A BORBOLETA QUE DANÇOU DE MESTRA

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- Capítulo 2 - O BATIZADO DA BORBOLETA Naqueles velhos tempos, a religião católica que pretendia ser a única, era levada muito a sério. Ou se era católico ou crente e, estes, nunca eram bem aceitos entre os membros da santa madre igreja. A segregação e discriminação era explícita e tinha a aprovação geral de todos. Havia até uns mais radicais que apelidavam os não seguidores do Vaticano de “bodes”. E é claro que na hora das compras básicas o bom católico não ia buscar o pão da tarde na padaria do irmão Joab ou comprar rendas e bicos na lojinha da irmã Midiã. E foi nesse ambiente de Irlanda do Norte sem arsenal bélico que, novinha ainda, a pequenina mini Aline foi levada à Pia Batismal, por seus zelosos pais, guardiães da fé cristã. Na época do batizado, a família havia mudado de residência e estava habitando uma ampla casa, estilo solar, na Rua 13 de Maio. Quebrando uma tradição da época, os pais de Aline não tiraram o nome da criança da folhinha de nomes de santos. Seu nome tem a seguinte origem. Maria, por que a menina havia nascido laçada e, caso não lhe fosse dado aquele nome, ela poderia vir a morrer queimada. Quanto à Aline, originou-se de um desejo da mamãe, quando estava grávida da pequena. Dapaz sentiu desejos de comer goiabas e juntamente com J. L. dirigiu-se à casa de seu Né Coelho e dona Toinha, onde

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- Capítulo 2 -

O BATIZADO DA BORBOLETA

Naqueles velhos tempos, a religião católica que

pretendia ser a única, era levada muito a sério. Ou se era

católico ou crente e, estes, nunca eram bem aceitos

entre os membros da santa madre igreja. A segregação e

discriminação era explícita e tinha a aprovação geral de

todos. Havia até uns mais radicais que apelidavam os

não seguidores do Vaticano de “bodes”. E é claro que na

hora das compras básicas o bom católico não ia buscar

o pão da tarde na padaria do irmão Joab ou comprar

rendas e bicos na lojinha da irmã Midiã.

E foi nesse ambiente de Irlanda do Norte sem

arsenal bélico que, novinha ainda, a pequenina mini

Aline foi levada à Pia Batismal, por seus zelosos pais,

guardiães da fé cristã.

Na época do batizado, a família havia mudado

de residência e estava habitando uma ampla casa, estilo

solar, na Rua 13 de Maio.

Quebrando uma tradição da época, os pais de

Aline não tiraram o nome da criança da folhinha de

nomes de santos. Seu nome tem a seguinte origem.

Maria, por que a menina havia nascido laçada e, caso

não lhe fosse dado aquele nome, ela poderia vir a morrer

queimada. Quanto à Aline, originou-se de um desejo da

mamãe, quando estava grávida da pequena. Dapaz

sentiu desejos de comer goiabas e juntamente com J. L.

dirigiu-se à casa de seu Né Coelho e dona Toinha, onde

frutificavam as melhores goiabas da região. Na

realidade, não era época da fruta e todos, olhando

ansiosos para os galhos mais altos da goiabeira,

começaram a procurar uma frutinha por pequena que

fosse. De repente, papai João Luiz exclamou eufórico e

entusiasmado:

- “Ali, Né”, tem uma goiaba madura!

Foi daquela exclamação que a mamãe Dapaz,

além de obter a fruto do seu desejo de gestante,

conseguiu uma boa inspiração para colocar o segundo

nome do futuro rebento: Aline. Este fato desconhecido

de muitos, foi fruto de longa pesquisa da estudiosa de

genealogia e heráldica, Leda Maria.

Os padrinhos da garotinha, escolhidos entre

amigos próximos, moravam no vizinho distrito de

Caracituba, futura cidade de Primavera de Santo

Antônio. Seu José Rocha e dona Nina, juntamente com o

jovem Luiz Jacinto e outros convidados, vieram de “carro

de linha”, gentilmente cedido por seu Frederico Dubeux.

Padre Clodoaldo oficiou a liturgia, colocando os sais e os

santos óleos e vertendo a água benta sobre as louras

madeixas da garotinha, que se esganava de tanto gritar,

sem contar que, dona Nina sua madrinha, quase que

deixa a pequena se afogar na pia batismal, não fosse o

rápido auxílio de Cila Rodrigues que ajudou a segurá-la. A

neo batizanda tinha seis meses de idade e já pesava

doze quilos e meio. Todos os presentes elogiavam o timão

branco, decorado de renda francesa e lacinhos cor-de-

rosa, obra-prima de dona Elvira Fontes, a mais famosa

modista da cidade.

