a arte de saber fazer grafismos nas bonecas karajá

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Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 18, n. 38, p. 45-74, jul./dez. 2012 A ARTE DE SABER FAZER GRAFISMO NAS BONECAS KARAJÁ * Manuel Ferreira Lima Filho ** Telma Camargo da Silva Universidade Federal de Goiás – Brasil Resumo: Neste artigo analisamos as representações sociais articuladas pelos gras- mos aplicados nas bonecas karajá a partir do entendimento de que a cultura material está inserida em contextos sócio-ecológico-territoriais e imbricada nas dinâmicas de poder que envolvem sua produção, signicação e circulação. A análise é feita a partir dos dados levantados na pesquisa coletiva que subsidiou o registro do modo de fazer e formas de expressão das Ritxoko como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil. A pintura dos grasmos integra o processo de fabricação das guras em cerâmica pelas mulheres, articula o mundo simbólico karajá e revela igualmente um processo cria- tivo próprio, decorrente de fatores exógenos como aqueles imputados pelo contato interétnico. Nesse sentido, as ceramistas são classicadas internamente como “boas ceramistas” a partir de categorias que interligam arte, relações de gênero, saber tradicional, inovação e prestígio. Palavras-chave: arte, bonecas karajá, cultura material, grasmo. Abstract: This article analyses the social representations of graphisms on Karajá dolls based on the idea that material culture is embedded in socio-ecological-territo- ries contexts and interconnected to the dynamics of power involved within its produc- tion, meaning and circulation. The study is based on the data collected by a research group which informed the registry of “how to do” and “the expression forms” of * Este artigo retoma reexões e dados contidos nos relatórios técnicos elaborados por Telma Camargo da Silva (2010), intitulado Primeiras aproximações ao grasmo aplicado às Ritxoko – Aldeia Santa Isabel do Morro (Hawaló) – Ilha do Bananal (TO); e por Manuel Ferreira Lima Filho (2010), intitulado Considerações sobre o grasmo karajá na perspectiva dos Karajá de Aruanã (GO). Os relatórios inte- gram o projeto “Bonecas karajá: arte, memória e identidade indígena no Araguaia”, desenvolvido por equipe do Museu Antropológico e Faculdade de Ciências Sociais (PPGAS), da Universidade Federal de Goiás. ** Pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientíco e Tecnológico (CNPq).

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    A arte de saber fazer grafi smo nas bonecas karaj

    A ARTE DE SABER FAZER GRAFISMO NAS BONECAS KARAJ*

    Manuel Ferreira Lima Filho**

    Telma Camargo da SilvaUniversidade Federal de Gois Brasil

    Resumo: Neste artigo analisamos as representaes sociais articuladas pelos grafi s-mos aplicados nas bonecas karaj a partir do entendimento de que a cultura material est inserida em contextos scio-ecolgico-territoriais e imbricada nas dinmicas de poder que envolvem sua produo, signifi cao e circulao. A anlise feita a partir dos dados levantados na pesquisa coletiva que subsidiou o registro do modo de fazer e formas de expresso das Ritxoko como Patrimnio Cultural Imaterial do Brasil. A pintura dos grafi smos integra o processo de fabricao das fi guras em cermica pelas mulheres, articula o mundo simblico karaj e revela igualmente um processo cria-tivo prprio, decorrente de fatores exgenos como aqueles imputados pelo contato intertnico. Nesse sentido, as ceramistas so classifi cadas internamente como boas ceramistas a partir de categorias que interligam arte, relaes de gnero, saber tradicional, inovao e prestgio.

    Palavras-chave: arte, bonecas karaj, cultura material, grafi smo.

    Abstract: This article analyses the social representations of graphisms on Karaj dolls based on the idea that material culture is embedded in socio-ecological-territo-ries contexts and interconnected to the dynamics of power involved within its produc-tion, meaning and circulation. The study is based on the data collected by a research group which informed the registry of how to do and the expression forms of

    * Este artigo retoma refl exes e dados contidos nos relatrios tcnicos elaborados por Telma Camargo da Silva (2010), intitulado Primeiras aproximaes ao grafi smo aplicado s Ritxoko Aldeia Santa Isabel do Morro (Hawal) Ilha do Bananal (TO); e por Manuel Ferreira Lima Filho (2010), intitulado Consideraes sobre o grafi smo karaj na perspectiva dos Karaj de Aruan (GO). Os relatrios inte-gram o projeto Bonecas karaj: arte, memria e identidade indgena no Araguaia, desenvolvido por equipe do Museu Antropolgico e Faculdade de Cincias Sociais (PPGAS), da Universidade Federal de Gois.

    ** Pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfi co e Tecnolgico (CNPq).

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    the Ritxoko as Patrimnio Cultural Imaterial do Brasil. The graphisms drawing is a phase of the fabrication of ceramic dolls by women which articulates Karaj symbolic world as well as unveils a singular creative process coming up from external factors as the inter-ethnical contact. From this standpoint, the ceramists are classifi ed by the members of their group as good ceramists based on categories that merge art, gender relationships, traditional knowledge, creativity and prestige.

    Keywords: art, graphism, material culture, Karajs dolls.

    A cultura material, em suas manifestaes simblicas, ajuda a discernir as representaes coletivas; e que elas apontam para a reproduo social.

    Por isto so smbolos visveis de identidade tnica, entendida esta em defi nio mais simples: os fatores raciais, culturais, etc.) que unem uma

    comunidade para contrast-la de outra.Berta Ribeiro

    Os Karaj, os objetos e a antropologia

    O registro das bonecas karaj como Patrimnio Cultural Imaterial do Brasil, nas categorias ofcio e modos de fazer e formas de expresso,1 sugere uma refl exo que articule essas duas dimenses do artefato na vida social do povo Iny.2 Nesse texto propomos analisar as representaes sociais articuladas pelos grafi smos3 aplicados a esse artefato cermico evidenciando os aspectos que o caracterizam tambm como expresso de arte na vida social de seus produtores. Se o grafi smo e a forma das fi guras modeladas remetem ao uni-verso social e cosmolgico karaj, a maneira como os desenhos so feitos nas

    1 A pesquisa que subsidiou o registro, aprovado em 25 de janeiro de 2012, foi fi nanciada no ano de 2008, pela Fundao de Apoio Pesquisa do Estado de Gois (Fapeg), e recebeu apoio da Secretaria de Estado de Polticas Pblicas para Mulheres e Promoo da Igualdade Racial (Semira). Em 2010, o projeto con-tou com a parceria e fi nanciamento do Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (Iphan), Superintendncia de Gois. A equipe em campo foi composta pelos antroplogos Manuel Ferreira Lima Filho, Nei Clara de Lima, Rosani Moreira Leito e Telma Camargo da Silva.

