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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – CPCJ PROGRAMA DE MESTRADO EM CIÊNCIA JURÍDICA – PMCJ ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO A ATUAÇÃO DO MAGISTRADO FRENTE AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIO- NAIS: UMA EXIGÊNCIA NO EXERCÍCIO JURISDICIONAL BRIGITTE REMOR DE SOUZA MAY Itajaí [SC], junho de 2004

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – CPCJ PROGRAMA DE MESTRADO EM CIÊNCIA JURÍDICA – PMCJ ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO

A ATUAÇÃO DO MAGISTRADO FRENTE AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIO-NAIS: UMA EXIGÊNCIA NO EXERCÍCIO JURISDICIONAL

BRIGITTE REMOR DE SOUZA MAY

Itajaí [SC], junho de 2004

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2 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – CPCJ PROGRAMA DE MESTRADO EM CIÊNCIA JURÍDICA – PMCJ ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO

A ATUAÇÃO DO MAGISTRADO FRENTE AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIO-NAIS: UMA EXIGÊNCIA NO EXERCÍCIO JURISDICIONAL

BRIGITTE REMOR DE SOUZA MAY

Dissertação submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI,

para obtenção do grau de Mestre em Ciência Jurídica.

Orientador: Professor Doutor Volnei Ivo Carlin

Itajaí [SC], junho de 2004

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3 BRIGITTE REMOR DE SOUZA MAY

A ATUAÇÃO DO MAGISTRADO FRENTE AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIO-NAIS: UMA EXIGÊNCIA NO EXERCÍCIO JURISDICIONAL

Esta Dissertação foi julgada apta para a obtenção do título de Mestre em Ciência Jurídica e aprovada em sua forma final pela Coordenação do Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI.

Professor Doutor Volnei Ivo Carlin, Presidente

Professor Doutor Cesar Luiz Pasold Coordenador

Apresentada perante a Banca Examinadora composta pelos Professores:

Professor Doutor Volnei Ivo Carlin, presidente

Professor Doutor Paulo de Tarso Brandão, membro

Professor Doutor João dos Passos Martins neto, membro

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4 DECLARAÇÃO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

A autora isenta o seu Orientador e a Banca Examinadora de qualquer responsabili-

dade sobre o aporte ideológico conferido ao presente trabalho.

Itajaí, junho de 2004.

BRIGITTE REMOR DE SOUZA MAY

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Dedico este trabalho aos meus pais, Munir e

Maria Salete e aos meus filhos, Leonardo e Ar-

thur, fonte de toda inspiração e amor.

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6

Agradeço:

- a Deus que me concede cada dia.

- ao meu Orientador, Professor Doutor Volnei Ivo Carlin, com minha admiração e especial gratidão e pelo exemplo acadêmico;

- ao meu Co-orientador, Professor Mestre e Desembargador Luiz Cézar Medei-ros, exemplo acadêmico;

- ao CEJUR, a Academia Judicial, ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina e à Associação dos Magistrados Catarinenses pelo apoio efetivo;

- `a Professora Mestre Cristina Mendes Bertoncini pela inestimável contribui-ção a presente pesquisa;

- aos meus irmãos, Hélder e Rosélis, pelo carinho que sempre me dedicaram;

- a colega magistrada Adriana Mendes Bertoncini, pela amizade e pelas discus-sões enriquecedoras;

- A todos mais que, de alguma forma, colaboraram para a realização do presente trabalho.

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7 MAY, Brigitte Remor de Souza. A Atuação do Magistrado frente aos Princípios Constitucionais: uma Exigência no Exercício Jurisdicional 2004. 144f. Dissertação (Mestrado em Ciência Jurídica) - Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica, Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí.

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8 RESUMO

Esta Dissertação tem como objeto a Atuação do Juiz observada em relação a crise do Poder Judiciário, e como objetivo a formulação de uma proposta introdutória para uma nova Atuação do Juiz em decorrência do constitucionalismo moderno baseado nos Princípios Constitucionais. Com a conscientização da existência de uma Crise, entre o Poder Judiciário e a Sociedade, a Pesquisa procurou demonstrar o distanciamento do Judiciário enquanto Poder apto a responder às expectativas da população, bem como, a Crise do ensino jurídico, do Juiz, e a visão da Sociedade sobre o Poder Judiciário. Através das Teorias de Ronald Dworkin, Luigi Ferrajoli e Robert Alexy, constatou-se a possibilidade do Juiz, no exercício da Jurisdição, procurar respaldo nos Princípios Constitucionais. Procedeu-se a uma análise dos princípios, desde sua normatividade, passando por classificação e funções e sua importância para a Interpretação. Concluiu-se que, através de uma nova postura do Juiz, abandonando o extremismo de uma posição legalista-positivista, e adotando a Constituição como um sistema aberto de normas a possibilitar uma comunicação com o meio social, vislumbrou-se uma possibilidade de uma Atuação do Juiz com base nos Princípios Constitucionais, que representam, ao mesmo tempo, fonte e limites do exercício da Jurisdição e que cristalizam os valores da Sociedade, proporcionando uma aproximação do Poder Judiciário com a mesma. Quanto à metodologia, utilizou-se na Investigação, o Método Dedutivo, no Tratamento de Dados, o Método Cartesiano e no Relatório dos Resultados a base lógica é a Dedutiva, com o apoio das Técnicas do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica.

Categorias/Palavras-Chave: Juiz, Juiz com Nova Atuação; Exercício da Jurisdição, Poder Judiciário, Crise, Constituição, Interpretação, Normas Constitucionais, Princí-pios Constitucionais, Sociedade, Estado de Direito, Política, Protagonismo Institu-cional;

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9 MAY, Brigitte Remor de Souza. A Atuação do Magistrado frente aos Princípios Constitucionais: uma Exigência no Exercício Jurisdicional 2004. 144f. Dissertação (Mestrado em Ciência Jurídica) - Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica, Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí.

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10 RESUMEM

Esta Dissertação tem como objeto a Atuação do Juiz observada em relação a crise do Poder Judiciário, e como objetivo a formulação de uma proposta introdutória para uma nova Atuação do Juiz em decorrência do constitucionalismo moderno baseado nos Princípios Constitucionais. Com a conscientização da existência de uma Crise, entre o Poder Judiciário e a Sociedade, a Pesquisa procurou demonstrar o distanciamento do Judiciário enquanto Poder apto a responder às expectativas da população, bem como, a Crise do ensino jurídico, do Juiz, e a visão da Sociedade sobre o Poder Judiciário. Através das Teorias de Ronald Dworkin, Luigi Ferrajoli e Robert Alexy, constatou-se a possibilidade do Juiz, no exercício da Jurisdição, procurar respaldo nos Princípios Constitucionais. Procedeu-se a uma análise dos princípios, desde sua normatividade, passando por classificação e funções e sua importância para a Interpretação. Concluiu-se que, através de uma nova postura do Juiz, abandonando o extremismo de uma posição legalista-positivista, e adotando a Constituição como um sistema aberto de normas a possibilitar uma comunicação com o meio social, vislumbrou-se uma possibilidade de uma Atuação do Juiz com base nos Princípios Constitucionais, que representam, ao mesmo tempo, fonte e limites do exercício da Jurisdição e que cristalizam os valores da Sociedade, proporcionando uma aproximação do Poder Judiciário com a mesma. Quanto à metodologia, utilizou-se na Investigação, o Método Dedutivo, no Tratamento de Dados, o Método Cartesiano e no Relatório dos Resultados a base lógica é a Dedutiva, com o apoio das Técnicas do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica.

Categorias/Palavras-Chave: Juiz, Atuação, Jurisdição, Poder Judiciário, Crise,

Legitimidade, Constituição, Interpretação, Normas Constitucionais, Princípios Constitucionais, Sociedade, Estado, Poder, Política;

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11 ROL DE CATEGORIAS E SEUS CONCEITOS OPERACIONAIS

CONSTITUIÇÃO: “espaço garantidor das relações democráticas entre o Estado e a

SOCIEDADE.”1

CRIATIVIDADE JUDICIAL: inerente a toda INTERPRETAÇÃO, “produção do direito

por obra dos juízes.”2

CRISE: “é concebida como um ESTADO instalado de permanência incerta, claman-

do a cada momento numa revolução psicológica que rompa a mentalidade existen-

te”3 e também “ruptura inesperada do equilíbrio de um sistema.”

4

ESTADO DE DIREITO: definido por regras e limites que se baseiam na centralidade

da pessoa humana e na garantia dos seus direitos fundamentais, sendo esses a ba-

se e o eixo do ESTADO e não somente valores externos, pode-se, assim, caracteri-

zar o ESTADO de Direito como uma estrutura limitada de poder.

EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO: inserido na reestruturação do ESTADO com a SO-

CIEDADE e deve ser visto em função dos jurisdicionados e “com razoável grau de

abertura e de sensibilidade à SOCIEDADE e aos indivíduos que a compõem, a cujo

serviço exclusivo deve agir o sistema judiciário.”5

INTERPRETAÇÃO: “significa valoração ‘balanceamento’, significa ter presentes os

resultados práticos e as implicações morais da própria escolha; significa que devem

ser empregados não apenas os argumentos da lógica abstrata, ou talvez os decor-

1STRECK, Lênio. Hermenêutica Jurídica e(m)CRISE. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Edito-

ra.2000. p.224. 2CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores?.Trad. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira.Porto Alegre: Sérgio

Antonio Fabris Editor.1993, reimpressão,1999,p.13 3 CARLIN, Volnei Ivo. Deontologia Jurídica Ética e Justiça. 2 ed., Florianópolis: Obra Jurídica. 1997, p. 24 4 MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de Política Jurídica. Florianópolis : OAB/SC, 2000, p. 24 5CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Irresponsáveis?Trad. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira.Porto Alegre: Sérgio

Antonio Fabris Editor.1989,p.91

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12 rentes da análise lingüística puramente formal, mas também e sobretudo aqueles da

história e da economia, da política e da ética, da sociologia e da psicologia”6

JUIZ: agente político integrante do Poder Judiciário com atribuição de dizer o direito

frente ao caso concreto e através de um processo

JUIZ COM NOVA POSTURA: aquele comprometido com os valores humanos, com

a “construção de territórios éticos, num claro compromisso com as necessidades so-

ciais”7, através de um exercício da “função, com independência e dignidade”8, ho-

nestidade, preparo intelectual e simplicidade.

JUIZ POSITIVISTA-LEGALISTA: julga exclusivamente com base na lei, é a figura

do JUIZ como “escravo da lei”, mecanicista, jamais podendo questionar a justiça da

lei, e fundado na crença da capacidade da lei para responder as exigências sociais.

NORMAS CONSTITUCIONAIS: “dotadas de valores ideais da sociedade, não po-

dem ser tratadas, exclusivamente, sob o ângulo da legalidade. Representa aspira-

ções de diversos matizes”.9

PODER JUDICIÁRIO: poder independente da República; instituição jurídico-política

no sentido de garantidor da “eficácia das regras de comportamento social inspiradas

na busca da justiça”.10

POLÍTICA: entendida como "forma de atividade ou de praxis humana."

PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS: é o alicerce do sistema, a raiz da legitimidade

constitucional, a essência da constitucionalidade das regras de uma Constituição.11

6 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores? Trad. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira.Porto Alegre: Sérgio

Antonio Fabris Editor.1993, reimpressão,1999,p.33. 7MELLO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da Política Jurídica. Porto Alegre: Sérgio Fabris Editores.

1994.p.20 8 CARLIN, Volnei Ivo. Deontologia Jurídica. Ética e Justiça. Florianópolis: Obra Jurídica1997. p.130. 9 SILVA, Moacir Motta da.. Tema de Política e Direito Constitucional Contemporâneos. O princípio da razoa-

bilidade como expressão do princípio da justiça, e a esfera dos Poderes Jurisdicionais do JUIZ. p.121-138.Florianópolis: Momento Atual. 2004.p.135.

10DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. São Paulo: Saraiva, 1996, p.46. 11 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7a ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 265

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13 PROCESSO: instrumento ético na realização da justiça.

PROTAGONISMO INSTITUCIONAL: aumento do exercício da Jurisdição sobre a atuação

relativamente aos demais poderes; prioridade.

SEGURANÇA JURÍDICA: “situação de um fato ou ato respaldado na ética, na razão

e na justiça, segundo os padrões da Sociedade, em determinado momento”12 e, no-

tadamente nos Princípios Constitucionais.

SOCIEDADE: “sistema social em que se identifica uma comunidade de interesses e

alguns fins comuns, embora difusos.”13

12MELLO, Osvaldo Ferreira de Mello. Revista Sequência Positivação do direito informal, uma questão de polí-

tica jurídica. Revista Seqüência, Florianópolis: Editora da UFSC, vol.7, julho/1983,pp.9-15. 13MELLO, Osvaldo Ferreira de Mello. Verbete.Dicionário de Política Jurídica. Florianópolis: OAB/SC Edito-

ra, 2000, P.89.

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14 SUMÁRIO

RESUMO ....vii

ABSTRACT viii

ROL DE CATEGORIAS E SEUS CONCEITOS OPERACIONAIS.....................................ix

INTRODUÇÃO 01

CAPÍTULO 1- A CRISE DO PODER JUDICIÁRIO E AS RELAÇÕES COM A SOCIEDADE BRASILEIRA ATUAL E DO JUIZ NO EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO 04

1.1A CRISE DO PODER JUDICIÁRIO: DO ENSINO JURÍDICO À DO JUIZ...............06

1.1.1 A crise do ensino jurídico jurídico e a falta de cursos específicos de formação de magistrados: o Juiz como escravo da lei ................................ .08

1.1.2 A crise do Juiz......................................................................................................13

1.1.3 A crise do Poder Judiciário e o protagonismo institucional.................................17

1.2 A VISÃO DA SOCIEDADE SOBRE O PODER JUDICIÁRIO..................................20

1.2.1 Pesquisas de Opinião como elemento para aferição do pensar da sociedade......20

1.2.2 A visão dos agentes políticos dos Poderes Executivo e Legislativo....................26

1.2.3 As visões dos agentes políticos do Poder Judiciário............................................30

1.2.4 A influência da mídia na relação da sociedade com o Poder Judiciário..............33

CAPÍTULO 2- AS TEORIAS PÓS-POSITIVISTAS: SUSTENTÁCULOS PARA UMA NOVA ATUAÇÃO DO MAGISTRADO...........................................................................38

2.1 A TEORIA DO DIREITO DE RONALD DWORKIN................................................39

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15 2.2 A TEORIA GERAL DO GARANTISMO: PENSAMENTO DE FERRAJOLI..........42

2.3 A TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: PENSAMENTO DE ALEXY.....60

CAPÍTULO 3- A NECESSIDADE DE NOVA ATUAÇÃO JURISDICIONAL DO MAGISTRADO .................................................................................................................72

3.1 O CONSENSO TEÓRICO DOS JURISTAS SOBRE OS PRINCÍPIOS....................72

3.1.1 Classificação e funções dos Princípios..............................................................77

3.2 INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL E PRESTAÇÃO JURISDICIONAL......81

3.2.1 Interpretação Constitucional..............................................................................81

3.2.2 A prestação jurisdicional e a Interpretação Constitucional na visão de Flávia de Almeida Viveiros Castro..................................................................................92

3.3 A NOVA POSTURA DO JUIZ NO EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO: UMA MUDANÇA DE MENTALIDADE...........................................................................101

CONSIDERAÇÕES FINAIS 130

REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS 133

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16 INTRODUÇÃO

A presente Dissertação tem como objeto14 o Exercício Jurisdicional do Juiz, ob-

servado em relação à Crise pela qual atravessa o Poder Judiciário.

O seu objetivo institucional é a obtenção do Título de Mestre em Ciência Jurí-

dica pelo Programa de Mestrado em Ciência Jurídica do Curso de Pós Graduação S-

tricto Sensu em Ciência Jurídica- CPCJ/UNIVALI.

O seu objetivo geral é a formulação de uma proposta introdutória para um novo

Exercício Jurisdicional através do constitucionalismo contemporâneo, baseado nos

Princípios Constitucionais, que representam ao mesmo tempo fonte e limites a esse e-

xercício.

Os seus objetivos específicos são; a) refletir sobre a Crise do Poder Judiciário, a

visão da Sociedade em relação ao mesmo; b) colher o posicionamento teórico dos ju-

ristas sobre Princípios e a Interpretação constitucional; c) demonstrar a necessidade de

um novo Exercício de Jurisdição para resgatar a aproximação do Poder Judiciário junto

a Sociedade.

Para tanto, principia-se, no Capítulo 1, uma análise sucinta da Crise do Poder

Judiciário e as relações da Sociedade atual e do Juiz no Exercício da Jurisdição, pas-

sando-se pela Crise do ensino jurídico e da formação específica do magistrado a do Ju-

iz, chegando-se à Crise do Poder Judiciário em face à exigência do Protagonismo Ins-

titucional. Traz-se, ainda, a visão da Sociedade sobre o Poder Judiciário, as pesquisas

de opinião como elemento para aferição do pensamento da Sociedade, a visão dos a-

gentes políticos dos três Poderes do Estado e, finalmente, a influência da mídia em re-

lação à Sociedade com o Poder Judiciário.

14 Nesta Introdução cumpre-se o previsto em PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica- idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 8 ed. rev. Florianópolis : OAB/SC Editora- co-edição OAB Edi-tora, 2003, especialmente à p. 170-181.

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17 O Segundo Capítulo é dedicado às teorias pós-positivistas que fazem uma críti-

ca lacerante ao positismo jurídico extremista. Em primeiro lugar, é abordada a Teoria

do Direito, elaborada por Ronald Dworkin, no livro Los Derechos en Serio, na qual

traz-se uma análise dos Princípios e sua aplicação jurisdicional.

Em seguida, analisa-se a Teoria Geral do Garantismo, proposta por Luigi Ferra-

joli, com suas acepções jurídicas e categorias, demonstrando a necessidade do magis-

trado avaliar a validade de uma norma em seu conteúdo substancial, caracterizando o

Estado de Direito como uma estrutura limitada de poder.

Finalmente, a terceira teoria abordada é a Teoria dos Direitos Fundamentais de

Robert Alexy, que parte do conceito de direito como um sistema aberto de normas e

Princípios. O referido autor elabora uma teoria acerca das colisões que ocorrem na

prática jurídica no que se refere aos direitos fundamentais, dando ao magistrado um

arcabouço teórico que consegue dar conta dos conflitos existentes.

No Terceiro Capítulo, estudar-se a necessidade de um novo exercício jurisdicio-

nal do Juiz. Em um primeiro momento, faz-se uma análise introdutória sobre os Princí-

pios, expondo o consenso teórico dos juristas sobre esses, suas classificações e fun-

ções. Em seguida, aborda-se a Interpretação constitucional e a prestação jurisdicional

para finalizar com a necessidade de uma nova postura do magistrado no exercício da

Jurisdição, com base nos Princípios constitucionais para provocar uma mudança de

mentalidade.

O presente Relatório de Pesquisa encerra-se com as Considerações Finais, nas

quais são apresentados pontos destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos

estudos e das reflexões sobre uma nova mentalidade no Exercício da Jurisdição, como

um dos elementos importantes para a superação da Crise entre Sociedade e Poder Judi-

ciário.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de Investigação é u-

tilizado o Método Dedutivo, na Fase de Tratamento de Dados, o Método Cartesiano, e,

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18 o Relatório dos Resultados expresso na presente Dissertação é composto na base lógica

Dedutivo15.

Nas diversas fases da Pesquisa, são acionadas as Técnicas do Referente, da Ca-

tegoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica.16

É conveniente ressaltar, enfim, que, seguindo as diretrizes metodológicas do

Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica- CPCJ/UNIVALI , no pre-

sente trabalho, as Categorias fundamentais são grafadas, sempre, com a letra inicial

maiúscula e seus Conceitos Operacionais apresentados em um rol no início da disserta-

ção.17

15Sobre os Métodos e Técnicas nas diversas Fases da Pesquisa Científica, vide PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica. p. 104. 16Quanto às Técnicas mencionadas, vide PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica. especialmente p. 61 a 71,31 a 41, 45 a 58, e 99 125, nesta ordem. 17PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica- idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Di-reito. 8 ed. rev.Florianópolis: OAB/SC Editora - co-edição OAB Editora, 2003. 243 p.

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Capítulo 1

A CRISE DO PODER JUDICIÁRIO E AS RELAÇÕES DA SOCIEDADE E DO

JUIZ NO EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO

O desafio atual do pensamento jurídico sobre o exercício da Jurisdição passa

fundamentalmente por uma contextualização do que a Sociedade atual pensa acerca do

Judiciário e do Juiz no exercício da sua função, e da Crise que se instaurou sobre esse

Poder.

Privilegiou-se, na pesquisa, buscar elementos em diversos autores que abordam

o tema sob óticas diferentes e que possuem ideologias diversificadas, para conseguir

uma abordagem panorâmica jurídico-política do exercício da magistratura.

Impõe-se relembrar que, no Brasil, historicamente, o Judiciário foi erigido como

poder independente da República com a Constituição de 1891, aderindo ao sistema de

separação de Poderes18, assim, desde lá, foi reconhecido como instituição política no

sentido de garantidor da eficácia das regras de comportamento social inspiradas na

busca da justiça19.

O Poder Judiciário sempre esteve como uma figura de muita importância no

imaginário popular, mas na atual fase da vida social política brasileira, e de forma mais

contundente, no poder político e na imprensa, convive-se com uma sensação de des-

crença total em relação a esse Poder.

É certo que as relações entre o Poder Judiciário e a Sociedade foram se deterio-

rando ao longo dos tempos, mas o Poder Judiciário não percebeu ou não quis perceber

a gravidade desta situação.

18DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. São Paulo : Saraiva, 1996, p. 99 19DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. São Paulo : Saraiva, 1996, p. 46

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20 Zaffaroni, ao estudar as funções do Poder Judiciário nas democracias contempo-

râneas , lembra que jamais um processo institucional, como o que afeta o judiciário,

se produz na forma de ´broto´, senão que se vai instalando com o tempo. 20

Faria afirma que os Estados latino-americanos estão vivendo um “momento

maquiavélico”, que ocorre quando uma sociedade,“no curso de sua estrutura temporal,

vai gerando, dentro de suas estruturas sócio-econômicas e de seus contornos institu-

cionais, necessidades inéditas de articulação política, que só podem ser satisfeitas pe-

la criação e implementação de estratégias legislativas e processuais inéditas.“21

Aduz que especificamente em relação ao Brasil, o “ momento maquiavélico” se-

ria decorrente de três crises, cuja origem estaria associada à incoerência entre o tipo

de desenvolvimento econômico adotado pelo regime autoritário pós-64 e suas formas

política e jurídica22 , delimitando-as da seguinte forma:

No plano sócio- econômico, uma crise de hegemonia dos setores do-minantes; no plano político, uma crise de legitimação do regime repre-sentativo; e no plano jurídico-institucional, uma crise da própria ma-triz organizacional do Estado, na medida em que este parece ter atin-gido o limite de sua flexibilidade na imposição de um modelo centra-lizador e corporativo, cooptador e concessivo, intervencionista e ato-mizador quer dos conflitos sociais quer das contradições econômi-cas.23

Zaffaroni ressalta que em países onde há disparidade do discurso jurídico e a

planificação econômica, ocorre a

explosão de litigiosidade (...) aumento da burocracia estatal(...) produ-ção legislativa impulsionada unicamente pelo clientelismo político provocam um maior protagonismo dos juízes, com o conseqüente au-

20 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Poder Judiciário. Crise, Acertos e Desacertos. Trad. Juarez Tavares. São Paulo: RT,1995.p.25. 21FARIA, José Eduardo. Justiça e Conflito. Os juízes em face dos novos movimentos sociais. São Pau-lo:RT,1991.p.16. 22 FARIA, José Eduardo. Justiça e Conflito. Os juízes em face dos novos movimentos sociais. São Pau-lo:RT,1991.p.17. 23FARIA, José Eduardo. Justiça e Conflito. Os juízes em face dos novos movimentos sociais. São Pau-lo:RT,1991.p.17

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21 mento de suas faculdades discricionárias, ao que se agrega que, em ge-ral, o público parece tender a expressar-se mais violentamente diante dos erros- reais ou supostos- da justiça do que diante dos erros de ou-tros órgãos estatais.24

Faria, com propriedade lembra que a magistratura foi desafiada a aplicar, em

conflitos inéditos na história “uma ordem legal fragmentada entre muitos institutos ju-

rídicos anacrônicos e algumas novas leis de caráter social .”

A Constituição Federal de 1988 erigiu direitos e políticas públicas e funcionou

como verdadeiro catalisador na deteriorização de tais relações, pois houve uma busca

incessante ao Poder Judiciário para que tais políticas fossem implementadas, uma vez

que o Poder Executivo se omitiu na sua implantação, e o Poder Judiciário não ofereceu

respostas adequadas a essas demandas.25

Teixeira26 lembra que a Constituição da República Federativa do Brasil ampliou

a atuação do Judiciário, tanto ao criar novas vias processuais de controle social, como

de rol de direitos, houve um despertar para a cidadania, mas que, à medida que a soci-

edade despertou para a cidadania , aumentando as demandas, cresceu, na mesma pro-

porção, a insatisfação social com o Judiciário.

Referente a importância da Constituição da República Federativa do Brasil rotu-

lada pelo próprio Congresso Nacional de "Constituição-cidadã", pela preocupação com

os direitos sociais e com a cidadania, posicionou o Poder Judiciário como Poder políti-

co, ampliando o acesso à tutela jurisdicional para adaptar essa garantia aos novos tem-

pos e às novas aspirações sociais, extraordinário arsenal de instrumentos jurídicos e

com normas, preceitos e princípios que sinalizam a vontade popular de ter uma nova

Justiça no país, erigindo-o como participante ativo do processo democrático ao reivin-

dicar a sua presença mais efetiva na solução dos conflitos e ao ampliar a sua atuação

24 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Poder Judiciário. Crise, Acertos e Desacertos.Tradução Juarez Tavares. São Paulo: RT,1995.p.24. 25 MELLO, Aymoré Roque Pottes de, et al. A “reforma” deles e a nossa. Cidadania e Justiça. Rio de Janeiro, ano 4, n. 9. pp. 230/244 26TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A formação do juiz Contemporâneo. Disponível em < www.cjf.gov.br/revista/numero4/artigo12.htm> acesso em Maio/2004.

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22 com novas vias processuais de controle social (mandado de segurança coletivo, man-

dado de injunção, habeas data, ações coletivas, ação civil pública, ação popular, a-

ções de controle da constitucionalidade etc)

Teixeira afirma que não ocorreu a instrumentalização adequada do Poder Ju-

diciário, seja com recursos humanos, tecnológicos e materiais, mantendo uma concep-

ção individualista do processo em detrimento das soluções coletivas, em uma socieda-

de marcadamente de massa.27

Lembrou Nalini, que a Constituição da República Federativa do Brasil foi aque-

la que mais acreditou na solução judicial dos conflitos, bem como:

Enfatizou a missão da Justiça humana, confiou-lhe a tutela dos direitos fundamentais, destacados por longa enunciação e singular alteração topográfica. Criou direitos, cuja fruição ficou vinculada à assunção, pelo juiz, de papel político ampliado e, até certo ponto, desafiador da tradicional inércia. Previu instrumentos de conversão da Justiça na-quele serviço eficiente, célere, descomplicado e acessível sonhado pe-lo povo. Seduzida por essa Justiça diferente com que o constituinte acenou, a comunidade acorreu aos juízes e multiplicaram-se ainda mais os processos. Uma sociedade desperta pela cidadania, que é o di-reito a ter direitos, exercitou-a, esperançosa. E encontrou a mesma Justiça atormentada com suas carências e perplexa diante da profusão das demandas. 28

Como o Judiciário não conseguiu desempenhar a contento o novo papel e tal fato

nem chegou a ser percebido na própria “consciência dos operadores”, que, ignorando os

Princípios Constitucionais e as necessidades da população perdeu a oportunidade de

“resgatar sua legitimidade e afirmar-se como poder”29, continuou atuando de forma

tímida ao invés de dar vida a novos instrumentos.

27TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. O processo civil na nova Constituição. In: Mandados de segurança e de injunção. São Paulo:Saraiva, 1990. p. 36-37. 28 MELLO, José Celso de. Estado de São Paulo, 26 fev. 1997. 29MELLO, Aymoré Roque Pottes de, et al. A “reforma” deles e a nossa. Cidadania e Justiça. Rio de Janeiro, ano 4, n. 9. p. 236

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23 Assim, afirma Pottes Mello30 que, promulgada a Carta de 1988, que teria

lançado as bases de um novo pacto social, foi proporcionado ao Judiciário “a

adequação do jurídico à realidade brasileira”, por outro lado revela um “Estado

inadimplente com essa nova ordem”, promovendo um

processo coletivo de levantamento de expectativas na Sociedade, em paralelo ao desenvolvimento sustentado, no plano comportamental da sua consciência crítica no exercício da cidadania. Esse quadro de perspectivas sociais, somado a massa de miserabilidade econômica de amplos segmentos populacionais ávidos de reivindicações, entra em choque, todavia, com a estrutura operacional de base do Estado brasileiro.31

Sustenta, ainda, o mesmo autor32 que houve uma generalização na Sociedade,

aprofundada pelos meios de comunicação, de uma crítica crescente à atuação do Poder

Judiciário, assim o Poder Judiciário parece chegar a seu esgotamento, com notória

perda de credibilidade a provocar, num certo senso-comum tradicional, a ênfase aos

espaços privados em detrimento dos público” de solução de conflitos.

Streck33 afirma a existência de um enorme fosso existente entre o Direito e a

Sociedade, que é instituído e instituinte da/dessa Crise, retrata a incapacidade históri-

ca da dogmática jurídica (discurso oficial do Direito) em lidar com a realidade social.

Para Zahlouth Júnior34 o que representa a maior ameaça ao juiz, numa democra-

cia, nada mais é do que o perigo do hábito, da indiferença burocrática, a irresponsabi-

lidade anônima e lembra

Nós queremos - pedia Calamandrei - juizes com almas, engagés, e que saibam levar com humano e vigilante desempenho o grande peso que implica a enorme responsabilidade de fazer justiça, neste sentido, é imenso o desafio da Justiça do Trabalho, pois como o juiz deve en-

30 MELLO, Aymoré Roque Pottes de, et al. A “reforma” deles e a nossa. Cidadania e Justiça. Rio de Janeiro, ano 4, n. 9. p p.23O 31MELLO, Aymoré Roque Pottes de, et al. A “reforma” deles e a nossa. Cidadania e Justiça. Rio de Janeiro, ano 4, n. 9. p.236 32MELLO, Aymoré Roque Pottes de, et al. A “reforma” deles e a nossa. Cidadania e Justiça. Rio de Janeiro, ano 4, n. 9. p.236 33STRECK, Lêniol Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 2ºed. Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2000, p. 17 34 JUNIOR, Carlos Zahlouth. Atuação Do Magistrado Trabalhista No Brasil.Como se superar a crise do Judiciário. Inserido em < [email protected],[email protected]> acesso em 3.01.2004

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24 frentar a questão da função social da Justiça do Trabalho nesse país dividido, contraditório e explosivo? 35

Dentro de tal contexto, Faria aponta algumas soluções: um amplo processo de

renovação hermenêutica e de oxigenação doutrinaria; o espancamento definitivo da

"pseudo" neutralidade do juiz e por fim uma justiça não exclusivamente técnica, assim

estes são os nossos desafios como juizes, já que assumimos a defesa intransigente da

Justiça, dar ao justo o que lhe é justo, sem receio do opressor, para ir contra o mesmo

opressor, pois, conforme Hegel: o que é dado por sabido, exatamente porque é sabido,

não é efetivamente conhecido."36

Na visão de Streck37 há consenso no sentido de que a “ máquina judiciária”,

seja através de sua complexidade, ou na “crônica demora” no tramitar dos processos,

aliado ao alto custo que traz dificuldade no acesso à justiça, trazendo “arranhões” em

sua legitimidade, trazendo à tona a discussão , seja no âmbito da dogmática jurídica ou

da denominada crítica do Direito, sobre a (falta de) efetividade dos processos judici-

ais, e, enfim, o questionamento sobre a (falta de) efetividade da justiça brasileira. Mas

também‚ evidente que isso é conseqüência de uma crise de paradigma (1) pela qual

passam o direito e a dogmática jurídica. 38

Continua, ainda, a esclarecer a questão :

Na realidade, o Judiciário brasileiro não é lento porque as Súmulas ou as jurisprudências não vinculam/obrigam, formal ou informalmente, as instâncias inferiores (já sustentamos que, graças ao art. 38 da Lei 8.038, as Súmulas já vinculam!), mas sim, porque está assentado sobre uma estrutura arcaica e burocrática, permeada por um imaginário con-servador, fruto de uma fortíssima crise de paradigma pela qual passa a

35 JUNIOR, Carlos Zahlouth. Atuação Do Magistrado Trabalhista No Brasil.Como se superar a crise do Judiciário. Inserido em < [email protected],[email protected]> acesso em 3.01.2004 36 Discurso proferido pelo autor, por ocasião da posse no cargo de Juiz do Trabalho Substituto do Egrégio TRT da 8ª Região em 09.12.93, in Rev. TRT 8º Reg, Vol. 27, nº 52, 1994. 37

STRECK, Lênio. Efeito Vinculante: desmi(s)tificações necessárias acerca dos projetos de reforma do Judiciário. Inserido em Inserido em < Femargs. Revista nº1, www.femargs.com.br/revista01streck> acesso em Janeiro/2004. 38 STRECK, Lênio. Efeito Vinculante: desmi(s)tificações necessárias acerca dos projetos de reforma do Judiciário. Inserido em Inserido em < Femargs. Revista nº1, www.femargs.com.br/revista01streck> acesso em Janeiro/2004.

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25 dogmática jurídica. E, justamente no contexto dessa crise de para-digma - (re)alimentada/impulsionada por políticas legislativas ad hoc - que podemos ter a certeza de que, uma vez aprovado o meca-nismo constitucional da vinculação sumular, logo surgirão novas ten-tativas, talvez até mais "sofisticadas" do que estas que estão em dis-cussão no Projeto Jairo Carneiro, objetivando manipular e esgualepar, mais ainda, os operadores jurídicos e as instâncias inferiores do judici-ário

.

Alguns autores sustentam ainda, a incapacidade histórica da dogmática jurídi-

ca39, enquanto instrumento do direito, em dar respostas as demandas da Sociedade leva

a uma Crise do Poder Judiciário que passou a ser visto como ineficiente para a resolu-

ção dos conflitos, e a sua Crise agravou-se.

Antoine Garapon traça um diagnóstico do Judiciário, afirmando que a justiça

democrática vê-se envolvida num imperativo contraditório: ao mesmo tempo em que

enfrenta desafios de amplitude desconhecida até então, ela vê sua intervenção contes-

tada. Nunca ela foi tão idealizada, nunca pareceu tão frágil.. 40

1.1 A CRISE DO PODER JUDICIÁRIO: DO ENSINO JURÍDICO À CRISE DO Juiz

Na realidade, emerge a clara consciência de que a Crise do Poder Judiciário es-

tá inserida no contexto da transformação do papel do Estado e suas relações com a So-

ciedade.

Como Crise, utiliza-se o conceito elaborado por Carlin concebida como um Es-

tado instalado de permanência incerta, clamando a cada momento numa revolução

psicológica que rompa a mentalidade existente.41

39 Ver a obra de ANDRADADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática Jurídica: Escorço de sua configuração e identidade. Porto Alegre : Livraria do Advogado, 1996b 40 GARAPON, Antoine. O juiz e a Democracia. O guardião das promessas.Rio de Janeiro:Revan.2001. p.154. 41 CARLIN, Volnei Ivo. Deontologia Jurídica Ética e Justiça. 2º ed., Florianópolis: Obra Jurídica. 1997, p. 24

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26 Osvaldo Ferreira de Melo ensina que Crise é ruptura inesperada do equilíbrio

de um sistema.42

Estabelecido, então, o conceito de Crise, percebe-se que, na verdade, o próprio

direito está inserido nela, reduzido a um caráter instrumental e limitado à idéia de lei

afastado dos ideais de justiça.43

Streck,44 ao trabalhar a hermenêutica jurídica em Crise sustenta que essa Crise

não é só do direito, mas também do Estado e da dogmática jurídica e seus reflexos na

Sociedade e ainda afirma que o despreparo do direito e da dogmática jurídica não con-

seguem atender as especificidades das demandas originadas de uma Sociedade com-

plexa e conflituosa.45

Há que se refletir que a Crise do Poder Judiciário, no Brasil, está inserida na

Crise existente entre o Estado e a Sociedade, passando pelo ensino jurídico, conforme

ensinou José Eduardo Faria, dentro de uma visão sociológica, atribuindo-a na multipli-

cidade de leis meramente conjunturais, diluição dos contornos entre o público e o pri-

vado, o aumento do número de demandas e o esvaziamento do direito positivo.46

É inegável, assim, que o Poder Judiciário vem se transformando em velocidade

incompatível com a era tecnológica e o tempo de transformações rápidas, aliado ao

excesso de demandas.

Bobbio47 ressalta, na obra “O futuro da democracia” , que o excesso de

demandas aliado à burocratização do Estado, represou expectativas sociais emergentes.

Isso não significa que o problema está no sistema democrático, mas tão somente no seu

aparato.

42 MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de Política Jurídica. Florianópolis : OAB/SC, 2000, p. 24 43 NALINI, José Renato (coord.) Curso de Deontologia da Magistratura. São Paulo : Saraiva, 1992, p. V 44 STRECK, Lêniol Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 2ºed. Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2000, p. 17 45 STRECK, Lêniol Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 2ºed. Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2000, p. 17 46 FARIAS, José Eduardo. Poder Judiciário no Brasil. São Paulo : CEJ ,1996, p.16 47BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia: uma defesa das regras do jogo. Trad. Marco Aurélio Noguei-

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27 Na verdade, traçando um paralelo com a idéia de Bobbio, pode-se dizer que o

Judiciário brasileiro está padecendo do mesmo “mal” da democracia, ou seja, a

ineficiência de estrutura e preparo de seus operadores em relação à resposta às demandas.

Portanto, o que precisa ser modificado é a estrutura do Poder Judiciário e a mentalidade

de seus integrantes, mas não gerar o enfraquecimento do Poder, que só trará prejuízos à

democracia.48

Ou seja, a ineficiência do aparato não justifica a supressão do sistema democrático

e, da mesma forma, o não funcionamento adequado, ou melhor, a Crise do Poder

Judiciário não justifica o enfraquecimento desse.

Dessa forma, como o magistrado está inserido dentro do aparato do Poder Judi-

ciário, o seu papel é um dos elementos da Crise, uma vez que, o juiz continua sendo

somente um operador do direito, aplicador das leis, sem críticas, sendo uma das causas

para essa Crise o ensino jurídico, bem como a ausência de formação específica para o

exercício da função.

1.1.1 A Crise do ensino jurídico e a falta de cursos específicos de formação de ma-

gistrados: o Juiz como escravo da lei

A formação dos operadores jurídicos em geral, e especificamente do Juiz, está

centrada no positivismo jurídico, no qual esse é um “escravo da lei”.

A educação jurídica no Brasil, na posição de Faria, caracteriza-se historicamen-

te, por não oferecer ao estudante o desenvolvimento de uma visão crítica da legislação

e do Estado, pois o ensino está voltado à perpetuação de uma visão lógica e harmôni-

ca do Direito, com a finalidade específica de homogeneizar, ideologicamente, a classe,

com base nos interesses estatais.49

ra, 5º ed. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1992 48BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia: uma defesa das regras do jogo. Trad. Marco Aurélio Noguei-ra, 5º ed. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1992 49 FARIA, José Eduardo apud RODRIGUES, Horácio Wanderlei, idem p. 103.