Era dia de festa no solar de J. L. e Dapaz. Um

grande almoço, com aquele cardápio regional:

buchada, cabidela, peru assado, fritada, bolo de milho,

pé-de-moleque, manuê, grude de goma, ponches de

limão e laranja, os “pirulitos” de dona Toinha e as

“chupetas de açúcar” de seu Heleno para a criançada.

Na cozinha, aquele exército de comadres e

afilhadas: dona Severina Cavalcanti, Maria Calixto,

Santa, Zefinha e outras, ajudando a mexer o pirão,

decorar os pratos, encher a buchada e carregar os

copinhos de bebidas fortes para os homens, e as

garrafinhas de gasosa e guaraná para as damas e os

pimpolhos. Afinal, à época, o uso de bebidas fortes não

havia se tornado moda ainda entre as damas e estas, só

ingeriam bebidas leves, tipo ponches e refrigerantes

como Fratteli Vita e Gasosa.

Maria Andrade e dona Quinquina cortavam os

doces de batata e as goiabadas em lata, verdadeiras

delícias da culinária de seu Laurindo Doceiro.

Na sala o papai J. L. recepcionava os convidados

do sexo masculino, oferecendo bebidas quentes; doses

de vinho Quinado Imperial e conhaque Palhinha e

Castelo, além de cerveja Pielsen esfriada. Os canapés

eram torresmo, bode assado, e sarapatél. Para os

fumantes, caixas de cigarilhas, cigarros Petisco, Caruso,

Bom Marché, Cara Preta e charutos Suerdick Bahia. Havia

até uns maços de Gesira e Pour la Noblesse, importados

raros da época. Presentes o prefeito da cidade, Dr. Plínio

Araújo e a esposa, seu José de Assunção e dona Nely

Gomes de Sá, seu Erasmo e dona Levina, seu Alcides

Rodrigues e Saló, além de alguns amigos da prefeitura,

comerciantes, senhores de engenhos e, naturalmente, os

primos e parentes do engenho e de Recife.

Em meio à festança, enquanto os convivas se

deleitavam bebendo e dançando a polca, a porta se

abriu e adentrou o recinto, bastante irritada, “Sinhá

Sinfronina”, uma antiga lavadeira da família, que tinha

fama de ser catimbozeira e fazer uns despachos.

- Dando uma festa e nem mim convidam, né? Inté

eu que ajudei a engomar os lençó de linhe do enxová da

criança!, berrou a velha. Qui ingratidão. Cadê a minina?

Cadê cumade Santa. To a pui de dá um bale nela.

- Sente-se, Sinhá Fronina, convidou dona Elvira.

Aceita um pedacinho de peru assado ou uma fatia de

bolo?

- Inhora não, já cumi meu prato de pirão de ovo,

respondeu ela, fumaçando de raiva. Só vim dá uma

ispiada e rezar a minima pru meu Padim Ciço e Mãe

Dasdore portregê a bruguela. Adonde ela tá?

- Venha comigo, Sinhá Fronina, convidou dona

Elvira. E as duas se dirigiram para o quarto onde estava o

berço da neném.

- Oxente, mai qui tanta caxa é essa dento do

beço?

“São as lembrancinhas que ela recebeu, Sinhá

Fronina!

- Mai num pode não, essa tuia de brebote vai

terminá sofocando a minina”, e a velha foi logo retirando

as caixas e os presentes e jogando tudo na cama ao

lado. Agora sim, nói pode vê ela. Meu Padim Ciço, cuma

ele gorda. Benza Deus!”

A benzedeira concentrou-se e olhou a recém-

nascida demoradamente. Então puxou um galhinho de

arruda preso pelo turbante junto da orelha e começou a

aspergir a garotinha, enquanto rezava sua prece. Depois

persignou-se e exclamou solenemente:

- Ela vai sê muito intiligente, vai estudá e se formá,

vai sê muito populá, vai vencê na vida, vai viajar muito

por esse mundo de meu Deus, vai inté se casar, mai num

vai passá de um metro e meio de artura. Mai aiguente os

povo vai impelidá-la de Baxinha e Nina Bolinha.” Tem mai

ainda, ela vai sê muito braba; quando ela apontar o

dedo fura bolo, der três piscadinha cum as pestana e um

piqueno supapo no peito, corram de perto, que vai sobrá

pra arguém. É o castigo pru tere se isquecido de mim.

E a velha Fronina retirou-se como um pé-de-vento,

deixando os convidados pasmos.

