(Raph Delgado- História de Angola, edição da Cãmara Municipal de Benguela, 1948, pág. 48).

e ·1 857-Ataque do gentio de ·Nano•, em 11 de Novembro à fortaleza de Huíia. A notícia da preparação deste ataque que foi executado por mais de 8 000 negros .....

(Major Mateus Moreno - <Factos Militares da Ooupação do sul de Angola - Agência -- Geral das Colónias, 1945).

e · 1904 - Ordem do Governo Central para se fazer à ocupação do Ovampo com o esta­be1ecimento de postos mtiitares e a conve­niente pacificação da Região, de forma a •impedir que povos da Oãmara quando batidce pelo exército alemão viessem acoitar-se no nosso território ..

•Tal '111issão é confiada ao Governador do distrito da Huila, capitão de engenharia João Ma~ia de Aguiar, que tendo recebido da Me­trópole grande quantidade de material para uma acção de envergadura, organizou uma forte coluna constituída ipor: 40 oficiais, 1080 praças, sendo 487 europeias e 613 indígenas, 432 auxiliares, sendo 11 europeus, 119 soil­pedes, 7 bocas de fogo e 45 carros boeres.

Fcii a primeira campanha organizada na África Ocidental - escreve Aves Roçadas - se-

gundo os preceitos da guerra colonial. Redun­dou, porém, em lamentável desastre•.

(Major Mateus Moreno - Idem). ·E reconhecendo que havia nesse tempo

já distante da vida de Angola, focos de rebe­lião que era necessário fazer desaparecer de vez e actos de crueldade e de traição que era urgente castigar severamente, eu acres­centava:

•Mas é Undispensável aproveitar estas acções ·mi 1 itares justas e neoessárias para darmos um largo passo na obra de penetração pacífica de atracção que sempre nos deve orientar e guiar. Terminado o indispensável emprego da força, devemos eer nós os pri­meiros a chamar os povos castigados, a aju­dá•los a reparar o dano que sofreram, fazendo­-lhes ao mesmo tempo compreender que se tratou de um castigo e não de hostilidades e que estaremos ao 11ado deles para os prcr teger e auxíllar, sem rancor nem má fé, sem­pre que eles procedam com lealdade. Foi este espírito e esta norma de procedimento por parte do Exército que ipermittu levantar, em ipOt1co mais de melo século, a grande obra de civilização portuguesa que admiramos em África•.

(Norton de Matos - A El'Cyão civifizadora do Exército Português no Ultramar - Confe­rência proferida no 1 Congresso Militar Co­lonial, no Porto, em 1934).

Independência Nacional

• · A união entre Portugal e Espanha fizera-se em 1580 ·apenas sob o aspecto dinástico: cont1nuavam a existir dois Estados indepen-

' dentes guardando cada qual suas leis, cos­tumes, instituições e governo e tendo apenas de comum o soberano.

Mas nesses tempos, o Rei governava ofec­tivamente: os seus ministros e Conselhos

CF-.Malo 9. 197-l

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assistiam-no, preparando e estudando as reso­luções dos negócios que só ele porém decidla. A ausência do Monarca em Madrid no meio de uma corte estrangeira guiado por válidos castelhanos longe das coisas portuguesas e subordinande>-as na política lnterna0tonel ao interesse espanhol eleva em resvttado estar o reino submetido a jugo estranho. A união pessoal criava assim, de facto, a subordinação de Portugal à Espanha•.

(Marcelo Caetano - do Conselho Ultrama­rino ao Conselho do Império 1943- Agência Geral das Colónias).

e Alheios a todos os conluios, não vende­mos, não cedemos não arrendamos, não parti­lhamos as nossas colónias com reserva ou sem e1a de qualquer parcela de soberania nacional para satisfação dos nossos brios patrióticos. Não no-lo .permitiam as nossas leis constitucionais; e a eusência de textos, não no•lo permitirá a consciência nacional• .

(Salazar - citadb por Si lva Tavares - Roteiro da Mocidade do Império - 1938-Agêncla Geral das Colónias).

e ·O nosso •Colonialismo• são os estran­-geiros que embolsam os lucros- e nós que pagamos os melhoramentoo•.

(Oliveira Salazar - discurso pronunciado em Lisboa em 12 de Abril de 1966).

e •Moçambique fora da Nação portuguesa seria i nstantaneamente destruldo e partilhado entre os interesses divergentes e perderia para sempre o ritmo de desenvolv:mento e progresso hoje patente em todo o Estado•.

(Eng. Pimentel dos Santos ao matutino •No­ticias• ôe Lourenço Marques).

·Mas o grande perigo, o perigo fatal, contra o qual temos de estar preparados dentro de poucos anos, é o do perigo da União Sul Africana ( ... ) Quer dizer: Angola não está em estado de defesa. Uma vez separada da Metrópole, tem de contar com todos os inimigos que a cobiçam de olhos ávidos. Têm de contar com os alemães, tem de contar com oo italianos, tem de contar com os americanos e sobretudo com e União Sul Africana, seu inimigo Implacável, leão de garras acerradas pronto a cair velozmente sobre a rês inerme•.

(Gastão Souza Dias - Africa Portentosa -- Edição Seara Nova - 1928).

e •Angola: Pelo Deoreto-Le1 n.º 45 558, de 21 de Outubro de 1960, é concedido à Fried Krupp de Essen (Alemanh3 Federal), por 43 300 000 de dólares, o dlre1to de exploração de toda a riqueza mineira do subsolo angolano, com exoepção de diamantes, produtos betu­mmos, petróleo e hidrocarbonetos.

Pelo Decreto-Lei n.º 45 651 de 9 de Abril de 1964, foi assinado um outro contrato entre a ·frie:I KAJpp• de Essen, a Companhia Mi­neira do Lobito e o Banoo de Angola, para financiamento de 10 000 dólares, destinados à construção de estrada de ferro, instalações industriais, barragens, etc., relacionadas com o projecto mineiro de Cassinga.

Pelo Oeoreto-Lel n.º 38 832 da 23 de Maio de 1952, o ministro do Ultramar é autorizado a concluir, cocn a Companhia de Combustíveis do Lobito (CARBORANG), um contrato de concessão de duas vastas zonee nos di&­tritos do Congo e do Cuanza, em vista à ipros-

CF - Maio 9, 19U

pecção de ja21idas de hidrocarbonetos sólidos. liqoidos e gasosos de petróleo, nafta, ozo­querite, enxofre, hélio, dióxido de carbono e substâncias salinas e outros produtos simi­lares. O contrato foi assinado a 24 de Março de 1953 e a Carborang começou a sua pros­pecção recorrendo à experiência da Com­panhia Financeira Belga de Petróleo (PE­TROFINA}, titular de 70% óas suas acções.

Um Decrete>-Lei de 18 de Julho de 1922 concedeu à Companhia dos Diamantes de Angola (DIAMANG), a prospecção e extracção de diamantes em todo o território.

O direito de exploração de diamantes do solo abrange uma área de 390 mllhas em Angola - que têm uma superficie total de quatrocentos e oitenta e uma mil trezentas e cinquenta e uma milhas quadradas-asse­gurada por cinquenta anos, a partir de 1921-.

Paises representados na DIAMANG: - EUA - através da Anglo-American Cor­

poration of South-Africa, da Anglo-American, ltd., do grupo Oppenheimer, do Bank Morgan e do grupo Ryan-Guggenheim;

- Inglaterra - British South-Africa Ccffl­pany, da De Beers lnvestiment Trust;

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f /JUNCA MAIS NUN CA I N UNCA MA IS

(OffTô NENHUMA Fi rp,

l

- Bélgica - Forminlàre e da Union Minefre do Haut Katanga.

- RodéSla e RAS - através do Anglo--American Corporation of South Africa;

-e Portugal. O Decreto-Lei de 10 de Julho de 1957

autoriza J Cabinda Gulf Oil C.0 , o exclusivo de pesqu:" de petróleo e derivados, no en­clave de Cabinda, por três anos e 50 anos de exploração.

As companhias Golf Oil C.0 • Mexican Gulf 0 11, Chase Natlonal Bank e o Natlonal City Bank of New York constituem os< prinoipaie IJCC1onistas subsidiários da Cabinda Gulf Oil e.o.

Em 1957, o govemo Português concede o exclusivo de pesquisas e exploração de petróleos e dos seus denvodos à Companhia de Petróleos de Angola (Petrangol). com um capital social de 25 500 000 dólares. A CPA concentra através ele Compagnie Fianoiere Belga de Petróleos (PETROFINA) 45% do capital e da Société Génerale Belge, 15%. Estas empresas estão ligadas estreitamente com o Banque lfnion Paris1enne.

o

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LIVRES OPINIOES

Este texto foi escrito antes do 25 de Abril. a l:.Jta política da classe operária e são por esse facto um apoio ao espontaneismo. No entanto a sua publicação parece-nos útil por historiar

períodos importantes do movimento operário português, pouco divulgados legalmente entre nós, devido à censura fascista. Porque o publicamos em - Livres Opiniões•? Certamente porque a linha de pensamento do autor não se identifica com a nossa. CF é um jornal que procura, como imprensa legal, servir os interesses históricos do proletariado, admitindo um confronto de opiniões, um pluralismo de intervenção, abrangendo a q u e 1 e s que adaptam (ou procuram adaptar mau grado a sua deficiente preparação ideolo­gica) o materialismo dialéctico e o materialismo histórico como método de análise.

A classe operária por si só, através da luta econó­mica, não atinge a consciência do seu papel histórico e das tarefas políticas que se lhe põem: conquista do poder político, exercício da ditadura do proletariado até atingir o objectivo último, a sociedade sem classes. O autor analisa o desenvolvimento das lutas operárias, o que é importante. Mas esquece a necessidade da fusão da teoria científica para a classe operária com esse movimento operário, condição necessária para que o movimento ultrapasse o • tradeunionismo• e ponha como objectivos o socialismo, como sociedade de tran­sição e, por fim, a sociedade sem classes.

O texto que publicamos contém uma grande insuficiência. Os seus dois últimos parágrafos negam implicitamente

Com estes considerandos, julgamos ficar compreendida a publicação do texto, tendo em atenção a linha que o jornal defende.

Da falência do «frentismo» ... Durante os anos sessenta 700.000 emi­

grantes portugueses deixaram as frontei­ras dos seus patrões, abandonaram as suas propriedades agricolas, as suas aldeias, e mais tarde as próprias fábricas. Partiram para vender a sua força de trabalho ao preço politlco da Europa, avançada, a todos os patrões da França, Alemanha, Bélgica, Palses-Ba!xos, etc ... 700.000 ou seja, 8% da população total.