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28 Os juízes estudam a lei e dela são escravos. Quando professores, le-vam a pensar também na santidade de lei enquanto instrumento de controle social da classe dominante. Sequer se pensa na possibilidade da decisão judicial resultar de uma construção que leve em conta a So-ciedade complexa, sujeita ao risco e ao perigo e que exige cada vez mais que o operador do direito tenha uma visão interdisciplinar e, so-bretudo, ampla do fenômeno jurídico. Impõe-se a adoção de uma her-menêutica crítica que contemple, ao lado do direito, a moral, a políti-ca, a arte, a sociologia, enfim, a própria vida manifestada na sua pleni-tude.50

O legalismo formal, que afasta o direito da justiça, foi inspirado na influência de

Hans Kelsen que, no Brasil, foi exacerbado por uma concepção normativista do direito. 51

Gomes diz que o ensino jurídico no país acha-se submetido a pelo menos três

Crises: (a) científico-ideológica, (b) político-institucional e (c) metodológica.52 Nesta

dissertação, apenas serão mencionadas as duas primeiras Crises.

Assim, explica o autor:

a primeira relaciona-se com o equivocado paradigma científico do qual se parte. Necessitamos na atualidade (cada vez mais) conhecer os dois ordenamentos jurídicos vigentes, o constitucional e o legal (que por sinal, com freqüência, são antagônicos). Nas faculdades, entretan-to, em geral (há exceções honrosas), ensina-se só metade do que de-vemos aprender (a perspectiva positivista legalista do Direito e dos di-reitos). Isso decorre do pensamento do Estado Contemporâneo, da revolução francesa, do código napoleônico, onde reside a origem da confusão en-tre lei e Direito; os direitos e a vida dos direitos valeriam pelo que está escrito (exclusivamente) na lei; quando o correto é reconhecer que a lei é só o ponto de partida de toda Interpretação (que deve sempre ser conforme a Constituição). A lei pode até ser, também, o ponto de chegada, mas sempre que con-flita com a Carta Magna, perde sua relevância e primazia, porque, nes-se caso, devem ter incidência (prioritária) as normas e os Princípios

50FAGÚNDEZ, Paulo Roney Ávila. A Crise do ensino jurídico. Disponível em < www.roney.floripa.com.br/docs/CRISE.doc> Acesso em 24/05/2004 51 ver DALLARI, Dalmo de Abreu. O Poder dos Juízes. São Paulo: Saraiva, 1996; Zaffaroni, Eugenio Raúl. Po-der Judiciário. Crise. Acertos e Desacertos. Trad. Juarez Tavares. São Paulo: RT1995; FARIA, José Eduardo. (organ)Direitos humanos, Direitos Sociais e Justiça. São Paulo: Malheiros,1994.; FARIA, José Eduardo. Justiça e Conflito. Os juízes em face dos novos mopvimentos sociais. Sâo Paulo: RT,1991 entre outros. 52GOMES, Luiz Flávio. A Crise (tríplice) do ensino jurídico. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 59, out. 2002. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3328>. Acesso em: 29 mai. 2004

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29 Constitucionais. A lei, como se percebe, foi destronada. Mesmo por-que, ao contrário do que pensava Rousseau, o legislador não é Deus e nem sempre representa a vontade geral, ao contrário, com freqüência atua em favor de interesses particulares (ou mesmo escusos).53

Gomes traz a primeira conclusão, afirmando que o ensino jurídico no terceiro

milênio não pode continuar ancorado na ideologia científica (estatalista e legalista)

do século XVIII.54

Essa concepção, para Paulo Bonavides, reduziu a Constituição a mera lei . Para

ele:

Um dos traços marcantes do positivismo jurídico-estatal, de feição formalista, esboçado por Laband, aperfeiçoado por Jellinek e conduzi-do às últimas conseqüências por Kelsen, como já observou um jurista contemporâneo, é abreviar as reflexões sobre a Constituição para re-duzi-la a uma classificação legalista, fixada unicamente sobre o seu exame e emprego como lei técnica de organização do poder e exterio-rização formal de direitos. Daqui deriva metodologicamente uma es-pécie de construtivismo positivista, de cunho neutral e apolítico.55

Já sob o ponto de vista político-institucional , o autor, ainda, sustenta que:

a Crise não é menos profunda. Faculdade de Direito deveria ser o lu-gar apropriado para o aluno aprender a pesquisar, raciocinar, compre-ender e, sobretudo, argumentar, redigir arrazoados etc. No entanto, es-tá se mercantilizando vergonhosamente. Em qualquer esquina −dizem− acha-se uma delas. Exagero à parte, certo é que temos (já) quase 450 cursos em funcionamento no país e o Ministério da Educa-ção agora está pretendendo reduzi-los para três anos, com abranda-mento das exigências curriculares – veja a crítica pertinente de Carlos Miguel Aidar, Folha de S. Paulo de 04.07.02, p. A3. Já não é, portanto, e o será menos ainda em breve, o lugar onde se conquista uma profissão ou onde se tem garantia de emprego. Nada mais disso é verdadeiro, salvo em algumas pouquíssimas ilhas de exu-berância acadêmica. Se você acha hoje chocante recomendar a alguém que faça escola de datilografia, saiba que algumas faculdades ainda

53GOMES, Luiz Flávio. A Crise (tríplice) do ensino jurídico. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 59, out. 2002. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3328>. Acesso em: 29 mai. 2004 54GOMES, Luiz Flávio. A Crise (tríplice) do ensino jurídico. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 59, out. 2002. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3328>. Acesso em: 29 mai. 2004 55BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 12 ed., São Paulo : Malheiros, 2002, p. 148

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30 são desse tempo. Na era digital já não se pode ensinar analiticamen-te!56

Para comprovar tal assertiva, explica que as Faculdades estão se reduzindo a um

simples degrau obrigatório para se conquistar um diploma e ter diploma, não signifi-

ca, necessariamente, ser capacitado, pois somente 19% dos bacharéis estão passando

no exame da Ordem dos Advogados. Menos de 1% dos inscritos estão sendo aprova-

dos nos concursos da magistratura e do ministério público (cf. Folha de S. Paulo de

06.07.02, p. A2)57.

Quanto ao que se chama de segunda conclusão, Gomes diz que: durante o período escolar, enquanto alguns fazem de conta que ensi-nam, outros fazem de conta de aprendem. O governo, por sua vez, faz de conta que fiscaliza (com seus provões) e as instituições (em geral) fazem de conta que são fiscalizadas, que contam com uma biblioteca atualizada etc.. Quem assim procede vive uma ficção (enganosa). As drásticas conseqüências de tudo isso pronto aparecem e o dia do de-sespero não tarda! O aluno, depois de diplomado, ao cair "na real" (!), sente-se vítima de um engodo. Mas é preciso reconhecer que muitas vezes esse engodo foi bilateral (há também vítimas ávidas por vitimi-zação). Durante cinco anos muitos alunos enganaram os outros (pais, parentes etc.) e, principalmente, enganaram-se a si mesmos (às vezes, até comprando pela internet o trabalho final de conclusão do curso – cf. Folha de S. Paulo de 01.07.02, p. C12). Mas chega o dia em que ele tem que definir seu destino, sua profissão, seu futuro e, agora, não tem como enganar ninguém mais. Esse é o dia do desespero e também o dia de começar o jogo (da vida) para valer! É o momento de procurar sérios cursos de extensão universitária e fazer cinco anos em um.58

Da mesma forma, Horácio Wanderlei Rodrigues59 faz uma divisão das grandes

crises do ensino jurídico no Brasil. Analisa que existe uma Crise funcional, que, por

sua vez, desdobra-se em uma Crise do mercado de trabalho e em uma Crise de identi-

dade e legitimidade dos operadores jurídicos. Por outro lado, aponta para uma Crise

56 GOMES, Luiz Flávio. A Crise (tríplice) do ensino jurídico. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 59, out. 2002. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3328>. Acesso em: 29 mai. 2004 57 GOMES, Luiz Flávio. A Crise (tríplice) do ensino jurídico. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 59, out. 2002. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3328>. Acesso em: 29 mai. 2004 58 GOMES, Luiz Flávio. A Crise (tríplice) do ensino jurídico. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 59, out. 2002. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3328>. Acesso em: 29 mai. 2004 59 RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Ensino jurídico e direito alternativo. São Paulo : Acadêmica, 1993.

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31 operacional que se subdivide em curricular, didático-pedagógica e administrativa. A-

presenta, ainda, o que se chama de terceira grande Crise que, segundo ele, é estrutural

e se manifesta em duas formas: a Crise do paradigma político-ideológico e a Crise do

paradigma epistemológico.

Fagundéz analisando o pensamento de Horário Wanderlei Rodrigues explica

a) A Crise funcional (Crise de mercado de trabalho e a Crise de identi-dade e legitimidade dos operadores jurídicos). Os estudantes de Direi-to já sentem os problemas que enfrentarão fora da Universidade. b)A Crise operacional (Crise curricular, Crise didático-pedagógica e Crise administrativa). O que se ensina num curso de Direito? Dá-se, única e tão-somente, a reprodução da ideologia da classe dominante. Ensina-se ao neófito que o melhor caminho é a apreensão dos conteú-dos constantes do curso e que somente assim conseguirá vencer as bar-reiras apresentadas pela profissão e terá possibilidade de obter aprova-ção em concurso público. c) A Crise estrutural (a Crise a política e a Crise epistemológica). Co-mo se viu, a Crise que afeta o ensino jurídico é a mesma que atinge a Sociedade como um todo. Afinal, para onde caminha a humanidade? É a questão crucial que, no máximo, comporta uma resposta provisória. As estruturas políticas estão passando por uma profunda transforma-ção. A simples acusação da globalização enquanto arma da burguesia para o exercício do poder não traz uma luz maior para a discussão da transição paradigmática.60

E ainda salienta:

a Crise epistemológica é a grande responsável pela existência de um operador do direito autoritário, que veste a máscara para se proteger da ignorância e da incapacidade que possui para resolver os intrincados problemas humanos. As questões jurídicas, regra geral, se alicerçam na lei, que é o instrumento empregado pelas classes dominantes para perseguir seus inimigos.61

60FAGÚNDEZ, Paulo Roney Ávila. A Crise do ensino jurídico. Disponível em < www.roney.floripa.com.br/docs/CRISE.doc> Acesso em 24/05/2004 61FAGÚNDEZ, Paulo Roney Ávila. A Crise do ensino jurídico. Disponível em < www.roney.floripa.com.br/docs/CRISE.doc> Acesso em 24/05/2004

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32 A formação específica para os magistrados, em decorrência da especificidade

da função, é questão fundamental e defendida por vários autores.

Avulta, como defensores Volnei Ivo Carlin62, Régis de Oliveira63, José Renato

Nalini, Sálvio de Figueiredo Teixeira64, Fátima Nancy Andrighi65, José Eduardo Fa-

ria, Lédio Rosa de Andrade, Luiz Flávio Gomes 66, Jairo Gilberto Schäfer67, entre

tantos outros.

Teixeira68 lembra que a Constituição da República ampliou a atuação do Judici-

ário, tanto ao criar novas vias processuais de controle social, como de rol de direitos,

tornando-o comprometido com a cidadania, mas que, à medida que a sociedade des-

pertou para a cidadania , aumentando as demandas, cresceu, na mesma proporção, a

insatisfação social com o Judiciário.

Aquele autor sustenta que a formação do juiz é um dos pontos fundamentais na

transformação do Judiciário, sugerindo a reformulação do processo de seleção, com

critérios que priorizem os aspectos éticos e vocacionais e que o juiz face atual tendên-

cia de integração dos países em blocos econômicos regionais, o juiz deve preparar-se

para atuar em uma ordem comunitária.

Teixeira historia que o tema da formação dos juízes foi trazido ao texto consti-

tucional pela Emenda nº 7, de 13 de Abril de 1977, que previu, no art. 144, I, o ingres-

so na magistratura de carreira mediante concurso público de provas e títulos, realizado

pelos tribunais de segundo grau, com a participação do Conselho Seccional da Ordem

dos Advogados do Brasil, podendo a lei exigir dos candidatos prova de habilitação em

62 CARLIN, Volnei Ivo. Deontologia Jurídica. Ética e Justiça. 2 ed.Florianópolis: Obra Jurídica.1997. 63 OLIVEIRA, Régis de.O juiz na Sociedade Contemporânea.Coord Hélio Bicudo.São Paulo: FTD. 1997. 64TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A formação do juiz Contemporâneo. Disponível em < www.cjf.gov.br/revista/numero4/artigo12.htm> acesso em Maio/2004. 65 Fórum Nacional de Debates sobre o Poder Judiciário (1. 1997:Brasília, DF). Anais...1997. 335 p. 66 GOMES, Luiz Flávio. A Dimensão da Magisatratura no estado Constitucional e Democrático de Direito. São Paulo: RT,1997. 67 SCHÄFER, Jairo Gilberto. Direitos Fundamentais. Proteção e Restrição. Porto Alegre: Livraria do Advo-gado.2001. 68TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A formação do juiz Contemporâneo. Disponível em < www.cjf.gov.br/revista/numero4/artigo12.htm> acesso em Maio/2004.

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33 curso de preparação para a magistratura veio estimular a intensificação nos estudos e a

criação de uma verdadeira doutrina brasileira de educação judicial.69

A Constituição atual, estabelece, no seu artigo 93, IV, a criação de cursos ofici-

ais para o preparo e aperfeiçoamento de juízes como requisito para o ingresso e pro-

moção na carreira e, também no inciso II, alínea "c", estabeleceu, para fins de acesso, a

aferição do merecimento pelos critérios de presteza e segurança no exercício da juris-

dição e pela freqüência e aproveitamento em cursos reconhecidos de aperfeiçoamento.

Teixeira continua, informando que o atual projeto de reforma do Judiciário es-

tá em curso em nosso Congresso desde 1992, prevê a ampliação do papel das Escolas,

consideradas essenciais no processo de vitaliciamento e promoção dos juízes, assim

como a institucionalização de uma escola nacional da Magistratura, com o nome de

"Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados"

Afirma, quanto ao sistema brasileiro de formação de juízes afirma estar está na

busca do seu próprio modelo, existindo escolas estaduais, federais e especializadas, na

sua grande maioria subordinada aos respectivos tribunais ou pelas associações de

magistrados e que, relativamente a formação continuada, as escolas têm obtido suces-

so em seus objetivos, que em relação a formação inicial, ainda não alcançou um nível

satisfatório, sendo poucas as Escolas que dispõem de uma boa programação nesse

campo, podendo-se afirmar que os primeiros modelos ainda estão em fase experimen-

tal.

Anotou, que algumas escolas desenvolvem experimentos, dentre os quais cursos

abertos à preparação de candidatos interessados em prestar concurso de ingresso na

Magistratura. Embora não possam ser classificados como cursos de formação de juí-

69TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A formação do juiz Contemporâneo. Disponível em < www.cjf.gov.br/revista/numero4/artigo12.htm> acesso em Maio/2004.

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34 zes, não deixam eles de servir de preparação e triagem dos candidatos ao exercício da

judicatura, sendo alguns deles de boa qualidade.70.

Andrighi 71, sustenta que os cursos de seleção de magistrados não podem assu-

mir somente as características de estudos com natureza de pós-graduação, visando ao

desenvolvimento técnico de anterior aprendizagem na Faculdade de Direito, mas sim

hão de preparar o candidato para as múltiplas dimensões que en-volvem o desempenho da função jurisdicional, principalmente a formação humanística, salientando aqui a bem sucedida experi-ência das Escolas de Magistratura do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais que adotaram método contemporâneo e segura-mente mais eficiente na seleção dos vocacionados.” 72

A formação específica para magistrados é fundamental, pois, como res-

saltado por Apostolova, há

insuficiência do imaginário dos juízes em relação às exigências dos tempos contemporâneos, caracterizado por profundas mu-danças sociais que colocam no cenário público novos sujeitos so-ciais, orientados por novos projetos culturais que pressupõem a reivindicação de direitos.73

A formação do juiz deve ser encarada como prioridade, pois, como diz Antoine

Garapon que se o juiz se restringe à aplicação da lei, não pode, evidentemente, de-

sempenhar um papel de contrapoder e, reciprocamente, para reter os outros poderes,

ele deve gozar de certa autonomia política. 74

Faria entende que o imaginário dogmático dos juízes pode se constituir como

barreira à implementação dos novos instrumentos legislativos, dada a tendência desse

70TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo.A Missão das Escolas Judiciais no mundo Contemporâneo. Seminário Inau-gural das Atividades da ESMAFE- Escola da Magistratura da 5º Região. 71 Fórum Nacional de Debates sobre o Poder Judiciário (1. 1997:Brasília, DF). Anais...1997. 335 p. 72 Fórum Nacional de Debates sobre o Poder Judiciário (1. 1997:Brasília, DF). Anais...1997. 335 p. 73 APOSTOLOVA, Bistra Stefanova. Poder Judiciário: Do Contemporâneo ao Contemporâneo. Porto Ale-gre: Sérgio Fabris Editor.1998, p.19. 74 GARAPON, Antoine.O juiz e a Democracia. O guardião das Promessas.Rio de Janeiro:Revan, 2001.p.178.

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35 tipo de mentalidade em identificar os direitos humanos e sociais como ameaça à certe-

za jurídica. 75

Apostolova é enfática ao dizer que todo o processo de definição da função so-

cial do juiz contemporâneo passa pelo tipo de operador jurídico que ele representa, ,

como é formado e escolhido para entrar na carreira e o tema do processo de formação

e das formas de recrutamento dos magistrados remete diretamente à questão da legi-

timidade para o exercício das funções de juiz. 76

Para Maria Dakolias, os programas de reforma do judiciário devem se concen-

trar no treinamento e capacitação de juízes, e o mais importante, no treinamento dos

atuais juízes, já que as reformas somente serão bem sucedidas se a magistratura, em

exercício, estiver convencida das necessidades de mudanças .77

Abreu traz ensinamentos de Paulo Luiz Netto Lobo, afirmando que a formação

interdisciplinar é imprescindível. O conhecimento sai cada vez mais de seus casulos episte-

mológicos e entrelaça-se com o que se produz em outros campos.78

A formação do magistrado continua sendo meramente positivista, o que leva a

uma Crise do Juiz.

1.1.2 A Crise do Juiz

Como foi salientado, a Crise no ensino jurídico, aliada a falta de formação es-

pecífica para o magistrado, leva a uma Crise do próprio juiz, que Volnei Ivo Carlin

explica como problemas de ordem institucional (fragilidade da pessoa do magistrado,

promoção, remuneração, disciplina e laxismo), estatutária (impõe-se a adaptação do

75 FARIA, José Eduardo. Os desafios do Judiciário. São Paulo: Revista USP. n.21.p.184. 76 APOSTOLOVA, Bistra Stefanova. Poder Judiciário: Do Contemporâneo ao Contemporâneo. Porto Ale-gre: Sérgio Fabris Editor.1998, p.198. 77DAKOLIAS, Maria. O Setor Judiciário Na América Latina e no Caribe. Banco Mundial Documento Técni-co Número 319 1996. 78 ABREU, Pedro Manoel. A formação, os desafios e o perfil do jurista orgânico no novo milênio. Inserido em <www.roney.floripas.com.br.docs/formação/docvs> acesso em Dez/2003.

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36 estatuto as exigências da Sociedade pós-industrial).79 O mesmo autor aponta que os

sintomas da Crise são lentidão, alto custo da justiça, extrema falta de confiança da o-

pinião pública acerca de sua atuação e crescente risco da perda de sua independên-

cia80.

Continuando seu pensamento, Carlin afirma que há uma verdadeira Crise de

identidade na medida em que

os magistrados devem ter a consciência da sua perfeita identidade pro-fissional, ‘identidade que se prefigura, sobretudo, pela estrutura de seus valores morais’, pois quem administra a justiça, sem observar postulados éticos da função, ‘pode ver desaparecer sua identidade pro-fissional’, fatos indispensável ao equilíbrio entre os pólos éticos e le-gal81.

Dentro da Crise de identidade, o autor82 trabalha o esgotamento das funções tra-

dicionais, sustentando uma nova dimensão do exercício jurisdicional, bem como da

importância do magistrado em tornar-se uma força criadora do direito, sendo que essa

última análise é o ponto central desta dissertação, como se vê mais adiante.

Carlin entende, ainda, que além da Crise de identidade existe a Crise de legiti-

midade e a Crise da lei.83

Assim, em relação `a Crise de legitimidade, o autor sustenta que o Juiz deve

procurar a sua própria legitimidade pois, sem justificação, o seu poder deriva de uma

impostura84, e não procura-la na visão tradicional da moral evangélica do julgamento

ou na tradição positivista, entendendo, que a legitimidade provém somente da lei não

naquela que busca junto à opinião pública e o apoio da mídia.

79CARLIN, Volnei Ivo. Deontologia Jurídica Ética e Justiça. 2º ed., Florianópolis : Obra Jurídica. 1997, p. 46 80 CARLIN, Volnei Ivo. Deontologia Jurídica Ética e Justiça. 2º ed., Florianópolis : Obra Jurídica. 1997, p.46 81 CARLIN, Volnei Ivo. Deontologia Jurídica Ética e Justiça. 2º ed., Florianópolis : Obra Jurídica. 1997, p.46 82 CARLIN, Volnei Ivo. Deontologia Jurídica Ética e Justiça. 2º ed., Florianópolis : Obra Jurídica. 1997, p.47/51 83CARLIN, Volnei Ivo. Deontologia Jurídica Ética e Justiça. 2º ed., Florianópolis : Obra Jurídica. 1997, p. 47 84CARLIN, Volnei Ivo. Deontologia Jurídica Ética e Justiça. 2º ed., Florianópolis : Obra Jurídica. 1997, p.51

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37 De outro modo, a Crise da lei o mesmo autor explica que essa existe em virtude

da multiplicidade, da incerteza das leis e da inflação regulamentar, elaboradas em

condições expeditas, reveladoras de inadaptações de regra de direito e indetermina-

ção voluntária de conceitos85 Aponta, então, como mecanismo de solução a consciên-

cia, sendo essa o exame do papel do Juiz na Interpretação da lei e o do legislador na

revelação do direito86, e a confiança, que é o resgate da credibilidade junto à popula-

ção, que o autor descreve como um rol de propostas.87

Dentro dessa análise, é possível verificar que existem várias classificações

quanto à forma de atuação jurisdicional dos magistrados, dessa forma cada autor traça

seu modelo.

Conforme o referencial de que se vale o Juiz para decidir cada caso concreto

surge o correspondente modelo de atuação judicial.

Carlin traz três figuras de jurisdicidade, mencionando o modelo da pirâmide ou

do Código, chamado jupteriano, em que o direito toma a forma da lei. O segundo mo-

delo, o herculeano, que faz do Juiz toda a fonte do direito, e o terceiro, considerado

como novo, o de Hermes, que seria o mediador universal, cujo o atuar engloba vários

domínios, e vê o direito de forma flexível e afirma que seria impossível traçar um mo-

delo de Juiz.88

Porém, o mais difundido modelo de atuação jurisdicional89 é aquele em que o

Juiz julga exclusivamente com base na lei, representa o "positivista-legalista” , em que

se cristalizou a figura do Juiz como “escravo da lei”, mecanicista, jamais podendo

questionar a justiça da lei e fundado na crença da capacidade dela para responder às

exigências sociais .

85CARLIN, Volnei Ivo. Deontologia Jurídica Ética e Justiça. 2º ed., Florianópolis : Obra Jurídica. 1997, p.56 86CARLIN, Volnei Ivo. Deontologia Jurídica Ética e Justiça. 2º ed., Florianópolis : Obra Jurídica. 1997, p.57 87CARLIN, Volnei Ivo. Deontologia Jurídica Ética e Justiça. 2º ed., Florianópolis : Obra Jurídica. 1997, p.58 88CARLIN, Volnei. Deontologia Jurídica. Ètica e Justiça. 2 ed. Florianópolis: Obra Jurídica.1997. p.93. 89 GOMES , Luiz Flávio. Juiz do Terceiro Milênio.Doutrina, Instituto de Direito, volume 2, 1996.

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38 Sobre o “legalista-positivista”, Gomes traz um resgate histórico, resumindo sua

origem, vinculado a própria história do Estado:

cuida-se de modelo que foi idealizado no absolutismo e criado no momento em que nasceu o Estado Contemporâneo, que avocou a tarefa de julgar, originariamente pertencente à Sociedade. O Juiz assim, que antes declarava o Direito em nome da Sociedade, pas-sou a aplicar a lei em nome do Estado e, muitas vezes, no inte-resse dos que aprovam a lei. É a expressão máxima da (aparente) neutralidade política (e muitas vezes ética) do Juiz (...)modelo legalista-positivista, de outro lado, teve grande prosperidade por-que se ajustou perfeitamente às necessidades das Sociedades in-dustriais, que jogam tudo no crescimento econômico - na sua prosperidade - e muito pouco ou quase nada na construção da ci-dadania e das liberdades.90

Ainda no modelo legalista, uma de suas características mais fortes é que a “jus-

tiça” aparece como inserida somente na questão política do legislador e como conse-

qüência pura e simples da aplicação da lei.

Para Gomes:

no modelo legalista a justiça, antes de tudo, constitui uma questão po-lítica, que cabe ao legislador decidir, na sua qualidade de representante do povo. Uma vez elaborada a lei, que é o resultado do debate político, a justiça passa a ser uma questão técnica, é dizer, o Juiz deve procurar concretizá-la de acordo com a técnica jurídica (Interpretação dos tex-tos legais).91

Tal modelo, além de ter a forte influência do positivismo, foi alimentado pela

conveniência do próprio Estado, e o magistrado vai se limitar a reproduzir acritica-

mente o sistema vigente.

Ainda, segundo Gomes,

Juiz submisso exclusivamente ao texto legal, de cuja boca não podem sair outras palavras senão as da lei (estrita), é um dos mais "conveni-entes" ao sistema, pois nunca irá questionar sua justiça ou sua consti-tucionalidade, ainda que ela tenha sido elaborada para atender "deter-

90 GOMES , Luiz Flávio. Juiz do Terceiro Milênio.Doutrina, Instituto de Direito, volume 2, 1996. 91GOMES , Luiz Flávio. Juiz Do Terceiro Milênio.Doutrina, Instituto de Direito, volume 2, 1996.

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39 minados" interesses ou aprovada numa ocasião longínqua, muito dis-tante da atualidade. Para o sistema o bom Juiz é o que crê na existên-cia e professa a todo custo sua "neutralidade" política, que não dura mais que o tempo que se gasta para pronunciá-la. Quem se diz politi-camente neutro (nível do aparente do aparente) está, no mínimo (nível do oculto do aparente), engajado com esse modelo de política. Dito de outra maneira: não existe Juiz politicamente neutro. Sua função é polí-tica por natureza. A Jurisdição é expressão de decisões políticas. A questão, no fundo, será: Jurisdição consoante o status quo ou Jurisdi-ção crítica.92

Gomes ressalta, também, a existência do “Juiz politicamente engajado com o

modelo ‘autoritário’ de Estado” que se exercita na “ sub-legalidade” e destaca que:

o ativismo judicial-policialesco representa tudo que existe de mais a-bominável no Estado Constitucional de Direito. O magistrado que dá seu aval à tortura, para além do desserviço que presta para a "cultura dos direitos fundamentais" e para o progresso da humanidade, ostenta engajamento aético. Perdeu a sensibilidade, o humanismo e o equilí-brio que sua função exige.93

Como exemplos desta magistratura, em nível internacional, “os soldados toga-

dos do Fuhrer” e a atuação da maioria dos magistrados durante o regime militar no

Brasil citados por Barros.94

Tanto o modelo “legalista-positivista”, como o modelo “autoritário” estão defi-

nitivamente ultrapassados, criaram um distanciamento da Sociedade, que está cada vez

mais conflitiva, complexa e ativa, causando, assim, a “Crise de legitimidade”95 do Ju-

iz.

1.1.3 A Crise do Poder Judiciário e o Protagonismo Institucional

92GOMES , Luiz Flávio. Juiz Do Terceiro Milênio.Doutrina, Instituto de Direito, volume 2, 1996. 93GOMES , Luiz Flávio. Juiz Do Terceiro Milênio.Doutrina, Instituto de Direito, volume 2, 1996. 94Barros, José Manoel de Aguiar. O partido dos Justos. A politização da Justiça.Porto Alegre, Editora Sérgio Antônio Fabris Editor.2002.pp.54-60 e 68-71. 95Portanova, Rui. Motivações Ideológicas da sentença. 4 ed. Ver. E ampl.Porto Alegre:Livraria do advogado Editora, 2000.p.71

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40 Outra questão, que aprofundou a Crise do Poder Judiciário, foi o fato desse po-

der ter de incorporar um “protagonismo institucional”, hoje necessário ao Estado

Democrático de Direito, os juízes, atores dessa função, não estavam preparados:

De acordo com Vianna:

o protagonismo do judiciário, assim, é menos o resultado desejado por esse poder, e mais um efeito inesperado da transição para a democra-cia, sob a circunstância geral- e não apenas brasileira- de uma reestru-turação das relações entre o Estado e a Sociedade, em conseqüência das grandes transformações produzidas por mais um surto de moder-nização do capitalismo.96

Acrescenta-se, da própria globalização, da figura emergente do mercado a se

contrapor, como mão invisível, a figura do próprio Estado, assim:

quanto mais vaga é a lei, e mais imprecisos os elementos do direito, mais amplo se torna também o espaço deixado à discricionariedade nas decisões judiciárias. Esta, é, portanto, a poderosa causa da acentu-ação que, em nossa época, teve o ativismo, o dinamismo e, enfim, a criatividade dos juízes.97

É inegável que o constitucionalismo contemporâneo proporcionou um aumento

do exercício da Jurisdição sobre a atuação, relativamente aos demais poderes, trazendo,

na visão dos doutrinadores, a invasão da política pelo direito a que já teria ocorrido à

invasão do Direito pela política, com a passagem do Estado de direito ao welfare sta-

te.98

Da mesma forma, com a incorporação dos ideais de justiça pelo constituciona-

lismo contemporâneo, com a positivação dos direitos fundamentais, o Poder Judiciário

passou a ser o “intérprete institucional”, havendo uma legitimação da “desneutraliza-

ção” da função do Judiciário, pois perante os direitos sociais ou sua infringência, o Juiz

96VIANNA, Luiz Wernneck et. al. Corpo e Alma da Magistratura Brasileira. 3º ed., Rio de Janeiro: Revan, 1997,,p. 12. 97CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores? Trad. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Reimpressão 1999, Porto Alegre : Sérgio Antonio Fabris Editor, p.42 98 VIANNA, Luiz Wernneck , et. al. Corpo e Alma da Magistratura Brasileira. 3º ed., Rio de Janeiro: Revan, 1997, p.30

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41 não poderá se limitar a estabelecer o “certo” e o “errado” baseado na lei, mas poderá

examinar se o exercício arbitrário do poder de legislar leva a concretizar os resulta-

dos objetivados, o que implica numa responsabilidade finalística (...) que de certa

forma, o repolitiza. 99

Como os magistrados não incorporaram, ainda, tal incumbência, nem se consci-

entizaram do papel que devem exercer na atualidade, essa situação leva a uma Crise

desse Poder, pois a tradicional missão de proteção e de repressão não é mais suficiente.

Apostolova lembra que, dentro da concepção da teoria da separação dos pode-

res, onde o Judiciário deveria orientar sua atuação no princípio da legalidade, que

transformava a aplicação do direito em subsunção racional-formal dos fatos às nor-

mas, desvinculadas de referências éticas e políticas 100, e o funcionamento do Judiciá-

rio era “retroativo e retrospectivo”, centrado na “litigiosidade interindividual” e ali-

mentado pelo liberalismo, o culto da segurança jurídica, no sentido atuação automática

e repetida.

Sustenta, ainda, que a função do poder Judiciário, no correr do século XIX, era,

fundamentalmente, legitimar a atuação do legislador “ que possuía um lugar de desta-

que político no contexto da distribuição dos poderes constitucionais” 101

Apostolova afirma que, desde o final do século XIX, face as transformações de

natureza política, econômica e cultural, iniciou-se modificação no “significado sócio-

político das funções dos magistrados” 102, que foram acentuadas após a segunda guer-

ra, com o chamado estado-providência e, no século XX, o modelo liberal no qual se

embasava o exercício da magistratura, entrou definitivamente em crise, determinando

99VIANNA, Luiz Wernneck , et. al. Corpo e Alma da Magistratura Brasileira. 3º ed., Rio de Janeiro: Revan, 1997, p.26 100 APOSTOLOVA, Bistra Stefanova. Poder Judiciário: Do Contemporâneo ao Contemporâneo. Porto Ale-gre: Sérgio Fabris Editor.1998, p.178. 101 APOSTOLOVA, Bistra Stefanova. Poder Judiciário: Do Contemporâneo ao Contemporâneo. Porto Ale-gre: Sérgio Fabris Editor.1998, p.179. 102 APOSTOLOVA, Bistra Stefanova. Poder Judiciário: Do Contemporâneo ao Contemporâneo. Porto Ale-gre: Sérgio Fabris Editor.1998, p.179.

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42 a erosão da legitimação clássica de atuação dos juízes 103, culminando com a positi-

vação, na Constituição dos Direitos sociais, formulados mais na perspetiva de grupos e

comunidades do que ao indivíduo.

Como bem salientou Teixeira:

como se vê, o Judiciário, que neste país felizmente é qualificado como Poder nas Constituições, não obstante tantas restrições e dificuldades de ordem prática e política, e que muito aquém está das expectativas da sociedade mundial contemporânea, como, aliás, sempre esteve, deve impor-se como verdadeiro Poder, não através de mera retórica, mas de um processo revolucionário do seu modelo histórico tradicional, hermético e arcaico, a realizar uma profunda mudança em sua estrutura e em sua dinâmica, com planejamento científico e vontade política, transformação essa a ter, como um dos seus pontos fundamentais, a adequada seleção, formação e aperfeiçoamento daquele a quem a lei entrega a bela e árdua missão de julgar. Só assim teremos o Judiciário que a sociedade está a reivindicar e que todos desejamos: eficiente, ágil, confiável, afirmativo, sensível às transformações sociais e aos sonhos de felicidade da alma humana.104

Cappeletti, ao tratar da Crise do Poder Judiciário, faz uma análise da nova fun-

ção jurisdicional e da falta de adaptação dos operadores jurídicos a essa nova realidade

que é:

fenômeno do nascimento e expansão na Europa, de nova função juris-dicional, consistente no controle do próprio legislador(...) assistir-se-á então o emergir do judiciário como um ‘terceiro gigante’ na coreogra-fia do Estado contemporâneo(...)Todos os juízes e não apenas alguns deles, tornaram-se, dessa maneira, os controladores não só da ativida-de (civil e penal) dos cidadãos, como também dos ‘poderes políticos’, nada obstante o enorme crescimento destes no Estado contemporâneo, e, talvez justamente em virtude desse crescimento. (...) A mentalidade desses juízes estava demasiada e profundamente domi-nada pelas tarefas tradicionais da justiça civil e penal, para que pudes-se se adaptar, com rapidez suficiente, a postura diversa, que parece ne-

103 APOSTOLOVA, Bistra Stefanova. Poder Judiciário: Do Contemporâneo ao Contemporâneo. Porto Ale-gre: Sérgio Fabris Editor.1998, p.180. 104TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A formação do juiz Contemporâneo. Disponível em < www.cjf.gov.br/revista/numero4/artigo12.htm> acesso em Maio/2004.

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43 cessária para a Interpretação de leis promocionais e programáticas, o-rientadas para o futuro.105

Da mesma forma, Vianna sustenta que:

o que se designa então como Crise do Poder Judiciário nada mais é do que a sua súbita adaptação à feição contemporânea da Sociedade, sem estar equiparado material, conceitual e doutrinariamente para dar conta da carga de novos problemas que a Sociedade passou a lhe apresen-tar.106

Assim, é possível dizer que o Juiz contemporâneo é um operador jurídico cerca-

do de pretensões sociais que não foram satisfeitas pelo Executivo, ainda que esse, não

deseja se submeter a um comando judicial para cumpri-las.107

Paralelamente, a Constituição da República Federativa do Brasil, enquanto “Carta

Cidadã ”, trouxe muita expectativa popular com o despertar para o exercício da

cidadania e a garantia de direitos, como se o “respirar democrático” fosse sobrepujar a

estrutura funcional do Estado Brasileiro.

Reflexão fundamental acerca do tema é elaborada por Vianna, ao sustentar que:

tem-se, então, uma contradição vivida no âmago de um poder que não foi obrigado a reconstruir sua identidade nos difíceis trâmites da transição e que, inesperadamente, se vê alçado a posição estratégica de árbitro efetivo entre os outros dois poderes e responsável, em um certo sentido, pela inscrição na esfera pública dos novos atores sociais trazidos pelo Processo de democratização. Nesse contexto - que também atua uma recente mudança no quadro mental do brasileiro, deslocando a primazia do Estado em favor das práticas societárias - a cultura jurídica, entre nós, tende a conhecer mutações substanciais no seu marco tradicionalmente positivista e a incorporar a dimensão da justiça. Assim, democratizar o judiciário passa a dizer respeito, sobretudo, a sua aproximação com a vida social, criando-se uma malha institucional que

105CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores? Trad. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Reimpressão 1999, Porto Alegre : Sérgio Antonio Fabris Editor, p. 49 106VIANNA, Luiz Wernneck , et. al. Corpo e Alma da Magistratura Brasileira. 3º ed., Rio de Janeiro: Revan, 1997,,p. 12 107PRADO, Lídia Reis de Almeida. O Juiz e a emocão. Aspectos da lógica da decisão judicial. Campinas: Milennium, 2OO3.p.89.

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44 capilarmente se credencie a amparar o mundo do direito e da liberdade, inclusive os pequenos interesses até então desamparados.108

Esse problema aprofundou o enfraquecimento da relação entre o Poder Judiciário

e a Sociedade, que vislumbrou, no Poder Judiciário, a sua salvação para os problemas

sociais, que acabou por se transformar em descrédito.

1.2 A VISÃO DA SOCIEDADE SOBRE O PODER JUDICIÁRIO

Atravessa-se um momento em que a Sociedade não está satisfeita com o Poder

Judiciário, mas, paradoxalmente, reconhece a importância do papel dos juízes.

1.2.1 Pesquisas de opinião como elemento para aferição do pensar da Soci-

edade

As pesquisas de opinião trazem reclamações generalizadas que se traduzem em

uma descrença da Sociedade em relação à lei e ao Poder Judiciário para resolverem

seus conflitos, sendo que já apontavam:

para uma nova dualidade: a da existência de princípios diferentes de regulação da vida associativa. Apenas ‘manchas’ no âmbito da Socie-dade são reguladas pelas instituições públicas ou estão sob a Jurisdi-ção da justiça e a lei. Wanderley Guilherme cita os dado colhidos pelo IBGE que revelam que dos 8,6 milhões de pessoas que declaram se ter envolvido em algum tipo de conflito entre 1954 e 1988, mais da meta-de afirmou não ter recorrido à autoridade pública ou procurado a arbi-tragem da justiça, sendo que uma grande parte declarou ter resolvido o caso por conta própria. Dados os níveis de violência existentes na So-ciedade, não é difícil imaginar o que, em muitos casos, deve significar esse ‘por conta própria’. Quando a lei é desacreditada, ou não chega a todos, cada um faz a sua lei109

108VIANNA, Luiz Wernneck , et. al. Corpo e Alma da Magistratura Brasileira. 3º ed., Rio de Janeiro: Revan, 1997,p..26 109Martins, Luciano. O Estado no Brasil e sua CRISE. Folha de São Paulo, São Paulo, 1991. Tendências /Debates.

