A arte no Amazonas - Concultura...FOLCLORE E CULTURA POPULAR 51 EM BUSCA DA INTEGRAÇÃO CULTURAL DO...

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A ARTE NO A MA ZO NAS Fundo Municipal de Cultura

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  • A ARTE NOA MAZO NAS

    Fundo Municipal de Cultura

  • A ARTE NOA MAZO NAS

    Concultura – 2016 – Manaus, 1.ª edição

  • T R A D U Ç Ã O

    Tradutor Português/Inglês

    Raphaela Moura, Janet Chernela

    Tradutor Português/Francês

    Brigitte Thierion

    Tradutor Português/Espanhol

    Fred Spinoza

    C A P A

    Xilogravura de Álvaro Páscoa

  • S U M Á R I O

    A ARTE NO AMAZONAS 7

    LITERATURA 11

    O TEATRO 29

    CINEMA NO AMAZONAS 39

    A MÚSICA NO AMAZONAS 41

    A DANÇA NO AMAZONAS 45

    AS ARTES VISUAIS NO AMAZONAS 47

    FOLCLORE E CULTURA POPULAR 51

    EM BUSCA DA INTEGRAÇÃO CULTURAL DO

    POVO MANAUARA 55

    A AMAZÔNIA NO CONTEXTO NACIONAL 59

    CRIAÇÃO PERENE 61

    ARTE EN AMAZONAS 63

    LITERATURA 67

    TEATRO 85

    CINE EN AMAZONAS 95

    MÚSICA EN AMAZONAS 97

    LA DANZA EN AMAZONAS 101

    LAS ARTES VISUALES EN LA AMAZONIA 103

    FOLKLORE Y CULTURA POPULAR 107

    EN BUSCA DE LA INTEGRACIÓN CULTURAL

    DEL PUEBLO MANAUARA 111

    EL CONTEXTO NACIONAL AMAZÓNICA 115

    CREACIÓN PERENNE 117

  • ARTS IN AMAZONAS 119

    LITERATURE 123

    THE DRAMATICS 139

    CINEMA IN AMAZONAS 149

    MUSIC IN AMAZONAS 151

    DANCE IN AMAZONAS 155

    VISUAL ARTS IN AMAZONAS 157

    FOLKLORE AND POPULAR CULTURE 161

    IN SEARCH OF CULTURAL INTEGRATION OF

    AMAZONIAN PEOPLE 165

    AMAZONIA IN NATIONAL CONTEXT 169

    EVERLASTING CREATION 171

    L’ART DANS L’ÉTAT D’AMAZONAS 173

    LA LITTÉRATURE 177

    LE THEÂTRE 195

    LE CINÉMA DANS L’AMAZONAS 207

    LA MUSIQUE DANS L’AMAZONAS 209

    LA DANSE DANS L’AMAZONAS 215

    LES ARTS VISUELS DANS L’AMAZONAS 217

    LES MANIFESTATIONS POPULAIRES 221

    TENTATIVE D’INTÉGRATION CULTURELLE DES

    MANAUARAS 225

    L’AMAZONIE DANS LE CONTEXTE NATIONAL 229

    UNE CRÉATION PÉRENNE 231

  • AARTENOAMAZONAS

    A ARTE NO AMAZONAS

  • “Os Pastores do Amazonas”, ópera de Tenreiro Aranha, de 1793, obra do fundador da cul-tura amazonense. Encenação dos alunos da Faculdade de Artes da Universidade Estadu-al do Amazonas, 2014.

  • 9

    Durante todo o processo de formação da identidade nacional e da criação da cul-tura brasileira, a Arte do Amazonas teve participação de primeira grandeza. O Estado legou

    ao Brasil alguns de seus mais notáveis artistas e

    criadores, seja no campo das letras, da música,

    das artes visuais, do cinema e da dança. O Ama-

    zonas tem sido um espaço de inspiração aberto

    ao mundo, pelo exemplo criador de seu povo, pela

    rica cultura milenar dos povos indígenas e por sua

    perfeita integração à corrente principal da Civili-

    zação Ocidental.

  • 11

    LITERATURA

    A Literatura e o Teatro são as formas de arte de maior tradição no Amazonas. No sécu-lo XVIII surge o nosso primeiro autor na-tivo: Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha. Bento

    nasceu em Barcelos, no dia 4 de setembro de 1769,

    filho de Raimundo de Figueiredo Tenreiro e de Te-

    reza Joaquina Aranha. Ao perder os pais, ainda na

    primeira infância, ficou sob a tutela de um amigo

    da família, homem duro, insensível, que obrigou

    o pequeno órfão ao trabalho na roça. Aos doze

    anos, entrando na adolescência, como é comum

    nos trópicos, Bento Aranha procuraria o amparo

    de seu padrinho, o vigário-geral Dom José Mon-

    teiro de Noronha, que o mandou estudar no con-

    vento de Santo Antônio, onde completaria os es-

    tudos preparatórios, passando mais tarde para as

    aulas dos padres Mercedários. Quando se prepa-

    rava para viajar para Coimbra, aos dezenove anos,

    vê-se impossibilitado de recursos devido a um ato

  • 12

    de sequestro da Fazenda Real sobre os seus bens

    herdados. Vendo cortadas as perspectivas de for-

    mação universitária, deixa se ficar no Pará, onde

    conhecera a jovem Rosalina Espinoza, com quem

    iria se casar. O amazonense, educado entre pa-

    dres, ávido leitor de obras clássicas, homem pa-

    cato, diretor de vila de índios e burocrata colonial,

    se não pode ser considerado hoje um poeta de

    primeira grandeza, pelo menos é desses talentos

    bem formados, de inspiração tranquila e parte da-

    quela estatura de poetas menores que pela quali-

    dade fazem em conjunto qualquer literatura. Ten-

    reiro Aranha, cujo talento de dramaturgo é maior

    e mais significativo, um dos mais importantes que

    o Brasil teve no século XVIII, abandona em sua

    obra, ao mesmo tempo, a velada epopeia dos ver-

    sos da colonização e a objetividade conquistadora

    dos clássicos portugueses, para tentar uma poe-

    sia de festejos, paroquial, nos limites que o bom

    tom da época permitia. Diga-se de passagem, ele

    nunca pretendeu sair desse limite. No entanto, às

    vezes, se desnudava em queixas sentidas, resva-

    lava para as suas próprias frustrações, mostrava

    a sua vida coroada de injustiças e tendia para um

    lirismo extremamente sofrido.

    Tenreiro Aranha foi realmente o primeiro ar-

    tista autenticamente amazonense. Sua obra está

    muito mais próxima da verdade que os homens

  • 13

    experimentavam na região. O poeta era um fru-

    to da terra, portanto, não sendo português, mas

    vivendo como tal, a dualidade iria marcar a sua

    existência. Por isso, era um espírito fadado ao

    martírio e não apenas uma postura cheia de incô-

    modos. É no texto de seus dramas, nas deixas de

    suas simbólicas personagens teatrais que o poeta

    se aproximará da realidade e das contradições so-

    ciais do tempo. Tenreiro Aranha vivendo na região

    mais imoderada do mundo fez o teatro da mode-

    ração, o drama pastoril da decadência do mercan-

    tilismo e da falência do poder português no Brasil.

    No drama “A Felicidade no Brasil”, em um ato, le-

    vado à cena no Teatro Público do Pará em 1808, o

    dramaturgo ousa insinuar a necessidade da inde-

    pendência e arrebata-se com a grandiosidade do

    destino de sua pátria que amanhecia.

    “Dos homens me rodeia a iniquidade,

    A calúnia me oprime, e ao fim tremendo,

    Me assusta uma espantosa eternidade”.

    A obra de Tenreiro Aranha continua viva e que-

    rida por seus conterrâneos, verdade que se pode

    constatar pelas inúmeras reedições de sua poesia

    e teatro.

    Com o chamado Ciclo da Borracha, que vai de

    1890 a 1918, Manaus foi a primeira construção

  • 14

    kitsch brasileira, uma cidade do sonho e do delí-

    rio, microcosmo das doenças do espírito burguês

    com toques de selvageria e grossura. Um estilo de

    vida ligeiro, frenético, em contraste com a linea-

    ridade portuguesa; dinâmico, contra a fixa rotina.

    A vida procurava ser um primor difícil e caro, não

    mais o gesto simples, mas tudo muito diferente

    do bem-estar europeu, como se a complexidade

    dessa babilônia tropical em miniatura tornasse o

    clima dos folguedos em ênfase retórico, gramati-

    cais, como bem se pode ver na poesia da época:

    “Flafle nos céus a poesia

    Falenas d’asas azuis –

    Passe cantando a Harmonia

    Surja e venha a Fantasia

    Num pálio de seda e luz.”

    Assim cantava o poeta Thaumaturgo Vaz em

    1899, festejando a visita de Coelho Neto a Manaus.

    Versos sintomáticos: não bastavam os limites da

    presença do ilustre homem de letras, era preci-

    so invocar uma torrente de encantamento. É um

    gesto que traduz muito bem a excessiva alegria.

    Não bastava a linguagem simples e comum para

    saudar o visitante; as palavras deveriam ser ador-

    nos. Por isso, a maioria dos autores do Ciclo da

    Borracha, como Thaumaturgo Vaz, não mataram

  • 15

    a charada de seu tempo, quiseram mais, levanta-

    ram a voz com entulhos de linguagem. No entan-

    to, escritores como Maranhão Sobrinho, Jonas da

    Silva, Sant’Anna Nery, Araújo Filho e Adriano Jor-

    ge, produziram páginas de grande sensibilidade e

    retrataram uma época de delírios.

    O mais importante e melhor poeta dessa era

    febricitante foi seguramente Raimundo Montei-

    ro, rapaz rico, dono de seringais, famoso por sua

    vida extravagante em Paris. É possível que um dia

    esse jovem amazonense tenha olhado as águas

    do Sena com o mesmo fervor de febre de Verlai-

    ne. Mas era um provinciano, um homem que se

    sentia arrancado do seu mundo, lançado na ex-

    periência rica da metrópole: era um maravilhado.

    Estava orgulhoso e tonto, no melhor de seus anos,

    circulando pelas ruas daquele arquétipo do bem

    -estar burguês que era Paris no começo do século

    XX. O poeta provinciano sentia, no fundo do cora-

    ção, esta experiência que poderia torná-lo incom-

    parável. Mergulhou tão fundo nesse isolamento

    de delícias, que se sentiu marcado por um temor

    diferente: percebeu que o seu mundo de fácil ri-

    queza teria um fim brusco. Desde então, o poeta

    Raimundo Monteiro, arquiteto de versos, seria um

    obcecado pelas recordações, pela extraordinária

    experiência e por uma tentação de viver dessas

    recordações. O cavalheiro austero que iria substi-

  • 16

    tuir mais tarde o poeta febril não passaria de uma

    aparência que não resistiria à vertigem de seus

    versos. Descobrindo a gratuidade, ele passou a di-

    ferir de seus companheiros de geração.

