A arte que promove a troca de carinho através de pequenos polvos · 2017-06-08 · da família....

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36 | Vilas Magazine | Junho de 2017 Thiara Reges / Texto e fotos Freelance para a Vilas Magazine U m novelo de linha e uma agulha. Mais que um bor- dado, o crochê, que tem sua origem desconhecida, mas que ganhou grande destaque na Europa a parr do século 16, está presente em vários lares na forma de decoração, roupas, como fonte de renda e até mesmo como passatempo. Mas nos úlmos meses o crochê tem chamado a atenção por outro movo: a terapia. Hospitais em todo mundo têm adotado o uso de pequenos polvos, feitos de crochê, para auxiliar no tratamento de crianças prematuras. E a novidade já chegou aqui na Bahia, ganhou força e novos contornos, unindo pessoas com diferentes histórias. Eliana Souza, 38 anos, nunca teve muita afinidade com o crochê. “Na verdade, quando via minha mãe fazendo dizia que era coisa de velho”. Mãe de dois filhos, foi assisndo a uma reportagem que se encantou pelos polvos. “Acessei a Internet e busquei sobre o tema, encontrei aulas em vídeo e fui aprender os pontos do crochê para fazer os polvos”. Sua movação estava presente na memória: o filho mais novo, hoje com cinco anos, teve complicações e precisou ficar na encubadora. “Eu não podia pegar meu filho, não podia amamentar, então consigo perceber como o polvo pode ser importante neste momento”. Já Ingrid Guimarães, 27 anos, viu sua vida mudar por com- pleto nos úlmos dois anos. Ela é mãe da pequena Nicole, de 1 ano e cinco meses, portadora de microcefalia. “Tive que fechar minha loja, meu marido precisou adequar suas avidades e nos- sa rona hoje é dedicada aos cuidados que Nicole tanto precisa no seu desenvolvimento”. Ingrid parcipa da Ong Abraço, que acolhe famílias de crianças com microcefalia, promovendo a aceitação da síndrome, além da assistência através das doações de latas de leite e outros itens. Hoje são cerca de 150 crianças cadastradas. “Ficamos muitos felizes quando descobrimos que já existem artesãs produzindo os polvos aqui em Salvador, com a proposta de expandir o uso, não apenas aos prematuros, mas visando outras crianças também, como minha Nicole. O polvo vai agir diretamente no sensorial da criança, além de todo afago, por ser feito de forma tão carinhosa”, diz Ingrid. Rita de Cássia, 32 anos, é uma das artesãs citadas por Ingrid. Enfermeira por formação, Rita começou a fazer o crochê com nove anos. O bordado é algo muito presente em sua família. O pai funcionário público e a mãe dona de casa nham nos bordados o complemento necessário para organizar todas as demandas da família. Foi superando um grave problema de saúde que Rita percebeu que um novelo de linha e pontos cuidadosamente A TERAPIA DO CROCHÊ A arte que promove a troca de carinho através de pequenos polvos COMPORTAMENTO Rita uniu suas duas paixões: o artesanato e os cuidados com o próximo A Pequena Nicole em seu primeiro contato com o polvo de crochê

Transcript of A arte que promove a troca de carinho através de pequenos polvos · 2017-06-08 · da família....

36 | Vilas Magazine | Junho de 2017

Thiara Reges / Texto e fotosFreelance para a Vilas Magazine

Um novelo de linha e uma agulha. Mais que um bor-dado, o crochê, que tem sua origem desconhecida, mas que ganhou grande destaque na Europa a partir

do século 16, está presente em vários lares na forma de decoração, roupas, como fonte de renda e até mesmo como passatempo. Mas nos últimos meses o crochê tem chamado a atenção por outro motivo: a terapia. Hospitais em todo mundo têm adotado o uso de pequenos polvos, feitos de crochê, para auxiliar no tratamento de crianças prematuras. E a novidade já chegou aqui na Bahia, ganhou força e novos contornos, unindo pessoas com diferentes histórias.

Eliana Souza, 38 anos, nunca teve muita afinidade com o crochê. “Na verdade, quando via minha mãe fazendo dizia que era coisa de velho”. Mãe de dois filhos, foi assistindo a uma reportagem que se encantou pelos polvos. “Acessei a Internet e busquei sobre o tema, encontrei aulas em vídeo e fui aprender os pontos do crochê para fazer os polvos”. Sua motivação estava presente na memória: o filho mais novo, hoje com cinco anos, teve complicações e precisou ficar na encubadora. “Eu não podia pegar meu filho, não podia amamentar, então consigo perceber como o polvo pode ser importante neste momento”.

Já Ingrid Guimarães, 27 anos, viu sua vida mudar por com-pleto nos últimos dois anos. Ela é mãe da pequena Nicole, de 1 ano e cinco meses, portadora de microcefalia. “Tive que fechar minha loja, meu marido precisou adequar suas atividades e nos-sa rotina hoje é dedicada aos cuidados que Nicole tanto precisa no seu desenvolvimento”. Ingrid participa da Ong Abraço, que acolhe famílias de crianças com microcefalia, promovendo a aceitação da síndrome, além da assistência através das doações de latas de leite e outros itens. Hoje são cerca de 150 crianças cadastradas.

