A borboleta que dançou de mestra 1º

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- Capítulo 1 - JINGLE BELLS, NASCEU A “MINI” NINHA... Era uma vez, numa cidadezinha da mata sul, torrão bendito, cercada de montanhas, poesia, matas verdejantes e rio a correr, um casal muito feliz que trouxe ao mundo uma “mini” garotinha, fim de rama, caçulinha, cheia de graça e encantamento. A menininha veio ao mundo na residência de seus genitores, situada à Rua Prefeito Rocha Pontual, juntinho do cartório de seu Samuel Coelho. Seu papai era comerciante do ramo da panificação e assessor do prefeito da província, e a mamãe, de prendas domésticas. Como rezava a tradição da época, ela foi “pegada” por Mãe Dedé, a parteira mais famosa da região e nasceu tão miudinha, tão bolotudinha, tão rechonchudinha, que cabia na palma da mão. Era, no todo, de aparência muito saudável, com madeixas galegas e tez rosada. Parecia uma calunga de louça. Os felizardos pais, João Luiz e Maria da Paz, deram à nenenzinha, o nome de Maria Aline. Era o dia 27 de outubro de mil novecentos e bauzes, exatamente dois anos após a chegada da coca-cola no Brasil. Como acontece em todo lugarejo do interior, a notícia espalhou-se com rapidez e, pelo fato do casal ter muitos amigos, logo começou a aparecer pessoas para ver a mais nova moradora da casa.

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- Capítulo 1 -

JINGLE BELLS, NASCEU A “MINI” NINHA...

Era uma vez, numa cidadezinha da mata sul,

torrão bendito, cercada de montanhas, poesia, matas

verdejantes e rio a correr, um casal muito feliz que trouxe

ao mundo uma “mini” garotinha, fim de rama, caçulinha,

cheia de graça e encantamento.

A menininha veio ao mundo na residência de seus

genitores, situada à Rua Prefeito Rocha Pontual, juntinho

do cartório de seu Samuel Coelho.

Seu papai era comerciante do ramo da

panificação e assessor do prefeito da província, e a

mamãe, de prendas domésticas.

Como rezava a tradição da época, ela foi

“pegada” por Mãe Dedé, a parteira mais famosa da

região e nasceu tão miudinha, tão bolotudinha, tão

rechonchudinha, que cabia na palma da mão. Era, no

todo, de aparência muito saudável, com madeixas

galegas e tez rosada. Parecia uma calunga de louça.

Os felizardos pais, João Luiz e Maria da Paz, deram

à nenenzinha, o nome de Maria Aline. Era o dia 27 de

outubro de mil novecentos e bauzes, exatamente dois

anos após a chegada da coca-cola no Brasil.

Como acontece em todo lugarejo do interior, a

notícia espalhou-se com rapidez e, pelo fato do casal ter

muitos amigos, logo começou a aparecer pessoas para

ver a mais nova moradora da casa.

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As primeiras visitas recebidas foram: Maria

Andrade, Quinquina e Dona Elvira; seu Alcides, Saló, Cila,

já mocinha, e Concinha, bem novinha. Do vizinho distrito

de Caracituba: seu João Rocha e dona Nina, futuros

padrinhos da recém-nascida. Do engenho Amora: seu

João Vieira, dona Mariinha e as pequenas, Socorro,

Josete e Anália. Da capital: os tios Clodomiro e Lita, e a

prima Maria Alice ainda de braço.

Cada visitante que aparecia (os homens

evidentemente) eram agraciados pelo pai da garotinha,

com um cálice de excelente cachimbada de mel de

uruçu com cachaça de cabeça preparada na hora,

charutos Suerdick Bahia ou cigarros Asa, dependendo do

gosto de cada um.

Um fato inusitado é que a menina era tão

pequenina, tão curtinha, que todos os presentes ficaram

curiosos a respeito do futuro da garotinha. O que ela iria

ser quando crescesse? E, em meio ao cochichado geral

das visitas, uma voz fanhosa e estridente gritou lá de trás:

“Ela vai ser borboleta de pastoril!” A exclamação havia

sido proferida por seu João Severo, o dono do

enchimento, que estava entrando para ver a neném e

escutara parte da conversa dos presentes. “Oxente, seu

João Severo, ela vai ser é uma fleira, uma madre

superiora, isso sim, se Deus quiser,” afirmou a jovem e boa

Aurinha, futura moradora da Vila São Vicente, que havia

chegado correndo para ver o novo rebento.

