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A ARQUITETURA MILITAR PORTUGUESA E SEU LEGADO NA CONSTRUÇÃO DO BRASIL: Análise a partir dos edifícios do Grupo Humaitá em Cruz Alta, RS SILVA, MATEUS VERONESE C. (1); MELLO, CLÁUDIO RENATO (2); SAAD, DENISE DE SOUZA (3) 1. Universidade Federal de Santa Maria. Mestrando do Programa em Pós-graduação Profissionalizante em Patrimônio Cultural - PPGPPC UFSM; Arquiteto e Urbanista. Membro da Comissão do Patrimônio Histórico Cultural de Cruz Alta Endereço Postal: Rua Coronel Pillar, 0212, Bairro São Miguel, Cruz Alta RS CEP: 98025-220. [email protected] 2. Universidade de Cruz Alta - UNICRUZ. Docente do curso de Arquitetura e Urbanismo; Mestre em Patrimônio Cultural UFSM; Membro da Comissão do Patrimônio Histórico Cultural de Cruz Alta RS. Endereço Postal: UNICRUZ, Universidade de Cruz Alta. Rodovia Municipal Jacob Della Méa, Km 5.6 - Parada Benito - CEP 98.020-290 - Cruz Alta/RS. [email protected] 3. Universidade Federal de Santa Maria. Programa em Pós-graduação Profissionalizante em Patrimônio Cultural - PPGPPC UFSM; Engenheira Civil, Dra. Coordenadora do PPGPPC - UFSM. Endereço Postal: Universidade Federal de Santa Maria - Av. Roraima, n. 1000 Faixa de Camobi, Km 09 - Campus Universitário, Prédio 74 - sala 2182. CEP: 97105-900 [email protected] RESUMO O presente estudo investiga a influência que a arquitetura militar portuguesa, bem como a presença de seus engenheiros militares, desempenharam na arquitetura do início do século XX, como forma de expor e difundir o conhecimento sobre estes profissionais fundamentais para a construção e desenvolvimento do país. Para isto, pretende-se analisar este legado através de um exemplar da arquitetura militar brasileira construída no ano de 1909, presente no município de Cruz Alta, Rio Grande do Sul. Após ser feita a observação dos elementos construtivos da edificação e a investigação nas mais diversas literaturas existentes sobre o histórico do tema, verificou-se que sua construção se desenvolveu com influência das fortalezas medievais portuguesas. Esta análise surge como contribuição para o estudo desta temática, ainda pouco abordada, carecendo de maiores aprofundamentos científicos. Após o diagnóstico dos elementos construtivos da edificação, notou-se que estes exemplares da arquitetura militar apresentam em suas fachadas ricamente ornamentadas, elementos tipológicos ecléticos, refletindo um modelo arquitetônico presente na época de suas construções. Estas edificações carregadas de simbolismos com fortes influências castrenses serviram de inspiração para outras construções de ordem civis, por isto se apresentam como um rico acervo a ser estudado e catalogado. Palavras-chave: Arquitetura militar; patrimônio cultural; engenharia; fortalezas medievais; Portugal

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A ARQUITETURA MILITAR PORTUGUESA E SEU LEGADO NA CONSTRUÇÃO DO BRASIL: Análise a partir dos edifícios do Grupo

Humaitá em Cruz Alta, RS

SILVA, MATEUS VERONESE C. (1); MELLO, CLÁUDIO RENATO (2); SAAD, DENISE DE SOUZA (3)

1. Universidade Federal de Santa Maria. Mestrando do Programa em Pós-graduação

Profissionalizante em Patrimônio Cultural - PPGPPC – UFSM; Arquiteto e Urbanista. Membro da Comissão do Patrimônio Histórico Cultural de Cruz Alta

Endereço Postal: Rua Coronel Pillar, 0212, Bairro São Miguel, Cruz Alta – RS – CEP: 98025-220. [email protected]

2. Universidade de Cruz Alta - UNICRUZ. Docente do curso de Arquitetura e Urbanismo; Mestre em Patrimônio Cultural – UFSM; Membro da Comissão do Patrimônio Histórico Cultural de Cruz Alta –

RS. Endereço Postal: UNICRUZ, Universidade de Cruz Alta. Rodovia Municipal Jacob Della Méa, Km 5.6 -

