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A ARTE DE NARRAR EM WALTER BENJAMIN1
SANTOS, Janiê Lidia Maia Cunha.2
UECE.
“A narrativa que durante tanto tempo floresceu num meio de artesão é ela própria, num certo
sentido, uma forma artesanal de comunicação.”(Walter Benjamin)
Resumo:
O presente artigo parte do ensaio “O Narrador”, de Walter Benjamin. Na análise da arte de narrar levantaremos questões relevantes que o filósofo alemão apresenta sobre a importância da narração e da figura do narrador na história da cultura e da sociedade. Mostraremos que a narração declinou e com ela a experiência. Nos dias atuais a oralidade e o contar de histórias estão cada vez mais raros. A troca de experiências deixou de ser uma habilidade principal do homem como parte da aprendizagem e reconfiguração de valores morais. A interrupção da tradição cultural da oralidade e sua influência sobre o social configura o enfraquecimento da experiência nas relações entre os homens.
Palavras-chave: Benjamim. Narrativa. Experiência. Memória.
Introdução:
O Narrador é um texto seleto de Walter Benjamin, citado em uma carta
enviada a Adorno, em 4 de junho de 1936. Consiste no estudo sobre o trabalho
de Nikolai Leskov, onde Benjamin faz uma crítica à cultura no estágio em que
as experiências são interrompidas por razões diversas que por um lado
enfraquece a narrativa e por outro valoriza o gênero romance. A arte de narrar
é uma das mais brilhantes e fascinantes faculdades da essência humana, uma
vez que sedimenta os valores no inconsciente e os constrói para a cultura.
A substituição da narrativa tradicional pelo romance, causa certa
“agonia” em Benjamin, que tenta explanar da melhor maneira possível as
causas para tal fenômeno. Ao discorrer sobre a narração, a interpretação do O
Narrador se torna mais clara. A narrativa foi perdendo sua importância com o
passar dos séculos, ou seja, com o avançar da modernidade, e principalmente
1 Artigo acadêmico apresentado ao professor Evaldo Sampaio como requisito de aproveitamento de créditos e avaliação na disciplina Tópicos de Filosofia I, ofertada pelo referido professor no Curso de Filosofia da Universidade Estadual do Ceará.2 Aluna da Graduação do Curso de Filosofia da referida Instituição.
com a velocidade imposta à civilização pela máquina como elemento ordeiro.
Com a evolução tecnológica, o passar da experiência de pessoa a pessoa
tornou-se mais raro. Nessa obra, Benjamin dedica atenção especial às obras
do escritor Nikolai Leskov, que tem como característica uma expressão
dogmática e doutrinária.
No primeiro aforismo, Benjamin afirma que o narrador não se encontra
na sociedade e, cada vez mais, ele se distancia desta. Ao Analisar Leskov, o
filósofo o coloca como exemplo de um narrador, para diminuir o “abismo” que
nos separa dele. Benjamim começa a analisar e comparar Leskov e suas obras
à arte de narrar, arte esta que se enfraquece a cada dia com a perda da
memória e a cegueira dos valores culturais. O homem está perdendo a
“faculdades” de intercambiar experiências.
“É a experiência de que a arte de narrar está em vias de extinção. São cada vez mais raras as pessoas que sabem narrar devidamente. Quando se pede num grupo que alguém narre alguma coisa, o embaraço se generaliza.” (O Narrador, aforismo 1)
É evidente que, ao dissertar algo, o homem carregue e passe suas
experiências, tanto quanto as que viveu, como as que deseja viver. Ao relatar
algo, você passa valores e começa a construir alguns outros e, para o filósofo,
a causa disso seria a falta de experiência. Porém, com o passar dos séculos, o
homem começou a usar uma “mordaça invisível”, como uma proteção. Não há
mais diálogos concretos sobre o que ocorreu na história da humanidade.
Parece até que o passado está morto e só vale o que é atual como Benjamin
diz no texto Experiência e Pobreza. Um dos exemplos é o emudecimento dos
soldados que retornam da guerra pobres de experiência comunicável. E os
livros sobre guerra ajudaram a cessar a troca de comunicação.
