A ARTE NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA PESQUISA ACADEMICA

download A ARTE NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA PESQUISA ACADEMICA

of 15

Transcript of A ARTE NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA PESQUISA ACADEMICA

  • 7/29/2019 A ARTE NO PROCESSO DE CONSTRUO DA PESQUISA ACADEMICA

    1/15

    491

    A ARTE NO PROCESSO DE CONSTRUO DA PESQUISAACADMICA

    Vincius Souza de Azevedo - USP

    RESUMO

    Este artigo descreve a construo de uma pesquisa de Ps-graduao em nvelStricto Sensu, em que os processos e procedimentos artsticos foram o principalmeio. Utilizando tcnicas de desenho, colagem, bordado e escultura, diversosconceitos e dados da realidade da pesquisa foram articulados para a elaborao dadissertao. A vivncia dos elementos da arte, tais como, imaginao criadora,explorao de materiais plsticos e visuais, pensamento tcito e esttico, propiciouuma aproximao especial ao trabalho, reafirmando a importncia da arte noprocesso de construo de conhecimento, particularmente no campo acadmico.

    Palavras-chave: Pesquisa, Arte, Criatividade, Educao.

    ABSTRACT

    This article describes the construction of a stricto sensu postgraduateresearch in which the artistic process and procedures were the major means.Various concepts and data collected from a practical experience were articulatedusing drawning tecniques, collage, embroidery and sculpture to achieve the

    dissertation. The experience with artistic procedures such as the creative imaginationand exploration of plastic and visual materials, as well as intuitive and aesthetic

    thought, gave the work a specific approach and was crucial to argue for theimportance of art in the construction of knowledge, especially in the academic field.

    Key words: Searching, Art, Creativity, Education.

    Durante a realizao da minha pesquisa para obteno do Mestrado

    realizei uma srie de aes de carter esttico com o objetivo de clarear meu

    objeto de pesquisa e delinear meu campo de trabalho para a dissertao.Estas aes estiveram o tempo todo referenciados na pesquisa acadmica,

    sendo este o seu foco central, numa juno coerente entre arte e

    conhecimento. O presente artigo tem como proposta a descrio deste

    processo, de maneira a compartilhar esta experincia, alm de propor

    reflexes acerca desta forma de construir conhecimentos.

  • 7/29/2019 A ARTE NO PROCESSO DE CONSTRUO DA PESQUISA ACADEMICA

    2/15

    492

    O ttulo da minha dissertao A aprendizagem significativa e a

    narrao de estrias1 tradicionais: experincias estticas em escolas pblicas

    na favela da Mar e fala sobre a importncia da presena da arte, por meio

    da narrao de estrias, no cotidiano escolar. O substrato da pesquisa foi

    uma experincia que realizei como narrador de estrias em duas escolas

    pblicas na favela da Mar, no Rio de Janeiro. Este trabalho faz parte das

    aes do Programa Criana na Mar, realizado pela REDES da Mar em 9

    escolas pblicas da localidade2.

    O ponto de partida da pesquisa aconteceu durante uma das disciplinas

    (A arte da narrativa na formao do educador artista, ministrada pela Prof

    Dr Regina Machado), cursada no 1 semestre do curso (maro de 2009).Logo no primeiro encontro, a docente solicitou que elaborssemos um quadro

    de perguntas sobre nossa pesquisa, elegssemos a pergunta central e

    expressssemos essa pergunta por meio de uma imagem, utilizando caneta

    e papel. Trata-se de uma tcnica elaborada por ela, denominada Tiro ao

    alvo, que parte exatamente deste princpio: a elaborao de perguntas de

    forma plstica, por meio de desenhos3.

    Minha pergunta central foi o que se aprende e o que se ensina ao

    ouvir estrias?. Para expressar os contedos da pergunta, desenhei uma

    imagem bem simples, em que um narrador estava diante de um grupo de

    crianas, numa sala de aulas.

    Neste mesmo encontro fizemos uma apreciao coletiva do desenho

    de cada um e, a partir deste dia, cada um deveria conduzir seu tiro ao alvo

    da forma e no ritmo que lhe fosse mais conveniente.

    1 Na dissertao, fiz a opo pela grafia tradicional estrias para designar todo o tipo denarrativas de carter ficcional, em distino histria que designa os fatos e acontecimentos reais.Mantenho a grafia no artigo.