    “Meus olhos tristes, não choram

    mas a minha alma padece...

    O orgulho que me enaltece

    É como o orgulho de um rei!

    Mágoas, que os outros deploram,

    Dão me coragem sem termo...

    O meu espírito enfermo às tempestades

    [lancei”.

    (...)

    “A margem do Machado, em Bom Futuro,

    [ouvindo

    O espalhado fragor da cachoeira bramindo

    Por entre a confusão de ilhas de araçás

    E igaranas, tremendo à furia tumultuosa

    Do potente caudal, penso, na dolorosa

    Sorte minha de poeta exilado e sem paz.”

    Palavras propiciatórias, retrato encantador,

    Raimundo Monteiro dissolveu a ostentação no

    seu próprio veneno, contrapondo sua condenação

    a uma desconfortável profecia que não estava nos

    planos de eternidade dos barões do látex.

  • 17

    Com a quebra do monopólio da borracha pelos

    ingleses, que plantaram seringueiras no Sudeste

    asiático e derrubaram os preços da matéria-pri-

    ma, Manaus entrou em decadência e sofreu uma

    assustadora redução populacional. A massa rural

    regredia para o sistema do trabalho de subsistên-

    cia e para o regime de troca. A classe média, prole-

    tarizada, necessitava de crédito aberto do comér-

    cio e, com o alto índice de desemprego, atingia ní-

    veis de indigência. Os palacetes começavam a ruir

    abandonados e as ruas enchiam se de buracos.

    Toda a infraestrutura de serviços urbanos come-

    çou a entrar em colapso e o êxodo das populações

    interioranas acelerava este processo. A cidade que

    quis ser a Paris equatorial era agora uma Port au

    Prince ridícula, vivendo num isolamento de en-

    louquecer.

    Apenas em 1962 Manaus receberá de volta a

    eletricidade e um pouco de estabilidade econômi-

    ca. Ainda na década de 50, surge um importante

    movimento cultural: o “Clube da Madrugada”.

    Ligados à literatura da Geração de 45 e imbuí-

    dos de todas as aspirações políticas do pós-guerra,

    esses jovens renovadores, engajados e combati-

    vos, fizeram uma frente única contra a estagnação

    cultural vigente. Se o Movimento Modernista ha-

    via sido no Amazonas um desastre breve e inex-

    pressivo, o “Clube da Madrugada”, encontrando

  • 18

    terreno mais fértil, desenvolveu se com a diretriz

    de se impor a uma cidade entorpecida que logo

    seria agitada pela Zona Franca. Alguns talentos

    ganharam renome nacional e em Manaus, cida-

    de desacostumada a ler e pensar, um grupo lia e

    debatia com paixão. Numa cidade sem livrarias

    e com jornais de circulação restrita, o “Clube da

    Madrugada” inaugurava páginas literárias e edita-

    va livros, invadindo o amortecimento, com vigor,

    como jamais a província havia experimentado.

    O Clube da Madrugada deu ao Amazonas um

    conjunto expressivo de poetas: Thiago de Mello,

    Élson Farias, Farias de Carvalho, Jorge Tufik e Alci-

    des Werk. De todos o mais importante é Luiz Ba-

    cellar.

    Nascido em 1928, Luiz Bacellar publicou “Frau-

    ta de Barro” em 1963, depois de ganhar o prêmio

    “Olavo Bilac” da Prefeitura Municipal do Rio de Ja-

    neiro. “Frauta de Barro” reúne poemas de organi-

    zação detalhada, desenhados com uma precisão

    nova. Lúcidos, certeiros e confeccionados com

    cortante ironia, eles logo diluem o masoquismo

    como uma fortaleza da antiga incompetência.

    Verifica-sse de imediato que seu interesse poéti-

    co obedece à mesma configuração das aspirações

    provincianas. E a obra lança, no primeiro poema,

    uma advertência:

  • 19

    “E mesmo que toda a gente

    fique rindo, duvidando

    destas estórias que narro,

    não me importo: vou contente

    toscamente improvisando

    na minha frauta de barro”.

    Nas noites boêmias de Manaus, empunhan-

    do sua bengala, o poeta Luiz Bacellar se sente

    sob o olhar da província e descobre se à espreita

    como um inseto interessante, volteando seu cor-

    po curvado como uma interrogação, entorpecido

    e perverso como um escaravelho vivo em mãos

    infantis, entre pobres de espírito, entre volúveis

    guardiões que o submetem à força, tal como ele

    deseja: ele quer viver como um inseto bizarro,

    mineral e instintivo, onde a arte é como um jogo

    aristocrático, mas da aristocracia imaginária dos

    catálogos genealógicos que lembram a inutilida-

    de da filatelia.

    Em 1963, quando publicou os contos de “Ala-

    meda”, Astrid Cabral foi saudada pela crítica bra-

    sileira como uma grande promessa literária. Nas-

    cida em Manaus, em 1936, foi fundadora do Clube

    da Madrugada, formando-se em letras neolatinas

    pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em

    1962 vai lecionar na recém-criada Universidade

    de Brasília, de onde foi demitida pela Ditadura

  • 20

    Militar. Funcionária de carreira do Ministério das

    Relações Exteriores exerceu funções em Beirute e

    Chicago.

    Astrid Cabral ficou em silêncio por 16 anos. Em

    1979 publicou “Ponto de Cruz”, com grande recep-

    ção crítica. A partir de então, vem construindo

    uma sólida obra poética, onde uma lírica precisa

    e versos cuidadosamente dosados investigam ora

    a interioridade, ora as imprevisibilidades do mun-

    do, ora os pequenos sustos de existir. A inexora-

    bilidade da morte e a celeridade da vida também

    estão presentes.

    “Pesado é o coração

    do escombro de teus sonhos

    e dos mortos que em teus ombros

    repousam imortais.

    O amor de ontem

    É cinza feita chumbo.

    Cicatrizes e rugas

    Lavram a tua carne

    De aflições temperada

    E a vazante das veias

    Irriga-se

    De subterrâneas lágrimas antigas”.

    A obra de Astrid, sem ser feminina ou femi-

    nista, carrega uma consciência de mulher, uma

  • 21

    dolorosa certeza feminina, uma ironia capaz de

    enxergar através do denso nevoeiro das tragédias

    menores, dos gestos que se repetem no cotidiano.

    “Dentro de mim há cachorros

    que uivam em horas de raiva

    contra as jaulas da cortesia.”

    No panorama da moderna poesia brasileira,

    Astrid ocupa um nicho especial e raro, aquele da

    antiga tradição da poesia meditativa, filosófica,

    sem invencionices, enquanto cultiva valores con-

    temporâneos, livre do velho e senil regionalismo

    que parece querer sempre agrilhoar os artistas da

    Amazônia.

    Mas é na poesia de Aldísio Filgueiras, poeta da

    geração de 68, que a herança de Tenreiro Aranha

    tem seu paralelo crítico. O desespero amazonen-

    se corre ao lado da impressão urbana de Aldísio

    Filgueiras, e ele é admirável. Filgueiras é autor de

    cinco livros de poesia, entre eles “Estado de Sítio”

    e “Malária e outras Canções Malignas”, o primeiro

    de 1968 e o segundo de 1976. Aldísio Filgueiras é

    amazonense de Manaus, nascido em 1947.

    Poeta dos estilhaços da amazonidade, a poe-

    sia desabusada de Filgueiras, o citadino loquaz,

    lança-se como um raio na indolência luminosa

    da província, uma poesia despida de redenção ou

  • 22

    esperança, exacerbada e nada otimista, no mo-

    mento em que configura os estilhaços da cidade

    em processo de explosão demográfica. Enquanto

    a maioria dos poetas amazonenses caminha na

    falsa imutabilidade do homem prisioneiro do ex-

    trativismo, a linguagem de Filgueiras recorta este

    conformismo tal qual um inseto, sem nenhuma

    cerimônia, roendo as talas moles do matagal re-

    gionalista.

    Há dois aspectos de linguagem que sobressaem

    e caracterizam a poesia de Filgueiras: as palavras

    já não são mutiladas pelo conhecido conformismo

    amazonense e aparecem como um jogo sonoro de

    articulações críticas. Assim, é uma poesia que se

    abre para fora do confessional, rompendo com a

    analogia de vitrine e estabelecendo uma subjeti-

    vidade livre de especulações psicológicas. Não é

    mais o espírito doente do poeta provinciano que

    vislumbra na natureza os sinais antropomórficos

    de sua doença.

    “Falarte me eu QUERO

    mas logo eu – cara do passado –

    passadista do concreto

    não vou ler nenhuma etiqueta

    também no conclusivel e

    pontuo como um romântico

    no auditório do Parnaso”.

  • 23

    Filgueiras abate-se contra a grande metáfora

    iluminista posta a nu pelas agressões do desen-

    volvimento econômico. Ele desce neste paraíso

    alucinado que é a região neocolonizada e mani-

    pula a farsa e o grotesco para reconquistar a iden-

    tidade perdida. “Malária e outras Canções Malig-

    nas” revolve, página por página, a mata destruída

    e a encenação das palavras, esta linguagem tradu-

    zida anseia por compreensão. Não há mais esco-

    ras ou salva vidas, não há heróis dignos nem bons

    exemplos:

    “Precisa se

    De um herói

    Com referências

    Que durma no emprego

    URGENTE

    Favor não se apresentar quem não

    entenda do assunto”.

    Beirando a incoerência, usando sinais de pon-

    tuação como substantivos ou adjetivos, a lingua-

    gem de Filgueiras marca um corpo a corpo com a

    própria língua portuguesa. No dorso desta tradu-

    ção enlouquecida, desta traição sem traídos, verte

    uma única identidade que é a despersonalização

    da Amazônia num esmagamento repressivo cha-

    mado integração. Filgueiras consegue exagerar

  • 24

    até a insolência, montado sobre a própria poesia,

    uma desmistificação do ofício poético, modelando

    o ridículo e as delícias de ser um poeta sem língua

    primeira e que escreve numa segunda língua. Fil-

    gueiras responde ao desafio com um diagnóstico

    definitivo, marcando para sempre a expressão re-

    gional:

    “Ah! a poesia aqui

    meu filho

    é uma doença tropical”.

    Atualmente o Amazonas conta com três gran-

    des escritores que brilham no cenário nacional e

    internacional. É o poeta Thiago de Mello, na poe-

    sia, e os romancistas Márcio Souza e Milton Ha-

    toum. Todos com obras traduzidas em diversos

    idiomas de cultura e com grande popularidade

    entre os leitores brasileiros, além de detentores

    de muitos prêmios literários.