Um cnuxo humano> de tal amplitude é na realidade algo de extremamente com­plexo que não se deixa entender, dum 1>onto de vista. de classe, nas malhas de um raclo­cinlo estatlstlco próprio de um certo «Cre­tinismo progressista>, qu.e conclui, para Portugal e para a Grécia, qu,e cuma reor· ganlzação radical - que só as forças de esq~erda poderiam assumir em vista de um desenvolvimento rápido é a condição pri­meira para estancar a hemorrogla actual dos homens>.

P ois bem, se é verdade que os patrões portugueses não optaram ainda na uniãQ pelas «forças de esquerda>, não é menos verdade que eles estão seriamente preocu­pados com esta «hemorrogia>.

Repetem dia após dia, palavra por pa­lavra: falta de mão-de-obra, salãrlos que sobem, greves, etc.

Se por um lado é indiscutível que o patronato e o estado promoveram cada vez mais conscientemente este fluxo mi­gratório, enquanto momento fundamental ... ~ um processo aberto de proletarlzação acelerada, c!e liquidação das velhas estru­turas agrícolas (propriedade e culturas) e, a prazo mais largo, a total reestruturaç3o do aparelho produtivo e da organização do trabalho; por outro lado, não é menos ver­dade, que um processo paralelo de recom­posição politlca da classe operária se leva-

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va a cabo no interior, e contra o plano de desenvolvimento do capital.

O êxodo dos anos 60

Com efeito, o formidável êxodo dos anos sessenta representa uma primeira forma de recusa em massa do carácter do capita­lismo português da época da autarquia salazarlsta (autarquia relativa, entenda­-se). Esta primeira forma de revolta e de insubordinação desenvolve-se desde a cons­tatação do Impasse total a que se tinha chegado, sob a direcção politlca anti-fas­cista e democrática que se estende no arco histórico de 1958 a 1962.

Este período é percorrido !'P-las fortes lutas populares contemporA.neo.s das elei­ções' presidenciais de 1958 (candidatura de Delgado); pela greve dos operários agri­colas do sul (pelas 8 h e não, evidente­mente, pelas terras àqueles que as traba­lhavam) e pela greve, com ataque ao posto da policia, dos mineiros da mesma região; e, enfim, pelos muitos e sérios encontros de rua, que culminam no 1.0 de Maio de 1962. :m, com efeito, sob a pressão cmlnen­temente popular (a classe operária partici­pava sem se distinguir dos objectivos pró­prios do cpovo>) do ano 58 que o P.C. revê toda a sua tá c ti e a e resolve parti c 1 par numa frente anti-fascista tão coerente quanto uma tal frente o pode ser, uniões importantes da pequena-bur­guesia urbana (intelectuais, estudantes. empregados, pequenos comerciantes e to­dos os pequenos industriais); ao uivei inte­lectual o periodo é marcado pela ccritica do afastamento de direita>, publicada pelo secretário geral do partido que acabava de se evadir da prisão. .A.3 eleições legis-

!ativas de 1961 ofereceram o quadro à franca abertura das hostllldades contra o regime: desde Outubro de 61 a Maio de 62 a situação não deixa de evoluir e de se radicalizar. A classe operária participa maciçamente mas não hã expressões de um movimento operário autónomo; não hã grandes movimentos de greve. Com efeito, se é indiscutível que foi a classe operária que imprimiu aos encontros do 1.0 de Maio a sua violência, prestando-lhe um verda­deiro carácter de guerra civil, não restam, contudo, dúvidas que ela participa, ainda, por det rás das palavras de ordem anti-fas­cistas de paz, liberdade e democracia.

Um enterro de primeira classe

:e neste sentido que falamos de cdirec­ção anti-fascista>. Estes díferentes movi­mentos não eram, com efeito, uma simples acumulação de lutas parciais, mas visa­vam sob a direcção anti-fascista propor uma alternativa polltica ao pais. O seu resultado eventual - quer dizer, o derru­bamento de Salazar e a mudança da velha direcção por quadros portadores de outros modelos de desenvolvimento - baseava-se na aliança operárlos-camponeses-burguesia­·não-monopolista. Ora, uma tal aliança, que a classe operária podia ainda caceitar> como solução provisória, dada a sua fra­queza, nunca passou aos factos. A aliança já não possuia nenhuma base material, pelo menos após a conclusão do ciclo de industrialização dos anos 50. Com efeito, já nesta época o interesse ope­rário tendia, cada vez mais, a dirigir-se por inteiro contra o interesse dito geral. Os encontros de Maio 62 mostraram a

CF-llaio 9- 197.t

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solidez da frente capitalista perante a pres­são de rua, pressão que constitui o próprio limite do movimento anti..fascista na me­dida em que nã() estava em questão, para a classe operária, fazer-se massacrar pela liberdade e democracia, a aliança demo­crático-nacional dissolveu-se antes mesmo de ter seriamente abalado as instituições do regime. A alternativa de urna politlca económica reformista foi então acabar no caixote do lixo, enquanto os militantes aca­bavam na prisão ou no exillo.

11: perante a falência desta alternativa -falência que foi necessária experimentar na prática, mas que tudo hoje leva a crer estará já inscrito no processo de desenvol­vimento em curso desde alguns anos - e perante a nova necessidade de se ir fazer matar pela Pãtrla em Angola (onde a rebelião nacionalista tinha rebentado em 61). que se conduz o movimento espontâ­neo, oculto, da emigração em massa dos anos 60. Se a cdesmobilização> da classe operária, depois das jornadas de Maio 62 (recusa de descer à rua ao chamamento das organizações anti-fascistas em 28 e, mais tarde, no 1.• de Maio de 63) responde à incapacidade da frente democrática-r.e­formlsta de assumir as mudanças do capi­talismo português, a emigração dá, por seu lado, uma resposta imediata à insufi­ciente acumulação de trabalho morto, quer dizer, das capacidades produtivas que o plano capitalista podia pôr em marcha ra­pidamente.

Estas lutas são, por sua vez, o mo­mento mais alto do cmovimento anti-fas­cista> e o do seu fim. Desde que um tal projecto polltlco deixe o terreno Ideológico dos discursos contra a ditadura para pas­sar à prática, empenha-se automaticam.en­te na via mais curta para um enterro de primeira classe.

O fim do «Salazarismo,.

Mas, é evidente que um tal impulso operário e popular e a explosão dos

movlm.entos armados nas colónias não po­diam ficar sem resposta da parte dos diri· gentes politicos. :e então desta época que data a morte do csalazarismo>. ainda que o velho ditador tenha ficado sentado no trono. Por fim do csalazarismo> enten­demos muito exactamente a abertura das primeiras brechas sérias no edifício autár­quico laboriosamente' construido desde a crise mundial dos anos 30 e no quadro do qual !Portugal tinha acabado de se apossar da totalidade das forças produtivas dando uma base concorrencional minlma. l!: o próprio Salazar que anuncia, .em 1963, o flm deste estado de desenvolvimento: .. uma parte do potencial humano que se enredou na agricultura ( ... ) deve ser transferido para outros sectores, em que um, o sector industrial - quP acaba de entrar na fase de desenvolvimento -. constata já que lhe é necessário uma reor­ganização a fim de fazer face à concor­rência ... >. Allm.entou-se ainda a esperan­ça de uma cautarqula alargada> ao espaço económico português (Portugal+colónlas), mas esta esperança termina rapidamente perante o Impacto do capitallsmo Interna­cional. Certamente no primeiro estado, é a autarquia comercial que desaba: entrada no G.A.T.T., contactos com a CEE, e sobretudo adesão à EFTA, em 1962. Mas ela é depres­sa acompanhada pelo próprio aparelho pro­dutivo, através da abertura aos investi­mentos estrangeiros: em 1961 entrada no F.iM.I. e no B.I.R.D.; em 1962, acordos com a R.F.A., com o Import-Export Bank dos E.U.A., constituição de um <holding finan­ceiro hlspano-português, etc.

Militarização da economia

l!: então que se assiste a um verdadeiro salto na forma e no conteúdo do cresci­mento económico. A década de 60 é mar­cada pela militarização da economia; a abertura aos capitais estrangeiros; a lntc­graç!Lo no mercado mundial; a Invasão das cidades por vagas de novos proletários; a

caída radical da população rural e a in­teira reestruturação da agricultura; o equi­líbrio da balança de pagamentos (graças ao turismo, mas sobretudo às divisas en­viadas pelos emigrantes: 15 mil contos em 1969); as primeiras tentativas de reforma do sistema escolar de formação profissio­nal; enfim o investimento de trabalho acu­mulado nas novas máquinas que se oporão ao ataque operário.

Com o csalazarlsmo> morre também o <anti-salazarlsmo>. O esboroamento pro­gressivo das alianças tradicionais e a per­da de controlo do P.C. sobre os movlment• 1

de classe (e mesmo sobre o movimento &j.­

tudantil; bastão incontestável do anti-fas­cismo de choque), em suma, a falência do velho modelo alternativo proposto pela <Oposição> durante os 30 anos de autar­quia, tem entretanto multo erro para re­presentar de um modo organizado.

A Frente de Acção Popular aparecida em 63-64 como cisão de eS<J.uerda do P.C. no quadro internacional do cconfllto sino-sovié­tico>, não mostra senão o índice desta si­tuação que só podia levar a encalhar na ten· tativa organizacional de creconstruir o par­tido revolucionário> em tomo da palavra de ordem de cluta armada>. Outras tenta­tivas como a da L.U.A.R. (Liga de Uni­dade e de Acção Revc:uclonárla, preco­nizando uma .espécie de cterrorismo ur­bano> ao modo dos Tupamaros), não tive­ram sorte diferente (1). Todas elas parti· lhavam a mesma Incapacidade de desem­penhar o sentido da nova situação e ofe­recer deboch.es organizacionais aos objec­tlvos autónomos que a classe operária estava em vias de Impor.

Do mesmo modo a questão fundament31 da ligação entre as lutas da fábrica e a luta contra a guerra nunca recebeu a mí­nima resposta prática, apesar da Insub­missão maciça e a multiplicação de mo­vimentos de revolta nas casernas contra as condições materiais a que os soldados se sujeitam .

... à líbertação da autonomia de classe Mas não se saberia apagar em alguns

anos a sequência de vá.rios séculos de fra­queza. O peso do passado continua a fazer­-se sentir, em primeiro lugar, atravée de uma agricultura que absorve ainda, em 1970, um terço da força de trabalho dis­ponível. Apesar da proletarização de uma grande parte da população rural (os assa­laria.dos representam 60% da população activa na agricultura e na pesca), a pe­quena propriedade é ainda multo Impor­tante. Posta em situação precária pela po­litlca de preços praticada durante o periodo salazarlsta ,ela foi em parte desencalhada graças aos enVios de fundos pelos emi­grantes. A concentração das terras e a IDdustriallzação da agricultura encontram­-se assim bloqueadas, o que impede o ca­pitalismo de i;eduzlr o valor da força de

CF -1\laib 9, 1974

trabalho por um crescimento da produ­tividade no sector dos produtos de consumo.