    2 A dissertao est disponvel em...

    3 A docente descreve a ideia do tiro ao alvo em sua tese de doutoramento Arte Educao e oconto de tradio oral: Elementos para uma pedagogia do imaginrio (p. 324).

  • 7/29/2019 A ARTE NO PROCESSO DE CONSTRUO DA PESQUISA ACADEMICA

    3/15

    493

    Figura 1 - A sala de aula

    Ao comentar o meu desenho, chamou-me ateno a ideia que uma

    pessoa teve de que o adulto estava maior do que as crianas, revelando uma

    certa hierarquia. Alm deste, outros comentrios foram feitos e, ao refazer o

    desenho, coloquei o narrador numa posio central, porm buscando uma

    relao que no fosse hierrquica. Alm disso, cada criana recebeu uma

    forma diferente, caracterizando suas peculiaridades e elas foram dispostas

    sobre uma difana pauta musical, enquanto o narrador assumiu a postura

    corporal de um maestro, que apontava para uma porta aberta, na qual se

    podem ver faixas com as cores do arco-ris. Ao lado da porta, uma janela

    panormica, com uma bela paisagem, onde se pode ver um caminho que

    parece sair da porta e rumar em direo a uma floresta ao longe.

    Figura 2 - Sala de aula com porta e janela

  • 7/29/2019 A ARTE NO PROCESSO DE CONSTRUO DA PESQUISA ACADEMICA

    4/15

    494

    Esta janela estava presente no primeiro desenho, mas quase como

    uma decorao. Alis, mais parecia um quadro abstrato do que uma janela.

    No segundo desenho, ela no s aparece bem definida, como a parte mais

    bem definida do desenho, juntamente com a porta, onde o espectador mais

    pousa os olhos, pois tudo parece levar a elas. A porta no aparece no

    primeiro e sua apario est diretamente ligada importncia que a janela

    passa a ter no desenho.

    Na aula seguinte, dentre diversos contedos, conversamos sobre a

    dificuldade de professores e alunos lidarem com o erro e como a sala de aula

    tem sido um lugar de certezas, em vez de se caracterizar como um espao

    de dvidas, de pesquisas e experimentaes. Neste momento, dei-me contade que estava procurando o meu alvo no lugar das certezas, pois o desenho

    estava ambientado na sala de aula. Fiz uma relao imediata com um trecho

    do livro Acordais (MACHADO, 2004, p. 27), em que a autora relaciona a

    subjetividade com uma grande floresta e que no cotidiano normal, o indivduo

    acessa apenas as rvores mais perifricas de sua floresta, nunca

    alcanando as rvores mais profundas da parte mais densa e que as estrias

    tradicionais e a prpria arte tm o poder de permitir ao sujeito tocar essasrvores. A partir da, estava claro que eu precisava penetrar essa floresta (a

    que aparecia na janela da sala, no desenho) e empreender uma busca das

    minhas perguntas nesse campo.

    Para materializar essa imagem, fiz uma colagem utilizando uma

    ilustrao em preto e branco de um narrador em alguma tribo de algum lugar

    do mundo, em que parecem todos estar numa floresta e o narrador ocupa um

    lugar central e todos permanecem sentados em sua volta. Alguns parecem

    assustados, outros riem, outros prestam ateno com seriedade. Em volta

    desta ilustrao, desenhei uma grande e colorida floresta, com um caminho

    no centro feito com as faixas do arco-ris.

  • 7/29/2019 A ARTE NO PROCESSO DE CONSTRUO DA PESQUISA ACADEMICA

    5/15

    495

    Figura 3 - A floresta

    Pronto, eu estava no meio da floresta, lugar obscuro e ao mesmo

    tempo atraente, para voltar a me perguntar: o que se aprende e o que se

    ensina ao ouvir estrias?

    Ao realizar o terceiro desenho, deparei com um desafio, pois fiz um

    movimento muito brusco, que me levava para um lugar, como disse,

    incmodo e fascinante. Para onde ir agora?