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45 A crítica reside no fato do Poder Judiciário só resolver os anseios de uma parce-

la da Sociedade e não de toda ela, e fica mais feroz quando trata da morosidade e do

distanciamento que o Poder Judiciário mantém dessa.

Esse distanciamento é visto como prejudicial, pois:

reconhecidamente, o desempenho do judiciário é por demais sensível, deficiente, e a imagem deste poder não é das melhores. Recentemente, em matéria publicada no Jornal Estado de Minas, de 26 de janeiro de 1991, revela que o conceito do judiciário junto a população é péssimo. Esta pesquisa, realizada pela Salles Inter-Americana de Publicidade, foi pedida pela Escola de Magistratura de São Paulo. A população, ou os cidadãos, melhor condicionando, considerou a justiça como "anti-quada", "acomodada", "lenta", "elitista", "sombria" e "ineficiente". Is-so, incluindo a manifestação, também, dos brasileiros de menor instru-ção (...). É deficiente a relação Cidadão/judiciário.110

Assim, as pesquisas de opinião, ocorridas em 1991, já demonstravam uma críti-

ca ao Poder Judiciário como uma instituição que se distanciava das necessidades da

população, e uma descrença em relação a sua própria atuação.

Lédio Rosa de Andrade, já, de longa data, menciona uma pesquisa em que vê a

Justiça como

velha, antiquada, distante da população/elitista, fica em um pedestal não confiável lenta/morosa/acomodada. Sombria/não é acessível/não é transparente. Chata/provoca sempre sensações e lembranças desagra-dáveis. Burocrática/não informatizada/desatualizada Ineficiente. Trata o cidadão com desrespeito: todo mundo é culpado até provar que é i-nocente.111

E continua: os estudantes vislumbram duas Justiças: a real (atual), cheia de imper-feições e a ideal que é rápida, discricionária e forte. As pessoas da classe menos favorecida estão completamente alijadas do poder; a maioria tem medo do Juiz, não tem consciência dos direitos reconhe-cidos na Constituição e a autoridade que conhecem é a do policial mi-litar da esquina. Para eles, o Juiz não é alguém que se possa confiar,

110MANSO, Richard Wagner Medeiros Cavalcanti. Democratização do Poder Judiciário. Disponível em: <http://www.sindicato.com.br/artigos/democrat.htm>. Acesso em Julho 2003. 111ANDRADE, Lédio Rosa de. Juiz alternativo e Poder Judiciário. São Paulo : Editora Acadêmica, 1992. p.47.

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46 mas inspira "temor, adoração e desconfiança". A maior parte da popu-lação confia na Justiça, mas ela faz parte do descrédito generalizado das instituições, impondo-se mudanças "a Sociedade espera do Poder Judiciário alguma atitude no sentido de melhorar suas condições de vida.112

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, preocupado com a visão que a Socieda-

de tem do Poder Judiciário, realizou uma pesquisa de opinião pública e chegou a con-

clusão de que a questão é mudar a mentalidade e refletir sobre a postura que o Judiciá-

rio vem adotando frente à Sociedade, a eficiência, a qualidade e a agilidade da Justiça

estão intrinsecamente ligadas a esse fato, uma vez que o Poder Judiciário possui re-

cursos materiais e principalmente humanos para reverter a imagem que carrega 113.

Em pesquisa publicada em Maio/99114, em reposta à indagação “sobre quais são

os grupos que mais confiam?”, a população creditou aos juízes o sétimo lugar, com 55%

dos entrevistados (sendo que 42% disseram não confiar nos juízes), ressaltando que os

juízes foram citados após os professores das escolas públicas e privadas, médicos, Igreja

Católica, Comerciantes e Imprensa.

Quando se indagava era se determinadas instituições eram necessárias, o

Judiciário ficou em segundo lugar, com 69%, sendo precedido apenas pelo “presidente”

que obteve 73%; já quando a pergunta era quais dessas instituições era a mais importante

para o bem-estar do Brasil, a resposta foi o presidente com 57% e o Judiciário com 13%.

Da mesma forma, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) encomen-

dou ao Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) uma pesquisa so-

bre a visão da Sociedade em relação ao Poder Judiciário e ao Juiz. Esse estudo ainda

está em conclusão, mas já foi apresentado pela diretora do Instituto na sede da associa-

112ANDRADE, Lédio Rosa de. Juiz Alternativo E Poder Judiciário. São Paulo : Editora Acadêmica, 1992.p.50. 113COSTAS, Lorena Viegas. Agregando Valor A Imagem Do Tribunal De Justiça Do Estado Minas Gerais; Organização Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, Ano da Premiação 1999. Disponível em: <http://www.conrerp-sp.org.br/pop/rrppgovernamentais/1999> acesso em 08.2003 114Revista época. Ano II, n53. 24.O5.1999. Pesquisa. Especial 5OO anos.p.14-15

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47 ção e revela uma grande desinformação da Sociedade a respeito do trabalho dos juízes

e do Poder Judiciário.

A pesquisa revela que a imagem do Juiz é melhor que a do Judiciário, assim,

Marcia Cavallari, diretora do IBOPE, explica:

o judiciário é uma instituição, uma coisa distante, um poder. As pes-soas não tem acesso. Elas tem acesso a instituição via um Juiz. Quan-do você faz a personificação do Poder Judiciário na figura do Juiz ele acaba tendo uma imagem mais favorável que a do Poder Judiciário (...) A imagem é formada a partir das opiniões que as pessoas ouvem, do que elas vêem na televisão, nos jornais, ouvem nos rádios, do que se comenta. Ela vai formando uma imagem e a imagem do Juiz é a de uma pessoa que estudou, é uma pessoa culta, que sabe das coisas, que tem visão. Então ele acaba tendo uma visão muito mais positiva. Por outro lado, a imagem que a instituição Poder Judiciário passa é que os Processos demoram, que tem uma burocracia muito grande, que as coisas não andam, ficam emperradas.115

Outro ponto revelado pela pesquisa, e de fundamental importância, reside na

constatação da existência de uma distância entre o Poder Judiciário, o Juiz e a Socie-

dade, chamada na pesquisa de distanciamento natural116. Isso mostra que a população

entende que o Juiz é um ser acima de todos, com grande instrução, com o qual só se

pode conversar através de um advogado. A pessoa sente-se inferiorizada pela sua pró-

pria condição, menos cultura, menos educação, menor nível.

O distanciamento aparece em todos os segmentos sociais pesquisados, não só

nas classes mais baixas, mas também nas mais abastadas as classes mais baixas reve-

lam também uma sensação de medo. Nas mais altas sentem uma sensação de distância

mesmo. Acaba virando uma insegurança na população em relação ao Poder Judiciá-

rio. É aquele confiar desconfiando.117

Foi constatado, também, que há uma desinformação muito grande em relação

ao Poder Judiciário e ao Juiz, e que a população

115 Jornal do magistrado. Brasília, março/abril de 2oo4. p.4-5 116 Jornal do magistrado. Brasília, março/abril de 2oo4. p.4-5 117 Jornal do magistrado. Brasília, março/abril de 2oo4. p.4-5

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48 percebe o Poder Judiciário como uma caixa preta que ninguém sabe direito o que acontece lá dentro, como funciona, quantos Processos existem, quantos juízes são. Sabem que o número de Processos é infinito, mas não conhecem o número de juízes. Fal-ta informação sobre a estrutura do Poder Judiciário.118

Luciano Athayde Chaves afirma, com propriedade, que

se há alguma característica sobre o Poder Judiciário que poucos ousam discordar é que se trata do mais desconhecido dos Poderes da República. Isso se dá não por ser fechado ou avesso à investi-gação pública, como apontam alguns, mas por possuir uma di-nâmica e estrutura que a nem todos interessa conhecer.119

Indagando-se se tal problemática levantada é exclusiva da justiça brasileira, a

resposta é não.

À guisa de informação, pesquisa realizada na França, que apesar de possuir uma

estrutura de Poder Judiciário diferenciada do Brasil, em decorrência do próprio sistema

jurídico, também detectou problemas semelhantes.

Na avaliação das opiniões sobre o funcionamento da instituição judiciária na-

quele país, ela foi considerada “desarmada”, quando se depara com os problemas soci-

ais e em matéria de defesa das liberdades e direitos fundamentais120

Trouxe ainda a crítica dos franceses quanto à complexidade da linguagem, o a-

cesso à informação, a duração dos procedimentos, e ainda,

dois problemas são freqüentemente apontados: a persistência de uma certa desigualdade entre os cidadãos diante os tribunais e de uma gran-de distância entre a Justiça e os jurisdicionados. Duas outras questões são espontaneamente levantadas no momento em que a gente evoca os

118 Jornal do magistrado. Brasília, março/abril de 2oo4. p.4-5 119CHAVES, Luciano Athayde. O Judiciário e a Justiça Social. Disponível em < http://www.anamatra.org.br/opiniao/artigos/> acessoem2003. 120MARQUES, Luiz Guilherme e BONFANTE, Simone Golner. OS FRANCESES E A JUSTIÇA-PESQUISA DE OPINIÃO PÚBLICA -Agrupamento de Interesse Público "Missão de Pesquisa de Direito e Justiça"- tradu-ção: Luiz Guilherme Marques e Simone Golner Bonfante, Disponível em http://www.mauricio.bastos.nom.br/trabalho/doutrina/osfranceajust.doc Acesso em 04 de agosto de 2003

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49 problemas recorrentes: a situação da vítima e a morosidade judiciá-ria.121

Especificamente com relação à atuação dos juízes, tecem críticas fundamentais,

que podem ser dirigidas aos juízes do Brasil.

Para Marques e Bonfante:

Em matéria de formação os profissionais interrogados se conciliam pa-ra considerar que dois objetivos complementares devem ser esperados: a aquisição de uma excelência na técnica jurídica e uma capacidade de compreensão dos diversos contextos (social, afetivo, étnico, etc.) que caracteriza os problemas aos quais eles são conduzidos a se interessar. A censura geral que eles endereçam ao sistema atual de formação é de privilegiar muito a única dimensão técnica da Justiça. Eles desejam, em conseqüência, uma formação que se abra para o mundo exterior e possam se precaver contra uma aproximação "técnica" do funciona-mento da Justiça. Mais especificamente é desejado que a formação dos magistrados, que é julgada muito boa em matéria de aquisição da téc-nica jurídica, se amplie para uma melhor compreensão do mundo so-cial.122

Assim, a necessidade de aproximação do Poder Judiciário com a população é

um ponto fundamental sobre o qual repousa a própria legitimidade do poder, tanto no

Brasil quanto na França.

1.2.2 A visão dos agentes políticos dos Poderes Executivo e Legislativo

É importante salientar o pensamento dos políticos nacionais acerca do Poder Ju-

diciário, para demonstrar a vontade daqueles em alimentar o imaginário popular no

sentido da descrença nesse Poder, como forma de minimizar a importância e o papel

que esse deve exercer na manutenção do Estado Democrático de Direito.

121MARQUES, Luiz Guilherme e BONFANTE, Simone Golner. OS FRANCESES E A JUSTIÇA-PESQUISA DE OPINIÃO PÚBLICA -Agrupamento de Interesse Público "Missão de Pesquisa de Direito e Justiça"- tradu-ção: Luiz Guilherme Marques e Simone Golner Bonfante, Disponível em http://www.mauricio.bastos.nom.br/trabalho/doutrina/osfranceajust.doc Acesso em 04 de agosto de 2003 122 MARQUES, Luiz Guilherme e BONFANTE, Simone Golner. OS FRANCESES E A JUSTIÇA-PESQUISA DE OPINIÃO PÚBLICA -Agrupamento de Interesse Público "Missão de Pesquisa de Direito e Justiça"- tradu-ção: Luiz Guilherme Marques e Simone Golner Bonfante, Disponível em http://www.mauricio.bastos.nom.br/trabalho/doutrina/osfranceajust.doc. Acesso em 04 de agosto de 2003

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50 Com esse pensamento, começa-se a buscar ferramentas que justifiquem uma re-

forma no Poder Judiciário sem uma discussão ampla e plena com a Sociedade, a fim

de enfraquecer o Poder em relação aos demais.

As más relações entre a esfera do político e do Poder Judiciário ficaram bem e-

videnciadas na posição do Ministro Maurício Corrêa que, segundo o jornalista Rui No-

gueira123, teria sido o “responsável pelo primeiro grande choque de oposição institu-

cional ao governo Lula”, acarretando, segundo o próprio Ministro, uma Crise de go-

vernabilidade.

O Ministro afirma :

eu cheguei a presidência do Supremo sabendo da fraqueza política do Poder Judiciário. Sofríamos, com relação aos outros poderes (Executi-vo e Legislativo), uma espécie de capitis diminuto (diminuição da ca-pacidade jurídica). A Constituição diz que os Poderes são independen-tes e harmônicos entre si, mas o tratamento que eu recebia por parte do executivo como presidente do Supremo, era de absoluto desprezo (...) não se olhava para o Supremo como a casa onde estava o chefe de um dos poderes da república. O chefe do Poder Judiciário não fala apenas jurisdicionalmente, também fala do ponto de vista político.124

Sustenta, ainda, que o Poder Executivo tinha uma idéia equivocada do Poder

Judiciário e sua função.

Depois, ele viu que o Judiciário faz parte de uma estrutura republica-na, de um sistema de poderes onde ele está integrado, cada um com sua atribuição. O presidente sabe que os seus atos podem ser julgados por esse poder e ele passou a conviver com uma realidade de mais res-peito em face da postura que assumi, pois eu não me curvei a esse tipo de incompreensão. Hoje estamos convivendo, não diria com empatia, mas com respeito.125

123NOGUEIRA, Rui. O Estado de direito e a casa da sogra. Revista Primeira Leitura, São Paulo, n. 26, A-bril/2OO4, pp.3O-36. 124NOGUEIRA, Rui. O Estado de direito e a casa da sogra. Revista Primeira Leitura, São Paulo, n. 26, A-bril/2OO4, pp.3O-36. 125NOGUEIRA, Rui. O Estado de direito e a casa da sogra. Revista Primeira Leitura, São Paulo, n. 26, A-bril/2OO4, pp.3O-36

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51 O Ministro diz temer, na atualidade, uma “Crise de governabilidade”, e que a

atual reforma do Judiciário está para a agilização da justiça assim como a reforma mi-

nisterial está para a diminuição das desigualdades sociais, pois não adianta mexer na

ponta da pirâmide se você não mexe em nada na base. Pois então vamos investir na

abertura de Juizados especiais pelo Brasil inteiro, vamos investir na abertura de mais

varas e na contratação de mais juízes. E vamos mudar os códigos processuais.

É importante ressaltar, também, que em outra manifestação, o ministro Maurício

Corrêa126 afirmou que a causa da morosidade da justiça também pode ser creditada ao

próprio governo, pois pelo menos 8O% das causas são provocadas pelo poder público,

que contesta, com recursos infindáveis, direitos de empresas e cidadãos que já estão

mais que assegurados. Tem advogado que faz 5O recursos de uma causa que já per-

deu. Sobretudo os dos bancos, que não querem pagar os juros devidos.

Abreu127 mencionado que o Min. Carlos Velloso,128 ex-Presidente do STF,

destaca a existência de uma crise geral que atinge o Estado como um todo. Quanto ao

Judiciário, descreve a Justiça, jocosamente, como sendo uma velha, surda, trôpega,

cansada, doente, mas uma velha séria, decente e honesta.

De outro modo, o presidente Luís Inácio Lula da Silva, no discurso em que cri-

ticou o Poder Judiciário, mencionou estar embasado nas “constatações populares” para

afirmar que o Poder Judiciário era ineficiente, moroso, elitista e intocável, e que tais

sentimentos eram compartilhados pela maioria da Sociedade.

Queremos que a Justiça seja igual para todos e não uma Justiça que cuide com mais carinho daqueles que têm alguns contos de réis, como dizia Lampião em 1927’, alegou Lula, conectado com o popular "rico não vai para cadeia". Basta uma visita a qualquer cadeia do País para constatar que o dito corresponde à verdade, mas o manancial de dispo-sitivos legais proporcionados a quem tem capacidade financeira de se defender e a facilidade das chicanas jurídicas para prolongar prazos

126ANTONELLI, Thaís e STUDART, Hugo. A Nova Face da Justica. Isto É Dinheiro, São Paulo, .n.345, 14 abril, 2Oo4, pp.34-36. 127 ABREU, Pedro Manoel. A formação, os desafios e o perfil do jurista orgânico no novo milênio. Inserido em <www.roney.floripas.com.br.docs/formação/docvs> acesso em Dez/2003. 128 Em conferência proferida no STJ, num Simpósio Nacional sobre a Justiça.

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52 são os principais motivos pela dificuldade de punição aos integrantes de classes mais abastadas. A desatualização da legislação não é sufici-ente para eximir o Judiciário de suas responsabilidades.129

O senador Antônio Carlos Magalhães, quando da defesa da instalação da Co-

missão Parlamentar de Inquérito (CPI), fez um pronunciamento sobre o Judiciário com

repercussão semelhante à obtida pela fala do atual presidente.

Desde a era do governo de Fernando Collor de Mello, perpassando pelo governo

de Fernando Henrique Cardoso e agora com o de Luiz Inácio Lula da Silva, todos com a

subordinação do país ao chamado “Consenso de Washington”130, no sentido de que para

possibilitar o ingresso do país à chamada “modernidade”, seria necessário a Constituição

de um sistema jurídico adequado a nova economia mundial e de um judiciário que se

subordine ao mesmo ideário,131 vem fazendo com que o Poder Judiciário sofra um

Processo de enfraquecimento.

A constatação é facilmente aferível, quando se vê pessoas do governo, políticos e

empresários criticando as decisões judiciais e atribuindo responsabilidade ao Poder

Judiciário, pela geração de altos níveis de insegurança Jurídica para os investimentos

produtivos, além da falta de efetividade jurisdicional como matriz de instauração de

moratória no implemento das políticas públicas .132

Pottes Mello133 sustenta que o Poder Judiciário da América Latina tem sido alvo

de aprofundados estudos, e também do interesse de organismo econômicos-financeiros

internacionais . Para tanto, cita Boaventura de Souza Santos que afirma a existência de

129Reforma do Judiciário Jornal A Notícia, Joinville/SC, 24Abr. 2003. Disponível em < ht tp: / /www.an.com.br/2003/abr /24/0> acesso em 24/04/2003 130Ocorrido em Nov/1989, marcado por visão economicista, vê a democracia como complemento da economia de mercado, e “trabalha com as metas de reducão drástica do Estado, corrosão do conceito de Nacão, máximo de abertura às importações e entrada de capital de risco”, segundo MELLO, Aymoré Roque Pottes de, et al. A “re-forma” deles e a nossa. Cidadania e Justiça. Rio de Janeiro, ano 4, n. 9. p p.236 131MELLO, Aymoré Roque Pottes de, et al. A “reforma” deles e a nossa. Cidadania e Justiça. Rio de Janeiro, ano 4, n. 9. P, 236 132MELLO, Aymoré Roque Pottes de, et al. A “reforma” deles e a nossa. Cidadania e Justiça. Rio de Janeiro, ano 4, n. 9. p. 233 133MELLO, Aymoré Roque Pottes de, et al. A “reforma” deles e a nossa. Cidadania e Justiça. Rio de Janeiro, ano 4, n. 9. p 238.

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53 programas de reestruturação, visando a criação de um sistema jurídico e judicial

adequado à nova economia mundial de raiz neoliberal, um quadro legal e judicial que

favoreça o comércio, o investimento, o sistema financeiro. Não se trata, pois, de

fortalecer a democracia, mas sim de fortalecer o mercado.134

Paulo Roney Ávila Fagundéz acrescenta: hoje se vislumbra o neoliberalismo enquanto política oficial do mun-do, atingindo duramente os países periféricos. Há intenção deliberada dos banqueiros internacionais de manter no poder os governantes que têm afinidade com as políticas ditadas pelos banqueiros e governantes dos países do primeiro mundo. As medidas de natureza política são adotadas com o intuito de melhorar os índices de desempenho econô-mico dos países. Quem não rezar pela cartilha do FMI, por exemplo, está perdido135

Interessante pesquisa realizada pelo Instituto de Política Econômica Aplicada e

mencionada por Fábio Konder Comparato sobre o funcionamento do Judiciário diz que:

o funcionamento eficiente da justiça é aquele em que os juízes não resolvem, e não decidem violar a lei para proteger direitos sociais (...) a lei está submetida à Constituição da República Federativa do Brasil, que é organizada em torno de princípios e esses princípios começam pela proteção da dignidade humana, no art. 3 numa espécie de carta de princípios que tem até quase um sabor religioso136

A incapacidade aliada aos interesses políticos, com o apoio da mídia, fizeram

crescer a idéia de reforma do Poder Judiciário, mas não sobre uma base racional através

de um estudo da situação judiciária brasileira, com levantamento desde suas raízes, com

planejamento objetivo, com programas e com projetos a reconstruir um poder como

“locus de efetivação e garantia de direitos”, mas sim com base numa opinião pública,

construída com base na realidade, enfrentada dia-a-dia, somatizada com os interesses

políticos de enfraquecimento do Poder Judiciário.

134MELLO, Aymoré Roque Pottes de, et al. A “reforma” deles e a nossa. Cidadania e Justiça. Rio de Janeiro, ano 4, n. 9. p 238 135FAGÚNDEZ, Paulo Roney Ávila. A Crise do ensino jurídico. Disponível em < www.roney.floripa.com.br/docs/CRISE.doc> Acesso em 24/05/2004 136COMPARATO, Fábio Konder. Uma aula de Democracia. Sào Paulo: Revista Caros Amigos, ano VI, n72, Marco de 2OO3, p.3O-39

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54 O que se descortina é que o objetivo dos políticos nacionais com a reforma do

Judiciário é de desmantelamento de um poder de Estado, enfraquecendo-o137 e tornando-

o mais facilmente controlado.

1.2.3 As visões dos agentes políticos do Poder Judiciário

Para o Ministro Sepúlveda Pertence o Poder Judiciário vive hoje sua “pior Crise

de credibilidade”, e isso acarreta a perda de legitimidade do Poder, pois a soma da in-

satisfação popular com a ineficiência, o custo e a lentidão do funcionamento dos servi-

ços, fizeram crescer a descrença no Judiciário.

Nas palavras do Ministro:

tenho insistido, reiteradamente, na evidência palmar de que, muito mais do que os outros poderes do Estado democrático, o Judiciário, cujos agentes não derivam sua investidura do voto popular e periódico e nem devem depender dele - tem sua legitimidade condicionada a credibilidade social de que seja titular138

Importante a crítica realizada por Nalini sobre o Judiciário:

falhou o Judiciário em quase todas as novas perspectivas constitucio-nais. Não soube preencher o espaço destinado à contemporânea con-cepção de Justiça. Deixou de estabelecer as reformas essenciais à sua adequação diante das necessidades emergentes. Continuou com a es-trutura arcaica, emperrada, incapaz de acompanhar a modernização da empresa privada e até mesmo de ajustar-se à conformação do Estado contemporâneo. Estado que se pretende ágil, enxuto e flexível, para ser eficaz. Os direitos novos foram esvaziados por uma interpretação excessivamente conservadora. Os instrumentos postos à sua disposi-ção pelo legislador para simplificar e intensificar a outorga da presta-ção jurisdicional não foram instituídos. É muito lenta a instalação dos juizados especiais, indicados como alternativa à solução tradicional das controvérsias. Incipiente a profissionalização das escolas da ma-gistratura e da carreira de juiz, sem o que não se instaurará a mentali-dade atualizada e apta a enfrentar as turbulências do novo milênio. O

137MELLO, Aymoré Roque Pottes de, et al. A “reforma” deles e a nossa. Cidadania e Justiça. Rio de Janeiro, ano 4, n. 9. p 235 138PERTENCE, Sepúlveda. Jornal Diário Catarinense, Florianópolis, 18 agosto 2003. p.9.

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55 Judiciário, como instituição, não tem sido capaz de se fazer ouvir pe-los demais Poderes, nem de ser compreendido pela comunidade.139

Sobre as causas da crise do Judiciário Teixeira afirma que não seriam de difí-

cil percepção, eis que algumas mais profundas, com raízes políticas, históricas e cultu-

rais; outras, mais à superfície, de mais fácil correção. Sobretudo se houvesse, a detec-

tá-las e dar-lhes adequada terapia, um órgão Judiciário permanente de reflexão e

planejamento .

De outro modo, o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janei-

ro, sustenta que:

a reflexão a que somos chamados a fazer, diante desse tipo de análise sobre o Judiciário, diz respeito a que tipo de atuação jurisdicional inte-ressa às forças econômicas, que aparentemente ditam a agenda política mundial. Estou convencido que não lhes interessa um Poder Judiciário autônomo, com liberdade constitucional para aplicar o Direito em fun-ção dos interesses sociais. As recomendações do Banco Mundial, em seu Documento Técnico n. 319, para a implementação de reformas no Poder Judiciário na América Latina e Caribe denotam que ao Sistema Financeiro Mundial mais interessa um Judiciário ‘previsível’, que ob-serve passivamente as regras de reprodução do capital especulativo. Não vejo outra conclusão razoável para comentar uma pesquisa feita por uma entidade vinculada a estudos econômicos. Talvez fosse o caso de recomendar-lhes um estudo mais aprofundado da complexa tarefa cometida pela Sociedade aos Juízes: a de distribuir justiça com livre convicção, observando a ordem constitucional e os mais elevados princípios que integram a ordem pública e social, mesmo que isso pos-sa, ocasionalmente, desagradar a quem quer que seja. A Sociedade quer a reforma do Judiciário para que este se torne mais rápido e, por-tanto, mais eficiente, na decisão dos conflitos de interesses que lhe são levados pelos que se sentem vítimas de injustiças, incluindo as prati-cadas pelo Estado. Certamente que não quer que a reforma sirva de pretexto para introduzirem-se no Judiciário os defeitos observados no funciona mento dos demais Poderes, e que são próprios da natureza humana quando busca a hegemonia do poder.140

139 MELLO, José Celso de. Estado de São Paulo, 26 fev. 1997. 140 O Globo, Rio de Janeiro, 25 maio 2000. p. 7

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56 Tanto Ricardo Gehling quanto Cláudio Maciel141, juízes integrantes da Associa-

ção dos Magistrados Brasileiros (AMB), têm certeza de que a grande maioria dos ma-

gistrados está "insatisfeita" com o serviço por eles oferecidos ao País.

E ainda, ressaltam :

há mazelas e desequilíbrios resultantes de uma estrutura que, não fosse pela informática, poderíamos dizer que funciona como se estivésse-mos no século 19’, analisa Ricardo Gehling, também diretor da AMB, que resume em três adjetivos os gargalos do Judiciário: ‘Hermético, desconhecido e ineficaz. São problemas que, na opinião de Gehling, não se resolvem apenas com a reforma da estrutura do Poder Judiciá-rio. ‘São de mais longo prazo, pois envolvem toda uma mentalidade, uma cultura. Defeitos que vão desde o hermetismo da linguagem utili-zada até o distanciamento em relação à Sociedade, passando pelas di-ficuldades processuais que interessam ao mercado de trabalho do sis-tema, mas resultam num desserviço à população.142

Importante análise é feita por Wladimir de Passos Freitas, atual Presidente do

Tribunal Regional Federal, que afirma:

o atraso na prestação jurisdicional agravou-se com a Constituição da República Federativa do Brasil. Os Tribunais Superiores que, pela importância que têm, deveriam julgar apenas as questões que afetam a nação, passaram, na prática, a constituir mais duas instâncias. Por outro lado, as reformas das leis processuais que vieram depois agravaram a situação. Resultado: o que demorava dois anos na década de 70 pode levar oito anos atualmente. A demora no julgamento é muito mais o resultado destas inovações e elas não são responsabilidade do Judiciário. Mas ele leva a cul-pa. Já a Crise político-institucional passa por outros fatores além deste. O principal fator de desgaste, sem dúvida, são as acusa-ções de corrupção. Mas não é só isto. O nepotismo abre espaço para críticas. A falta de publicidade das sanções aplicadas aos ju-ízes faz com que as pessoas pensem que não há punição alguma, o que não é verdade. A ameaça de greve não é aceita pela popu-lação. O fato de juízes se aposentarem e imediatamente passarem

141KRAMER, Dora. Previdência divide Judiciário. Jornal o Estado de São Paulo, São Paulo, 6 jul. 2003, Dis-ponível em < http://www.Estado.estadao.com.br/editorias> acesso em 06/07/03 142 KRAMER, Dora. Previdência divide Judiciário. Jornal o Estado de São Paulo, São Paulo, 6 jul. 2003, Dis-ponível em < http://www.Estado.estadao.com.br/editorias> acesso em 06/07/03

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57 a exercer a advocacia, no mesmo local de trabalho, gera suspeita de favorecimento.143

Além disso, afirma que as operações que atribuem a prática de crimes aos juí-

zes acabam por gerar uma grande perda de credibilidade, ainda mais, quando tais fatos

são levados a público, através da mídia, a qual, de forma exagerada, omite que de 12

mil juízes em exercício no país, somente 3% apresentam algum tipo de problema.144

1.2.4 A influência da Mídia na relação da Sociedade com o Poder Judiciário

No contexto das posições dos políticos e da própria opinião pública, importante

o papel da mídia escrita e, principalmente, televisiva, tanto como fator condicionador

como condicionante na construção de uma opinião nacional.

Ressalte-se que não se tem a pretensão de analisar, em profundidade, o poder

que a mídia exerce sobre as pessoas na atualidade, pois refoge ao âmbito do presente

trabalho, mas, tão somente o papel por ela desempenhado na produção de “verdades

instantâneas”.

Karina Sposato, menciona um levantamento da UNESCO que há no Brasil 210

televisores para cada 1000 habitantes, ou seja, a televisão alcança grande parte da po-

pulação em uma velocidade espantosa, favorecendo, assim, a construção de um imagi-

nário, nem sempre de acordo com a realidade.145

Mas, não se pode deixar de pensar que a mídia, no dizer de Garapon, traz uma

personalização das instituições em geral. A qualidade de uma instituição parece de-

143 FREITAS, Wladimir de Passos. Passos Largos. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, n.17, 23 nov. 2OO3. 144 FREITAS, Wladimir de Passos. Passos Largos. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, n.17, 23 nov. 2OO3. 145Karina Sposato, pesquisadora do Instituto Latino Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente - ILANUD, realizou a pesquisa ‘Crime e TV’, que avaliou durante uma semana a programação dos sete canais abertos da televisão brasileira. A partir disso, realizou um levantamento de como a criminalidade foi retratada, quais são os crimes mais veiculados e qual o impacto causado. Dados da pesquisa foram publicados na IV Conferência dos Direitos da Criança e do Adolescente, realizada em Brasília/DF, nos dias 19- 22/11/2001 “in” ABONG. Crianças, Adolescentes e Violência: Subsídios à IV Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. nº 29. Brasília: Publicação da Associação Brasileira de Organizações

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58 pender mais das qualidades humanas de seus servidores do que seus procedimentos146

onde, muitas vezes, a controvérsia, o problema, são reduzidos a um simples espetácu-

lo e

o exercício da mídia faz com que os poderes públicos se vejam obri-gados a agir, a fazer alguma coisa. Ela leva, então, a uma ação efême-ra, um arremedo de política. Visto que o ato de enunciação passa a ser tão importante quanto a própria ação política, muitos políticos ficam tentados a se contentar com uma declaração de intenções( ...) ela acaba por se converter no ‘disjuntor simbólico do tempo’.147

Barros é enfático ao afirmar que a mídia não se contenta em somente , como

também quer, efetivamente, atuar nos próprios acontecimentos, mas segundo sua ética

e a idéia de justiça. A mídia, diante das instituições oficiais, ou as desqualifica, quan-

do interessa, disseminando a cultura da desconfiança nos agentes da lei, ou com elas

mantém uma proximidade comprometedora.148

Da mesma forma, Carlin salienta que :

vê-se, na mídia, por vezes, um verdadeiro diálogo entre advogados, cujo objetivo do bem comum da pesquisa da verdade é relegado das regras processuais. O jornalista de investigação contemporâneo quer ser, ao mesmo tempo, informante e julgador. As partes de um Proces-so, consciente ou inconscientemente, estimulam a imprensa contra a Justiça, ou esta contra a imprensa, ao agrado de seus interesses, como se a democracia pudesse lhes oferecer duas instâncias para defesa. Nota-se, então, uma mídia não mais satisfeita em só informar, mas que procura intervir diretamente no curso dos acontecimentos. 149

Atualmente, vive-se a época dos apelos visuais, da instantaneidade, da notícia

publicada de forma reiterada e repetida que provoca a sensação de verdade no imagi-

nário da população e Você joga a informação: enquanto ela não for desmentida, é ve-

Não Governamentais, 2001. 146GARAPON, Antoine. O Juiz e a Democracia. O Guardião das Promessas. 2 ed. Trad. Maria Luiza de Carva-lho.Rio de Janeiro: Renan, 2001. p.85 147GARAPON, Antoine. O Juiz e a Democracia. O Guardião das Promessas. 2 ed.Trad. Maria Luiza de Carva-lho.Rio de Janeiro: Renan, 2001. p.82 148 Barros, José Manoel de Aguiar. O Partido dos Justos. A Politização da Justiça. Porto Alegre :Sérgio Antô-nio Fabris Editor.2002.p.78. 149CARLIN, Volnei Ivo. A Justiça e a Mídia. Disponível em www.tre-sc.gov.br/sj/cjd/doutrinas/volnei1.htm Acesso em 10/03/2004

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59 rossímil. Ela nunca será desmentida em tempo real. E mesmo que mais tarde seja

desmentida, ela nunca será absolutamente falsa, uma vez que já teve crédito. Contra-

riamente à verdade, a credibilidade não se refuta, já que é virtual. 150

E acrescenta, ainda, Carlin:

a atualidade oferece ilustrações das difíceis relações entre a mídia e a Justiça. Assiste-se, passivamente, a verdadeiras audácias da imprensa, sem que se saiba como reagir. De outra parte, a tentação em "brilhar" de certos "pequenos juízes"(3) é atribuída malquerença ao tratamento com os homens da comunicação, projetando verdadeira ilusão coleti-va. Tais desdobramentos ultrapassam os limites do bom senso ao di-reito, cuja idéia primeira deveria ser a Interpretação de um sinal de e-volução da democracia na busca de um novo e superior controle.151

Rocha, em aprofundado artigo, traz elementos que comprovam a influência da

mídia na população, mencionando pesquisa efetuada pela

Grottera Pesquisas em maio de 1998 em São Paulo, sobre amostra composta de 200 entrevistados, referentes às classes A, B, C, D e E (Grottera, 1998). Os dados coletados e publicados nesta pesquisa em gráficos elaborados pelo autor deste estudo, apontam para uma clara defasagem (gráfico nº1) entre a mídia e o Judiciário, que na percepção da amostra ostentam uma diferença significativa: respondendo à per-gunta “quem mais ajuda a fazer justiça para a maioria dos brasilei-ros?” 84% dos entrevistados indicaram a mídia, restando ao Judiciário 10%, às Associações 4%, e ao Governo, 2% das indicações.152

A mídia constrói uma imagem do Judiciário distorcida da realidade e como atua

no fato e na hora, passa uma imagem falaciosa de que resolve os conflitos. Tal cons-

trução fica evidenciada no fato da mídia ter

prestígio comprovadamente muito maior junto à população do que o judiciário, (gráfico nº 4) de modo que tal premissa se constitui numa falácia aceita tanto pelos jornalistas que a criam, como pelos juízes, que a tem na conta de um dos instrumentos fundamentais da democra-cia, e pensam que deve haver um meio capaz compatibilizar a convi-

150 Barros, José Manoel de Aguiar.O Partido dos Justos.A Politização da Justiça. Porto Alegre :Sérgio Antônio Fabris Editor.2002.p.98. 151 CARLIN, Volnei Ivo. A Justiça e a Mídia. Disponível em www.tre-sc.gov.br/sj/cjd/doutrinas/volnei1.htm Acesso em 10/03/2004 152 ROCHA, Álvaro Filipe Oxley da. Direito e Jornalismo: Uma convivência difícil. Disponível na Internet: <http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em 03 de abril de 2004

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60 vência. Surgem assim a busca de saídas. Uma delas é justamente ocu-par os espaços que em nome da mesma democracia a mídia abre aos integrantes do judiciário153

A par disso, o Judiciário tem de ter consciência de que :

é preciso ter em consideração o pensamento de que tentar submeter a dimensão mais estável do Estado, o Judiciário, às necessidades (prin-cipalmente econômicas) da mídia é na verdade uma subversão da es-trutura política estatal, algo capaz de comprometer a estabilidade de uma forma sólida como o Estado Ocidental dos países centrais, e que em nosso caso chega a comprometer a viabilidade da forma híbrida de Estado (Badie, 1992) existente, pouco estável por si mesma. O discur-so de “transparência” democrática não pode significar a mera simplifi-cação do atendimento à pauta da mídia no Legislativo. É preciso que aqueles que se propõe a ter uma visão real do Processo político este-jam preparados para isso e, antes de tudo, é preciso não atribuir à mí-dia um papel ao qual ela não se propõe, ou seja, o de se tornar um ator político. A mídia busca apenas legitimação pública que permita au-mentar sua cotação comercial diante dos patrocinadores, ou seja, ele-var o preço do tempo ou do espaço ocupado em seus meios pelos compradores destes produtos, para aumentar seu lucro. Para isso, a mídia reforça a crença na existência de uma “opinião pública” sobre a qual detém monopólio, estabelecendo-a nas mentes como um dos seus instrumentos mais poderosos para atingir este objetivo.154

Outro ponto, que se constata facilmente, é que as informações produzidas pela

mídia são, principalmente, de natureza simplificadora,

ignorando a complexidade dos meandros processuais e legais. As manchetes, em especial, transmitem, na sua visão, idéias falsas e/ou superficiais sobre o Judiciário, ou sobre a lei. Citam ainda erros fla-grantes decorrentes da ignorância de noções mínimas a respeito da or-ganização judiciária e da lei. Responsabilizam a falta de exigência le-gal de especialização dos jornalistas, evocando o que chamam de uma “falácia” do campo jornalístico segundo a qual qualquer “bom” jorna-lista é capaz de tratar bem de qualquer tema.155

153 ROCHA, Álvaro Filipe Oxley da. Direito e Jornalismo: Uma convivência difícil. Disponível na Internet: <http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em 03 de abril de 2004 154 ROCHA, Álvaro Filipe Oxley da. Direito e Jornalismo: Uma convivência difícil. Disponível na Internet: <http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em 03 de abril de 2004 155 ROCHA, Álvaro Filipe Oxley da. Direito e Jornalismo: Uma convivência difícil. Disponível na Internet: <http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em 03 de abril de 2004

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61 Essas constatações indicam que, para a população, somente a mídia demonstra

preocupação com as expectativas de justiça da comunidade.

A análise das relações do Poder Judiciário com a mídia, até pouco tempo quase

inexistentes, tem ocupado o centro das preocupação dos integrantes do poder e dos

próprios magistrados, e como bem sustenta o Volnei Ivo Carlin:

é preciso fazer os juízes e todos os componentes do corpo forense, pessoas capazes de manifestar a imagem da justiça na cena política e social, colocarem em público seus valores cardeais, deixando essa jus-tiça de ser uma ficção essencial, um mito de nossa Sociedade (...)aderir ao seu papel de informador da opinião pública, em nome do progresso da transparência e do distanciamento de uma mentalidade arcaica, na conduta e nos procedimentos, no desafio lançado a capaci-dade de viver uma outra perspectiva ética e global da justiça.156

A mídia no Brasil produziu um sentimento nacional de necessidade de reforma

do Poder Judiciário, como forma de resolver a Crise.