Parada Benito - CEP 98.020-290 - Cruz Alta/RS. [email protected]

3. Universidade Federal de Santa Maria. Programa em Pós-graduação Profissionalizante em

Patrimônio Cultural - PPGPPC – UFSM; Engenheira Civil, Dra. Coordenadora do PPGPPC - UFSM. Endereço Postal: Universidade Federal de Santa Maria - Av. Roraima, n. 1000

Faixa de Camobi, Km 09 - Campus Universitário, Prédio 74 - sala 2182. CEP: 97105-900 [email protected]

RESUMO O presente estudo investiga a influência que a arquitetura militar portuguesa, bem como a presença de seus engenheiros militares, desempenharam na arquitetura do início do século XX, como forma de expor e difundir o conhecimento sobre estes profissionais fundamentais para a construção e desenvolvimento do país. Para isto, pretende-se analisar este legado através de um exemplar da arquitetura militar brasileira construída no ano de 1909, presente no município de Cruz Alta, Rio Grande do Sul. Após ser feita a observação dos elementos construtivos da edificação e a investigação nas mais diversas literaturas existentes sobre o histórico do tema, verificou-se que sua construção se desenvolveu com influência das fortalezas medievais portuguesas. Esta análise surge como contribuição para o estudo desta temática, ainda pouco abordada, carecendo de maiores aprofundamentos científicos. Após o diagnóstico dos elementos construtivos da edificação, notou-se que estes exemplares da arquitetura militar apresentam em suas fachadas ricamente ornamentadas, elementos tipológicos ecléticos, refletindo um modelo arquitetônico presente na época de suas construções. Estas edificações carregadas de simbolismos com fortes influências castrenses serviram de inspiração para outras construções de ordem civis, por isto se apresentam como um rico acervo a ser estudado e catalogado.

Palavras-chave: Arquitetura militar; patrimônio cultural; engenharia; fortalezas medievais; Portugal

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1. INTRODUÇÃO

Esta pesquisa traz informações sobre a formação histórica da arquitetura militar portuguesa,

mostrando as suas peculiaridades e os contextos nos quais foram desenvolvidos.

Posteriormente elucida sobre o processo da formação do município de Cruz Alta, bem como

sobre a investigação dos elementos construtivos presentes nas fachadas dos edifícios do

Grupo Humaitá e a sua relação com as técnicas desenvolvidas na arquitetura militar, tendo

como referência à portuguesa.

1.1. As origens da fortificação

Ao buscarmos as origens da palavra “fortaleza”, que constitui o principal atributo da

arquitetura militar, chegamos a sua origem no latim fortitudo, que significa força, no seu

sentido de resistência e coragem, sendo que esta é uma das quatro virtudes cardinais do

catolicismo. Isto torna a ligação entre nome e essência, uma relação íntima com a própria

nomenclatura desde a sua construção (CRUXEN, 2011).

A primeira civilização a ter uma força especialmente dedicada à engenharia militar foi talvez a

Romana. As Legiões Romanas tinham um corpo de engenheiros, sendo que inicialmente

julgavam desnecessário o ato de fortificar suas posições. Foram os insistentes ataques dos

povos da Península Ibérica que os obrigaram a adotar uma postura mais prudente

(NUNES,2005).

Até o fim da Idade Média, as batalhas em sua maioria eram travadas com armamentos

rudimentares que pouco dano causava as também elementares fortificações (NUNES, 2005).

O sistema de paliçadas não oferecia uma efetiva proteção contra os invasores, muito menos

condições para um contra-ataque, por serem estruturas executadas em madeira,

consideradas relativamente frágeis.

Todo o período da Idade Média foi caracterizado pela utilização de armamento primitivo como,

arcos e flechas e bestas. Com o aparecimento das catapultas os sistemas defensivos

necessitaram evoluir, passando a ser utilizado grandes muros, que além de dificultarem a

invasão dos sitiantes, atenuavam o impacto gerado pelos projeteis lançados. Além destes

muros, a segurança era garantida pela presença de castelos e torres de menagem, arranjados

de forma que dificultasse a aproximação do invasor e a tomada do local, ao mesmo tempo que

facilitassem o ataque, atingindo o sitiante sempre em uma posição mais elevada. Por isto

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quanto maior a altura destas “cortinas” mais inacessível se transformavam estes elementos

(MORI, 2003).