    2 Autodenominao.3 O modo de fazer a Ritxoko boneca de cermica na fala feminina foi objeto da etnografi a (Lima et al.,

    2011) que comps o dossi que subsidiou o registro.

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    bonecas singulariza algumas ceramistas no contexto em que esse ofcio parte do processo de socializao feminina. Logo, as bonecas expressam atravs do grafi smo as representaes Iny ao mesmo tempo em que saber fazer o desenho insere algumas mulheres em uma rede social de prestgio. Essa pers-pectiva de anlise coloca este estudo em dilogo com as recentes refl exes a respeito da cultura material no contexto terico da antropologia.

    Na trajetria da produo do conhecimento antropolgico, a cultura ma-terial sempre suscitou refl exes. Malinowski (1978), com a descrio da ca-noa trobriandesa e os colares do kula, assim como o estudo de Mauss (2003) e o sistema de trocas do potlach, so exemplos clssicos. Em tempos atuais, ressaltamos as refl exes de Appadurai (2006) e Kopytoff (2006), inspirados numa antropologia das coisas: as circulaes dos objetos, os valores atri-budos a eles e suas trajetrias equivalem ao status de uma biografi a da vida social, e Johannes Fabian (2010), que enfatiza o papel da cultura material no processo de reorientaes epistmicas da antropologia tal como a questo lite-rria na discusso da cultura como texto.

    Nesse sentido, os objetos, enquanto testemunhas de uma paisagem da memria coletiva (Silveira; Lima Filho, 2005), igualam-se a textos etnogr-fi cos produzidos a partir de trocas comunicativas e performances nas quais o etngrafo um participante ativo (Fabian, 2010). A cadeia operatria da fabricao dos objetos pensada nas dimenses polifnicas e hermenuticas, ou seja, uma antropologia dos sentidos.4

    Por sua vez, Fabio Mura (2011) desenvolve a ideia de que o objeto pode igualmente ocupar o lugar de sujeito social, alinhando-se dessa forma decla-rao de Henry Jeudy de que o objeto teria um carter antropomrfi co pen-sando sobre ns (Jeudy, 2005; Lima Filho, 2006).

    No Brasil, nos ltimos anos, o tema da cultura material ganhou novo in-teresse acadmico relacionando-se aos estudos dos patrimnios. Destacamos as refl exes pioneiras de Jos Reginaldo dos Santos Gonalves (2007) sobre as noes de cultura e de ressonncias relacionadas aos estudos de objetos, das colees e dos museus; os de Silveira e Lima Filho (2005) sobre obje-tos, documentos e paisagem cultural; e ainda uma refi nada anlise etnogrfi ca de Fbio Mura (2010) sobre os Kaiowa e os chiru. Este autor tambm se

    4 Ver as consideraes de Lima Filho (2012).

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    posiciona no debate em torno do perpectivismo. Para ele, as anlises do tema da cultura material relacionadas aos grupos amerndios tendem ou para um determinismo tcnico ou para um determinismo simblico e social, que refor-am a dicotomia natureza/cultura inicialmente criticada. Em contraposio a essas perspectivas tericas, Mura (2011, p. 120) prope:

    Em alternativa a esse proceder, proponho um enfoque processual, que busca o sentido das concatenaes tcnicas a partir de contextos scio-ecolgico-ter-ritoriais especfi cos, no transcendendo a prtica efetiva dos sujeitos sejam eles humanos ou no humanos , dando nfase s intencionalidades polticas, s relaes de poder e s necessidades de uso, bem como confrontao de diferentes designs.

    pois nesse contexto conceitual que nos propomos a dialogar com o saber fazer o grafi smo, arte das mulheres karaj do Brasil Central.

    Situados no vale do rio Araguaia, os Karaj so classifi cados na perspec-tiva lingustica como J do Brasil Central e apresentam modos de falar espec-fi cos em cada um dos trs subgrupos karaj (karaj, java e xambio). Por sua vez, em cada um dos subgrupos h uma maneira especfi ca de fala marcada pelos gneros feminino e masculino (Rodrigues, A., 1986).

    Inserido na bacia do rio Araguaia e sua diversifi cada rede de tributrios e lagos, o territrio karaj compreende desde as aldeias da cidade de Aruan, em Gois, at aquelas mais ao norte, no estado do Par e Mato Grosso, passando pelas grandes aldeias na ilha do Bananal, situada no estado do Tocantins.

    Na perspectiva etnolgica, os Karaj apresentam alguns costumes em comum com os demais J, como a uxorilocalidade e o espao ritual mas-culino. Contudo, se distanciam deles ao construrem suas casas em linhas retas e no de forma circular e, de modo especial, por habitarem as margens do rio Araguaia, possurem uma mitologia e rituais de forte inspirao no mundo das guas. Nesse caso, eles se aproximam dos grupos amaznicos (Lima Filho, 1994). Dessa maneira, uma sociedade indgena portadora de formas de organizao social e cultural com alta capacidade de manejar recursos tanto do cerrado e suas variaes quanto do grande ecossistema da fl oresta amaznica. A ilha do Bananal refl ete tal ambiente de transio ecolgica.

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    A produo de cultura material karaj envolve tcnicas de construo de casas, a tecelagem de algodo, a fabricao de artefatos de palha, madeira, mi-nerais, concha, cabaa, crtex de rvores, miangas, cestaria, plumria e cer-mica5 (Lima Filho, 1999). O fato chamou a ateno de Paul Ehrenreich (1948), que pesquisou entre o grupo em 1888 e, depois, por Fritz Krause (1940-1943), no ano de 1908. Nos anos de 1938-1939 William Lipkind (1948) igualmente destacou a produo de objetos do grupo, retomada dcadas depois pela des-crio mais genrica de George Donahue Jr. (1982).

    No ano de 2011, o modo de fazer as bonecas Ritxoko/Ritxoo karaj foi registrado num dossi textual e imagtico (Lima et al., 2011), e a produo cultural material6 do grupo ganha repercusso nacional.