Após uma breve análise da Crise do Poder Judiciário e da relação desse com a

Sociedade, apesar dela possuir elementos estruturais, tem-se a convicção de que o res-

gate da credibilidade junto à população passa necessariamente por uma mudança de

mentalidade e de postura do magistrado no exercício da Jurisdição.

Assim, identificando tal necessidade de mudança no perfil do magistrado atual e

sua dimensão no papel do Estado na Sociedade, passa-se discorrer, no próximo capítu-

lo, sobre as teorias pós-positivistas que poderão dar sustentação a nova atuação do ma-

gistrado como matéria prima e limites ao Juiz democrático.

156Carlin, Volnei. Deontologia Jurídica. Ética e Justiça. Florianópolis: Editor Obra Jurídica 1997.P.149

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Capítulo II

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63 AS TEORIAS PÓS-POSITIVISTAS : SUSTENTÁCULOS PARA UMA

NOVA ATUAÇÃO DO MAGISTRADO

Delineando a reação da Sociedade na atualidade, seja civil ou politicamente or-

ganizada, em relação ao Poder Judiciário e ao Juiz, passa-se a analisar as teorias cha-

madas de pós-positivistas dos autores Ronald Dworkin157, Luigi Ferrajoli158 e Robert

Alexy159, como possibilidade de resgate do papel e da função do magistrado, através da

aplicação dos Princípios constitucionais.

Apontamentos fundamentais sobre a Teoria do Direito de Ronald Dworkin, a

Teoria Geral do Garantismo, proposta por Luigi Ferrajoli e a Teoria dos Direitos Fun-

damentais de Robert Alexy, trazem matéria prima para dar sustentáculo doutrinário à

necessidade da mudança de postura do intérprete na busca da legitimidade na práxis

jurídica.

É importante salientar que tais Teorias do Direito são chamadas de pós-

positivistas, porque, segundo Paulo Bonavides, fazem uma crítica profunda ao positi-

vismo proveniente de uma reação intelectual trazida, sobretudo, por Ronald Dwor-

kin.160

2.1 A TEORIA DO DIREITO DE RONALD DWORKIN

157 DWORKIN, Ronald. Los Derechos en Serio. Trad.: Marta Guastavino, 2º ed., Barcelona : Ariel Derecho, 1989 158 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón. Madrid : Trotta, 1995 159 ALEXY. Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid : Centro de Estudios Constitucionales, 1997 160BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 12º ed. São Paulo : Malheiros, 2002, p. 237

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64 A Teoria do Direito de Ronald Dworkin161 tem como base a commow law - di-

reito judiciário -, e seu estudo traz uma importante contribuição à Teoria do Direito

contemporâneo, sendo um dos principais representantes da chamada “filosofia jurídica

anglo-saxônica”.

Essa teoria é um importante instrumento para o Juiz da atualidade, eis que traba-

lha com as regras, princípios e diretrizes políticas, criticando o normativismo exagera-

do e realça o papel do magistrado como agente interpretador fundamental.

Profundo crítico da escola positivista, esse autor, pretende construir uma teoria

geral do direito que não exclua, nem o discurso moral nem a argumentação filosófica,

baseando sua teoria na filosofia de John Rawls, autor da obra Uma Teoria da Justiça e

nos princípios do liberalismo individualista162.

Ronald Dworkin elabora uma crítica profunda ao positivismo, porque não

concebe uma concepção do direito que não se socorra de princípios e que faça a

separação entre direito e moral .163

O ataque feito pelo autor ao positivismo baseia-se, primordialmente, na distin-

ção entre normas, diretrizes e princípios.

Para o referido autor, o fundamento de validade não se encontra no conceito de

uma norma chave (norma fundamental de Hans Kelsen ou regra de reconhecimento de

Herbert Hart) uma vez que existem junto às normas, princípios e diretrizes políticas

que não se pode identificar por sua origem, mas sim pelo seu conteúdo e força argu-

mentativa.164

161 DWORKIN, Ronald. Los Derechos en Serio. Trad.: Marta Guastavino, 2º ed., Barcelona : Ariel Derecho, 1989 162DWORKIN, Ronald. Los Derechos en Serio. Trad.: Marta Guastavino, 2º ed., Barcelona : Ariel Derecho, 1989 p 01 163 DWORKIN, Ronald. Los Derechos en Serio. Trad.: Marta Guastavino, 2º ed., Barcelona : Ariel Derecho, 1989 p. 09 164 DWORKIN, Ronald. Los Derechos en Serio. Trad.: Marta Guastavino, 2º ed., Barcelona : Ariel Derecho, 1989, p.66

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65 Assim, esse autor sustenta que, enquanto as normas se aplicam ou não se apli-

cam, os princípios fornecem razões para decidir em um sentido determinado, mas dife-

rentemente das normas, o seu enunciado não determina as condições de sua aplicação,

é o seu peso específico que determina quando deve esse ser aplicado.165

Essa teoria investe contra a da função discricionária do Juiz ,enunciando a tese

da “resposta correta”. Propõe o autor que as decisões judiciais nos casos difíceis, de-

vem ser resolvidas com base nos princípios e, assim, terão uma resposta correta e, so-

mente essa, porque não se buscará unicamente nas normas, mas também, como já foi

colocado, nos princípios.166

Ronald Dworkin assegura, ainda, que como não há hierarquia pré-estabelecida

entre os princípios, eles podem fundamentar decisões distintas, e, principalmente, são

dinâmicos e mudam com grande rapidez . Por essa razão, a aplicação deles não é au-

tomática, pois exige um raciocínio judicial e uma integração desse raciocínio a uma

teoria, e para fundamentar racionalmente, integrando um princípio a essa, é necessário

fazer uma argumentação jurídica.167

Para Cristina Mendes Bertoncini168 pode-se até dizer que foi a partir de tal aná-

lise sobre a escolha na utilização dos princípios, que surgiram todas as teorias sobre

colisões de princípios e toda uma teoria germânica acerca da máxima da proporciona-

lidade, o que será mais amplamente discutido na análise da Teoria dos Direitos Fun-

damentais de Robert Alexy.

Centra a teoria de Dworkin, nos chamados casos difíceis (hard cases), que são

aqueles nos quais existem incertezas, por várias normas poderem ser aplicadas, geran-

165 DWORKIN, Ronald. Los Derechos en Serio. Trad.: Marta Guastavino, 2º ed., Barcelona : Ariel Derecho, 1989, p.66 166 DWORKIN, Ronald. Los Derechos en Serio. Trad.: Marta Guastavino, 2º ed., Barcelona : Ariel Derecho, 1989, p.150 167 DWORKIN, Ronald. Los Derechos en Serio. Trad.: Marta Guastavino, 2º ed., Barcelona : Ariel Derecho, 1989, p.176 168BERTONCINI, Cristina Mendes. O controle jurisdional da Administração Pública: uma possibilidade no Estado de Direito. 2003. 125 f. Dissertação em Direito – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, p.

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66 do, assim, sentenças distintas, ou as normas são contraditórias, porque não existe nor-

ma exata a aplicar.169

O autor propõe, ainda, um modelo de Juiz Hércules170 . Esse é capaz de solu-

cionar os casos difíceis e encontrar a resposta correta para todos os problemas, recor-

rendo à construção de uma teoria coerente. E mesmo que possam existir teorias que

dêem várias respostas, o modelo recomenda que o Juiz escolha a teoria que melhor jus-

tifique e aplique o direito histórico e o direito vigente (o Juiz Hércules é uma pessoa

dotada de habilidades, erudição, paciência e perspicácia sobre-humanas).171

A filosofia jurídica de Dworkin está alicerçada nos direitos individuais172; na ga-

rantia desses como função mais importante do sistema jurídico. O direito não é mais

que um dispositivo que tem como finalidade garantir os direitos dos indivíduos frente

às agressões da maioria e do governo.173

Dworkin utiliza, para explicar a tese dos direitos, a análise das controvérsias ju-

diciais: em todo Processo judicial existe um Juiz que tem a função de decidir o confli-

to; existe um direito a vencer no conflito e o Juiz deve indagar a quem corresponde

vencer. Esse direito a vencer existe sempre, ainda que não exista uma norma exatamen-

te aplicada. Nos casos difíceis, o Juiz deve conceber a vitória de uma parte, baseando-

se em princípios que garantam os direitos, pois os objetivos sociais estão subordinados

aos direitos e aos princípios que os fundamentam. O Juiz, ao fundamentar sua decisão

em um princípio pré-existente, não inventa um direito, nem aplica legislação retroativa,

limita-se a garanti-lo.174

169 DWORKIN, Ronald. Los Derechos en Serio. Trad.: Marta Guastavino, 2º ed., Barcelona : Ariel Derecho, 1989 p.147 170 DWORKIN, Ronald. Los Derechos en Serio. Trad.: Marta Guastavino, 2º ed., Barcelona : Ariel Derecho, 1989, p.177 171 DWORKIN, Ronald. Los Derechos en Serio. Trad.: Marta Guastavino, 2º ed., Barcelona : Ariel Derecho, 1989, p. 177 172 DWORKIN,. Ronald. Los Derechos en Serio. Trad.: Marta Guastavino, 2º ed., Barcelona : Ariel Derecho, 1989, p. 16 173DWORKIN, Ronald. Los Derechos en Serio. Trad.: Marta Guastavino, 2º ed., Barcelona : Ariel Derecho, 1989,. p. 37 174DWORKIN, Ronald. Los Derechos en Serio. Trad.: Marta Guastavino, 2º ed., Barcelona : Ariel Derecho, 1989, p. 27

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67 A teoria de Dworkin é criticada, por ser difícil precisar uma única resposta cor-

reta e especificar quais são os princípios aplicáveis nas decisões judiciais, especialmen-

te, em temas importantes como os constitucionais e traz a implicação de eleger entre

valores morais e não meramente na escolha de um princípio moral.

As constituições dos países desenvolvidos são elaboradas por sociedades plura-

listas, resultando então constituições formadas por ideologias políticas distintas. Por

esse motivo, surgem conflitos entre princípios, sendo muito freqüente em razão do seu

pluralismo.175

Tais questões são sérias e reconhecidas por Ronald Dworkin, mas ele sustenta

que, quando existem conflitos, o Juiz justificará racionalmente o princípio eleito, for-

necendo na prestação jurisdicional a resposta correta.

2.2 TEORIA GERAL DO GARANTISMO – O PENSAMENTO DE FERRAJOLI

Bertoncini176 diz que a Teoria Geral do Garantismo foi elaborada por Luigi Fer-

rajoli (nos capítulo 13 e 14 da obra “Derecho y Razón”) em decorrência da chamada

Crise do Direito positivo, eis que o Direito estaria necessitando da efetivação de suas

normas, e não mais somente da sua declaração, ou justificação.

Bobbio, salienta que

o problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político(...)Não se trata de encontrar o fundamento absoluto – empreendimento sublime, porém desesperado –, mas de buscar, em cada caso concreto, os vários fundamentos possíveis. Mas também essa busca dos fundamentos possíveis – empreendimento le-gítimo e não destinado, como o outro ao fracasso – não terá nenhuma importância histórica se não for acompanhada pelo estudo das condi-

175DWORKIN, Ronald. Realmente no hay respuesta correcta en los casos dificiles? In: El Ambito de lo Juridi-co. Trad.: Maribel Narvez Mora, Barcelona : Crítica, 1994, p. 01 176BERTONCINI, Cristina Mendes. O controle jurisdional da Administração Pública: uma possibilidade no Estado de Direito. 2003. 125 f. Dissertação em Direito – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis,

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68 ções, dos meios e das situações nas quais este ou aquele direito pode ser realizado.177

A contribuição do autor é essencial, pois traz a função garantista do magistrado

que deve encontrar sustentação para suas decisões nos direitos fundamentais previstos

na Constituição.

Luigi Ferrajoli esboça a divergência entre a normatividade do modelo em nível

constitucional e a ausência de efetividade nos níveis inferiores. Para ele, isso faz com

que se trate o direito como simples fachada, levando a uma Crise o sistema jurídico. O

autor pretende, com o garantismo, elaborar uma nova forma de entender o Direito e o

Estado de Direito.

O mesmo autor , ainda, elabora uma teoria que consegue dar conta do direito

atual. Para Gustavo Zagrebelsky178, um direito dúctil, significa a coexistência de valo-

res e princípios nos quais deve se basear o direito hoje. Não se admite mais uma teoria

do direito que não aceite a pluralidade de valores e princípios, ou seja, que não aceite

um sistema aberto de inclusão e integração como flexível e que supere o legalismo do

sistema fechado179.

Gustavo Zagrebelsky explicita:

se, com mediante uma palavra o mais aproximada possível, quisésse-mos indicar o sentido deste caráter essencial do direito dos Estados constitucionais atuais, possivelmente poderíamos usar a imagem da ductilidade. A coexistência de valores e princípios em que se deve ho-je fundamentar necessariamente uma Constituição para não renunciar aos seus elementos de unidade e integração e ao mesmo tempo tornar-se incompatível com a sua base pluralista, exige que cada um de tais valores e princípios se assuma com caráter não absoluto, compatível com aqueles outros com os quais deve conviver.180

177BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro : Campus, 1992. p. 24 178 ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho ductil:. Ley, derechos y justicia. Trad: Marina Grebcón. Madrid : Trotta, 1995 179 BERTONCINI, Cristina Mendes. O controle jurisdional da Administração Pública: uma possibilidade no Estado de Direito. 2003. 125 f. Dissertação em Direito – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, p 180 ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho ductil: Ley, derechos y justicia. Trad: Marina Grebcón. Madrid : Trotta, 1995, p. 14. “Si, mediante uma palabra lo más aproximada posible, quisiéramos indicar el sentido de este

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69

A essência da teoria garantista é o constitucionalismo181 que, com a emergência

da perspectiva constitucional na aplicação da lei, conforme Ferrajoli, não amplia a dis-

cricionariedade do intérprete, ao contrário, limita-a, haja vista a exigência constitucio-

nal de fundamentação e motivação das decisões, que poderá ter o direito como um sis-

tema de garantias.

É fundamental, para o entendimento da teoria garantista, compreender que ela

trata somente de Estados de Direito constitucional, ou seja, de Estados de Direito como

uma estrutura limitada de poder.

Da mesma forma que Bobbio faz análises sobre a Teoria do Direito, que não

trazem sínteses, mas constróem distinções capazes de aclarar problemas, Luigi Ferrajo-

li adota tal postura, fazendo análises profundas em relação às diversas categorias que

estuda para elucidar questões e demonstrar como o Direito pode se tornar mais efetivo

e não declaratório182.

A Teoria Geral do Garantismo apresenta três fios condutores a articular a teoria

de Luigi Ferrajoli, sendo o primeiro o trânsito do Estado de Direito legislativo ao Esta-

do de Direito constitucional.

Cristina Bertoncini traduz tal pensamento, que é assim explicado:

o primeiro é o representado pela tese, já exposta, da troca de paradig-ma que supõe o constitucionalismo rígido pautado no velho modelo do positivismo jurídico. É o que implica o trânsito do Estado legislativo de direito ao Estado constitucional de direito, a integração das conse-qüências de uma primeira revolução jurídica com as da segunda revo-

carácter esencial del derecho de los Estados constitucionales actules, quizás podríamos usar la imagen de la ductilidad.La coexistencia de valores y principios sobre la que hoy debe basarse necesariamente una Constitución para no renunciar a sus cometidos de unidad e integraçión e al mismo tiempo no hacerse incompatible con su base material pluralista, exige que cada uno de tales valores y principios se asuma com carácter no absoluto, compatible con aquellos otros con los que debe convivir. 181 FERRAJOLI, Luigi. Derechos y Garantias. Trad: Andres Ibañez y Andrea Greppi. Madrid : Trotta, 1999. p.11 182 BERTONCINI, Cristina Mendes. O controle jurisdional da Administração Pública: uma possibilidade no Estado de Direito. 2003. 125 f. Dissertação em Direito – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, p

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70 lução desse caráter. Aquela, como bem se sabe, teve por objeto pri-mordial vincular legalmente o poder do Juiz. Esta se tem orientado no sentido de estabelecer limites e vínculos de direito para a legislação.183

A mudança de paradigma para um constitucionalismo de conteúdo, de direito,

faz com que haja um novo conceito de validade da norma, não se entendendo que essa

é válida somente por existir, mas quando o seu conteúdo respeita o que está contido na

constituição.

Na verdade, trabalha com conceitos, que eram quase exclusivos do campo da fi-

losofia do direito, ou seja, a validade material como condição de eficácia da norma e a

transformação de valores em princípios.

A teoria garantista, assim, tem como matéria prima uma dogmática fluida, em

transformação, sendo que o seu único conteúdo sólido é a própria pluralidade de valo-

res e princípios, abandonando um legalismo formal e restrito mas uma normatividade

fluida que aceita a mescla de princípios.

Bertoncini184 afirma que em tal ponto da sua teoria permite uma aproximação de

Ferrajoli a Dworkin pois ambos aceitam os princípios na configuração do direito, bem

como entendem os princípios como conteúdo substancial que o magistrado deve se ba-

sear na aplicação do direito. Esta aproximação é explicitada por Letizia Gianformag-

gio185 que explica que ambos entendem que a ciência do direito tem uma raiz filosófi-

ca.

Já o conceito de dogmática fluida é explicado por Gustavo Zagrebelsky:

183 FERRAJOLI, Derechos y Garantias. Trad: Andres Ibañez y Andrea Greppi. Madrid : Trotta, 1999, p. p. 10 El primero es el representado por la tesis, ya aludida, del cambio de paradigma que supone el constitucionalimo rígido respecto del viejo modelo del positivismo jurídico. Es lo que implica el tránsito del Estado legislativo de derecho al Estado constitucional de derecho, la integración de las consecuencias de uma primera revolución jurí-dica con las de la segunda revolución de ese carácter. Áquella, como bien se sabe, tuvo por objeto primordial vincular legalmente el poder del juez. Ésta, se há orientado a establecer límites y vinculos de derecho para la legislación. 184BERTONCINI, Cristina Mendes. O controle jurisdional da Administração Pública: uma possibilidade no Estado de Direito. 2003. 125 f. Dissertação em Direito – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, p 185 GIANFORMAGGIO, Letizia. Diritto e ragione tra essere e dover essere. In: Le Ragione del Garantismo. Torino : Grappichelli, 1993

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71 Por falta de uma expressão melhor, defendo aqui, a exigência de uma dogmática jurídica ‘líquida’ ou ‘fluida’ que possa conter os elementos de direito constitucional de nossa época, ainda que sejam heterogê-neos, agrupando-os em uma construção necessariamente não rígida que dá cabimento às combinações que derivam não só do direito constitucional, mas também da política constitucional(...)O único con-teúdo “sólido” que a ciência de uma Constituição pluralista deveria defender rigorosa e decididamente contra as agressões de seus inimi-gos é a da pluralidade de valores e princípios. O único valor – sim-ples – é o da conciliação necessária e o único conteúdo constitucional que não se presta a ser – integrado- em outros mais compreensivos e que, por conseguinte, pode assumir a dureza de um conceito constitu-cional combatente é o da necessária coexistência de conteúdos. 186 (tradução de Cristina Mendes Bertoncini)

O modelo garantista ou sistema garantista é um sistema de legalidade que não só

tem a sua forma delineada, ou seja, não só controla a produção e formação das normas

jurídicas, mas também os conteúdos substanciais destas normas, vinculando-as aos va-

lores constitucionais.

O outro “fio condutor” da teoria de Ferrajoli é a atribuição que o modelo garan-

tista investiu à Jurisdição e à ciência jurídica.

Para o autor, fundamental que ambas têm que trocar o seu papel de racionaliza-

ção acrítica de legalidade do Estado legislativo de Direito, que confunde vigência com

validade, para uma crítica da legalidade, que verifique a validade de uma norma em

termos de racionalidade material constitucional, a Interpretação de uma lei, pressupõe

um juízo sobre ela mesma em termos de conteúdo.

Ponto fundamental, também, é a importância do papel da Jurisdição, que hoje,

vem da forma como ela se exerce, eis que a instrumentalização da Constituição no

186ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho ductil:. Ley, derechos y justicia. Trad: Marina Grebcón. Madrid : Trotta, 1995, p. 17 A falta de una expresión mejor, he defendido en otro lugar la exigencia de una dogmática juridica ‘líquida’ ou ‘fluida’ que pueda contener los elementos de derecho constitucional de nuestra época, aun-que sejan heterogéneos, agrupándolos en una construcción necesariamente no rígida que dé cabida a las combi-naciones que deriven no ya del derecho constitucional, sino de la política constitucional. [..]El único contenido “sólido” que la ciencia de una Constitucion pluralista debería defender rigurosa y decididamente contra las agre-siones de sus inimigos es el de la pluralidad de valores y principios. El único valor – simple – es el de la atempe-racion necesaria y el único contenido constitucional que no se presta a ser – integrado- en otros más comprensi-vos y que, por consiguiente, puede asumir la dureza de un concepto constiticional - combatiente - es el de la ne-

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72 meio jurisprudencial demonstra o despertar da consciência da sua normatividade e de

seus imperativos e a sua aplicação pelos magistrados mostra uma mudança paradigmá-

tica da própria Teoria do Direito.187

A resistência de tal aplicação baseada no entendimento que tal amplia a discri-

cionariedade do intérprete, Ferrajoli188 demonstra que, ao contrário, a aplicação consti-

tucional limita tal discricionariedade, em decorrência da exigência constitucional de

fundamentação e motivação das decisões.

O último “fio condutor” da Teoria Garantista é o papel normativo que corres-

ponde à ciência jurídica em relação com o direito vigente.

Bertoncini189 traz Perfecto Andrés Ibãnez,190 que afirma ser este o momento da

ruptura mais significativa da teoria garantista com o precedente kelseniano da teoria do

direito como teoria pura e com a ortodoxia analítica da teoria como teoria descritiva.

Isto porque Ferrajoli concebe a relação entre o direito e a garantia como implicação

normativa e não como uma mera descrição do fato jurídico.

Lastreado nestes três fios condutores, Ferrajoli constrói sua concepção do direi-

to como um sistema de garantias a partir de um ordenamento jurídico do Estado consti-

tucional de direito.

Tais noções sobre os fios condutores que se baseiam a Teoria Geral do Garan-

tismo permite descortinar como Luigi Ferrajoli com o seu livro “Derecho y Razón”,

almejou lançar as bases de uma Teoria Geral para todos os ramos do direito e não so-

mente para o direito penal, como inicialmente havia se proposto.

cesaria coexistencia de los contenidos. 187BERTONCINI, Cristina Mendes. O controle jurisdional da Administração Pública: uma possibilidade no Estado de Direito. 2003. 125 f. Dissertação em Direito – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, p 188FERRAJOLI, Luigi. Derechos y Garantias. Trad: Andres Ibañez y Andrea Greppi. Madrid : Trotta, 1999 pp. 11/12 189BERTONCINI, Cristina Mendes. O controle jurisdional da Administração Pública: uma possibilidade no Estado de Direito. 2003. 125 f. Dissertação em Direito – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, p 190FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón. Madrid : Trotta, 1995, p.12

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73 Ferrajoli inaugura a Teoria Geral do Garantismo trazendo o Garantismo Jurídi-

co em três acepções191, situando o garantismo dentro do pós-positivismo jurídico, em

decorrência da forma estatal do Direito e da forma jurídica do Estado.

A primeira acepção apresenta o Garantismo como um modelo normativo de di-

reito, um modelo de estrita legalidade, que se caracteriza em três planos:

no plano epistemológico, como um sistema cognoscitivo ou de poder mínimo; no plano político, como uma técnica de tutela capaz de mi-nimizar a violência e de maximizar a liberdade e no plano jurídico, como um sistema de vínculos impostos à autoridade punitiva do Esta-do em garantia dos direitos dos cidadãos.192 (tradução de Cristina Mendes Bertoncini)

Em tal acepção afirma o modelo da estrita legalidade, significando, nesta teoria,

que há uma exigência de que a própria lei condicione a determinados conteúdos subs-

tanciais a legitimidade de exercício de qualquer poder por ela instituído e que a ne-

nhum poder é possibilitado o direito de não respeitar os direitos fundamentais.

Em nível epistemológico, então, ensina Sérgio Cademartori que:

esta teoria embasa-se no conceito de centralidade da pessoa, em nome de quem o poder deve constituir-se e a quem deve o mesmo ser-vir.(...)Esse modelo permite ao estudioso analisar um determinado sis-tema constitucional para verificar eventuais antinomias entre as nor-mas inferiores e seus Princípios Constitucionais, bem como incoerên-cias entre as práticas institucionais efetivas e as normas legais. A partir daí, poderá inferir-se o grau de garantismo do referido sistema , ou se-ja, o grau de efetividade da norma constitucional.193

Na segunda acepção aparece o Garantismo Jurídico como uma Teoria do Direito

e uma Crítica ao Direito, ou seja, o sistema garantista designa uma teoria jurídica da

191 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón. Madrid : Trotta, 1995 192FERRAJOLI, op. cit p. 851 en el plano epistemológico como un sistema cognoscitivo o de poder mínimo; en el plano político como una técnica de tutela capaz de minimizar la violencia y de maximizar la liberdad y en el plano jurídico como un sistema de vínculos impuestos a la potestad punitiva del Estado em garantía de los dere-chos de los ciudadanos. 193 CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e Legitimidade: uma abordagem garantista. Livraria do Ad-vogado : Porto Alegre, 1999. p . 76

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74 validade separada da efetividade, ou seja, elas são tratadas como categorias distintas,

assim como a vigência das normas também .

Sérgio Cademartori explicita:

a abordagem teórica, neste caso, permite estabelecer uma diferença en-tre ser e dever ser no Direito, postulando como seu problema central a divergência existente entre os modelos normativos (tendencialmente garantistas) e as práticas efetivas (tendencialmente anti-garantistas). [...] Para isso, opera redefinições dos conceitos tradicionais de valida-de, vigência, legitimidade e eficácia.194

O que propõe é uma crítica ao direito positivo vigente, sendo tal crítica, interna

e jurídica, posto que é dirigida a sua inefetividade e invalidade.

Imprescindível, assim, vislumbrar como o garantismo trabalha os conceitos de

validade, vigência e eficácia de uma norma jurídica.

Estabelecida tal distinção, este autor traz uma crítica às orientações positivistas

por confundirem vigência com validade, e concomitantemente, uma crítica ao realismo

jurídico, que confunde validade com eficácia.

Ferrajoli aponta a distinção:

para que uma norma exista ou esteja em vigor é suficiente que satisfaça as condições de validade formal, condições que fazem referência às formas e aos procedimentos do ato normativo, as-sim como a competência do órgão que o emana. Para que seja válida, ao contrário, necessita-se que satisfaça também as condi-ções de validade substancial, que se referem ao seu conteúdo, ou seja, ao seu significado. Tanto as condições formais, que são su-ficientes para que uma norma seja vigente, como as substanciais necessárias para que seja válida se encontram estabelecidas pelas normas jurídicas que disciplinam sua produção em nível norma-tivo superior.195 (grifo do autor) (tradução de Cristina Mendes Bertoncini)

194CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e Legitimidade: uma abordagem garantista. Livraria do Advo-gado : Porto Alegre, 1999. p 77 195 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón. Madrid : Trotta, 1995 p. 874 Para que una norma exista o esté en vigor es suficiente que satisfaga las condiciones de validez formal, condicioenes que hacen referencia a las for-mas y los procedimientos del acto normativo, así como la competencia del órgano de que emana. Para que sea,

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Tal diferenciação é feita pelo autor italiano porque leva em conta o Estado de

Direito constitucional no qual o conceito tradicional de validade confundido com vi-

gência não consegue dar mais conta da complexidade do direito atual. Sustenta, ainda,

que tendo o Estado de Direito constitucional incorporado os valores de justiça ao seu

conteúdo normativo, todos os princípios e valores consagrados como direitos naturais

foram positivados como direitos fundamentais que limitam o Estado.

Cademartori afirma:

ra, se uma norma inferior entrar em vigor respeitando os proce-dimentos previstos para sua criação, mas não já os conteúdos nesses parâmetros supracitados (os Direitos fundamentais, por exemplo), à obviedade, ela existirá até ser declarada sua inconsti-tucionalidade pela corte competente. Ou seja, ela será válida (na terminologia positivista tradicional) até que o referido tribunal declare que ela é inválida. Então, para evitar tais confusões, o ga-rantismo propõe uma redefinição das categorias tradicionais, passando a entender como vigentes (ou de validade meramente formal) as normas postas pelo legislador ordinário em conformi-dade com os procedimentos previstos em normas superiores, re-servando a palavra validade à validade também substancial dos atos normativos inferiores.196

O Juiz, ao aplicar uma lei não deve analisar somente se esta é vigente, mas tam-

bém se é válida; eis que poucos são os que realmente comparam a norma infraconstitu-

cional com a Constituição, ou seja, aplicam na realidade somente uma norma vigente.

Tal é a crítica do autor italiano.

Dentro de tal concepção, tanto uma ação administrativa, quanto uma ação judi-

cial ou legislativa, que não respeite o conteúdo substancial de uma norma, pode e deve

valida se necesita por el contrario que satisfaga también las condiciones de validez sustancial, que se refieren a su contenido, o sea, a su significado. Tanto las condiciones formales suficientes para que una norma sea vigente como las sustaciales necesarias para que sea válida se encuentran establecidas por las normas jurídicas que disci-plinan su produccion en el nivel normativo superior. 196CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e Legitimidade: uma abordagem garantista. Livraria do Advo-gado : Porto Alegre, 1999. p. 78

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76 ser controlada jurisdicionalmente, haja vista, o Poder Judiciário ser o protetor do Esta-

do Democrático de Direito.

O conceito de eficácia de uma norma dentro das categorias de Ferrajoli é a ob-

servância desta norma pelos seus destinatários, ou ainda, a aplicação desta pelos órgãos

que têm competência para aplicá-las.

Demonstra-se, assim, como o garantismo faz uma crítica pontual ao direito posi-

tivo vigente, pois analisa tanto os seus aspectos de ineficácia como os de invalidade

das normas jurídicas.

Como terceira acepção de garantismo jurídico, apresenta-se como uma filosofia

do direito e crítica da política, designando uma filosofia política. Impõe ao direito e ao

Estado a função de justificação externa conforme os seus bens e seus interesses, cuja

tutela e garantia constituem a finalidade precisa de ambos.

Elucida Cademartori:

O ‘garantismo’ designa também uma filosofia do direito e crítica da política, condensando-se numa filosofia política que impõe ao Direito e ao Estado a carga de sua justificação externa, isto é, um discurso normativo e uma prática coerentes com a tutela e garan-tia dos valores, bens e interesses que justifiquem sua existência. Isto permite a valoração do ordenamento a partir da separação entre ser e dever ser do direito, o que é denominado por Ferrajoli de ‘ponto de vista externo’.197

As três acepções declinadas formam a chamada “Teoria Geral Garantista” e é a

partir desta que Bertoncini198 demonstra o Estado de Direito como uma estrutura limi-

tada de poder, ou seja, é a partir das categorias de validade formal, substancial, vigên-

cia e do respeito aos direitos fundamentais que se legitimará o controle jurisdicional

dos conceitos jurídicos indeterminados sob o enfoque garantista.

197CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e Legitimidade: uma abordagem garantista. Livraria do Advo-gado : Porto Alegre, 1999. p. 155 198BERTONCINI, Cristina Mendes. O controle jurisdional da Administração Pública: uma possibilidade no Estado de Direito. 2003. 125 f. Dissertação em Direito – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis,

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77 Bertoncini,199 ao falar sobre o caráter vinculado do poder Público no Estado

Democrático de Direito, incorpora o Garantismo Jurídico como um modelo de orde-

namento, dotado de meios de invalidação de todo exercício de poder, em contraste com

as normas superiores ditadas para a tutela dos direitos fundamentais.

Para tanto, traz os conceitos de governo per leges e sub lege da obra de Cade-

martori, quanto ao primeiro trata-se de um governo que se expressa mediante leis pre-

dominantemente gerais e abstratas, e não através de atos particulares, privilégios e

estatutos pessoais e ainda, que a lei, enquanto fonte do direito, seja fruto da vontade

geral, entendida num sentido muito amplo.200 Já o governo sub lege eqüivale à submis-

são de todo poder ao direito, desde o nível mais baixo até os superiores, através do

Processo de legalização de toda e qualquer ação governamental.201

Para aquele autor, apesar da distinção teórico-metodológica entre as duas fór-

mulas, na verdade, o Estado de Direito designa os dois conceitos, ou seja, a afirmação

da submissão do poder ao direito foi acompanhada pela exigência de que aquele se

expressasse de modo preferencial através de normas gerais e abstratas.202

Para Ferrajoli203 o governo sub lege é o que melhor desenvolve a relação entre

Direito e Estado pois o poder sub lege pode ser entendido em dois sentidos: um débil

ou formal no qual qualquer poder deve ser conferido pela lei e exercido nas formas e

procedimentos por ela estabelecidos e um sentido forte ou substancial de que qualquer

poder deve ser limitado pela lei, que condiciona não só a forma mas o conteúdo.

p 199BERTONCINI, Cristina Mendes. O controle jurisdional da Administração Pública: uma possibilidade no Estado de Direito. 2003. 125 f. Dissertação em Direito – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, p 200CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e Legitimidade: uma abordagem garantista. Livraria do Advo-gado : Porto Alegre, 1999. p. 19 201CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e Legitimidade: uma abordagem garantista. Livraria do Advo-gado : Porto Alegre, 1999. p. 19 202 CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e Legitimidade: uma abordagem garantista. Livraria do Ad-vogado : Porto Alegre, 1999, p. 20. 203 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón. Madrid Trotta, 1995, p. 856

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78 No primeiro sentido, são Estados de Direito todos os ordenamentos, inclusive os

autoritários, no segundo sentido, somente os Estados de Direito constitucionais são Es-

tados de Direito. É no segundo sentido que se encontra o Estado de Direito como sinô-

nimo de garantismo.

A concepção garantista de Estado de Direito designa não somente um Estado

legal ou regulado por lei, mas sim e principalmente um Estado constitucional de Direito.

Caracterizado, no plano formal, pelo princípio da legalidade em virtude do qual todo

poder público está subordinado a leis gerais e abstratas, que disciplinam sua forma de

exercício e cuja observância está submetida ao controle de legitimidade e no plano

substancial pela funcionalização de todos os poderes do Estado a serviço da garantia dos

direitos fundamentais dos cidadãos, das proibições de lesionar os direitos de liberdade e

as obrigações de satisfazer os direitos sociais, assim como os poderes dos cidadãos de

acionar a tutela judicial.204

Luigi Ferrajoli afirma:

graças a estas duas fontes não existem, no Estado de Direito, poderes sem regulação e atos de poder incontroláveis: em todos os poderes se encontram limitados por deveres jurídicos, relativos não só à forma, mas também aos conteúdos de seu exercício, cuja violação é causa de invalidade dos atos acionados judicialmente e, ao menos em teoria, de responsabilidade de seus autores.205 (tradução de Cristina Mendes Ber-toncini)

Assim, entendido o Estado de Direito como um Estado definido por regras e li-

mites que se baseiam na centralidade da pessoa humana e na garantia dos seus direitos

fundamentais, sendo estes a base e o eixo do Estado e não somente valores externos a

este, pode-se caracterizar o Estado de Direito como uma estrutura limitada de poder.

Dentro de tal concepção, Sérgio Cademartori aduz:

204 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón. Madrid Trotta, 1995, p. 857. 205 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón. Madrid Trotta, 1995, p. 857. Gracias a estas dos fuentes no existen, en el Estado de derecho, poderes sin regulación y actos de poder incontrolables: en él todos los poderes se en-cuentran limitados por deberes jurídicos, relativos no sólo a la forma sino también a los contenidos de su ejer-cicio, cuya violación es causa de invalidez de los actos accionables judicialmente y, al menos en teoría, de res-

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79 como modelo explicativo do Estado de Direito, a teoria garantista con-segue dar conta desse aparato de dominação com extrema competên-cia, eis que o apresenta como uma estrutura hierarquizada de normas que se imbricam por conteúdos limitativos do exercício do poder polí-tico. Propõe assim um modelo ideal de Estado de Direito, ao qual os diversos Estados Reais de Direito devem aproximar-se, sob pena de deslegitimação. Tem-se aqui então o aspecto propositivo da teoria, ao postular valores que necessariamente devem estar presentes enquanto finalidades a serem perseguidas pelo Estado de Direito, quais sejam a dignidade humana, a paz, a liberdade plena e a igualdade substanci-al.206

No Estado de Direito, o escopo do garantismo é o conteúdo substancial das

normas tendo-se como substancial, a defesa dos direitos fundamentais.

Para Ferrajoli os direitos fundamentais podem ser divididos em duas categorias,

que são os direitos de liberdade e os direitos sociais. Trata de forma diferenciada, colo-

cando que as recentes Constituições estão reconhecendo, além dos direitos fundamen-

tais de liberdade, outros direitos fundamentais, que são o direito à subsistência, à ali-

mentação, ao trabalho, à saúde, à educação, à informação.

É sabido que, na tradição liberal207 o Estado de Direito é concebido como limi-

tado somente por proibições, em garantia dos direitos do indivíduo a não ser privado

dos bens da vida e das liberdades; as garantias liberais ou negativas consistem unica-

mente em deveres públicos negativos ou de não fazer - de deixar fazer e deixar viver-

que tem por conteúdo prestações negativas, ou seja, proibições ao Estado que permi-

tem aos cidadãos liberdades.

A diferença entre os direitos de liberdade, que são os direitos de e correspondem

a proibições ao poder público, e os direitos sociais ou materiais, que são os direitos a e

correspondem a obrigações, é que quando um Estado incorpora somente proibições, ou

seja, prestações negativas em garantia dos direitos de liberdade, temos um Estado de

Direito Liberal, e quando o Estado incorpora também obrigações, que são prestações

ponsabilidad para sus autores 206CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e Legitimidade: uma abordagem garantista. Livraria do Advo-gado : Porto Alegre, 1999. p. 72

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80 positivas em garantia dos direitos sociais, caracteriza-se como Estado de Direito Soci-

al.208

Os dois tipos de garantias e os correspondentes modelos de Estados não se ex-

cluem entre si, nem se implicam reciprocamente.

Desta forma, a diferença fundamental, para Ferrajoli, entre os direitos de liber-

dade209, que são as prestações negativas, e correspondem a proibições ao poder público

e os direitos sociais ou materiais que são obrigações positivas, e correspondem a obri-

gações deste mesmo poder, consiste no fato de que as prestações negativas (direitos de)

são mais fáceis de serem executadas vez, que só necessitam de um não fazer, e por is-

so, não custam nada, enquanto que as garantais sociais exigem obrigações positivas

(direitos a) que exigem um custo econômico. Enquanto os direitos de respondem a

uma faculdade da pessoa, os direitos a respondem uma pretensão da pessoa.

Na Teoria Geral do Garantismo também se vislumbra, além dos direitos fun-

damentais, as garantias.210

Os direitos fundamentais foram conceituados, já as garantias são consideradas

pela Teoria Garantista como técnicas de limitação à atuação do Estado no que respeita

aos direitos fundamentais tanto de liberdade, quanto no que diz respeito aos direitos

sociais.

Para Ferrajoli, o enunciado constitucional dos direitos dos cidadãos consistem

em prestações positivas por parte do Estado, que nem sempre se dão acompanhadas

pela elaboração de garantias adequadas, ou seja, de técnicas de defesa e proteção juris-

dicional previstas para elas.