Neste período a forma de combate não sofreu grandes alterações. As que se davam nas

fortificações eram de pormenores e de caráter estético. Foi através da introdução de armas de

fogo nos combates do século XV, que estas fortificações medievais passaram a sofrer

mudanças estruturais significativas, buscando se adaptar frente aos novos conceitos de

guerra (NUNES, 2005). Com esta disseminação, o velho sistema adotado até então “passou a

ser estrategicamente inconveniente, pois no combate à distância quanto mais alta a

construção, mais exposta à mira dos canhões” (MORI, 2003). A busca por ajustes para esta

nova configuração de combate possibilitou que a arquitetura militar desenvolvesse

características simultâneas, entre o castelo medieval e as primeiras fortalezas modernas,

criando um período de transição entre estes estilos (CRUXEN, 2011).

Justamente neste período a Europa passava por uma grande efervescência cultural, que

culminaram no Renascimento, onde os arquitetos italianos através de estudos principalmente

sobre a resistência dos materiais, balística e geometria, criaram uma nova forma de fortificar:

a fortaleza abaluartada. Esta cultura de fortificar não se limitou ao território italiano,

expandindo-se também por todo o continente. Estes complexos estenderam-se as

Cidades-Estados, sendo parte imprescindível na composição das suas defesas (DORÉ,

2009). A Torre de Belém construída em Lisboa por Francisco Arruda em 1519, pode ser

considerada como um paradigma no período de transição, pois conjugou no projeto, a torre de

menagem, com o baluarte de três faces, composto com guaritas em seus ângulos (MORI,

2003). Estas características passaram a ser adotadas em outras edificações, promovendo

uma defesa mais eficiente contra seus sitiantes. Posteriormente algumas destas

características, serviram de inspiração para a constituição de elementos contemporâneos,

onde, mesmo que de maneira estilizada, foram adotadas como formas ornamentais em

construções do início do século XX.

Estas novas técnicas passaram a ser desenvolvidas também nos novos territórios

descobertos pela Coroa portuguesa. Durante as grandes navegações, as técnicas

construtivas da arquitetura militar portuguesa não se limitavam apenas as suas fronteiras

ibéricas, mas também por boa parte de suas colônias da costa africana, ilhas do Atlântico e

Índia, sendo este Novo Mundo efetivamente conquistado pela construção de fortes e

fortalezas. A exploração destes novos territórios representou um grande aprendizado,

adotando-se novas práticas nas técnicas de navegação e comércio, mas principalmente nos

aspectos militares, diplomáticos e do conhecimento construtivo, onde as fortalezas se

constituíram como representantes da presença portuguesa e do controle de suas ações,

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constituindo a forma mais efetiva de manutenção das redes comerciais, que até então eram

manipuladas pelos povos árabes no Oceano Índico (DORÉ, 2009).

1.2. O desenvolvimento da arquitetura militar portuguesa e colonização do

Brasil

Quando os primeiros militares portugueses enviados aportaram nestas terras, encontraram

um vasto território desconhecido, selvagem e sem muito valor econômico para Portugal. O

Novo Mundo constituído pelo território brasileiro custou ser considerado como prioridade no

teatro da expansão além-mar da Coroa portuguesa. Este novo território era considerado

promissor, mas não essencial, não sendo estimado durante todo o século XVI e início do

século seguinte, a principal arma econômica na sustentação de Portugal (DORÉ, 2009).

Estes primeiros colonizadores trouxeram séculos de conhecimentos adquiridos pela influência

dos vários povos que sucessivamente ocuparam a Península Ibérica, deixando vestígios

indeléveis na cultura desta sociedade, incluindo os seus sistemas defensivos. Entre estes, o

domínio árabe foi quem deixou os traços mais marcantes e duradouros em seus padrões

arquitetônicos. Além do estilo bizantino introduzido em Portugal, os materiais mouriscos

exerceram uma influência marcante na construção portuguesa. O concreto usado pelos

árabes tornou-se famoso pela resistência que oferecia aos projeteis. Dizia-se que, depois de

seco, ele tinha a dureza da cantaria. Esta influência que os mouros exerceram sobre os

processos e técnicas construtivas portuguesas predominaram por muito tempo depois da sua

ocupação (TAVARES, 2000).