    Atividade nica das mulheres, as fi guras de cermica tiveram no passado e ainda tm uma funo ldica para as crianas, mas so tambm instrumento de socializao da menina, conforme estudou de modo pioneiro Maria Helosa Fnelon Costa (1978). Nelas so modeladas dramatizaes de acontecimentos da vida cotidiana e ritual, assim como personagens mitolgicos. O contato imprimiu modifi caes quanto ao tamanho (se tornaram maiores) e ao ma-terial utilizado, como tinturas qumicas. Entretanto, os motivos fi gurativos e padres decorativos so mantidos pelas ceramistas mais novas, que inclusive ressaltam fi guras dos mitos e dos ritos (Lima Filho, 1999, Lima et al., 2011) apesar dos padres inovadores criados, ou seja, so produes artsticas que no so excludentes. Nesse processo de criao que recortamos uma anlise do grafi smo.

    Nosso estudo tem com referncias as ceramistas das aldeias karaj de Santa Isabel do Morro, na ilha do Bananal (TO), com uma populao de 647, e Buridina, em Aruan, com 106 pessoas (Fundao Nacional de Sade, 2011).7

    5 O saber lidar com a cermica identifi ca os Karaj como um povo fi liado a uma tradio oleira que pode indicar conexes mais remotas quando comparados aos registros etnoarqueolgicos (Lima Filho, 1994, 2005, 2012; Wust, 1975).

    6 Entre os trabalhos acadmicos que escolheram o tema da cultura material karaj destacam-se: Mrio Ferreira Simes (1992), Castro Faria (1959), Maria Helosa Fnelon Costa (1978); Maria Helosa Fnelon Costa e Hamilton Botelho Malhano (1986); Irmhild Wust (1975); Edna Taveira (1982); Sandra Lacerda Campos (2002); Chang Whan (2010) e Ana Rondon (2011).

    7 Os dados demogrfi cos atuais registram 21 aldeias karaj, com uma populao de 2927 pessoas (Rodrigues, P., 2008; Fundao Nacional de Sade, 2011). Ver ainda Lima et al. (2011).

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    Estratgias em campo

    Para a constituio de um inventrio dos grafi smos e a anlise de seus signifi cados, os pesquisadores elaboraram um catlogo fotogrfi co com ima-gens de desenhos feitos nas bonecas da coleo8 constituda pela equipe do projeto Bonecas karaj: arte, memria e identidade indgena no Araguaia (Silva, 2010), e ainda pela identifi cao dos padres de grafi smo na coleo de Mrio Ferreira Simes, constituda entre os anos de 1954 e 1956.9

    Essa estratgia metodolgica possibilitou, em campo, a identifi cao do mesmo desenho por diferentes ceramistas, o que revelou aspectos signifi can-tes do processo de nomeao, alguns j apontados por outros estudiosos, como veremos mais frente. O uso do catlogo de imagens facilitou a interlocuo entre falantes de lnguas diferentes10 e permitiu evidenciar o uso de diferentes grafi as11 usadas para a mesma palavra em lngua karaj.

    A comparao entre evidncias apontadas pelo inventrio de desenhos construdo por ns e aqueles constitudos por outros estudiosos foi feita den-tro de alguns limites. Por um lado, em alguns estudos j realizados, o foco da anlise no era a pintura na boneca, mas a cestaria (Taveira, 1982), ou a pin-tura corporal (Ministrio da Educao, 1995; Toral, 1992). Por outro lado, os estudos referentes aos grafi smos aplicados boneca cermica no trazem ilus-trao do grafi smo descrito (Costa, 1978, p. 116-120) e, quando h ilustrao, esta no acompanha pela identifi cao do desenho (Saviola, 1995). O uso da imagem fotogrfi ca das bonecas com foco nos grafi smos foi um recurso que permitiu viabilizar o registro de aspectos formais e sua identifi cao pelas ceramistas, alm de possibilitar uma interao maior com as mulheres, tendo como eixo articulador o ofi cio de pintar as Ritxoko.

    8 Vinte e sete bonecas confeccionadas por ceramistas de Santa Isabel do Morro, acervo do Museu Antropolgico da UFG.

    9 As colees de Mrio Ferreira Simes pertencem ao acervo do Centro Cultural Jesco von Puttkamer da PUC-Gois. As peas dessas colees foram feitas por duas ceramistas consideradas mestras, a saber: Kuanijiki e Berix, da aldeia de Santa Isabel do Morro.

    10 Nas situaes em que as ceramistas no eram falantes da lngua portuguesa, intrpretes nativos traduzi-ram as conversas e as nominaes dos desenhos como indicado nas tabelas.

    11 De acordo com o tradutor, a grafi a de um mesmo nome encontra variaes, como em relao s palavras Tyreh-hok (tambm escrita como Tyreherko) e Itxalabu (tambm escrita como Isalyb, Ixalabu. Existe um processo em andamento de normatizao da grafi a karaj por estudantes do Curso de Licenciatura Intercultural Indgena da UFG.

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    Com o objetivo de construir um inventrio que articulasse os grafi smos inseridos nas bonecas como expresso do universo cosmolgico Karaj, ou-tras estratgias metodolgicas foram usadas. Assim, construo do inventrio que subsidia as refl exes aqui apresentadas contou, alm do catlogo de ima-gens, com a realizao em papel dos desenhos usados pela ceramista Mahiru, de Santa Isabel do Morro, e sua identifi cao. Mahiru tambm nomeou os gra-fi smos12 usados como decorao de uma pousada em So Felix do Araguaia (MT), indicando os desenhos usados na decorao das bonecas.

    12 Estes desenhos foram fotografados por Telma Camargo da Silva, impressos e posteriormente apresenta-dos por ela a Mahiru.

    Figura 1.Figura 1. Grafismos desenhados em papel pela ceramista Mahiru. Dados coletados por Telma Camargo da Silvana aldeia de Santa Isabel do Morro, junho de 2010.

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    Enquanto o inventrio possibilita a refl exo entre a elaborao da forma grfi ca e sua signifi cao no seu contexto sociocultural de produo, o falar sobre a arte do desenho e a observao da circulao dos artefatos classifi -cados como feitos por uma boa ceramista permitem pensar sobre o lugar social ocupado por estas mulheres.

    Consideraes sobre aspectos formais dos grafismos e as associaes nativas

    As Ritxoko constituem um dos vrios suportes usados pelos Karaj para aplicao do grafi smo.

    No que se refere aos grafi smos aplicados nas bonecas de cermica, as olei-ras utilizam um pincel constitudo de fi na haste de palha de buriti com a ponta

    Figura 2.Figura 2. Grafismos desenhados em papel pela ceramista Mahiru. Dados coletados por Telma Camargo da Silvana aldeia de Santa Isabel do Morro, junho de 2010.