207 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón. Madrid Trotta, 1995, p. 860 208 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón. Madrid Trotta, 1995, p. 860 209 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón. Madrid Trotta, 1995, op. cit p. 860/861 Traducao de Cristina Men-des Bertoncini 210 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón. Madrid Trotta, 1995

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81 As prestações positivas do Estado social possuem mais dificuldade do que as

prestações negativas do Estado liberal, pois as garantias liberais requerem prestações

negativas consistentes em um não fazer, e por isso, nada custam. Já as sociais exigem

prestações positivas que demandam um custo econômico, dependem da atividade de

outros sujeitos.

Em derradeira análise, enquanto a violação das proibições públicas estabeleci-

das em garantia dos direitos de dão lugar a antinomias que são normas vigentes, porém

inválidas, a violação das obrigações públicas estabelecidas em garantia dos direitos a

produzem lacunas, ou seja, carência de normas.

Sintetizando o pensamento de Luigi Ferrajoli, pode se afirmar que os direitos

fundamentais correspondem a valores e necessidades vitais da pessoa, histórica e

culturalmente determinados. E é por sua qualidade, quantidade e grau de garantia que

pode ser definida a qualidade de uma democracia e medir-se o seu progresso.211

Como características da própria estrutura dos direitos fundamentais estão a

universalidade, a igualdade, a indisponibilidade e a categoria habitualmente

constitucional. A grande inovação institucional da noção do Estado de Direito foi a

positivação e a constitucionalização destes direitos fundamentais como forma de limite.

Bertoncini212 ressalta que não se admite poderes ilimitados e aspirações

neoabsolutistas no Estado de Direito, uma vez que a idéia do caráter ilimitado da

vontade da maioria para o Garantismo perde o seu sentido.

A garantia de tais direitos vitais é condição indispensável à convivência pacífi-

ca.

211 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón. Madrid Trotta, 1995, p. 916 Los derechos fundamentales corres-ponden a valores y necesidades vitales de la persona histórica y culturalmente determinados. Y es por su cali-dad, cantidad y grado de garantía como puede ser definida la calidad de una democracia y medirse el progres-so. 212BERTONCINI, Cristina Mendes. O controle jurisdional da Administração Pública: uma possibilidade no Estado de Direito. 2003. 125 f. Dissertação em Direito – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, p

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82 Ferrajoli213 constrói uma redefinição do conceito de democracia, chamando de

democracia substancial ou social o Estado de Direito dotado de garantias efetivas, tan-

to liberais como sociais, e democracia formal o Estado político representativo, sendo

que, neste sentido, o princípio da democracia política é o respeito à regra da maioria.

Assim, sobre o conteúdo substancial da democracia, além das normas que de-

terminam sobre o que e como se deve decidir, estão presentes também normas que fa-

zem referência ao que se deve ou não se deve decidir em relação às formas de demo-

cracia política e, por isso, se coloca como conteúdo substancial (nem sobre tudo se po-

de decidir, nem sequer por maioria). Referente ao conteúdo social da democracia, re-

querem-se instrumentos de efetivação e satisfação dos interesses dos cidadãos (nem

sobre tudo se pode deixar de decidir, nem sequer por maioria).

Ferrajoli assevera:

Nenhuma maioria, tem-se dito, pode decidir a supressão de um ino-cente ou a privação dos direitos fundamentais de um indivíduo ou um grupo minoritário; e tampouco pode deixar de decidir as medidas ne-cessárias para que a um cidadão seja assegurada a subsistência e a so-brevivência. Em suma, o princípio da democracia política, relativo a quem decide, se encontra subordinado aos princípios da democracia social relativos ao que não é lícito decidir e ao que não é lícito dei-xar de decidir214. (grifo do autor) (tradução de Cristina Mendes Ber-toncini)

O projeto de democracia social forma, portanto, um todo único com o Estado

Social de Direito: consiste na expansão dos direitos dos cidadãos e, correlativamente,

dos deveres do Estado, ou melhor, a maximização dos direitos de liberdade e minimi-

zação dos poderes. Pode-se ter, então, um Estado liberal mínimo e um Estado social

máximo.

213 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón. Madrid Trotta, 1995, p. 865. Traducao de Cristina Memndes Ber-toncini 214 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón. Madrid Trotta, 1995, p. 865 Ninguna mayoría, se há dicho, puede dec. la supresíon de un inocente o la privación de los derechos fundamentales de un individuo o un grupo minori-tario; y tampoco puede dejar de decidir las medidas necesarias para que a un ciudadano le sea asegurada la sub-sistencia y la supervivencia. En suma, el principio de la democracia política, relativo al quién decide, se encuen-tra subordinado a los princípios de la democracia social relativos a qué no es lícito decidir y a qué no es lícito dejar de decidir.

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83 Ferrajoli215 sustenta que a tarefa do garantismo é plasmar as novas garantias e

efetivá-las, sendo que transcende a questão jurídica, eis que integrado as dimensões

política e fática, afastando-se da ‘falácia garantista’ que nada mais quer dizer do que

basta ter-se um sistema normativo adequado e pleno de garantias para que os poderes

públicos sejam contidos em sua tendência antigarantista.

Em um Estado de Direito, o Estado é um meio para a realização da garantia dos

direitos fundamentais, incumbindo ao Poder Judiciário controlar essa aptidão antiga-

rantista do governo.

2.3. A TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS – O PENSAMENTO

ALEXY

Pode-se observar em Bertoncini216 que, Robert Alexy, foi um dos articulado-

res da Teoria dos Direitos Fundamentais e da Teoria da Argumentação Jurídica, pas-

sou-se a discussão sobre a colisão de direitos fundamentais e a maneira como se resol-

ver tais questões.

A importância desse autor para o presente estudo reside no fato de ser um arti-

culador das teorias dos direitos fundamentais, trabalhando especificamente a resolução

dos casos concretos da colisão desses direitos.

Segundo Bonavides217, Alexy tem como cerne os constitucionalistas da Teoria

Material da Constituição, que teve como grandes representantes no Direito

Constitucional contemporâneo Konrad Hesse, Friedrich Müler e Peter Häberle.

Afirma Bonavides218, que Alexy, ao estudar a teoria material dos direitos

fundamentais e fazendo uma juridicidade dos princípios, produz uma teoria normativo-

material dos direitos fundamentais.

215FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón. Madrid Trotta, 1995, p. op. cit .p. 869. Traducao de Cristina Mendes Bertoncini 216BERTONCINI, Cristina Mendes. O controle jurisdional da Administração Pública: uma possibilidade no Estado de Direito. 2003. 125 f. Dissertação em Direito – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, p

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84 É a partir dessa teoria que se pode analisar a colisão entre os direitos

fundamentais; tal teoria exige uma nova hermenêutica constitucional que, para Alexy,219

é a função do jurista, pois a esses cabem interpretá-los não mais de forma tradicional,

mas sim inovadora.

Bertonici220 , ainda, afirma que, para Alexy fundamentar a sua teoria em rela-

ção à colisão dos direitos fundamentais, ele inicialmente trata dos direitos do homem,

para depois positivá-los e transformá-los em fundamentais e, partir daí, fazer uma dife-

renciação das regras e dos princípios com o intuito de estabelecer a teoria das regras e

a teoria dos princípios para resolução dos conflitos.

Para Alexy221 os direitos do homem são considerados um ideal universal e que

isso acarreta problemas em nível: epistemológico (no sentido de como esses direitos são

fundamentados ou conhecidos); substancial (quais direitos devem ser reconhecidos como

tais); e institucional (a necessidade da positivação para que seu cumprimento seja

garantido).

A transformação dos direitos do homem em direitos fundamentais jurídico-

positivados vigentes implica na sua fundamentação e no seu reconhecimento, pois essa

transmutação traz, na sua positivação, a primeira característica apontada: direitos que

tratem de interesses e carências que podem e devem ser protegidos.222

Esse autor, ainda, exemplifica, dizendo que todo homem tem necessidade de

amor, mas esse não pode ser positivado, pois o direito não tem como forçar o amor. Por

217 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo : Malheiros, 2001. p.159 218 BONAVIDES, Curso de Direito Constitucional. São Paulo : Malheiros, 2001. pp. 238/248 219 ALEXY, Robert. Colisão de Direitos Fundamentais e realização de direitos fundamentais no Estado de Direito Democrático in Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, 217/67, jul./set. 1999 220BERTONCINI, Cristina Mendes. O controle jurisdional da Administração Pública: uma possibilidade no Estado de Direito. 2003. 125 f. Dissertação em Direito – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, p 221ALEXY, Robert. Direitos Fundamentais no Estado Constitucional Democrático In Revista de Direito Ad-ministrativo, Rio de Janeiro, 217/56, jul./set. 1999 222 ALEXY. Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid : Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p.

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85 outro lado, diz Alexy223 que o interesse e a carência têm que ser tão fundamental que a

necessidade do respeito a ele tem de ser através do direito.

A fundamentabilidade é de tal magnitude que os direitos fundamentais se tornam

prioridade sobre todos os escalões do sistema jurídico, até em relação ao legislador.

De acordo com Alexy, é primordial entender que a codificação dos direitos do

homem em uma Constituição, ou seja, a sua transformação em direitos fundamentais,

não resolve o problema da institucionalização por si só. Pelo fato de que novos

problemas surgem ante a sua visibilidade, sendo o problema principal a sua

Interpretação.224

Assim, para esse autor, o problema se manifesta na Interpretação; sabe-se da

necessidade de fixação de limites com o auxílio de uma ponderação como parte nuclear

da dogmática dos direitos fundamentais, e ainda, uma textura aberta desses.

Em relação a esse tema, J.J. Gomes Canotilho225 traz como ponto de partida para

lançar as bases da compreensão dogmática do direito constitucional a assertiva de que o

sistema jurídico do Estado de direito democrático português é um sistema normativo

aberto de regras e princípios entendendo como sistema aberto a possibilidade das

Normas Constitucionais para captarem a mudança da realidade e estarem abertas às

concepções cambiantes da verdade e da justiça.

Quando se trata de um catálogo escrito de direitos fundamentais, o problema

jurídico dos mesmos é, portanto, um problema de Interpretação das formulações do

direito positivo dotado de autoridade. Nesse ponto, não se diferencia dos problemas de

Interpretação com os que se enfrentam na jurisprudência em geral. Desde logo, acha-se

prudente a discussão sobre os direitos fundamentais da Lei Fundamental, percebe-se que

223 ALEXY, Robert. Direitos Fundamentais no Estado Constitucional Democrático. In Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, 217/61, jul./set. 1999 224ALEXY. Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid : Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 20 225CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4ºed., Coimbra : Almedina, 2000, p. 1123

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86 a polêmica acerca dos direitos humanos e civis adquire certamente um novo caráter em

virtude de sua positivação como direito de vigência imediata, porém não, por isso, perde

em sutileza e profundidade.226

A maioria das Constituições, na atualidade, traz os direitos fundamentais

codificados, e, em virtude disso, não existe catálogo de direitos fundamentais sem

colisão de direitos fundamentais e também um tal não pode existir.227

Conforme Alexy, a colisão de direitos fundamentais pode ser ampla ou estrita;

em sentido estrito, é quando ocorre colisões somente entre direitos fundamentais, e é

ampla, quando os direitos fundamentais colidem também com quaisquer normas ou

princípios que têm por objeto bens coletivos.

A solução para o problema da colisão desses direitos sempre se dará com uma

limitação ou sacrifício, ou seja, a solução para qualquer colisão de direitos fundamentais

terá que limitar um dos direitos ou ambos.

Nesse sentido, segundo Alexy228, para a resposta a esta questão, deverão os

juristas assumir posturas fundamentais sobre a estrutura da dogmática dos direitos

fundamentais.

Primeiramente, deve-se atentar em relação à força vinculativa dos direitos

fundamentais. Isso porque, se tomar a decisão de que eles não são vinculativos

juridicamente, mas somente moralmente, as normas dos direitos fundamentais tornar-se-

ão meras normas programáticas, levando até a uma possível dissolução da Constituição

226ALEXY. Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid : Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 21 Cuando se trata de un catálogo escrito de derechos fundamentales, el problema jurídico de los mis-mos es, por lo pronto, un problema de la interpretación de formulaciones del derecho positivo dotadas de autori-dad. En este ponto, no se diferencia de los problemas de interpretación con los que se enfrenta la jurisprudencia en general. Desde luego, si se echa una mirada a la discusión sobre los derechos fundamentales de la Ley Fun-damental, se percibe que la polémica acerca de los derechos humanos y civiles adquiere ciertamente un nuevo carácter en virtud de su positivización como derecho de vigencia inmediata, pero no por eso pierde en agudeza y profundidad.traducao de Cristina\ Mendes Bertoncini 227ALEXY, Robert. Colisão de Direitos Fundamentais e realização de direitos fundamentais no Estado de Direito Democrático In Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, 217/68, jul./set. 1999 228 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid : Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p.72

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87 por não ter aplicabilidade. Assim, a primeira decisão fundamental229 para os direitos

fundamentais é a sua força vinculativa jurídica ampla em forma de justiciabilidade, que

significa a possibilidade da sua violação ser verificada por um Tribunal.

Em um segundo momento, se esses direitos fundamentais têm um caráter de

regras ou de princípios. Isso porque, a normatividade dos direitos é o marco230 da teoria

normativo-material dos direitos fundamentais e o ponto de partida para responder às

perguntas acerca das possibilidades e dos limites da racionalidade no âmbito dos direitos

fundamentais.

Assim, tem-se o modelo das regras e o modelo dos princípios:

o ponto decisivo para a distinção entre regras e princípios é que os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Portanto, os princípios são mandatos de otimização, que estão caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferente grau e que a medida devida de seu cumprimento não só depende das possibilidades reais mas também das jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado por princípios e regras opostos. As regras são normas que só podem ser cumpridas ou não. Se uma regra é válida, então deve fazer-se exatamente o que ela exige, nem mais nem menos. Portanto, as regras contém determinações em âmbito de faticidade e são juridicamente possíveis. Isto significa que a diferença entre regras e princípios é qualitativa e não de grau. Toda norma é ou bem uma regra ou um princípio.231 (tradução de Cristina Mendes Bertonici)

229 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid : Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 73 230 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid : Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 82 231 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid : Centro de Estudios Constitucionales, 1997, pp. 86/87 El punto decisivo para la distinción entre reglas y principios es que los principios son normas que ordenan que algo sea realizado en la mayor medida posible, dentro de las posibilidades juríicas y reales existentes. Por lo tanto, los principios son mandatos de optimización, que están caracterizados por el hecho de que pueden ser cumplidos en diferente grado y la que la medida debida de su cumplimiente no sólo depende de las posibilidades reales sino también de las juridicas. El ámbito de las posibilidades jurídicas es determinado por los principios y reglas opuestos. En cambio, las reglas son normas que sólo pueden ser cumplidas o no. Si una regla es válida, entonces de hacerse exactamente lo que ella exige, ni más ni menos. Por lo tanto, las reglas contienen determinaciones en el ámbito de lo fáctica y juridicamente posible. Esto significa que la diferencia entre reglas y principios es cualitativa y no de grado. Toda norma es o bien una regla o un principio.

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88 O procedimento para a solução de colisões de princípios é a ponderação. Assim,

quem efetua ponderações no direito, pressupõe que as normas, as quais se pondera, têm

uma estrutura de princípios, e quem classifica as normas como princípios deve chegar

a ponderações. Nenhum princípio é considerado inválido.

Quem classifica as normas como regras, opta por uma forma de aplicação que é a

subsunção. O conflito entre regras pode ser resolvido de duas formas: ou se introduz uma

cláusula de exceção dentro da regra que elimina o conflito, ou se declara, pelo menos

uma das regras, como inválida.232

Na realidade, Alexy233 elenca um tríplice caminho para a solução de conflitos,

quando se tomam os direitos fundamentais como modelo de regras: primeiro, a

declaração de pelo menos uma norma como inválida; segundo, a declaração de não

aplicabilidade da norma, e terceiro, a inserção de uma exceção na norma.

Relativamente ao primeiro, ele diz que não tem cabimento para os direitos

fundamentais uma vez que esses são hierarquicamente superiores por estarem na

Constituição e também, porque existem colisões que não teriam como ser resolvidas.

Referente ao segundo, que é o de uma Interpretação restrita para a não aplicação

de uma regra, fica difícil contornar a situação, para resolver em termos de direitos

fundamentais, porque, para esses a solução melhor é a da ponderação aberta e não da

Interpretação restrita.

Quanto ao terceiro caminho para o modelo das regras,segundo Alexy a melhor

opção para os direitos fundamentais, se os considerar regras. Isso porque consiste na

inserção livre de ponderação de uma exceção no direito fundamental.

232 Heck, Luis Afonso. O Modelo das Regras e o Modelo dos Princípios na colisão de direitos fundamentais. In Revista dos Tribunais vol. 781, nov. 2000, p. 75 233 ALEXY, Robert. Colisão de Direitos Fundamentais e realização de direitos fundamentais no Estado de Direito Democrático in Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, 217/75, jul./set. 1999

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89 Alexy sustenta, porém, que o modelo que melhor resolve a colisão de direitos

fundamentais é a opção pela sua caracterização como princípios234, uma vez que não há

melhor forma do que a ponderação dos direitos fundamentais para a resolução no caso

concreto de uma colisão.

Alexy apud Bonavides235, afirma que: a) regras e princípios são espécies de

normas,a diferença entre elas estaria nãono fato de que os princípios são dotados de

alto grau de generalidade, o que não aconttece com as regrasque têm um grau relativa-

mente baixo de generalidade, havendo distinção de grau e qualidade;b) os princípios

são mandamentos de otimização, que podem ser cumpridos em diferentes graus e que a

medida devida de seu cumprimento depende das possibilidades reais e jurídicas, já as

regras são normas que podem ser cumpridas, fazendo-se o que ela exige, e válidas e

não cumpridas.

Walter Claudius Rothenburg236 afirma que a convivência entre os princípios é

conflitual (Zagrebelsky); a convivência entre as regras é antinômica. Os princípios

coexistem; as regras excluem-se”

Farias (apud Rothenburg) 237 , menciona o método da ponderação dos direitos e

bens constitucionalmente envolvidos.

No caso de colisão de princípios, deve-se ter como critério, segundo a doutrina,

o da unidade da Constituição, da concordância prática e da proporcionalidade.

Neste cenário, faz-se inarredável uma acurada observância da temática do conflito

entre princípios sob a ótica de JJ Gomes Canotilho, considerando que, para esse autor, a

Constituição é um sistema aberto de regras e princípios, não se podendo negar as

possíveis colisões entre essas espécies normativas.

234 ALEXY, Robert. Colisão de Direitos Fundamentais e realização de direitos fundamentais no Estado de Direito Democrático in Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, 217/75, jul./set. 1999 235BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7a ed. Malheiros, São Paulo, 1998,p.249. 236ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios Constitucionais. Segunda tiragem. Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor, 2OO3, p.39. 237ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios Constitucionais. Segunda tiragem. Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor, 2OO3,p.35.

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90 Entende o autor que, como os princípios constituem-se em normas impositivas

de otimização, eles possuem diversos níveis de concretização, de acordo com as condi-

ções fáticas e jurídicas que envolvem o debate, do que resulta a possibilidade de reali-

zação de um balanceamento de interesses, na medida em que um seja mais importante

que outro, ou que tenha mais peso. Ao contrário das regras, então, a colisão dos princí-

pios não se resolve pelo critério tudo ou nada.

J.J.Gomes Canotilho explica:

as normas dos direitos fundamentais são entendidas como exigências ou imperativos de optimização que devem ser realizadas na melhor medida possível, de acordo com o contexto jurídico e respectiva situação fáctica. Não existe, porém, um padrão ou critério de solução de conflitos de direitos válido em termos gerais e abstractos. A ‘ponderação’ e/ou harmonização no caso concreto é, apesar da perigosa vizinhança de posições decisionistas (F. Müller), uma necessidade ineliminável.238

Destarte, os princípios podem ser objetos de ponderação, de harmonização, sendo

sua convivência conflitual239, não acata, dessa forma, a tese da existência de princípios

absolutos. Para resolução dos conflitos, JJ Gomes Canotilho apresenta a idéia de

“concordância prática” ou “ponderação prática de bens”, de forma que o peso dos

princípios e as circunstâncias, que norteiam o caso, têm o condão de determinar a

concretização das espécies conflitantes.

Canotilho240 explana que o princípio da proporcionalidade primitivamente estava

ligado ao problema da limitação ao poder executivo. Posteriormente, o princípio da

proporcionalidade, em sentido amplo, também conhecido como princípio da “proibição

de excesso” , foi guindado ao status de princípio constitucional. Para alguns autores ele

deriva do princípio do Estado de Direito e para outros estaria ligado aos direitos

fundamentais.

238CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4ºed., Coimbra : Almedina, 2000, p. 1233 239ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais: elementos teóricos para uma formu-lação dogmática constitucionalmente adequada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. 240CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4ºed., Coimbra : Almedina, 2000, p. 266

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91 Para Canotilho:

na qualidade de regra de razoabilidade – rule of reasonableness- desde cedo começou a influenciar a jurisprudência de países de commow low. Através da regra da razoabilidade, o Juiz tentava (e tenta) avaliar caso a caso as dimensões do comportamento razoável tendo em conta a situação de facto e a regra do precedente. Hoje, assiste-se a uma nítida europeização do princípio da proibição do excesso através do cruzamento das várias culturas jurídicas européias.241

A ponderação consiste em um dos pilares do princípio da proporcionalidade

(sentido estrito), juntamente com a idoneidade do meio empregado e da necessidade

desse meio. O princípio da proporcionalidade, em sentido estrito, pode ser tido como

uma “lei da ponderação” que diz “quanto mais intensiva é uma intervenção em um

direito fundamental tanto mais graves devem ser as razões que a justificam.”242

Canotilho243 descreve como subprincípios constitutivos do princípio da

proporcionalidade em sentido amplo ou proibição de excessos, o princípio da

conformidade ou adequação de meios, que significa controlar a relação de adequação

medida-fim, o princípio da exigibilidade ou da necessidade, que significa “menor

ingerência possível, e o princípio da proporcionalidade em sentido restrito, entendido :

como princípio da ‘justa medida’. Meios e fins são colocados em equação mediante um juízo de ponderação, com o objetivo de se avaliar se o meio utilizado é ou não desproporcionado em relação ao fim. Trata-se, pois, de uma questão de ‘medida’ ou ‘desmedida’ para se alcançar um fim: pesar as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim.244

Heck245, ao analisar a teoria de Alexy sobre a ponderação, afirma que caso se

torne o meio mais consistente para a resolução da colisão, a validade dos direitos

241CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4ºed., Coimbra : Almedina, 2000, p. 266 242 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid : Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 78 243CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4ºed., Coimbra : Almedina, 2000, p. 269 244CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4ºed., Coimbra : Almedina, 2000, p. 269 245 HECK, Luis Afonso. O Modelo das Regras e o Modelo dos Princípios na colisão de direitos fundamen-tais. In Revista dos Tribunais vol. 781, nov. 2000, p. 77

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92 fundamentais é qualidade conferida a todos os direitos; porque, no caso em concreto,

não é esse o critério de solução, mas sim o peso do direito fundamental, verificado

segundo as circunstâncias presentes no caso concreto pelo princípio da

proporcionalidade em sentido estrito, e ainda, pela concordância prática desse.

Importante ressaltar que um modelo não exclui o outro, podendo uma norma ser

regra e princípio.

No que tange ao problema dos conflitos entre princípios, Ruy Samuel Espíndo-

la246 traz o trabalho de Eros Roberto Grau, que coloca o problema da colisão de princí-

pios no plano das chamadas antinomias jurídicas. Assim, o conflito entre regras de-

monstra a idéia de antinomias jurídicas próprias e a colisão de princípios, as antinomi-

as jurídicas impróprias.

Dessa forma, Ruy Samuel Espíndola afirma, que quando há uma colisão entre

regra com princípios a resolução, no entendimento de Alexy, é mais facilmente resol-

vida, uma vez que pela hierarquia mais elevada ocupada pelos princípios, esses têm

aplicação preferencial, tanto sobre as regras infra-constitucionais como constitucionais,

até por terem um grau de generalidade mais baixo.247

Já no conflito entre regras, continua o mesmo autor, tendo em vista a posição

igual quanto à hierarquia, resolve-se no âmbito da validade. Ou seja, sob pena de anti-

nomia, não é possível que duas regras sejam consideradas válidas para regular o mes-

mo caso concreto. Desta feita, uma das duas deverá ser necessariamente afastada do

ordenamento, salvo a inserção de uma cláusula de exceção, na intenção de resolver o

conflito.248

246 ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais: elementos teóricos para uma formulação dogmática constitucionalmente adequada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. 247ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais: elementos teóricos para uma formu-lação dogmática constitucionalmente adequada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. 248ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais: elementos teóricos para uma formu-lação dogmática constitucionalmente adequada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999

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93 A colisão percebida entre dois princípios não se resolve no campo de validade e

sim no campo do valor. Assim, não se aceita que determinado princípio possa ser de-

clarado inválido, unicamente porque não é aplicável a um caso específico. Na verdade,

ele apenas recua frente ao princípio de maior peso.

Nesses casos, como já foi estudado, há o ensinamento de Dworkin, no sentido

de que, enquanto as normas se aplicam ou não se aplicam, os princípios fornecem ra-

zões para decidir em um sentido determinado, mas diferentemente das normas, o seu

enunciado não determina as condições de sua aplicação, é o seu peso específico que

determina quando deve esse ser aplicado.249

A resolução, então, não se opera com a retirada do ordenamento do princípio a-

fastado, nem tampouco com a inserção de cláusula de exceção, e sim, utilizando a

chamada “lei de colisão”.

Para Alexy, a colisão dos direitos fundamentais se resolve no caso em concreto,

fazendo-se a ponderação. Não existindo, assim, princípios absolutos, ou seja, para esse

autor, não há princípios absolutos no direito, existindo apenas uma relativização des-

ses. No caso concreto, o aplicador do direito analisará os direitos fundamentais em

questão e afastará um dos princípios.

As teorias explanadas demonstram, assim, a existência dos Princípios Constitu-

cionais ao lado das regras, e a necessidade dos magistrados de se adaptarem ao novo

modelo, ou seja, utilizarem os direitos fundamentais, para conseguirem dar resposta

aos anseios da Sociedade.

Como a Constituição da República Federativa do Brasil, nos moldes das Consti-

tuições contemporâneas, erigiu direitos e políticas públicas, positivando os direitos

fundamentais, acabou por gerar uma busca incessante ao Poder Judiciário, precisando

249DWORKIN, Ronald. Los Derechos en Serio. Trad.: Marta Guastavino, 2º ed., Barcelona : Ariel Derecho, 1989, p.66

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94 esse assumir o protagonismo institucional, para oferecer soluções a essas demandas,

partindo da premissa de que mais importante do que declarar direitos, é efetivá-los.

O papel do magistrado no exercício de sua função é ponto fundamental nas teo-

rias de Ronald Dworkin, Luigi Ferrajoli e Robert Alexy, trazendo a discursividade que

permite a instrumentalização da concretude dos direitos fundamentais, trazendo a legi-

timidade no atuar jurisdicional, conciliando o Poder Judiciário com a Sociedade.

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95

Capítulo III

A NECESSIDADE DA NOVA ATUAÇÃO JURISDICIONAL DO MA-

GISTRADO

É imprescindível para o novo exercício da Jurisdição a utilização, pelo magis-

trado, dentro do caso concreto, dos Princípios Constitucionais, sendo necessário trazer

elementos teóricos sobre esses e situá-los na atividade jurisdicional.

3.1 O CONSENSO TEÓRICO DOS JURISTAS SOBRE OS PRINCÍPIOS

Os Princípios Constitucionais, através da leitura pós-positivistas, abrem uma

perspectiva teórica nova em relação ao papel do Juiz na aplicação e Interpretação do

direito, permitindo-lhe satisfazer as expectativas da Sociedade.

Os doutrinadores são unânimes em afirmar que a noção de princípio foi deriva-

da da Teoria Geral do Direito e segundo Luiz Dez Picado, citado por Paulo Bonavi-

des250, tem os princípios de um lado servido de critério de inspiração às leis ou nor-

mas concretas desse direito positivo e doutro, de normas obtidas mediante um Proces-

so de generalização e decantação dessas leis”

Bonavides assevera que a normatividade dos princípios foi afirmada categórica

e precursoramente251 por Crisafulli, em 1952.

Inicialmente, os princípios possuíam caráter meramente programático, carente

de normatividade. Paulo Bonavides252 historia que a juridicidade dos princípios passa

por três fases distintas: a jusnaturalista, a positivista e a pós-positivista.

250BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional.12 ed. São Paulo: Malheiros Editores.p.228 251BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional.12 ed. São Paulo: Malheiros Editores.p.230 252BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional.12 ed. São Paulo: Malheiros Editores.p.232

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96 Resumidamente, para aquele autor, a corrente jusnaturalista concebe os princí-

pios como axioma jurídicos ou um conjunto de verdades objetivas derivadas da lei

divina e humana. 253

Com o positivismo jurídico, os princípios estão nos Códigos, mas apenas como

fonte normativa subsidiária, sendo que no jus positivismo os Princípios Constitucionais

eram vistos como meras pautas programáticas supralegais254.

No pós-positivismo, como já foi estudado, os princípios passam a ser tratados

como direito, guindados pelos movimentos constituintes das últimas décadas do século

XX, em que houve a acentuação da hegemonia axiológica dos princípios, convertidos

em pedestal normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico dos novos sistemas

constitucionais255.

Bonavides256 traça, ainda, um resumo histórico, ou seja, primeiro a passagem

dos princípios da especulação metafísica e abstrata para o campo concreto e positivo

do direito, com quase nenhuma normatividade, segundo, a migração da órbita juspriva-

tista (inserção nos Códigos) para juspublicista (ingresso nas Constituições), com a

suspensão da distinção clássica de princípios e normas, com a saída dos princípios do

âmbito da

jusfilosofia para o domínio da ciência jurídica; proclamação de sua normatividade, a perda de seu caráter de normas programáticas; reco-nhecimento definitivo de sua positividade e concretude por obra so-bretudo das constituições; a distinção entre regras e princípios, como espécies do gênero norma (...) a total hegemonia e preeminência dos princípios.257

Seguindo os ensinamentos de Paulo Bonavides, e para melhor explicitar o pen-

samento, traz-se à colação os dizeres de Ruy Samuel Espíndola258, que afirma que a

253BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional.12 ed. São Paulo: Malheiros Editores.p.228 254BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional.12 ed. São Paulo: Malheiros Editores.p.236 255BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional.12 ed. São Paulo: Malheiros Editores.p.237. 256BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional.12 ed. São Paulo: Malheiros Editores.p.265 257BONAVIDES, Paulo.Curso de Direito Constitucional.12 ed. São Paulo: Malheiros Editores.p.265. 258ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais: elementos teóricos para uma formu-

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97 normatividade dos princípios atravessa três fases distintas. Na primeira, jusnaturalista,

os princípios ocupam meramente uma posição abstrata e metafísica, sendo reconheci-

dos como inspiradores de um ideal de justiça, o que vai conferir a eles uma normativi-

dade duvidável. Na segunda, a juspositivista, os princípios são inseridos nos Códigos

com força normativa, subsidiária às leis, não encarados como superiores às regras e

sim dedutíveis delas, com o único objetivo de suprir lacunas. A terceira fase, pós-

positivista, vem sendo construída nas últimas décadas amparadas nas idéias da hege-

monia axiológico-normativa dos princípios.

Assim, Espíndola conclui

os princípios jurídicos conquistam a dignidade de normas jurídicas vinculantes, vigentes e eficazes para muito além da atividade integra-tória do Direito. Isso se deveu, não só ao valioso trabalho teórico de juristas como Ronald Dworkin, mas também aos trabalhos de publicis-tas alemães, espanhóis e italianos, destacando-se o nome do alemão Robert Alexy.259

Marmelstein Lima260lembra que, na década de 50, a importância dos Princípios

Constitucionais já era defendida por Vicente Rao261 e segue aduzindo:

os princípios embasam as decisões políticas fundamentais tomadas pe-lo constituinte e expressam os valores superiores que inspiram a cria-ção ou reorganização de um dado Estado, fincando os alicerces e tra-çando as linhas mestras das instituições, dando-lhes o impulso vital i-nicial.262

O autor, ainda, afirma que:

sendo a Constituição um sistema de regras e princípios que resulta do ‘consenso social sobre os valores básicos’, e considerando mais que os princípios, dada a sua qualidade normogenética, fundamentam as re-gras, parece bastante fácil compreender que os princípios estão no

lação dogmática constitucionalmente adequada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 64 259ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais: elementos teóricos para uma formu-lação dogmática constitucionalmente adequada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 64 260LIMA, George Marmelstein. As funções dos Princípios Constitucionais. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 54, fev. 2002. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2624>. Acesso em: 22 set. 2003. 261 Rao, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos, 5a ed. São Paulo : RT, 1999, p. 48. 262 LIMA, George Marmelstein. As funções dos Princípios Constitucionais. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 54, fev. 2002. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2624>. Acesso em: 22 set. 2003.

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98 ponto mais alto da pirâmide normativa, são "norma normarum" ou "norma das normas", "fonte das fontes".263

Bonavides entende os princípios como o alicerce do sistema, a raiz da legitimi-

dade constitucional, a essência da constitucionalidade das regras de uma Constitui-

ção264.

Dantas, ao fazer seu estudo sobre o significado da expressão "princípios" con-

clui:

para nós, princípios são categorias lógicas e, tanto quanto possível, u-niversal, muito embora não possamos esquecer que, antes de tudo, quando incorporados a um sistema jurídico-constitucional-positivo, re-fletem a própria estrutura ideológica do Estado, como tal, representati-va dos valores consagrados por uma determinada Sociedade.265

Ferreira Filho, ao tratar do tema, faz algumas ponderações:

os juristas empregam o termo ‘princípio’ em três sentidos de alcance diferente. Num primeiro, seriam ‘supernormas’, ou seja, normas (ge-rais ou generalíssimas) que exprimem valores e que por isso, são ponto de referência, modelo, para regras que as desdobram. No segun-do, seriam standards, que se imporiam para o estabelecimento de nor-mas específicas - ou seja, as disposições que pre ordenem o conteúdo da regra legal. No último, seriam generalizações, obtidas por indução a partir das normas vigentes sobre determinada ou determinadas maté-rias. Nos dois primeiros sentidos, pois, o termo tem uma conotação prescritiva; no derradeiro, a conotação é descritiva: trata-se de uma ‘abstração por indução’.266

Bobbio alerta que a palavra princípios leva a engano, tanto que é velha ques-

tão entre os juristas se os princípios gerais são normas. Para mim, não há dúvida: os

princípios gerais são normas como todas as outras, 267

263 LIMA, George Marmelstein. As funções dos Princípios Constitucionais. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 54, fev. 2002. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2624>. Acesso em: 22 set. 2003. 264 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7a ed. São Paulo : Malheiros, 1998, p. 265 265 DANTAS, Ivo. Princípios Constitucionais e Interpretação Constitucional. Rio de Janeiro : Editora Lumen Juris, 1995, p. 59. 266 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direito Constitucional do Trabalho - Estudos em Homenagem ao prof. Amauri Mascaro do Nascimento, Ed. Ltr, 1991, Vol. I, pp. 73-74. 267BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Trad.Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. 10 ed., Ed. UNB, Brasília, 1997, p.158/9”

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99 Barcellos também ressalta que na concepção atual, portanto (16) as Normas

Constitucionais são normas jurídicas, isto é: são imperativas, existem para realizar-se

e estão à disposição de todos os jurisdicionados.268

A autora sustenta, ainda, que, segundo a contemporânea doutrina constitucional,

os princípios, ao lado das regras, são espécies de normas, dotadas de imperatividade

afirmando também que:

o Estado atual da doutrina reconhece aos princípios duas modalidades de eficácia (ou espécies de conseqüências jurídicas): a interpretativa e a negativa. Eficácia interpretativa significa que os Princípios Consti-tucionais vão orientar a Interpretação das regras em geral, obrigando o intérprete a optar pela exegese que melhor realize o efeito pretendido pelo princípio. A eficácia negativa, por sua vez associa ao princípio da conseqüência pela qual são considerados inválidos todos os atos ou normas que lhe contravenham.269

Espíndola, no dizer de Barcellos, efetua importante levantamento da doutrina

nacional e internacional sobre os princípios :

se pode concluir que há reconfortante consenso sobre o tema. Essa é a opinião, v.g. de Paulo Bonavides(32), Luiz Roberto Barroso(33), Eros Roberto Grau(34), dentre outros. Na doutrina estrangeira vale registrar as posições de Robert Alexy(35), Ronald Dworkin(36), Norberto Bo-bbio(37), Eduardo Garcia de Enterria(38) e J.J. Canotilho(39) Duas são as razões normalmente apontadas para tal entendimento, do ponto de vista da dogmática constitucional. Em primeiro lugar, a própria normatividade da Constituição. Se a Constituição é norma jurídica, tu-do o que nela se contém desfruta dessa natureza, reforçada, ainda, pelo fato de sua superioridade hierárquica sobre todo o sistema. A segunda razão diz com a própria natureza do princípio. O princípio constitu-cional veicula normalmente uma decisão fundamental do poder consti-tuinte originário. Não haveria sentido que o princípio, axiológica e lo-gicamente mais relevante que a regra(40), não fosse considerado nor-ma jurídica e esta sim.270

268BARCELLOS, Ana Paula de. Normatividade dos princípios e o princípio da dignidade da pessoa humana na Constituição da República Federativa do Brasil. Revista de Direito Administrativo.Rio de Janeiro, 221:159-188, Jul/Set.2000.p.163. 269BARCELLOS, Ana Paula de. Normatividade dos princípios e o princípio da dignidade da pessoa humana na Constituição da República Federativa do Brasil. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, 221:159-188, Jul/Set.2000. p.187 270BARCELLOS, Ana Paula de. Normatividade dos princípios e o princípio da dignidade da pessoa humana na Constituição da República Federativa do Brasil. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, 221:159-188, Jul/Set.2000. p.170

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100

Para Magalhães271 os princípios jurídicos são, na sua essência, fundamentais,

uma vez que são o ponto de partida de Interpretação e de elaboração de todo ordena-

mento jurídico.

Assim, partindo do conceito teórico dos juristas sobre os princípios, passa-se a

uma classificação desses e suas funções hermenêuticas.

3.1.1 Classificação e Funções Dos Princípios

Espíndola272 afirma que Canotilho faz uma tipologia de princípios, baseado

em quatro “categorias teórico-taxionômicas”, quais sejam: princípios jurídicos funda-

mentais, princípios políticos constitucionalmente conformadores, Princípios Constitu-

cionais impositivos e princípios-garantia.

Como princípios jurídicos fundamentais, sustenta aquele autor que são aqueles :

historicamente objetivados e progressivamente introduzidos na cons-ciência jurídica e que encontram uma recepção expressa ou implícita no texto constitucional. Pertencem a ordem positiva e constituem um importante fundamento para a Interpretação, integração, conhecimento e aplicação do direito positivo.273

Como rol exemplificativo, o autor cita274 o princípio da proporcionalidade, o da

publicidade dos atos jurídicos, do acesso à justiça, e o da impessoalidade da Adminis-

tração Pública.

Já os princípios políticos constitucionalmente conformadores são os Princípios

Constitucionais que explicitam as valorações políticas fundamentais do legislador

constituinte (...) são princípios estruturantes ou normas da estrutura do Estado(...) são

271MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Princípios Constitucionais e INTERPRETAÇÃOconstitucional. In: Jus Navigandi, n. 13. Disponível em < http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=87> Acesso em 2002 272ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais: elementos teóricos para uma formu-lação dogmática constitucionalmente adequada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 64 273ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. 2ed. São Paulo : RT, 2OO2. p.222 274ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. 2ed. São Paulo : RT, 2OO2. p.222

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101 o cerne político de uma Constituição política.275, mencionando, como exemplo, os

princípios federativo, republicano, presidencialista, separação de poderes, regime de-

mocrático e do Estado de Direito.

