A Avaliação Da Performance No Canto Lírico - Uma Análise de Conteúdo - Catapano

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 UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA - UnB INSTITUTO DE ARTES – IdA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA (PPG-MUS) ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: Música Em Contexto LINHA DE PESQUISA: Concepções e Vivências em Educação Musical ELIZABETH ALVES CATAPANO A AVALIAÇÃO DA PERFORMANCE  NO CANTO LÍRICO: Uma análise de conteúdo Brasília (DF) Dezembro 2006

Transcript of A Avaliação Da Performance No Canto Lírico - Uma Análise de Conteúdo - Catapano

  • UNIVERSIDADE DE BRASLIA - UnB INSTITUTO DE ARTES IdA PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM MSICA (PPG-MUS) REA DE CONCENTRAO: Msica Em Contexto LINHA DE PESQUISA: Concepes e Vivncias em Educao Musical

    ELIZABETH ALVES CATAPANO

    A AVALIAO DA PERFORMANCE NO CANTO LRICO: Uma anlise de contedo

    Braslia (DF) Dezembro 2006

  • ELIZABETH ALVES CATAPANO

    A AVALIAO DA PERFORMANCE NO CANTO LRICO: Uma anlise de contedo

    Dissertao, submetida como requisito parcial para obteno do grau de Mestre em Msica, rea de Concentrao: Educao Musical

    Orientadora: Profa. Dra. Cristina Grossi

    Braslia (DF) Dezembro 2006

  • ELIZABETH ALVES CATAPANO

    A AVALIAO DA PERFORMANCE NO CANTO LRICO: Uma anlise de contedo

    Dissertao, apresentada como exigncia parcial para a obteno do grau ou ttulo de mestre na rea de concentrao: Msica em Contexto Concepes e Vivncias em Educao Musical.

    Aprovada em _____/_____/_______

    BANCA EXAMINADORA

    ____________________________________________________________

    Profa. Dra. Cristina Grossi (Orientadora) UnB

    ____________________________________________________________

    Profa. Dra. Maria Isabel Montandon (Examinadora Interna) UnB

    ____________________________________________________________

    Profa. Dra. Luciana Marta del Ben (Examinadora Externa) UFRGS

  • Ao meu pai Nivaldo (in memoriam) e minha me Elisalda pelo seu exemplo de dedicao, coragem, perseverana, disciplina, pacincia e amor aos estudos. minha av Lourdes (in memoriam) por compartilhar comigo o caminho da busca do conhecimento. Ao meu irmo Eric por sempre me fazer pensar

    sobre o significado da vida. A todos aqueles que lutam e se dedicam a transmitir a sabedoria, o amor e a generosidade de esprito a seus semelhantes, na esperana de tornar este mundo um pouco melhor.

  • AGRADECIMENTOS

    minha famlia pela pacincia com as minhas interminveis horas de estudo. minha orientadora Cristina Grossi pela sua dedicao, carinho e apoio ao

    longo de toda a jornada. Aos professores Maria Isabel Montandon, Beatriz Castro e Lus Ferreira pelas valiosas sugestes oferecidas.

    Ao diretor da Escola de Msica, Carlos Alberto Galvo, pelo grande apoio e por sua belssima composio Etrea Imensidade, que muito me honrou e inspirou nas horas difceis.

    Aos meus alunos, que me inspiraram no desejo de desvendar os mistrios do canto.

    Aos professores de canto Flvio de Morais e Andr Vidal pelo insight oferecido na busca das respostas.

    Aos pianistas Gisele Pires e Jos Henrique Vargas por acreditarem neste projeto e oferecerem seu valioso talento e apoio.

    Aos cantores lricos Mal Mestrinho, Reuler Furtado, Valdenora Pereira, Rodrigo Lucas, Mirella Cavalcanti, rica Kallina, Marcos Zelaya e Hudson Ayres pela imensa colaborao prestada com seus talentos e suas vozes a esta investigao.

    A Ricardo Teles e equipe pelo pronto auxlio e trabalho de qualidade nas filmagens.

    A Ricardo Arajo, pelo seu bom senso e apoio nos momentos crticos. A Maria de Socorro Guimares Amaral Lima e Joo Roberto Vieira, da EAPE,

    pela valiosa colaborao, sem a qual tal projeto no seria possvel. A Aldo Ternieden Bredan, cujo apoio se tornou indispensvel continuidade de

    meus estudos. A Claudia Costa e Paulo Vieira pelo grande incentivo e dicas prticas,

    especialmente na fase inicial deste projeto. A Lauana Vale de Mello Brando, Alcina Martins de Souza e Andr Arajo pelo

    apoio grfico.

    A todos aqueles que me apoiaram diretamente ou indiretamente nesta jornada, meus mais sinceros agradecimentos.

  • O corao do homem revelado pelo seu semblante,

    mas sua alma revela-se apenas atravs de sua voz.

    Longfellow (escritor americano)

  • RESUMO

    A avaliao tem sido um tema bastante discutido na rea da msica. No campo da performance no canto lrico, h pouca pesquisa, embora haja uma grande diversidade de material que trata do assunto, como, por exemplo, editais, planos de curso, manuais de instruo ao aluno e/ou ao professor, chamadas para concurso, roteiros, guias e planilhas de avaliao. Em uma ampla reviso desse material, foi constatada uma multiplicidade de itens, musicais e extra-musicais, valorizados na avaliao da performance do canto lrico. O objetivo desta dissertao apresentar e discutir esses itens, encontrados em materiais de 42 instituies de renome sediadas em diferentes pases, como o Brasil, Portugal, os Estados Unidos, a Inglaterra, a Holanda, o Canad, a Austrlia e a frica do Sul, bem como a Association Europenne des Conservatoires, Acadmies de Musique et Musikhochschulen, diversos concursos de canto e 84 autores escolhidos entre cantores lricos, professores de canto, regentes, diretores musicais, diretores gerais de pera, diretores de cena, crticos musicais, agentes, coordenadores artsticos, especialistas em pronncia e dico, pianistas-acompanhadores e outros profissionais que trabalham diretamente com o canto e os cantores. A metodologia utilizada foi a anlise de contedo, de forma a categorizar e analisar os dados da literatura. Como resultado, 14 categorias com itens especficos emergiram da utilizao dessa metodologia. Os resultados apontam para uma diversidade de aspectos em acrscimo queles costumeiramente mencionados nas planilhas ou fichas de avaliao, tais como a compreenso da obra, seu contexto e as intenes expressivas do compositor, as escolhas interpretativas realizadas, a observao das indicaes da partitura, a fidelidade ao estilo e ao perodo, a variedade e o nvel de complexidade do repertrio, a atitude corporal, a habilidade comunicativa, o grau de expressividade e o talento musical/artstico demonstrado pelo cantor, bem como sua qualidade vocal, habilidade tcnica, conhecimentos tericos, atitudes e comportamento. Entre os critrios que podem se tornar alvo de discusso por parte da banca, os resultados eventualmente apontam para a anlise do progresso demonstrado pelo cantor e/ou de seu potencial de desenvolvimento. Por meio da anlise de contedo, tambm foi possvel comparar e analisar de que forma esses aspectos so definidos pelos diferentes grupos, com que freqncia e como so utilizados na avaliao da performance do canto lrico.

    PALAVRAS-CHAVE: Canto Lrico; Performance; Avaliao; Anlise de Contedo.

  • ABSTRACT

    In the musical field, issues of assessment and evaluation have been the subject of great discussion. There seems to be relatively little research on matters relating to the performance of classical singing in spite of the great diversity of material such as learning and course outcomes, content standards, curriculum standards, program handbooks, syllabus booklets, practical examination requirements, scoring rubrics, descriptors and standards of excellence recommended by different institutions and authors. The main objective of the present study is to discuss the assessment of classical singing through the available literature, including the documents issued by 42 institutions distributed through eight different countries such as Brazil, Portugal, the United States, England, Holland, Canada, Australia and South Africa, as well as the Association Europenne des Conservatoires, Acadmies de Musique et Musikhochschulen, several competitions and 84 authors chosen among well-known classical singers, teachers of singing, conductors, stage directors, general directors of opera, musical directors, agents, stage coaches, vocal coaches, language coaches and collaborative pianists. Due to the great number and variety of resources, a content analysis was conducted to create categories and show the dominant tendencies. As a result, through the use of this methodology, 14 categories were identified, such as the observance of performance directions, form, genre, style and period, the choice, level of difficulty and context of the repertoire, the observance of performance protocol, the level of communication, emotional expression, musical and artistic talent of the singer, vocal quality, vocal, mental and physical health, general attitude and behavior, theoretical knowledge, technical/practical ability, interpretive insight and apprehension of the expressive intentions of the composer. Other findings include the eventual assessment of the level of development demonstrated by the singer and capacity for future development. Through further use of this particular methodology it was also possible to analyze and compare how these elements are defined by different groups, as well as how often and how they are used in the assessment of classical singing. The results also revealed that besides the usual elements present in the scoring rubrics, there are certain aspects that are often discussed but not written in the official assessment records.

    KEY WORDS: Classical Singing; Performance; Assessment; Content Analysis.

  • LISTAS

    LISTA DE FIGURAS

    1 Guildhall School of Drama and Music (itens)........................................................ .121 2 National Standards for Arts Education (habilidades).......................................122 3 Nmero de elementos considerados em cada instituio ....................................... .125 4 Exemplos de avaliaes realizadas com 2 elementos............................................. .126 5 Exemplos de avaliaes realizadas com 3, 4, 5 ou 6 elementos ............................ .127 6 Exemplos de avaliaes realizadas com 34, 52, 55 ou 66 elementos .................... .128 7 Elementos especficos da pera.............................................................................. .136 8 Instituies de ensino e concursos ......................................................................... .145 9 Fonoaudilogos ...................................................................................................... .152 10 Regentes ............................................................................................................... 154 11 Os itens e as categorias......................................................................................... 159 12 O nmero de itens por categoria........................................................................... 164 13 Os itens mais freqentes na avaliao (antes da categorizao) ......................... 169 14 Os itens mais freqentes na avaliao (dentro de cada categoria). ...................... 170 15 Proporo das categorias na avaliao (com a utilizao do modelo)................... 172 16 Freqncia relativa das categorias na avaliao................................................... .173 17 Os conceitos na viso das instituies.................................................................. .177 18 Os conceitos na viso dos autores ........................................................................ 193 19 As atitudes / comportamento na viso das instituies e dos autores .................. .203

    LISTA DE APNDICES E ANEXOS

    ANEXO A Planilha de Avaliao da Escola de Msica (1a Verso) ................................251

    ANEXO B Planilha de Avaliao da Escola de Msica (2a Verso) ...............................253

  • OBSERVAO

    Para favorecer a visualizao de seus detalhes, as figuras 3 (p.125), 13 (p.169) e 15 (p.172), e, ainda, os anexos A (p.251) e B (p.253) foram includas em duas verses no mbito deste trabalho: vertical (retrato) e horizontal (paisagem), que se encontram dispostas nessa seqncia.

    LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

    Para facilitar a consulta aos documentos utilizados, estes se encontram codificados por meio de abreviaturas e cores:

    P

    D = Documento

    I = Instituio

    IE = Instituio de ensino C = Concurso de canto A = Autor P/C = Professor de canto e/ou Cantor R = Regente

    Ro = Regente de pera Dm = Diretor musical

    Dc = Diretor de cena Do = Diretor de pera Cm = Crtico musical Ag = Agente Co = Coordenador artstico Vc = Vocal coach Pa = Pianista-acompanhador Sc = Stage coach Po = Especialista em personificao, leitura dramtica e oratria aplicadas ao canto D = Especialista em dico e pronncia aplicadas ao canto F = Fonoaudilogo especializado em canto

  • PASES

    Brasil

    Portugal

    Estados Unidos

    Inglaterra

    Holanda

    Europa

    Canad

    Austrlia

    frica do Sul

    PROFISSES

    Professor de canto e/ou Cantor

    Regente

    Regente de pera

    Diretor Musical

    Diretor de Cena

    Diretor Geral de pera

    Crtico Musical

    Agente

    Coordenador Artstico

    Vocal Coach

    Pianista-acompanhador

    Stage Coach

    Especialista em personificao, leitura dramtica e oratria aplicadas ao canto

    Especialista em dico e pronncia aplicadas ao canto

    Fonoaudilogo especializado em canto

  • SUMRIO

    Introduo .................................................................................................................................... .01 1. A avaliao no campo educacional.......................................................................................... .15

    1.1 A avaliao no contexto educacional ....................................................................... .16 1.2 Como avaliar ............................................................................................................ .20 1.3 O estabelecimento de critrios de avaliao............................................................. .21 1.4 Bases da avaliao.................................................................................................... .23

    2. A avaliao no campo musical ................................................................................................ .27

    2.1 A avaliao no contexto musical .............................................................................. .29 2.2 A avaliao nos cursos de formao musical ........................................................... .34 2.3 A avaliao nos processos seletivos e cursos de instrumento .................................. .46

    2.4 A avaliao da performance musical ........................................................................ .54 3. A avaliao da performance no canto lrico ............................................................................ .68

    3.1 A avaliao da performance vocal ........................................................................... .70 3.2 O cantor ideal x O cantor minimamente apto........................................................... .82

    3.3 As provas e avaliaes no canto................................................................................ .86 4. Metodologia............................................................................................................................. 90

    4.1 A anlise de contedo............................................................................................... .92 4.2 As fases da anlise de contedo ............................................................................... 104 4.3 A seleo de documentos para a anlise................................................................... 107

    4.4 A escolha das unidades ............................................................................................ 116 4.5 A definio das categorias........................................................................................ 136 4.6 A anlise e a interpretao ....................................................................................... 142

    5. Os resultados da categorizao ................................................................................................ 157 5.1 O modelo de categorias ............................................................................................ 159 5.2 O nmero de itens por categoria............................................................................... 163

    6. Os resultados da anlise quantitativa ....................................................................................... 166 6.1 Os itens..................................................................................................................... 168 6.2 As categorias ............................................................................................................ 171

    7. Os resultados da anlise qualitativa ......................................................................................... 175 7.1 Os elementos de avaliao na viso das instituies ................................................ 177 7.2 Os elementos de avaliao na viso dos autores. .................................................... 193

    7.3 As principais tendncias na avaliao do canto lrico .............................................. 202 Consideraes Finais ................................................................................................................... 205 Referncias .................................................................................................................................. 220 Documentos Consultados ............................................................................................................ 233 Apndices e Anexos..................................................................................................................... 249

  • INTRODUO

    msica (An die Musik) Composio Franz Schubert

    Letra: Franz von Schober Verso em portugus: Elizabeth A. Catapano

    Oh, arte bendita, em quantas horas sombrias, Quando atirado no crculo feroz da vida,

    Inflamaste meu corao com um clido amor, E me conduziste em direo a um mundo melhor!

    Com freqncia um suspiro de tua harpa, Um doce e sagrado acorde, cheio de ventura,

    Conduziu do prprio cu o advento de um tempo melhor. Oh, arte bendita, por isso que te rendo graas e louvor!

  • 2

    INTRODUO

    Meus estudos musicais comearam na primeira infncia, quando ganhei um

    piano em verso infantil, com cinco oitavas, acompanhado por uma coletnea de

    partituras facilitadas. Com apenas um dia de estudo, j pude tocar Jingle Bells e Noite

    Feliz. Aos dez anos de idade e j sem meu piano, descobri o canto; os colegas e

    professores descreviam minha voz como uma voz doce, lmpida como um cristal. No

    demorou muito, comecei a cantar informalmente em eventos, em que, cada vez mais,

    cantava um repertrio de msica popular internacional. Com a descoberta da pera por

    meio da audio de gravaes, iniciei o estudo formal do canto lrico, que foi seguindo

    com aulas particulares, participao em festivais de msica at a realizao do curso

    tcnico em canto no Centro de Ensino Profissionalizante Escola de Msica de Braslia

    (CEP EMB). Nesse perodo de estudo na Escola de Msica, chamava-me a ateno a

    forma com que minha professora avaliava minha performance nunca soube dos

    critrios que utilizava. Observava tambm que os outros professores de canto, de forma

    geral, no tinham critrios que servissem para todos os alunos, bem como avaliavam de

    formas diferentes, de acordo com a situao e com o momento. Paralelamente aos meus

    estudos musicais, os estudos lingsticos culminaram no aprendizado de sete lnguas,

    que pude completar em nvel de graduao e especializao na Universidade de So

    Paulo e na Universidade de Braslia.

    Comecei a trabalhar como professora no Ncleo de Canto Erudito da EMB

    imediatamente aps a concluso do curso tcnico. Por ter formao lingstica e

    musical, em 2002 assumi aulas de fontica e dico das lnguas do canto. Em 2005,

    foram includos os estudos de natureza estilstica e interpretativa, visando ao

  • 3

    conhecimento e vivncia dos principais compositores e obras musicais (o estudo da

    literatura musical) nas aulas de lnguas vernculas e estrangeiras. Nessa minha proposta,

    os alunos progressivamente trabalhavam os nveis fontico, semntico, morfolgico e

    sinttico das lnguas estudadas, bem como os gneros, os estilos musicais e as obras

    mais significativas do repertrio produzido nas principais lnguas do canto. Ainda em

    2002, um fato em especial chamou minha ateno na poca da reformulao curricular

    na rea de canto da EMB. Todos os professores do Ncleo de Canto Erudito se

    reuniram para criar uma planilha de avaliao, cujos itens foram o resultado de longos

    debates. Essas reunies finalmente produziram um documento que estabelecia

    elementos e critrios de avaliao, que foi imediatamente adotado como modelo para as

    provas com banca examinadora (veja anexo A). Dois anos depois, j iniciando o

    Programa de Mestrado em Msica na UnB, perguntei Coordenadora do Ncleo se

    aquele documento era ainda utilizado por todos os professores; ela disse que no era

    mais adotado como modelo geral e que cada professor dava nota da forma que lhe

    aprouvesse, fosse por meio de uma nota global ou dos componentes que achasse

    melhor. Isso imediatamente trouxe minha mente fatos do passado, quando o aluno

    recebia menes bem diferentes pelos professores para uma mesma

    apresentao/avaliao, ou, ainda, quando ele era aprovado por um professor e

    reprovado por outro. No exame de seleo para o ingresso no curso de canto erudito na

    EMB, mesmo havendo apenas duas possibilidades apto e no-apto, permanecia uma

    grande diferena entre os professores no julgamento dos alunos.

    A minha formao no campo da lingstica me proporcionou uma viso mais

    abrangente de avaliao (do que aquela vivenciada no canto), em que esta sempre o

    resultado de uma cuidadosa preparao, com o estabelecimento de critrios a priori. Na

    avaliao da performance do aluno de canto lrico, o problema que, freqentemente,

  • 4

    observava era que um professor podia julgar um mesmo aluno de forma diferenciada

    conforme o momento. Observava tambm situaes em que um professor utilizava

    julgamentos distintos em um mesmo momento quando, por exemplo, ocorria uma

    situao de discordncia por parte de outros colegas de banca em relao ao seu

    julgamento inicial, ou quando era constatada alguma deficincia na formao do aluno,

    que poderia levar ao questionamento de seu trabalho como professor de canto. s vezes,

    determinado aluno mudava de professor e era julgado brilhante por um, enquanto o

    anterior o classificava como medocre; ou, ainda, o contrrio, o que dava fortes

    indicaes de que os critrios poderiam ser diferentes. Em muitos casos, os comentrios

    estavam centrados no aluno como indivduo e no na sua performance. Outro aspecto

    que observava era que nem todos os professores faziam uma anlise do processo

    avaliativo de forma conjunta com o aluno, a ttulo de retroalimentao ou feedback,

    sendo que muitos nem sequer mencionavam os aspectos pelos quais o aluno estava

    sendo julgado.

    Quando passei a compor a banca para a avaliao dos alunos de canto na EMB,

    essas diferenas de julgamento entre os professores ficariam ainda mais evidentes. Os

    critrios e elementos de avaliao pareciam variar bastante entre os professores1 para

    alguns, o aspecto mais importante era a qualidade vocal; para outros, a tcnica vocal

    juntamente com a afinao; outros ainda consideravam a expresso fisionmica do

    aluno, sua postura cnica ou interpretativa. A adequao do repertrio era um quesito

    que, freqentemente, aparecia na discusso, enquanto o tratamento estilstico, por

    exemplo, dificilmente era mencionado como elemento. Se um professor avaliava o

    1 Vale mencionar que o Ncleo de Canto Erudito constitudo por cerca de onze professores (que incluem aqueles especficos de tcnica vocal, em nmero de sete) e outros quatro de reas afins (fisiologia da voz, pronncia e dico, fontica, lnguas, corpo e movimento, artes cnicas, instrumento complementar). Essa equipe inclui professores para trabalhar as lnguas do canto, estudos piansticos, dana, teatro, pera-estdio, msica de cmara, performance, preparao de repertrio, coro tcnico, etc.