    Não podemos encerrar esse passeio pelas le-

    tras amazonense, sem uma referência aos povos

    indígenas. Do outro lado da fronteira cultural que

    é Amazônia, nos espreita uma amplidão rústica,

    uma tradição milenar que produziu literatura de

    rara beleza e complexidade, fábulas de rara crue-

    za, forte e sensível expressão de forças prime-

    vas, cuja elegância seduziu homens de categoria

  • 25

    como o conde Ermanno Stradelli, que veio para

    o Amazonas em 1890. Foi com este fidalgo, etnó-

    grafo, rico, corajoso, um herói romântico típico da

    Amazônia, que a lírica dos povos indígenas come-

    çou a ser revelada dentro de uma compreensão

    artística antes que etnográfica. Seus livros, como

    “Leggenda del Taria”, coleção de contos e narrati-

    vas heróicas, ou “La Leggenda del Jurupary”, um

    belíssimo registro da saga do grande legislador,

    antecedem Raul Bopp na reinvenção literária do

    mundo amazônico. “Leggenda del Taria”, lembra

    muito o antigo romance de amor, um gênero li-

    terário que crava suas raízes na mais cara tradi-

    ção literária italiana. As descrições em versos do

    cenário, os gestos cavalheirescos, a renúncia final

    dos contendores frente à carnificina, fazem desta

    saga uma fábula “mileseaca” do rio Vaupés. Stra-

    delli encontrou na narrativa fabulosa dos tariana

    uma linguagem apenas nascida, como é de nas-

    cimento o êxtase de Raul Bopp. E não é por pura

    associação de ideias que Nunes Pereira, em 1966,

    intitula sua monumental obra de “Moronguetá,

    um Decameron Indígena”. Sem interferir na re-

    dação dos mitos, Nunes Pereira registra um estilo

    rico, matizado e sem grilhões. Um registro de mito

    e comportamentos que para Lévi Strauss “esto-

    cam e transmitem informações vitais assim como

    os circuitos eletrônicos e a fita magnética de um

  • 26

    computador o fazem”. Reconhecendo esta auto-

    ridade do mito, poetas como Stradelli defendem

    a primeira realidade da região, realidade maior e

    mais relevante, pela qual está determinado o pró-

    prio destino da Amazônia. Conhecendo isso, es-

    ses “segredos profundos, sedutores e envolventes

    como certos cipós que se cobrem de flores para

    fingir fragilidade”, como bem escreveu Câmara

    Cascudo a respeito de Stradelli, descobrimos que

    vivemos num mundo onde o mito ainda vive e o

    relacionamento do homem com a natureza é ain-

    da o mesmo relacionamento dos deuses com a sua

    criação. Mas hoje os deuses foram banidos para a

    penitenciária da etnografia, o status ontológico do

    mundo está traduzido pelo potencial de energia

    elétrica. O esforço de Stradelli se repetiu nas obras

    de J. Barbosa Rodrigues e Brandão de Amorim, au-

    tores de antologias como “Lendas em Nheengatu

    e Português” e “Poramdubas Amazonenses”. Mas

    foi somente em 1985 que um primeiro autor to-

    talmente indígena pode responder o diálogo pro-

    posto pelo fidalgo italiano. Trata-se de Luís Lana,

    cujo nome em dessana é Tõrãmë Këhíri, autor de

    “Antes o Mundo não Existia”, narração precisa do

    mito cosmogônico de sua cultura, escrito em por-

    tuguês e dessana, sob enormes dificuldades em

    sua aldeia do rio Tikiê. Luís Lana, que nasceu em

    1961, filho do chefe de sua tribo, fez o livro preo-

  • 27

    cupado com a preservação do mito da criação do

    universo, acabou se tornando o primeiro índio a

    escrever e publicar um livro em 500 anos de histó-

    ria do Brasil. “Antes o Mundo não Existia” está tra-

    duzido para diversas línguas europeias e estimu-

    lou o surgimento de outros escritores indígenas.

    Os novos autores estão tornando vernáculo seus

    idiomas ágrafos e essas obras são editadas pela

    primeira editora indígena do país, propriedade da

    Foirn – Federação das Organizações Indígenas do

    Rio Negro, com sede na cidade de São Gabriel da

    Cachoeira. Amazonas.

  • 29

    O TEATRO

    O Teatro sempre esteve presente no Amazo-nas. É mesmo um teatro o símbolo princi-pal do Estado. Quando a opulenta socie-dade dos barões do látex decidiu construir uma

    espécie de monumento ao seu poder econômico,

    erigiu um teatro de óperas como outrora outros

    povos tinham construídos catedrais. Muitas ou-

    tras civilizações lograram menos.

    Já vimos o trabalho teatral de Tenreiro Aranha, o

    primeiro artista expressivo do Amazonas. O ama-

    zonense será, ao lado de Antônio José, o Judeu, um

    dos dramaturgos brasileiros do século XVIII, com

    a vantagem de ter exercido o seu ofício teatral no

    Brasil, na cidade de Belém, precisamente durante

    a crise final do colonialismo português.

    Com o ciclo da borracha o teatro no Amazo-

    nas saltará, sem qualquer preparo, do arraial de

    igreja, para o profissionalismo burguês. Sairá do

  • 30

    “Drama da Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus

    Cristo” para “Mulheres em Penca”. E como a atriz

    que interpretava a Virgem no drama da Paixão

    certamente não poderia interpretar uma zarzuela

    picante, importaram o elenco ideal para os novos

    tempos.

    O teatro que impera nas temporadas de Ma-

    naus, entre 1890 e 1918, um teatro profissional,

    inscrito nas avançadas relações de mercado. Pou-

    cas cidades brasileiras experimentarão este fenô-

    meno. O teatro feito por amadores desaparecerá

    quase que completamente. Manaus receberá um

    contingente de músicos, atores, atrizes, cantores

    líricos e bailarinos, oriundos dos mais diversos

    quadrantes da Terra, que se instalarão e formarão

    uma classe teatral. Além desses fixados, cente-

    nas de companhias nacionais e estrangeiras farão

    temporada em Manaus. Tanto essas companhias,

    quanto as produções locais, contarão com uma

    verba de incentivo retirada dos cofres públicos,

    mas o risco correrá por conta dos empresários.

    Durante quase trinta anos os palcos de Manaus

    serão territórios exclusivos dessas trupes com-

    postas por artistas aventureiros decididos a en-

    frentar os rigore s dos trópicos.

    Foi uma época que se permitiu deixar muitos

    monumentos arquitetônicos e poucos exemplos

    de peças teatrais. Além de Thaumaturgo Vaz, que

  • 31

    escreveu muitas revistas musicais satíricas ence-

    nadas anualmente, os anos loucos da borracha

    conheceram alguns dramaturgos de boa qualida-

    de, sendo o mais expressivo desses Coriolano Du-

    rand (1878-1937), autor de um curioso vaudeville

    simbolista intitulado “Vende-se”, de 1908, da alta

    comédia “A Chama”, de 1910. Foi também Corio-

    lano Durand o autor do espetáculo teatral mais

    popular da época, a opereta “A Marquesinha” com

    músicos originais do maestro Sobreira Lima.

    Outro autor, Benjamin Lima (1885-1948), exer-

    ceu considerável influência à época. Era crítico de

    teatro e cinema militante, homem de grande cul-

    tura e convicções políticas progressistas sempre

    lutou por um teatro menos superficial e irrespon-

    sável como o que se produzia em Manaus. Escre-

    veu um texto que se tornou célebre, “O Homem

    que Marcha”, agudamente crítico e por isso mes-

    mo interditado pela censura da época. Benjamin

    Lima preocupava-se com a qualidade das encena-

    ções, detestava o improviso, as interpretações es-

    tereotipadas e inconsequentes, a mania do ponto

    que fazia dos atores e atrizes meros repetidores

    de frases que não sentiam e nem compreendiam.

    Anos mais tarde, já no Rio de Janeiro para onde se

    mudou quando a depressão econômica da borra-

    cha o obrigou a buscar melhores oportunidades,

    instalou o Curso Prático de Teatro em 1939, o pri-

  • 32

    meiro curso de formação teatral a funcionar no

    Brasil. “O Homem que Marcha” acabou sendo en-

    cenado pelo produtor Lugné Poe, grande incenti-

    vador do teatro de vanguarda europeu. Lugné Poe,

    que já havia ousado produzir a primeira encena-

    ção de “Ubu Rei”, de Jarry, leva a cena no mesmo

    palco célebre de seu Théátre de L’Oueuvre o dra-

    ma amazonense.

    Entre os anos trinta e os anos cinquenta, en-

    quanto a economia regional vegetava na estagna-

    ção do extrativismo, a situação do teatro não havia

    se modificado. Mudaram os nomes, mas o teatro

    continuou o mesmo. Três grupos sobressaíram-se

    nesse longo período: o “Teatro Amazonense de

    Comédia”, o “Teatro de Revista” e o “Teatro Escola

    do Amazonas”. Este último, cuja fase de maior ati-

    vidade se dará na virada da década de cinquenta

    para a década de sessenta, terá um repertório e

    ambições bem diversas dos dois primeiros grupos.

    O “Teatro Amazonense de Comédia” teve o

    seu grande momento entre 1930 e 1932, quando

    era dirigido por João Braga, pequeno artesão, fa-

    bricante de chapéus e amante das burletas e re-

    vistas políticas inocentes. Em seu elenco vamos

    encontrar vários nomes de amazonenses, ainda

    estudantes ou iniciando carreira em profissões

    liberais, que mais tarde iriam fazer parte da clas-

    se dirigente. As comédias e revistas eram escritas

  • 33

    por Euclides Campos Dantas, funcionário público,

    professor e membro do Partido Comunista Brasi-

    leiro. No elenco, Paulo Prestes Mourão, Luiz Cabral

    (mais tarde desembargador), Fueth Paulo Mourão

    (professor de matemática e fundador do extinto

    Colégio São Francisco de Assis), as irmãs Palmi-

    ra e Cristina Derzi, além da mãe, Adília Derzi. E

    na técnica, como maquinista e contrarregra, o de-

    pois popular Aldemar Bonates, guardião do Teatro

    Amazonas nos seus momentos mais miseráveis e

    uma vida dedicada ao teatro.

    O “Teatro Escola do Amazonas,”, quando ani-

    mado por Guedes Medeiros, advogado, homem

    de rádio, reunirá no seu elenco alguns nomes que

    farão história. O primeiro trabalho montado será

    “Iaiá Boneca”, de Ernani Fornari, sucesso total. Até

    1964, quando o elenco é detido no Amapá, duran-

    te uma excursão com a peça “A Guerra mais ou

    menos Santa”, de Mário Brazini, sob a acusação de

    que se tratava de um grupo de comunistas peri-

    gosos, o “Teatro Escola do Amazonas” se manterá

    ativo. Para a produção de seus espetáculos contou

    sempre com o beneplácito dos cofres estaduais.