O autor ainda continua a classificação, com os Princípios Constitucionais impo-

sitivos que são todos os princípios que no âmbito da Constituição dirigente, impõe aos

órgãos do Estado, sobretudo ao legislador, a realização de fins e a execução de tare-

fas(...) traçam, sobretudo para o legislador, linhas retrizes de sua atividade política e

legislativa276. Cita como exemplo, os princípios da livre organização social, da convi-

vência justa, da solidariedade, da erradicação da pobreza e da marginalização, correção

das desigualdades.

Por último, Espíndola cita aqueles denominados de princípios-garantia, que são

aqueles que visam instituir directa ou imediatamente uma garantia aos cidadãos.277

Situando-se, nessa classificação, os princípios da legalidade, anterioridade, Juiz natu-

ral, das motivação das decisões judiciais, entre outros.

Rothenburg278 menciona a classificação da origem dosprincípios de Farias, se-

guindo quais sejam: princípios explícitos (ou positivos) que constam expressamente da

Constituição; princípios implícitos (ou gerais do direito) que possuem respaldo no di-

reito positivado mas não são normas explícitas; e, ainda, os suprapositivos ou extra-

sistêmicos, que teriam origem fora e acima do direito positivo.

Barroso (apud Rothenburg)279 da leitura da Constituição da República Federati-

va do Brasil, levando-se em conta o “grau de importância e abrangência dos princí-

pios”, traz a seguinte distinção: princípios fundamentais que contem decisões políticas

estruturais do Estado, Princípios Constitucionais gerais que são eqüivalentes aos prin-

275ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. 2ed. São Paulo : RT, 2OO2. p.223 276ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. 2ed. São Paulo : RT, 2OO2. p.223 277ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais.2ed. São Paulo : RT, 2OO2. p.223 278ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios Constitucionais. Segunda tiragem. Porto Alegre: S'regio Fa-bris Editor, 2OO3, p.68. 279ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios Constitucionais. Segunda tiragem. Porto Alegre: S'regio Fa-bris Editor, 2OO3, p.68

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102 cípios-garantia de Canotilho; e princípios setoriais ou especiais que são um conjunto

de normas sobre determinados temas.

A classificação trazida à lume é de fundamental importância para a magistratu-

ra, uma vez que os juízes devem utilizar como norte tais princípios, e, para isso, devem

saber a classificação desses, para argumentar suas decisões.

Por outro lado, passa-se ao estudo da função dos princípios, por servirem limi-

tes da atuação do jurista, ou seja, a função fundante ou interpretativa, limita a vontade

subjetiva do aplicador do direito, estabelecendo balizamentos dentro dos quais o jurista

exercitará sua criatividade, seu senso do razoável e sua capacidade de fazer justiça ao

caso concreto280, estabelecendo um padrão de legitimação constitucional da decisão.

Para Canotilho (apud Espíndola) os princípios são "multifuncionais" apresen-

tando uma função argumentativa que se referem aos cânones da Interpretação constitu-

cional e reveladora de normas, que não são expressas por qualquer enunciado legisla-

tivo, possibilitando aos juristas, sobretudo aos juízes, o desenvolvimento, integração e

complementação do direito.281

Na mesma esteira, Bonavides282 traz as posições de Bobbio e Trabucchi que a-

firmam que os princípios podem ser vislumbrados em distintas dimensões, quais sejam:

interpretativa, integrativa, diretiva e limitativa.

Já para Bandeira de Mello,283 existe uma função fundamentadora do princípio, o

qual exerce a importante função de fundamentar a ordem jurídica em que se insere, fa-

zendo com que todas as relações jurídicas que adentram ao sistema busquem na princi-

piologia constitucional o apoio das estruturas e instituições jurídicas.

280BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição, 2º ed., São Paulo : Saraiva, 1998, p. 256 281ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais.2ed. São Paulo : RT, 2OO2. p.212 282 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7a ed. São Paulo : Malheiros, 1998, p. 255 283 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo. São Paulo : RT, 1980, p. 230.

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103 Segundo essa função, o princípio é a essência do ordenamento jurídico, o seu

esteio.

Os princípios são, por conseguinte, segundo Bonavides, enquanto valores, a

pedra de toque ou o critério com que se aferem os conteúdos constitucionais em sua

dimensão normativa mais elevada.284

Barroso ressalta a função interpretativa dos princípios:

o ponto de partida do intérprete há que ser sempre os Princípios Cons-titucionais, que são o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins. Dito de forma sumá-ria, os Princípios Constitucionais são as normas eleitas pelo constitu-inte com fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui.285

Dessa forma, independentemente do tipo de função adotada pelos teóricos do

direito, os princípios servirão sempre para orientar os juristas no exercício da Jurisdi-

ção, tenham eles a função argumentativa, interpretativa, integrativa ou reveladora de

normas.

3.2 INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL E PRESTAÇÃO JURISDICIO-

NAL

Assim, após a conceituação dos princípios, sua tipologia e função, é possível a

análise da Interpretação constitucional como forma de uma nova prestação jurisdicio-

nal.

3.2.1 Interpretação constitucional

Interpretar é realizar um Processo de compreensão do direito.286 Para Schäfer a

hermenêutica jurídico- constitucional necessariamente deve pressupor a idéia de que a

284BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7a ed. São Paulo : Malheiros, 1998, p. 254. 285BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição, 2º ed., São Paulo : Saraiva, 1998, p. 146. 286 STRECK, Lêniol Luiz. Hermenêutica e(m) Crise. Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2000, p. 211

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104 Constituição é um sistema aberto (...) interpretar é dar sentido concreto à norma jurí-

dica.”287

Lamego, ao traçar regras e critérios para uma Teoria da Interpretação, observa:

Enquanto disciplina prática, a Jurisprudência dirigir-se-ia não ao conhecimento do ‘objecto’ Direito, mas seria um agir mediador na rea-lização da ‘possibilidade’ do ‘melhor Direito’. E, nesta conformidade, o Direito não seria susceptível de ser definido em termos de proprie-dades descritivas (como sustenta o positivismo metodológico ou con-ceptual), mas comportaria uma dimensão de valor. A jurisprudência serviria, assim, à realização do ‘justo’.288

E continua o autor

A hermenêutica rompe o hermetismo do universo dos signos, abrindo o texto e o discurso ao ‘mundo’. Para a Hermenêutica, o intérprete não ‘decodifica’ apenas um sistema de signos, mas ‘interpreta’ um texto. subjacente a este conjunto de idéias está a rejeição pela Hermenêutica de uma concepção de linguagem com função meramente instrumental - a linguagem como ‘signo’ ou mera ‘forma simbólica’- considerando-a, ao invés, como uma ‘instituição social’ complexa. As expressões têm sentido apenas no contexto dos distintos jogos de linguagem, que são complexos de discurso e de ação. A aprendizagem de uma lingua-gem ‘natural’ implica a participação em práticas e a comparticipação de critérios que regem o seu desempenho. A ‘gramática’ da linguagem só poderá ser elucidada de ‘dentro’, a partir do conhecimento das re-gras constitutivas do ‘jogo’ e não mediante apelo a ‘metalingua-gens’.289

Schäfer290, ao analisar a Interpretação constitucional, faz um questionamento

sobre qual deve ser o papel do magistrado na concretização da Constituição se deve

limitar a aplicar os preceitos expressos na Constituição, preservando, ante a falta de

287SCHAFER, Jairo Gilberto. Direitos Fundamentais. Protecão e Restricões. Porto Alegre : Livraria do Advo-gado, 2OO1, p.115 288LAMEGO, José. Hermeneutica e Jurisprudência. Lisboa, Fragmentos, 1990 citado por MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Princípios Constitucionais e Interpretação constitucional. In: Jus Navigandi, n. 13. Dispo-nível em <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=87 > acesso em 03.09. 2002. 289LAMEGO, José. Hermeneutica e Jurisprudência. Lisboa, Fragmentos, 1990 citado por MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Princípios Constitucional e Interpretação constitucional. In: Jus Navigandi, n. 13. Dispo-nível em <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=87 > acesso em 03.09.2002. 290SCHAFER, Jairo Gilberto. Direitos Fundamentais. Protecão e Restricões. Porto Alegre : Livraria do Advo-gado, 2OO1, p.116

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105 especificação da norma, a vontade legiferante da maioria democrática, ou, interpretar

a Constituição ,valendo-se de valores e princípios que fundamentam o próprio sistema.

O autor assevera que os métodos interpretativos tradicionais (gramatical, lógico,

literal, dentre outros) são totalmente ineficientes à Interpretação que pressupõem, hoje,

uma Interpretação inclusiva, a Interpretação dos direitos fundamentais deve ter como

pressuposto a máxima eficácia das disposições constitucionais, contribuindo decisi-

vamente par criar a ‘vontade da Constituição.291

E continua

Interpretar os direitos fundamentais é, acima de tudo, conferir-lhes eficácia, impedindo-se que uma maioria eventual possa ani-quilar importantes conquistas da Sociedade. Implica ressaltar a dimensão normativa garantista do discurso constitucional brasi-leiro, particularmente das disposições referentes aos direitos fun-damentais.292

Para Canotilho interpretar uma norma constitucional consiste em atribuir a ela

significado com o fim de se obter uma decisão para problemas práticos normativo-

constitucionalmente fundados.293

Em relação aos princípios de Interpretação constitucional, Canotilho cita os se-

guintes: o princípio da unidade da Constituição, princípio do efeito integrador, princí-

pio da máxima efectividade, o princípio da <justeza> ou da conformidade funcional,

princípio da concordância prática ou da harmonização, princípio da força normativa

da Constituição.294

291SCHAFER, Jairo Gilberto. Direitos Fundamentais. Protecão e Restricões. Porto Alegre : Livraria do Advo-gado, 2OO1, p.117 292SCHAFER, Jairo Gilberto. Direitos Fundamentais. Protecão e Restricões. Porto Alegre : Livraria do Advo-gado, 2OO1, p.117 293CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4ºed., Coimbra : Almedina, 2000, p. 1187 294CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4ºed., Coimbra : Almedina, 2000, p. 1187

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106 O primeiro princípio de Interpretação significa que o intérprete deve harmonizar

as normas da Constituição em sua globalidade, de modo a evitar contradições.295 Já o

segundo princípio, traduz-se na preponderância de critérios de ponto de vista que privi-

legiem a integração política e social e o reforço da unidade política.296 Em relação ao

terceiro princípio, esse funciona como a necessidade de eficiência, ou melhor, na apli-

cação prática da norma deve se dar o sentido que maior eficácia confira a ela.297

Relativamente ao quarto princípio de Interpretação, há a determinação de que

para se concretizar a Constituição, deve-se ter em mente que a Interpretação não pode

subverter a organização funcional constitucional do Estado de Direito.298 Referente ao

quinto princípio de Interpretação, deve o intérprete combinar e coordenar os bens jurí-

dicos em conflito, devendo realizar a chamada ponderação de princípios.299

Finalmente, o sexto princípio de Interpretação constitucional, deve dar-se pre-

ponderância as soluções hermenêuticas que, compreendendo a historicidade das estru-

turas constitucionais, possibilitam a ‘actualização’ normativa, garantindo, do mesmo

pé, a sua eficácia e permanência.300

Os doutrinadores sustentam que a Interpretação constitucional, fundada na natu-

reza jurídica da Constituição e na hierarquia institucional impõem características es-

pecíficas à Interpretação constitucional, singularizando-a dentro da teoria geral da In-

terpretação eis que a Constituição é o “estatuto jurídico do político”.301

295CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4ºed., Coimbra : Almedina, 2000, p. 1187 296CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4ºed., Coimbra : Almedina, 2000, p. 1187 297CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4ºed., Coimbra : Almedina, 2000, p. 1187 298CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4ºed., Coimbra : Almedina, 2000, p. 1188 299CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4ºed., Coimbra : Almedina, 2000, p. 1188 300CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4ºed., Coimbra : Almedina, 2000, p. 1189 301SCHAFER, Jairo Gilberto. Direitos Fundamentais. Protecão e Restricões. Porto Alegre : Livraria do Advo-gado, 2OO1, p.115

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107 Assim, interpretar Normas Constitucionais implica em compreender, investigar

e mediatizar o conteúdo dos enunciados firmados no texto constitucional.

Fundamental é a idéia de que a importância de uma Constituição democrática é

que ela se baseie em princípios que permitam uma constante evolução interpretativa

condicionada por direitos fundamentais e procedimentos democráticos constitucional-

mente previstos, e pela livre expressão da vontade consciente dos cidadãos.302

Para corroborar este pensamento, Magalhães afirma:

a Constituição Democrática afirma que a estrutura constitucional ideal para a Construção do Estado democrático será a de uma Constituição escrita, rígida, principiológica, sintética, codificada e desvinculada de qualquer modelo social e econômico, por isto ortodoxa nos seu princí-pios, valores e regras procedimentais assecuratórias da democracia participativa.303

Dessa forma, é possível entender que a Constituição da República Federativa do

Brasil confrontada com a realidade social e econômica vivida, pode ter uma nova In-

terpretação Constitucional, revolucionando o sistema constitucional brasileiro, saindo

de uma equivocada leitura assistencialista e clientelista do texto, para a construção de

uma Constituição verdadeiramente democrática.304

Schäfer estabelece a dicotomia entre o jurídico e o político na Interpretação

constitucional:

A Interpretação da Constituição se move no delicado plano da dicoto-mia: de um lado, o jurídico; de outro lado, o político, sendo a busca do equilíbrio entre os fatores o objetivo crucial do aplicador. Eleger-se como absoluto o critério político é esvaziar a Constituição de sua força normativa. Atribuir-se o caráter absoluto de norma implica negar a es-sência da Constituição, que é a vontade política suprema de uma na-ção.305

302 MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Princípios Constitucionais e Interpretação Constitucional. In: Jus Navigandi, n. 13. Disponível em < http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=87> Acesso em 10/10/2002. 303MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Princípios Constitucionais e Interpretação Constitucional. In: Jus Na-vigandi, n. 13. Disponível em < http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=87> Acesso em 10/10/2002. 304MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Princípios Constitucionais e Interpretação Constitucional.. In: Jus Na-vigandi, n. 13. Disponível em < http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=87> Acesso em 10/10/2002 305SCHAFER, Jairo Gilberto. Direitos Fundamentais. Protecão e Restricões. Porto Alegre : Livraria do Advo-

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108

A Constituição da República Federativa do Brasil estabelece como objetivos do

Estado a justiça social, o desenvolvimento nacional, a redução das desigualdades soci-

ais e regionais, com a eliminação da pobreza e ainda, o bem-estar da população, o que

leva a crer, o sentido político dessa Constituição e a necessária Interpretação constitu-

cional guindada nesses princípios fundamentais.

Magalhães lembra que a Interpretação é, na verdade, responsável pela criação

da norma e sua evolução :

toda lei enseja Interpretação, e o Processo hermenêutico tem, sem dú-vida, relevância superior ao próprio Processo de elaboração legislati-va, uma vez que será através da Interpretação da lei que esta será a-plicada e inserida dentro de um contexto fático específico, sendo ade-quada a toda uma realidade histórica e os valores dela decorrentes. A simplificação dos Processos de aplicação da lei à realidade social, são decorrentes de práticas autoritárias e burocráticas onde a vontade do administrador, e os atos administrativos por ele praticados, tem por vezes maior importância do que a vontade constitucional.306

Inegável, assim, que todo Processo de Interpretação requer do intérprete conhe-

cimento de todo sistema constitucional. Uma leitura do dispositivo legal objeto de In-

terpretação tem de ser realizada dentro de uma leitura sistemática do texto inserida no

ordenamento jurídico infraconstitucional e no ordenamento constitucional307

Uma série de princípios, preceitos e normas têm de ser de conhecimento do in-

térprete, assim como a correta relação entre essas normas, especialmente no que se re-

fere aos mecanismos de superação de possíveis conflitos entre princípios.

Assim, o objetivo a ser observado, quando da Interpretação, deverá ser a criação

de condições para que a norma interpretada tenha eficácia sempre no sentido da reali-

zação dos princípios e valores constitucionais.

gado, 2OO1, p.116 306MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Princípios Constitucionais e Interpretação Constitucional. In: Jus Na-vigandi, n. 13. Disponível em < http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=87> Acesso em 10/10/2002 307 MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Princípios Constitucionais e Interpretação Constitucional. In: Jus Na-vigandi, n. 13. Disponível em < http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=87> Acesso em 10/10/2002

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109 A Interpretação Constitucional exige um preparo muito maior do intérprete que

deve desvencilhar-se da vestimenta exclusiva dos Códigos e assimilar a Constituição,

os princípios e as regras e concretizá-los no caso concreto.

Dessa forma, através do Constitucionalismo e pelas Teoria Pós-positivistas, ali-

ado ao descompasso entre a Sociedade e o Poder Judiciário - centrado no Juiz - na re-

alidade brasileira, fundamental é uma nova postura no exercício da Jurisdição, tendo

como norte os Princípios Constitucionais.

No pensamento de JJ Gomes Canotilho, imprescindível, para a verificação de

como os princípios se tornam normas concretas de decisão, ou seja, como servem para

a Interpretação Constitucional, são as noções de três categorias, quais sejam: densida-

de, abertura e concretização.308

Espíndola, explicando Canotilho, tenta traduzir o que significa densidade adu-

zindo que:

densificar uma 'norma' significa preencher, complementar e precisar o espaço normativo de um preceito constitucional, especialmente care-cido de concretização, a fim de tornar possível a solução, por esse pre-ceito, dos problemas concretos (...) a densidade aponta para maior proximidade da norma constitucional relativamente aos seus efeitos e condições aplicadas. Quanto mais densa a norma, segundo Canotilho, menor é o espaço de 'discricionariedade' ou de 'liberdade de conforma-ção'.309

Por abertura da norma constitucional, continua o mesmo autor, ela possui “es-

paços normativos deixados à concretização do legislador, do Juiz e do administrador,

que a trarão de seu Estado de normatividade potencial para um status jurídico de

normatividade atual e imediata.310

Já a concretização:

308ESPINDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. 2ed. São Paulo: RT, 2OO2, p.235. 309ESPINDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. 2ed. São Paulo: RT, 2OO2, p.235. 310ESPINDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. 2ed. São Paulo: RT, 2OO2, p.235.

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110 refere-se a densificação ou Processo de densificação de normas ou re-gras de grande abertura - princípios, Normas Constitucionais, cláusu-las legais indeterminadas - de forma a possibilitar a solução de um problema(...) isto é, tornar as normas da Constituição, de caráter aberto e indeterminado, aplicáveis ao caso concreto.311

Isso significa, que a concretização pode ocorrer tanto por via legislativa, admi-

nistrativa ou judicial, para que as normas da Constituição se tornem de caráter aberto e

indeterminado, aplicáveis ao caso concreto.312

Moro313, ao dissertar sobre a concretização legislativa e a concretização judicial

da Constituição, afirma que essas concretizações devem passar, necessariamente, pela

questão interpretativa.

E sustenta esse autor que cumpre:

aos Poderes Constituídos a tarefa de concretizar, ou seja, desenvolver e efetivar, ou, tornar realidade, os comandos constitucionais. Inexiste Constituição destituída da pretensão de efetivar-se e, por força do princípio da supremacia da Constituição, os Poderes Constituídos en-contram-se, desde logo, comprometidos com a concretização das Normas Constitucionais.314

Explica aquele autor que a chamada primazia do Legislativo foi objeto de restri-

ções no século corrente, decorrentes da adoção, em vários países, dentre os quais o

Brasil, do sistemas de controle judicial de constitucionalidade das leis.315

Assim, a introdução de direitos fundamentais nas Cartas Constitucionais, dife-

rentemente do que predominava nos regimes políticos do século anterior, atribuiu aos

juízes e as Cortes de Justiça a função de controle de constitucionalidade das leis.

311ESPINDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. 2ed. São Paulo: RT, 2OO2, p.236 312ESPINDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. 2ed. São Paulo: RT, 2OO2, p.236 313MORO, Sergio Fernando. Por uma revisão da teoria da aplicabilidade das normas constitucionais. In: Jus Navigandi, n. 42. Disponível em <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=98 > Acesso em 10/11/2002. 314MORO, Sergio Fernando. Por uma revisão da teoria da aplicabilidade das normas constitucionais. In: Jus Navigandi, n. 42. Disponível em <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=98 > Acesso em 10/11/2002. 315MORO, Sergio Fernando. Por uma revisão da teoria da aplicabilidade das normas constitucionais. In: Jus Navigandi, n. 42. Disponível em <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=98 > Acesso em 10/11/2002.

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111 A atribuição do poder sem paralelo aos juízes não afastou a primazia do Legis-

lativo na formulação das políticas públicas, mas somente as reduziu. Porém, frise-se

que as limitações inerentes à atividade judicial são suficientes para garantir tal prima-

zia, uma vez que, somente é atribuído ao Juiz, o exercício do controle de constituciona-

lidade, através do Processo, tendo, ainda, o ônus de demonstrar, através de argumenta-

ção racional, o desacerto da atividade legislativa em relação ao texto constitucional.316

Para esse autor,e é um mito a vedação da atuação judicial como legislador po-

sitivo, eis que a Carta Constitucional confere aos juízes a função de controle da ativi-

dade legislativa, e, assim, implicitamente atribui poderes necessários para o reparo, o

que, no caso de uma omissão, implica na concretização judicial da norma constitucio-

nal, pelo menos para o caso concreto, independentemente da função de controle da ati-

vidade legislativa.

Embasa suas afirmações, no autor já estudado, Dworkin, para o qual o objetivo

da decisão judicial constitucional não é meramente nomear direitos, mas assegurá-los,

e fazer isso no interesse daqueles que têm tais direitos.317

Afirma, ainda, Moro sobre a atuação judicial :

o julgador, no exercício do controle de constitucionalidade, invade i-nevitavelmente área reservada ao legislador. Assim age, entretanto, para resguardar a supremacia da Constituição. Aliás, a intensidade da interferência parece ser maior no caso da invalidação do ato legislativo inconstitucional do que no do suprimento da omissão inconstitucional. No primeiro caso, o Juiz estará sobrepondo sua Interpretação da Constituição à Interpretação legislativa, dizendo que a lei, um ato po-sitivo do legislador, é incompatível com a Carta Constitucional. No segundo, o Juiz apenas atua supletivamente, censurando não uma ação do legislador, mas uma omissão, ou melhor, talvez apenas concreti-zando a Constituição, independentemente do legislador e no âmbito de suas atribuições específicas, ou seja, no julgamento de casos concre-tos. Se em um regime democrático são problemáticas decisões judici-

316MORO, Sergio Fernando. Por uma revisão da teoria da aplicabilidade das normas constitucionais. In: Jus Navigandi, n. 42. Disponível em <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=98 > Acesso em 10/11/2002. 317MORO, Sergio Fernando. Por uma revisão da teoria da aplicabilidade das normas constitucionais. In: Jus Navigandi, n. 42. Disponível em <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=98 > Acesso em 10/11/2002

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112 ais que invalidam decisões legislativas, menos problemáticas são deci-sões judiciais que suprem vazios legislativos.318

Conclui seu pensamento, posicionando-se no sentido de que não há fundamento

constitucional para a vedação da atuação judicial como “legislador positivo”, e admiti-

lo mediante uma construção jurisprudencial vai de encontro ao princípio da suprema-

cia da Constituição e ao princípio da sua efetividade. Ocorre, então, uma abdicação

indevida pelo Poder Judiciário da sua função de controle atribuída pela própria Consti-

tuição.319

O limite para a concreção judicial estaria nos princípios da consistência e reser-

va do possível, ou seja, bastaria verificar quais prestações são facticamente atendíveis,

e em que grau, e quais não são.320

Para melhor explanar sobre a questão, Moro explica:

O limite da reserva de consistência impedirá, é certo, o Judiciário de concretizar normas fundamentais que demandam a adoção de políticas públicas de certa complexidade. Faltaria ao Judiciário, por exemplo, capacitação para elaboração de política habitacional caso entendesse que a Constituição contempla direito à habitação. Não obstante, a ex-tensão desse impedimento depende da prática judiciária. A criativida-de poderá contribuir para o alargamento do controle judicial e o avan-ço na concretização da Constituição (...) Se ao resolver a "questão in-terpretativa", o Juiz reconhecer a existência de determinado direito em nossa Constituição, cumprirá concretizá-lo, ou mais propriamente, tor-ná-lo realidade. É o que se exige da autoridade judiciária (...). Os limi-tes à concretização judicial são aqueles inerentes à atividade judicial, ou seja, através de argumentação jurídica, sendo esta limitada por princípios, tem o Juiz o ônus de demonstrar o acerto de sua Interpreta-ção da Constituição.321

318MORO, Sergio Fernando. Por uma revisão da teoria da aplicabilidade das normas constitucionais. In: Jus Navigandi, n. 42. Disponível em <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=98 > Acesso em 10/11/2002 319MORO, Sergio Fernando. Por uma revisão da teoria da aplicabilidade das normas constitucionais. In: Jus Navigandi, n. 42. Disponível em <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=98 > Acesso em 10/11/2002 320 MORO, Sergio Fernando. Por uma revisão da teoria da aplicabilidade das normas constitucionais. In: Jus Navigandi, n. 42. Disponível em <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=98 > Acesso em 10/11/2002 321MORO, Sergio Fernando. Por uma revisão da teoria da aplicabilidade das normas constitucionais. In: Jus Navigandi, n. 42. Disponível em <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=98 > Acesso em 10/11/2002

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113 Assim, a concretização da Constituição pode passar pelo exercício da atividade

jurisdicional que devem manter entre si um vínculo de essencial coerência, de modo a

evitar contradições entre as disposições. Interpretar é dar sentido concreto a norma

jurídica. 322

A prestação jurisdicional passa, portanto, pela Interpretação constitucional.

3.2.2 A prestação jurisdicional e a Interpretação constitucional na visão de Flávia

de Almeida Viveiros Castro323

Flávia de Almeida Viveiros de Castro demonstra, com clareza, em sua obra, a

insuficiência dos métodos tradicionais, entendido como literal, sistemático, histórico,

teleológico quando aplicados à Interpretação da Constituição. Sustenta, ainda, a neces-

sidade de novas pautas interpretativa”, que deveriam ser buscadas na teoria da Consti-

tuição com adequada compreensão da carta constitucional, argumentação, funda-

mentação, resolução justa e juridicamente correta: aí estão as quatro condições para

uma exemplar Interpretação jurisdicional da Constituição.324

Para esa autora, a Interpretação constitucional implica em integrar o sentido da

norma, com vista a concretização:

a Interpretação constitucional é vista como concretização e, neste sentido, ela tem caráter criativo: o conteúdo da norma interpreta-da só se torna completo com sua Interpretação (...) Compreender e concretizar são atividades apenas possíveis na presença de um problema concreto. O intérprete tem que relacionar este proble-ma com a norma que pretender entender, se quiser determinar corretamente seu sentido no momento histórico em que tal neces-sidade surge.325

322 MORO, Sergio Fernando. Por uma revisão da teoria da aplicabilidade das normas constitucionais. In: Jus Navigandi, n. 42. Disponível em <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=98 > Acesso em 10/11/2002 323Juíza de Direito do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, professora da PUC/RJ 324CASTRO, Flávia de Almeida Viveiros de. Interpretação Constitucional e Prestação Jurisdicional. Rio de Janeiro: Lumen Juris Ltda. 2000. p.58 325CASTRO, Flávia de Almeida Viveiros de. Interpretação Constitucional e Prestação Jurisdicional. Rio de Janeiro: Lumen Juris Ltda. 2000. p.60

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114 A autora analisa o que chama de novos métodos de Interpretação jurisdicional,

não excluindo os métodos tradicionais que devem atuar concomitantemente com esses

novos, quais sejam: a política, a Interpretação evolutiva, o método principiológico e

valorativo e o método de Interpretação conforme a Constituição. Importante ressaltar

que mesmo esses devem ser utilizados em total concordância.

Quanto à instância política, a autora, lembra que a Constituição Federal juridifi-

ca algumas das premissas ideológicas que mais se destacam na comunidade nacio-

nal.326

Dessa forma, toda Interpretação jurídica, lato sensu, tem uma caráter político is-

to porque a atividade hermenêutica não se presta a reduções mecanicistas que ocultem

sua característica em parte valorativa e ao final política. Isto devido ao fato de que

Jurisdição é de certa forma atividade criativa do direito.327

Assim, o caráter político de um país, ou seja, seus motivos políticos-ideológicos

é incorporado na Constituição através dos Princípios Constitucionais, e a autora, resu-

me

toda Constituição aspira impor sua própria orientação política. Por ou-tro lado, a Interpretação pelo método político leva o intérprete a pres-tar atenção ao mundo onde a norma será aplicada e, em boa medida, este universo, quando a norma a ser utilizada é constitucional, reveste um evidentíssimo caráter político.328

De outra ponta, a Interpretação evolutiva baseia-se na necessidade da norma ju-

rídica a ser interpretada com vistas à realidade social do tempo da aplicação e deve ser

vista como método interpretativo e regra fundamental da hermenêutica.

Para Castro:

326CASTRO, Flávia de Almeida Viveiros de. Interpretação Constitucional e Prestação Jurisdicional. Rio de Janeiro: Lumen Juris Ltda. 2000. p.60 327CASTRO, Flávia de Almeida Viveiros de. Interpretação Constitucional e Prestação Jurisdicional. Rio de Janeiro: Lumen Juris Ltda. 2000. p.60 328CASTRO, Flávia de Almeida Viveiros de. Interpretação Constitucional e Prestação Jurisdicional. Rio de Janeiro: Lumen Juris Ltda. 2000. p.60

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115 interpretar evolutivamente comporta a incorporação, no Processo exegético, de elementos extranormativos, que possuem traço co-mum aquela da preocupação com o social. (...) a preocupação es-sencial dos operadores do direito passa a ser a constante verifica-ção da eficácia deste na realidade social329

A autora, ainda, traz um efetivo Processo de adaptação, que é a tomada de

consciência por parte do intérprete da norma, das necessidades nacionais.

Já em relação ao método de Interpretação conforme à Constituição, Castro traz

o seguinte o fundamento:

está no princípio de unidade do ordenamento jurídico: em função de tal unidade, as leis emanadas sob a égide de uma Constituição devem ser interpretadas em consonância com a mesma, assim como o direito então vigente ao tempo da promulgação da lei maior deve adaptar-se à nova situação constitucional.330

Finalmente, quanto ao método principiológico e valorativo, o intérprete deve

verificar qual o preceito constitucional aplicável e qual a melhor forma de sua aplica-

ção.

Flávia Almeida Viveiros de Castro ressalta a importância dos princípios e valo-

res constitucionalmente plasmados e afirma que o intérprete deve buscar o conceito

constitucional aplicável e a melhor forma de sua aplicação. Lembra, ainda, que alguns

critérios de Interpretação são mais técnicos e outros devem se dirigir as características

substantivas do objeto da Interpretação.331

E elucida:

a integração do ordenamento jurídico e a Interpretação de seu conteú-do axiológico exigem o emprego e uma especial sensibilidade para os valores que o preceito incorpora e que quando o Juiz se depara com obscuridade de um texto ou dispositivo constitucional, terá, necessari-

329CASTRO, Flávia de Almeida Viveiros de. Interpretação Constitucional e Prestação Jurisdicional. Rio de Janeiro: Lumen Juris Ltda.2000. p.67 330CASTRO, Flávia de Almeida Viveiros de. Interpretação Constitucional e Prestação Jurisdicional. Rio de Janeiro: Lumen Juris Ltda.2000. p.80 331 CASTRO, Flávia de Almeida Viveiros de. Interpretação Constitucional e Prestação Jurisdicional. Rio de Janeiro: Lumen Juris Ltda.2000. p.70

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116 amente, que levar em consideração em sua atividade interpretativa, os elementos valorativos.332

Como já foi salientado pela mesma autora, os valores sociais consagrados foram

positivados na Constituição através dos princípios, o que a leva a salientar que os

princípios não se prestam a atuar subsidiariamente e irrompem através da Constitui-

ção com força normativa própria a todo preceito fundamental(...)os princípios juridi-

ficam a utopia de uma determinada nação, em um específico momento histórico, com

desejo de se perpetuarem.333

É relevante, para o presente trabalho, a afirmação da autora de que :

com os princípios, contudo, a problematicidade do trabalho hermenêu-tico fica mais evidente, ante a inexistência de critérios definidos para executar a contento esta tarefa e ainda frente a insuficiência dos méto-dos tradicionais. São os próprios princípios que servirão de guia para sua clarificação hermenêutica, na medida em que seus conteúdos nor-mativos vão sendo definidos através da ação exegética dos tribu-nais(...)Em resumo, os princípios atuam, tanto em referência ao pró-prio texto constitucional quanto na totalidade do ordenamento jurídi-co, modelando sua Interpretação e a criação das normas infraconstitu-cionais.334

Com efeito, o momento crucial da atuação dos Princípios Constitucionais é jus-

tamente o da Interpretação de algum dispositivo do texto da Constituição, para sua a-

plicação no caso concreto. Esse é o momento em que o princípio atua através do pre-

ceito que está sendo interpretado.

Dessa forma, após a Constituição da República Federativa do Brasil, que trouxe

o aumento no número de demandas, deve haver uma incorporação na consciência jurí-

dica de todos os operadores do direito desses “vetores” superiores do ordenamento. No

332CASTRO, Flávia de Almeida Viveiros de. Interpretação Constitucional e Prestação Jurisdicional. Rio de Janeiro: Lumen Juris Ltda.2000. p.70 333CASTRO, Flávia de Almeida Viveiros de. Interpretação Constitucional e Prestação Jurisdicional. Rio de Janeiro: Lumen Juris Ltda.2000, p.71 334 CASTRO, Flávia de Almeida Viveiros de. Interpretação Constitucional e Prestação Jurisdicional. Rio de Janeiro: Lumen Juris Ltda.2000, p.71

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117 caso do magistrado, a identificação do Juiz com o novo espírito da Constituição deve

revestir um caráter imediato.335

Os princípios formariam, assim, o complexo dogmático constitucional e a

plasmação escrita deste complexo dogmático subordina todo o orde-namento jurídico, eis que opera como núcleo da política constitucio-nal. Trata-se de um importante fragmento da Constituição, que no caso brasileiro, situa-se especificamente no preâmbulo e nos artigos 1º e 3º de nossa Carta magna. Verifica-se, aí, que os princípios doutrinais ou-trora converteram-se em princípios normativos-constitucionais, positi-vando-se. O complexo dogmático identifica, em grande parte, a fór-mula política, que, como já visto, marca a Constituição. A partir dele se estratificam os demais princípios, que jamais poderão contrapor-se aos que fazem parte deste núcleo, mas, ao contrário, desenvolverão, em primeiro lugar, as idéias deste segmento.”336

Castro faz, ainda, uma diferenciação importante para o presente estudo, que é a

existência entre os valores e os princípios, nominando os primeiros como princípios

éticos-jurídicos e aos segundos princípios jurídico-políticos, identificando o termo

princípio para os conteúdos políticos-constitucionais e valor para designar princípios

ético-jurídicos:337

Explicitando essa diferenciação:

Uma das maiores dificuldades que se coloca ao intérprete constitucio-nal, em matéria de princípios e valores é a de estabelecer quais são as disposições da Constituição que abarcam princípios e quais as que po-sitivam valores, eis que os primeiros informam axiologicamente o or-denamento jurídico e também se caraterizam por sua força valorativa. Verifica-se, contudo, que o que distingue os princípios dos valores, é o marcante traço político daqueles, uma vez que incorporam em si pró-prios objetivos da nação, juridificando-os. De todo modo, a conexão entre os valores e os princípios é estreitíssima, na medida em que os valores também não são neutros politicamente. Entre os valores e os princípios que guiam a Interpretação jurídica, aqueles, elevados ao pa-

335CASTRO, Flávia de Almeida Viveiros de. Interpretação Constitucional e Prestação Jurisdicional. Rio de Janeiro: Lumen Juris Ltda, 2000, pp 72-73 336CASTRO, Flávia de Almeida Viveiros de. Interpretação Constitucional e Prestação Jurisdicional. Rio de Janeiro: Lumen Juris Ltda.2000, p.75 337CASTRO, Flávia de Almeida Viveiros de. Interpretação Constitucional e Prestação Jurisdicional. Rio de Janeiro: Lumen Juris Ltda.2000, p.75-76

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118 tamar constitucional, passam a ocupar o primeiro lugar em importân-cia e influência.338

Descreve, ainda, que os princípios jurídico-políticos, expressariam a forma de

organização estatal , e os valores a dimensão axiológica do Estado e que :

momento interpretativo é aquele que mais avulta a importância dos valores. Empregar um princípio ético-jurídico para argumentar durante o Processo interpretativo modifica, radicalmente, as possibilidades de solução para o problema a enfrentar, dotando-as de um marcado traço estimativo(...) dada a transcendência dos valores positivados na lei maior, se infere a impossibilidade de interpretar o Direito sem tê-los em conta como pautas primárias do procedimento interpretativo.339

Castro340 sistematiza critérios jurisprudenciais de Interpretação Constitucional ,

ou seja, aqueles que são mais utilizados pelos Tribunais, e que, em virtude de sua im-

portância, serão demonstrados a seguir.

Inicia a autora com a chamada “força obrigatória da Constituição”, que significa

que todas as partes e aspectos da Constituição obrigam igualmente ao intérprete.A

seguir, a autora trata da “operatividade da Constituição” ,na qual a atuação do opera-

dor jurídico deve ocorrer sob a premissa da Interpretação sistemática e, ao mesmo

tempo, evolutiva da Constituição, em decorrência das exigências do contexto social.

Um outro critério de Interpretação trazido pela autora é a “defesa do Estado de

Direito”, no qual, em nenhuma hipótese, a Interpretação poderá anular o caráter demo-

crático e pluralista do ordenamento que a Constituição defende.

Na chamada presunção de constitucionalidade, há a suposição de que a lei ou

ato normativo que vai sofrer a Interpretação, é constitucional .

338CASTRO, Flávia de Almeida Viveiros de. Interpretação Constitucional e Prestação Jurisdicional. Rio de Janeiro: Lumen Juris Ltda.2000, p.75-76 339CASTRO, Flávia de Almeida Viveiros de. Interpretação Constitucional e Prestação Jurisdicional. Rio de Janeiro: Lumen Juris Ltda.2000, p.75-76 340CASTRO, Flávia de Almeida Viveiros de. Interpretação Constitucional e Prestação Jurisdicional.Rio de Janeiro: Lumen Juris Ltda.2000.pp 83-95

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119 Como outra forma de critério de Interpretação jurisprudencial, há o favor legi-

timatis que é entendido como o esgotamento das possibilidades de solução do conflito,

no sentido de permitir manter o texto ou ato impugnado, e, ainda, a cindibilidade das

disposições interpretadas, na qual o Juiz pode apreciar a inconstitucionalidade de so-

mente parte do dispositivo.

Outro critério citado pela autora, é o argumento de autoridade, que apesar de

não se revestir de caráter determinante, ocorre quando se invoca a opinião de uma au-

toridade(personalidade) que comunga do mesmo entendimento do julgador.