    J que o que me levou a este lugar foi um movimento de aprofundar,

    resolvi continuar aprofundando: como num zoom na imagem, mergulhei

    dentro da roda do narrador, buscando uma sntese visual do que acontecia ali

    dentro. Da surgiu o smbolo da espiral: partindo do narrador e envolvendo

    cada um dos participantes da roda, enxerguei uma espiral, contendo eligando todos eles. Ao raciocinar sobre o desenho, cheguei concluso que

    o incio da espiral no o narrador, pois ele prprio vem de uma espiral de

    volta maior, que comea l nos seus antepassados. Neste momento, a

    pergunta inicial sofreu uma pequena, mas significativa modificao, pois

    passei a pensar na experincia do narrador ao narrar e o que ele tambm

    pode aprender ao contar uma estria. A pergunta ento passou a ser: O que

    se aprende e o que se ensina quando se ouve e quando se contaestrias?

  • 7/29/2019 A ARTE NO PROCESSO DE CONSTRUO DA PESQUISA ACADEMICA

    6/15

    496

    Figura 4 - A espiral do narrador

    Em paralelo a este movimento, estava acontecendo uma outra

    disciplina (Professores de arte: formao e prtica educativa, ministrada

    pela Prof. Dr. Sumaya Moraes), em que discutamos o sentido para cada

    um de aprender e ensinar arte. No desenrolar da disciplina, formulamos uma

    pequena expresso, com frases e palavras, sobre nossas trajetrias como

    indivduos (nossas experincias formativas) e sobre o significado de ensinar

    arte para cada um de ns. Para encaminhar a continuao do trabalho na

    disciplina, a docente solicitou um desenho que materializasse essa

    formulao e nos apresentou um pequeno pedao de pano para realiz-lo. A

    partir de minha experincia com bordados em miangas, preparei um

    desenho bordando no centro do pano pequenos fios de contas, com coraes

    nas pontas, simbolizando cada um dos alunos do curso, tendo a docente no

    centro e de onde sai uma espiral dourada, que se desenvolve por todo o

    pano at sair dele, quando comea a formar a borda do prprio pano,

    contornando o espao onde os coraes se encontram e a espiral aparece.

    As palavras que escrevi para significar o ensino da arte para mim foram:

    Encontro com o outro / Ensinar e aprender com o outro / Crescer /

    Pertencimento / Satisfao.

  • 7/29/2019 A ARTE NO PROCESSO DE CONSTRUO DA PESQUISA ACADEMICA

    7/15

    497

    Figura 5 - Bordado da espiral

    Importante marcar que o bordado foi feito no mesmo dia, praticamente,

    que o desenho da roda do narrador e que os dois guardam uma ntima

    relao. como se o desenho fosse um zoom de aproximao e o bordadoum zoom de afastamento no sentido ascendente, quer dizer, como se o

    bordado fosse um viso area do desenho. Uma viso area que tambm

    expressa as relaes subjetivas inerentes ao encontro que acontece ali.

    A realizao do bordado ao mesmo tempo que fazia o desenho foi

    uma experincia fundante, que me proporcionou um olhar especial para o

    trabalho da minha pesquisa, pois representou uma apropriao poetica do

    meu projeto, radicalizando a experincia proposta pela atividade do tiro ao

    alvo. A realizao desses trabalhos foi fruto de um processo criativo em que

    estavam em jogo, tanto os contedos desenvolvidos nas disciplinas, quanto a

    proposio que eu fazia para a pesquisa, alm claro do meu envolvimento

    com isso tudo, num verdadeiro processo artstico.

    Paralelamente, por sugesto da orientadora, havia iniciado a

    elaborao de uma sequncia em que fosse possvel a visualizao dodesencadeamento da minha pesquisa, partindo do mesmo raciocnio que ela

  • 7/29/2019 A ARTE NO PROCESSO DE CONSTRUO DA PESQUISA ACADEMICA

    8/15

    498

    adota para o entendimento das estrias: elas se desenrolam como um trem,

    onde cada vago puxado por outro e todos eles surgem a partir de uma

    locomotiva que abre e desencadeia o trem todo (MACHADO, 2004, p. 44). Ao

    mesmo tempo, tambm por sugesto dela, comecei a elaborar um cabedal

    de perguntas relacionadas proposio da dissertao e que traziam

    questes que eu gostaria de abordar. Desta forma, desenhei uma espiral, em

    que cada vago era formado por um tema, indicado pela construo do trem

    e depois recheado com as perguntas que foram organizadas de acordo com

    cada tema.