“Ficamos muitos felizes quando descobrimos que já existem artesãs produzindo os polvos aqui em Salvador, com a proposta de expandir o uso, não apenas aos prematuros, mas visando outras crianças também, como minha Nicole. O polvo vai agir diretamente no sensorial da criança, além de todo afago, por ser feito de forma tão carinhosa”, diz Ingrid.

Rita de Cássia, 32 anos, é uma das artesãs citadas por Ingrid. Enfermeira por formação, Rita começou a fazer o crochê com nove anos. O bordado é algo muito presente em sua família. O pai funcionário público e a mãe dona de casa tinham nos bordados o complemento necessário para organizar todas as demandas da família. Foi superando um grave problema de saúde que Rita percebeu que um novelo de linha e pontos cuidadosamente

A TERAPIA DO CROCHÊ

A arte que promove a troca de carinho através de pequenos polvos

COMPORTAMENTO

Rita uniu suas duas paixões: o artesanato e os cuidados com o próximo

A Pequena Nicole em seu primeiro contato com o polvo de crochê

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feitos com uma agulha poderiam ser o elo condutor de carinho entre as pessoas. Assim nasceu o projeto Quero Abraçar esse Polvo.

QUERO ABRAÇAR ESSE POLVOO início foi tímido, reunindo amigas e

divulgando a ideia no boca a boca. Com um projeto debaixo do braço, Rita ia em hospitais e ongs na busca de parcerias. Através de uma publicação no Facebook, pedindo doações de novelos e ofere-cendo oficinas para ensinar o crochê, o projeto ganhou força e novas demandas surgem diariamente.

A ideia de usar polvos de crochê como terapia para crianças prematuras surgiu na Dinamarca, em 2013, quando a mãe de uma criança prematura fez o primeiro polvo. As melhoras na criança foram per-ceptíveis, e a arte foi passando de mãe para mãe, até ganhar toda Europa.

Estudos do Hospital Universitário Aarhus identificou melhoras nos siste-mas respiratório e cardíaco dos bebês, além de um aumento dos níveis de oxi-gênio no sangue. Ao abraçar o polvo, os recém-nascidos se sentem mais calmos e protegidos. Os tentáculos remetem ao cordão umbilical e ajudam a passar uma sensação de segurança.

O projeto chegou no Brasil através da ONG Prematuridade, e hoje os polvos já alcançaram todo o país. “Se foi tão importante para mim, por que não levar

para outras pessoas que também estejam em momentos de fragilidade e ainda mais, levar carinho para crianças. Os prematuros estão em um momento que requer um cuidado extremo, mas todas as crianças, sejam as com microcefalia, Down, abandonadas em orfanatos, todas precisam de amor”, frisa Rita.

Apesar de seguir os mesmos parâ-metros do projeto dinamarquês (Octo Project) quanto às normas para a con-fecção dos polvos, Rita percebeu na arte a possibilidade de ampliar a quantidade de pessoas beneficiadas. “O crochê é uma arte belíssima, e através desse polvo podemos proporcionar a troca de amor entre as pessoas.

No caso da Ong Abraço, começamos as oficinas no dia 25 de maio, e as mães, que na sua maioria precisaram abando-nar por completo suas profissões, além dar o polvo para seu filho, auxiliando ainda mais no seu desenvolvimento, tem a oportunidade de fazer uma atividade que acalma a sua mente, e quem sabe, transformar isso em uma nova fonte de renda”, complementa.

O projeto tem apenas dois meses de atividade, mas já expande seus tentáculo-sos: Vitória da Conquista, Jequié e Barrei-ras já implantaram o uso dos polvos como terapia com crianças prematuras, fazendo os estudos para verificar o desenvolvi-

mento delas, bem como o controle de infecções, um dos itens mais discutidos pelo Ministério da Saúde. “O protocolo de higienização é algo imprescindível nesse processo, sobretudo quando o destino dos polvos são crianças prematuras. Cada hospital tem seu protocolo, que deve ser seguido e respeitado”, lembra Rita.

Com o crescimento da demanda, as oficinas de crochê seguem a todo vapor. Com turmas de no máximo 10 alunos, Rita ensina o bordado para pessoas que já tem algum conhecimento básico e tam-bém àquelas que nunca tiveram contato com o crochê, mas que se encantam pela possibilidade de fazer o bem. Hoje o pro-jeto já conta com 60 artesãs em Salvador e Região Metropolitana. Interessados em colaborar, mas não levam muito jeito para o bordado, podem participar doando novelos de linha, por exemplo.

“Cada pedacinho que puxamos desse novelo nos desabafa novas histórias”, declara Rita, que quer ir longe. “Nossas próximas metas apontam chegar nas crianças em tratamento de câncer, suas família, em lares de idosos, onde o crochê possa demonstrar para cada pessoa como seus conhecimentos, seu tempo e seu carinho são úteis”, finaliza.