A fonte de conhecimento do narrador é a troca de experiência entre as
pessoas, principalmente as que se encontram em um inconsciente coletivo. E
as narrativas orais se caracterizam em dois grupos: o narrador, que traz longas
histórias de suas viagens, e a figura do sedentário estabelecido na terra,
vivendo de forma honesta. O primeiro pode ser representado pelo marinheiro e
o outro pelo camponês, que vive em seu país e vive para este. Para Benjamim,
esses dois grupos guardam estilos próprios de narrativa, assumindo aspectos
diferenciados como o decorrer do tempo. Tais grupos constituem de forma
justa os primeiros mestres da arte de narrar.
Segundo o pensador alemão, Nikolai Leskov traria, com sua arte de
narrar, um exemplo de um passado que deveríamos valorizar, pois este
apresenta em seus contos a vida cotidiana russa na sua realidade. O narrador
seria uma espécie de “figura conselheira” e o conselho que segue na história
narrada é chamado sabedoria. O aspecto cotidiano e prático que exala da
narrativa de Leskov é uma das características que impressionou Benjamim,
pois esta constitui a principal traço da sabedoria, vista como o lado épico da
verdade por Benjamin. Esse lado épico manifesta uma lição de vida, depurada
ao longo de gerações, com base na moral. Benjamin lamenta que a arte de
narrar esteja em vias de ser definitivamente abolida, porque a sabedoria está
também em extinção. E esse declínio, para Benjamim, ocorre ao avançar dos
séculos, com o progresso da sociedade.
“A arte de narrar está definhando porque u sabedoria - o lado épico da verdade - está em extinção. Porém esse processo vem de longe. Nada seria mais tolo que ver nele um "sintoma de decadência" ou uma característica "moderna". Na realidade, esse processo, que expulsa gradualmente a narrativa da esfera do discurso vivo e ao mesmo tempo dá uma nova beleza ao que está desaparecendo, tem se desenvolvido concomitantemente com toda uma evolução secular das forças produtivas. ”(O Narrador, aforismo 4)
A extinção da arte de narrar, como exposto no início deste artigo, é
devido ao silêncio das experiências frustradas, tais as dos soldados que
retornam da guerra. A capacidade de trocar experiências através do contato
humano, que constitui na verdade a fonte da narrativa, está em declínio. É
evidente que Benjamim carrega algumas influências da tradicional filosofia
alemã, apresentando uma visão de mundo particularmente melancólica no qual
a falência da narrativa é mostrada em seu processo de degradação. Mas por
outro lado essa melancolia é construtiva, é ela que provoca a lucidez do
melancólico no olhar para o mundo e com a consciência da destruição tentar
salvá-lo. Portanto a reflexão sobre a perda da narrativa tem uma participação
forte na construção da realidade. No texto O Narrador diz Benjamin que o tédio
é o pássaro de sonho que choca os ovos da experiência. Portanto, é
lamentando o fim da arte de narrar que se pode partir para a reconstrução do
mundo.
Benjamin descreve que o começo do fim da narrativa é o despontar do
romance no início da modernidade, pois o romance associa-se ao livro e o livro
surge com a invenção da imprensa. O romance e a narrativa se distinguem em
dois pontos: enquanto o narrador conta sua experiência e com isso promove a
identificação do ouvinte que escuta atentamente e ao narrar acrescenta à
narrativa a própria experiência, o romance essa experiência se dilui. O leitor do
romance se isola na sua leitura e da mesma forma o romancista também se
distancia do convívio e olha a sociedade como um laboratório como se ele
estivesse longe dela. O romancista não tem nenhuma bagagem de
experiências daquela história que escreveu, pois ele não as narra a ninguém,
não recebe e nem cede sabedoria ao decorrer da construção de sua história.