Paralelamente, uma pequena indústria arcaica coexiste, com as grandes empresas modernas (em 1962, 8% dos estabeleci­mentos tinham menos de 10 aesalarlados). Tendendo a reforçar o sector atrasado, favorecendo activida.des !mprodutlvas (pe­queno comércio e outras - onde alguns cmlgrantes investem as suas economias), está o turismo, e com certo respeito, a emigração.

Se a emigração tinha, ao princípio, podido aparecer como uma solução ao ca­pltallsmo português, volta-se agora contra ele. A rarefação da mão-de-obra fez subir os salários, principalmente oo dos operá-11108 agricolas e dos operários do constru­ção (este sector é obrigado actualmentc a

fazer apelo à Imigração de cabo Verde), donde o : umento dos preços allmentares e das renda.::.

Globalmente, e.sta situação traduz-se por urna grande rigidez do aparelho pro­dutivo, principalmente na agricultura, onde a produção aumenta penosamente de 1,5% por ano, quando não cal brutalmente como em 1971. Nestas condições, o poder de com­pra engendra.do pelo Investimento produ­tivo, pelo turismo e pelos envios dos emi­grantes (que representam 8% do Rendi­mento Nacional) conduz a uma alta de pre­ços desordenada. A Inflação é de rooto allmentad:i. pela alta de preços sobre o mercado mundial (as importações em Por-

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tugal representam cerca de 28% do seu Produto Nacional Bruto).

De 1962 a 1968

Perante este ataque contra o valor real do salário, a classe operária responde por uma intensificação da luta. Os ano.s de 1968 a 1970 (periodo em que a luta rei­vindicativa se acentua nos principais palses capitalistas) são marcados em Portugal por lutas de grande envergadura. O longo periodo de 1962 a 1968 viu, com efelto, o amadurecimento acelerado dae condições objectivas, no quadro das quais bem de­p ressa irromperia a autonomia de uma classe operária com mais de 1,2 milhões de trabalhadores em Portugal, sem falar <los emigrados. A greve dos trabalhadoree dos t ransportes públicos de Lisboa, em J unho-Julho de 1968, marca o começo de um novo ciclo na luta. Já não se trata, como em certa medida era o caso cm 58-62, de luta pelo desenvolvimento, pelo trabalho, mas de luta contra o aumento da explo­ração, luta no terreno do salário e das candiçõea de t r abalho, luta contra o

t r abalho; lutas .estas que possuem já um carácter perfeitamente autónomo.

No espaço de um ano, as greves a.fec­tam as principais empresas do país, desde a Carris (transportes públicos, Lisboa) -esta greve, que marca o começo de várias que se seguiriam, comporta durante quatro dias 7.500 trabalhadores (condutores e revt-60res de elêctricos e autocarros, mecânicos das oficinas de treino e pe560al admlnls­tratlvo) e visa um aumento de salário para compensar o custo de vida -, até Ferrel­rinha (automóveis, Porto), passando pela Sorefame (metalurgia, Amadora), Covina (vidro, Santa Iria), Cimentos Tejo (Alhan­dra), Fábrica Barros (têxteis, Cabo Ruivo), Ford e General Motors (Azambuja), Lls­nave e Parry & Son (construções navaJs, Lisboa) . Na ausência de verdadeiros sindi­catos (suprimidos pelo Estado Corpora­tivo) as greves tomam um carácter total­mente <'selvagem>, tanto no seu levanta­mento como no seu desenrolar e conduzem facilmente a r econtros violentos com a policia.

A primeira vaga de greves, do V cri.lo de 68 ao Outono de 69, só fez alnda apar'<'­ce.r, como expressão da autonomia, pedldoii de aumento iguais para todos. Mas há a

segunda vaga-lançada em Novembr., de 1969 pelos 5000 operários dos estaleiros navais da Lisnave (um dos negócios mais rentáveis da economia portuguesa, sector chave onde a fusão dos interesses nacio­nais e estrangeiros se realizou rr.travtlho­samente) é conduzida inteiramente con­tra a nova equipe governamental, que tinha consagrado o acesso ao poder dos <tecno­cratas anti-fascistas> (tipo Salgueiro na planificação; e Martlne na indústria); con­tra a alternativa democrâtico-reformist:i; enfim contra as sérias rectificações trazi­das pelo m Plano de Fomento, pela Lei sobre o orçamento de 1970 que programa com energia a reestruturação do aparelho produtivo e da organização do trabalho.

Uma plataforma unificadora

A greve da I.Jsnave pôs fim a várias e9J)erança8 partilhadas pelo governo e pela oposição, e em primeiro lugar à esperança que as reformas se poderiam levar a cabo •docemente>, numa paz relativa, em meio de algumas concessões salariais depressa recuperadas pela Inflação, pela moderni-

A ITT e a indústria de material eléctrico em Portugal

A ITT, uma empresa multinacional de origem americana, um enorme «polvo» que se espalha por diversos países, tem, também, em Portugal as suas implantações. Por ora, destacaremos, somente aquelas relacionadas com a indústria de material eléctrico e electrónico onde o grupo ITT tem grande importância.

diato, facilmente aliciável por promessas de boas condições de trabalho, bons salários, pré­mios, refeitório a preços módicos, etc. Uma isca aliciante que, em breve, será contrariada pela dura realidade da fábrica.

As suas fábricas estão implantadas em S. Ga­briel (Cascais), uma zona de recente industria­lização. A mão-de-obra é recrutada nos conce­lhos limítrofes (Cascais, Sintra) com especial incidência nas regiões rurais. Uma mão-de-obra jovem, barata, sem grandes exigências, de ime-

Pois, CF, na continuação do inquérito que vem fazendo sobre as condições de trabalho na indústria de material eléctrico, não podia deixar de se avistar com as trabalhadoras destas fábricas e apurar a verdade sobre essas con­dições. Evidentemente que, segundo o teste­munho das operárias, tudo se passa de forma muito diferente.

As fábricas estão instaladas em pavilhões pré fabricados, dois extensos barracões onde as condições de higiene e segurança são extremamente precárias. Neles trebalham cerca de 1600 operários, na sua esmagadora maioria mulheres, que executam um trabalho minucioso de montagem de circuitos Integrados extrema­mente minúsculos e outras peças para pos-­terior montagem em telefones e transístores. O grosso da produção é executado ao mícros­oópío. Trata-se, ou de soldagem de fios a uma unidade e-entrai que não tem mais que o tamanho da cabeça de um alfinete ou <le aoldag;em <le rpequenlasimos orlstals e uma placa. fste trabalho é feito por operárias multo jovens, de olhos virgens, num microscópio cuja luz é -colocada, debaixo da lente, inci-

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dindo directamente sobre o trabalho. As jo­vens operadoras adquirem doenças da vista poucos meses apôs estarem na fábrica. A necessidade de óculos, as lágrimas a calrem pelo rosto quando. ao fim dum di3 de pro­dução continua, o cansaço lhes impede já de darem rendimento. E os chefes, os encar­regados não lhes dão tréguas, Impedindo uma paragem para descansar, exercendo pressões para aumentar os •standards·. ameaçando com o despadrmento. E elas -continuam até que um dia já não conseguem atingir o standard exigido. iE vem outro dia ~ outro. e outro ... Depois vêm as crises nervosas e e perspectlva breve do desemprego. Até que este acontece porque a operadora jovem já não consegue produzir o que e empresa impõe. Já não inte-

ressa. os seus olhos gastos já não se<Vem. O mêd.oo da empresa, contudo, vai-lhes di­zendo que elas estão boas, que aquilo. de se queixarem dos olhos, é · fita• para não trabalharem. Quando o despedimento surge. a indemnização é uma ridicularia porque as doenças de visão não são consideradas doen· ças profissionais.

Problemas de saúde

Todavia. não são só as secções que traba· lhem com o miscroscópio que têm problemas de saúde. Há outras.

- Na estanhagem nós trabalhamos com benhoe que levam ácidoe, cianetos e outras

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zação das mâquiruls e por mals wna es­treita ligação do operá.rlo à organização do trabalho. Os 5000 operários da Llsnave propuseram ao conjunto da classe ope­raria portuguesa, através da sua dura luta e s am o min1mo compromisso (não ao diá­logo com o patrão; recusa de eleger a comissão que o patrão pedia, na linha das palanas de ordem do P. C. ; ·resistência fisica à intervenção da policia), os objec­tivos que con:stitucm hoje a sua plataforma 11.11ificadqra: aumentos de salários substan­ciais para todos; pagamento dos 30 dias do mês, pagamento do 13.0 mês. Nestas três reivindicações, os inumeráveis movimentos de fábrica que se seguiram, ganhando os velhos centros industriais do norte (texte!s e metalurgia) até então relativamente afas­tados do movimento, acreecentam novas exigências que, por sua vez, depressa pas­saram ao nível de massa e foram retoma­dos em toda a parte: contra as horas su­iplementare., - 40 horas por -semana/36 horas por equipes - e feriados do mês pagos.

Esta série de objectlvos, saídos espon­taneamente das lutas e geradas apenas pelos trabalhadores, mostram claramente

coisas. Aquilo é um cheiro ... e infiltra-se nas unhas e, és vezes, temos de as arTancar.

As 1emperaturas nesta secção são oofo­cantes e não tem ar condicionado.

Não há máscaras e as protecções< (luvas e aventais) são ~nS\lficlentes. Os acidentes acontecem.

- Houve uma moça que ia ficando cegL Estava a despejar um bidon de ácido nítrico para um balde e saltou-'he para os olhos. Felizmente que não queimou s vista.

Aqui, como se vê, os processoe de trabalho são rudimentares. Um mínimo de mecanização, a utilização cem por cento do trabalho f'lormal.

- Não é como ela. têm lá fora. Aqui é só para remediar - diz,em as operárias - tiram dum lado e põem noutro ...

como a elas.se operária tende, em Portu­gal também, a não confundir trabalho e lucros: o que se pede não é a ~paga justa que o patrão pode dar>, mas o que a classe tem necessidade. o que determinou a auto­nomia do objectivo operário em proveito dos planos do Capital foi só trazer o de­sejo oo se apropriar da parte crescente desta riqueza social de que a classe ope­rária sabe doravante ser a produtora co­lectlva. Todas as hesitações actuals entre os dirigentes da economia portuguesa são determinada pela dificuldade crescente de conter o Impulso reivindicativo e os formas que ele toma, no Interior de um proveito restrito entre multo mais de trabalho e um pouco mais de salário.