Há, ainda, o critério da Razoabilidade que seria no sentido de que a Interpreta-

ção constitucional não pode comportar solução totalmente desvinculada de seu contex-

to.341

O critério da força pedagógica é no sentido de que as Cortes Supremas atuam

como magistério constituciona”, ou seja, marcam as pautas essenciais para a compre-

ensão de todo o ordenamento jurídico, a partir da consideração da Constituição como

ponto culminante e cerne do ordenamento jurídico.342

Castro salienta, também, como critério interpretativo jurisprudencial o in dubio

pro libertatem, que é aquele em que a análise da constitucionalidade de uma disposição

limitadora de direito fundamental, presume-se inconstitucional, pois, salvaguarda dos

direitos e liberdades fundamentais, é princípio básico e essencial da Constituição.

Essa mesma autora traz como critério da finalidade do dispositivo interpretado

o que leva em consideração qual a função, o objetivo mesmo da norma interpretanda e

decidir pelo entendimento que mais desenvolva sua utilidade343

341 CASTRO, Flávia de Almeida Viveiros de. Interpretação Constitucional e Prestação Jurisdicional.Rio de Janeiro: Lumen Juris Ltda.2000.p 86 342CASTRO, Flávia de Almeida Viveiros de. Interpretação Constitucional e Prestação Jurisdicional.Rio de Janeiro: Lumen Juris Ltda.2000.p 88 343CASTRO, Flávia de Almeida Viveiros de. Interpretação Constitucional e Prestação Jurisdicional.Rio de Janeiro: Lumen Juris Ltda.2000.pp 89

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120 Cita, ainda, como critério o da concordância prática e otimização dos bens

constitucionalmente protegidos, que significa que, quando na resolução de questões o

fundamento incide sobre:

vários preceitos constitucionais, todos eles intrinsecamente conexos. Tal conexão se materializa com a concordância prática entre os bens constitucionalmente protegidos, o que pressupõe que a relação entre os mesmos será de preponderância alternadas em determinados casos e sempre de equilíbrio, posto que nenhum bem constitucional em sua aplicação pode acarretar a paralela eliminação de outro interesse cons-titucionalmente protegido. Há a ponderação de bens que a Constitui-ção alberga para a otimização do funcionamento de todos.

Castro descreve, ainda, o critério stare decisis, que significa a utilização dos

próprios precedentes dos Tribunais na medida em que são úteis. O critério silogístico

seria um resquício de que toda “boa” decisão corresponderia a um raciocínio silogísti-

co (premissa maior, premissa menor, conclusão), mas na prática o que ocorre é que:

o magistrado decide em uma primeira aproximação com o caso, e de-pois vai buscar a confirmação de sua intuição ´racionalizando suas o-piniões´ e descobrindo toda uma fundamentação técnico-jurídica para a mesma, embora possa aparentar que a resolução escolhida eqüivaleu à conclusão de silogismo expresso na motivação da sentença.344

Outro critério interessante é o critério Antiformalista que reside no fato dos ma-

gistrados terem interesse em resolver a questão real que lhes é submetida, sem que o

formalismo, ou seja, o apego a meros problemas procedimentais, retire a possibilidade

de um pronunciamento de mérito.

Ademais, cita o critério de Previsão das Conseqüências, no qual o magistrado

investiga os efeitos que cada decisão possível produzirá, primeiramente dentro do setor

específico e após, a conseqüência dessa no sistema jurídico como um todo, assim, va-

lora, aprioristicamente, as conseqüências políticas de sua decisão (...) prever as con-

344CASTRO, Flávia de Almeida Viveiros de. Interpretação Constitucional e Prestação Jurisdicional.Rio de Janeiro: Lumen Juris Ltda.2000. p 91

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121 seqüências políticas de sua decisão pode determinar, em último caso, a eleição de uma

ou outra solução entre as hipóteses constitucionais existentes.”345

Castro relata, também, o critério da Funcionalidade do Sistema Institucional

que visa a garantir o funcionamento de todo o sistema instituído pela Constituição Fe-

deral e o da “Imperatividade” no qual os dispositivos constitucionais devem ser tidos

como imperativos, que têm aplicação peremptória.

É fundamental o critério da Interpretação Ampliadora de Direitos da Constitui-

ção, pois esta, não pode :

ser interpretada de forma restritiva, especificamente na parte em que regula os direitos dos cidadãos. Seus dispositivos devem ser entendi-dos de forma abrangente, a fim de que possam alcançar os objetivos para os quais foram concebidos. A Interpretação deve possibilitar a e-fetivação do que foi idealizado pelo povo que a adotou.346

A autora descreve de forma minudenteo critério dos Poderes Implícitos, no sen-

tido de que mesmo não expressamente previsto, tudo aquilo que for necessário para a

efetividade de um dispositivo constitucional, deve ser considerado subentendido no

próprio dispositivo e afirma que tal critério se desdobra em três sub regras.

A primeira regra é no sentido do acessório seguir o principal, ou seja, quando a

Constituição concede um poder em termos gerais, esta concessão inclui todos os po-

dres acessórios necessários a fazê-lo efetivo.”347 Já a segunda significa que “onde os

meios para o exercício de um poder estiverem especificados pela Magna Carta, todos

os demais reputam-se excluídos348 e, a terceira seria aquela que quando não forem es-

pecificados os meios para o exercício de um poder outorgado pela lei fundamental,

345CASTRO, Flávia de Almeida Viveiros de. Interpretação Constitucional e Prestação Jurisdicional.Rio de Janeiro: Lumen Juris Ltda.2000. p 93 346CASTRO, Flávia de Almeida Viveiros de. Interpretação Constitucional e Prestação Jurisdicional.Rio de Janeiro: Lumen Juris Ltda.2000. p 93 347CASTRO, Flávia de Almeida Viveiros de. Interpretação Constitucional e Prestação Jurisdicional.Rio de Janeiro: Lumen Juris Ltda.2000. p 94 348CASTRO, Flávia de Almeida Viveiros de. Interpretação Constitucional e Prestação Jurisdicional.Rio de Janeiro: Lumen Juris Ltda.2000. p 94

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122 todos os apropriados para atingir o objetivo constitucionalmente colimado poderão

ser utilizados.349

Finalmente, o critério da Efetividade consiste em não poder o intérprete negar

efetividade a dispositivo claro da Constituição, já em relação aos dispositivos vagos, o

intérprete deverá adaptá-los às peculiaridades do caso concreto, tendo como norte a

efetividade da norma constitucional.

Assim, delineiam-se os mecanismos de atuação do magistrado frente ao Processo,

sob a égide dos valores sociais consubstanciados nos Princípios Constitucionais.

Com base nos elementos trazidos pelo presente trabalho, percebe-se que na

atualidade, além da necessidade de uma nova postura do magistrado na busca da

conciliação com a Sociedade, os Princípios Constitucionais aliados aos critérios de

Interpretação utilizados pelos Tribunais, trazem um instrumental para a concretização da

justiça.

3.3 A NOVA POSTURA DO JUIZ NO EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO: UMA

MUDANÇA DE MENTALIDADE

No exercício da Jurisdição, os magistrados têm de despertar para o fato de que

já é há muito superada a fase da Interpretação das referências normativas de um pon-

to de vista eminentemente técnico. 350

Para a presente pesquisa é importante ter como norte , a posição central e privi-

legiada ocupada pelo homem na Constituição da República, o que é facilmente de-

monstrável no fato do princípio da dignidade da pessoa humana ser um dos fundamen-

tos de Estado brasileiro, conforme acentua Marcus Xavier Vinícius de Oliveira:

349CASTRO, Flávia de Almeida Viveiros de. Interpretação Constitucional e Prestação Jurisdicional.Rio de Janeiro: Lumen Juris Ltda.2000, P. 95 350 BRANDÃO, Carlos Augusto Pires. O intérprete na Sociedade atual. In: Jus Navigandi, n.51. inserido< http://www1.jus.com.br/doutrina/texto. > acesso em 2002

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123 os direitos e garantias fundamentais são meros instrumentos de reali-zação da pessoa humana; os programas criados pela Constituição, em decorrência dos direitos sociais (artigo 6º), como educação (artigos 205 e 206), saúde (artigos 196 e 198), desporto (artigo 217, cabeça e §3°), assistência social (artigos 203 e 204), proteção à criança e ao a-dolescente (artigo 227), ao idoso (artigo 230), aos silvícolas (artigos 231 e 232), objetivam criar políticas públicas através das quais a plena realização do homem é o fim a ser atingido, mediante, é óbvio, a ob-servância do princípio do pluralismo político (artigo 1º, inciso V). É a plena realização do homem que importa teleologicamente a um Estado Constitucional, e não do Estado como poder-potência.351

Em decorrência desse fato, tem de se privilegiar uma leitura humanística da

Constituição, consubstanciada na maioria das vezes nos Princípios constitucionais, o

que reforça a necessidade da exigência de um novo exercício de jurisdição.

A necessidade da nova postura do magistrado foi primeiramente assimilada a-

través dos integrantes do chamado Movimento do Direito Alternativo que viam a ne-

cessidade de uma mudança, mas - ainda hoje uma "praxis" em busca de uma teoria,

conforme Amilton B. de Carvalho (apud Gomes )que estaria inclinado a substituir os

critérios de justiça da lei por outros critérios (supostamente) mais justos, emanados de

cada magistrado diante da situação concreto. 352

Gomes ressalta, que, um dos mais autorizados e respeitados adeptos do Direito

Alternativo no Brasil, Amilton Bueno de Carvalho353caracterizou referida fase como a

infância e a adolescência do Movimento.

Impõe-se considerar que a Crise do Direito passou a ser difundida e discutida

através do chamado Movimento do Direito Alternativo, que, a despeito de tantas di-

vergências, inegavelmente, contribuiu para desnudar os elementos do discurso tradi-

cional do direito. Passas também a exigir de seus atores um compromisso ético com a

realidade, a trazer a política para dentro do jurídico, o distanciamento com a socieda-

351OLIVEIRA, Marcus Vinícius Xavier de. Considerações em torno do princípio da dignidade da pessoa humana . Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 58, ago. 2002. Inserido em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto. >. Acesso em: 22 set. 2003. 352 GOMES , Luiz Flávio. Juiz do Terceiro Milênio.Doutrina, Instituto de Direito, volume 2, 1996, página 65 353Atuação dos juízes alternativos gaúchos no Processo de pós-transição democrática (ou a praxis em busca de uma teoria), em Estudos Jurídicos, IEJ, nº 8, RJ, 1994, págs. 192 e ss.

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124 de, bem como da forma em que a dogmática tradicional trabalha todo um discurso em

relação ao magistrado: seja um insensível, neutro, técnico/científico, imparcial, com

capacidade de examinar um caso concreto à luz dos textos legais, sem a participação

de sua ideologia, formação, cabedal de cultura. 354

Tal movimento, porém, perdeu-se na proposta de seus instrumentos, redu-

zindo-se a um decisionismo e ativismo, priorizando a práxis, com atitudes a serem to-

madas pela maioria dos Juízes, em favor das classes oprimidadas; fez a opção ideoló-

gica aos oprimidos, dentre os vários caminhos de uma Interpretação, optou por aquela

que leva à Justiça Popular.

Para Andrade: a transformação deverá ocorrer com base em uma nova prática dos magistrados, com o propósito de atuarem, buscando alterar a atual re-lação de poder, cooperando para a construção de uma Sociedade justa, igualitária.355

Mas, ao mesmo tempo em que retira, desnuda o discurso da norma, dizendo que

o Juiz deve aplicar a lei justa, contesta o ordenamento nas Sociedades capitalistas e,

paradoxalmente fala que a nossa legislação é pródiga na previsão de direitos, sem con-

tudo efetiva-los 356e que tal aplicação seria ponto de honra para alternativos.

O nome "Direito Alternativo", mesmo para aqueles que não o conhecem, traz

uma sensação de desconfiança, bem captada por Dantas:

por tal concepção, como o próprio autor admite, o uso alternativo do direito conduz a percepção de que os operadores do direito, principal-mente os magistrados, questionam as leis, no momento de sua aplica-ção, indagando sobre seus pressupostos e efeitos sociais, quando o si-gnificante justiça ganha relevo, retomando-se algumas bandeiras do jusnaturalismo.357

354ANDRADE, Lédio Rosa de. Juiz alternativo e Poder Judiciário. São Paulo : Editora Acadêmica, 1992.p.13. 355ANDRADE, Lédio Rosa de. Juiz alternativo e Poder Judiciário. São Paulo : Editora Acadêmica, 1992.p.18. 356 ANDRADE, Lédio Rosa de. Juiz alternativo e Poder Judiciário. São Paulo : Editora Acadêmica,p.91 357 DANTAS, Francisco Wildo Lacerda. Uma abordagem hermenêutica sobre o chamado Direito Alternati-vo. São Paulo : Revista dos Tribunais. 1992.p.278.

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Dentro das contradições do Direito Alternativo, o mesmo autor insiste:

o magistrado não pode decidir contrariamente à norma, mas pode ele, buscando-lhe o sentido e valorando os fatos que a ela se aplica, esco-lher as alternativas postas à sua disposição, para determinar à incidên-cia da norma ao caso concreto (...) não há que se falar em direito, mesmo alternativo, longe da tricotomia norma, valor e fato (...) impos-sível admitir-se um direito que se desgarre totalmente das normas, a-inda que para atender-se a idealização do justo do magistrado"358

O direito alternativo, efetivamente, não trouxe uma nova "discursividade" satis-

fatória a amparar a práxis, e o discurso jurídico, inserido na estrutura do sistema soci-

al, é um importantíssimo instrumento de ação 359, assim, não adianta somente ter ação

se não há um discurso teórico e razoável para amparar essa.

Dessa forma, necessita-se de uma nova postura do magistrado amparada em

uma teoria que se baseie na Interpretação da Constituição, pois, como afirma Antônio

de Souza Prudente, conjugando os art. 1°, incisos I a V, art. 2°, art. 3°, I a IV, todos da

Constituição Federal :

o Estado de Direito não tolera a lei substancialmente injusta, sem con-teúdo ético, falaciosa, tirânica, instrumento de opressão (...) e mais: toda norma injusta, por contrariar os princípios de Justiça, esculpidos no topo do ordenamento jurídico, é, substancial e manifestamente in-constitucional."360

Para Antônio de Souza Prudente o Estado de direito, que preconiza a nossa

Constituição, sem dúvida, é aquele que se governa por leis justas e se submete à Juris-

dição de uma magistratura independente, sábia, ética e imparcial.361

Francisco Wildo Lacerda Dantas, partindo da ambivalência do Direito:

358DANTAS, Francisco Wildo Lacerda. Uma abordagem hermenêutica sobre o chamado Direito Alternativo. São Paulo : Revista dos Tribunais. 1992.p. 279. 359SOUZA, Luiz Sérgio Fernandes. A Função social do profissional do Direito. A Função social do Profissional do Direito. Revista dos Tribunais (698) : 275., Dez. 1993. 360PRUDENTE, Antônio de Souza. A lei injusta e sua inconstitucionalidade substancial no Estado Democrático de Direito. Porto Alegre : AJURIS ( 57) : 171, Março, 1993. 361PRUDENTE, Antônio Souza. A lei injusta e sua inconstitucionalidade substancial no Estado Democrático de Direito. AJURIS, Porto Alegre (57) : 172, Março 93.

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insisto que o magistrado não pode decidir contrariamente à norma, mas pode ele, buscando-lhe o sentido e valorando os fatos aos quais ela se aplica, escolher as alternativas postas à sua disposição, para de-terminar a incidência da norma ao caso concreto, e isso ele o fará, por mais que se esforcem em reduzi-lo a uma máquina decodificadora.362

Na atualidade, face o papel assumido pela Interpretação constitucional, através

da normatividade dos princípios, o juiz temcondições de produzir a reconciliação da

ética com a Jurisdição, e sua instrumentalização ocorre sem qualquer risco à ordem

instituída.

Abreu lembra que:

fala-se, hoje, em judicialização363 da política, ingrediente novo a denunciar a importância do Judiciário na correlação de força dos poderes. Fala-se de uma conspirata da magistratura, a evidenciar o relevo que assume o juiz como agente do poder político no Estado de Direito contemporâneo. Por outro vértice, fala-se em judicialização das relações sociais, como também observa o Prof. Wernneck Vianna.364

Assim

a separação entre ética e direito é que explica, em nível de verdade ci-entífica, a possibilidade de o direito legislado dar guarida a injustiça; a conveniente e necessária distinção entre Direito e Ética - como uma das primeiras verdades científicas ensinadas nos cursos jurídicos - é que permite a convivência com a fome e o esbanjamento (...) a ética do novo direito há de ser a ética da responsabilidade cósmica, onde o todo é responsável por cada parte e cada parte é responsável pelo to-do.365

362DANTAS, Francisco Wildo Lacerda. Uma abordagem hermenêutica sobre o chamado Direito Alternativo. São Paulo : Revista dos Tribunais. (681) : 279, Julho de 1992. 363 Tanto a judicialização da política como a jurisdicização das relações sociais são tópicos de uma pesquisa encomendada pela Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB ao Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ, sob a direção de do sociólogo Luiz Wernneck Vianna, que já resultou na edição de três publicações importantes: (1) O Perfil do Magistrado Brasileiro. Projeto Diagnóstico da Justiça. Rio de Janeiro : AMB/Iuperj, 1996. 342p; (2) Corpo e Alma da Magistratura Brasileira. 3. Ed. Rio de Janeiro : Editora Revan, 1997. 334p.; (3) A Judicialização da Política e das Relações Sociais no Brasil. Rio de Janeiro : Editora Revan, 1999. 270p. 364 ABREU, Pedro Manoel. A formação, os desafios e o perfil do jurista orgânico no novo milênio. Inserido em <www.roney.floripas.com.br.docs/formação/docvs> acesso em Dez/2003. 365 PUGGINA, Márcio Oliveira. Deontologia, Magistratura e Alienação. AJURIS, Porto Alegre, (56) : 196-198.

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Portanto, na medida em que o espaço da Constituição é garantidor das relações

entre Sociedade e Estado de forma democrática, criando a possibilidade de uma nova

ética do direito, é imprescindível que o magistrado, como integrante do Poder do Es-

tado, vivifique tal locus.

Pires Brandão traz reflexões fundamentais, que sustentam a necessidade desta

mudança da postura do intérprete.

Segundo ele:

nessa realidade de mudanças, para compreensão do Direito, não basta apenas a consulta à letra dos Códigos. Eles já não reúnem todas as leis, todos os princípios. Na tentativa de atualizar a ordem jurídica, sempre por meio do legislativo, há uma inflação na produção normati-va, e os Códigos perdem a referência de centro. O Código sempre foi tratado como uma espécie de manual de direito, reunindo e empaco-tando todos os princípios, constituindo o centro de gravidade da vida jurídica. Ao jurista, se lhe reservava apenas uma atuação instrumenta-lizada na lógica formal. A Interpretação era limitada a um Processo lógico-dedutivo, baseado em axiomas, e a ciência jurídica tratada co-mo uma ciência meramente demonstrativa.366

Pires Brandão afirma que o “mito do legislador racional” exauriu-se, e que a co-

dificação foi atropelada pela velocidade em que se processam as informações no mun-

do atual.

Dessa forma, para o autor:

o conhecimento em razão da velocidade da informação passa a ser transitório e fragmentário, inviabilizando a construção de sistemas fe-chados e imutáveis. Os conceitos e categorias passam a ser fluidos. Não é possível admitir, diante dessa nova realidade de pluralismo cul-tural, que Brasília possa concentrar todo o poder político no país, pro-duzindo miríades de leis e gerando uma grave insegurança jurídica. A tarefa do aplicador do direito, então, ganhou enorme relevância e tor-nou-se decisiva. Prova disso é o reconhecimento atual do trabalho cri-

Nov.1993. 366 BRANDÃO, Carlos Augusto Pires. O intérprete na Sociedade atual. In: Jus Navigandi, n.51. disponível em < [http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.> acessado em 2002.

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128 ativo e atualizador da jurisprudência e da doutrina. Não há mais espa-ço e tempo para centralismos políticos. O direito está sempre em cons-trução, devendo as normas de convivência merecerem uma Interpreta-ção aberta. Os fluxos de informações, ao encurtar distâncias nas redes integradas de comunicação e interligar o mundo, quase em tempo real, atingem estruturas de segurança que dão sustentação à Sociedade. Em meio a antagonismos de valores que interagem em Processos não-hierarquizados, a composição de conflito na Democracia só se legiti-ma mediante atuação jurídica argumentativa, persuasiva, criativa e transformadora 367

Como já foi visto, a Constituição, no atual Estado de Direito, é um sistema aber-

to de regras e princípios, conforme Canotilho, e, assim sendo, permite a intercomuni-

cação permanente com a realidade social.

Gomes chama de uma “Interpretação democrática” aquela em que o Juiz conti-

nuaria vinculado a um texto positivado pelo Legislativo, mas tendo sempre a função

simultânea de integrar o ordenamento jurídico com esse texto, ou seja, integrá-lo com a

Constituição. 368

Gomes ressalta, ainda, com extrema profundidade que, nos casos de leis restriti-

vas aos direitos fundamentais ou omissão legislativa não está o Juiz substituindo o

Parlamento, senão declarando o Direito já existente na Constituição e nos documentos

internacionais que representam o limite máximo para ambos(...)Direito é o que os juí-

zes reconhecem de acordo com a Constituição Federal, emanada do Poder Constituin-

te, que é a fonte primordial do Poder Jurídico.369

E afirma:

o direito legislado pós ou infraconstitucional, assim, nasce com a ca-racterística da potestas, na medida em que é um ato de poder. Mais precisamente, é um ato do Poder Político, um ato de vontade do Poder Político. Mas só ganhará auctoritas e será definitivamente vinculante se respeitou os estritos limites constitucionais dados pelo democrático Poder Constituinte(...)Ao Poder Jurídico, portanto, com base no texto

367 BRANDÃO, Carlos Augusto Pires. O intérprete na Sociedade atual. In: Jus Navigandi, n.51. disponível < http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.> acessado em 2002 368GOMES , Luiz Flávio. Juiz do Terceiro Milênio. Doutrina, Instituto de Direito, volume 2, 1996. 369GOMES , Luiz Flávio. Juiz do Terceiro Milênio.Doutrina, Instituto de Direito, volume 2, 1996, p.

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129 constituinte (originário), cabe controlar inclusive as "emendas consti-tucionais", pois pode perfeitamente haver normas ("emendas") consti-tucionais (do poder derivado) inconstitucionais (por contrariarem o texto aprovado pelo Constituinte) 370

Percebe-se que Gomes deixa bem evidenciado que não implica em substituir o

legislador, como difundido, e nem de se postular um ‘ativismo judicial’, muito menos a

substituição do Parlamento pelos juízes, mas tão somente :

que cabe ao Juiz contemporâneo - a todos, aliás, inclusive ao legisla-dor -, isto sim, é dar prioridade às normas, aos princípios e aos valores constitucionais e internacionais, sobretudo os que cuidam dos direitos humanos fundamentais, que têm aplicação imediata (CF, art. 5º, § 1º)(...) É neste âmbito dos direitos fundamentais, aliás, onde recai a prioridade da função jurisdicional, não só no sentido de rejeitar a apli-cação das leis que, sem autorização constitucional, restrinjam o seu conteúdo, senão também no sentido de suprir eventual omissão legis-lativa infraconstitucional, aplicando diretamente o texto aprovado pelo legislador constituinte ou produzido em tratados internacionais. 371

Há, inequivocamente, necessidade de “inovação institucional “, no exercício da

Jurisdição, face à conformação do Estado, da efetivação dos direitos fundamentais e

sociais previstos na Constituição e a “politização do jurídico”372.

A necessidade dessa inovação institucional pode ser aferida pela pesquisa de o-

pinião pública, realizada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que chegou a con-

clusão de que a questão é mudar a mentalidade e refletir sobre a postura que o Judiciá-

rio vem adotando frente à Sociedade, eis que a eficiência, a qualidade e a agilidade da

Justiça estão intrinsecamente ligadas a esse fato, uma vez que o Poder Judiciário pos-

sui recursos materiais e principalmente humanos para reverter a imagem que carrega.

370GOMES , Luiz Flávio. Juiz do Terceiro Milênio.Doutrina, Instituto de Direito, volume 2, 1996, p. 371GOMES , Luiz Flávio. Juiz do Terceiro Milênio.Doutrina, Instituto de Direito, volume 2, 1996, p. 372 GOMES , Luiz Flávio. Juiz do Terceiro Milênio.Doutrina, Instituto de Direito, volume 2, 1996, p

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373

Carlin sustenta a necessidade dos magistrados revisarem seus próprios concei-

tos, que é ponto chave para uma mudança de mentalidade.

Para o autor:

desaprender é uma arte difícil, incerta e que poucos crêem na sua ne-cessidade. Pensa-se saber, mas se conhece mal (Paul Leuilliot), satu-rado que se está de conhecimentos ilusórios, confusos, infundados, in-duzidos e ameaçadores, transmitidos pelos mestres e livros que procu-ram fugir do obsoleto. Deve-se desaprender certos vícios intelectuais ou enganadores que mantêm a todos na mediocridade. Desaprender é uma carência real: sabe-se muitas coisas acessórias, implantadas, consolidadas e de reflexos perigosos. No decorrer dos anos, as idéias se contaminaram, as palavras são imprecisas e os con-ceitos depurados, tudo mudando de Interpretação, numa tipologia e si-tuação diversas. A pedagogia de desaprender pode inserir ainda a Cri-se de identidade: é a ruptura com explicações, dogmas, princípios e doutrinas. Deixa-se de perceber o que é importante, permitindo-se mudar certas regras do jogo com racionalidade e lógica.374

De acordo com Brevidelli, a resposta estaria, simplesmente, em uma atuação

com sensibilidade por parte dos magistrados.

Para a autora:

a sensibilidade é a resposta e a melhor arma do Juiz comprometido com o desempenho de um papel ativo na busca da transformação soci-al, papel este que o transformaria de mero operador em verdadeiro a-gente jurídico. É preciso perceber que o Juiz-técnico torna-se um re-produtor de iniquidade, ao passo que o Juiz-sensível é um agente de transformação(...)Afinal todo o ordenamento jurídico comporta janelas que permitem e requerem um trabalho criativo e sensível ao apelo

373COSTAS, Lorena Viegas. Agregando Valor A Imagem Do Tribunal De Justiça Do Estado Minas Gerais; Organização Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, Ano da Premiação 1999. Disponível em: <http://www.conrerp-sp.org.br/pop/rrppgovernamentais/1999> Acesso em 08.2003 374CARLIN, Volnei Ivo. A Difícil Arte De Desaprender. Disponível em < http://www.tj.sc.gov.br/academiajudicial/texto.> Acesso em 2004

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133 das necessidades e valores sociais. O olhar do Juiz deve ser o olhar da Sociedade.375

Na mesma linha, Prado376 afirma que o Juiz da ordem democrática é um prota-

gonista essencial nessa missão. Dele depende a concretização dos prenúncios fundan-

tes, de tudo aquilo que se incluiu na Carta cidadã por força de um incontido anseio

popular. 377

A autora faz, ainda, tendo em vista a influência da característica psicológica do

Juiz378 quando da prolação da decisão, a seguinte advertência:

para julgar um ser humano, o Juiz precisa ser cada vez mais humano. O excesso de técnica pode ajudar a distancia-lo desse ideal. É uma ar-madura a mais para afastá-lo do drama de que o Processo está impreg-nado. A aprovação em concurso público para o qual acorrem milhares e no qual algumas dezenas logram sucesso, acarreta nítida dose de i-modéstia. Da presunção à arrogância, é curta a distância.379

Mesmo para quem sustenta, ainda, o domínio do positivismo jurídico380, com o

paradigma exclusivo da legalidade, impossível ignorar, em uma Sociedade em trans-

formação, que o exercício da Jurisdição deve buscar, fundamentalmente, a legitimi-

dade, cujas raízes repousam no mundo dos valores, na busca da justiça material, no

mundo real e sintonizado com a consciência jurídica da população, materializada na

Constituição.

375 BREVIDELLI, Scheilla Regina. O Juiz e o superego.Um olhar analítico sobre a função judican-te.In:JusNavigandi,n.51inserido < http://www1.jus.com.br/doutrina/texto> acessado em 2001. 376Prado, Lídia Reis de Almeida. O Juiz e a emocão. Aspectos da lógica da decisão judicial. Campinas : Mi-lennium.2OO3.p.XI. 377 Prado, Lídia Reis de Almeida. O Juiz e a emocão. Aspectos da lógica da decisão judicial.Campinas : Mi-lennium.2OO3.p.XI. 378Prado elenca alguns dos pensadores que ressaltam a influência sobre a decisão, de atributos psicológicos, co-mo Recaséns Siches, Joaquim Dualde, Jerome Frank, e de brasileiros aponta Migueal Reale e Renato Nalini. 379 Prado, Lídia Reis de Almeida. O Juiz e a emocão. Aspectos da lógica da decisão judicial.Campinas : Mi-lennium., 2OO3.p.XI. 380Norberto Bobbio afirma que a expressão positivismo jurídico deriva da palavra direito positivo contraposta àquela de direito natural, ou seja, demonstra uma antítese entre direito natural e positivo demonstrando algumas distinções principais entre ambos, quais sejam, que o primeiro é universal, vale em toda parte, enquanto o segun-do é particular; o primeiro é imutável, enquanto o segundo muda; o primeiro tem como fonte a natureza e o se-gundo a vontade do legislador; o primeiro regula comportamentos bons ou maus por si mesmos, enquanto o di-reito positivo regula comportamentos, mas é indiferente quanto ao seu valor

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Não se pode ignorar, como bem ponderou Wolkmer, falando sobre a ideologia

do positivismo jurídico que essa descarta princípios e Juízos valorativos em função de

uma suposta neutralidade axiomática, de um rigoroso experimentarismo e, ao mesmo

tempo, de um tecnicismo formalista.381

A certeza, ausente no discurso conservador, de que na necessidade de se conju-

gar percepção e Interpretação, permeiam valores, desdobram-se múltiplos caminhos.

No fundo, o que se postula é a percepção pelo magistrado da consciência jurídi-

ca da população, entendida como :

noção clara, precisa, exata, dos direitos e dos deveres que o indivíduo tem, em Sociedade, para consigo mesmo, para com seus semelhantes e para com a Sociedade (...) tendo a mesma uma função importantíssima no crescente confronto entre o Estado e a Sociedade. É através dela que se tem probabilidades concretas de conciliação entre a criatura (o Estado) e o criador (a Sociedade).382

Assim, Pasold383 quer dizer que para uma conciliação entre a sociedade e o Es-

tado, dentro da função social do Estado contemporâneo, há necessidade da priorização

dos valores fundamentais do homem e um ambiente político jurídico de constante legi-

timidade.

Entende-se que tal concepção aplica-se perfeitamente para a função social da

figura do magistrado, que vai buscar seu embasamento teórico na Constituição Federal,

que representa o pacto social entre Sociedade e Estado.

Por outro lado, também é possível trazer a análise de Herkenhoff384 que lembra

que o Poder Judiciário seria um subsistema do sistema jurídico e que longe está o Juiz

de ser apenas o porta-voz da lei, intérprete lógico de sua vontade.

381WOLKMER, Antônio Carlos. Ideologia, Estado e Direito. São Paulo : RT, 1989.p.127. 382PASOLD, César Luiz. Reflexão sobre o poder e o Direito. Florianópolis : Estudantil, 1986 383CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart (org). Concepção para o Estado Contemporâneo: Síntese de uma proposta. In: Temas de Política e Direito Constitucional Contemporâneos. Florianópolis : Momento Atual, 2004, p.49 384HERKENHOFF, João Batista. Movimentos Sociais e Direito. Porto Alegre: Livraria do Advoga-do.2OO4.p.142-143.

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135 Para o autor:

cabe ao Judiciário zelar pela coerência do sistema jurídico. O controle constitucional das leis é um dos instrumentos para o exercício desse poder (...) dentro de uma postura sociológica, o Juiz poderá imprimir rumos muito mais criativos à jurisprudência, atento à dinâmica da vida social .385

Herkenhof, ao analisar o papel do magistrado na Sociedade interiorana, afirma

que ele deve estabelecer uma criação de elos de compreensão entre a linguagem da lei

e o entendimento dela a seus destinatários386, pois ao mesmo tempo que transmite à

população os valores do sistema jurídico em vigor, absorve os valores reinantes na co-

munidade onde vive.

Afirma que a validação do exercício do poder político por parte do Judiciário é

importante pois é:

um poder permanente, de longa tradição, cercado por garantias, inte-grado por indivíduos que ainda gozam de conceito (salvo hipóteses al-tamente censuráveis), armado para fazer prevalecer os valores do pac-to social consubstanciado na Constituição- pode exercer um papel po-lítico da maior importância, garantindo o pluralismo social, tutelando os direitos humanos reclamáveis pela via dos tribunais e servindo co-mo poder moderador e de equilíbrio no conflito de interesses e valores que caracterizam a Sociedade.387

O Juiz, deve, inevitavelmente, adequar o formalismo da lei à análise do caso

concreto. A lei não é insensível à vida. Em tal sentido, Cândido Rangel Dinamarco já

adverte, de longa data, a necessidade da sensibilidade pelo magistrado, afirmando:

além disso, esses preceitos abstratos e genéricos são construídos com vistas as situações normais previstas e a partir de hipóteses de fato ab-solutamente claras a quem os estabelece; e a realidade da vida que chega ao Juiz, no drama de cada Processo, é muito mais complexa e intrincada, solicitando dele uma sensibilidade muito grande para a i-dentificação dos fatos e enquadramento nas categorias jurídicas, para a

385HERKENHOFF, João Batista. Movimentos Sociais e Direito. Porto Alegre: Livraria do Advoga-do.2OO4.p.142-143. 386HERKENHOFF, João Batista. Movimentos Sociais e Direito. Porto Alegre: Livraria do Advoga-do.2OO4.p.142-143. 387HERKENHOFF, João Batista. Movimentos Sociais e Direito. Porto Alegre: Livraria do Advoga-do.2OO4.p.15O.

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136 descoberta da própria verdade e sobretudo para determinação do preci-so e atual significado das palavras contidas na lei.388

No mesmo diapasão,Wolkmer sustenta:

O Juiz não se constitui em um simples técnico que mecanicamente a-plica o Direito em face de litígios reais, mas buscando solucionar os conflitos de interesse entre sujeitos de direito, o magistrado aparece como uma verdadeira força de expressão social que se define pelo e-xercício de uma função autônoma e irredutível em relação às outras esferas de competência do Estado.389

Luiz Guilherme Marinoni já tecia uma crítica ao excesso de formalismo dentro

do Processo civil e trazia à discussão o conceito de legitimidade, e tal crítica pode ser

estendida de forma genérica, a todos os operadores, pois:

a legitimidade no exercício da Jurisdição, como se vê, está ligada a uma possibilidade real, e não meramente formal, de participação. O Processo deve ser reflexo, realmente, do ideal do Estado Democrático de Direito (...) é necessário que o direito se ajuste aos anseios da justi-ça social, é lógico e bem mais evidente que o princípio do contraditó-rio não pode ser mais focalizado a partir da idéia de igualdade formal. Com efeito, na atualidade o princípio do contraditório deve ser dese-nhado com base no princípio da igualdade substancial, o qual reflete os valores do Estado social.390

Percebe-se com tamanha evidência que a função judicial não é automática ou

de pura subsunção, senão reflexiva; não é fruto de um mero voluntarismo, senão de

resoluções contrastadas pelos fatos, pelas normas (sujeição à lei) e em definitivo pela

Constituição.391

Emerge, cada vez mais, a importância do papel político, crítico, do Poder Judi-

ciário, através dos juízes, como verdadeiro “suplente do Poder Político” que no dizer

de Luiz Flávio Gomes se traduz no :

388DINAMARCO, Cândido Rangel. Instrumentalidade do Processo, 3º ed., São Paulo : Malheiros, p.196. 389WOLKMER, Antônio Carlos. Ideologia, Estado e Direito. São Paulo : RT, 1989. 390MARINONI, Luiz Guilherme. Novas Linhas do Processo Civil : o acesso à Justiça e os institutos funda-mentais do direito processual. São Paulo : RT, 1993. p.161. 391GOMES, Luiz Flávio. Juiz do Terceiro Milênio.Doutrina, Instituto de Direito, volume 2, 1996, p

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137 papel ‘político’ suplente da função jurisdicional, por mais que se quei-ra rejeitar, seria inevitável: primeiro porque o exercício de qualquer poder é por natureza político; segundo porque todas as Constituições estruturam-se sobre valores ‘abertos’ - ao contrário do que ocorre com os conceitos jurídicos muito precisos subministrados pela dogmática - e cabe ao Juiz ‘dotar de sentido estes conceitos 'abertos' na sua rotinei-ra produção normativa de caráter singular.(36) Assim se compreende porque a ‘tarefa do Juiz constitucional é uma função de integração e homogeneização hermenêutica do ordenamento; contém técnicas de Interpretação e critérios de valor. Em sua dimensão material implica a unificação judicial da ação política.392

Surge a necessidade de uma magistratura de “índole constitucional”, exercitan-

do o “papel ‘político’ suplente da função jurisdicional” que é alimentada na idéia de

que a Constituição representa o ápice do ordenamento jurídico e exercita uma função

vinculante para os juízes no tocante a proteção dos indivíduos:

o Juiz do terceiro milênio deve constitucionalizar-se e isso significa ter sempre uma postura "crítica" frente à lei (infraconstitucional), e-manada do Poder Derivado. Sempre que não haja compatibilidade (vertical) com a Constituição, deve refutá-la. Havendo essa sintonia constitucional, não pode menosprezá-la.393

Brevidelli sustenta que os valores constitucionais e os princípios gerais de di-

reito constituem o suporte normativo de um superego social, sendo o Juiz a figura de

autoridade externa desse superego.394

Isso significa, que na visão da autora, tomando-se como parâmetro a dinâmica

mental, há o superego como função limite, que atua como censor das ações do ego,

permitindo, com isso, que o indivíduo seja inserido no espaço sociocultural. Dessa

forma, continua a autora, pode-se pensar que o Juiz é uma autoridade que desempenha,

em um nível social, a função de superego, valorando condutas e estabelecendo limites,

392GOMES , Luiz Flávio. Juiz do Terceiro Milênio.Doutrina, Instituto de Direito, volume 2, 1996, p. 393 GOMES , Luiz Flávio. Juiz do Terceiro Milênio.Doutrina, Instituto de Direito, volume 2, 1996, p. 394BREVIDELLI, Scheilla Regina. O Juiz e o superego.Um olhar analítico sobre a função judican-te.In:JusNavigandi,n.51inserido < http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2231 > acessado em 2001.

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138 pois com a sentença não apenas diz o direito, mas também, qual a conduta social espe-

rada e valorizada, impondo sanções ao descumprimento das regras sociais.395

Em relação ao pronunciamento jurisdicional, a autora sustenta, que é impossível

que o Juiz basear suas decisões apenas na lei, pois os princípios gerais de direito e os

valores sociais expressos na Constituição Federal são importantíssimos e traduzem a

mais alta aspiração do que se pode chamar de ideal “ético social”.