Em geral a estrutura de um romance não condiz com a total realidade, daí que
surge o problema de que o mesmo não possui uma moralidade. Como
Benjamim exemplifica na citação abaixo:
“O primeiro grande livro do gênero, Dom Quixote, mostra como a grandeza da alma, a coragem e a generosidade de um dos mais nobres heróis da literatura são totalmente refratárias ao conselho e não contêm a menor centelha de sabedoria. Quando no correr dos séculos se tentou ocasionalmente incluir no romance algum ensinamento - talvez o melhor exemplo seja Wilhelm Meisters Wanderjahre (Os anos de peregrinação de Wilhelm Meister), essas tentativas resultaram sempre na transformação da própria forma romanesca. O romance de formação (Bindungsroman), por outro lado, não se afasta absolutamente da estrutura fundamental do romance. Ao integrar o processo da vida social na vida de uma pessoa, ele justifica de modo extremamente frágil as leis que determinam tal processo. A legitimação dessas leis nada tem a ver com sua realidade. No romance de formação, é essa insuficiência que está na base da ação.” (O Narrador, aforismo 5)
A narração pode se apresentar em diferentes formas, porém ela sempre
se refere à realidade. Parece que em Benjamin o romance é outro culpado da
extinção da narrativa, mas em outro momento, o filósofo afirma que a tradição
oral complementa a escrita. O problema que ele encontra no romance é que
este difere da oralidade, nem procedendo desta nem complementado-a. O
romance se afasta da narrativa, mantendo-se isolado, não recebendo
conselhos, e se distanciando, cada vez mais da praticidade, do cotidiano e da
utilidade da arte de narrar, utilidade esta que carrega sempre lampejos de
sabedoria. Pois ela está baseada na memória, a mais épica das faculdades.
Benjamim descreve em O Narrador, que o romance floresceu devido à
ascensão da burguesia, constituindo um elemento favorável para sua
popularização. E quando tal elemento surgiu, a narrativa foi tornando-se
obsoleta e, com a formação da burguesia, a imprensa, um dos instrumentos
mais importantes no alavancar do capitalismo, forma uma nova forma de
comunicação, que é a informação. Informação esta que influencia no mundo
burguês e que definitivamente está vinculada ao declínio da arte de narrar. A
informação é a comunicação que anuncia notícias, fatos ocorridos no mundo. A
notícia já chega pronta, é objetiva e dela não se tira nenhum valor moral, não
traz nenhum elemento surpreendente. E é a falta dessa surpresa que constitui
a primeira diferença entre a informação e a arte de narrar. Na informação não
há a livre interpretação, pois o fato informado é composto de explicações,
enquanto na narração, o narrador é livre para entender a história de sua
maneira. E Benjamin cita Leskov como um mestre em mesclar a objetividade
de seus contos aos valores morais extraídos da tradição que educa.
“Cada manhã recebemos notícias de todo o mundo. E, no entanto, somos pobres em histórias surpreendentes. A razão é que os fatos já nos chegam acompanhados de explicações. Em outras palavras: quase nada do que acontece está a serviço da narrativa, e quase tudo está a serviço da informação. Metade da arte narrativa está em evitar explicações. Nisso Leskov é magistral. (Pensemos em textos como A fraude, ou A águia branca). O extraordinário e o miraculoso são narrados com a maior exatidão, mas o contexto psicológico da ação não é imposto ao leitor. Ele é livre para interpretar a história como quiser, e com isso o episódio narrado atinge uma amplitude que não existe na informação”. (O Narrador, aforismo 6)
A informação só é valorizada no momento em que é novidade, quando
este momento passa, a notícia não interessa mais aos ouvintes. Na narrativa,
isso não ocorre, a história pode ser das mais antigas, mas ainda assim ela
conserva suas características e ainda é capaz de desenvolver-se de acordo
com a ocasião da oralidade. A narrativa tem esse dom de fascinar geração a
geração, qual seja o tempo da narração, antiga, velha ou nova. Vejamos o
exemplo que Benjamin cita sobre o Egito antigo.
“Por isso, essa história do antigo Egito ainda é capaz, depois de milênios, de suscitar espanto e reflexão”. (O Narrador, aforismo7)
Em síntese o maior medo de Walter Benjamin, é o silêncio assombroso
que pode se sobrepuser na sociedade, devido ao avançar do romance e o
declínio da narrativa. O contar possui em sua essência o dinâmico, e o que
mais é de se admirar em tal arte, é o fato de que a mesma é memorizada de
forma fácil. Isso acontece devido a naturalidade com que o narrador narra a
história, ou seja, quanto mais expressivo e natural for a narração, mais
inesquecível ela se tornará.