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    aluno pelo conjunto, utilizando um critrio nico (avaliao geral, holstica ou global)2,

    outros avaliavam vrios aspectos ou elementos, ora de forma fixa, ora ocasionalmente,

    quando o aluno demonstrava alguma fraqueza ou deficincia que no havia sido

    prevista a priori (por exemplo, quando o aluno no sabia cantar a msica, errando seu

    ritmo, melodia ou letra, utilizava gestos inadequados ou cantava a msica em estilo

    popular), no havendo consenso quanto aos aspectos ou elementos a serem avaliados.

    Existiam ainda, por outro lado, os elementos e critrios ocultos, que no

    apareciam de forma explcita, mas que podiam ser observados de forma velada na fala

    dos professores, tais como a aparncia fsica do cantor, seu vesturio, sua atitude ou

    comportamento, sua capacidade de enfrentar desafios ou de resistir ao estresse da

    situao avaliativa, a adequao de sua voz ou estilo pessoal para o canto lrico (em

    contraposio ao canto popular), ou, ainda, seu talento natural para a msica, para a

    representao dramtica ou para o canto.

    A linguagem utilizada pelos professores no momento da avaliao, s vezes,

    tambm suscitava dvidas. Enquanto alguns professores pareciam considerar a

    musicalidade como o talento musical demonstrado pelo aluno, no raro, algum outro

    professor utilizava o termo em um sentido que estava mais relacionado aos

    conhecimentos musicais demonstrados pelo aluno. Certa ocasio, quando um

    professor recebeu pela primeira vez uma cpia da planilha, perguntou se o componente

    interpretao se referia interpretao musical ou dramtica. Outro termo ambguo era

    a chamada presena de palco, que, ora parecia significar a comunicao com o

    pblico, ora o magnetismo ou carisma pessoal do cantor; ou, ainda, sua atitude

    corporal ou figura no palco. Quando se comentava que determinada apresentao foi

    2 Morales (2003, p. 131-135) pondera que h duas formas em que o professor pode avaliar o trabalho do aluno: possvel fazer uma apreciao do conjunto (enfoque global), mas em muitos casos prefervel avaliar separadamente os diversos aspectos ou dimenses (enfoque analtico), e informar aos alunos sobre cada aspecto observado para que a correo e os comentrios lhe sejam teis, no se tratando apenas de avaliar, mas de oferecer uma oportunidade para aprender.

  • 6

    criativa ou original uma das dificuldades se encontrava na forma de compreender

    que aspectos ou elementos podiam ser utilizados para avaliar a criatividade do aluno ou

    a originalidade da interpretao.

    Em determinadas ocasies, o aluno era avaliado de uma forma que no

    correspondia performance observada s vezes, uma performance fraca recebia uma

    boa nota a ttulo de incentivo ou, pelo contrrio, uma boa performance recebia uma nota

    baixa caso o aluno se mostrasse difcil, no se dedicasse ou no demonstrasse

    empenho ou interesse em seus estudos; no tivesse disciplina ou no obedecesse s

    orientaes de seu professor de canto. Em tais situaes, a nota tinha por objetivo

    principal exercer determinado efeito psicolgico sobre o aluno em questo, mantendo

    um valor apenas simblico.

    No tocante questo produto/processo, existia um fator adicional a ser

    considerado: enquanto a maioria dos componentes da banca avaliava o desempenho do

    cantor no momento da apresentao, ou, ainda, seu potencial de desenvolvimento, cabia

    quele professor que acompanhava de forma direta sua aprendizagem durante as aulas

    diagnosticar seu progresso ao longo dessas aulas, o que acabava por incidir na

    considerao de aspectos longitudinais e transversais em uma mesma avaliao.

    A falta de consenso entre os professores e de clareza / consistncia na avaliao

    suscitou o desejo de verificar como o tema era tratado na literatura. No decorrer das

    leituras iniciais, j foi possvel observar que o problema da avaliao tratado por

    muitos autores tanto no campo educacional quanto no campo musical.

    Dentro de um contexto mais amplo, a avaliao apresenta-se como uma

    atividade associada experincia cotidiana do ser humano, pois freqentemente nos

    deparamos analisando e julgando nossa atuao e a de nossos semelhantes, os fatos de

    nosso ambiente e as situaes das quais participamos (Saul, 1995, p.25). Para Gadotti

  • 7

    (in Demo, 2002, p.7), a avaliao se aplica a qualquer prtica, fazendo parte da

    permanente reflexo sobre a atividade humana. Segundo Gandim (in Hoffmannn,

    1995, p.7), a pessoa humana sempre avalia: julga as realidades (as prticas) luz de

    critrios.

    No campo musical, o tema tambm abordado por Kleber (2003):

    Avaliao uma ao que, independentemente do seu aspecto formal ou informal, est presente nos processos humanos. O ser humano tende, naturalmente a julgar as realidades, suas prticas luz de critrios, implcitos ou explcitos que, de alguma forma, incidiro sobre a tomada de decises (Kleber, 2003, p. 140).

    De acordo com Swanwick (2002, p.81), a avaliao torna possvel nossa vida -

    ela guia todas as nossas aes.

    Na viso de Haydt (2003), quase tudo pode ser objeto de avaliao, pois

    entendida como uma atividade constante na prtica de profissionais de diversas reas:

    O engenheiro avalia o projeto elaborado, o administrador avalia a execuo do plano formulado para sua empresa e o desempenho de seus funcionrios, enquanto as indstrias esto de olhos voltados para o controle de qualidade. Tambm no campo da Educao o tema est presente em vrios nveis; existe a avaliao do sistema escolar como um todo, a avaliao da escola, do currculo e do processo ensino-aprendizagem (Haydt, 2003, p.5).

    Para discutir as dificuldades inerentes ao processo avaliativo, Bordenave (1986)

    levanta os seguintes problemas:

    Os professores concordam em afirmar que a avaliao uma rea de enorme falta de preparao, mesmo reconhecendo sua decisiva importncia. Segundo eles, o problema mais geral da avaliao a ausncia de um conceito integral do aluno, j que as provas medem somente certos aspectos do mesmo, podendo ser injustas ao negligenciar aspectos importantes. Destaca-se grande risco de subjetividade na qualificao dos resultados das provas, por desconhecimento de tcnicas de avaliao mais objetivas (Bordenave, 1986, p. 18, grifo nosso).

    Autores como Kleber (2003), Beineke (2003) e Del Ben (2003), tambm

    levantam questes semelhantes no campo musical, apontando para a complexidade do

  • 8

    tema:

    O tema avaliao por si prprio, complexo, gerando diferentes expectativas, frutos de concepes sobre educao e sobre msica. Nas reas artsticas, e na msica em particular, a temtica ainda mais controversa, muitas vezes recaindo-se em critrios vagos e ou subjetivos. Por que avaliar? O que avaliar? Com quais critrios? Com quais objetivos? Qual a funo da avaliao no contexto da sala de aula? (Beineke, 2003, p. 91).

    Segundo Kleber (2003):

    A complexidade implcita no processo de avaliao abarca questes de ordem emocional, juzo de valores, procedimentos e encaminhamentos, revelando um leque de possibilidades conceituais e de formas de avaliar [...] que esto diretamente relacionadas a uma viso do sujeito avaliado, do sujeito que avalia e do objeto (Kleber, 2003, p. 152-153).

    Frana (2002, p. 3) tambm destaca a falta de clareza e consenso na avaliao:

    As disparidades de julgamento de uma mesma execuo denotam que muitas vezes os parmetros utilizados no so claros nem mesmo para os examinadores. Se estes chegam a resultados demasiadamente diferentes, provavelmente esto avaliando [...] a partir de perspectivas fundamentalmente diversas (Frana, 2002, p.3).

    Para Del Ben (2003, p. 39) parece ser necessrio no somente discutir quais as

    melhores formas de avaliar musicalmente os alunos (como avaliar) mas, principalmente,

    o que estamos avaliando.

    Ao se referir avaliao da performance no canto lrico, Schoonmaker (s/d)

    enfatiza a complexidade do processo, questionando a tirania dos julgamentos parciais,

    e acrescentando que o canto forma um todo que transcende a soma de suas partes.

    A parcialidade dos procedimentos avaliativos tambm abordada por Demo

    (2002), ao afirmar que toda avaliao, ao mesmo tempo em que pode revelar alguma

    coisa, tambm esconde, porque representa recorte selecionado e parcial (Demo, 2002,

    p.23). Em sua opinio, a questo da subjetividade se encontra relacionada ao desafio

    da interpretao, porque nenhum dado fala por si, mas pela boca de uma teoria (p.22) e

  • 9

    conclui que toda interpretao reduz a realidade ao tamanho do intrprete (p.66).

    De forma semelhante ao que j havia constatado em minha experincia

    profissional, diversos autores consideram que os critrios utilizados pelos professores na

    avaliao de seus alunos so pouco claros, tanto para os educandos quanto para os

    educadores envolvidos no processo. A ausncia de critrios ou a existncia de critrios

    subjetivos e/ou pessoais na avaliao tratada por autores como Del Ben (2003),

    Hentschke (2003), Souza (2003) e Andrade (2003). Nesse sentido, Hentschke (1994, p.

    50) destaca a complexidade da experincia musical e a importncia de no reduzir sua

    riqueza a uma simples dimenso, como a da tcnica, ou somente aos parmetros ou

    qualidades do som, como altura, timbre, intensidade e durao. Andrade (2003, p. 76)

    tambm escreve sobre o uso de critrios adequados avaliao da execuo musical,

    ressaltando o fato de que a avaliao na rea da execuo musical bastante

    intrincada, devido ao desacordo entre a experincia musical e as palavras utilizadas

    para descrev-la.

    Esse desacordo tambm pode ser observado no canto lrico. Para Coelho (1999,

    p. 9) o ensino do canto baseado na imitao de modelos, no talento inato e no

    empirismo, havendo bem pouca clareza de conceitos bsicos no processo de ensino-

    aprendizagem de sua arte e nos pareceres avaliativos.

    Na viso de Andrade (2003, p. 76), embora exista uma preocupao entre os

    educadores musicais a esse respeito, ainda grande a carncia de pesquisa nessa rea,

    principalmente no Brasil. Aparentemente, essa carncia ainda maior na avaliao do

    canto lrico. Na opinio de Wapnik e Eckholm (1997, p.429), embora exista um

    considervel nmero de pesquisas na avaliao da performance em msica,

    praticamente nenhuma das mesmas abordou a performance vocal.