A primeira coisa a fixar deste ataque é a capacidade demonstrada pela classe operária em alargar cada vez mais de­pressa e mais longe a sua luta. Em se­gundo lugar, fixar a rapidez e a extrema claridade com as quais os mesmos objec­tivos unificadores se impuseram à totali­dade da classe. Pelos objectlvos e pela forma de luta escolhidos, os operários por­tugueses situam-se no terreno através do qual a classe operária da Europa avança e a dos U.S.A. está em vias de fazer trans-

Estimular a divisão

A fábrica ,funciona M cerca de sete anos sendo a matéria-prima importada dlrectamente da Amél1e« em condições aduaneiras extre­mamente vantajosas para a empresa. O pro­duto manufacrurado é enviado para fábricas de montagem da ITT (para a Standard Eléctrt­cs. p.e.) e para a América.

O ordenado médio mensal ronda os 1 600$00 base. Têm os prémios - de assi­duidade, de eficiência (se ultrapassar o •stari­dard.), de qualidade. Um processo de estimu­lar a concorrência entre os trabalhadores que, para aumentarem o seu ma9ro salário, vão subindo constantemente a produção. Este ais-

parecer a sua autonomia desde 67-68, as­sentando nela as bases materiais da orga­nização de classe contra o plano capita­lista à escala mundial.

LUJS CASTILHO 0

(1) N. da R.: Do ponto de vista metodo­lógico, esta comparação entre a FAP e a LUAR carece de fundamento. Efectlva­mente a LUAR era uma organização que pretendia derrubar o fascismo por métodos violentos. A FAP era uma frente que, em princípio, deveria estar subordinada ao organismo polltlco que agrupava os corou· nistas (C.M.L.P. - Comité Marxista-Leni­nista Português). nascido de uma cisão com o J=>artldo Comunista. Os objectivos do CMLP·FAP Iam mais longe do que os da LU AR. Embora estivesse enfermado de erros esquerdistas, é de salientar o aspecto altamente positivo de ser a. primeira ten­tativa de arrancar a vanguarda do prole­tariado à direcção jâ não revolucionária do partido de CUnhal, e de a organizar em tomo de um programa marxista-lenl­nlsta.

tema de prémio adoptsdo pais ITT é explicado pelas operárias:

-O prémio de assiduidade é 1$00 por hora. Se uma moça não faltar dia nenhum durante a semana tem 1 $00 à hora. Por exem­plo são 48 horas, têm 48$00 por semana. Mas se uma pessoa faltaT um dia, automaticamente perde esses 48$00 e perde também todos os prémios daquela semana.

- Se a moça entrar mais de uma hora atrasada perde o prémio de assiduidade desse dia, ou seja 8$00, e todos os prémios desse dia. Ganha o dia menoe essa hora mas perde todos os prémios.

.=: evidente que, para que este sistema se

(CONCLUI NA PAG. 16)

Este artigo foi proibido pela censura Este foi o último artigo de CF que,

há precisamente duas semanas, a cen­sura fascista cortou Integralmente: ape­nas o exemplo mais recente de uma longa série de exemplos. Nos últimos meses, a delegaç!lo no n.mchal do cha­mado •exame iprévlo• enviava sema­nalmente para Lisboa afim de serem submetidos à apreciação da sede gran­de número de artigos particula~mente

sobre problemas do país -, que chega­ram por vezes a totalizar 80 a 90% do material oomposto na tipografia -, provocando a Impossibilidade de pla­nificarmos coerentemente o ]ornai e obrigando-nos a publicar os textos au­torizados (e raros eram c.s que esca­ipavam a cortes parcia1s) com atrasos de, pelo menos, uma semana, o que afectava sistematicamente a eua acrua­lidade.

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MOVIMENTO OPERARIO:

Os conselhos de fábrica em Itália Com a publicação deste texto, pretendemos dar a público os movimentos que, nos países indus­trializados, capitalistas ou «socialistas•, nos falam da tendência à autonomização, na prá­tica, do proletariado, e que têm surgido, em diferentes países, sob a denominação comum de «conselhos operários•. Menos do que uma teorização, que é indispensável, mas que nos ultrapassa, o nosso intuito é contribuir para a

informação sobre este processo onde vemos aparecer a classe operária agindo autonoma­mente.

Modelo de auto-organização das lutas, nova forma de democracia operArla, expe­riência de ccontrolo operário> única na Europa, os conselhos r epresentam hoje simultaneamente um contra-poder na fà. brlca e na sociedade, suscitando de resto especulações contraditórias no mundo po­lltlco. Os pensadores de D )lanlfesto sau­dam nos conselhos o primeiro embrião du­ma organização polltlca autónoma da clas­se operária, a abertura dum vasto movi­mento revolucionário ext erior às organi­zações históricas reformistas. l!: pelo menos o que diziam em 1969. Porque, desde então, notaram, dizem eles, 'uma hegemonia do sindicato e do Partido Comunista nos con­selhos. O que Importa, agora, para eLes, 6 libertar os operários revoluclonArios da dominação sindical e, através dela, da dom.Inação do PCL

IPaolo Ingihllesl, membro do conselho da A.MF-SASIB de Bolonha, escreve: cA t en­tativa de sindicalizar os delegados é pre­ciso opor o carácter autónomo que os torna capazes de atacar constantemente a orga­nização capitalista do trabalho. :E: prooiso portanto atacar-se o sindicato. Porque quase em todos os lados é o sl.ndlcato que acaba por dirigir a assembleia, por dirigir os conselhos de atelier e de fâbrlca, para os levar de facto a uma estratégia elabo­rada pelas centrais sindicais. Para nos opormos a este estado de coisas, é neces­sário esclarecer com mais força a pers­ipectlva polltlca e o papel que os novos organismos de poder operário podem t er para uma solução politlca>. ( cxtraido de «Oollettivi operai riunitl à TOrino», ln Il Manifest-0). Fascinação e desconfiança. em

Devemos assinalar - o que é talvez supérfluo - que este processo surge como a via de que o proletariado mais desenvolvido se tem dotado e como negação das tendências que se dão como papel o de timoneiro carismático da classe.

relação aos conselhos levam n Manifesto a uma falsa-hesitação, a uma espécie de capolo crítico> tlbubeante.

Do lado do grupo esquerdista. Lotta continua há mais a t endência para dizer cNós somos todos delegados> do que para gritar <Elejam os vossos delegados>, por­que toda a eleição, toda a selecção, per­mitem a formação duma nova carlstocra­cla operária>; ora. não deve haver nenhum mediador no confronto de classe que vê todos os dias afrontar-se dlrectamente na fAbrlca o operário e o patrã.o. Defendendo uma linha estritamente anarco-econornl­clsta - cO que nós queremos? Queremos tudo!>, é o hino de Lotta Continua - esta organJzação, que encontra um certo eco entre os camponeses-operãrlos vindos do Sul, estima que só uma coisa pode ccha­tear> o patrão: é que se lhe reclame con­tinuamente aumentos de salário. E mais nada. Sobretudo, nada de parcelas de poder. Uma cançã.o dJz mesmo: cSenhor patrão, se nos ofereces 10 liras, pedimos-te 100; se ofereces 100 pedimos mlb. Então, con · selhos ou não conselhos, que Importância. para a classe operária? No fim de contas desvia-se-a do seu verdadeiro combate ati­rando-lhe o osso Ilusório do autogoverno operário.

Uma mesma razão, na realidade, levam n l\lanifesto e Lotta Continua a desconfiar dos csovletes>: eles são o instrumento dos sindicatos; eles não podem trazer, no fim de contas, senão desilusões para os traba­lhadores. Mas as criticas não vêm só àa extrema-esquerda. Por razões Inversas, o patronato não poderia acomodar-se, ele, da e.efervescência continua, da greve perpé-

J. H. o

tua, do conflitualismo permanente a domi­cilio>, como diz a «Feder meccaníca», orga­nização patronal da metalurgia. Assim, fez saber às organizações sindicais que para os aumentos de salários, os prémios, as horas suplementares, bom, a gente podl'l entender-se, mas que era precíso, antes de se começar uma negociação colectlva sobre estes assuntos, definir um <estatuto dos conselhos operárloS>. Um estatuto para os <engaiolar>, limitando-lhes os poderes, clarificando as suas prerrogativas, fazendo deles um apêndice puro e simples do sindi­cato e se possível um gendarme dos traba­lhadores.

Recusa dos metalúrgicos. Como respos­ta, tensões e provocações patronais, ata­ques dos piquetes de greve, advertências, expulsões, despedimentos: de Novembro 72 a. Janeiro 73, a. Flat despediu 850 traba­lhadores, dos quais 200 delegados eleitos, e suspendeu 1200. Os conselhos tal como existem hoje são absolutamente não inte­gráveis pelo patronato. Porque põem em questão a organização lógica da empresa, bem como todas as previsões em matéria de custo do trabalho e de nivel da pro­dução. Com eles, um momento de irra­cional penetrou nas empresas: a subida dum poder operário autónomo que destrói os hAbltos contratuais, as habituais delegações de poder feitas pelos trabalhadores ao sindi­cato. Porque a cada. momento do poder patronal na. empresa, a cada etapa do processo de produção, responde a partir de agora um momento correspondente de contra-poder operário e de contra-organi­zação opei:Arla. A cadela de montagem com o seu chefe de cadela vê opõr se-lhe

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o cdelegado de cadela> eleito pelos traba­lhadores. O atelier com o seu chefe é con­frontado oom o delegado de atell.er, e o. direcção da fábrica com o conselho de fá­brica. Como o escreve Sergio Garavini, secretário-geral do sindicato OOIL do têx­til: cSe o t rabalhador é organizado pelo pa trão no atelier para produzir, estes ele­mentos de unidade e de organização, que o patrão define no custo da produção e do lucro, podem ser assumidos pelo próprio trabalhador como elemento de unidade e de organização>. («Structure dell'autonomla operaia sul IUO&"O dl lavoro>>. in «Quadernl dl Rassegna slndicale», 31-31) . Os trabalha­dores respondem assim, ponto por ponto, a todos os nlvels, à organização capitalista do trabalho.