    Com esta ajuda, montaram uma excelente produ-

    ção de “O Auto da Compadecida”, de Ariano Suas-

    suna. Encenaram, também, a comédia “Garçom de

    Casamento”, o dramalhão “A Raposa e as Uvas”,

    de Guilherme Figueiredo, e até um surpreendente

  • 34

    Jean-Paul Sartre, justamente a difícil “Prostituta

    Respeitosa”.

    No começo dos anos 1960 os atores José Aze-

    vedo, Ediney Azancoth, e Virgílio Barbosa, que a

    seguir, com Felix Valois, de certo modos fartos de

    usar trajes bíblicos, fundam o “Teatro Universitá-

    rio do Amazonas”. A primeira produção será o in-

    defectível monólogo “As mãos de Eurídice”, de Pe-

    dro Bloch. mas logo os estudantes vão notar que

    estavam num caminho totalmente equivocado.

    Em 1962, com o apoio da UNE e da UEA, o grupo

    encena “Beata Maria do Egito”, de Raquel de Quei-

    roz. Com este trabalho participam do festival que

    Paschoal Carlos Magno estava promovendo em

    Porto Alegre. Ediney Azancoth destaca-se e recebe

    um prêmio nesse encontro. Era a primeira vez que

    o teatro amazonense participava de um festival

    nacional.

    Além do cuidado na escolha do texto, o “Teatro

    Universitário do Amazonas” foi o primeiro grupo

    amazonense a colocar claramente os problemas

    modernos do teatro. Foi o primeiro grupo a enca-

    rar a natureza política do ato teatral e a preocupar-

    se com a natureza da encenação enquanto arte da

    imagem. Não é por mero acaso, nem por modis-

    mo, que o “Teatro Universitário do Amazonas” en-

    cena em 1968 a peça didática de Bertold Brecht, “A

  • 35

    Exceção e a Regra”, com direção de Aquiles Andra-

    de. Era uma montagem forte, despojada, com um

    elenco bem afinado que passava com virilidade

    a discussão proposta por Brecht. Esta montagem

    será levada ao Rio de Janeiro, ainda em 1968, para

    representar o Amazonas no último grande festival

    estudantil que Paschoal Carlos Magno realizaria.

    Apresentado a uma plateia jovem, numa manhã

    de fevereiro, no palco do então Teatro Nacional de

    Comédia (hoje Glauce Rocha), o espetáculo causa-

    rá impacto, sendo escolhido um dos melhores do

    Festival, além da nominação de Roberto Evangelis-

    ta como um dos melhores atores daquela mostra.

    No mesmo ano, sob a direção de Nielson Me-

    não, o grupo realizará a sua última montagem,

    também um texto de Brecht, retirado de “Terror e

    Miséria do 3.º Reich”. Com esta montagem o “Te-

    atro Universitário do Amazonas” participa de um

    festival local, patrocinado pela Fundação Cultural

    do Amazonas. Depois deste trabalho, o grupo se

    dissolve, para seus componentes retornarem, já

    em 1969, no II Festival promovido pela Fundação

    Cultural, com o nome de “Grupo Sete”, apresen-

    tando uma extraordinária encenação de vários

    textos curtos do teatro futurista sintético italiano,

    sob o título bastante adequado para a época: LSD

  • 36

    – Luar sobre o Danúbio”. Este será o único trabalho

    do grupo com o qual ganha o prêmio do Festival.

    Através desses festivais organizados pela Fun-

    dação Cultural, grupos de amadores que prolife-

    ravam pelos bairros da cidade, em paróquias su-

    burbanas, começam a se estruturar e fazer sua

    estreia no Teatro Amazonas. Foi o caso do “Teatro

    Jovem de Manaus”, animado por Moacir Bezerra,

    Rômulo de Paula e Gerson Albano, que em 1968

    aparece com um Arrabal, “A Bicicleta do Condena-

    do”, concorrendo com o também nascente “Teatro

    Experimental do Sesc”.

    Em dezembro de 1968 é criado pelo Sesc Ama-

    zonas o Tesc – Teatro Experimental do SESC do

    Amazonas, após um curso de artes cênicas mi-

    nistrado pelo teatrólogo paulista Nielson Menão.

    A primeira montagem, “Eles Não Usam Black Tie”,

    de Gianfrancesco Guarnieri, teve apenas uma

    apresentação, sendo imediatamente proibida pela

    censura, mas o grupo perseverou e nos anos 1970

    ganhou fama nacional e internacional, estando

    em atividade até hoje.

    O quarto festival, em 1971, mostrou mais um

    grupo representativo; o “Teatro Experimental de

    Arte”, até então restrito ao público do bairro de

    São Raimundo, que trouxe um autor estreante,

    Odenildo Sena, com o drama “Ribaltas sem Vida”,

  • 37

    título que bem encerra uma filosofia. Este mesmo

    grupo ainda montaria, no ano seguinte, “O Paga-

    dor de Promessas”, de Dias Gomes, no palco do

    Luso Sporting Clube.

    Todos esses grupos, com a exceção do “Teatro

    Experimental do Sesc”, tiveram curta duração. Os

    problemas eram os de sempre: falta de recursos,

    falta de espaço, mas, sobretudo, falta de um obje-

    tivo claro que iluminasse o trabalho de cada um

    deles. Foi visto que o grupo amador mais coerente

    tinha sido justamente, o “Teatro Universitário do

    Amazonas” por haver estabelecido uma política

    de trabalho. Os outros, obrigados a trabalhar em

    porões, em pequenas salas de paróquias, esface-

    laram-se nos rebarbativos problemas de manter

    um elenco fixo, falta de dinheiro e impossibilida-

    de de estabelecer qualquer contato com o público.

    Na atualidade o Amazonas conta com a pre-

    sença ativa de muitos grupos teatrais, como o

    Metamorfose, dirigido por Socorro Andrade, que

    trabalha com bonecos, espetáculos infantis e te-

    atro didático; há o grupo Vitória Régia, de Nonato

    Tavares, que pesquisa mitos amazônicos e teatro

    infantil; o grupo A Rã que Ri, de Nereide Santia-

    go, com uma longa trajetória de espetáculos com

    grandes textos da dramaturgia nacional e interna-

    cional, os trabalhos independentes de Chico Car-

  • 38

    doso, Wagner Mello e Sérgio Cardoso, bem como

    os grupos Companhia de Ideias, Cacos de Teatro,

    Arte e Fato e Pombal, todos com expressiva atua-

    ção na cidade.

  • 39

    CINEMA NO AMAZONAS

    Na Sétima Arte o Amazonas foi um único estado do Norte do Brasil a produzir fil-mes, inaugurando uma tradição cinema-tográfica, profícua no campo da crítica e da reali-

    zação, começando com Silvino Santos em 1918. O

    cineasta Silvino Santos, nascido em Portugal, con-

    siderado hoje como a mais alta expressão artística

    do “ciclo da borracha”. Tal qual o seu conterrâneo

    Ferreira de Castro, expressivo romancista de “A

    Selva”, este aventureiro chegou à Amazônia nos

    fins do século XIX, disposto a ficar rico, mas era

    um apaixonado pela região e não incluía o retorno

    em seus sonhos. Quando chegou ao Pará e viu pela

    primeira vez o rio Amazonas, foi tocado para sem-

    pre por uma paixão que já cultivava desde crian-

    ça em Portugal. Em Manaus, trabalha como auxi-

    liar de fotógrafo, aprendendo o ofício. A fotografia

    artesanal e complicada da época e, mais tarde, o

  • 40

    cinema, seriam as suas formas de expressão. Au-

    tor de um dos mais belos documentários de longa

    metragem, “No Paiz das Amazonas”, Silvino San-

    tos abre uma linhagem de cineastas de primeira

    categoria, com nomes como Roberto Kahane, com

    o curta “Silvino Santos, o fim de um pioneiro”, Do-

    mingos Demasi, com “Vale Quem Tem”, Antônio

    Calmon, autor de filmes de vanguarda como “O

    Capitão Bandeira Contra o Doutor Moura Brasil”;

    Djalma Limongi Batista, com “Asa Branca: um so-

    nho brasileiro” e Aurélio Michiles, com “O Cineas-

    ta da Selva”. Vale ressaltar a figura de Cosme Alves

    Neto, que fundou a cinemateca do Museu de Arte

    Moderna do Rio de Janeiro e criou o programa de

    recuperação da memória do cinema brasileiro.A

    nova geração de realizadores de Manaus tem em

    Sérgio Andrade, autor do filme de longa metragem

    “A Floresta de Jonathan”, e Júnior Rodrigues e seus

    experimentos com filmes de um minuto, os seus

    mais conhecidos realizadores.

  • 41

    A MÚSICA NO AMAZONAS

    Em 1896, bem antes de São Paulo, a cidade de Manaus recebeu a luz elétrica e, com a eletricidade o Teatro Amazonas foi a primei-ra casa de óperas do país a ter seu equipamento

    de iluminação com refletores modernos e ribalta

    com lâmpadas incandescentes. Naquela época

    de prosperidade a música desempenhava papel

    importante na oferta de diversões na cidade. Nas

    ruas do centro instalaram-se bares, restaurantes,

    cafés e teatros, quase sempre com música ao vivo,

    fossem trios, quartetos e, em geral, o pianista. Nas

    casas de família não podia faltar na sala o piano,

    fosse este de cauda, nas mansões abastadas, ou

    o modesto piano de armário, nas residências de

    classe média. Quando a temporada lírica come-

    çava, os restaurantes ficavam abertos até a meia-

    noite, à espera dos espectadores que saíam dos

    teatros. Não há registro de composições criadas

  • 42

    por artistas locais. Sabe-se apenas da qualidade

    e do talento de músicos nascidos no Amazonas,

    assim como a presença das manifestações folcló-

    ricas com seus puxadores de toadas dos Bumbás,

    os cantos das Pastorinhas e as melodias dos Pás-

    saros. Mas a sociedade amazonense já estava fa-

    miliarizada com o melhor do repertório mundial,

    graças à venda de partituras e pela possibilidade

    de assistir vaudevilles, operetas e óperas desde

    1885, tornando-se uma das cidades das Américas

    com maior tradição musical. A partir de 1898 a ci-

    dade passa a contar com a Academia Amazonen-

    se de Belas Artes, iniciativa do maestro Joaquim

    Franco, escola de inciativa privada, mas que con-

    tava com o apoio financeiro do governo estadual.