    Figura 6 - Trem da pesquisa.

    Em que O espao significativo de ensino-aprendizagem a

    locomotiva, seguida de Atividade esttica, depois Arte no cotidiano

    escolar, e Estrias tradicionais, depois Narrao de estrias, seguido de

    Escolas condicionadas e condicionantes e Subjetividade de professores e

    alunos.

    No houve preocupaes com certo ou errado, mas com

    parecenas, intimidades, aproximaes, afastamentos. Meu objetivo era,

    primordialmente, aprender a perguntar e relacionar este movimento com a

    construo de um trabalho de pesquisa.

    Passado algum tempo, j cursando outras disciplinas (Arte-educao

    e Museologia: Introduo ao Estudo da Apreciao Esttica em Exposies,

  • 7/29/2019 A ARTE NO PROCESSO DE CONSTRUO DA PESQUISA ACADEMICA

    9/15

    499

    ministrada pela Prof. Dr. Maria Chsritina Rizzi e Ensino, Cotidiano Escolar,

    Cultura e suas Representaes, ministrada pela Prof. Dr. Sonia Teresinha

    Penin), elaborei um novo trem para a pesquisa, que tivesse mais a ver com

    as experincias que havia empreendido at ento. Neste novo trem, a

    orientadora sugeriu que eu comeasse a definir campos de interesse dentro

    de cada vago e que eu elaborasse um mapa que demonstrasse o territrio

    por onde pretendo passar com o trem.

    Definidos os novos vages (A estria resolve algo dentro de mim,

    Subjetividade de professores e alunos, A arte de narrar, Estrias,

    Caractersticas da escola, Arte no cotidiano escolar), comecei a pensar

    como eles se relacionavam no espao e como eles se desenrolavam nele.Novamente, a espiral apareceu com muita fora e no houve muitas dvidas

    em me utilizar desta forma para definir o campo espacial de desenvolvimento

    dos vages e deles no espao.

    Figura 7 - Mapa e trem da pesquisa.

    A elaborao deste novo trem foi outra experincia esttica

    interessante, pois vivenciei o trabalho do processo criativo novamente,

    utilizando de movimentos muito ligados criao artstica para construir o

    mapa.

  • 7/29/2019 A ARTE NO PROCESSO DE CONSTRUO DA PESQUISA ACADEMICA

    10/15

    500

    Ao rechear os vages e elaborar um conceito-chave inicial (a histria

    resolve algo dentro de mim e de quem ouve), vrias relaes foram surgindo

    entre os diversos conceitos, ideias e campos de conhecimento assinalados.

    A histria resolve algo dentro de mim tem uma relao com Arte no

    cotidiano escolar e Subjetividade de professores, alunos e narradores;

    Arte no cotidiano escolar, por sua vez, se relaciona com A arte de narrar.

    Para alm da linha da espiral, ento, desenhei linhas que demonstrassem

    estas relaes, e cheguei a um novo desenho, cuja forma bsica eram essas

    linhas. Articulei, ento, essa forma com duas outras que surgiram durante o

    processo a espiral e o infinito (). A espiral como trajetria dentro da

    paisagem da minha pesquisa. O infinito como sntese das relaes

    complexas entre ensinar-aprender-contar-ouvir.

    Ensinar Contar

    Aprender Ouvir

    Onde ensinarest para aprender, assim como contarest para ouvir.

    Ao mesmo tempo, ensinar e contar guardam uma ntima relao, como

    tambm aprendere ouvir. Porm, esta relao no se d de forma estanque,pelo contrrio, os elementos se dialetizam ao mesmo tempo que se

    contrapem, gerando uma relao complexa (MORIN, 1977, p.?). Ento,

    aprender e contar tambm se relacionam, porque posso aprender quando

    conto uma histria e ouvir e ensinar precisam ser caractersticas do mesmo

    ato, de forma a garantir uma verdadeira prtica educativa baseada no

    dilogo, que se manifesta tanto para o narrador quanto para a audincia

    (tambm para professor e aluno). E nesta relao complexa que se d asignificao do ensino-aprendizado pela narrao de estrias. Sendo assim,

    fazendo ligaes entre estes nomes, surgiu o smbolo do infinito: um arco que

    liga ensinar e aprender, outro arco que liga contar e ouvir e ainda um X que

    liga ensinar e ouvir, aprender e contar.