Os primeiros colonizadores estabelecidos na Colônia das Américas no início do século XVI,

além de sofrerem a constante ameaça dos invasores franceses, holandeses e ingleses, se

viram ameaçados pelos índios ocupantes destas terras, que por muitas vezes aliados aos

seus inimigos europeus, atacavam as povoações onde estivessem abrigados os seus

desafetos. Isto gerava um ataque massivo tanto pelo continente, com os índios geralmente

com vantagem numérica, e pelos europeus, muitas vezes atacando pelo mar.

As primitivas fortalezas aqui estabelecidas foram providenciadas prioritariamente para

combater os invasores que surgiam pelo mar, providos de mais recursos em matéria de

armamento com base na pólvora, por isto oferecendo maior perigo. Porem, até meado do

século XVII o sistema defensório português era incipiente, porque não havia de fato, valores a

serem defendidos, a não ser alguns povoados que não detinham uma estrutura com

efetividade econômica que merecesse tal cuidado (NEVES, 2003). Foi somente após a união

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das Coroas Ibéricas, que se iniciaram as primeiras ações que visavam organizar o sistema de

fortificação brasileiro, principalmente frente ao perigo da exploração holandesa na costa

nordeste do Brasil. Desta forma, até o ano de 1640 a arquitetura das fortificações no Brasil

recebeu a influência dos arquitetos espanhóis, sob o comando de Felipe II. Como ainda não

existia uma escola genuinamente ibérica sobre a arte de fortificar, estas estruturas receberam

fortes influências dos italianos, que na época constituíam-se nos maiores especialistas em

fortificações modernas apropriadas a defesa das armas de fogo (MORI, 2003). Estes grandes

mestres das fortificações do período Renascentista, constituíam-se em sua maioria civis, além

de sacerdotes jesuítas, que dominavam a matemática e a geografia, incumbidos de projetar e

construir tais obras de defesa (TAVARES, 2000). No Brasil as fortificações também foram

condicionadas à experiência italiana de fortificações a partir do século XVII, abandonando

totalmente as maneiras transitórias baseadas na tradição medieval das altas muralhas e das

ostensivas torres de defesa. Agora, havia que privilegiar as fortificações baixas e de grande

espessura. De pouca altura para oferecer o menor alvo possível e grossas para absorver o

impacto de projéteis de força incrível (MORI, 2003).

Como é possível localizar em documentos encontrados neste período, os primeiros séculos

da posse do território brasileiro foram marcados por grandes sacrifícios e improvisações. Com

esta grande deficiência de mão de obra especializada, as primeiras fortificações foram

construídas com a utilização de paliçadas de madeira para proteção destas primitivas

povoações. Como de fato ainda não haviam estruturas defensivas consolidadas, foram

utilizadas algumas edificações de caráter civil com elementos de defesa, como é o caso da

igreja de Cananéia em São Paulo, onde em alguns locais estratégicos foram construídas

seteiras em suas paredes com espessura de um metro, para a proteção contra possíveis

sitiantes. As capelas e igrejas geralmente eram construídas em pontos mais elevados, para

servirem como ponto de vigilância e defesa. Em algumas poderiam ser encontradas paio para

pólvora e poço de água no seu interior ou próximo delas.

Incumbidos de desbravar e defender este território, estes militares acabavam por anteceder

em muitos casos a civilização, atuando como “sonda do progresso” desbravando territórios

desconhecidos para fixar povoados para garantir a posse deste novo território. Estes núcleos

urbanos primitivos ao mesmo tempo promoviam as necessidades mínimas dos centros

populacionais e desempenhavam o papel de defender o litoral contra as ações de pirataria ou

de conquista (TAVARES, 2000).

Nesta primeira etapa de ocupação, as fortificações constituídas se espalharam segundo os

principais núcleos populacionais fundados: Salvador, Recife, Rio de Janeiro, Santos, Belém e

Florianópolis. Posteriormente foram estabelecidas outras linhas fortificadas construídas no

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interior, que delimitavam a fronteira do território brasileiro, a ocidente, com as colônias

espanholas, as quais podemos citar pela sua importância histórica, os Fortes de Príncipe da

Beira, na fronteira com a Bolívia, e o de Coimbra no Rio Paraguai, ambas obras de D. José I.