    Entre as grandes questes apontadas neste campo, autores como Haydt (2003) e

  • 10

    Bordenave (1986) destacam a necessidade de estabelecer critrios da avaliao.

    Segundo Haydt (2003, p. 10), avaliar julgar ou fazer a apreciao de algum ou

    alguma coisa, tendo por base uma escala de valores [ou] interpretar dados quantitativos

    e qualitativos para obter um parecer ou julgamento de valor, tendo por base padres ou

    critrios. Para Bordenave (1986, p. 88), avaliar envolve um julgamento para

    determinada finalidade, do valor de idias, trabalhos, solues, mtodos, material, etc.

    A avaliao envolve o uso de critrios e padres para determinar em que medida um

    objeto preciso, exato, efetivo, satisfatrio, e como acrescenta o autor, os

    julgamentos podem ser de natureza qualitativa ou quantitativa e os critrios podem ser

    determinados pelo avaliador ou fornecidos a ele.

    Segundo Tourinho e Oliveira (2003, p.17), critrio a descrio de um padro

    de performance para uma tarefa especfica; padro o nvel ou tipo de performance

    em um ponto, tempo ou estgio especfico. Em sua viso, preciso ter padres para

    que exista controle de qualidade. Para Rop e Tanguy (2004, p. 63) performance a

    medida do grau de xito. O nvel atingido pode ser superior, igual ou inferior quele

    que era buscado. Segundo Ferraz et al. (1994), os critrios so elementos que

    permitem ao indivduo verificar se realizou corretamente a tarefa proposta e se o

    produto da sua atividade est de acordo com aquilo que deveria obter. Na viso de

    Depresbiteris (1991), os critrios de avaliao so padres de qualidade previamente

    estabelecidos de acordo com o objeto a ser avaliado e conforme o planejamento de

    ensino.

    Na opinio de Demo (2004), o avaliado precisa entender como se d o processo

    avaliativo, em particular, os critrios de avaliao.

    Diante de tais discrepncias no processo avaliativo, comecei a refletir sobre as

    seguintes questes:

  • 11

    Que critrios so usados na avaliao do canto lrico?

    Que aspectos ou elementos so avaliados?

    Quem responsvel pela elaborao ou escolha desses critrios e

    elementos?

    Quais so os critrios e elementos utilizados pelos diferentes grupos

    responsveis pela avaliao no canto lrico?

    Com que freqncia esses critrios e elementos so utilizados por esses

    diferentes grupos?

    De que forma esses critrios e elementos so definidos por esses grupos?

    At que ponto esses critrios e elementos so claros para os mesmos?

    Que tendncias podem ser verificadas pela avaliao realizada por

    diferentes grupos no canto lrico?

    Paralelamente s minhas prprias observaes sobre o processo avaliativo, na

    viso de autores como Del Ben (2003), Hentschke (2003), Souza (2003) e Andrade

    (2003), o principal problema observado a subjetividade e a falta de

    clareza/consistncia nos critrios de avaliao em msica, o que pode ser explicado

    pelas diferentes perspectivas, conceitos e abordagens adotadas pelos avaliadores e que

    podem ser observadas na avaliao da performance. Para Coelho (1998), o grau de

    subjetividade observado nos conceitos e pareceres avaliativos est aparentemente

    relacionado s diferentes concepes do que poderia ser considerado um bom cantor e

    s diversas habilidades que ele deve demonstrar.

    Nesse sentido, o presente trabalho visa a identificar os elementos na avaliao do

    canto lrico por meio da anlise de contedo. A perspectiva adotada ser a da literatura.

    Para tanto, apresenta-se uma discusso da produo cientfica em seus diversos

    contextos e dimenses no campo educacional, na educao musical, na performance e

  • 12

    no canto lrico.

    Embora a avaliao de cantores seja uma situao cotidianamente realizada em

    mbito escolar (como instrumento de formao) e no mundo profissional (como

    instrumento de seleo e classificao), o tema no aparece de forma explcita nos

    livros de canto, que so em geral voltados para a tcnica vocal propriamente dita ou

    discusso de questes interpretativas relacionadas a obras especficas do repertrio

    vocal. Contudo, possvel encontrar referncias ao processo em inmeras fontes

    documentais, tais como editais de provas de seleo e de concursos de canto, ementas,

    programas e planos de ensino ou de curso, anais e relatrios publicados por congressos

    e associaes, ou, ainda, entrevistas com professores de canto, regentes, fonoaudilogos

    e cantores famosos. Essas entrevistas se encontram publicadas em jornais e revistas

    especializadas, revelando uma grande diversidade de enfoques e abordagens. Entre os

    mesmos documentos, possvel, ainda, distinguir entre elementos que visam a avaliar a

    formao profissional do cantor (de carter longitudinal), e outros que visam avaliao

    da performance propriamente dita (de carter transversal). Por outro lado, na literatura

    tambm possvel constatar que o processo avaliativo depende em grande parte das

    expectativas de quem avalia, que, por sua vez, esto relacionadas ao conceito que o

    avaliador possui do que seria uma performance ideal, ou, pelo menos, de qual seria o

    desempenho mnimo a ser atingido.

    Nesse sentido, considerando a grande diversidade de fontes bibliogrficas, bem

    como a aparente falta de consenso e uniformidade dos diversos autores e instituies,

    espera-se mapear os elementos utilizados na avaliao da performance do canto lrico

    por meio do registro e categorizao de itens, calcular a freqncia dos mesmos e

    identificar tendncias, e, a partir dos itens e das categorias encontrados, identificar

    aqueles que possam subsidiar a construo de modelos de avaliao.

  • 13

    O presente trabalho justifica-se pela possibilidade de esclarecer a natureza

    (qualidade) e proporo (quantidade) dos diversos aspectos e elementos considerados na

    avaliao da performance do canto lrico. De acordo com a reviso de literatura nessa

    rea, pode-se perceber que esse assunto ainda carece de um estudo mais aprofundado no

    que tange escolha de elementos de avaliao. H poucos trabalhos realizados,

    principalmente na avaliao do canto lrico. Alm de ampliar as possibilidades de

    pesquisa nessa rea, fornecendo elementos para ampliar a discusso acadmica da

    avaliao da performance musical, esse trabalho pode ainda fornecer subsdios aos

    professores de canto e profissionais afins para realizar uma reflexo sobre os critrios e

    elementos adotados em sua prtica profissional.

    Cabe ressaltar que a primeira vez que a metodologia de anlise de contedo

    est sendo utilizada na avaliao da performance do canto lrico.

    No tocante estrutura do trabalho, apresenta-se a seguinte seqncia:

    O primeiro captulo consiste em uma reviso de estudos para discutir questes

    relacionadas s prticas de avaliao no processo de ensino e aprendizagem.

    No segundo captulo, haver um direcionamento dessas questes para a rea da

    performance musical, na qual sero abordados aspectos relacionados aos elementos a

    serem avaliados, o estabelecimento de critrios, as dimenses objetiva, subjetiva,

    quantitativa e qualitativa presentes no momento da avaliao.

    O terceiro captulo discute a problemtica da avaliao da performance no canto

    lrico e os elementos da vivncia musical nesse campo.

    O quarto captulo aborda a metodologia empregada no presente estudo, cujo

    delineamento adotou a anlise de contedo devido ao grande volume e diversidade de

    material bibliogrfico encontrado.

    O quinto captulo apresenta os resultados decorrentes da categorizao. Os

  • 14

    dados foram transcritos na forma de itens, agrupados em categorias e tabulados.

    O sexto captulo apresenta os resultados do clculo de freqncia antes e depois

    do processo de categorizao: os dados foram transformados em porcentagens,

    analisados individualmente e dentro das categorias encontradas, sendo comparados

    entre si e em relao avaliao considerada em sua totalidade.

    O stimo captulo trata da descrio e anlise dos elementos de avaliao na

    viso de cada autor e instituio pesquisada, buscando estabelecer conceitos amplos e

    identificar eventuais discrepncias entre os mesmos. No decorrer do processo, esses

    dados foram comparados para verificar possveis tendncias.

    O ltimo captulo sintetiza, interpreta e discute os dados obtidos e a anlise

    realizada, apresentando concluses de natureza geral e traando um perfil da avaliao

    da performance no canto lrico. O captulo termina com recomendaes para os

    avaliadores e sugestes para futuros estudos.

  • 15

    Captulo 1

    A AVALIAO NO CAMPO EDUCACIONAL

    Como uma Melodia (Wie Melodien zieht es mir) Composio: Johannes Brahms

    Letra: Klaus Groth (1819- 1899) Verso em portugus: Elizabeth A. Catapano

    Como uma melodia silenciosamente me conduz por meio do pensamento E se desvanece como o perfume da flor que desabrocha na primavera.

    Mas quando, capturada pelas palavras, conduzida diante dos meus olhos, Torna-se tnue como uma nvoa at que, por fim, se dissipa como o sopro de uma brisa.

    E ento, repousando em minhas rimas, se oculta ainda uma fragrncia Que, com a silenciosa suavidade de um boto, evoca o orvalho que se condensa em meus olhos.

  • 16

    1 A AVALIAO NO CAMPO EDUCACIONAL

    1.1 A Avaliao no Contexto Educacional

    No campo da Educao, a avaliao tem sido um dos principais objetos de

    estudo dos pesquisadores, que tm analisado seu significado, suas caractersticas, seus

    objetivos, suas funes, seus efeitos e seu valor. Autores como Tyler (1949), Scriven

    (1967), Stake (1967), Bloom, Hastings e Madaus (1971), Guba e Lincoln (1981),

    Stufflebeam (1985), Worthen e Sanders (1987) e Popham (1993) estabeleceram

    princpios e bases tericas para a avaliao. No Brasil, os estudiosos reconhecidos na

    rea so Libnio (1994), Gil (1997), Luckesi (1999; 2002), Vasconcellos (2000; 2002;

    2004), Romo (2001), Saul (2001), Hoffmann (2001), Antunes (2001; 2003), Demo

    (2002; 2004), Haydt (2003), Menegolla e SantAnna (2003) e Silva (2004), entre outros.

    Entre os autores internacionais, destacam-se Gimeno-Sacristn (1995), Zabala (1998),

    Perrenoud (1998), Scallon (2000), Hadji (2001; 2003) e Morales (2003).