Não são estas, como é evidente, as razões que avançam oficial e claramente os patrões. E les dizem de preferência : Nós t emos demasiados Interlocutores, que mu­dam a todo o momento, e que atacam demagoglcamente; nós perguntamo-nos, cm cada entrevista, em que medida são estes interlocutores válidos. Assim falava um dirigente da c.Federmeccanica» em De­zembro 72. E acrescentava: c1l: no pró­prio Interesse dos sindicatos que eu falo. Se eles deixam proliferar estes organismos duvidosos, vão perder todo o poder>. Amá­vel preocupação! Porque não reconhecer que o que inquieta o patronato é justa­mente esta slntese democrática que reali­zam os conselhos ent re o que querem os t rabalhadores e o que elaboram as direc­ções sindicais? Esta síntese que escapa, diga-se o que se disser, ao controlo dos dois grandes partidos que dominam a vida política Italiana: a Democracia Cristã e o PCI?

Os conselhos e o PCI Para o PC!, o sindicato renovado peloa

cconselhos> é praticamente Ingovernável e incompreenslvel. O PCI não se farta de declarar que se tentou utilizar politica­mente o fenómeno dos conselhos; que se tentou, arrastar o movimento operário para terrenos estranhos à luta democrática que a constituição fixa como quadro; que o desenvolvimento dos delegados, particu­larmente na metalurgia, comporta sérios riscos de corporativismo: não se orgulham os metal(Jrgicos de ser cos mais comba­tt .. -os>, os cmelhor organizados> e cos re­presentantes duma vanguarda operária>? Deste modo o PC! não perde uma oportu­nidade para acusar as estruturas verticais sindicais (federações de profissões) e glo­rificar as estruturas chorlzontals> que são, segundo ele, a particularidade mais Inte­r essante do sindicalismo Italiano. Dito Isto, o PCI, partido realista, confrontado com uma experiência com êxito - e a dos con­selhos, até agora, é positiva - assume, contraldo, o conselho como estrutura de base deste csindtcato nuovo> que ele não desejou precisamente.

A soldo dos sindicatos para uns, Instru­mento anti-sindical para muitos outros, os conselhos encontram-se apertados entre a repressão patronal e democrata-cristã, os exageros esquerdistas, os ataques dos sln-

CF -1\lalo 9, 1974

dicatos direitistas e as desconfianças do POI: P oderão eles resistir, quando a eco­nomia Italiana estremece, quando 1.200.000 desempregados se encontram na rua e o governo acentua o seu carácter autori­tário?

Mas o que são estes conselhos, estes delegados? Onde nasceram ? Como est ão eles organizados? Que significa a cauto· nomia de classe:. do c:sin dicato novo>?

Há act ualmen te 82.923 delegados em Itália e 8.101 conselhos nos sectores Indus­triais, na construção civil e nos serviços. As regiões mals fortes são a Lombardia, a Emllla, a Venet!a, a Toscana e o Pie­monte, quer dizer: o Norte industrial. Se se examlua a repartição por ramos de in­d(Jstrla, a metalurgia surge em primeiro com 2.556 conselhos e 39.943 delegadoi1, ou seja, wn delegado por 29 trabalhadores. Depois, a qulmlca : 803 conselhos, 11.658 delegados, ou seja, um delegado por 26 t rabalhadores. Os próprios assalariados agrlcolas tentaram organizar-se e em 4.511 empresas agrlcolas têm 5.540 delegados e 79 conselhos. No entanto, e apesar de tudo, o fenómeno dos delegados e portanto dos conselhos não conheceu um real desenvol­vimento senão na metalurgia.

Como e quando surgiram? Como e quando surgiram? Muita gente

pensou que t inham nascido espontanea­mente da imaginação operária no Outono de 1969, num vasto movimento de contes­tação radical anti-sindical. Esta tese ces­pontaneista>, que foi durante algum tempo a da esquerda da CISL e continua a ser a de muitos grupos esquerdistas, aflrml\ que o fenómeno dos conselhos não ê mais do que o produto da emigração massiva dos jovens rurais do Mezzogiorno para o Norte para procurar trabalho. Sem forma· ção industrial, sem formação sindical, sem qualquer consciência colectlva, estes jo­vens O.S., e os que tinham, como rurais, a autonomia dos seus gestos, são obriga­dos, rp. ex., a r ealizar a mesma operação repetitiva de 4 em 4 segundos - exprimem uma revolta global, irredutivel, ao mesmo tempo contra o t rabalho, contra a fábrica e contra o sindicato-traidor (Isto é exacto pelo menos no que toca a fábrica F!at de Turim, onde o cslndicato> era a SIDA, patronal). Como? Escolhendo, sempre es­pontaneamente, trabalhadores próximos de­les, expressã-0 de pequenos grupos de tra­balho : o delegado de cadela, o de atel!er, destinados depois a constituir o conselho de fábrica, simples colecção de todos os delegados. Houve mesmo delegados de pré­mio, delegados das cadências, portanto pessoas escolhidas para defender os Inte­resses imediatos e combater a exploração sem ser por intermédio do banzo sindical.

A aparição dos primeiros conselhos? Afora a experiência de 1920-21, a qual, mesmo não tendo grande comparação oor.i a experiência a ctual, continua a pesar na consciência operária, houve primeiro os modestos e balbuciantes fenómenos que se manifest aram nos anos 60. Em 1963, são assinados na f ã.brlca Indeslt os pr imei­ros acordos sobre os delegados, depois, em

65, na fábrica Castor . Em 67, um dos pri­meiros debates sobre o tema teve lugar no congresso dos cEllettrodomestlci bianchl>. Na conferência sobre a democracia sindi­cal, em Dezembro de 68, a FIOM pede que seja alargada a experiência dos conselhos de fábrica. A conferência de Milão (Julho 69) da FIOM/ FIN/UILM apela para a constituição de delegados em todas rui

empresas.

700 conselhos em 6 meses

E m 6 meses, são eleitos 700 conselhos, quando tinham sido precisos 10 anos para se fazerem 600 eleições sindicais. Num ano, 30 mil delegados são escolhidos, bem como 1.500 conselhos. Principal sector: a indús­tria ligeira. Empresa slmbolo: a Flat de Turim, onde um patronato de combate tlnha reduzido a ipouca coisa a e~ressão sindical. O outono quente de 69 vê desen­volver-se o sistema do e boletim branco>, que permite ao candidato a delegado não ter que Informar a que sindicato pertence. Em 1970, é a revocabillda de que se difunde. Depois dum perlodo de grande confusão - havia, em 70, fãbrlcas sem delegados, outras onde funcionavam as antigas co­missões internas e as secções sindicais de empresa, outras onde os delegados eram eleitos com uma etiqueta sindical, outras onde o eram com boletim branco, outras, finalmente, onde se encontravam ao mesmo t empo todas estas situações - os conse­lhos generalizam-se em 1972 sob a Impul­s ão sindical e mesmo nas categorias não Industriais.

Um homem novo A pouco e pouco, forja-se na empresa

um homem novo: o delegado. Eleito por 80 a 90% dos trabalhadores - portanto com um nivel de participação nunca antes atingido na história do sindicalismo - o delegado é , em 99% dos casos, membro dum sindicato. Está-se longe, como se vê, da definição antiga: Pode ser considerad~ , como delegado toda a pessoa que recebe r eclamações do g rupo do qual é express!l.o e do qual se faz Intérpret e. Chegava-se deste modo a situações absurdas em que u m director de hospital, porque tinha a confiança da s ua equipa, era escolh!do, sem eleição, sem nenhum critério, como dele­gado. Viu-se mesmo alguns fascistas do tipo grande falador serem designados para representar os trabalhadores dum grupo: era porque gr it ava:a mais :forte que os outros. Est es riscos são em parte ellmi· nados desde o momento em que o delegado toma a carta dum s indicato operãrlo an­t es, ou mesmo depois, da sua eleição. Eis o perfil tipo do cnovo delegado>, segundo um Inquérito levado a cabo em 6 grandes empresas, dent re as quais a Fiat e a Alfa­·Romeo: cUm individuo chegado à matu­ridade profissional (com cerca de 10 anos de casa) e na plenitude da sua experiência humana (30-35 anos)>. De ponto de vista pollt!co, segundo este Inquérito, 50% dos delegados estão próximos ou fazem parte dos partidos de esquerda, 38% dos de dl-

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reita, e 12% dos movimentos extra-parla­mentares. (No entanto estes números sã? muito contestados pelos sindicatos.)

A taxa de rotação dos delegados (du­ração do mandato de eleição) era ao prin­cipio muito elevada: mudava-se de dele­gado, visto este ser revocável a todo o momento pelo grupo que o elegeu, todos os dois ou t rês meses. Mas chegou-se en­tretanto a uma establlldade. Hoje, a clon­gevidade> médla do delegado é de um ano.

Eis entretanto que se chegou hoje a esta bituação estranha: os conselnos exis­tem, são fortes, combativos e bem organi­zados. Existem mas apesar disso estão em cr!ee. Ameaça-os um perigo: tomarem-se instrumentos de poder que não servem. Conscientes deste perigo, conscientes de que uma llha de conselhos de fábrica não tom lfeiltido num cerco burguês, os dil'igentes da metalurgia. têm tentado tudo para alar· gar os conselhos a toda a sociedade. Sair da fé.brlca, sair do ghetto: tal é o sentido do apelo lançado em Junho de 72 pelos três secretários-gerais da metalurgia.

Desde o apelo de Junho, todavia, apenas 81 coueelhoe de zona, ou região, se cons­tltw ram. E bem dltlcll nest~ contexto de refluxo e de repreesã.o geral - da parte d o pa.tronato, do governo, dos partidos, das confederações sindicais - .erguer estes organismos vivos, lntercategoriais, popula­<res, que são os coneelhos de zona. <lll exac­to, escreve Pio Gall na Unitá Operaia, que tais estruturas não se encontram ainda em estado de fazer progredir, através de inlclatlvaa concretas, o movimento das lu­tas>.

Então? Então, ó wn enorme ponto de interrogação que conclui - provisoriamen­te - a eta.pa actual do.s con8Ellhos em Itâlia.

MAIWELLE. PADOVANI (Adaptação de J6.llo Henriques) O

NOTAS

C.G.I.L. (Con!ederazione generale Ita­liana dei lavoro). Trê3 milhões de a.deren­tes. Tendência: P.C.I./P.S.I. Aflliação ln­temaclonal: F.S.M. (Federação Slndlcal Mundial).

C.I.S.L. (Confederazione italiana sin­dacatl lavoratorl). Dois milhões de ade­rentes. Tendência: católica. Aflllação int.: C.I .S.L. (confederação Internacional dos sindicatos livres).

U.I.L. (Unlone italiana dei lavoro). 800.000 a.derentes. Tendência: oocial-demo­crata repub.llcana. Idem.

FIOM: metalúrgicos da CGIL. FIM: metalúrgllcos da CISL. UILM: metalúr­glco.s da UIL. FIM: federação unitária reagruP.ando a FIOM, FIM e UTILM.

Entre Brandt

e Mitterrand

De uma demissão inesperada a uma eleição comprometida.