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    envolvida em algodo13 nativo (Costa, 1978, p. 113; Whan, 2010, p. 169). As tintas14 mais usadas so extradas de vegetais como o jenipapo que, misturado ao carvo, fornece a cor preta; o urucum, obtido da semente da planta do mesmo nome, fornece a cor vermelha, que tambm pode ser obtida do barro vermelho re-tirado das margens do rio Araguaia; o amarelo obtido do tubrculo do aafro.

    Os motivos usados nas bonecas so elaborados primeiramente com a cor preta e, em seguida, complementados com a cor vermelha. Os Karaj usam padres geomtricos e associam esses motivos e suas combinaes linhas, gregas, faixas, listras a partes do corpo, fauna terrestre e aqutica.

    Embora concorde que as interpretaes nativas relacionam essas formas geomtricas fauna, Maria Heloisa Fnelon Costa (1978, p. 114) chamou a ateno para a ausncia de interpretaes referentes a acidentes geogrfi cos e outros objetos da natureza como rios, chuva, relmpago e montanhas, por exem-plo. Segundo ela, no existe, da mesma forma, preocupao com a fl ora, consti-tuindo exceo o padro denominado Makitret desenho da cana. Ela remete a observaes feitas por Ehrenreich (1948, p. 55-57) e Krause (1940-1943) para afi rmar que existe uma recorrncia a traos que reportam ao morcego e cobra e que alguns traos geomtricos foram tomados tcnica do tranado.

    A esta observao de que os nomes dados aos motivos podem ser alusi-vos a epnimos animais ou vegetais, Toral (1992) problematiza os processos classifi catrios acima apresentados. Primeiro, porque os sistemas nativos po-deriam ser muito mais complexos do que aquele do observador em campo. Segundo, porque esse mesmo sistema classifi catrio, atravs do qual existe o esforo de apreenso de similitudes entre forma visual e natureza, no daria conta do processo criativo, gerador dos motivos. Assim, ele sugere que o de-senho pode possuir nome prprio, e ele continua:

    [] originrio de uma classifi cao que pode ser muito mais detalhada que a nossa prpria quando utilizamos termos como gregas, desenhos geomtri-cos etc. Com um acervo variado de desenhos, terminaram por criar uma srie de nomes cujo nico fi m diferenciar conjuntos de padres, s vezes com escas-sa ligao com seu epnimo vegetal ou animal. Muitas vezes, a classifi cao dos desenhos feita mais por seu resultado fi nal que pelos motivos por intermdio dos quais feito. (Toral, 1992, p. 194).

    13 Foi observado em campo que as ceramistas mais habilidosas, com a elaborao de traos mais fi nos, dispensam o uso do algodo.

    14 O uso de tintas industriais tambm comum entre as ceramistas.

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    Essas consideraes indicam que a construo de um inventrio de pa-dres dos grafi smos aplicados s Ritxoko como suporte material das repre-sentaes do universo karaj no tarefa fcil. Apesar da complexidade do estabelecimento dessa classifi cao e da identifi cao e denominao de pa-dres grfi cos aplicados na decorao das fi guras cermicas, nossas obser-vaes em campo e os dados etnogrfi cos apontados por outros estudiosos permitem algumas consideraes:

    As associaes variveis

    Um mesmo padro recebe um nome distinto de acordo com diferentes in-formantes. Isso pode ser visto na maioria dos grafi smos que foram mostrados para serem identifi cados pelas ceramistas. Por exemplo, como indicado abai-xo, o mesmo padro identifi cado como Tyreh-hok (pintura de morcego), Haru e Ko-Ko.

    Figura 3.Figura 3. Conjunto de grafismos (Silva, 2010, p. 99-101).

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    LOCALIZAO DO GRAFISMO

    NOME DO PADRO SIGNIFICADO NOME DA/DO INFORMANTE

    PERNA LATERAL

    Tyreh-ho (fala masculina)

    Tyreh-hok (fala feminina)

    Pintura do morcego

    Iracema Hakt Karaj

    Hamunjaka(fi lho de Iracema)

    Haru Mahuederu

    Mawisi (fi lho de Mahuederu, auxiliou na traduo e na grafi a)

    Ko-Ko Zigue-zague Lawarideru

    Korihele (auxiliou na traduo e na grafi a)

    Tyreh-rk Morcego Irok (caula)

    Kaimot

    SokrowTyreherko

    Obs: A pintura feminina quando pintura corporal

    Morcego Coaxiro

    Txarawa (auxiliou na traduo e na grafi a)

    Quadro 1.Quadro 1. Variao na identificao de um mesmo padro grfico.

    Essa constatao sugere que a denominao acompanha a perspectiva do olhar e da percepo da/do informante, ocorrendo as associaes variveis (Boas, 1947 apud Costa 1978, p. 114). Pode ser, no caso do exemplo acima:

    1) a percepo de uma forma, Haru, que me sugere o tringulo;2) a repetio da forma, formando um zigue-zague (Ko-Ko);3) a associao feita com um elemento da natureza, no caso exemplifi ca-do um animal, o morcego (Tyreh-rk);4) pode ser, em outro exemplo, a indicao de contato intertnico15 como se depreende da afi rmao de Iracema Hakt Karaj que ao nomear um grafi smo afi rma que o mesmo uma pintura kamayur (Xingu), como na imagem a seguir:

    15 Ela explicitamente diz que em decorrncia da presena de mulheres kamayur na aldeia de Santa Isabel do Morro, referindo-se a Mavir e sua fi lha Kaimot.

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    A evidncia emprica de que existe uma variao na denominao de um mesmo grafi smo segundo a perspectiva do informante foi anteriormente observada por Costa (1978, p. 114), que afi rma:

    [] outros (padres), entretanto, so denominados de modo diferente pelos di-versos informantes, e isto na mesma aldeia, o que Boas explica como se tratando de associaes variveis estabelecidas em relao forma, fato de que h ocorrncias em grupos da Amrica do Norte: Por exemplo, entre os ndios da Califrnia, a mesma forma designada por diferentes pessoas, ou s vezes pela mesma pessoa em ocasies diversas, ora como uma pata de lagartixa, ora como uma montanha coberta de rvores [].

    Essa constatao sobre as associaes variveis problematiza a anlise e interpretao da relao entre a cosmologia karaj e os padres grfi cos, como afi rmado acima.