Será que os augúrios da velha iriam se tornar

realidade? Os convidados entre assustados e pasmos

não paravam de cochichar entre si, mas o papai J. L.

logo pediu que o sanfoneiro tocasse um baião e a festa

voltou à animação inicial.

Já quase uma hora da tarde, os homens iam se

animando com os repetidos tragos e com grandes

baforadas de charuto e cigarros. As senhoras,

acomodadas na sala, conversavam discretamente

enquanto enxugavam o suor do colo e do pescoço com

toalhinhas de feltro. As crianças, já “adocicadas” de

tanto pirulito e chupeta de açúcar, corriam enquanto

esbarravam nos mais velhos e promoviam a aquela

baguncinha organizada.

Num recanto da sala, sentado numa poltrona, o

padre Clodoaldo de batina preta com dezenas de

botões que iam do colarinho até o abanhado, barrete

preto na cabeça, enxugava o rosto com um lenço e se

abanava com o breviário. De vez em quando dava uma

olhada no relógio de algibeira. Salomé de seu Alcides

notou aflição do reverendo e correu esbaforida para a

cozinha:

- Dapaz, minha santa, já está passando muito da

hora do padre Clodoaldo comer. Ele tem gastrite e

terminar passando mal se não forrar logo o estômago.

Maria Andrade logo tomou a frente e começou a

preparar um prato para o vigário. Colocou numa

bandeja e levou até a mesa da sala. O reverendo foi

convidado para sentar e recebeu o prato sorrindo, já

estava passando o lenço na testa e na iminência de ter

uma oria. Maria Andrade, apressada, gritou para dona

Zefinha:

- Prepara uma sangria para o padre.

E dona Zefinha, espantada, respondeu:

- Mas dona Maria, o sangue todo foi colocado na

cabidela.

- Santa ignorância, Zefinha, sangria é um ponche

de vinho com água e açúcar. Não bote gelo, o padre

tem problemas de garganta.

Afinal, toda a comunidade religiosa tinha um

histórico completo da saúde do pároco. Padre

Clodoaldo começou a se servir e, quando, preparava o

copo para tomar o primeiro gole de sangria, passa um

menino correndo e bate no braço do reverendo. A

toalha de linho da mesa ficou lilás. Dapaz apareceu na

sala e lamentou o estado se sua toalha de linho

engomada. O padre, pálido, quase perde o apetite,

ficou sem ação. Mais uma vez Maria Andrade contornou

a situação.

- Não se preocupe, padre, aqui está outra sangria.

Vou ficar por aqui pra domar estes meninos.

- Ô minha gente, esses filhos de vocês não tem

estilo não, é? Ficam todas de beleza aí na sala enquanto

os meninos parecem que estão correndo no prado.

O padre almoçou, fez uma rápida leitura no

breviário e começou a se despediu dos convidados e dos

anfitriões. Ao sair ainda benzeu os que estavam por perto.

Quase catorze horas, estava na hora de servir o

almoço. Mas como iria caber tanta gente à mesa? Foi

quando apareceu dona Frederica Faneca, esposa do

prefeito, e apresentou a solução.

- Por que vocês não fazem um almoço

americano?

Os nativos entreolharam-se e ficaram sem

entender nada. De novo Maria Andrade em cena.

- Que história é essa de almoço americano, dona

Frederica?

- Muito simples, colocam-se os pratos e talheres na

mesa, em seguida, vão trazendo os pratos das iguarias e

cada um se serve e vai comer em algum lugar da casa

que não seja na mesa.

- Que idéia maravilhosa, dona Frederica,

exclamou Dapaz.

Os pratos, talheres, guardanapos e as iguarias do

almoço foram colocados na mesa da sala de jantar

sobre a toalha de linho branco engomada e com uma

enorme mancha de sangria. Os convidados famintos

como estavam, nem perceberam.

- O Clodomiro, cadê as grades de coca-cola?

Perguntou dona Lita.

- É verdade, estão na mala do carro, Alguém me

ajude aqui, por favor!

E os convidados que já se preparavam pra fazer

os pratos, pararam e ficaram admirados com as

garrafinhas de coca.

- Eu vou tomar uma coca em lugar da gasosa,

fala dona Minervina, enquanto enchia o copo,

espantada com a espuma.

- Ave Maria, fica fervendo no copo e na boca.

Queima e arde.

- Dona Minervina, fala seu Clodomiro, é pra tomar

gelada. Quente ninguém, agüenta. Quando nada, bote

uma pedra de gelo no copo.