Os r.esultados da primeira volta das eleições presidenciais francesas (de algum modo decepclonantes para as esperanças de Mltterrand) e a demissão inesperada de Wllly Brandt como chanceler da Repú­blica Federal Alemã marcaram os últimos dias da actualldade poutica europeia.

Em França, a direita modernista Iden­tificada com Giscard ID'Estaing conseguiu cm certa medida ultrapassar as profundas divisões entre as forças conservadoras que a corrida à sucessão de Pompldou viria r.evelar. Mas o preço da poslçíi-0 reforçada com que Giscard se apresenta na segunda volta eleitoral - abrindo-lhe sérias pers­pectlvas de um t riunfo Imediato - foi o sacrlflclo do pretendido herdeiro do gaullls­mo Chaban-Delmas, cujo projecto mítico da cnova sociedade> - espécie de receita

mágica para um neo-capltallsmo ... chwna· nizado> - nll.o se Impôs a um eleitorado conservador mais sensivel à eficácia tecno­crática de cmanager> de Glscard d"Estaing. Reunindo apenas metade dos votos obtidos por Giscard, o fracasso da candidatura de Chaban assinalou simbolicamente o fim da dinastia gaulllsta.

Entretanto, a hipótese da vitória de Mitterrand na segunda volta aparece lar· gamente comprometida, devido à posição forte em que Glscard se apresenta. Os vo­tos dos gaulllstas hostis ao ministro das Finanças e as possivels manobras de seàu· ção dirigidas a alguns sectores do eleito­rado centrista serão suficientes para asse­gurar a maioria a Mlttcrrand? A vitória do candidato da <União de Esquerda> -apesar dos votos da extrema-esquerda, de que poderá agora beneficiar - depende da conju&"açll.o favoré.vel destes factor.es aleatórios.

Quanto à Inesperada demissão de Willy Brandt, aparentemente relacionada com um escândalo polltlco afectando lndirec­tamente o prestigio e a autoridade do chanceler alemão, ela terá sido Impulsio­nada por razões mais fundas. com efeito, as divisões e o mal-estar que ultimamente se vinham acentuando entre as fileiras do partido social-democrata - devido ao ine­vitável choque de posições entre as alas direita e esquerda do partido -, além de um progressivo desencantamento do elei­torado perante a via reformista de Brandt, haviam começado a abalar, há já largos meses, a t radicional Imagem de segurança e decisão que o chanceler cultivava. Nestas condições, o escândalo pollt!co teria de­sempenhado apenas o papel de detonador de uma situação progressivamente dete­riorada. Mas as dificuldades de Brandt são também caracterlstlcas das contradições que corroem a coesão interna do partido social·democrata alemão.

V. J . S. 0

A ITT e a indústria electrónica (CONCLUSÃO DA PAG. 13)

mantenha a empresa conta com a •eficiência • dos supervisores que, sem conhec'mentos técnicos do trabalho, exercem uma vlgílência cerrada sobre as operadoras obrigando-as a um constante <estado de tensão que ee arrasa física e psiquicamente.

Controlo de produtividade

Verif1cãmos as condições em que trabalham as operadoras da ITI. Não obstante. porém. todo o controle exercido a fim de aumentar os ritmos de trabalho, o direotor da empresa anunciou, recentemente, algumas medidas que irão afectar ainda mais os trabalhadores. Pre­tende a empresa a criação de programas de controlo de produtiVidade, quer dlrectos- quer Jndlrectos, com vista a obter um aumento da ordem dos 15%. As trabalhadoras ficarão, assim, eujeltas a sanções se ficarem abaixo

dos padrões estabelecidos. Para além disso, anunciou ainda o director,

um controle ainda mais rígido do horário de trabalho com medidas disciplinares para quem •ignorar• os horárlo9.

Todas estas medidas e9tão relacionadas com a revisão do Contrato Colectivo de Tra­balho que as empresas do ramo do Material Eléctrico e Electrónlco consideram ser lesivo dos seus- interesses. Para empresas como a ITI - Standard Eléctrfca habituada ·a lucros fabulosos (em 1972 estas empresas tiveram um lucro líquido de 37.815 mil contos) um aumento de salários, mesmo mlnimo, e melhores con­dições de trabalho são considerados como incomportáveis com a estabilidade da empresa no nosso país.

E, assim, os trabalhadores vêem ameaçado o seu emprego pois jé se fala em qualquer coisa como 500 despedimentos em perspeotiva.

LUISA PIMENTEL 0

OF-Maio 9. 19'14

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A escala do racismo francês

Nem todos os imigrados sofrem a mes­ma dose de desprezo e de ódio da parte do cidadão i :ancês. Em primeiro lugar estão os árabes e, dentre estes, os arge­linos. Razões históricas acumuladas aos motivos económicos.

Por outro lado, donde velo este pro­blema da falta do petróleo? - Dos árabes. E é que já nem se pode chegar ali, em frente do Cairo, de Argel ou algures, apon­tar o canhão da fragata e avisar cou abrem a tornelra ou fazemo-los em cacos• . O.> tempos são outros, as forças diferentes. Que o reallsmo se sobreponha à nostalgia de prlv1légios perdidos.

E assim, esta coisa ttLo contraditória e tão real: os mais detestados s1lo os mais apadrinhados. Na verdade, se os árabes são o alvo preferido e prloritório dos gru­pos fascistas franceses, eles são também a fracção da Imigração em França que tem a primazia nas sollcltudes do progres­sismo francês.

A única imigração que tem hoje em França uma intervenção vlsivel, que de­senvolve uma luta de protestos ou de rei­vindicações de forma autónoma e de mas­sas é a árabe.

A participação de Imigrados doutras nacionalidades em acções próprias (greves, manifestações de rua, comi cios, etc.) é relativamente muito menos Importante. Re­sultado, a nosso ver, por um lado dum menor afrontamento racista (os outros, que não os árabes, são mais tolerados, mesmo casslmllá\·eis>) e, por outro lado. dum menor poder de manobra da parte dessas nacionalidades (os poços de petró­leo do outro lado do Mediterrâneo dão trun­fos, pelo me.nos polit!cos e Imediatos, i't

CF - ::11aio 9, 197-l

DOSSIER

Duas faces do racismo

Para além daquela rotina racista que é de todos os dias, os sentimentos e as agressões racistas voltaram recentemente a ocupar de novo um dos primeiros lugares no espírito dos franceses. Numa mesa-redonda em que participa a única testemunha de defesa de um imigrante portu­guê~ acusado da morte de um polícia francês, analisa-se um caso exemplar da questão do racismo.

acção autónoma dos trabalhadores árab<?s nos países Industrializados da Europa).

Uma imigração com voz própria

Combater o paternalismo progressist3 fac" à Imigração (chamomos-lh.e aclm.l racismo progressista) não será. remeter ine­vitavelmente os imigrados para o isola­mento e, portanto, para uma posição ainda mais vulnerável que aquela cm que já se encontram? Não será. virar as costas às solidariedade operária ao Internacionalis­mo proletário?

Diremos que tudo o que contribua pan apagar as cont radições da realidade é mis­tificante e reaccionârlo e não progressista nem transformador. Por Isso, o primeiro

gesto de real solidariedade da parte das or­ganizações políticas e sindicais francesas se­ria reconhecer essa efectlva contradição de Interesses e a necessidade e o direito de os Imigrados se baterem, enquanto tais, autonomamente, por eles.

O racismo é uma consequência inevi­tável do desenvolvimento desigual do capi­talismo. Um fascista assim como um pro­gressista idealista, dirão que cada naclo­nalldad.e deveria permanecer no seu pai~. o primeiro alegando que as misturas tra­zem a decadência dos povos, o segundo, que os governos devem proporcionar boas condições de existência a todos os seus cidadãos. São questões que tratam do que deveria ser e não do que é, duma establll­dade ou harmonia ideais e não da dinâmica real dos modos de produção.

Um paternalista progressista dirá que os proletários de todos os paises são Ir­mãos e que o racismo tem as suas raízes em preconceitos culturais e sobretudo em manobras reaccionãrlas. Por Isso o ope­rãrlo francês não tem razões reais para se opor ao operário Imig rado e este não tem motivo para não ser solidário daquele. Conclusão: não hã motivo para lutas (e organizações) autónomas, contraditórias até.

Ora, enquanto os Imigrados não reco­nhecerem o logro desta teoria eles nã., contarão na disputa e gestão de interesse~ da sociedade em que estão Integrados e a sua passividade sindical e política serão um peso mais a juntar à sua inferioridade económica. Terem voz própria, isto é, fa­zerem valer os seus ln teresses especificos. é coisa que s6 deles depende. Porque nunt a nenhuma camada social deu por si o que tem de privilégio.

Quanto mais estes tempos são de crise, mais estas realidades parecem vir ao de cima. Abençoado petróleo.

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Mesa-redonda O acaso pôs-nos em contacto através dum casal francês nosso conhecido, com a única pessoa francesa que se dispôs a ser testemunha de defesa do imigrado. É da conversa que tivemos com os três a propósito do acon­tecimento e da imigração em geral que aqui damos uma transcrição relativamente abreviada. É um testemunho cujo interesse fundamental é o de ser directo e de representar um material mais para o dossier «imigração,,, Claude Bonneault, professor de liceu em Massy, arre­dores de Paris, onde reside. Françoise Bonneault, sua mulher. Brigitte Courrer, empregada num liceu em Poitiers.

Está na cadeia, vai para um ano, um português que matou um polícia francês. Na altura, a imprensa mais reaccionária noticiou assim o acontecimento: ·POLICIA MORTO POR UM LOUCO - Lucien Hacquart, 51 anos, funcionário dos serviços técnicos da Prefeitura de polí­cia, foi morto por um homem que empurrou a sua esposa. O assassino, depois de se ter posto em fuga, foi preso. Trata-se de Daniel Rodrigues, 34 anos, português, ma­nobra».

S. M. - Brigitte, queres dar-nos a tua. versli-0 do «assassinato» praticado pelo português na pessoa do 'policia francês, uma. vez que já. possuímos a versã-0 da imprensa?