No Amazonas também foram criadas um número considerável de estruturas com o intuito de

guarnecer este acesso. Todas desempenharam uma importante função na fixação das

fronteiras do Brasil, na contenção das investidas dos ingleses, franceses e holandeses ou nas

investidas espanholas pelo Rio Paraguai. A fortaleza lusitana mais antiga construída em

território brasileiro pode ser considerada o Forte Santo António da Barra na Bahia, construção

iniciada em 1534 (NUNES, 2005).

No período compreendido entre 1521 à 1822, calcula-se que atuaram nestas terras cerca de

247 engenheiros militares portugueses. Este número sempre foi muito inferior a demanda

exigida, obrigando-os a serem deslocados continuamente de um local para o outro. Estes

militares portugueses foram destinados a além de organizar as defesas do território, atender

também os empreendimentos públicos elaborando projetos de obras civis e religiosas para as

praças militares, vilas e cidades e inventariando recursos naturais e humanos. Coube também

a eles realizar os primeiros estudos cartográficos, a fim de mapear o território e suas

circunscrições regionais (províncias) de forma mais precisa, inventariando em paralelo todas

as suas potencialidades econômicas (BUENO, 2011).

Esta intensa presença dos engenheiros militares na construção civil no Brasil esteve presente

até meados do século XIX, onde houve a cisão entre engenharia civil e militar, com a criação

da Escola Central (1858) e da Escola Politécnica (1874), no Rio de Janeiro (BUENO, 2011).

1.3. A conquista do sul

Geograficamente situado na parte mais meridional do Brasil, o Rio Grande do Sul, cuja área

corresponde a 3,32 por cento do território nacional, possui uma considerável faixa litorânea, e

hoje faz fronteira com o estado de Santa Catarina e os países como a Argentina e Uruguai.

Historicamente o desenvolvimento deste território esteve desde muito cedo intimamente

ligado a presença de militares, sendo cenário de disputa entre as Coroas de Portugal e

Espanha. Isto caracteriza a formação da sociedade rio-grandense como sendo diferente de

outras regiões como o Nordeste ou o Leste do Brasil. Esta condição de fronteira em guerra

leva a um conjunto de peculiaridades estruturais desta sociedade em relação ao restante do

país (TARGA, 1991).

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Nas condições em que se operou a ocupação do território brasileiro, a metrópole não tinha

condições de contribuir efetivamente para a segurança de todos os seus súditos. Seu

interesse estava concentrado no território que hoje se encontra Minas Gerais e São Paulo,

muito em função da mineração. Por isto a ocupação do território rio-grandense ocorreu dois

séculos depois do inicio da colonização do Brasil (MACEDO, 1987). Ainda que a colônia

portuguesa já tivesse obtido certa “modernização” dos processos construtivos, graças a novas

técnicas inseridas por militares construtores, os conquistadores do território sul se viram

forçados ao uso das mais primitivas e rudimentares formas para suas fortificações e quartéis.

A Coroa portuguesa demonstra interesse por áreas meridionais próximas ao Rio da Prata, não

só pela prata que ali passava, mas pela grande quantidade de gado deixado pelos jesuítas

nesta região. Impedidos inicialmente pelo Tratado de Tordesilhas que limitava a área de

domínio português, o qual meridiano passava por Laguna, valem-se da Bula do Papa

Inocêncio XI de 1676, que estende os limites de Portugal até o Rio da Prata. Em 1680 envia

Manoel Lobo para fundar uma fortaleza, com respectiva infraestrutura na margem setentrional

do rio, adiante de Buenos Aires com o nome de Colônia do Santíssimo Sacramento. Este

projeto recebeu objetivos mais concretos em 1734, quando o governo enviou o oficial

português, Brigadeiro José da Silva Paes, engenheiro e arquiteto militar experiente construtor

de fortes, para auxiliar na defesa da colônia portuguesa no Prata. Antes de chegar, contrata

Cristóvão Pereira de Abreu para organizar as defesas do roteiro do canal de Rio Grande, pois

esta localização era importante para o domínio das terras interioranas. Estas primitivas

defesas foram constituídas quase que integralmente por estruturas rudimentares de madeira

(MACEDO, 1987).