    A Academia fazia a formação musical em seu Con-

    servatório de Música e as artes plásticas no Ateliê

    de Artes Objetivas. A Academia fez tanto suces-

    so que se tornou a segunda instituição de ensino

    mais frequentada, perdendo apenas para o ensino

    fundamental. Nas décadas seguintes, quando a ci-

    dade entra em decadência, não morre o legado do

    maestro Joaquim Franco, já que seus alunos man-

    tiveram acesa a tradição musical de Manaus. Da-

    quele período vale destacar o “Pastoral do Luso”,

    encenado na época natalina, acompanhada por

    um trio musical composto por um piano, violino

    e bateria. E a gloriosa persistência dos músicos

  • 43

    amazonenses, primeiro com o maestro Donizete

    Gondim e seu “Conjunto Clássico”, e o memorável

    “Conjunto de Câmara Orfeu”, liderado pelo violi-

    nista Francisco Bacellar, que manteve com recur-

    so de seu próprio bolso um quarteto de excelentes

    músicos e um repertório de primeira grandeza,

    cujas partituras eles mesmo importava da Ingla-

    terra. Esses dois músicos extraordinários fizeram

    a arte da música atravessar incólume aos anos de

    decadência. Nos anos 50, dos quadros do Clube

    da Madrugada temos os nomes de Pedro Amorim,

    cantor lírico e autor de “lieds” amazonenses, e o

    maestro e compositor Nivaldo Santiago, criador

    do Coral João Gomes Jr., autor de sinfonias, poe-

    mas tonais e suítes para ballet. Nos anos 70 vale

    registrar a presença do maestro Adelson Santos,

    autor da poderosa partitura da ópera “Dessana,

    Dessana”, e a dupla Aldísio Filgueiras e Torrinho,

    criadores de “Porto de Lenha”, hino informal de

    Manaus. Ainda na música popular tivemos o con-

    junto regional comandado por Domingos Lima e

    grupos como os “Blue Birds”, o “Grupo A Gente” e

    o internacionalmente famoso “Carrapicho”, lide-

    rado pelo ator e cantor José Correa. Outro nome

    que não pode deixar de ser mencionado é o do

    saxofonista Teixeira de Manaus, que conquistou

    as massas populares e as plateias eruditas com

    sua música mesclada de jazz e ritmos nacionais,

  • 44

    sem esquecer a melodia vibrante do grupo Tariri e

    sua líder Natacha Andrade. Também nesta segun-

    da metade do século XX, há a presença do poeta

    e compositor Celdo Braga, pesquisador das sono-

    ridades amazônicas, que primeiro com o “Raízes

    Cabocla” e depois com seu grupo “Imbaúba”, tem

    divulgado mundo afora o som dos rios e a alma

    das gentes das barrancas.

    E não podemos esquecer que o Amazonas le-

    gou ao Brasil o mais importante criador da segun-

    da metade do século XX, que ao lado de Heitor

    Villa-Lobos marca a presença internacional da

    música brasileira no mundo. Este é Claudio San-

    toro, menino prodígio, criador revolucionário, mas

    ao mesmo tempo capaz de fazer passeios meló-

    dicos sentimentais pela sua própria sensibilidade

    de filho de imigrante italiano, mas amazonense

    das noites de mormaço de Manaus. Estes senti-

    mentos estão presentes em suas obras.

  • 45

    A DANÇA NO AMAZONAS

    A Dança é floração recente. Na primeira dé-cada do século XX o Teatro Amazonas re-cebeu algumas estrelas da dança, oriun-das da Europa. A partir da década de 70 o baila-

    rino e professores José Rezende, formado pela

    academia de Tatiana Leskova, inicia em Manaus

    sua própria Academia ministrando a base clássica

    da dança, atraindo profissionais da educação fí-

    sica, tal como Conceição Souza, que vai lançar as

    técnicas da dança moderna no estado. O primei-

    ro grupo, o “Dançaviva”, era liderado por Concei-

    ção Souza e Ida Vicenzia, e produziu espetáculos

    como “Raça”, apresentado no Teatro Amazonas

    com grande sucesso. A presença de Marta Mar-

    tí, Isa Kokay e Jaime Tribusy, talentos jovens, deu

    substância à dança e aprimoraram a postura cor-

    poral dos atores de teatro. Daí não ser nenhuma

  • 46

    surpresa que o primeiro bailarino do New York

    City Ballet seja o amazonense Marcelo Mourão.

    Hoje a cidade conta com um curso superior de

    Dança, na Faculdade de Artes da Universidade Es-

    tadual do Amazonas, e companhias de excelente

    técnica e invenção, lideradas por premiados core-

    ógrafos, entre os quais se destacam Yara Costa e

    Ricardo Risuenho.

  • 47

    AS ARTES VISUAIS NO AMAZONAS

    Como quase todas as formas de expressão artísticas, as artes visuais chegaram no Amazonas com o dinheiro do ciclo da bor-racha. No entanto, mesmo antes do apogeu eco-

    nômico do látex, a cidade de Manaus não era exa-

    tamente um deserto em se tratando de tradição

    artística. Desde os tempos do Império a cidade

    permitia o contato, ainda que intermitente, com

    exposições de pintura, de escultura. Até mesmo

    a complicada arte fotográfica da época teve seus

    praticantes, como Hippolite Marinette, que fez

    inúmeras imagens de daguerreotipo mostrando

    uma capital ainda bucólica e meio rural, encrava-

    da entre a selva e as sedosas águas do rio Negro.

    Mesmo antes de o maestro Joaquim Franco criar

    seu atelier, os interessados podiam estudar com o

    professor Arturo Luciani, egresso da Academia de

    Belas Artes de Florença, que ganhava a vida deco-

  • 48

    rando com pinturas as casas abastadas, além de

    lecionar desenho artístico no Instituto dos Edu-

    candos Artífices. Na pintura decorativa pontifi-

    caram também Crispim do Amaral, Domenico de

    Angelis, Giovani Capranesi, Adalberto de Andreis,

    Francesco Alegiani e Sílvio Centofanti todos en-

    volvidos com as obras pictóricas que enfeitam o

    Teatro Amazonas. A fotografia ganha força com a

    chegada em Manaus do fotógrafo George Hübner,

    que fundou com seu sócio, Libânio Amaral, irmão

    do pintor Crispim do Amaral, a casa Photogra-

    phica Alemã, que funcionou na Avenida Eduardo

    Ribeiro até o final dos anos 50. No campo da ar-

    quitetura, antes da degradação brutal ocorrida na

    cidade a partir dos anos 60 do século XX, Manaus

    ostentava um planejamento urbano muito avan-

    çado e bons exemplos arquitetônicos, tanto pú-

    blicos quanto privados. O conjunto Teatro Amazo-

    nas e Tribunal de Justiça, inaugurados na gestão

    de Eduardo Ribeiro, serve de lembrança daqueles

    tempos em que os administradores sabiam o que

    era uma cidade. Das salas do atelier do maestro

    Joaquim Franco saiu o pintor Manoel Santiago,

    cuja obra gravitou entre o academicismo e o im-

    pressionismo. Algumas telas de Manoel Santiago

    podem ser vista na Pinacoteca do Estado. Ainda

    do academicismo há a curiosa figura de Branco e

    Silva, com formação no Liceu de Artes e Ofícios de

  • 49

    Lisboa, que realizou grandes telas sobre paisagens

    amazônicas numa técnica tardia e verista. Sua

    obra mais festejada, hoje na Pinacoteca do Estado,

    é um óleo sobre tela de delirante alegoria em que

    esvoaçantes musas descem sobre o Teatro Ama-

    zonas, intitulada “Imortalidade”. A partir de 1945

    as artes visuais ganham um novo momento com

    os artistas do Clube da Madrugada, movimento

    cultural de grande otimismo, que trazia as espe-

    ranças do pós-guerra. Entre os seus integrantes

    destacam-se Moacir Andrade, um artista de difícil

    classificação, mas de grande força expressiva; Ál-

    varo Páscoa, provavelmente o mais sólido artista

    do Clube da Madrugada, oriundo de Portugal, de

    onde trouxe as propostas da vanguarda europeias

    foi um artista multifacetado, atuando na xilogra-

    vura, na escultura, no bico de pena e na pintura,

    exercendo enorme influência nas novas gerações;

    Afrânio de Castro, de um talento explosivo, repre-

    sentou o abstracionismo em telas que indicavam

    uma profunda inquietação beirando ao desespe-

    ro; Getúlio Alho, além de escritor sensível, é dese-

    nhista de grande criatividade e de traço pleno de

    personalidade, sua obra está espalhada pelos jor-

    nais de Manaus e nas obras que ilustrou. Fora do

    Clube da Madrugada há o mais importante artista

    plástico que o Amazonas produziu no século XX,

    Óscar Ramos. Nascido em Itacoatiara, mas com

  • 50

    passagens por Manaus, por Belém, Madrid, Lon-

    dres e Rio de Janeiro, fez parte da vanguarda dos

    anos 70 e é um de seus principais representantes.

    Como podemos ver, as artes visuais do Ama-

    zonas atingiram altos níveis de criação, surpre-

    endendo em grandes exposições internacionais,

    como o impacto crítico provocado pelo jovem

    Roberto Evangelista e sua instalação “Mater Do-

    lorosa”, na Documenta Kassel, Alemanha. Mas a

    cadeia de grande criadores é longa com Gualter

    Batista, Hanhemann Bacellar, Sérgio Cardoso, Jair

    Jacquemont, Otoni Mesquita, Rui Machado, Oli-

    vença, Van Pereira, Auxiliadora Zuazo, Bernadete

    Andrade, Cristóvão Coutinho e Zeca Nazaré.

  • 51

    FOLCLORE E CULTURA POPULAR

    O Amazonas cultiva muitas manifestações populares que seguem o calendário pro-fano religioso. Além do carnaval, há ma-nifestações festivas e cênicas no período junino e

    no Natal. Essas manifestações, embora agregando

    a figura do índio, comum nas danças dramáticas,

    foram introduzidas aqui pelos colonizadores euro-

    peus. Os portugueses trouxeram a ciranda, as pas-

    torinhas, o boi bumbá, a desfeiteira etc., enquanto

    os cordões dos pássaros vieram da Espanha atra-

    vés da Venezuela. Essas manifestações populares

    foram apropriadas pelas classes trabalhadoras,

    mescladas com a cultura africana e indígenas,

    transformando-se numa autêntica manifestação

    americana. Ao longo dos séculos essas manifesta-

    ções se mantiveram autônomas e independentes

    do poder público, até mesmo assumindo posições

    críticas em relação aos poderosos do momento.