    Comeou-se a falar em avaliao aplicada educao a partir da contribuio de

    Ralph Tyler, considerado o pai da avaliao educacional. Segundo o autor, a avaliao

    do rendimento escolar representa uma forma de julgamento cujo objeto o aluno, e que

    envolve procedimentos de coleta, organizao e interpretao de dados relacionados ao

    seu desempenho. Em sua viso, muitas modificaes podem operar-se no estudante por

    meio do processo educativo, como resultado das experincias de aprendizagem que lhe

    so propostas:

    O processo de avaliao da aprendizagem consiste essencialmente em determinar se os objetivos educacionais esto sendo realmente alcanados pelo currculo e programa de ensino. No entanto, como os objetivos educacionais so essencialmente mudanas em seres humanos em outras palavras, como os objetivos visados consistem em produzir certas modificaes desejveis nos

  • 17

    padres de comportamento do estudante a avaliao o processo mediante o qual se determina o grau em que essas mudanas do comportamento esto realmente ocorrendo (Tyler, 1949, pp. 105-106).

    Nesse sentido, Bordenave (1996, p. 93) explica que uma das primeiras tarefas ao

    se planejar o ensino consiste em fazer a especificao dos objetivos que devem ser

    alcanados, definindo-os em termos de comportamento, desempenho ou realizao:

    Por exemplo, ao invs de somente determinar quais as informaes que se deseja comunicar ao aluno, procura-se especificar o comportamento que ser considerado como evidncia de que ele possui tais informaes. A especificao do objetivo deve ser feita de modo operacional, isto , torna-se necessrio determinar qual o comportamento que o aluno ser capaz de exibir ao final da aprendizagem e sob que condies isto ocorrer (Bordenave, 1986, p. 93).

    O autor acrescenta que os objetivos de ensino e, conseqentemente, os

    objetivos que devero ser medidos, podem representar comportamentos em trs reas

    bsicas: a rea motora, a rea afetiva e a rea cognitiva (Bordenave, 1986, p.270),

    visando ao desenvolvimento individual e coletivo de cada pessoa:

    Em nossa era, todas as sociedades parecem visar ao Desenvolvimento Integral, embora no haja completo acordo sobre o tipo desejvel de sociedade desenvolvida nem sobre o tipo de homem que nela viveria. Existe, entretanto, certo consenso de que o desenvolvimento integral necessita de: a) homens pessoalmente desenvolvidos; b) tcnicos competentes; c) cidados aptos para a vida comunitria numa sociedade em mudana. [...] Esses objetivos amplos (tanto os de natureza tcnico-profissional, como os de desenvolvimento individual como pessoa humana e como agente transformador de sua sociedade) determinam, por sua vez, objetivos mais especficos, definidos em termos de conhecimentos, habilidades intelectuais, atitudes e valores, e habilidades motoras que devem ser desenvolvidos nos alunos e por eles prprios. Em todo caso, o planejamento do processo educativo dever permitir o cumprimento dos diversos tipos de objetivos: humanista, profissional e comunitrio (Bordenave, 1986, p.82-83).

    Para Gil (1997, p.109), a avaliao deve abranger os diversos domnios da

    aprendizagem. Afinal, a escola no tem como objetivo apenas proporcionar

    conhecimentos, mas tambm desenvolver as habilidades e atitudes de seus alunos.

  • 18

    Segundo ele, os objetivos de aprendizagem podem ser classificados em trs domnios:

    no mbito da avaliao das aprendizagens, correspondem ao domnio essencial da

    avaliao: as aptides cognitivas conhecimentos, habilidades intelectuais

    (pensamento), as aptides scio-afetivas valores, motivao, afeto, relacionamento

    (sentimento) e as aptides psicomotoras condies fsicas (ao).

    Na viso de Zabala (1998), a avaliao na sala de aula deve ser encarada como

    um processo sistemtico de acompanhamento da evoluo cognitiva, afetiva e

    psicomotora do aluno. Segundo o autor, o pensamento corresponde ao 'saber' (fatos,

    conceitos e princpios), o sentimento, ao 'ser' (normas, valores e atitudes), e as aes, ao

    'saber fazer' (estratgias, mtodos, tcnicas, destrezas, habilidades e procedimentos). Por

    sua vez, cada um desses domnios corresponde a contedos diferentes que devem ser

    desenvolvidos em sala de aula: o saber corresponde aos contedos factuais e

    conceituais, o ser, aos contedos atitudinais e o saber fazer, aos contedos

    procedimentais.

    Segundo Vasconcellos (2000), a capacitao integral do aluno deve se dar

    basicamente em trs dimenses: a dimenso cognitiva (conhecimento, compreenso,

    anlise, sntese e a capacidade de resolver problemas e de enfrentar situaes novas,

    transferindo os conhecimentos aprendidos), a dimenso scio-afetiva (motivao,

    segurana, autoconfiana, equilbrio emocional, saber enfrentar dificuldades,

    concentrao, autoconceito positivo) e a dimenso psicomotora (postura fsica, controle

    motor, resistncia fsica, orientao de hbitos de sade, alimentao, educao fsica e

    prtica de esportes).

    Segundo Antunes (2002, p.21-22), a capacitao do aluno deve ocorrer

    basicamente em quatro dimenses: a) em sua atividade motora, desde a conquista de

    domnios amplos, tais como a fora, a resistncia, a flexibilidade, a coordenao, o

  • 19

    equilbrio, a pontaria, como tambm em domnios finos um aumento na sensibilidade

    e acuidade visual e auditiva, no tato, olfato, paladar, capacidade de ateno e

    concentrao; b) em sua atividade cognitiva, conquistando maneiras de pesquisar,

    aprendendo formas de estudar, descobrindo processos para se auto-avaliar e dominando

    elementos bsicos das diferentes disciplinas escolares para poder acompanhar de forma

    significativa os ensinamentos do ciclo, estgio ou etapa seguinte; c) em seu equilbrio

    emocional, no sentido de conhecer-se melhor e dominar alguns procedimentos capazes

    de controlar suas frustraes, aborrecimentos e mgoas, bem como manter o

    comedimento nas manifestaes de alegria em face do sucesso e da vitria,

    especialmente na presena daqueles que no tiveram a mesma prerrogativa; d) em seus

    esquemas de relaes interpessoais e insero social, demonstrando sociabilidade,

    sensibilidade pelo outro, sentimento de empatia e atitudes de solidariedade,

    participao, solicitude, cooperao. De acordo com Antunes (2002), importante que o

    aluno descubra a fora social do grupo e domine maneiras cooperativas de integr-lo,

    desempenhando papis diversos e assumindo a dimenso individual de suas

    responsabilidades coletivas. O autor acrescenta ainda que essencial que o aluno

    aprenda a viver com os outros, mesmo aqueles pelos quais no nutre sentimentos de

    afeto ou de simpatia.

    Na viso de Antunes (2002, p.20), no existe avaliao se no existir expectativa

    por resultados. Dessa maneira, ao longo de um determinado perodo de estudo,

    essencial que o aluno mostre algum progresso. Nesse sentido, a aprendizagem

    pressupe expectativas quanto melhoria em suas capacidades, em suas inteligncias3

    e em suas competncias4.

    3 A inteligncia definida pelo autor como um potencial biopsicolgico que usamos para resolver problemas, compreender o mundo e seus agentes e criar produtos que sejam considerados vlidos para a comunidade (Antunes, 2002, p. 23). 4 Para definir o que competncia, Antunes (2002, p.24) cita Perrenoud, que entende competncia como

  • 20

    Haydt (2003) considera que a avaliao deve ser integral, pois analisa e julga

    todas as dimenses do comportamento, considerando o aluno como um todo. Silva

    (2004, p. 73) tambm defende uma metodologia avaliativa baseada numa perspectiva de

    formao integral, que oferea a oportunidade de desenvolver, no maior grau possvel,

    todas as capacidades do aluno.

    Bordenave (1986) tambm destaca a importncia de adotar uma perspectiva

    integral na avaliao da aprendizagem. O autor explica, ainda, que o problema mais

    geral da avaliao a ausncia de um conceito integral do aluno, j que as provas

    medem somente certos aspectos do mesmo, podendo ser injustas ao negligenciar

    aspectos importantes (Bordenave, 1986, p.18).

    1.2 Como Avaliar?

    Para Gadotti (in Demo, 2002, p. ix), a avaliao faz parte da permanente

    reflexo sobre a atividade humana. Nesse sentido ele considera que refletir tambm

    avaliar, e avaliar tambm planejar, estabelecer objetivos, etc.. Em sua viso, o

    processo de avaliao no diz respeito apenas ao ensino nem pode ser reduzido a

    tcnicas. De forma semelhante a Gadotti, Demo (2002, p.8) tambm reconhece que a

    avaliao no apenas um processo tcnico, mas uma questo poltica.

    Devido significao scio-filosfico-poltica abrangente que o elemento valor

    possui, Luckesi (2002) entende avaliao no somente como um juzo de valor sobre

    dados relevantes para uma tomada de deciso, mas especialmente como um juzo de

    qualidade sobre dados relevantes para uma tomada de deciso (Luckesi, 2002, p.9).

    Morales (2003, p.66) reconhece que avaliamos de muitas maneiras e, alm

    a faculdade de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos como as inteligncias, saberes, habilidades e informaes para solucionar com pertinncia e eficcia um conjunto de situaes.

  • 21

    disso, comunicamos, ainda que, inconscientemente, essa avaliao; e que no campo da

    avaliao informal, as primeiras impresses e os juzos prvios, bem como os pr-

    julgamentos so formas reais e muito vitais de avaliao, traduzindo-se em uma

    manifestao mais ou menos sutil de expectativas por parte do professor (ou de quem

    avalia). Nesse sentido, entende-se que a avaliao uma atividade subjetiva5 [grifo

    original], representando a atribuio de um valor de acordo com critrios que envolvem

    diversos problemas tcnicos e ticos. A dimenso valorativa da avaliao , assim,

    reforada, sublinhando-se a no-neutralidade do avaliador. Na realidade, trata-se de um

    trabalho de discriminar e catalogar informao e de tomar decises, com base em

    critrios explcitos e implcitos (no definidos e, muitas vezes, no conscientes).

    Gandim (in Hoffmannn, 1995, p.7), destaca o papel dos critrios na avaliao,

    sejam estes definidos a priori ou no, e afirma que embora se requeira a conscincia

    crtica para uma avaliao inteiramente humana, mesmo num estado de conscincia

    mtica ou ingnua, a pessoa humana sempre avalia: julga as realidades (as prticas) luz

    de critrios. O autor levanta ainda as seguintes questes, destacando a importncia

    tanto do aspecto tcnico-cientfico quanto do aspecto poltico-ideolgico: Que tipo de

    julgamento se est realizando ou se prope? Quais aspectos da prtica ou da realidade

    so, devem ou podem ser julgados? Quais os critrios para esses julgamentos?