    A relao entre os nomes dos grafismos e a natureza

    A coleo de nomes levantados que indica relaes com a fl ora e a fau-na assinala a predominncia dos animais. Embora formado por um conjunto relativamente pequeno, pode-se observar que existe uma tendncia maior de relacionar os nomes dos grafi smos a animais que vivem na gua, como indica o quadro a seguir:

    Figura 4.Figura 4. Conjunto de grafismos (Silva, 2010, p. 101).

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    CATEGORIA TRADUO / LUGAR MTICO / COSMOLOGIA NOME EM KARAJ

    Refernciaa animais

    CU

    Flamingo (seria colhereiro?)Morcego

    UrubuUrubuAsa do urubuPassro (no sabe qual)Pssaro (no sabe qual)Gavio

    TERRA

    Metade da pintura do casco do jabutiPintura de tatuTamanduLagartaJabuti

    GUA

    Tipo de peixe (para uns) e tipo de formiga (para outros)Pirarucu (desenho do pirarucu)Piau (desenho)Pirarucu (desenho do pirarucu)Pacu (desenho)Jiboia

    Jiboia

    Tucunar

    CU

    Wekr-wekrTyreh-ho / Tyreh-hokRarRarajieRaratiederatytyHaradieKukHir

    TERRA

    Otubna bro riti ureOhWaririIjar KohasaKotubuma Brorite

    GUA

    Walarodidi ou WylyhajijiHatykysiBywyBenory YriHaruHawwyynimyrar / HawykynimyrarHawykyni Marah /HawaynimyrahWaur benor

    Referncia fl ora

    CipCoit pretoEspinho

    WeryIxalabuAnont

    Quadro 2.Quadro 2. Correlao entre padro grfico, elementos da natureza e cosmologia karaj.

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    H desenhos considerados como criaes livres das ceramistas como nos explicou Dyrity (Jandira) em Aruan ao ver as fotos da coleo de Mrio Ferreira Simes. Outros desenhos foram descritos por ela como incio da pintura ou, classifi cados como pintura dos joelhos ou faixas/listras nas pernas e braos.

    Figura 5.Figura 5. Kyrinaty. Incio da Pintura nas costas (Coleo Mrio Ferreira Simes, constituda entre os anos de 1954 e 1956). Centro Cultural Jesco von Puttkamer (PUC-GO), Goinia. Foto: Manuel Ferreira Lima Filho, 2009.

    Figura 6.Figura 6. Dikohulyby. Pintura de uma faixa larga de cor preta nos joelhos (Coleo Mrio Ferreira Simes, constituda entre os anos de 1954 e1956). Centro Cultural Jesco von Puttkamer (PUC-GO), Goinia. Foto: Manuel Ferreira Lima Filho, 2009.

    Figura 7.Figura 7. Tyekr. Padro tpico de braos e joelhos (Coleo Mrio Ferreira Simes, constituda entre os anos de 1954 e 1956). Centro Cultural Jesco von Puttkamer (PUC-GO), Goinia. Foto: Manuel Ferreira Lima Filho, 2009.

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    Existem padres que so classifi cados por gnero, como O O Hawyy riti pintura de mulher , baseados em outros parmetros classifi catrios como a pintura feita numa cuia Tariruku itx usada para guardar leo de ba-bau quando usado para passar com algodo nos cabelos ou ainda os Haru, metade do desenho de um mosquito da praia.

    Figura 8.Figura 8. O O Hawyy riti. Pintura de mulher identificada por Karitxama Karaj, aldeia Buridina, Aruan (GO). Manuel Ferreira Lima Filho, 2010.

    Figura 9.Figura 9. Pintura Tariruku itx (Coleo Mrio Ferreira Simes, constituda entre os anos de 1954 e 1956). Centro Cultural Jesco von Puttkamer (PUC-GO), Goinia. Foto: Manuel Ferreira Lima Filho, 2009.

    Figura 10.Figura 10. Haru identificado por Welaki Karaj, aldeia Buridina, Aruan (GO). Manuel Ferreira Lima Filho, 2010.

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    O grafismo e as interpretaes

    As bonecas de cermica constituem um dos vrios suportes nos quais os Karaj exercitam a arte do grafi smo. Maria Helosa Fnelon Costa (1978, p. 111-112) e Chang Whan (2010, p. 172-173) assinalam que o uso de padres grfi cos comuns nas bonecas so os mesmos usados na pintura corporal.

    Andr de Amaral Toral (1992, p. 193) considera que, alm da aplica-o na decorao das cermicas, os desenhos da pintura corporal aparecem tambm na feitura das mscaras, na cestaria e nas esteiras. Silva (2010, p. 7) acrescenta que os padres grfi cos so utilizados tambm na produo de arte-fatos masculinos como remos, arcos, fl echas, bancos ritualsticos e na confec-o de miniaturas de arcos e fl echas e de barcos, estes destinados ao comrcio implementado pelo turismo. Os grafi smos aparecem tambm em maracs e em objetos produzidos com o uso de miangas. Neste ltimo caso, a pesquisa-dora observa que os motivos surgem do tranado de fi os e contas na urdidura do Maranin (colar usado em cerimnias como na dana de Aruan) ou, em adornos usados no cotidiano por adultos e crianas independente do gnero.

    No que se refere especifi camente aos estudos que focalizam o grafi smo aplicado s bonecas de cermica, algumas caractersticas podem ser apontadas:

    Quanto aos motivos: so geomtricos e esto presentes em outros arte-fatos. H padres bsicos e padres derivados que operam por meio de com-binaes, de entrecruzamento de linhas e pela distribuio no espao. Alguns dos desenhos corporais mais comuns so as listras e faixas pretas, usadas nos braos e pernas, reproduzidas nas Ritxoko, predominantemente usadas pe-los mais velhos por ser considerada uma pintura discreta e de fcil execuo (Costa, 1978, p. 109).

    Para a pesquisadora, outro padro favorito a grega e suas variantes, usada indistintamente por homens e mulheres, e por diferentes grupos de ida-de. A antroploga Edna Luisa Taveira (2002, p. 25) observou:

    So vrios os padres usados caracterizando-se pela combinao de linhas ho-rizontais e verticais, numa composio geomtrica de gregas qutricas. Os de-senhos, pelos nomes que lhes so dados, representam partes do corpo, da fauna terrestre e aqutica: formiga, cobra, urubu, morcego, peixe, tartaruga, mas nun-ca o animal no todo. Podem ocorrer tambm motivos ornamentais interpreta-dos como elementos da natureza: caminho sem fi m, forquilha, etc. O nico

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    motivo ornamental que foge a essa regra encontra-se na decorao de alguns potes, pratos cerimoniais, fi guras fantsticas e maracs nos quais aparece repre-sentada a mscara de Aruan.