Assim que chegou ao acampamento a Rio Grande, Silva Paes imediatamente iniciou a

construção das primeiras guardas, e fortes. No Chuí deu início às obras do “presídio” Jesus

Maria José a fim de guarnecer a entrada do canal, fabricando uma fortaleza retangular com

fosso, pontes levadiças e quartéis para a sua guarnição. Através destas descobertas e

ocupações foi instituído o primeiro governador da capitania que recebeu o nome de Rio

Grande de São Pedro, o coronel Inácio Elói Madureira, que logo após assumir recebe a

primeira ameaça em 1761 do governador de Buenos Aires, Dom Pedro de Cevallos, que

intima os portugueses a abandonar as terras ocupadas da Espanha. Foi através dessa

ameaça que 26 anos após a fundação oficial, Rio Grande foi invadido pelo exército espanhol,

sendo novamente repatriado pelos portugueses 13 anos depois em 1776, pelo ataque a Rio

Grande pela frota de navios comandada pelo general Bohm. Nesta época a colonização no

território rio-grandense ainda era lenta e muito esparsa. (COSTA e FONSECA, 1998).

Enquanto a política para a colonização da coroa espanhola era voltada para a fundação de

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grandes conglomerados urbanos, os portugueses pulverizaram o povoamento na direção

oeste, fazendo crescer os seus domínios até que em agosto de 1801 ocupou definitivamente

as Missões, incorporando o território dos Sete Povos, dando ao Rio Grande do Sul

aproximadamente sua configuração atual (PADOIN e MELLO, 2012).

1.4. O município de Cruz Alta

Cruz Alta atualmente é um importante município situado no setor Noroeste do estado do Rio

Grande do Sul. Conhecida como sendo a terra dos tropeiros, do Escritor Érico Veríssimo, da

Coxilha Nativista e da Romaria de Fátima, é um dos mais antigos municípios fundados por

estas terras. Sua formação histórica remonta ao final do século XVII, quando uma cruz de

madeira fora erguida pelos jesuítas para definir as posses da área pertencente até então a

Coroa Espanhola, por razão do Tratado de Tordesilhas, entre os anos de 1690 a 1698.

Posteriormente com a demarcação do Tratado de Santo Ildefonso em 1777, a linha divisória,

que separava as terras das duas Coroas, cortava este território, exatamente pelo local onde

existia a grande cruz e uma pequena Capela do Menino Jesus. Este Tratado foi de grande

importância para a criação do povoado, estabelecendo um imenso “corredor” gerando uma

grande movimentação de pessoas das mais variadas ocupações que a cada ano aumentava.

Já por essa época, provavelmente muitos paulistas contrabandeavam tropas de muares e

gado a pé, conduzindo através destes caminhos, os animais para comercialização na região

de Sorocaba em São Paulo (CAVALARI, 2004). O município de Cruz Alta converteu-se em

local de descanso para os tropeiros devido as suas características geográficas, climáticas e

naturais, além de diminuir a distância e o tempo do trajeto das tropeadas entre as estâncias

produtoras e o caminho para a região consumidora. Nesse contexto foram edificados de

maneira ainda muito rudimentar os primeiros ranchos, sendo estâncias embrionárias.

(ROCHA, 1964).

No ano de 1821, Coronel Paulet que ocupava o cargo de Comandante da Fronteira de

Missões, autoriza a fundação do povoado no dia 18 de agosto do mesmo ano, criando

oficialmente o povoado do Espírito Santo da Cruz Alta. A partir desta data o município ganhou

uma grande importância regional e serviu de berço para o desenvolvimento de inúmeros

municípios do estado. Nesta perspectiva o município sempre se destacou como sendo uma

referência por sua diversidade étnica, social e cultural. Por isso que ao considerar a relevância

de Cruz Alta na “estruturação” do Rio Grande do Sul, estamos diante da necessidade de

preservação da memória nas mais diversas formas que ela se manifesta.