    1.3 O Estabelecimento de Critrios de Avaliao

    O estabelecimento de critrios de avaliao discutido por diversos educadores

    como Bordenave (1986), Gimeno-Sacristn (1995), Luckesi (1999), Vasconcellos

    (2000), Menegolla e Sant'Anna (2003) e Demo (2004).

    5 H diferentes sentidos para a palavra, incluindo o conceito de 'no-neutralidade' e de 'arbitrariedade'.

  • 22

    No tocante aos critrios de avaliao, Bordenave (1986) se reporta ao que

    considera a finalidade maior da avaliao evidenciar se os objetivos foram alcanados

    e em que grau foram alcanados. Para tanto, ele recomenda a construo de um

    conjunto de critrios que permitam determinar efetivamente se os objetivos foram

    alcanados ou no e em que medida. Nesse sentido, o autor explica que: Sem uma

    definio operacional de objetivos e o estabelecimento de critrios prvios, a avaliao

    assume um carter acentuadamente subjetivo, ao sabor das exigncias de cada professor,

    podendo variar em graus muito significativos, (Bordenave, 1986, p. 95).

    Para Menegolla e SantAnna (2003, p. 94) de fundamental importncia, que

    os alunos possam verificar e perceber com clareza o porqu das avaliaes, de que

    forma sero avaliados e quais os critrios que sero adotados na avaliao de sua

    aprendizagem. Luckesi (1999) tambm enfatiza a importncia dos critrios, pois a

    avaliao no poder ser praticada sob dados inventados pelo professor, apesar desses

    critrios no serem fixos e imutveis, modificando-se de acordo com a necessidade de

    alunos e professores. Vasconcellos (2000, p. 65-67) destaca a importncia de deixar

    muito claro para os pais e para os alunos quais os critrios de avaliao que esto sendo

    adotados pelo professor. Em sua opinio, deve-se definir critrios para a avaliao de

    forma a possibilitar a valorizao do que realmente importa.

    Nesse processo se destacam dois personagens: o professor e o aluno. Segundo

    Demo (2004, p.120), o avaliado precisa entender como se d o processo avaliativo, em

    particular, os critrios de avaliao. Gimeno Sacristn (1995) identifica ainda um

    terceiro personagem, representado pela instituio de ensino. Em sua viso, quando

    avalia, o professor o faz a partir de suas concepes, seus valores, suas expectativas e

    tambm a partir das determinaes do contexto institucional, sendo que, muitas vezes,

    nem ele prprio tem muita clareza ou sabe explicitar os dados considerados na

  • 23

    avaliao dos alunos. Nesse sentido, Bordenave (1986, p.111) reflete que o programa da

    disciplina dever incluir a maneira como o aluno ser avaliado, de modo que ele oriente

    seus esforos nesse sentido e no seja surpreendido na avaliao. Em sua viso, avaliar

    exige, antes, que se defina aonde se quer chegar, que se estabeleam os critrios, para,

    em seguida, escolherem-se os procedimentos, inclusive aqueles referentes coleta de

    dados, que devem ser analisados de acordo com o contexto e a forma em que foram

    produzidos. Para Gimeno Sacristn (2000):

    Em geral, a avaliao, a simples atribuio de uma nota, a qualificao ou apreciao de um trabalho, de um exerccio, ou de qualquer atividade do aluno [...] so a expresso de um juzo por parte do professor, que pressupe uma tomada de decises, por elementar que seja, e que se apia em diferentes tipos de evidncias ou indcios, tomados atravs de algum procedimento tcnico quando uma avaliao formal, ou por mera observao informal (Gimeno Sacristn, 2000, p.314).

    1.4 Bases da Avaliao

    A avaliao pode apresentar diversos nveis de explicitao (Miras e Sol, 1992)

    no que se refere formalidade da situao e ao conhecimento que os sujeitos possuem

    da situao de avaliao. A avaliao explcita uma situao de avaliao formal e

    reconhecida pelos sujeitos como tal. A avaliao implcita envolve uma avaliao de

    carter informal, no sendo a situao definida como de avaliao e no percebendo os

    sujeitos de que so objeto dessa avaliao. Pode-se ainda diferenciar a avaliao

    instituda, realizada atravs de uma instrumentao especfica o que lhe imprime um

    carter objetivo , da avaliao espontnea, que emitida sem a utilizao de qualquer

    tipo de instrumentao para ser emitida, o que lhe confere, portanto, um carter

    subjetivo.

    Segundo Morales (2003, p.144), outra forma freqente de caracterizar a

  • 24

    avaliao est relacionada forma em que so estabelecidos os critrios aos quais esta

    avaliao se referencia. Os diversos enfoques para qualificar costumam dividir-se em

    duas grandes categorias, teis para nossa ateno, pois indicam dois tipos distintos de

    critrios sobre os quais nem sempre refletimos. Na avaliao referida a uma norma, ou

    seja, segundo o desempenho do grupo, qualifica-se cada aluno segundo a sua posio

    relativa no grupo: os alunos so classificados e divididos em trs grupos segundo uma

    impresso global de seu desempenho: os que esto na mdia (que so tomados como

    padro), os que esto melhor que a maioria (que so considerados excelentes) e os que

    esto pior que a maioria (que so considerados deficientes). A avaliao tem por

    referncia a norma, quando os desempenhos dos alunos so comparados entre si.

    Considera-se a existncia de um aluno mdio e de outros que aprendem mais ou menos,

    em relao ao primeiro. Sua finalidade fundamental selecionar e classificar, posto que

    informa a posio (relativa) do indivduo em relao a um grupo.

    Na avaliao referida a um critrio ou nvel absoluto, ou seja, segundo juzos

    previamente especificados, qualifica-se de acordo com os objetivos atingidos, ou em

    qualquer caso, sem comparar ningum com ningum: o desempenho de cada aluno

    analisado mediante o uso de roteiros, guias ou listas descritivas (com os aspectos a

    serem observados), e classificado em nveis distintos segundo seu desempenho

    individual. A avaliao tem por referncia o critrio, quando avaliado o conhecimento

    do aluno em relao a critrios pr-estabelecidos constitudos pelos objetivos de ensino,

    sem que seja feita, necessariamente, comparao entre os alunos.

    Em princpio, prefervel o segundo critrio: qualificar cada aluno pelo que sabe ele mesmo; no h alunos predestinados ao fracasso simplesmente porque so os ltimos; eles tambm podem saber o suficiente. [...] Quando se qualifica com critrios no-relativos ao grupo, mas segundo objetivos estabelecidos previamente (que em princpio o mais justo), preciso determinar e comunicar previamente objetivos e critrios mnimos, o que mais ou menos importante, etc. Isso deveria ser feito qualquer que fosse o critrio adotado (Morales, 2003, p.144-145).

  • 25

    Pode-se, ainda, considerar a avaliao referida ao indivduo, centrada sobre os

    aspectos da evoluo, dos ganhos e retrocessos de cada aluno, em que a referncia

    comparativa o indivduo em diferentes momentos do processo de aprendizagem

    (Vasconcellos, 2003, p. 66). Em sua viso, no se devem comparar alunos entre si; cada

    um deve ser comparado a si mesmo, como estava antes e como est agora.

    Comparaes costumam criar reaes de competio, dio, inveja e desnimo,

    conforme explica a seguir:

    O preconceito artificial do educador (esses alunos so timos esses alunos so pssimos) age de modo determinante sobre o comportamento de educando. Ou melhor, os bons e maus alunos so inteiramente fabricados pelos professores. Em suma, a condio essencial para que um aluno, para que uma classe tenha bons resultados que o professor tenha confiana neles. Esta seria a reforma mais econmica da escola com que se poderia sonhar. Mas tambm a mais difcil de ser aplicada (Harper apud Vasconcellos, 2001, p. 77).

    Nos instrumentos de referncia criterial (Ferraz et al., 1994), pretende-se a

    verificao das aquisies de um aluno ou de um grupo de alunos, em relao a

    critrios previamente estabelecidos. Os critrios so elementos que permitem ao

    indivduo verificar se realizou corretamente a tarefa proposta e se o produto da sua

    atividade est de acordo com aquilo que deveria obter. O critrio reporta-se ao

    indivduo que aprende, tarefa avaliada e s condies em que se realiza. A avaliao

    feita pela relao entre o valor efetivo e o visado.

    Os critrios considerados podem ser mnimos ou de desenvolvimento. Os

    critrios mnimos referem-se ao que deveria ser estritamente realizado, para que uma

    seqncia, ou a entrada em um novo ciclo de aprendizagem, no fiquem

    comprometidas. Os critrios de desenvolvimento ou de aperfeioamento permitem situar

    o desempenho entre um domnio mnimo e mximo, atendendo s diferenas entre os

    indivduos.

  • 26

    A avaliao referida ao critrio pode, ainda, ser de dois tipos, consoante se

    refira a critrios de performance ou a critrios de competncia, critrios esses

    complementares. A performance tem carter transversal e presta-se avaliao de

    objetivos operacionais. A competncia possui um carter longitudinal e qualitativo,

    referindo-se capacidade de conservao e transferncia das aprendizagens e prestando-

    se avaliao de objetivos gerais, de formas superiores de pensamento, de atitudes e

    valores.

    Morales (2003) tambm distingue ainda entre critrios de qualificao (para

    julgar o processo global de aprendizagem) e critrios de classificao (para a avaliao

    de tarefas especficas).

  • 27

    Captulo 2

    A AVALIAO NO CAMPO MUSICAL

  • 28

    The praise of harmony by Georg Friedrich Hndel (1685-1759), "The Praise of Harmony, HWV 124.

    Authorship by Newburgh Hamilton (fl. 1715-1743), no title [an adaptation] Based on a text in English by John Dryden (1631-1700), "Alexander's Feast"

    Recitative: Look down, harmonious Saint,

    Whilst we do celebrate thy art and thee! Of Musics force the wonders show,

    The most of Heav'n we here can know.

    Aria: Sweet accents all your numbers grace,

    Touch ev'ry trembling string; Each note in justest order place

    Of Harmony we'll sing.

    It charms the soul, delights the ear, To it all passions bow,

    It gives us hope, it conquers fear, And rules we know not how.

    I am thy harp by Raymond Huntington Woodman (1861-1943),"I am thy harp, published 1907.