  • 52

    Cada comunidade tinha seus animadores, que li-

    deravam o levantamento de recursos entre seus

    pares e cuidavam para que a tradição fosse trans-

    mitida às gerações futuras. Na maioria das regiões

    brasileiras essa tradição continua intacta, no que

    pese a concorrência da indústria cultural e excre-

    cências do tipo trio elétrico, que já foi classificado

    como parte da cultura do latifúndio nordestino

    com excesso de decibéis. Na Amazônia esta au-

    tonomia popular é defendida com muito orgulho

    por muitas comunidades, mas infelizmente em

    Manaus ela se perdeu. As manifestações popu-

    lares foram cooptadas nos anos 60 do século XX,

    com a organização dos festivais folclóricos que

    aconteciam na praça General Osório, num con-

    sórcio de interesses empresariais e políticos. Os

    folguedos tiveram seus tempos de encenação re-

    duzidos para caber na programação do evento e o

    estado passou a financiar diretamente os grupos

    que abdicaram de sua histórica autonomia. O re-

    sultado disso foi o abastardamento dos folguedos,

    a organização de entidades espúrias e predadoras

    que se locupletam dos recursos públicos, a pro-

    miscuidade eleitoreira dessas práticas lesivas, o

    que provocou a decadência dessas manifestações

    na capital amazonense e a perda do brilho da au-

    tenticidade, no entanto, a cultura dos folguedos

    sazonais não morreu de todo. Mesmo aquelas ma-

  • 53

    nifestações loteadas entre os cabos eleitorais dos

    políticos populistas, é o próprio povo que conti-

    nua financiando suas fantasias e adereços, pois os

    recursos alocados pelas administrações públicas

    nunca chegam até os brincantes e se evaporam no

    caminho. Por isso é urgente uma revisão das po-

    líticas públicas para as manifestações folclóricas

    tenham de volta a sua autonomia, sob o controle

    popular, antes que estas percam para sempre a

    autenticidade.

  • 55

    EM BUSCA DA INTEGRAÇÃO CULTURAL DO POVO MANAUARA

    Até recentemente a cidade de Manaus era uma cidade culturalmente sólida embo-ra marcada pela decadência econômica. Sua população carregava uma rica mescla de tra-

    dições culturais indígenas, europeias e brasilei-

    ras, alicerçada por uma pequena, mas sólida rede

    educacional. Era uma cidade que usufruía de uma

    cultura orgânica, coerente, perfeitamente inteligí-

    vel para a esmagadora maioria da população. Em

    1968 o regime militar após cortar ao meio a região

    amazônica, dividindo-a em Amazônia Oriental e

    Ocidental, impõe ao Amazonas a Zona Franca de

    Manaus, área de renúncia fiscal inspirada em so-

    luções coloniais largamente utilizadas na África

    no século XIX.

    Do ponto de vista cultural foi um desastre. En-

    tre 1968 e 1970 a cidade Manaus salta de 350 mil

  • 56

    habitantes para 600 mil, atingindo a marca dos

    dois milhões em 2009. Todos os brasileiros têm o

    direito de procurar outras terras em busca de uma

    vida melhor, mas nenhuma cidade suportaria ta-

    manha explosão demográfica sem sofrer terríveis

    consequências como aconteceu com Manaus. Es-

    pecialmente por se tratar de uma explosão demo-

    gráfica provocada não pelo aumento exponencial

    da taxa de natalidade dos nativos, mas pela in-

    tensiva migração. O Distrito Industrial, planejado

    para absorver 50.000 operários com baixos salá-

    rios, tornou-se um polo de atração para os de-

    serdados dos bolsões de miséria mais próximos.

    Essa massa de imigrantes provinha de áreas onde

    não contavam com educação, sistema de saúde,

    trabalho ou segurança. Esse tipo de massa oriun-

    da do campo carrega um dilaceramento cultural

    profundo, e por isso, em sua nova terra de eleição,

    não consegue estabelecer vínculos ou compreen-

    der a cultura que os recebe, sem que os poderes

    públicos e a sociedade proporcionem meios de re-

    cepção e integração. Infelizmente isso não acon-

    teceu. Levas e mais levas de emigrantes sem qua-

    lificação, analfabetos, sem documentos, despidos

    de identidade, foram espalhados em invasões que

    se transformaram em favelas. No final do sécu-

    lo XX aportavam em Manaus aproximadamente

    140 famílias por dia, o que logo se transformou

  • 57

    em maioria, soterrando os nativos e colonizando

    culturalmente a capital amazonense.

    Nessa realidade sombria, fruto da inércia da

    sociedade, a percepção da cultura se degradou. O

    sistema educacional foi incapaz de evitar o esque-

    cimento do passado, porque não conseguiu passar

    aos que aqui chegaram o que era ser amazonense,

    os valores amazonenses.

    Aliás, ninguém, nenhuma instituição ou seg-

    mento social percebeu o que se passava e logrou

    impedir a catástrofe. A capital amazonense foi

    varrida por essa avalancha de cultura imediatista,

    que é o moto da imigração, deixando no caminho

    uma camada de rusticidade, de ignorância sobre

    o que é viver numa cidade, terreno fértil para a

    atual permissividade. No interior dessa nova com-

    posição social desapareceram as tradições cultu-

    rais, o respeito pela paisagem e pela configuração

    da cidade. Surge uma massa indistinta, desperso-

    nalizada, sem autoestima, movida pelas emoções

    mais primitivas, vítima da indústria cultural que

    lhe injeta o que há de mais vulgar. Essa população

    é primariamente escrava da indústria cultural de

    massas, que lhe oferece entretenimento alienan-

    te, meias verdades como informação e normas de

    conduta que só desagregam os valores, estes já

    em si rotos.

  • 58

    É para tentar dar início à reversão desse tris-

    te processo que o Conselho Municipal de Cultura

    decidiu investir numa política de preservação da

    Memória Cultural e Artística de Manaus na tenta-

    tiva de corrigir e correr contra o tempo, para que

    as novas gerações venham a se orgulharem dos

    feitos culturais do Amazonas e conhecer os seus

    artistas e a grandiosa história da nossa cultura.

  • 59

    A AMAZÔNIA NO CONTEXTO NACIONAL

    A Amazônia foi reinventada pelo Brasil, que propôs para ela a sua própria imagem. Os moradores da Amazônia sempre se es-pantam ao ver que, talvez para melhor vendê-la

    e explorá-la, ainda apresentam sua região como

    habitada essencialmente por tribos indígenas, en-

    quanto existem há muito tempo cidades, uma ver-

    dadeira vida urbana, e uma população erudita que

    teceu laços estreitos com a Europa desde o século

    XIX. Aliás, nisso residem as maiores possibilida-

    des de resistência e de sobrevivência dessa região.

    Com efeito, os povos indígenas da Amazônia nada

    conseguirão se não se apoiarem nessa população

    urbana que é a única que se expressa nas eleições

    e exerce pressão sobre a cena política. É pelo jogo

    das forças democráticas que o problema da explo-

    ração econômica da Amazônia poderá encontrar

  • 60

    uma solução, portanto é preciso reforçar as estru-

    turas políticas regionais. A Amazônia conta uma

    população de 20 milhões de pessoas e com nove

    milhões de eleitores, o que não é pouca coisa.

    Embora o Brasil se orgulhe de ter “absorvido”

    a Amazônia, não aniquilou suas peculiaridades.

    Continua havendo uma cozinha, uma literatura,

    uma música da Amazônia. As trocas entre ambas

    as culturas são muitas, e isso é bom. A explora-

    ção da Amazônia pode esclarecer com proveito

    o projeto de modernidade do Brasil. As favelas,

    a má distribuição de renda e a desigualdade so-

    cial decorrem menos da pobreza de certas regiões

    que obriga seus moradores a emigrar, do que das

    opções políticas adotadas pelos grandes latifun-

    diários e pelos donos das grandes empresas, ou

    seja, por aqueles que detêm o capital, os donos do

    império brasileiro.

  • 61

    CRIAÇÃO PERENE

    ACultura da Amazônia faz parte da diversi-dade. Para resumir, é uma cultura com ex-pressão própria, embora de extração mais recente que a expressão literária de outras regi-

    ões brasileiras, mas ela já foi capaz de assimilar

    a linguagem da região, a voz de seu povo, embora

    nunca deixe de ser nacional.

    Ela é um pouco como os muçulmanos do ro-

    mance de Milton Hatoum, “Relato de um certo

    oriente”, uma das mais recentes manifestações

    da grande literatura amazônica. Aqueles muçul-

    manos vinham para a distante Manaus, este “cer-

    to oriente” incrustado nos confins do ocidente,

    mas nunca perdiam totalmente suas raízes.

    Um personagem relata o seu espanto, ao cons-

    tatar esta verdade: “Eu mesmo relutei em acreditar

    que um corpo em Manaus estivesse voltado para

    Meca, como se o espaço da crença fosse quase tão

  • 62

    vasto quanto o universo: um corpo se inclina dian-

    te de um tempo, de um tempo, de um oráculo, de

    uma estátua ou de uma figura, e então todas as

    geografias desaparecem ou confluam para a pedra

    negra que repousa no íntimo de cada um”.

    Assim é a Cultura da Amazônia. Um corpo for-

    mado pelos rios enormes, pelas selvas brutalmen-

    te queimadas, pelos povos indígenas ameaçados,

    pela saga dos homens na conquista da natureza.

    Mas ao mesmo tempo, não deixa de estar perene-

    mente voltada para Meca, que é o Brasil, a nacio-

    nalidade, um espaço tão vasto quanto à crença,

    capaz de fazer a geografia confluir para a pedra

    negra que dentro de nós indica que somos amazo-

    nenses, brasileiros, latinos, americanos...

  • 63

    ARTE EN AMAZONAS

    ARTEENAMAZONAS

  • 65

    Durante todo el proceso de formación de la identidad nacional y de la creación de la cultura brasileña, el arte de Amazonas tuvo participación de primera magnitud. El esta-

    do legó a Brasil algunos de sus artistas más nota-

    bles y creadores, sea en el campo de la literatura,

    la música, las artes visuales, el cine y la danza.

    El Amazonas ha sido un espacio de inspiración

    abierto al mundo, por el ejemplo creador de su

    pueblo, la rica cultura ancestral de los pueblos in-

    dígenas y su perfecta integración en la corriente

    principal de la civilización occidental.

  • 67

    LITERATURA

    La literatura y el teatro son las formas de arte de mayor tradición en Amazonas. En el si-glo XVIII surge nuestro primer autor nativo: Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha. Bento nació

    en Barcelos, el 4 de septiembre de 1769, hijo de

    Raimundo de Figueiredo Tenreiro y de Tereza Joa-

    quina Aranha. Al perder a los padres, aun en la

    primera infancia, estuvo bajo la tutela de un ami-

    go de la familia, hombre duro, insensible, que obli-

    gó al pequeño huérfano a trabajar en el campo. A

    los doce años, entrando en la adolescencia, como

    es común en los trópicos, Bento Aranha busca la

    protección de su padrino, el Vicario General Don

    José Monteiro de Noronha, que lo envió a estudiar

    al convento de Santo Antonio, donde completaría

    los estudios preparatorios, pasando más tarde a

    las clases de los padres mercedarios. Cuando se

    preparaba para viajar a Coimbra, a los diecinue-

  • 68

    ve años, se ve privado de recursos en consecuen-

    cia del secuestro de su herencia por parte de la

    Real Hacienda. Al ver cortadas las perspectivas de

    una formación universitaria, permanece en Pará,

    donde conocerá a la joven Rosalina Espinoza, con

    quien vino a casarse. El amazonense, educado en-

    tre sacerdotes, ávido lector de las obras clásicas,

    hombre tranquilo, director de una aldea de indios

    y burócrata colonial, si no puede ser considera-

    do hoy un poeta de primer orden, es uno de esos

    talentos bien formados, de inspiración tranquila

    y parte de la estatura de los poetas menores que

    por su calidad componen el conjunto de cual-

    quier literatura. Tenreiro Aranha, cuyo talento de

    dramaturgo es mayor y más significativo, uno de

    los más importantes que el Brasil tuvo en el siglo

    XVIII, abandona en su obra, al mismo tiempo, la

    épica velada de versos de la colonización y la ob-

    jetividad conquistadora de los clásicos portugue-

    ses, para intentar una poesía festiva, parroquial,

    dentro de los límites que el buen gusto de la época

    permitía. Notemos de pasada, que él nunca tuvo

    la intención de dejar este límite. Sin embargo, a

    veces, se desnudaba en sentidas quejas, caía en

    sus propias frustraciones, mostraba su vida coro-

    nada de injusticia y tendía a un lirismo muy ex-

    tremamente sufrido.