    Quanto aprendizagem dos padres: Taveira (2002) assinala que os mo-tivos que se constituem como padres tradicionais so ensinados pelos mais velhos e mais habilidosos s crianas, que os reproduzem nas areias das praias do Araguaia. Para ela, a prtica do desenho, portanto, se insere no processo educativo Karaj, que impe normas de uso conforme idade, sexo e papel social (Taveira, 2002, p. 25).

    No que se refere reproduo da memria coletiva importante repor-tar a Toral (1992, p. 206), que chama a ateno para o fato de que a pintura corporal, por exemplo, estaria a principio inspirada em um tempo mtico ideal dos antigos. O pesquisador pondera tambm que o que se observa na prtica uma originalidade nas verses apresentadas, pois os desenhos teriam sido obtidos pelo heri mitolgico Kynyxiwe que na prpria narrativa aponta para a incorporao de elementos novos entre os quais a reelaborao de desenhos muitas vezes decorrentes do contato intertnico.

    Kynyxiwe tem um papel central na mitologia karaj, pois por meio de suas aes que as coisas foram obtidas e nominadas. O conjunto de mitos envolvendo esse personagem fundamental para o entendimento das fi guras modeladas e pintadas pelas ceramistas.

    Lima Filho (1994, p. 140) analisa o mito de como Kynyxiwe, ao criar tudo que existe, descreve como plantas rasteiras produziram emaranhados de fl ores e folhas e como os Karaj teceram as esteiras com desenhos e tornaram o cho mais macio. Maria Heloisa Fnelon Costa (1978, p. 129), da mesma maneira, descreve as vantagens que Kynyxiwe obteve para os Karaj como a luz do sol, da lua e das estrelas, o machado, a canoa, alm dos enfeites toma-dos de Xibur ou o urubu-rei. Lima Filho (1989) tambm apresenta uma das verses do mito publicado por Aytai (1979), em que o personagem central seria Tainahak, que corta o cabelo do passarinho Hireni e coloca urucum no olho para enfeitar. J Donahue Jr. (1982) descreve o mito de Tainahak que desce velho do cu e se torna novo, todo enfeitado com braceletes e colares, com o corpo pintado de jenipapo para se casar e ensina aos Karaj a fazer roas. J no mito sobre a origem do arco-ris ou do dilvio, Aytai (1978) in-forma como a chuva em forma de um personagem mtico encontrado pelos Karaj num buraco e depois de pedir fumo para um velho, que fumava num

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    cachimbo, pega o carvo e comea a se pintar com o carvo e cinzas do ca-chimbo. Karitxama (Darcilia Uassuri), ceramista da aldeia Buridina, contou uma verso de como os Karaj adquiriram o conhecimento da pintura tendo como ator principal, o heri mitolgico Kynyxiwe.

    A obteno das coisas pelo heri mitolgico se d a partir de relaes com seres e animais. Inspirado nessa observao Andr de Amaral Toral (1992, p. 207) afi rma que:

    As incorporaes e mudanas ocorridas no desenho e pintura corporal nesse quase um sculo de registros parecem se explicar pelas ideias contidas no mito. Com o contato defi nitivo e o convvio cotidiano com a populao brasileira, o desenho passou por considerveis mudanas, especialmente se pensarmos nas adaptaes realizadas para a aplicao em artefatos que passaram a produzir para venda. Ele se alterou maneira da sociedade Karaj, altamente interessada na incorporao de novos elementos e informaes e obtendo nesse intercmbio o maior nmero de vantagens possvel []

    Nesse sentido, interessante observar que podemos visualizar dois siste-mas de representaes disponveis ao artista karaj para inspirar suas criaes: o mundo tradicional e o mundo advindo do contato intertnico. Mundos entre-laados no processo de reproduo cultural. As bonecas karaj so fabricadas a partir desse contexto intercultural.

    O mundo do tempo antigo pode ser maximizado pela representao m-tica do Kobo, o chefe de todos, e por um conjunto de personagens e seres mgicos, como os Worysy, Kynyxiwe, Teribr, Xibur, Tayn, Ani Ani, os Ijas, entre outros. Algumas destas fi guras so representadas nas criaes das ceramistas que Costa (1978, p. 56-61) chamou de fi guras estranhas, tais como: Wajoramani, Txyreheni, Hir, Benor, Krer, Kobo, alm de fi guras bicfalas e multicfalas.

    No ritual de iniciao masculina, conhecido como Hetohoky ou casa grande, os homens tambm se dividem em homens de cima, homens de baixo e homens do meio e, na disposio espacial das casas rituais, igualmente tem--se a casa pequena (rio abaixo), a casa grande (rio acima) e casa de Aruan, que fi ca sempre no meio destas. Portanto, a localizao das aldeias karaj possui uma razo de ser nesse ou naquele local com relao ao Araguaia, as-sim como a disposio das casas de moradia, dos cemitrios, das casas rituais, segundo um simbolismo prprio da cultura karaj (Lima Filho, 1994).

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    Os mitos abordam temas muito variados, como a origem, o extermnio e o recomeo dos Karaj, a origem da agricultura, o veado e o fumo, a ori-gem da chuva, a origem do sol e da lua, a origem dos aruans, as mulheres guerreiras, a origem do homem branco, as mulheres e o jacar, a origem do arco-ris, o dilvio, os pirarucus, a faanha de dois irmos, entre muitos outros (Lima Filho, 1989). Normalmente esses mitos esto associados aos rituais e aos temas sociais, como as relaes de gnero, o casamento, o xamanismo e o poder poltico, as doenas e a morte, o parentesco, as plantaes, as pescarias, os enfeites e o contato com os brancos.

    A estrutura ritual dos Karaj tem dois grandes cerimoniais como refern-cias: o rito de iniciao masculina, o Hetohoky, e a Festa de Aruan, que apre-sentam ciclos anuais, fundados na subida e descida das guas do rio Araguaia. Entre outros pequenos ritos, podem ser citados a pescaria coletiva de timb, a festa do mel, a festa do peixe, as cerimnias relacionadas menarca (rito denominado Hiraritxanamy), alm de outros inclusos nos grandes rituais dos aruans e do Hetohoky.