  • 7/29/2019 A ARTE NO PROCESSO DE CONSTRUO DA PESQUISA ACADEMICA

    11/15

    501

    Figura 8 - Articulaes plsticas do mapa e do trem.

    Estas reflexes foram o substrato que alimentaram o processo criativo

    do mapa da pesquisa, proposto pela orientadora. Relacionando os quatro

    elementos (ensinar, aprender, ouvir e contar) aos vages do trem que eu j

    havia desenhado e complementando com o conceito-chave e com a arte

    como espao significativo, constru um desenho, uma estrutura formal, de

    carter esttico, que indica a dinmica da dissertao, alm de fornecer

    subsdios para a realizao da pesquisa.

    Figura 9 - Diagrama sntese.

  • 7/29/2019 A ARTE NO PROCESSO DE CONSTRUO DA PESQUISA ACADEMICA

    12/15

    502

    Onde: P Pergunta-chave

    E Escola e cotidiano

    S Subjetividade de alunos, professores e narradores

    H Histrias tradicionais

    N A arte da narrativa

    A Arte como campo de conhecimento

    Este diagrama sofreu novas interferncias quando da qualificao do

    projeto. Segundo a banca, seu carter tridimensional era inerente e deveriaser explorado, em uma continuao do trabalho.

    Seguindo esta orientao, realizei alguns estudos tridimensionais,

    construindo a forma do diagrama no espao, o que me trouxe novas

    reflexes. Experimentei o vime, um material orgnico, muito utilizado na

    fabricao de mveis, mas que no correspondeu s necessidades do

    estudo, pois no teve elasticidade suficiente para a construo da figura.

    Depois tentei o arame, um material muito propcio ao experimento por ser

    bastante malevel. Pensei ainda em utilizar sucata para a construo do

    diagrama, porm as experincias com arame me trouxeram algumas

    reflexes que me satisfizeram no mbito da pesquisa.

    A dificuldade em fazer a espiral no arame, por exemplo, chamou-me

    ateno para a sua delicadeza. O arame mostrava-se para mim com

    caracterstica, ao mesmo tempo, forte e delicada. Traduzi, na mesma hora,para o espao de significao que as estrias proporcionam. Forte e

    delicado, porm no se pode usar a fora para manter a delicadeza, pois,

    assim, ela se desfaz. A fora est nela por si mesma e a alcanamos por

    meio da delicadeza. ao contrrio! Quer dizer, no se consegue espao de

    ensino-aprendizagem significativo (delicado) com fora, mas sim alcanamos

    a fora deste espao com a delicadeza.

  • 7/29/2019 A ARTE NO PROCESSO DE CONSTRUO DA PESQUISA ACADEMICA

    13/15

    503

    Observei isso na construo da espiral. O arame no me obedecia,

    ele fazia o que queria, aquilo que sua natureza ordenava. Meu papel era

    ouvir4 esta natureza e, numa atitude delicada, sugerir possveis caminhos a

    seguir, caminhos onde pudssemos nos encontrar, num movimento

    satisfatrio para ambos. Para mim, o lugar onde os significados

    expressassem algo que eu queria dizer, que achava importante ficar marcado

    para a abertura de novas possibilidades para o outro. Para o arame, a

    assuno de uma forma que o tornasse menos linear, opaco e superficial.

    O resultado foi uma espiral que no acontece dentro dos princpios da

    Geometria Descritiva (visto que no obedece s leis de construo da

    espiral), mas que expressam o encontro de duas vontades. Mas, afinal decontas, qual mesmo o objetivo da educao? Impor as leis e os princpios

    de uma cincia, ou possibilitar novos encontros com a realidade? No fazia

    parte da proposta do estudo um mergulho nos fundamentos da educao na

    contemporaneidade, porm, ao se pensar na construo de um espao

    significativo de ensino-aprendizagem, necessrio o questionamento de

    algumas contradies presentes na escola hoje em dia. Um deles

    justamente o acmulo e supervalorizao de um conhecimentoenciclopdico em detrimento formao do sujeito voltada mais para a sua

    relao com a vida e sua capacidade de no s apreender, mas tambm

    construir conhecimentos.