Brigitte - Eu estava de passagem em Paris e encontrava-me naquele momento no local em que se deu o conflito, Place de la Natlon. Repentinamente chamou-me a atenção dois homens que passaram por mim em corrida. Segundos depois ouvi gri­tos e vi um dos homens que passara por mim gritar para outro, ao mesmo tempo que o abanava: «Tu empurraste-nos, tu empurraste-nos:>. O homem que era acu­sado de ter empurrado procurava liber­tar-se e desculpar-se. Mas o que o acu­sava insistia sempre, abanando-o provo­cadoramente: <Tu empurraste-nos, tu em­purraste-nos:.. Uma amiga que se encon­trava comigo comentou: «:€ incrivel, toda a gente se empurra em J?aris nos passeios, por que é que hão-de agarrar aquele>. De­pois, Jlouve um momento em que o acu­sado de empurrar conseguiu libertar-se e tentou partir. Mas o que o acusava correu sobre ele e atirou-o brutalmente ao chão vibrando-lhe primeiro um pontapé no baixo ventre e de seguida, enquanto o outro se dobrava, um soco no rosto. Eu dizia para a gente que entretanto ·se juntara: C!Fa-

' çam qualquer coisa, separem-nos,,, mas ninguém fazia nada. Ouvia-se perfeita­mente o som dos murros que aquele que acusava dava no outro. A certa altura, um outro que acompanhava aquele que batia - soube-se depois ser seu filho - ­atirou-se também ao que era acusado. Nessa altura ainda houve uma mulher que gritou: cNão, todos contra um não>. De­pois não vi nada mais, juntara-se muita gente, era horrlvel, fui-me embora. Já não vi o português puxar da na.valha e espe­tá-la naquele que o ata.cara.

s. M. - P areoe-te q:ue a gente que se Juntara tinha. consciência de que se tratava duma disputa entre um francês e um imi­grado?

Brigitte - Sim, sim, toda a gente esta­va certa disso.

S. l\I. -Tu tinhas-te apercebido disso t ambém no momento?

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Brigitte - Sim, imediatamente, por causa da fisionomia do que era acusado. Aliás, o prazer de toda aquela gente no espectáculo que presenciava, para além do gosto que sempre terá para ela uma cena de violência, não pode desligar-se do facto de que se tratava dum imigrado.

S. M. - O que motivou que tu te tenhas vindo a encontrar na condição de teste­munha de defesa dum imigrado? Por que te ofereceste para testemunhar?

Brigitte - Foi uma reacção primeiro perante um caso revoltante de um homem QUe era agredido. Mas é verdade que a mi­nha reacção foi também provocada por sen­tir que aquele que atacava o outro e a vio­lência de que usava não aconteciam por acaso, mas 'porque ele via que tinha na sua frente um outro homem de tipo meri­dional. E a minha reacção veio ainda mais quando vi que a imprensa adulterava completamente a verdade, apresentando o português como um louco facínora.

S. M. - Que disseram os teus amigos ao saberem que te ofereceras como tes­t.emunha de defesa do português f

Brigitte - Acharam bem.

O racismo no quoticl iano

S. M. - Mas não há racistas onde vi­ves, entre as . pessoas que t;e rodeiam? Seria bom que falássemos, para além dest;e caso particular, do racismo em geral. Vooês têm conhecimento desse racismo, encon­tram-no na vossa vida quotidiana?

Brlgitte - Claro que há, os meus ami­gos acharam bem porque os meus amigos, esses meus amigos, são contra o racismo.

'Françoise - Para já, no plano da lin­guagem, as pessoas são claramente ra­cistas.

Brigitte - Num caso a que assisti, em Poitiers, um grupo de argelinos discutia alto com alguém. Uma mu1her que passava comentou de alta voz: «Ah, eles vêm fazer a lei no nosso pais, olhem para isto, vêm fazer a lei no nosso pais».

Françoise - E há a história de Yves,

que tomava o seu café num pequeno bar dti Poitiers, onde ia de costume. Um dia em conversa com o dono do bar, falando-se da tranquilidade do bairro, disse-lhe este: cAh, desde que pus a mexer tod-0s esses árabes está-se bem melhor aqui>.

s. M. - Tu falaste de racismo no plano da linguagem. Queres concretizar?

Françoise - Por exemplo, palavras que designam os imigrados norte-africanos: «ratão», c:bougnoule> (sem tradução - SM), etc. São palavras que se ouvem a cada momento. Um dia entre! numa loja, em Montparnasse, para comprar cenouras. O dono do estabelecimento comentava em conversa com uma cliente: «Ah, todos esses árabes, cambada de <ratões>, desde que eles invadiram o bairro julgam-se na sua terra, na sua Medina». E etc. No plano da linguagem, o racismo ouvimo-lo a cada momento e por todos os cantos.

Brigi tte - :m interessante notar que essa gente racista que não gosta dos !migrados em geral tem as suas preferências pessoais. Encontra-se com frequência, mesmo no melo estudantil (falo lá do liceu em que estou), aquele que diz: <Cá eu não gosto dos negros, mas simpatizo bastante com um tal». Eles têm o eeu negro, o seu árabe, o seu português ou espanhol.

A mentalidade racista

Claude - Sim, aliás isso é frequente­mente motivo para os levar a dizer: «EU não sou racista porque até sou amigo dum português ou dum norte-africano». Apa­rentemente um paradoxo, esta sua ami­zade por um !migrado simpático acentua a sua mentalidade racista. Essas pessoas têm no fundo os mesmos preconceitos ra­cistas e as boas relações que podem ter com este ou com aquele copain imigrado não anulam a sua visã.o racista do estran­geiro.

Françoise - São relações paternalistas. 1!l o bom civilizado que se aproxima do pobre imigrado. Trata-se duma generosi­dade, não duma relação de igual para igual. 1!l uma condescendência. Basta ver o guar­da do prédio aqui onde moramos. Trata

CF-Maio 9. 1971

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os pretos que despejam os caixotes do lixo por cmeu filho>, centão, como vai isso, meu filho>. O que não o Impede, antes pelo cont rário, que o seu <filho> lhe lave o carro a troco duns tostões. Por outro lado, a par desta relação paternalista, há a outra, caracterizada pelo desprezo t ota l. No dia em que nos Instalámos neste apar-

- tamento, ao passar pelo varredor do pré­dio, que é árabe, disse-lhe: cBonjour mon· sleur>. Ele ficou tão espantado que quase não me respondeu. As pessoas do prédio não o saudarn quando passam por ele.

S. l\f. - Tu já tens falado com franceses que ni'l.o sejam anti-r acistas sobre o ra­cism o?

F rançoise - Sim, com o meu irmã.o, por exemplo. Ele diz com toda a facilidade e

• a cada Instante cos ratões>, ao referir-se aos norte-africanos.

S. M. - Que 6 que ele faz, há !migra­dos onde vive?

F rançoise - Ele é comerciante, na pro­víncia, numa pequena terreola, onde até nem há. imigrados. E le nem os conhece.

S. M. - ~ um ódio abstracto, cultural ...

Françoise - Não, nem sequer é ódio, é m imetismo. E le é racista porque tem aml­g os que fizeram a guerra da Argélia e lhe f alam dos á.rabes.

S. l\l . - No liceu aqui em :'llassy, M manifestações visíveis de racismo, parti­cularmente entre os alunos?

Claude - Muito raramente, do que co­nheço. Suponho que entre os meus alunos há alguns que são racistas, mas sabendo o que penso não ousam manifestar-se. Não posso por isso apresentar factos de racis­mo por mim presenciados enquanto pro­fessor.

S. 1\( . - Há alunos filhos de imigrados?

Claude - Hã alunos filhos de norte­-af ricanos, mesmo entre os meus alunos. Também há alunos portugueses, embora

• não entre os meus.

S. M. - Tens wna Ideia de como se passam as r elações entre os alunos fran­ceses e os alunos imigrados 'l

Claude - Não, não multo. Mas posso dizer que, primeiro, os alunos filhos de Imigrados, sejam . á rabes, portugueses ou outros, frequentam sobretudo o OET (cur­s o de ensino técnico) . No meu liceu há

• dois cursos, o OET e o Lycée Technlque. O OET é um ensino profissional, os alunos saem em principio aos 16 anos com o respectlvo diploma. T rata-se dum ensino destinado à Integração imediata na pro­dução. Encontram-se ai franceses e estran­geiros, mas os alunos filhos das camadas mais pobres são os que em principio o frequentam.

CF-l\falo 9, 19H

Franceses e estrangeiros

S. 1\1. - Vooês conhecem pessoalmente outros estrangeiros além de mim? Per­gunto sobretudo se v<>oês ~m relações pes­soais regular es com outros estrangeiros.

F rançoise - Com portugueses, não. Tal­vez porque é uma lmlgração relatlva:nente r ecente em comparação com outras. Mas conhecemos norte-africanos desde há mult-0 tempo, de relações feitas aqui. Dois tuni· sinos e um arg elino.

S. 'M. - E espanhóis 'l

Claude - N ão.

S. :u . - A questão que 1>onho 6 esta: l))á..me a impressão, por aquilo que conhe­ço, que os franceses ou são r acistas e de­tes tam em p rimeiro lugar os á rabes ou então nllo são r acistas, são mesmo mill­tantes anti-racistas, e nesse caso 6 com os á rabes que estabelecem mais facilmente as suas relações. Porque atinai não hA

assim ttio poucos portugueses e espanhóis, por exemplo, e desde Já. hA bastantes anos.

Françoise - ~ preciso dizer que nós vivemos bastante tempo em Poltlers, cidade não multo industrializada onde por isso a massa imigrada não era grande. E na universidade de Poltlers os estudantes estrangeiros também não eram multos.

Claude - Bem, havia um número ra­zoável de estudan tes estrangeiros, apesar de tudo, norte-africanos, mesmo negros. Mas nli.o havia portugueses nem espanhóis.

S. l\f. -1\fas aqui, agora, vocês t.êm rela~.ões com outros estrangeiros? P onho a questã-0 por isso: Vocês são pessoas de extrema-esquerda, interessan>-se por pro­blemas e por lnlciativas que aparentemente conduziriam a uma fácil, frequente e lar ga comunicação e encontro entre franceses e imigrados de múltiplas nacionalidades. Não obstante, vocês conhecem poucos Imigra­dos e mesmo assim só árabes. Quererá isso d1%er que mesmo os mllltantes políticos Imigrados, ou os imig rados que sem serem militantes se inte ressam por polftica ou por iniciativas que r espeitam à Imigração, inclusive os imigrados ln t.eleetuals - como vós -, estão apesar de tudo separados de vós, longe de vós?

Françoise - Sim, Isso é verdade, falo do que conheço. Em Paris mesmo, será mais fácil essa comunicação e encontro, e menor o fosso. Mas nos arredores de P aris é diferente, é difícil. Sobretudo nos grandes aglomerados habitacionais como este, onde as pessoas não se conhecem. Allâs, n em os franceses se conhecem.