    Esses trs nveis cosmolgicos (o cu, a terra e a gua) devem estar em equilbrio para manter a vida em sociedade segura. Todas as aes dos rituais, dos xams e das chefi as tradicionais e ritualsticas buscam manter a estabili-dade do edifcio csmico (Ptesch, 1993).

    Assim, na perspectiva da manuteno do tempo dos antigos, cclico, de autorreproduo do Kobo fechando a passagem para a contagem do tempo linear e a espacialidade, encontram-se os padres de desenhos tradicionais e formas das bonecas.

    Nesse contexto, podem ter sentido as observaes da antroploga Patrcia Mendona de Rodrigues (1993, 2008), enquanto exerccio analtico baseado em longos trabalhos de campo entre os Java, e dados da etnografi a sobre a cesta karaj de Edna Luisa de Melo Taveira (1982), ao propor a correlao entre os padres da natureza e da cultura do grafi smo karaj. Como j citado, h recorrncia etnogrfi ca da diviso que os Karaj fazem entre trs nveis cosmolgicos: o cu, gua e a terra. Na interpretao de Patrcia de Mendona Rodrigues (1993), as extremidades (cu e gua) se encontram em algum mo-mento (terra/meio) que seria representado por um sistema grfi co aberto e um outro fechado presentes nos padres de desenhos relacionados ao ciclo da infncia velhice, na subida e descida do rio Araguaia, no smen que sai do corpo masculino e entra no corpo feminino, no poente e no nascente, na

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    pele nova/pele velha, na nascente e na foz do Araguaia. Extremidades que se encontram num mesmo ponto. Da os inmeros padres Ko-Ko (voltas) e Urawo (fechado) (Lima Filho, 2010). Esses padres tradicionais so reprodu-zidos tambm nas bonecas karaj.

    Entretanto, tambm como previsto nos mitos, em busca de novidades e de vantagens, os Karaj so sensveis s novidades estticas advindas do contato nacional, deixando sempre em aberto a possibilidade de criao e interpretao dos padres de grafi smo do grupo. Andr de Amaral Toral (1992, p. 207) assina-la essa interessante capacidade de um movimento criativo que se volta ao mundo da reproduo cultural dos antigos, dos mitos, do tempo cclico, da tradio e, igualmente, suscetvel ao tempo histrico, do contato e das inovaes:

    Os muitos campos de cultura material dos Karaj plumria, tecelagem, ces-taria, escultura em madeira e barro, cermica, pintura corporal, artesanato para venda, fabricao dos objetos cerimoniais etc. parecem refl etir essa capacida-de de aprendizado no contato com outras culturas e sociedades.

    Nessa perspectiva, a tradio, como afi rma Campos (2007, p. 113), deve ser entendida de forma dinmica e com possibilidades de fl exibilizao: A cria-o de um estilo novo no signifi ca o abandono de prticas seculares, principal-mente por envolver a mesma tecnologia de produo. Deve ser entendida como continuidade que incorporam mudanas e por sua vez criam novas tradies.

    Arte comunal e a singularidade da expresso artstica: padres, variaes e prestgio

    O homem est investido nas coisas e as coisas esto investidas nele.Merleau-Ponty

    Os Karaj mesclam o prazer de desenhar e de criar com o exerccio da memria coletiva. Essa relao entre a prtica prazerosa do desenho e da transmisso do saber fazer o desenho observada no cotidiano das ceramis-tas em Santa Isabel do Morro.16 Muitas vezes, elas riscam grafi smos no cho enquanto conversam e descrevem o modo de fazer a boneca, cenas que so

    16 Diferentemente de Buridina, onde a aprendizagem dos grafi smos acontece em contexto escolar formal.

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    observadas e copiadas por suas netas, principalmente as que vivem em suas casas.17 Assim como a modelagem das bonecas e as formas que elas adqui-rem, a aprendizagem da pintura acontece no mbito das famlias extensas e se caracteriza pelo ldico em processo de socializao. As brincadeiras com as bonecas e a repetio dos desenhos no cho possibilitam ao mesmo tempo a aprendizagem dos papeis sociais e da mitologia karaj.

    17 De acordo com o padro karaj de residncia uxorilocal.

    Figura 11.Figura 11. Grafismo feito pela ceramista Koaxiro enquanto descrevia a matria-prima usada na pintura das bonecas. Aldeia de Santa Isabel do Morro, dezembro de 2010 (Telma Camargo da Silva Acervo Iphan).

    Figura 12.Figura 12. Neta da ceramista Koaxiro imita os desenhos feitos pela av. Aldeia de Santa Isabel do Morro, dezembro de 2010 (Telma Camargo da Silva Acervo Iphan).

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    O grafi smo aplicado nas Ritxoko segue padres tradicionais aos quais so acrescidos elementos da criatividade individual. Os motivos indicados como tradicionais so: Haru (losangos, ou losangos que circunscrevem li-nhas paralelas; ou losangos que circunscrevem tringulos pretos); Itxalabu (busto preto, pintura masculina); Ko-Ko (nome genrico dado grega e suas variantes); Wed-Wed (pontos). A singularidade da arte da ceramista decorre da sua criatividade na combinao dos padres tradicionais entre si e na habilidade com que os grafi smos so aplicados nas bonecas e a preciso na execuo dos traos.

    Os exemplos abaixo ilustram esta criatividade no caso do padro Wed-Wed, em que o mesmo usado de diferentes maneiras: a) em combinao com outras formas; b) com a aplicao de pontos formando uma linha; c) com a aplicao de um ponto dentro de um losango; d) em um conjunto de vrios pontos.

    Figura 13.Figura 13. Variaes na aplicao e combinaes do motivo Wed-Wed (Silva, 2010, p. 106).

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    Essa habilidade e a criatividade na aplicao dos grafi smos so identi-fi cadas pelos membros do grupo que, ao expressarem suas avaliaes, clas-sifi cam as ceramistas como boas ceramistas. Dessa forma, reconhecem a singularidade das mesmas como artistas no conjunto daquelas que sabem exe-cutar o ofcio, mas cuja obra no se individualiza.

    A avaliao do grupo expressa, por exemplo, no caso do grafi smo a seguir, que, ao ser mostrado para duas mulheres mais velhas e indicadas como boas ceramistas (Mahuederu e Lawarideru) recebe o seguinte comentrio: Ela [a ceramista que fez a boneca] est aprendendo.