AS RESSALVASApesar dos resultados amplamen-

Rita oferece oficinas para quem quer

aprender o crochêe fazer polvos

Ingrid e a pequena Nicole

u

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te difundidos por toda mídia, o Ministé-rio da Saúde não recomenda o uso dos polvos de crochê em hospitais. Em nota publicada em abril, as principais ressalvas são para um possível interrompimento do Método Canguru, instituído no Brasil desde o ano de 2000, e que busca sem-pre o envolvimento dos pais e famílias; o caráter puramente lúdico, onde qualquer brinquedo teria o mesmo efeito; e o gran-de risco de infecções.

A médica pediatra Rosane Azevedo ressalta que apenas os estudos poderão comprovar a eficácia dos polvos, porém a iniciativa é válida. “Já está comprovado que crianças na incubadora, quando co-locadas na posição que se assemelha à posição que ela estava dentro do útero, se acalmam. Da mesma forma acredito que as pesquisas vão confirmar que os tentáculos do polvo exercem efeito be-néfico nas crianças por sua semelhança ao cordão umbilical”, destaca.

Quanto à expansão do projeto, abra-çando também crianças com algum comprometimento neurológico, além daquelas em tratamento de câncer, Ro-sane destaca que o conceito muda, mas o resultado final continua sendo positivo. “O toque, o estímulo, para crianças em geral, ou crianças que tenham alguma deficiência neurológica, como é o caso da microcefalia, é fundamental no desenvol-vimento; quanto mais estimular, mais as crianças vão se desenvolver. O polvo para essas crianças vai atuar tanto de forma lúdica como terapêutica”, finaliza.

Para doar materiais ou participar das oficinas siga o Projeto nas redes sociais (@queroabracaressepolvo), ou faça con-tato pelo telefone (71) 99191-0408.

A médica pediatra Rosane Azevedoconsidera a iniciativa positiva

EMPRESAS & NEGÓCIOS

O Brasil ocupa uma das últimas posições na categoria abrir uma nova empresa do relatório Doing

Business 2017 (fazendo negócios), do Banco Mundial. O país aparece na 175ª posição de uma lista com 190 nações. Além da burocracia, o sistema jurídico também é um complicador.

Os maiores erros acontecem nas áreas tributária, societária, trabalhista, de governança empresarial e proprie-dade intelectual, afirma o advogado Fabio Kujawski.

Se pessoas físicas podem recorrer à Defensoria Pública, não há serviço jurídico gratuito para empresas. A OAB veta a prática e também preços abaixo dos de mercado, regulados por tabela renovada anualmente.

Uma ação trabalhista, por exemplo, não sai por menos de R$ 3.097, ou 20% do valor da causa. Para uma minuta de contrato, será cobrado R$ 1.271 ou 2% de seu valor. Já para um tira-dúvidas verbal, em horário comercial, o preço fica em R$ 309,73.

Mas há alguns litígios que podem ser solucionados sem advogado, por meio do JEC (Juizado Especial Cível), antigo Tribunal de Pequenas Causas. É o caso de uma ação de cobrança. O limite legal é de até 20 salários mínimos, ou R$ 18.740.

Veja a seguir, algumas sugestões de advogados para ajudar o empreende-dor a estruturar e manter seu negócio evitando problemas com a lei.

1 - O PROBLEMA A empresa foi aberta com um plano de negócios estruturado, mas sem estudos prévios sobre incidência de impostos regionais nos estados em que os produtos ou serviços serão oferecidos

Como evitar: É preciso determinar o regime de recolhimento de impostos,

como o Simples Nacional, e estudar a alí-quota de tributos regionais (ICMS e ISS) antes de começar a atuar no mercado. Não adianta investigar possibilidades apenas na hora em que a conta aparece

2 - O PROBLEMA O empreendedor se empolga com uma nova ideia de negócio e a compartilha com potenciais investidores. Mais adiante, descobre que sua proposta foi usada por um deles, que viabilizou a empresa

Como evitar: Parece excesso de zelo, mas não é: elabore um contrato de confidencialidade antes de abrir sua ideia para outro empresário. Mencione de quais formas a informação pode ser usada e, em caso de violação do combinado, é possível até pleitear uma indenização na Justiça

3 - O PROBLEMA É comum haver impasses entre os sócios da empresa, mas o drama é ainda maior quando são apenas duas pessoas no comando: qualquer decisão de um dos parceiros precisará ser unânime

Como evitar: O contrato societário da empresa pode prever cláusulas de mediação. Um exemplo é estipular uma terceira parte, não vinculada a nenhum dos dois proprietários, para ajudar a solucionar os conflitos de forma isenta, por meio de negociação

4 - O PROBLEMA O empresário con-trata um designer para criar sua marca, mas não a registra no INPI (Instituto Nacional da Propriedade Intelectual). Depois, descobre que estava usando um nome já registrado e é processado

Como evitar: Vale contratar um ad-vogado para fazer a consulta no INPI e assim evitar usar uma marca já existente. Também é importante registrar o nome

8 erros comuns que dão dor de cabeça para o empreendedor