  • 69

    Tenreiro Aranha fue en realidad el primer ar-

    tista auténticamente Amazonense. Su obra se

    encuentra mucho más cerca de la verdad que los

    hombres experimentaban en la región. El poe-

    ta era un fruto de la tierra, al no ser portugués,

    pero viviendo como tal, la dualidad marcaría su

    existencia. Por eso, fue un espíritu martirizado

    y no apenas una figura llena de incómodo. Es en

    el texto de sus dramas, en las características de

    sus personajes teatrales simbólicos que el poeta

    se acercará a la realidad y a las contradicciones

    sociales de la época. Tenreiro Araña viviendo en la

    región más inmoderada del mundo hizo el teatro

    de la moderación, el drama pastoral de la deca-

    dencia del mercantilismo y de la falencia del po-

    der portugués en Brasil. En el drama “La felicidad

    en Brasil”, en un acto llevado a escena en el Teatro

    Público de Pará en 1808, el dramaturgo se atreve a

    insinuar la necesidad de independencia y se arre-

    bata con la grandiosidad del destino de su patria

    que amanecía.

    “De los hombres me rodea la iniquidad,

    La calumnia me abruma, y al fin tremendo,

    Me asusta una espantosa eternidad”.

    La obra de Tenreiro Aranha está viva y querida

    por sus compatriotas, verdad que se puede com-

  • 70

    probar por las numerosas reediciones de su poe-

    sía y teatro.

    Con el llamado ciclo del caucho, que va de 1890

    a 1918, Manaos fue la primera construcción kitsch

    brasileña, una ciudad de sueños y delirios, micro-

    cosmos de las enfermedades del espíritu burgués

    con toques de salvajería y rusticidad. Un estilo de

    vida ligero, frenético, en contraste con la lineali-

    dad portuguesa; dinámica, contra la rutina fija.

    La vida buscaba ser un primor difícil y costoso, y

    no el simple gesto, pero todo muy diferente del

    bienestar europeo, como si la complejidad de esa

    miniatura de babilonia tropical se convirtiera en

    el estado de ánimo de énfasis retóricos, gramati-

    cales, como bien se puede ver en la poesía de la

    época:

    “Flafle en la poesía el cielo

    Mariposas de alas azules –

    Pase cantando la Armonía

    Surja y venga la Fantasía

    En un dosel de seda y luz”.

    Así cantaba el poeta Thaumaturgo Vaz en 1899,

    celebrando la visita de Coelho Neto a Manaos.

    Versos sintomáticos: no bastaba la presencia del

    ilustre hombre de letras, era necesario invocar un

    torrente de encantamiento. Es un gesto que tra-

  • 71

    duce bien la alegría excesiva. No era suficiente

    el lenguaje sencillo y común para saludar al visi-

    tante; las palabras tendrían que ser adornos. Por

    lo tanto, la mayoría de los autores del Ciclo del

    Caucho, como Thaumaturgo Vaz, no descubrieron

    el enigma de su tiempo, quisieron más, alzaron

    su voz con escombros de lenguaje. Sin embargo,

    autores como Maranhão Sobrinho, Jonas da Silva,

    Sant’Anna Nery, Araújo Filho y Jorge Adriano crea-

    ron páginas altamente sensibles y retrataron una

    época de delirios.

    El más importante y mejor poeta de esa época

    febril fue sin duda Raimundo Monteiro, hombre

    rico que era dueño de plantaciones de caucho,

    famoso por su estilo de vida extravagante en Pa-

    rís. Es posible que un día este joven amazonen-

    se haya mirado las aguas del Sena con el mismo

    fervor febril de Verlaine. Pero era un provinciano,

    un hombre que se sentía arrancado de su mundo,

    lanzado en la rica experiencia de la metrópoli: era

    un maravillado. Estaba orgulloso y mareado, en la

    mejor época de sus años, vagando por las calles

    de ese arquetipo del burgués bienestar que era Pa-

    rís a principios del siglo XX. El poeta provinciano

    sentía, en lo más profundo de su corazón que esta

    experiencia podría hacerlo incomparable. Sumi-

    do tan profundamente en las delicias del aisla-

    miento, se sintió marcado por un temor distinto:

  • 72

    se dio cuenta de que su mundo de riqueza fácil

    tendría un final brusco. Desde entonces, el poe-

    ta Raimundo Monteiro, artífice de versos, estaría

    obsesionado por los recuerdos, por la extraordi-

    naria experiencia y una tentación de vivir de esos

    recuerdos. El caballero austero que más tarde re-

    emplaza al poeta febril no pasaría de una expe-

    riencia que no resistiría al vértigo de sus versos.

    Descubriendo la gratuidad empezó a diferir de sus

    compañeros de generación.

    “Mis ojos tristes, no lloran

    pero mi alma sufre ...

    El orgullo que me exalta

    Es como el orgullo de un rey!

    Disgustos, otros lamentan,

    Ellos me dan coraje eterno ...

    Mi espíritu enfermo a las tormentas tiré “.

    (...)

    “Al margen del Machado, en Bom Futuro,

    [escuchando

    La propagación del estruendo de la cascada

    [rugiendo

    En medio de la confusión de islas de arasás

    E igaranas, temblando a la furia tumultuosa

    Del potente caudal, creo, en la dolorosa

    Suerte de poeta exiliado y sin paz”.

  • 73

    Palabras propicias, retrato encantador, Raimun-

    do Monteiro disolvió la ostentación en su propio

    veneno, contrastando su condena a una profecía

    incómoda que no estaba en los planes de eterni-

    dad de los barones del látex.

    Con el rompimiento del monopolio del caucho

    por los ingleses, que plantaron árboles de cau-

    cho en el sudeste asiático y echó por tierra los

    precios de las materias primas, Manaos entró en

    decadencia y sufrió una aterradora reducción de

    la población. La masa rural regresó al cultivo de

    subsistencia y al régimen cambiario. La clase me-

    dia, proletarizada, necesitaba de crédito comercial

    abierto y, con un alto desempleo, la pobreza al-

    canzó niveles de indigencia. Los palacios estaban

    empezando a desmoronarse abandonados y se

    llenaron las calles de baches. Toda la infraestruc-

    tura de servicios urbanos comenzó a derrumbarse

    y el éxodo de las poblaciones hacia el interior ace-

    leró este proceso. La ciudad que quería ser el París

    ecuatorial ahora era un Puerto Príncipe ridículo,

    viviendo en un aislamiento enloquecedor.

    Sólo en 1962 Manaos volverá a tener electrici-

    dad y alguna estabilidad económica. Aun en los

    años 50, surge un importante movimiento cultu-

    ral: el “Club de la Madrugada”.

    Vinculados a la literatura de la Generación del

    45 e imbuidos de todas las aspiraciones políticas

  • 74

    de la posguerra, estos jóvenes innovadores, com-

    prometidos y combativos, hicieron un frente uni-

    do contra el estancamiento cultural imperante. Si

    el Movimiento Modernista había sido en Amazo-

    nas un breve e inexpresivo desastre, el “Club de

    la Madrugada”, al encontrar un terreno más fértil,

    se desarrolló con la directriz de imponerse a una

    ciudad adormecida que pronto sería agitada por

    la Zona Franca. Algunos talentos se han ganado

    la reputación nacional y en Manaos, una ciudad

    desacostumbrada a la lectura y el pensamiento,

    un grupo leía y debatía con pasión. En una ciudad

    sin librerías y con los periódicos de circulación

    restricta, el “Club de la Madrugada” inauguraba

    páginas literarias y editaba libros, invadiendo la

    amortiguación, con vigor, como la provincia ja-

    más había experimentado.

    El Club de la Madrugada dio a Amazonas un

    conjunto significativo de poetas: Thiago de Mello,

    Elson Farias, Carvalho de Farias, Jorge Tufik y Al-

    cides Werk. De todos, el más importante es Luiz

    Bacellar.

    Nacido en 1928, Luiz Bacellar publicó “Flauta de

    Barro” en 1963 después de ganar el premio “Olavo

    Bilac” de la Ciudad de Río de Janeiro. “Flauta de

    Barro” reúne poemas de organización detallada

    diseñados con una nueva precisión. Lúcidos, bien

    dirigidos y hechos con cortante ironía, pronto di-

  • 75

    luyen el masoquismo como una fortaleza de la

    antigua incompetencia. Se verifica de inmediato

    que su interés poético sigue la misma configura-

    ción que las aspiraciones provincianas. Y la obra

    se lanza en el primer poema, una advertencia:

    “Aunque toda la gente

    se ría y dude

    de estas historias que narro,

    no me importa: voy contento

    hoscamente improvisando

    en mi flauta de barro “.

    En las noches bohemias de Manaus, blandien-

    do su bastón, el poeta Luiz Bacellar se siente bajo

    el mirar de la provincia y nota que lo mira como a

    un insecto raro, doblando su cuerpo como un sig-

    no de interrogación, entorpecido y perverso como

    un escarabajo vivo en manos infantiles, entre po-

    bres de espíritu, entre volubles guardianes que lo

    someten a la fuerza, tal como él lo desea: quiere

    vivir como un insecto raro, mineral e instintivo,

    donde el arte es como un juego aristocrático, pero

    de la aristocracia imaginaria de los libros genea-

    lógicos que recuerdan la inutilidad de la filatelia.

    En 1963, cuando publicó los cuentos de “Alame-

    da”, Astrid Cabral fue bien recibida por los críticos

    brasileños como una gran promesa literaria. Naci-

  • 76

    da en Manaus, en 1936, fue fundadora del Club de

    la Madrugada, se graduó en letras neo-latinas por

    la Universidad Federal de Río de Janeiro. En 1962

    va a enseñar en la recién creada Universidad de

    Brasilia, de donde fue despedida por la dictadura

    militar. Funcionaria de carrera en el Ministerio de

    Relaciones Exteriores desempeñó sus funciones

    en Beirut y Chicago.