    O conjunto de padres criados pelos Karaj grafi smos reconhecidos e repassados pela tradio remete a uma arte comunal que confere ao grupo uma imagem de si mesmo. Nesse contexto de produo do saber e do ofcio, pessoas identifi cadas como povo karaj identifi cam e nomeiam aquelas ce-ramistas que melhor atendem s caractersticas defi nidas pelo saber tradicio-nal. Essas consideraes so corroboradas pelas afi rmaes de Darcy Ribeiro (1986). Sobre a arte comunal, ele afi rma:

    Figura 14.Figura 14. Grafismo classificado por algumas ceramistas como trabalhode uma ceramista aprendiz (Silva, 2010, p. 106-107).

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    Esta arte comunal a afl orao maior das comunidades indgenas. Aquela que lhes confere a imagem do visvel de si mesmas, de sua beleza, rigor e dignida-de. Cumpre, por isso, trs funes elementares: a de diferenciar o mundo dos homens, regidos pela conduta cultural que se constri a si mesma, do mundo dos bichos, comandados por impulsos inatos, inevitveis e incontrolveis. A de diferenciar aquela comunidade tnica de todas as outras, proporcionando um espelho em que ela se v e se contrasta com a imagem etnocntrica que tem de outros povos. Cumpre, ainda a funo geral de dar aos homens coragem e ale-gria de viver. (Ribeiro, 1986, p. 31).

    E sobre a expresso artstica na arte comunal, ele continua:

    No mundo indgena ela (a idia ocidental de coisa artstica) existe para o etnlogo que olha, reconhece e colhe os objetos artsticos; no tanto para os ndios que os tm e os usam junto com todos os outros. Esclarea-se aqui que, apesar de us-los conjuntamente, os ndios apreciam distintivamente os espcimes que atendem melhor aos requisitos formais de perfeio de cada gnero e melhor expressam o padro tradicionalmente prescrito, como tambm reverenciam muito as pessoas que conseguem faz-los com tamanha perfeio. (Ribeiro, 1986, p. 30).

    Logo, a ceramista encontra-se na confl uncia de dois movimentos dos quais decorrem implicaes para a demarcao do seu lugar no grupo. Por um lado, ao reproduzir os padres que lhe foram repassados pela tradio, ela contribui para a continuidade da afi rmao de uma identidade karaj e ocupa o seu papel tradicional como reprodutora do mundo simblico. Um lugar de-fi nido pelas relaes de gnero em que fazer famlias de bonecas com o uso de padres grfi cos tradicionais e presentear as crianas com estas famlias18 a reafi rmao do seu papel na transmisso do conhecimento sobre a cons-tituio do ncleo familiar karaj, do ciclo de vida e tambm dos elementos grfi cos e formais (a modelagem) que pertencem ao saber comunal.

    Por outro lado, a relao entre tradio e criatividade sugere que a cera-mista tem fl exibilidade no uso do grafi smo aplicado na cermica. Para Taveira (2002, p. 26) [] se o uso do padro dos desenhos geomtricos deve se submeter ao cdigo social do grupo, na cermica que a interdio cessa e

    18 Conjunto de pequenas fi guras humanas que reproduzem uma famlia extensa e que so presenteadas por avs e tias s meninas quando atingem a idade de seis anos, aproximadamente (Campos, 2007; Lima et al., 2011; Whan, 2010).

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    a ceramista combina padres diversos. Ser considerada boa ceramista como uma artista defi ne um lugar singular no sistema simblico e econmi-co tradicional prprio do grupo. A procura pelas suas bonecas em detrimento de outras, o dinheiro que entra na sua famlia e no em outras, e o seu maior poder aquisitivo para consumo de bens industriais so alguns dos elementos que apontam para uma possvel confi gurao de poder e relaes de gnero fora da representao tradicional karaj.

    Mas a caracterizao da boa ceramista vai alm das caractersticas for-mais do artefato por ela produzido e da qualidade e criatividade do desenho feito. A distino decorrente da classifi cao como boa ceramista interliga as dimenses da produo do artefato (modelagem, queima e pintura) de cir-culao desses bens no mercado consumidor externo (museus, antroplogos, casas de artesanato, entre outros). De certa forma, so as relaes de afi liao poltica interna aldeia e de parentesco da ceramista com as lideranas locais que conferem visibilidade ao seu trabalho alm daquele atribudo pela Ritxoko como brincadeira infantil. essa visibilidade que confere legitimidade e re-fora as caractersticas formais do desenho produzido como bem feito, bo-nito. Como de uma forma geral as ceramistas no falam a lngua portuguesa e raramente circulam fora de suas aldeias sem a presena masculina, a circu-lao dos artefatos dependem de uma mediao masculina. Nesse sentido, o artefato sinaliza para os papis tradicionais de gnero.

    Contudo, quando o resultado do produto comercializado retorna para as famlias em forma de bens da sociedade de consumo DVD, TV, fogo a gs, roupas, celulares as mulheres ceramistas adquirem uma outra forma de pres-tgio diferente dos assegurados pela socializao karaj. A boa ceramista condensa ento na modelagem e pintura das bonecas, a reproduo dos mitos e o relato modelado em barro das cenas do cotidiano, sinaliza a rede social de pertencimento e materializa como resultado dos bens produzidos e consumi-dos uma nova posio no contexto das relaes internas aldeia.

    Essa constatao nos leva a refl etir sobre a tenso entre os gneros. Os homens so socializados para serem portadores de uma boa performance oral praticada nos espaos rituais, construindo lideranas e fortalecendo a rede de solidariedade entre parentes consaguneos masculinos em contraposio aos parentes masculinos por afi nidade: sogros e cunhados. As mulheres antece-dem as decises masculinas tomadas na casa dos homens em suas unidades uxorilocais e tm seu prestigio crescente medida que envelhecem, se tornam

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    avs e particularmente xams. E tambm, no caso especfi co da confeco de bonecas e grafi smo na medida em que passam de aprendizes a mestras do ofcio de saber fazer Ritxoko (Lima et al., 2011), e principalmente quando entram na classifi cao nativa de boas ceramistas. A circulao do dinheiro e de bens nas mos das ceramistas pode signifi car a ultrapassagem de um li-mite de prestgio culturalmente aceito e que potencializaria uma agressividade entre os gneros prevista nos mitos/ritos (Rodrigues, P., 1993). No contexto histrico karaj, marcado pelas consequncias impactantes do contato inte-rtnico, o fato de algumas mulheres ceramistas romperem limites e padres culturais pode engendrar complexas relaes onde prestgio, poder e agressi-vidade estariam sendo tecidas.

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    Recebido em: 28/02/2012Aprovado em: 30/07/2012