- E a coca-cola roubou a cena do almoço. Afinal

ela só tinha chegado ao Brasil há dois anos e, na

província, pouca gente tinha experimentado o novo

refrigerante.

E assim foi servido o primeiro almoço no “estilo

americano” em Amaraji.

- De repente, um grito estridente e um choro de

criança. Dapaz e outras mães correram para o quarto e,

espantadas, viram a mini “nina” muito vermelha, se

debatendo no berço, engasgada e quase sufocada com

uma chupeta de açúcar.

- Quem foi que fez uma barbaridade dessas?

Perguntou a mamãe. Deve ser cria de alguma daquelas

indolentes que estão na sala e não se levantam para

nada.

Difícil descobrir, afinal tinha criança demais na

festa. Ela trocou o timão da menina e foi falar com J. L.

sobre o ocorrido.

- Tá bom de tanta festa e de dança, João Luiz,

esses meninos já bagunçaram demais e a casa está um

lixo, além do que a bebida já acabou. Tá na hora de

todo mundo voltar pra suas casas.

João Luiz pediu que o sanfoneiro parasse que a

festa já ia acabar. Aos poucos os convidados iam

agradecendo e se retirando.

Lá pelas quatro da tarde não restava mais

ninguém, a não ser os familiares e as comadres que

começavam a fazer a faxina. Dapaz, bastante cansada,

repetia:

- Outra festa dessas aqui em casa, nunca mais.

Teve gente que pareciam não ter se alimentado há um

mês. Parece que vieram tirar a barriga da miséria mesmo.

O filho de dona Regina estava lavando as mãos na jarra.

Tem jeito? E a sobrinha de dona Davina, usou metade do

meu vidro de Madeira do Oriente. Quem era aquele de

bigode que fumava e cuspia lá no canto da sala? João

Luiz convidou cada um...

E os comentários foram se amenizando, enquanto

a faxina estava quase concluída.

O tempo passou e muitos esqueceram aquela

cena insólita e curiosa da velha Fronina, histérica,

saracoteando pela sala, mas algumas pessoas ainda se

perguntavam: será que algo daquilo iria acontecer?

- Capítulo 1 -

JINGLE BELLS, NASCEU A “MINI” NINHA...

Era uma vez, numa cidadezinha da mata sul,

torrão bendito, cercada de montanhas, poesia, matas

verdejantes e rio a correr, um casal muito feliz que trouxe

ao mundo uma “mini” garotinha, fim de rama, caçulinha,

cheia de graça e encantamento.

A menininha veio ao mundo na residência de seus

genitores, situada à Rua Prefeito Rocha Pontual, juntinho

do cartório de seu Samuel Coelho.

Seu papai era comerciante do ramo da

panificação e assessor do prefeito da província, e a

mamãe, de prendas domésticas.

Como rezava a tradição da época, ela foi

“pegada” por Mãe Dedé, a parteira mais famosa da

região e nasceu tão miudinha, tão bolotudinha, tão

rechonchudinha, que cabia na palma da mão. Era, no

todo, de aparência muito saudável, com madeixas

galegas e tez rosada. Parecia uma calunga de louça.

Os felizardos pais, João Luiz e Maria da Paz, deram

à nenenzinha, o nome de Maria Aline. Era o dia 27 de

outubro de mil novecentos e bauzes, exatamente dois

anos após a chegada da coca-cola no Brasil.

Como acontece em todo lugarejo do interior, a

notícia espalhou-se com rapidez e, pelo fato do casal ter

muitos amigos, logo começou a aparecer pessoas para

ver a mais nova moradora da casa.

As primeiras visitas recebidas foram: Maria

Andrade, Quinquina e Dona Elvira; seu Alcides, Saló, Cila,

já mocinha, e Concinha, bem novinha. Do vizinho distrito

de Caracituba: seu José Rocha e dona Nina, futuros

padrinhos da recém-nascida. Do engenho Amora: seu

João Vieira, dona Mariinha e as pequenas, Socorro,

Josete e Anália. Da capital: os tios Clodomiro e Lita, e a

prima Maria Alice ainda de braço.

Cada visitante que aparecia (os homens

evidentemente) eram agraciados pelo pai da garotinha,

com um cálice de excelente cachimbada de mel de

uruçu com cachaça de cabeça preparada na hora,

charutos Suerdick Bahia ou cigarros Asa, dependendo do

gosto de cada um.