Os presentes recebidos: lençóis e camisinhas de

pagão, mamadeiras, toucas e consolos coloridos,

sapatinhos de crochet, chiquitos, maracás e uma figa de

ouro. Maria Andrade levou uma boneca de pano

graúda, confeccionada por Amara da Boneca e um

vidro de alfazema da loja de seu Alcides. Levou também

um capão gordo, para a canja do resguardo da mamãe.

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Aline e a maninha Ana Maria, primogênita do

casal, encheram de alegria a vida dos pais e de todos os

vizinhos de rua.

Maria Andrade, amiga e guardiã da família,

ajudava a mamãe Dapaz na criação da “mini” Ninha e

Dona Maria Calixto, foi a sua ama-de-leite.

Quando a gordinha começou a ficar mais

pesada, mamãe Dapaz contratou a ama Ivanise para

cuidar das duas manas. Como ela teria de dormir no

solar, Dapaz encomendou uma cama-de-lona a seu

Amaro Feitosa e, na feira, comprou um baú amarelo

ornado de gregas, daqueles fabricados lá para as

bandas do agreste, para as fardas da ama.

A menininha crescia (perdão), se tornava a cada

dia, mais saudável e rechonchuda, cabeleira farta com

madeixas louras e as bochechas rosadas.

A essa altura ela já se alimentava do leite gordo e

nutritivo da vacaria de seu Samuel, que, todas as manhãs

era distribuído por meio de uma carrocinha, puxada por

um robusto carneiro.

A cidadezinha era muito pequena e quase nada

de novo acontecia. As notícias eram trazidas por

algumas pessoas, geralmente comerciantes e

autoridades municipais, que viajavam semanalmente

para a capital e, no retorno, compravam algum jornal ou

revista que era repassado para amigos. Havia poucos

rádios na cidade, mas duas pessoas possuíam aparelhos

de rádio possantes da marca RCA Victor, seu João Luiz e

seu Victor Alves. Muitas noites, o casal João Luiz e Maria

Dapaz convidava a jovem Elza Dorotéia e algumas

amigas para ouvirem a programação do rádio que era

composta de serestas e transmissão de apresentações de

programas de calouros ou de outros artistas que vinham

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do sul do país, sem esquecer naturalmente o Repórter

Esso, responsável pelo noticiário do que estava

ocorrendo no Brasil e no mundo.

Nestes saraus radiofônicos, escutavam-se novelas,

programas de auditório e músicas de sucesso da época.

Um dos programas inesquecíveis foi quando se

apresentou “Dilu Melo”, famosa artista de São Paulo, que

veio daquele estado apresentar-se na PRA-8, Rádio

Clube de Pernambuco. E deleitou a todos os ouvintes,

cantando:

“Fiz a cama na varanda,

Esqueci o cobertor

Deu o vento na roseira

Me cobriu todo de flor.”

Nas noites de verão, cadeiras eram colocadas nas

calçadas, onde amigos e vizinhos se reuniam para a

tradicional prosa. Naquelas ocasiões, os homens falavam

sobre a administração do prefeito, as notícias nacionais e

internacionais escutadas no Repórter Esso e, as senhoras,

discutiam as atividades da paróquia, os sermões do

padre Teodoro, as últimas peças bordadas ou alguma

receita culinária nova recortada do Diário de

Pernambuco.

Nossa história se passa no final da primeira

metade do século passado. Não é um tempo tão

distante, mas a realidade das pequenas cidades do

interior era bem diversa. Na zona urbana uma população

pequena, poucas casas e um comércio diminuto.

Na zona rural, grande engenhos com seus

casarões e muitos moradores. Estas propriedades

assemelhavam-se a pequenos feudos da idade média. O

senhor de engenho era o patrão, o conselheiro, o juiz que

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decidia sobre todas as questões e acontecimentos da

propriedade.

Tempos amenos, bucólicos e românticos A

inexistente poluição ambiental e mental fazia com que o

meio se conservasse puro e paradisíaco; puras e arejadas

eram também as mentes e o pensar da época.