    Astrid Cabral permaneció en silencio durante

    16 años. En 1979 publicó “Punto de Cruz” con gran

    recepción crítica. Desde entonces, viene constru-

    yendo una sólida obra poética, donde una lírica

    precisa y versos cuidadosamente dosificados in-

    vestigan tanto el interior, cuanto la imprevisibi-

    lidad del mundo, o aún los pequeños sustos de

    existir. La inevitabilidad de la muerte y la celeri-

    dad de la vida también están presentes.

    “Pesado es el corazón

    del escombro de tus sueños

    y de los muertos que en tus hombros

    reposan inmortales.

    Amor de ayer

    Es ceniza hecha plomo.

    Cicatrices y arrugas

    Labran tu carne

    De aflicciones adobadas

    Y el flujo de las venas

  • 77

    Se irriga

    De subterráneas lágrimas antiguas”.

    La obra de Astrid, sin ser femenina o feminista,

    lleva una conciencia de mujer, una dolorosa certe-

    za femenina, una ironía capaz de ver a través de la

    densa niebla de las tragedias de menor importan-

    cia de los gestos que se repiten en la vida diaria.

    “Dentro de mí hay perros

    Que aúllan en horas de rabia

    contra las jaulas de la cortesía”.

    En el panorama de la poesía brasileña moder-

    na, Astrid tiene un lugar especial y poco común,

    el de la antigua tradición de la poesía meditativa,

    filosófica, sin mentiras, mientras cultiva valores

    contemporáneos, libres del regionalismo viejo y

    senil que parece encadenar siempre los artistas

    de la Amazonía.

    Pero es en la poesía de Aldisio Filgueiras, poeta

    de la generación del 68, que la herencia de Tenreiro

    Aranha tiene su paralelo crítico. El desespero ama-

    zonense corre junto a la huella urbana de Aldisio

    Filgueiras, y él es admirable. Filgueiras es autor de

    cinco libros de poesía, entre ellos “Estado de Sitio”

    y “Malaria y Otras Canciones Malignas”, el primero

  • 78

    de 1968 y el segundo de 1976. Aldisio Filgueiras es

    amazonense de Manaos, nacido en 1947.

    Poeta de los astillazos del espíritu de la ama-

    zonia, la poesía petulante de Filgueiras, el citadi-

    no locuaz, se lanza como un rayo en la indolencia

    luminosa de la provincia, una poesía desnuda de

    redención o esperanza, exacerbada y nada opti-

    mista en el momento que configura los astillazos

    de la ciudad en proceso de explosión demográfica.

    Mientras la mayoría de los poetas amazónicos ca-

    mina sobre la falsa inmutabilidad del hombre pri-

    sionero de la extracción, el lenguaje de Filgueiras

    corta este conformismo al igual que un insecto,

    sin ninguna ceremonia, mordiendo las blandas fé-

    rulas del matorral regionalista.

    Hay dos aspectos del lenguaje que se destacan

    y caracterizan la poesía de Filgueiras: las palabras

    ya no son mutiladas por el conocido conformismo

    amazonense y aparecen como un juego sonoro de

    articulaciones críticas. Por lo tanto se trata de una

    poesía que se abre hacia fuera de lo confesional,

    rompiendo con la analogía de escaparate y esta-

    bleciendo una subjetividad libre de especulacio-

    nes psicológicas. Ya no es la mente enferma del

    poeta provinciano que ve en la naturaleza signos

    antropomórficos de su enfermedad.

  • 79

    “Hablárteme yo QUIERO

    pero pronto yo – cara al pasado –

    pasadista del hormigón

    No voy a leer ninguna etiqueta

    Tampoco no conclusible y

    señalo como un romántico

    en el auditorio del Parnaso “.

    Filgueiras se deprime contra la gran metáfora

    iluminista puesta al descubierto por los asaltos de

    desarrollo económico. Él baja a este paraíso aluci-

    nado que es la región neo-colonizada y manipula

    la farsa y lo grotesco para recuperar la identidad

    perdida. “Malaria y otras Canciones Malignas” re-

    vuelve, página tras página, la jungla destruida y

    la puesta en escena de las palabras, esta lengua

    traducida anhela comprensión. No hay más an-

    clas o salva-vidas, no hay héroes dignos ni buenos

    ejemplos:

    “Se necesita

    Un héroe

    Con referencias

    Que duerma en el empleo

    URGENTE

    Favor, no presentarse los que

    No entiendan del asunto”.

  • 80

    Lindando con la incoherencia, utilizando la

    puntuación como sustantivos o adjetivos, el len-

    guaje de Filgueiras marca una lucha cuerpo a

    cuerpo con la propia lengua portuguesa. Acuestas

    de esta traducción enloquecida, de esta traición

    sin traídos, arroja una identidad única que es la

    despersonalización de la Amazonia en una repre-

    siva trituración llamada integración. Filgueiras

    exagera hasta la insolencia, montado en la propia

    poesía, una desmitificación del oficio poético, mo-

    delando el ridículo y las delicias de ser un poeta

    sin lengua materna y que escribe en un segun-

    do idioma. Filgueiras responde al desafío con un

    diagnóstico definitivo, que marca para siempre la

    expresión regional:

    “¡Ah! poesía aquí

    Hijo mío

    Es una enfermedad tropical.”

    Amazonas tiene actualmente tres grandes es-

    critores que brillan en la escena nacional e inter-

    nacional. Es el poeta Thiago de Mello, en la poesía

    y los novelistas Márcio Souza y Milton Hatoum.

    Todos con obras traducidas a varios idiomas de

    cultura con gran popularidad entre los lectores

    brasileños, a par de galardonados con muchos

    premios literarios.

  • 81

    No podemos terminar este recorrido por las le-

    tras de Amazonas sin una referencia a los pueblos

    indígenas. Al otro lado de la frontera cultural que

    es Amazonas, está al acecho una extensión rústi-

    ca, una tradición milenaria que produjo literatura

    de rara belleza y complejidad, fábulas de crudeza

    rara, expresión fuerte y sensible de fuerzas prima-

    rias, cuya elegancia ha seducido a hombres de la

    categoría del Conde Ermanno Stradelli, que llegó

    a Amazonas en 1890. Fue con este hidalgo, etnó-

    grafo, rico, valiente, un típico héroe romántico de

    la Amazonía, que la lírica de los pueblos indíge-

    nas comenzó a ser revelada en una comprensión

    artística antes que etnográfica. Sus libros, como

    la colección “Leggenda del Taria” de cuentos y re-

    latos heroicos, o “La Leggenda del Jurupary”, un

    hermoso registro de la saga del gran legislador,

    anteceden a Raul Bopp en la reinvención litera-

    ria del mundo amazónico. “Leggenda del Taria”

    recuerda mucho a la vieja novela de amor, un gé-

    nero literario que hunde sus raíces en la tradición

    literaria italiana más apreciada. Las descripciones

    en versos del escenario, los gestos caballerescos,

    la renuncia definitiva de los contendientes fren-

    te a la matanza, hacen de esta saga una fábula

    “mileseaca” del río Vaupés. Stradelli encontró en

    la narrativa fabulosa de los tariana un lenguaje

    apenas nacido, como es de nacimiento el éxtasis

  • 82

    de Raúl Bopp. Y no es por asociación pura de ideas

    que Nunes Pereira en 1966, tituló su obra monu-

    mental “Moronguetá, un Decameron indígena”.

    Sin interferir en la redacción de los mitos, Nunes

    Pereira registra un estilo rico, matizado, y sin ata-

    duras. Un registro de mitos y comportamientos

    que para Levi Strauss “guardan y transmiten in-

    formación vital, así como circuitos electrónicos

    y la cinta magnética de un ordenador lo hacen”.

    Reconociendo esta autoridad del mito, poetas

    como Stradelli defienden la primera realidad de

    la región, realidad mayor y más relevante, por la

    cual se determina el destino de la propia Amazo-

    nia. Sabiendo esto, estos “secretos profundos, se-

    ductores y envolventes, como ciertos bejucos que

    se cubren con flores para fingir debilidad”, como

    acertadamente escribió Câmara Cascudo sobre

    Stradelli, descubrimos que vivimos en un mundo

    donde el mito sigue vivo y la relación del hom-

    bre con la naturaleza sigue siendo la misma re-

    lación de los dioses con su creación. Pero hoy los

    dioses fueron desterrados a la penitenciaria de la

    etnografía, el estatus ontológico del mundo está

    traducido por el potencial de la energía eléctrica.

    El esfuerzo de Stradelli se repitió en las obras de

    J. Barbosa Rodrigues y Brandão de Amorim, auto-

    res de antologías como “Leyendas en Nheengatu

    y Portugués” y “Poramdubas Amazonenses”. Pero

  • 83

    no fue sino hasta 1985 que un primer autor to-

    talmente indígena pudo responder el diálogo pro-

    puesto por el noble italiano. Se trata de Luis Lana,

    cuyo nombre en dessana es Tõrãmë Këhíri, autor

    de “Antes el Mundo no Existía,” narración preci-

    sa del mito cosmogónico de su cultura, escrita en

    portugués y dessana bajo enormes dificultades en

    su aldea del río Tikiê. Luis Lana, que nació en 1961,

    hijo del jefe de su tribu, hizo el libro preocupa-

    do con la preservación del mito de la creación del

    universo, llegando a ser el primer indio a escri-

    bir y publicar un libro en 500 años de historia del

    Brasil. “Antes el Mundo no Existía” fue traducido a

    varios idiomas europeos y alentó el surgimiento

    de otros escritores indígenas. Los nuevos autores

    están transformando en lenguas vernáculas sus

    idiomas ágrafos y estas obras son editadas por la

    primera editorial indígena del país, propiedad de

    Foirn – Federación de Organizaciones Indígenas

    de Río Negro, con sede en São Gabriel da Cachoei-

    ra. Amazonas.

  • 85

    TEATRO

    El teatro ha estado siempre presente en la Amazonia. Incluso es un teatro el princi-pal símbolo del estado. Cuando la sociedad de la abundancia de los barones de látex decidió

    construir una especie de monumento a su poder

    económico, erigió un teatro de ópera como antes

    otros construían catedrales. Muchas otras civili-

    zaciones han logrado menos.

    Hemos visto la obra teatral Tenreiro Aranha,

    el primer artista importante de la Amazonía. El

    amazonense es, junto con José Antonio, el Judio,

    uno de los dramaturgos brasileños del siglo XVIII,

    con la ventaja de haber ejercido su oficio teatral

    en Brasil, en la ciudad de Belén, precisamente du-

    rante la crisis final del colonialismo portugués.

    Con el auge del caucho el teatro de Amazonas

    saltará sin ninguna preparación del campamen-

    to de la iglesia a la profesionalidad burguesa. Sal-

  • 86

    ta del “Drama de la Pasión y Muerte de Nuestro

    Señor Jesucristo” para “Mujeres en Profusión”. Y

    como la actriz que interpretaba la Virgen en el

    drama de la pasión sin duda no podía interpretar