    Ainda dentro desta reflexo, e a partir de questes levantadas tambm

    pela banca de qualificao, a dinmica do diagrama me fez pensar que no

    tenho que forar a entrada de temas em sua estrutura. Se cheguei ideia do

    infinito pensando na relao complexa entre ensinar-aprender-contar-ouvir,

    ento estes so os elementos do diagrama.

    No posso deixar de pensar na espiral: retorno ao comeo, porm o

    percurso enriquece o processo de tal forma que percebo o caminho um nvel

    acima do ponto de partida.

    4 As palavras indicadas entre aspas dizem respeito metfora de um dilogo imaginado entreeu e o arame, no processo de construo do trabalho.

  • 7/29/2019 A ARTE NO PROCESSO DE CONSTRUO DA PESQUISA ACADEMICA

    14/15

    504

    Figura 10 - Diagrama em 3D.

    O processo acima descrito foi o ponto de partida para a construo da

    dissertao. Da vieram as pesquisas de campo, a pesquisa bibliogrfica, a

    elaborao do sumrio e dos textos que compem o trabalho. Meu alvo

    possibilitou um foco direto no objeto de pesquisa e delineou de forma quase

    natural o percurso que tomaria a partir de ento. Mergulhar no campo da arte

    para realizar o trabalho, utilizando de processos, procedimentos, princpios e

    elementos deste campo foi a prpria vivncia da aprendizagem significativa

    por meio da arte, uma coerncia mpar no processo como um todo, alm de

    um enorme prazer em realizar o estudo.

    Minha experincia com a tcnica de tiro ao alvo representou a

    vivncia da arte como fundamento do conhecimento, consolidando o meu

    entendimento acerca das possibilidades e da importncia da arte na

    formao do sujeito. Representou, principalmente, uma experincia esttica

    com o processo do curso de Ps-graduao, proporcionando-me muito mais

    do que um ttulo de mestre, mas a ampliao de meus horizontes comoartista e educador.

  • 7/29/2019 A ARTE NO PROCESSO DE CONSTRUO DA PESQUISA ACADEMICA

    15/15

    505

    Referncias Bibliogrficas

    BARBOSA, Ana Mae. Arte-educao: Conflitos/Acertos. So Paulo: MaxLimonad, 1984.

    ______. A Imagem no Ensino da Arte:Anos 1980 e Novos Tempos. So

    Paulo: Perspectiva, 2009.

    DEWEY, John. Experincia e Educao. So Paulo: Ed. Nacional, 1979.

    ______.A Arte como Experincia. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 2010.

    FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

    ______. Pedagogia da Autonomia. So Paulo: Paz e Terra, 1996.

    MACHADO, Regina. Acordais: Fundamentos Terico-poticos da Arte deContar Histrias. So Paulo: DCL, 2004.

    ______. Arte Educao e o Conto de Tradio Oral: Elementos para umaPedagogia do Imaginrio. Tese de Doutorado. Escola de Comunicao e Artes.Universidade de So Paulo. So Paulo, 1989.

    MORIN, Edgar. O Mtodo. Mira-Sintra: Biblioteca Universitria, 1977. v. 1.

    READ, Herbert.A Educao pela Arte. So Paulo: Martins Fontes, 2001.

    RIZZI, M. Chistina. Alm do Artefato: Apreciao em Museus eExposies. Rev. do Museu de Arqueologia e Etnologia, So Paulo. 8:215-220.1998.

    VIEIRA, Jorge Albuquerque. Teoria do Conhecimento e Arte. Fortaleza:

    Expresso Grfica e Editora, 2006.

    VYGOTSKY, Lev Semenovitch. Formao Social da Mente. So Paulo:Martins Fontes, 1999.

    ______. Pensamento e Linguagem. So Paulo: Martins Fontes, 1998.

    Vincius Souza de Azevedo

    Mestre pela ECA/USP, na linha de pesquisa Fundamentos do ensino eaprendizagem da arte, sob orientao da Prof Dr Regina Machado. Atualmente, professor de Artes Visuais do 1 segmento do Ensino fundamental na Escola Projeto21, em Curitiba e pesquisador do Grupo Multidisciplinar de Estudo e Pesquisa em

    Arte e Educao, ligado ao Programa de Ps-Graduao de Artes Visuais daECA/USP.