    Authorship by Emily Murray

    I am thy harp, that all unknown thou sweepest, Strung to a thousand melodies of thee,

    And all too lightly canst thou draw my fullest And deepest music for thy minstrelsy.

  • 29

    2 A AVALIAO NO CAMPO MUSICAL

    2.1 A Avaliao no Contexto Musical

    A avaliao tema de reflexo, pesquisa e discusso tanto na rea de educao

    musical, quanto nas prticas interpretativas (performance). O processo avaliativo

    realizado em diferentes atividades, modalidades e nveis de ensino de msica, desde a

    educao musical na primeira infncia, passando pelo ensino fundamental, mdio e

    superior, o ensino de msica em escolas especializadas e o ensino de instrumento

    realizado por professores particulares, seja em instituies escolares ou em espaos

    extra-escolares, tais como fundaes, institutos e organizaes no-governamentais que

    realizam projetos culturais, educacionais e/ou sociais. A literatura especializada retrata a

    pluralidade do conhecimento nessa rea, em que se destacam livros e artigos derivados

    de prticas docentes, de pesquisas realizadas em cursos de mestrado ou doutorado ou,

    ainda, de estudos sobre temas especficos do conhecimento e da vivncia musical.

    Nesses trabalhos e estudos, so apresentadas reflexes crticas sobre aspectos

    metodolgicos e/ou didticos relacionados s prticas musicais, sua fundamentao

    terica, relatos do cotidiano educativo-musical e tambm propostas para a ao

    pedaggica.

    Considerando a literatura especializada, possvel dizer que, de forma

    semelhante ao que j foi observado no campo educacional, o principal problema na rea

    musical a subjetividade e a falta de clareza/consistncia nos critrios de avaliao, o

    que pode ser explicado pelas diferentes perspectivas, conceitos e abordagens adotadas

    pelos avaliadores. Sobre a problemtica da ausncia ou falta de clareza em relao aos

    critrios de avaliao, Frana (2002, p. 3) destaca a complexidade da avaliao musical

  • 30

    e a falta de consenso na mesma:

    As disparidades de julgamento de uma mesma execuo denotam que muitas vezes os parmetros utilizados no so claros nem mesmo para os examinadores. Se estes chegam a resultados demasiadamente diferentes, provavelmente esto avaliando [...] a partir de perspectivas fundamentalmente diversas (Frana, 2002, p.3).

    Para Kleber (2003):

    A complexidade implcita no processo de avaliao abarca questes de ordem emocional, juzo de valores, procedimentos e encaminhamentos, revelando um leque de possibilidades conceituais e de formas de avaliar [...] que esto diretamente relacionadas a uma viso do sujeito avaliado, do sujeito que avalia e do objeto (Kleber, 2003, p. 152-153).

    Para discutir a concepo de avaliao na perspectiva do professor e do aluno, a

    autora entrevistou os docentes e alunos formandos do curso de Licenciatura em Msica

    da Universidade Estadual de Londrina. A autora menciona que os alunos entrevistados

    revelaram a percepo de uma diversidade de formas de avaliar por parte dos

    professores, apontando que no havia consenso entre os mesmos.

    Por outro lado, as respostas dos docentes revelaram um leque de possibilidades

    de formas de avaliar, o que reflete tambm um leque de possibilidades conceituais. Os

    docentes entrevistados apontaram as seguintes questes: a dificuldade de se avaliar o

    aspecto qualitativo, a falta de consenso na forma de avaliar os alunos, um desconforto

    em lanar juzo sobre o outro e a crena na 'imaterialidade' da msica. Nesse sentido, a

    autora lembra que a msica fruto de um processo [...] que envolve escolhas de ordem

    tcnica, estrutural, conceitual e esttica, e que a avaliao pressupe clareza de

    critrios.

    No tocante s dificuldades do processo, Tourinho e Oliveira (2003, p.24)

    destacam a falta de clareza e objetividade na avaliao:

  • 31

    Muitos educadores acreditam que a avaliao em artes difcil e que a avaliao objetiva pode ser inapropriada quando se trata de reas que envolvem a criatividade individual, embora concordem que o professor necessite dar feedback ao aluno. O que deve ser avaliado nem sempre tem uma resposta muito clara e simples quando se trata de artes e msica (Tourinho e Oliveira, 2003, p.24, grifo nosso).

    Sobre a avaliao no contexto escolar, Hentschke e Del Ben (2003, p.17)

    afirmam que este um tema ainda polmico na rea da msica, visto que muitos

    professores consideram a msica como algo essencialmente subjetivo e, por isso, difcil

    de ser avaliado. As autoras acrescentam que, em razo de inmeros fatores, o processo

    de avaliao em msica ocorre mais intuitivamente do que fundamentado em dados

    obtidos por meio da observao sistemtica do desempenho musical dos alunos, que

    tenham como referncia critrios preestabelecidos (p.184). No tocante avaliao do

    produto musical dos alunos, as autoras questionam como superar o problema da

    'subjetividade' na msica? (p. 186).

    Beineke (2003) tambm levanta questes semelhantes, apontando para a

    complexidade do tema:

    O tema avaliao por si prprio, complexo, gerando diferentes expectativas, frutos de concepes sobre educao e sobre msica. Nas reas artsticas, e na msica em particular, a temtica ainda mais controversa, muitas vezes recaindo-se em critrios vagos e/ou subjetivos (Beineke, 2003, p. 91, grifo nosso).

    Santos (2003, p.41) reporta-se predominncia dos aspectos quantitativos da

    mensurao tradicional em detrimento dos aspectos qualitativos, destacando a

    necessidade da formulao de critrios de avaliao e do equilbrio entre seus aspectos

    subjetivos e objetivos. Segundo a autora, a avaliao da execuo musical tem sido

    tratada sob diversos aspectos, entre os quais esto o equilbrio entre a subjetividade e a

    objetividade, a definio de comportamentos musicais relativos execuo, a

    formulao de critrios de avaliao e a base terico-metodolgica que vai fundamentar

  • 32

    esse processo. Ao analisar o processo avaliativo, a autora questiona os seguintes

    aspectos: Por que existem diferenas qualitativas entre as avaliaes do professor L e

    do professor Q? Qual o grau de subjetividade presente nessas avaliaes? Que

    dimenses de crtica musical so contempladas nesse tipo de avaliao? (Santos, 2003,

    p. 41).

    Swanwick (1994, p.110) tambm destaca a importncia da formulao e

    explicitao dos critrios de avaliao. Em sua viso, critrios desiguais podem levar

    diferentes professores a avaliar de forma diversa a mesma execuo, assim como a falta

    de um referencial bem definido pode levar o mesmo professor a avaliar diferentemente

    de um dia para o outro. No tocante formulao e explicitao dos critrios de

    avaliao, o autor considera que sua utilidade est em aprofundar a comunicao entre

    alunos e professores, aclarar a base de nossos julgamentos e articular esses julgamentos

    com outras pessoas interessadas, sejam alunos ou colegas.

    Na viso de Swanwick (2003, p.81), a avaliao em situaes cotidianas

    frequentemente, informal, intuitiva, tendo em vista que no existe um procedimento-

    padro para seguir, no preciso proceder a nenhuma anlise detalhada, nem

    necessrio um relatrio escrito. Na sala de aula, o professor interage com o aluno

    comentando seu trabalho e corrigindo-o sempre que necessrio. Nesse caso, pode-se

    fazer uma comparao entre o que o estudante est fazendo agora e que acontecia com o

    mesmo estudante na semana passada ou, talvez, no ano passado (comparaes

    intrapessoais). O nvel de informalidade, contudo, diminui medida que o professor

    comea a fazer comparaes com o trabalho de outros alunos (comparaes

    interpessoais). Segundo ele:

    Os professores inevitavelmente encontram a si prprios questionando as avaliaes de uma maneira mais formal, por exemplo, quando necessitam justificar suas decises perante outras pessoas, como os diretores, os pais, os futuros empregadores. Uma maior formalidade aparece quando somos

  • 33

    obrigados a relatar para as pessoas comparaes que esto alm da transao imediata, talvez um comentrio que ser parte de um boletim escolar. Diferentemente da rica conversao que caracteriza o ensino, a avaliao formal definitiva pode estar escondida: talvez em uma frase simples, um nmero, uma nota ou um grau de classificao. quando os julgamentos podem ser mais calorosamente disputados, pois sentimentos pessoais, prestgio pblico, emprego e reputao podem estar em jogo (Swanwick, 1999; 2003, p.83).

    Para Swanwick (2003, p.83), nesse momento que devemos buscar um

    vocabulrio que seja significativo e compartilhado, ou encontrar e declarar critrios que

    faam sentido para qualquer pessoa (Swanwick, 2003, p.83). O autor lembra que nos

    processos seletivos, festivais e concursos costumam ocorrer situaes nas quais difcil

    avaliar a performance dos candidatos, por exemplo, quando tocam peas de estilos

    diferentes, com diferentes nveis de dificuldade tcnica e em instrumentos de natureza

    diversa, mas, ainda assim, concorrem entre si. Swanwick (1999, p. 83) reflete que

    nesse ponto de comparao que comeamos a ter conscincia da necessidade de

    critrios confiveis para explicitar padres, para uma linguagem compartilhada de

    crtica musical. Para evitar os preconceitos, a arbitrariedade e possveis injustias, o

    autor recomenda que se deva analisar cuidadosamente os critrios utilizados, bem como

    investigar a possibilidade de utilizar mais de um avaliador no processo.

    Segundo Swanwick (2003, p. 81), a atividade musical amplamente avaliada

    de vrios modos, inclusive durante exames vocais e instrumentais, audies, festivais e

    concursos. Performances musicais e composies so assuntos dirios em crticas de

    jornais, que tambm publicam sobre as oscilaes de peas e msicos. O autor defende

    que, em razo de sua importncia, o processo deve ser fruto de uma reflexo cuidadosa,

    no devendo ser precipitado, pois a avaliao do desempenho de um msico em uma

    competio ou um exame pode aumentar ou diminuir seu prestgio pessoal, promover

    ou criar obstculos sua carreira profissional; ou, ainda, trazer lucro ou prejuzo

    financeiro. O autor lembra tambm, que os msicos so contratados ou despedidos

  • 34

    pela avaliao da maneira como tocam (Swanwick, 2003, p. 81).

    2.2 A Avaliao nos Cursos de Formao Musical

    Na viso de Hentschke e Del Ben (2003, p.184-185), avaliar estabelecer um

    dilogo entre o que foi planejado e o que constituiu de fato, a prtica de ensinar. Para

    tanto, ao avaliar, necessrio retomar todas as dimenses que constituem o processo de

    planejar o ensino, e questionar: O que ensinamos? Para que ensinamos isto ou aquilo?