Tanto princípios como valores, por serem fluidos, exigem uma tarefa criativa do Juiz em seu manejo, visando a construção de uma decisão ajustada. Todo o temor quanto ao arbítrio possível no uso dessas ferramentas decorre da desconfiança oriunda do aumento do poder do Juiz, implicado nesse uso. Despreza-se, com isso, a potencialidade transformadora desses instrumentos, que certamente seriam bem usados por um Juiz que, individualmente, possuísse uma boa formação da estrutura superegóica, a qual se traduz por um grande senso ético em suas ações.396

Em recente entrevista, Diniz Dantas, Juiz Federal, sustenta que a nova visão da

Justiça, dentro de uma ótica mais humanista, é aquela identificada como defensora dos

princípios morais que a Constituição e o bom senso determinaram como parâmetros

para a vida397 e decorreria de:

uma verdadeira necessidade atual, de o direito, a justiça, o judiciário responderem a questões de complexidade social. Temos uma complexidade social que não se adequa ao nosso sistema de leis estratificado. Os casos não conseguem receber uma decisão social adequada (...) o princípio permite fazer essa ponderação, um balanceamento da situação a luz dos princípios, em oposição a norma do tudo ou nada. Tenho um arsenal argumentativo muito maior com os princípios 398

395BREVIDELLI, Scheilla Regina. O Juiz e o superego.Um olhar analítico sobre a função judican-te.In:JusNavigandi,n.51 Disponível <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2231 > acessado em 2001. 396BREVIDELLI, Scheilla Regina. O Juiz e o superego.Um olhar analítico sobre a função judican-te.In:JusNavigandi,n.51 Disponível <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2231 > acessado em 2001. 397Revista Isto é.5/O5/2OO4 n 18O4. A humanizacão da Justiça. Entrevisa do Juiz David Diniz Dantas aos jornalistas Luisa Pastor e Mário Chimanovitch.p.7-11. 398Revista Isto é.5/O5/2OO4 n 18O4. A humanizacão da Justiça. Entrevisa do Juiz David Diniz Dantas aos jornalistas Luisa Pastor e Mário Chimanovitch.p.7-11.

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139 Diniz Dantas ainda, afirma que a utilização dos Princípios é vital na medida em

que a legislação não consegue acompanhar a complexidade social, sendo necessário

aqueles para trazer à decisão uma dimensão filosófica e buscar uma legitimação política

da Justiça.

Para o autor:

a idéia é que só construiremos uma nação se tivermos uma comunidade de princípios. É diferente da comunidade ocasional, circunstancial, em que cada um procura o bem para si mesmo e oportunamente se alia a outros. Como nós, juízes, podemos contribuir para essa comunidade de princípios? Exatamente trazendo para o discurso judicial estas questões. Assumo então a postura de levar a sério o texto constitucional. Não adianta incluir princípios lindos de justiça social, dignidade da pessoa humana, proteção aos pobres, solidariedade, se eu não os concretizo, se não os trago par o discurso judicial, se continuo aplicando o legalismo formal. À medida que trago ao discurso judicial estas questões e as enfrento, e a Sociedade perceber que os juízes julgam seus Processos a partir de valores que ela compartilha, aumenta a legitimação política do judiciário, que é um poder carente, já que não foi escolhido pela maioria, democraticamente. Essa legitimação vem do exercício, da atuação .399

Fundamental, ainda, é a posição de Diniz Dantas principalmente ao afirmar da

necessidade das decisões judiciais serem compreendidas pelos cidadãos e haver nestas

uma postura ética, guiada por valores e teorias que levem a uma justiça democrática que

aproxime os juízes da Sociedade. O texto da lei deve ser somente um ponto de partida,

para então, solucionar os casos concretos com uma justificação baseada em princípios

que levariam a decisões razoáveis aceitas pela Sociedade, sendo que, o sustentáculo da

Constituição é uma teoria moral e política, porque impõe uma dinâmica que se adapta a

questão das leis”400

399Revista Isto é.5/O5/2OO4 n 18O4. A humanizacão da Justiça. Entrevisa do Juiz David Diniz Dantas aos jornalistas Luisa Pastor e Mário Chimanovitch.p.7-11. 400Revista Isto é.5/O5/2OO4 n 18O4. A humanizacão da Justiça. Entrevisa do Juiz David Diniz Dantas aos jornalistas Luisa Pastor e Mário Chimanovitch.p.7-11.

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140 Noções como o Juiz ter uma atuação política, não partidária, mas sim no alcance

de suas decisões , são fundamentaius para a magistratura e para o na construção de uma

Sociedade melhor.

Reafirma, corroborando com o que já foi visto que :

percebe-se que a rigidez dos textos legais não consegue ser um conti-nente do ideal ético social, sendo de suma importância as ferramentas fluidas contidas em princípios e valores. Uma Sociedade com um forte sentimento constitucional seria então aquela que possui um forte e cla-ro superego social construído historicamente. Mas todo Juiz carregará consigo uma grande frustração: sua ação tem sempre um limite, já que o direito tem menos função educativa do que se espera. Isso acontece porque a ação do Juiz como autoridade externa limitadora não é intro-jetada e internalizada através da adoção de um limite e de padrões éti-cos individuais mais rígidos. A demora na prestação jurisdicional só contribui para a diminuição do temor da autoridade externa encarnada pelo Juiz, favorecendo a multiplicação dos conflitos, a falta de coesão social e a descrença na ação de uma instância superegóica social. O paralelo traçado entre o Juiz e o superego não é apenas uma tentativa de aproximação entre direito e psicologia: é em verdade um caminho que mostra a importância da magistratura e do direito na construção de uma Sociedade mais harmoniosa e coesa, e na solidariedade social construída em padrões éticos mais elevados. É através desse paralelo que também é possível a criação de uma imagem de Juiz que una fle-xibilidade, criatividade e firmeza na tradução do superego social para o limite das ações individuais, desempenhando a função de abrir jane-las éticas para o mundo.401

Herkenhoff afirma que o Juiz deve ser um cientista e um artista:

cientista para estar aberto na aplicação de sua cultura multidisciplinar, entende que o direito não é um departamento isolado, razão pela qual a sentença não pode não se pode desligar da economia, da sociologia e da política(...) artista, será cheio do poder criador, com sensibilidade humana e antenas ligadas na alma do povo para sentir e traduzir suas aspirações. 402

Não se acredita na visão do Juiz, como na crítica de Garapon, na qual o Juiz

401BREVIDELLI, Scheilla Regina. O Juiz e o superego.Um olhar analítico sobre a função judican-te.In:JusNavigandi,n.51. Disponível <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto> acesso em 2001 402HERKENHOFF, João Batista. Como aplicar o Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1986.pp.102-103.

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141 torna-se o novo anjo da democracia e reclama um status privilegiado, o mesmo do qual ele expulsou os políticos. Investe-se de uma missão salvadora em relação a democracia, coloca-se em posição de domínio, inacessível a crítica popular. Alimenta-se do descrédito do Estado, da decepção quanto ao político. A justiça completará, assim, o Processo despolitização da democracia.403

Mas sim acredita-se na visão de Carlin, que afirma que o Juiz:

deve ter a convicção de que está ao serviço da Sociedade em que vive, fundamento suficiente de seu equilíbrio e estabilidade. Possuir, clara-mente, consciência da imprescindibilidade do bom trabalho e da con-fiança daqueles que se apresentam diante dele (...) a necessidade de encontrar um justo equilíbrio entre os pólos que tem finalidades diver-sas: o pólo ético, que possui a função de construir uma identidade pro-fissional e o pólo legal, definido como o constitutivo de um Estado de direito.404

Na verdade, o Juiz da atualidade tem de ter o perfil preconizado ao político do

direito, ou seja comprometido com os valores humanos, com a construção de territó-

rios éticos, num claro compromisso com as necessidades sociais405, através de um e-

xercício da função, com independência e dignidade406, honestidade, preparo intelectual

e simplicidade.

Deve, ainda, entender o Processo como um instrumento ético na realização da

justiça e ter a consciência de que estão inseridas, tanto a Jurisdição quanto a decisão no

quadro da política e do poder.407

Pode-se afirmar que é um equívoco do intérprete a tentação de fazer a análise do

caso concreto através de um recorte, um limite inexpugnável, com relação direta so-

mente entre o fato e os dispositivos legais diretamente a ele relacionados.

403GARAPON, Antoine. O Juiz e a Democracia.O Guardião das Promessas. 2 ed.Trad. Maria Luiza de Carva-lho.Rio de Janeiro: Renan, 2001.p.74 404CARLIN, Volnei. Deontologia Jurídica. Ética e Justiça. Florianópolis : Obra Jurídica, 1997. pp. 84-85 405MELLO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da Política Jurídica. Porto Alegre: Sérgio Fabris Editores. 1994.p.20 406CARLIN, Volnei Ivo. Deontologia Jurídica. Ética e Justiça. Florianópolis: Obra Jurídica1997. p.130. 407 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do Processo.2ed. ver.e atual.São Paulo:RT,1990.

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142 Ao agir assim, erá sempre uma visão compartimentada, ignorando normas cor-

relacionadas e os Princípios Constitucionais, aumentando, via de regra, não só as pos-

sibilidades de cometer injustiças mas também o distanciamento do magistrado com a

Sociedade e do próprio poder criador do Juiz.

O magistrado, no seu atuar em “afirmar o direito” através do exercício da Juris-

dição, deve solucionar os casos concretos que lhe são submetidos, imerso em uma cul-

tura multidisciplinar, sintonizado com o ordenamento jurídico, globalmente considera-

do, com elementos ético-jurídicos, incorporando os direitos fundamentais à praxe judi-

ciária.

O que para muitos pode parecer uma afirmação óbvia, na verdade, “personaliza

o modelo constitucionalista de atuação judicial”, expressão utilizada por Gomes.408

O atuar do magistrado deve ser entendido como aquele que, consciente na apli-

cação de sua cultura multidisciplinar, prioriza, na análise do caso concreto, os princí-

pios e valores constitucionais, principalmente aqueles que tratam dos direitos humanos

fundamentais

O exercício da Jurisdição, hoje, mais do que nunca, exige uma postura do ma-

gistrado, visto como membro de um poder, na consciência de que o Direito e suas fon-

tes constituem a realidade jurídica, sendo a lei apenas uma parte, imbuído de compro-

metimento político, crítico, centrado na sensibilidade ética, no sentido de contribuir

para a realização do bem comum, numa Interpretação democrática.409

Assim, entende-se que o Judiciário, como um dos poderes do Estado, deve estar

consciente de sua posição estratégica de árbitro efetivo entre os outros dois poderes e responsável, em um certo sentido, pela inscrição na es-fera pública dos novos atores sociais trazidos pelo Processo de demo-cratização e, que é fundamental e inevitável sua democratização pro-porcionando sua aproximação com a vida social, criando-se uma ma-

408GOMES , Luiz Flávio. Juiz do Terceiro Milênio. Doutrina, Instituto de Direito, volume 2, 1996, p. 409VIANNA, Luiz Wernneck et al. Corpo e alma da magistratura brasileira.Rio de Janeiro:Revan.1997.3 ed.p.13

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143 lha institucional que capilarmente se credencie a amparar o mundo do direito e da liberdade.410

Sustenta-se que o exercício da Jurisdição está inserido na reestruturação do Es-

tado com a Sociedade e deve ser visto em função dos jurisdicionados e com razoável

grau de abertura e de sensibilidade à Sociedade e aos indivíduos que a compõem, a

cujo serviço exclusivo deve agir o sistema judiciário.411

Dentro de tal contexto, faz-se imperativo o deslocamento do centro da Seguran-

ça Jurídica da previsibilidade para o da Legitimidade, entendida, assim a Segurança

Jurídica como situação de um fato ou ato respaldado na ética, na razão e na justiça,

segundo os padrões da Sociedade, em determinado momento412 e, notadamente nos

Princípios Constitucionais, para o exercício democrático da Jurisdição.

É fundamental que o magistrado tenha consciência de que, com o seu atuar, de-

ve buscar a legitimidade e lembrar, com Dalmo de Abreu Dallari, que

O Juiz recebe do povo, através da Constituição, a legitimação formal de suas decisões, que muitas vezes, afetam de modo extremamente grave a liberdade, a situação familiar, o patrimônio, a convivência na Sociedade e toda uma gama de interesses fundamentais de uma ou de muitas pessoas. Essa legitimação deve ser permanentemente comple-mentada pelo povo, o que só ocorre quando, segundo a convicção pre-dominante, os juízes estão cumprindo seu papel constitucional, prote-gendo eficazmente os direitos e decidindo com justiça. Essa legitimi-dade tem excepcional importância pelos efeitos políticos e sociais que podem ter as decisões judiciais.413

Sobre a função criadora do juiz, Apostolova traça um paralelo entre tal função e

o papel de líder carismático em Weber e o do super-homem em Nietzche”, lembrando

o caráter excepcional de tais figuras, como criadora “em condições de transpor os va-

410VIANNA, Luiz Wernneck et al. Corpo e alma da magistratura brasileira.Rio de Janeiro:Revan.1997.3 ed.p.13 411CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Irresponsáveis?Trad. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira.Porto Alegre:Sérgio Antonio Fabris Editor.1989,p.91 412MELO, Osvaldo Ferreira de Mello. Revista Sequência Positivação do direito informal, uma questão de polí-tica jurídica. Revista Seqüência, Florianópolis: Editora da UFSC, vol.7, julho/1983,pp.9-15. 413DALLARI, Dalmo e Abreu. O poder dos juízes. São Paulo: Saraiva, 1996. p.87.

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144 lores relacionados com a crise da modernidade, antecipando o padrão axiológico de

uma época posterior. 414

Inegavelmente, o Juiz, no Exercício da Jurisdição, desempenha uma função cri-

adora.

Gadamer ( apud Streck) que acentua que a Interpretação da lei é uma tarefa

criativa. 415

Mauro Cappelletti lembra que

a criatividade da função jurisdicional constitui fenômeno do nosso sé-culo, decorrente da mudança do próprio papel do direito e do Estado na Sociedade contemporânea e, com o “Estado social” ou “Estado providência”, que mais fortemente trouxe a legislação com finalidade social, sendo que a “atividade legislativa deslocou-se progressivamen-te das regras de conduta para as medidas de acomodações institucio-nais(..) surgiu um novo tipo de legislação: as leis indicam certas fina-lidades, princípios (..) prescrever programas de desenvolvimento futu-ros. 416

Diferente dos direitos tradicionais, em que bastava para o Estado não permitir

sua violação,

os direitos sociais não podem ser simplesmente atribuídos aos indiví-duos. Exigem eles, ao contrário, permanente ação do Estado com vis-tas a financiar subsídios, remover barreiras sociais e econômicas, para enfim, promover a realização dos programas sociais, fundamentos desses direitos e das expectativas por ele legitimadas(...)quanto mais vaga a lei e mais imprecisos os elementos do direito, mais amplo se torna também o espaço deixado a discricionariedade nas decisões ju-diciárias.417

414 APOSTOLOVA, Bistra Stefanova. Poder Judiciário: Do contemporâneo ao Contemporâneo. Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor.1998.p.195. 415STRECK, Lênio. Hermenêutica Jurídica e(m)Crise. 2ªed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Edito-ra.2000. p. 243 416CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores?.Trad. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre : Sérgio Antonio Fabris Editor.1993, reimpressão, 1999, p.41 417 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores?.Trad. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira.Porto Alegre:Sérgio Antonio Fabris Editor.1993, reimpressão,1999,pp40-42.

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145 De acordo com Cappelletti, os juízes, cujas decisões têm força normativa, exi-

gibilidade, são chamados a interpretar, e, por isso esclarecer, integrar, plasmar e trans-

formar e, não raro, criar direito.

O autor entende, assim, a criatividade como inerente a toda Interpretação e a de-

fine como a produção do direito por obra dos juízes418 e Interpretação como penetrar

os pensamentos, inspirações e linguagem de outras pessoas com vistas a compreende-

los e- no caso do Juiz, não menos que no do musicista, por exemplo -‘ reproduzi-los’,

‘aplicá-los’ e ‘ realizá-los’ em novo e diverso contexto, de tempo e lugar.” 419

Assevera que o papel do Juiz

é muito mais difícil e complexo e de que o Juiz, moral e politicamen-te, é bem mais responsável por suas decisões do que haviam sugerido as doutrinas tradicionais. Escolha significa valoração ‘balanceamento’, significa ter presentes os resultados práticos e as implicações morais da própria escolha; significa que devem ser empregados não apenas os argumentos da lógica abstrata, ou talvez os decorrentes da análise lin-güística puramente formal, mas também e sobretudo aqueles da histó-ria e da economia, da política e da ética, da sociologia e da psicologi-a”420

Tendo em vista que a atuação do Juiz é sobre caso concreto, através do Proces-

so, segundo Cappelletti, o magistrado tem a

potencialidade de ser, profundamente, radicada nas necessidades, ô-nus, aspirações e solicitações quotidianas dos membros da Sociedade, e permite a possibilidade de encontrarem-se continuamente em contato direto com os problemas mais concretos e atuais da Sociedade, man-tendo-se, ao mesmo tempo, suficientemente independentes e afastados das pressões e caprichos do momento(...)A criação jurisprudencial do direito mostra-se lenta, gradual e experimental(...)Juiz sensível será capaz de corrigir, melhorar e modelar um direito que nunca se mostra inteira e definitivamente feito 421

418 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores?.Trad. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira.Porto Alegre:Sérgio Antonio Fabris Editor.1993, reimpressão,1999,p.13 419 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores?.Trad. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira.Porto Alegre:Sérgio Antonio Fabris Editor.1993, reimpressão,1999,p.21 420 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores?.Trad. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira.Porto Alegre:Sérgio Antonio Fabris Editor.1993, reimpressão,1999,p.33 421 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores?.Trad. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira.Porto Alegre:Sérgio Antonio Fabris Editor.1993, reimpressão,1999,pp.105

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146

Garapon traz uma reflexão que deve ser considerada:

O papel da justiça talvez seja, tanto para o sujeito quanto para o grupo social, de fixar a memória coletiva e com isso permitir uma elaboração posterior. Abstração feita de sua ação no real, ela permite que um tra-balho terapêutico possa apoiar-se sobre fatos estabelecidos, isto é, memorizados. Papel da instância simbólica seria não só de prender ou punir, mas também de abrir espaço para o trabalho de assistência soci-al, impossível de outra forma.422

Herkenhof, apesar de afirmar que o Poder Judiciário não vem cumprindo a sua

finalidade, na medida em que o conceito da população sobre o mesma não é bom ,uma

vez que a justiça é uma máquina colossal, excessivamente burocratizada, que devora o

indivíduo423 sustenta:

pode e deve a Justiça desempenhar, no país, um papel muito mais cria-tivo do que tem sido desempenhado. O Juiz está mais rente ao fato so-cial que o legislador; o Juiz da primeira instância, mais rente ao fato social que os tribunais. A adequação da lei ao fato social, a mediação entre o legislador e a vida, a representação, na sentença, dos valores populares – são desafios que cabe a magistratura enfrentar424

Dallari lembra que o reconhecimento formal da independência dos juízes e a

sua importância fundamental para a democracia foi trazido como requisito necessário

para a democracia e a paz em uma Conferência realizada pela ONU em 1994, através

da Resolução 1994/41. Assim, como protagonista nas questões ligadas à liberdade, à

justiça social e aos direitos humanos, o autor traduz o papel político da magistratura e a

dimensão que atinge a manutenção da sua independência.

O Poder Judiciário é fundamental para a democracia:

uma instituição é democrática quando é funcional para o sistema de-mocrático, quando é necessária à sua continuidade, como sucede com

422GARAPON, Antoine. O Juiz e a Democracia.O Guardião das Promessas. 2 ed.Trad. Maria Luiza de Carva-lho.Rio de Janeiro: Renan, 2001.p.127. 423HERKENHOFF, João Batista. Movimentos Sociais e Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2OO4.p151 424HERKENHOFF, João, Batista. Movimentos Sociais e Direito.POrto Alegre: Livraria do Advoga-do.2OO4.p151

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147 o Judiciário. Quando se diz que o Judiciário tem legitimidade consti-tucional, mas não legitimidade de, se ignora sua funcionalidade demo-crática. O caráter político do Judiciário, essencial ao jogo democrático, a defesa dos valores da democracia a sua adaptação histórica425

Faraco de Azevedo, quase num exagero, afirma que no Estado contemporâneo

o limite entre poder político jurídico não pode definir-se formalmente. A Justiça Con-

temporânea não pode ser apolítica, neste sentido, e, hoje, mas do que nunca, deve re-

conhecer-se que o judiciário é governo.426

Zaffaroni também trabalha com a afirmação de que o limite entre o político e o

judicial não pode ser definido formalmente no estado moderno. 427

Não há que se temer, ainda, que a atuação do Judiciário, inclusive a de primeiro

grau, inspirada nos Princípios Constitucionais vá trazer quaisquer riscos a separação

dos Poderes do Estado.

Em um estudo sobre o tema, Barcellos428 elaborou um enfoque dos limites e

extensão da legitimidade do Poder Judiciário, trazendo toda uma retrospectiva teórica,

ressaltando que a construção da teoria sobre a separação dos Poderes, foi desenvolvida

ao longo do século XVIII e XIX, com a consagração da supremacia do parlamento e

da lei, bem como a não importância política do Judiciário429, sob a égide da suprema-

cia do parlamento.

Afirma que, ao longo do século XX, o conteúdo da Constituição ampliou-se,

bem como a afirmação de sua normatividade, trazendo conseqüências para as relações

com os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, porém, o importante fenômeno da

425AZEVEDO, Plauto Faraco. Direito, Justiça Social e Neoliberalismo .São Paulo: Revista dos Triobuna-sis.2000.p.46 426AZEVEDO, Plauto Faraco. Direito, Justiça Social e Neoliberalismo. São Paulo: Revista dos Tribu-nais.2000.p.34 427 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Poder Judiciário. Crises, Acertos e Desacertos. São Paulo:RT,1995.p.24. 428BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais.Rio de Janeiro: Reno-var.2OO2. p.207 429BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais.Rio de Janeiro: Reno-var.2OO2.p.213.

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148 normatividade, aliado aos novos papéis, não trouxe a modernização das concepções

doutrinárias, herdadas do modelo forjado no século anterior.430

Barcellos sustenta a importância da separação dos Poderes, mas afirma que a

realidade atual exige um instrumental doutrinário atualizado, que possa se adequar a

nova realidade social.

A autora faz uma análise comparativa dos modelos de Separação dos Poderes na

Inglaterra, França e Brasil. Entende que nem o princípio da Separação dos Poderes e

nem o majoritário impedem a atuação do Judiciário frente à interpretação constitucio-

nal. A sua legitimidade advém do fato de ter sido criado pela Constituição e ser um dos

poderes da República. Como a constituição dos órgãos de cúpula do Judiciário é for-

mado pela vontade conjunta dos Poderes Executivo e Legislativo e também por haver

um conjunto de prerrogativas que proporcionem a seus membros independência, a ação

do Poder Judiciário é legítima.431

Barcellos afirma, ainda, como critérios legitimadores, o fato da atividade juris-

dicional ter fundamento e limite na norma jurídica e a exigência ao Poder Judiciário

em motivar as decisões, explícita e racionalmente, bem como publicá-las.

Garapon, com propriedade, diz que os poderes não podem ser divididos em três

segmentos, cada um deles com a atribuição de funções específicas. Os poderes só po-

dem manter o equilíbrio se partilharem as mesmas área. 432

Ante todos os elementos descritos, não há o que se falar em quebra do Princípio

da Separação dos Poderes frente a utilização pelos magistrados dos Princípios consti-

tucionais, eis que limitados à Constituição Federal.

430BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais.Rio de Janeiro: Reno-var.2OO2.p.214. 431BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais.Rio de Janeiro: Reno-var.2OO2.pp.218/231 432 GARAPON, Antoine.O juiz e a Democracia. O guardião das Promessas. Rio de Janeiro: Revan. 2001.p.178.

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149 Sobre o papel do Judiciário na atualidade, Garapon entende que passou a repre-

sentar o espaço simbólico da democracia emigra silenciosamente do Estado para a

Justiça, 433na medida em que:

a justiça torna-se um espaço de exigibilidade da democracia. Ela ofe-rece potencialmente a todos os cidadãos a capacidade de interpelar seus governantes, de tomá-los ao pé da letra e de intimá-los a respeita-rem as promessas contidas na lei. A justiça lhes parece oferecer a pos-sibilidade de uma ação mais individual, mais próxima e mais perma-nente que a representação política clássica, intermitente e distante.434

Não se pode ignorar que, assiste-se, ainda, no Brasil, ao enfraquecimento do

Congresso, através da profusão de medidas provisórias e, no dizer de Antônio Souza

Prudente:

em verdade, o regime de exceção, que a normativa abusiva das medi-das provisórias implantou no Brasil, dispondo o Sr. Presidente da Re-pública, com força despótica, sobre todas as matérias de sua com-petência privativa e da competência dos demais órgãos e Poderes da União não tem respaldo constitucional, nem encontra abrigo na geo-grafia globalizante dos povos livres. Um República conduzida por "Medidas Provisórias" é uma República apenas provisória, tendente a falir e onde não se constrói jamais uma ordem jurídica justa, mas um complexo normativo, propício à ditadura e ao arbítrio dos que geren-ciam interesses econômicos do colonialismo de grupos financeiros ali-enígenas.435

Dessa forma, Bertoncini sustenta a possibilidade do controle jurisdicional da

Administração Pública pelos magistrados, dos atos administrativos discricionários,

visto que, todos os Poderes da República são limitados pelo Direito, e quem diz o Di-

reito é o Poder Judiciário.436

433 GARAPON, Antoine. O juiz e a Democracia. O Guadião das Promessaa. Rio de Janeiro: Revan.2001.p.47. 434 GARAPON, Antoine. O juiz e a Democracia. O Guadião das Promessaa. Rio de Janeiro: Revan.2001.p.49. 435 PRUDENTE, Antônio Souza. Globalização e genocídio econômico. In: Jus Navigandi, n.41inserido < http://www1.jus.com.br/doutrina> acesso em 10.Nov.2001 436 BERTONCINI, Cristina Mendes. O controle jurisdional da Administração Pública: uma possibilidade no Estado de Direito. 2003. 125 f. Dissertação em Direito – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, p

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150 Oliveira Neto afirma que o magistrado deve buscar justificativa para suas deci-

sões, nos textos constitucionais, tendo ciência de que tal postura implica no exercício

de um papel político a ser desenvolvido pelo juiz, e paralelamente no declínio da lei

como única forma de regulação social. Para o autor, a valorização do texto constitucio-

nal de uma determinada comunidade é necessária porque ali é que estão os principais

valores e concepções dessa.437

Oliveira Neto aborda também a necessidade do magistrado não ser um “mero

reprodutor do sistema”, a ampliar desigualdades, mas impõe-lhe um novo parâmetro:

a observância dos direitos fundamentais, a investigação da lei em outras esferas além das tradicionais, cabendo a ele observar a justiça da mesma (critério de valoração ético-político); a vigência(se é despida de vícios formais), a validade(se está imunizada contra os vícios materiais) e por fim a eficácia(quando é observada pelos destinatários). 438

A Constituição deve ser norte e limite da atuação do Juiz, entendida esta como

um espaço que garante as relações entre o Estado e a Sociedade democraticamente.

Sabe-se que todas as normas

infraconstitucionais, para terem validade, devem passar, necessaria-mente, pelo Processo de contaminação constitucional (banho de imer-são, se quiser usar a expressão cunhada por Libmanm, ou filtragem constitucional, no dizer de Clève). O Juiz e (operador jurídico lato sensu) somente está sujeito à lei enquanto válida, quer dizer, coerente com o conteúdo material da Constituição.439

Streck ainda afirma que, no Brasil, onde o Estado Social foi um simulacro, o

garantismo pode servir de importante mecanismo na construção das condições e pos-

sibilidades para o resgate das promessas da modernidade. 440

437 OLIVEIRA NETO, Francisco José Rodrigues. Atividade Juridicional sob o Enfoque Garantista. Curitiba: Juruá.2002.p.73-74. 438OLIVEIRA NETO, Francisco José Rodrigues. Atividade Juridicional sob o Enfoque Garantista. Curitiba: Juruá.2002.p.73-74. 439STRECK, Lênio. Hermenêutica Jurídica e(m)Crise. 2ªed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Edito-ra.2000. p.224. 440STRECK, Lênio. Hermenêutica Jurídica e(m)Crise. 2ªed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Edito-ra.2000. p.230

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151 Moacir Motta da Silva, em artigo publicado, ao discorrer sobre o Princípio da

razoabilidade e o papel do Juiz, afirma que a função jurisdicional aponta para a

responsabilidade política, social e jurídica, significando que, ao decidir, o magistrado

envolve-se tanto com o aspecto jurídico como também com o dado político e social. 441

Ressalta, ainda, o mesmo autor que as Normas Constitucionais, dotadas de

valores ideais da sociedade, não podem ser tratadas, exclusivamente, sob o ângulo da

legalidade. Representam aspirações de diversos matizes 442 e que, inevitavelmente,

a atuação do Juiz ao examinar a norma constitucional, portadora de valores fundantes de ideais éticos, autoriza-o à decisão política. O papel central do Princípio da razoabilidade é conduzir o Juiz a decidir dentro dos princípios de Justiça(...) o Juiz tem o poder –dever de aplicar os valores da justiça consagrados nas regras de natureza constitucional. O Juiz tem o poder-dever de conhecer que, acima dos Códigos formais existe, na Constituição política, Princípios Constitucionais do Processo, expressos e implícitos, que orientam a aplicação do direito, dentro dos padrões de justiça. 443

A importância da Interpretação Constitucional avulta ainda mais, quando se

constata que a Constituição da República Federativa do Brasil ainda tem pouco tempo

de existência, mas, mesmo assim, está sendo desconstitucionalizada com a sua inces-

sante reforma, notadamente em temas referentes a interesses políticos governamen-

tais.444

Complementando tal pensamento, Oliveira constata que há necessidade se man-

ter uma unidade sintática e semântica da Constituição para que esta continue desempe-

441CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart (organiz.).O princípio da razoabilidade como expressão do princí-pio da justiça, e a esfera dos Poderes Jurisdicionais do Juiz. In: Tema de Política e Direito Constitucional Con-temporâneos, pp.121-138.Florianópolis: Momento Atual.2004.p.134. 442CADEMARATORI, Luiz Henrique Urquhart(organizad). O princípio da razoabilidade como expressão do princípio da justiça, e a esfera dos Poderes Jurisdicionais do Juiz. In: Tema de Política e Direito Constitucional Contemporâneos. pp.121-138.Florianópolis: Momento Atual.2004.p.135. 443CADEMARATORI, Luiz Henrique Urquhart O princípio da razoabilidade como expressão do princípio da justiça, e a esfera dos Poderes Jurisdicionais do Juiz. In: Tema de Política e Direito Constitucional Contempo-râneos pp.121-138.Florianópolis: Momento Atual.2004.p.136. 444MELLO, Aymoré Roque Pottes de, et al. A “reforma” deles e a nossa. Cidadania e Justiça. Rio de Janeiro, ano 4, n. 9. p.234

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152 nhando seu papel de Carta Cidadã e mantenha os princípios que a nortearam quando da

sua elaboração pelo Poder Constituinte.

Para o autor:

a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 encontra-se, por assim dizer, na puberdade. Quatorze anos é um tempo relativa-mente curto em comparação a Cartas Fundamentais de outros tantos países. Não obstante, e apesar da juventude da Carta Cidadã, ela já so-freu 36 Emendas Constitucionais, tirantes as 6 da malsinada Revisão de 1994. O perigo que se corre é da Constituição perder as suas unida-des sintática e semântica, tornando insuportável àquilo que Paulo Bo-navides denomina de Crise constituinte. Apesar desse contínuo atenta-do institucional, a Constituição da República Federativa do Brasil con-tinua a gozar de manifesta credibilidade no meio popular e científi-co.445

No entender de Apostolova, emerge a necessidade de uma nova função social,

como exigência dos “interesses sociais na era pós-contemporânea” e

A (re)politização do juiz, co-responsável pelos planos do legislador, o advento da dimensão não somente reativa mas também prospectiva da sua atuação, e o fato das decisões judiciais extrapolarem o âmbito da repercussão interindividual para influir no destino de determinados grupos sociais, deu ´maior visibilidade social´aos Tribu-nais(Santos;1996a:36) e transformou o Judiciário num locus político privilegiado, como espaço de confronto e negociação de interes-ses(Faria;1992:36).

Faria, de longa data já alertava que havia necessidade de “mudança de

paradigma” em relação ao juiz, ou seja transformação nos modos de ver, de aprender e

fazer no mundo, provocada pela recomposição diferencial do universo conceitual

através do qual se pensam os objetos, as relações entre os objetos, os conceitos, etc...446

Sobre a atuação dos juízes no regime democrático, o Ministro Celso de Mello447

afirmou que os magistrados são qualificados como atores essenciais dentro do que

445 OLIVEIRA, Marcus Vinícius Xavier de. Considerações em torno do princípio da dignidade da pessoa humana . Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 58, ago. 2002. Inserido em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto. >. Acesso em: 22 set. 2003. 446 FARIA, José Eduardo. Os juízes em face dos novos movimentos sociais.São Paulo:RT,1991.p.153. 447 MELLO, José Celso de. Estado de São Paulo, 26 fev. 1997.

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153 chama de processo político de desenvolvimento expansão e reafirmação dos direitos

humanos e que competiria aos juízes,

enquanto guardiães de uma ordem jurídica justa e legítima, fazer pre-valecer o compromisso de respeito e de incondicional submissão do Estado ao regime das liberdades públicas, assinalando, a cada momen-to, no desempenho de sua atividade jurisdicional, que as prerrogati-vas constitucionais reconhecidas à pessoa traduzem valores fun-damentais indisponíveis, caracterizados pela nota de uma irrecu-sável inexauribilidade.448

Tal constatação vai exigir muito mais do operador jurídico e, principalmente do

magistrado, que deve funcionar como verdadeiro guardião da Constituição no Exercício

da Jurisdição.

Garapon, no mesmo sentido, diz que o pacto democrático é o que substitui a

tradição numa democracia. O juiz é o guardião da memória, mas de uma memória

reforçada: aquela das promessas que os fundadores fizeram em nossa intenção. 449

Alerta aquele autor, ao dizer que o presente século apresenta demanda de justiça

quantitativa e qualitativamente inédita sustenta a emergência de uma magistratura do

sujeito,450 onde o juiz assume a figura de autoridade451 social- face o princípio

democrático da igualdade- e até religiosa- no sentido de celebração de ritos- ,

manejando tantos os afetos como os conceitos, eis que :

além dos direitos próprios à personalidade jurídica (como o direito a imagem ao nome, a honra) a justiça freqüentemente é chamada a se pronunciar mais sobre a pessoa do que seus direitos, quer dizer, sobre sua liberdade(a detenção), sua autonomia(tutela), suas relações fundamentais com o cônjuge ou com as crianças(guarda, assistência educativa, divórcio). Essa demanda inédita abre um novo campo para a justiça, sua função tutelar sendo mais solicitada do que sua função

448 MELLO, José Celso de. Estado de São Paulo, 26 fev. 1997. 449GARAPON, Antoine. O juiz e a Democracia. O guardião das promessas.Rio de Janeiro: Revan. 2001. p.186 450GARAPON, Antoine. O juiz e a Democracia. O guardião das promessas.Rio de Janeiro: Revan,. 001. p.139. 451 autoridade, no dizer de Garapon é aquela que ”exprime o poder, os vínculos sociais e o sujeito, aquilo que os dispõe num espalço comum.” op.cit.p.176.

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154 arbitral, à qual, aliás, com muita freqüência, ela é reduzida(...) o juiz deve colocar-se no lugar da autoridade faltosa para autorizar uma intervenção nos assuntos particulares de um cidadão.452

É necessário ressaltar que a legitimidade do magistrado contemporâneo deve ser

buscada na perspectiva da Constituição como um espaço de mediação ético-político da

sociedade, conforme assinala Elias Diaz,453

O Estado de Direito, nos moldes do constitucionalismo atual, permite que o

Poder Judiciário, assumindo de forma definitiva o seu papel de um dos poderes do

Estado, assuma o protagonismo Institucional e exige um Exercício de Jurisdição

diferenciado, que não tem mais como suporte exclusivo a letra dos Códigos, mas também

e fundamentalmente, os princípios constitucionais.

452GARAPON, Antoine. O juiz e a Democracia. O guardião das promessas.Rio de Janeiro: Revan,2001.p.150. 453 DIAZ, Elias. La Justificacion de la Democracia. Etica contra politica. Madrid: Centro de Estudios Consti-tucionales, 1990, pág.34.

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155 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O assunto enfocado na presente dissertação não teve a pretensão de esgotar o

tema, mas apenas apresentar uma possibilidade de resgate da aproximação do Poder

Judiciário com a Sociedade, centrado na figura do Juiz, através do exercício da Jurisdi-

ção.

A temática apresenta inúmeras possibilidades a ensejar maiores e diversificadas

discussões.

O ponto de partida foi a constatação da existência de uma Crise do Poder Judi-

ciário em relação à Sociedade, de tal dimensão, que não pode mais ser ignorada.

Como o magistrado está inserido dentro do aparato do Poder Judiciário o seu papel é

um dos elementos da Crise,uma vez que, o Juiz, no Exercício da Jurisdição, na sua

grande maioria, continua sendo somente um operador do direito, aplicador das leis,

sem críticas.

Diante de tal perspectiva, pode-se sintetizar alguns pontos da pesquisa, na forma

de contribuição inicial a possibilitar a continuidade do estudo, que aqui apenas se ini-

ciou.

Perce-se, com a dissertação que:

1) existe uma Crise do Poder Judiciário em relação à Sociedade;

2) o ensino jurídico continua a fornecer uma formação aos operadores do direi-

to, inclusive os magistrados, meramente positivista, aliado a falta de forma-

ção específica para o magistrado, o que leva a uma Crise do Juiz;

3) tanto o modelo “legalista-positivista”, como o modelo “autoritário” estão de-

finitivamente ultrapassados, uma vez que criou um distanciamento da Socie-

dade;

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156 4) o Constitucionalismo contemporâneo trouxe a positivação dos direitos indi-

viduais, sociais, coletivos e difusos, exigindo do Poder Judiciário um Prota-

gonismo Institucional, que significa o aumento do exercício da Jurisdição

sobre a atuação dos demais poderes;

5) a opinião da Sociedade sobre o Poder Judiciário é negativa, conforme de-

monstram as pesquisas de opinião, assim como a opinião dos agentes políti-

cos dos Poderes Legislativo e Executivo, sendo alimentadas pela mídia;

6) as teorias pós-positivistas de Ronald Dworkin, Luigi Ferrajoli e Robert A-

lexy são sustentáculos teóricos para um novo Exercício da Jurisdição;

7) a Constituição é um sistema aberto de normas e Princípios que cristalizam os

valores da sociedade;

8) a utilização dos Princípios Constitucionais são instrumentos da interpretação

constitucional para uma nova atuação do Juiz no Exercício da Jurisdição;

9) a legitimidade do juiz deve ser buscada na perspectiva da Constituição como

um espaço de mediação ético-político da sociedade, conforme assinala Elias

Diaz;454

10) há necessidade de uma ponderação pelo magistrado quando houver colisão

de Princípios;

11) a nova forma de atuação não fere o Princípio da Separação de Poderes, pois

não haverá uma substituição da vontade de legislador, mas tão somente uma

aplicação do Direito conforme os princípios constitucionais;

454 DIAZ, Elias. La Justificacion de la Democracia. Etica contra politica. Madrid, Centro de Estudios Constitu-cionales, 1990, pág.34.

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157 12) o novo Exercício da Jurisdição exige uma mudança de mentalidade, sensibi-

lidade, bem como uma cultura multidisciplinar, e uma formação específica

por parte do magistrado;

13) o Juiz deve assumir um papel político e a criatividade deve ser um como

elemento inerente à própria interpretação.

Diante dessas considerações, esta dissertação quis demonstrar que existem ca-

minhos diferentes que podem ser utilizados na prática judiciária, cabendo ao jurista es-

colher qual o que melhor responde aos problemas da Sociedade colocado para sua aná-

lise.

Cabe, então, o resgate da atuação do Poder Judiciário, dentro do Estado de Di-

reito, assumindo seu papel no sistema democrático e conciliado com as aspirações da

Sociedade materializadas na Constituição.

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