Um fato inusitado é que a menina era tão

pequenina, tão curtinha, que todos os presentes ficaram

curiosos a respeito do futuro da garotinha. O que ela iria

ser quando crescesse? E, em meio ao cochichado geral

das visitas, uma voz fanhosa e estridente gritou lá de trás:

“Ela vai ser borboleta de pastoril!” A exclamação havia

sido proferida por seu João Severo, o dono do

enchimento, que estava entrando para ver a neném e

escutara parte da conversa dos presentes. “Oxente, seu

João Severo, ela vai ser é uma fleira, uma madre

superiora, isso sim, se Deus quiser,” afirmou a jovem e boa

Aurinha, futura moradora da Vila São Vicente, que havia

chegado correndo para ver o novo rebento.

Os presentes recebidos: lençóis e camisinhas de

pagão, mamadeiras, toucas e consolos coloridos,

sapatinhos de crochet, chiquitos, maracás e uma figa de

ouro. Maria Andrade levou uma boneca de pano

graúda, confeccionada por Amara da Boneca e um

vidro de alfazema da loja de seu Alcides. Levou também

um capão gordo, para a canja do resguardo da mamãe.

Aline e a maninha Ana Maria, primogênita do

casal, encheram de alegria a vida dos pais e de todos os

vizinhos de rua.

Maria Andrade, amiga e guardiã da família,

ajudava a mamãe Dapaz na criação da “mini” Ninha e

Dona Maria Calixto, foi a sua ama-de-leite.

Quando a gordinha começou a ficar mais

pesada, mamãe Dapaz contratou a ama Ivanise para

cuidar das duas manas. Como ela teria de dormir no

solar, Dapaz encomendou uma cama-de-lona a seu

Amaro Feitosa e, na feira, comprou um baú amarelo

ornado de gregas, daqueles fabricados lá para as

bandas do agreste, para as fardas da ama.

A menininha crescia (perdão), se tornava a cada

dia, mais saudável e rechonchuda, cabeleira farta com

madeixas louras e as bochechas rosadas.

A essa altura ela já se alimentava do leite gordo e

nutritivo da vacaria de seu Samuel, que, todas as manhãs

era distribuído por meio de uma carrocinha, puxada por

um robusto carneiro.

A cidadezinha era muito pequena e quase nada

de novo acontecia. As notícias eram trazidas por

algumas pessoas, geralmente comerciantes e

autoridades municipais, que viajavam semanalmente

para a capital e, no retorno, compravam algum jornal ou

revista que era repassado para amigos. Havia poucos

rádios na cidade, mas duas pessoas possuíam aparelhos

de rádio possantes da marca RCA Victor, seu João Luiz e

seu Victor Alves. Muitas noites, o casal João Luiz e Maria

Dapaz convidava a jovem Elza Dorotéia e algumas

amigas para ouvirem a programação do rádio que era

composta de serestas e transmissão de apresentações de

programas de calouros ou de outros artistas que vinham

do sul do país, sem esquecer naturalmente o Repórter

Esso, responsável pelo noticiário do que estava

ocorrendo no Brasil e no mundo.

Nestes saraus radiofônicos, escutavam-se novelas,

programas de auditório e músicas de sucesso da época.

Um dos programas inesquecíveis foi quando se

apresentou “Dilu Melo”, famosa artista de São Paulo, que

veio daquele estado apresentar-se na PRA-8, Rádio

Clube de Pernambuco. E deleitou a todos os ouvintes,

cantando:

“Fiz a cama na varanda,

Esqueci o cobertor

Deu o vento na roseira

Me cobriu todo de flor.”

Nas noites de verão, cadeiras eram colocadas nas

calçadas, onde amigos e vizinhos se reuniam para a

tradicional prosa. Naquelas ocasiões, os homens falavam

sobre a administração do prefeito, as notícias nacionais e

internacionais escutadas no Repórter Esso e, as senhoras,

discutiam as atividades da paróquia, os sermões do

padre Teodoro, as últimas peças bordadas ou alguma

receita culinária nova recortada do Diário de

Pernambuco.

Nossa história se passa no final da primeira

metade do século passado. Não é um tempo tão

distante, mas a realidade das pequenas cidades do

interior era bem diversa. Na zona urbana uma população

pequena, poucas casas e um comércio diminuto.

Na zona rural, grande engenhos com seus

casarões e muitos moradores. Estas propriedades

assemelhavam-se a pequenos feudos da idade média. O

senhor de engenho era o patrão, o conselheiro, o juiz que

decidia sobre todas as questões e acontecimentos da

propriedade.

Tempos amenos, bucólicos e românticos A

inexistente poluição ambiental e mental fazia com que o

meio se conservasse puro e paradisíaco; puras e arejadas

eram também as mentes e o pensar da época.