    Quais foram nossas metas e objetivos? Eles foram alcanados? Por que ensinamos isto

    ou aquilo? Como justificaremos aquilo que foi feito em sala de aula? entre outras

    questes.

    Na dcada de 70, Swanwick (1979) se destacou por seu papel no

    desenvolvimento de um modelo curricular nacional que promove uma diversidade de

    experincias e atividades musicais, e permite que os alunos assumam diversos papis

    de forma ativa em uma variedade de ambientes musicais (1979, p.42). Nesse intuito,

    Swanwick prope um processo de aprendizagem baseado em um modelo denominado

    C(L)A(S)P, que em ingls significa to hold together6. Os parnteses nas atividades

    de Tcnica e Literatura so utilizados por Swanwick para caracteriz-las como

    secundrias ao processo educativo (conhecimento sobre Msica), uma vez que sua

    6 Em ingls o termo clasp significa ao mesmo tempo juntar e segurar. Em portugus conhecido como modelo (T)EC(L)A, que por sua vez, sugere a idia de alcanar, acessar ou pr alguma coisa em funcionamento por meio de uma chave, boto ou alavanca que aciona um mecanismo de controle. (Dicionrio Aurlio). Modelo C(L)A(S)P ou (T)EC(L)A: Composition (Composio - criao, arranjos, improvisao) Literature (Literatura - crtica musical, histria da msica, musicologia) Audition (Apreciao - audio de obras musicais em concertos, recitais e apresentaes) Skills acquisition (Tcnica - aquisio de habilidades no manuseio do instrumento, na leitura e escrita de

    notao simblica e na percepo auditiva) Performance (Execuo - tocar, cantar em ambiente formal e informal)

  • 35

    funo seria prover suporte Composio, Execuo7 e Apreciao, consideradas

    centrais ao desenvolvimento musical dos estudantes (envolvimento direto com a

    msica). A Tcnica se refere aquisio de habilidades, que incluem o controle tcnico

    vocal e instrumental, o desenvolvimento da percepo auditiva, da fluncia na leitura e

    escrita musical, e, tambm, do solfejo. A Literatura abrange os estudos histricos e

    musicolgicos, bem como a anlise musical por meio do estudo de partituras e

    performances, conhecimentos sobre o contexto da obra, a carreira do compositor,

    arranjador ou intrprete, caractersticas regionais, gneros, estilos, etc.

    Esses cinco tipos de atividades musicais representam parmetros (Swanwick,

    1979, p. 40) ou dimenses de experincias musicais que conduzem o aluno a

    desempenhar um papel ativo em seu prprio desenvolvimento e aprendizagem e

    constituindo-se em um valioso instrumento de trabalho, que prioriza a livre

    experimentao de materiais sonoros e busca desenvolver a criatividade e a

    improvisao. Em sua viso, a criatividade no uma prerrogativa de compositores, j

    que executantes e ouvintes tambm tm a oportunidade de criar para si prprios, e/ou

    para os demais, caminhos alternativos de experincia que podem permear inclusive o

    estudo da Tcnica e da Literatura Musical.

    Baseando-se nesse modelo, Tourinho e Oliveira (2003) fazem uma distino

    entre os objetivos de diferentes instituies de ensino musical:

    A preocupao com o desenvolvimento musical geral do indivduo aparece mais especificamente delineada nos programas de educao musical que tendem a distribuir de forma equilibrada, na mesma disciplina, as atividades de compor, tocar e apreciar. Estudos no Brasil, conduzidos por Hentschke (1994), Santos (1998) e Silva (1998), defendem a utilizao e coexistncia dessas atividades nas aulas de msica e nas aulas de performance, quando se trata dos cursos de iniciao musical ou de instrumento no nvel no-profissionalizante. Nos cursos tcnicos e superiores de instrumento, a nfase fica por conta da performance do

    7 Cabe esclarecer que no contexto das atividades do modelo (T)EC(L)A, o termo 'execuo' consiste em uma traduo da palavra inglesa performance. Nos cursos tcnicos e superiores de instrumento, contudo, mais comum a utilizao do prprio termo 'performance', que j se encontra incorporado lngua portuguesa, e que amplia o conceito de 'execuo' para incluir a prtica da interpretao

  • 36

    aluno e, embora as outras atividades continuem a existir, so fragmentadas em disciplinas especficas. A aula de instrumento, em alguns casos ou em boa parte dos casos, est voltada para a aquisio de noes tcnicas e de habilidade instrumental. Ouvir msica, ler sobre msica, improvisar e compor tornam-se atividades secundrias quando no existentes na aula de instrumento. A maior preocupao est em tocar um repertrio cada vez mais complexo e em uma superao tcnica das dificuldades encontradas (Tourinho e Oliveira, 2003, p.21).

    No tocante ao desenvolvimento musical, Swanwick reconhece que o domnio

    tcnico uma parte essencial na atividade de performance / execuo, mas no deve ser

    o nico aspecto a ser observado. Em sua viso, a primeira exigncia nesse sentido

    reconhecer a complexidade da experincia musical por si mesma:

    claro que uma atividade to rica no pode ser reduzida a uma nica dimenso, digamos, a da 'tcnica'. Existem outros elementos reconhecidos, incluindo aquilo que s vezes chamado de 'musicalidade', e que podemos mais claramente identificar como sensibilidade a e controle de materiais, expresso e forma (Swanwick, 1994, p. 105-106, grifo nosso).

    Na dcada de 80, com base em pesquisas sobre o desenvolvimento musical e no

    trabalho emprico realizado a partir da anlise de composies musicais infantis,

    Swanwick e Tillman (1986) publicaram um estudo que teve como objetivo mapear o

    desenvolvimento musical das crianas. Tendo como premissa a convico de que a

    aprendizagem musical deve obedecer a etapas sucessivas, consoantes com o nvel de

    amadurecimento psicolgico do indivduo, Swanwick fez o mapeamento desse

    processo. Desse trabalho, originou-se a Teoria e Modelo Espiral de Desenvolvimento

    Musical (Swanwick, 1988), que prev estgios cumulativos de desenvolvimento pelos

    quais o aluno passa durante o processo de aquisio do conhecimento musical. No

    Modelo Espiral (Swanwick, 1988), so apresentados oito nveis ou modos de

    desenvolvimento musical, articulados por meio de quatro dimenses centrais: Materiais,

    Expresso, Forma e Valor8.

    8 Um modelo de categorias semelhantes proposto por Meyer (1989), embora sua abordagem tenha um

  • 37

    Segundo Swanwick (2003, p. 59), os materiais so conhecidos nos manuais

    escolares como elementos musicais e correspondem noo de altura, timbre,

    durao e intensidade, estando relacionados s propriedades fsicas do som: a) modo,

    tonalidade, notas, intervalos, acordes; b) qualidade sonora, cor, textura, densidade; c)

    velocidade, andamento, mtrica, ritmo; d) energia, volume, dinmica, etc. Outros

    exemplos de materiais incluem a letra, a melodia, a harmonia, a parte vocal, a dico,

    os instrumentos e os efeitos sonoros. Swanwick (1988) explica que, no nvel dos

    Materiais, as pessoas encontram prazer no som propriamente dito, voltando sua ateno

    para a forma em que so trabalhadas as sonoridades, os timbres, as dinmicas, as alturas

    das notas, etc., valorizando a explorao dos materiais sonoros.

    A expresso est relacionada a sentimentos e nimos, temperamento, humor,

    aspectos emotivos, comunicativos e/ou descritivos; a possibilidade de evocar

    sentimentos e/ou lembranas, associaes visuais com figuras, quadros, desenhos,

    filmes ou com textos, poemas, letras. No tocante Expresso, as pessoas valorizam a

    msica na medida em que ela capaz de transmitir significados, sentimentos, humores e

    estados de esprito, podendo, ainda, fazer associaes entre o contedo expressivo da

    msica e suas experincias pessoais, sociais e/ou culturais.

    A forma inclui relaes estruturais entre os eventos, partes ou aes; mudanas e

    transformaes na msica: repetio e contraste, tenso e repouso, normas e desvios,

    simultaneamente ou em sucesso, e variaes. No nvel da Forma, as pessoas voltam

    sua ateno identificao das estruturas musicais e da interao entre as mesmas,

    buscando relaes coerentes entre seus eventos, partes e/ou sees, e apreciando suas

    carter mais histrico e filosfico que o Modelo Espiral de Swanwick (1988), que, por sua vez, est mais voltado ao contexto da educao musical. Em sua viso, as pessoas podem responder msica ao direcionar sua ateno aos sons (transcendentalismo), ou ao contedo expressivo e referencial da msica (tradicionalismo), ou, ainda, interao das estruturas apresentadas (formalismo). Enquanto o transcendentalismo se encontra relacionado ao nvel dos Materiais, o tradicionalismo enfatiza a Expresso, e o formalismo, a dimenso da Forma. Swanwick considera, contudo, uma dimenso adicional o Valor, que no encontra contrapartida na abordagem de Meyer.

  • 38

    transformaes e mudanas.

    O valor definido pela percepo do significado que o contato ativo com a

    msica pode proporcionar e se expressa por meio de uma reflexo sobre nossas

    experincias musicais e seu significado humano um compromisso de envolvimento

    com a msica por meio de um engajamento mantido com determinadas obras,

    intrpretes e compositores ou, ainda, do desenvolvimento sistemtico de novos

    processos musicais e/ou de idias crticas e analticas sobre msica (Swanwick, 1996, p.

    14). um processo de fuso ou sntese em que a msica incorpora as experincias

    anteriores e informa sobre novos valores. Nesse processo, o indivduo 'toma posse' da

    msica para si prprio (para construir novos significados pessoais) ou a oferece como

    uma contribuio coletividade (no sentido de construir novos significados sociais e

    culturais). O autor considera que o Valor o nvel mais alto de compreenso musical,

    que definido pela percepo do significado de determinado contato ou encontro com a

    msica em todas as camadas ou dimenses da espiral (seus materiais, seu carter

    expressivo e sua estrutura), implicando em um alto grau de empreendimento e

    realizao musical.

    Essas quatro dimenses centrais so, por sua vez, subdivididas em dois plos

    complementares de natureza qualitativa: o lado esquerdo representa o aspecto criativo,

    subjetivo, pessoal e intuitivo, e o lado direito representa o lado tradicional, objetivo,

    universal e analtico. Para cada nvel de resposta intuitiva, h uma dime