S. 1\1. - lias em P oitiers 6 dilerente, os Imig rados estão menos longe dos fran­cese& 'l

Brlgltte - Não, o fosso é o mesmo. Mesmo no meio estudantil, onde aparen·

t emente seria mais fácil . Alguns estudan­tes estrangeiros que tenho tido ocasião de contactar falam do peso do seu Isola­mento, de estarem sós entre si. E os que já conhecem outros palses disseram-me que encontraram maiores dificuldades em França quanto a este problema. Penso, por exemplo,· num grupo de estudantes paquistaneses que, após as aulas, ficam Inevitavelmente sempre entre eles, e mais ao domingo.

O francês médio e os imigrantes

S. ~L - Há uns llS dias f alei pela pri­meira vez dos imigrados com um pequeno empresâr lo de decor ação. i: pled•noir (!ran· cês da Argélia ) e partlu como os outros, após a independência da. Argélia., para. vir Instalar-se em Paris. Tem ao seu serviço vár ios imigrados, entre eles alguns portu­gueses (pintores, estu~dores, manobras). Pois em conversa comigo, desconhecendo a minha nacionalidade, começou a fazer os comentários mais desfavoráveis a âra­bes e portugueses. Não sei porquê, talvez u m caso particular, ele a tirava-se sobre· maneir a aos portugueses, r evelando por elea os maiores desprezo e ódio. «Gritam:, dlS<mtem alto, fazem bal'Ulho, elio sujos, sõ t.êm manha., não se lhes pode fazer confiança, se se vira as costas enganam­·nos» - dizia ele. E , nllo obstant.e, tinha-os ao seu serviço. Por conveniência, claro. Mas seria interessante eondar mais pro­f undamente os sentimentos deste homem, deste tipo de francês, que quase se poderia dber dos franceses, pois o seu exemplo r epresenta uma parte multo considerável, senão mesmo maioritária., dos franceSH.

O fr ancês médio pensarâ. r ealmente que o melhor 6 correr com os Imigrados, ou, antes, que não podendo passar sem eles, o melhor 6 criar um estatuto de coexis­t.êncla com essa «escória» T Haverá. nesse francês m édio qualquer lndlclo de aceita­ção duma fUsão de nad.onalldades T

Brtgltte - Isso depende multo do melo social. Por exemplo, os pequenos-funcio­ná rios. F alo dos pequeno-fUnclonárlos jâ que vivi no selo duma f amllla pertencente a esse melo. O que posso dizer é que numa famllla de vinte pessoas, as vinte pensam que a França é a vaca leiteira de toda a gente oriunda de palses como Portugal, Itália (há uns anos at râs h avia muloos operários Italianos na construção civil), J ugoslâvia, países árabes, etc. Sempre lhes ouvi dizer Isso e ainda hoje lhes ouço dizer a mesma coisa . E não me parece que eles tenham o minlmo desejo de que a constitu ição física ou r acial da F rança passe a ser outra, de modo nenhum. Eles reconhecem aos imigrados certas qualida­des, dizem c:é o bom trabalhador>. Reco­nhecem também uma certa escala entre os Imigrados. P or exemplo, os lmlgrados portugueses e italianos (no tempo em que

pál:'ina 19

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também estes eram numerosos) sã.o cgente muito boa para as obras, ajeitam-se multo>. Preferem por isso lidar com eles do qu.e com os ârabes. Mas ainda o mais nltldo é em relação aos negros, porque esses parecem ainda mais tâcels de tratamento e se apresentam ainda mais obecllentes e cumpridores.

Françoise - A tenção, certos negros, nem todos, os negros de certos domlnlos antigos ou actuals da França, por exem· pio, da Martinica. Porque os outros negros não, aqueles negros qu.e começaram a v1r, posteriormente, da Mrlca negra.

Brlgltte- E Isso. Mas de qualquer mo­do está fora de questão para aquele tipo de fran~s qualquer hipótese de assimilação ou mesmo de Igualização social.

A má-consciência

s. M . - Uma outra coisa, no plano da J.CÇão politica. Por exemplo, meml>Tos do PSU, trotsky11tas, ou malostas, que em principio estão do lado dos Imigrados e que se propõem e tentam desenvoh·er nmn luta lado a lado com os Lmlgrndos, fa:i:em­·no frequentemente - há e.xcepções, claro, mas o caso 6 multo comum - duma for­ma bastante racista, quer dizer, na me­dida em que ela se reveste de e\1dente paternalismo, ou então duma falsa gene­rosidade, que 6 uma forma oportunl.sta de «apauhan o imigrado. P or exemplo, quan­do eu pertencia. à Liga P ortuguesa do E n· sino e da Cultura P opular (LPEOP), n6s éramos muito solic itados por membros do P SU, por trotskystas, por maoistas, etc., etc. Eles desejavam estabelecer relações connosco, e para ganharem a nossa prefe­rência Jogavam com aquilo de que sabiam termos necessidade: salas de rennl!to, ma· terlal tipogrMlco, etc. Diziam-nos: vooês podem servir-se desta ou daquela nossa sala, deste ou daquele dllpllcador, etc. l\fns ao fim <le pouco tem1>0 nós viamos qu~ eles faziam Isso não verlladelramente por um acto de solldarle<lo.cle mas sim porque lhes interessava, relativamente aos outros grupos polltle-09 franceses, mostrar diga· m os a sua «reserva» de imigrados, para poderem di:i:er: «ll!lt1io a ver, nós estamos ligados à massa Imigrada». na.ver!\ nisso, de qualquer forma, algo de positivo, de objectivamente positivo, mas ao mesmo tempo algo de profundamente oportunista. A verdadeira solidariedade sal daqui multo maltratada. o imigrado fica com o senti· mento, aUAs, com ra.zão, de ser tomado por esses miUtantes france~ como sim­ples objecto manipulâ, ·eJ, como mero peão no jogo da politlca entre grupos franccse!I.

Claude - Isso é verdade, eu conheço. E há também por detrA.s dessa atitude um sentimento de má-consciência perante esse fenómeno face ao qual se sente um sentimento de Impotência, desse fenómeno que é uma massa Imensa de pârlas, de homens super-explorados e super-oprimi­dos, que dlr·se-la Iriam fazer explodir dum

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momento para outro toda a engrenagem da nossa sociedade, rebentar com o sis­tema, e afinal não, nem eles se revoltam nem a gente consegue fazê-los revoltar­-se. Então, procura-se fazer qualquer col­~a, para nos da rmos uma ilusão. Isso d1> que tu falas nem sempre é um simples jogo oportunista entre grupos polltlcos franceses disputando-se ent re si o ccon­trolo> ou a cmobillzaçâo> da massa Imi­grada. As vezes, não poucas, é também um mero cristianismo. Por exemplo, aguei•? Intelectual ou militante de ex tr ema·esque1·­da r adicalmente em conflito com esta sociedade, Inclusive com os aparelhos e a actuação reformistas, que, na lmpossibl· lldade de outra coisa, o facto de ter um conta cto com imigrados, de lhes pôr :\ disposição Isto ou aquilo lhe dá um cert.o conforto moral, uma certa auto-satisfação moral, ou até política se -quiseres.

Uma voz ausente

S . :lf. - Hoje encontra-se na França uma massa enorme de imigrados, alguns milhões (pelo menos dois), inteiramente Integrada nas rodagem1 econ6mlcas da sociedade francesa, no centro da produção, e, no entanto, ninguém a. vê, ningoém a. sente, politicamente falando, como força sindical, como força social, como fo~a

de pressão política, com uma. intervenção própria. Os partidos e sindicatos falam dela, «pre<>oupam-se» com ela, mas apenu no quadro das suas disputas e arranjos politlcos, das suas manobras eleitorais, para o parlamento eu para os órgãos da admi­nistração local. l\fas a imigração, ela pr6· pria, não fala, não tem expressão, níLo obstant.e o militantlsmo que exis te no seio ela. imigração por part.e de franceses <'

sobretudo de bnlgra<los. Vooês, qualquer pessoa, sabem através da imprensa, dos eomiclO!I, da• manifestações, por exemplo, o que querem 0 1 pequeno-comerciantes, ou Oll tunclonArlos públicos, ou os profesS-O· res, ou o. metal6rg!COli, ou os ferroviários, etc. Mas quanto aos imigrantes, quanto a. estes ou aqueles Imigrantes, vooês sa­bem, vooês couvem-n<>s> !

F rançoise - De modo nenhum, ouve-se a au~ncla. A gente encontra a imlgraçã-:> na vtda quotidiana, a gente sabe dos imi­grados enquanto pã.rlas, porque há os con­flitos que constituem o fenómeno racista, hâ as brigas, há as mortes, há as casas que caem, há os desalojamentos, e por isso a gente encontra os Imigrados. Mas depois a gente não os encontra no tecido político, nem no da expressão dos Interesses sociais, nem profissionais. 1ll como se eles fossem milhões de pequenos bichos que habitam um corpo a cujo organismo não perten­cem. A gente sabe que eles exlstem porque a gente se coça, porque há Irritações. Mas eles não pertencem ao corpo, à sociedade.

O ghetto

Claude-Sem d11v1da. Mas mais : Por exemplo, no nosso melo, professores ou empregados de liceu, nem sequer existe esse contacto lnfra-soclal, de saber que o cblcllo> existe porque a gente se coça. porque o encontra, os Imigrados são com­pletamente Ignorados, na medida em qlv.' sendo-se professor ou pequeno-funcionário ou out ra coisa assim e se habita num bairro onde nã.o há praticamente imigra­dos, as pessoas não chegam sequer a vê-los. Eles sã.o Imensamente numerosos em todo o pais, podem ~-lo mesmo tam­bém no próprio bairro, neste bairro de professor ou de pequeno-funcionário, mas ninguém os vê. Por exemplo, em Massy, aqui mesmo, há muitos Lmigrados, muitos portugueses, mas para os ver é preciso Ir aonde eles estão, lá. no bidonville, no seu canto ou no seu café ou bar.

Françoise - :e o ghetto.

Claude - :lll Isso, é o ghetto. l!: claro que eles estão ausentes da vida poutica e mais alnda da v1da politlca das organizações :francesas. Quando vou a uma reunião do PSU, por exemplo, ou doutras organiza­ções de esquerda, nunca há Imigrados ou se há, quando há, são pouquissimos. raros.

Françoise - Tu lembras-te da reunião a que fomos aqui, em Massy, sobre a Pa­lestina, o ano passado. Havia alguns norte­·afrlc3nos, mas poucos, e no entanto são numerosos em Massy. Em 200 ou 300 pes­soas presentes, havia uma dezena de norte­·afrlcanos. E a sua presença foi totalmente passiva, nem questões puseram. Curioso, nll.o me esquece porque Isso feriu a minha atenção, eles vieram à reunião todos bem vestidos, com camisa e gravata, apesar de terem trabalhado todo o dla.

J . A. SILVA ;\IARQUES [}

OF - Maio 9. 1974