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A invasão das missões pelo caudilho uruguaio Frutuoso Rivera gerou um despovoamento dos

povos jesuítas, sendo que essa população migrou para diversos locais da província, inclusive

para Cruz Alta, que aumentou rapidamente a sua densidade populacional. Foi elevada a

categoria de Vila por meio da Lei Provincial de 28 de maio de 1834 e Cidade no ano de 1879.

(CASTRO, 2003). Entre estes novos residentes pode-se citar Coronel Vidal José Pilar,

personagem que desempenhou papel fundamental na história política do município. Coronel

Vidal foi um dos primeiros moradores que contribuíram para fomentar o crescimento

econômico do vilarejo implantando a primeira olaria, já que a abundância de barro e escravos

eram características marcantes do lugar. Isto contribuiu para o aumento da riqueza e a

consolidação de novas moradias das figuras influentes do lugar. Estas iniciativas auxiliaram

na transformação da paisagem, onde “choupanas de taquara, barro e ripas de madeira davam

lugar a novas e mais sólidas construções” (CAVALARI, 2004).

Cruz alta desempenhou um papel importante também na revolução farroupilha, quando em

1841 tornou-se capital provisória da República Rio-Grandense, época do período da república

andarilha, dentro do decênio heróico. Por este local estiveram Bento Gonçalves, David

Canabarro, Giuseppe e Anita Garibaldi, Domingos José de Almeida, José Gomes Portinho,

dentre tantos outros do alto comando farrapo. Durante esta estada por Cruz Alta, muitas

correspondências foram enviadas e muitos negócios com os comerciantes locais foram

realizados, comprando-se uma grande quantidade de cavalos, víveres e tecidos para

confeccionar uniformes para os soldados, utilizando a mão-de-obra local (CAVALARI, 2011).

O cotidiano da Vila da Cruz Alta foi novamente tumultuado com a eminência do combate a

Guerra da Tríplice Aliança. Em 1865 a preocupação da população do Rio Grande do Sul

aumenta com a chegada da guerra, preocupando as autoridades. Com a deflagração da

Guerra, Cruz Alta converteu-se em um verdadeiro acampamento militar; envolvendo a

participação das principais lideranças políticas, apesar da isenção ao recrutamento por parte

dos camponeses, temerosos das conseqüências que a guerra poderia causar-lhes. Mesmo

sem uma definição das atribuições de organizar a vida militar, antigos guerreiros reuniram

milícias de voluntários de cavalaria e partiram para frente de combate. Velhos e jovens

incorporaram-se aos Corpos da Guarda Nacional. Com isso, foram criados os Corpos de

Voluntários da Pátria que até o final da guerra recrutou cerca de 118.000 soldados, sendo que

aproximadamente 35.000 eram Rio-Grandenses. Entre outros contingentes estava o Corpo

de Voluntários da Pátria n° 19, composto por cruz-altenses em sua maioria, comandados pelo

Coronel João Batista Vidal de Almeida Pilar. Esta unidade participou ativamente para conter

os avanços dos paraguaios que haviam invadido a Vila de São Borja.

Nestes campos de batalha surge uma das mais antigas unidades militares a se estabelecer no

município de Cruz Alta, objeto de nossos estudos. Sua formação histórica remonta ao Corpo

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de Artilharia a Cavalo criada em Humaitá, Paraguai, em 1866, posteriormente desmembrada

passando a se denominar 4° Corpo Provisório de Artilharia (1868-1870). Esta unidade foi

umas das únicas unidades militares da história do Exército Brasileiro que surgiu em meio a

ações de guerra. Sob o comando de Duque de Caxias este batalhão participa ativamente dos

combates de Tuiuti, Humaitá, Itororó, Avaí, Piquissiri, Angosturas e Lomas Valentinas

(OLIVEIRA, 2008).

2. METODOLOGIA UTILIZADA

A pesquisa pode ser definida como o processo formal e sistemático de desenvolvimento do

método científico, enquanto seu objetivo fundamental é descobrir respostas para problemas

mediante o emprego de procedimentos científicos. Sendo assim, a pesquisa social como

processo, utilizando a metodologia científica, permite a obtenção de novos conhecimentos no

campo da realidade social (GIL, 1991).

Atualmente é possível verificar uma carência de estudos que evidenciem o legado deixado

pelas obras dos engenheiros e arquitetos militares, bem como o uso de seus tratados e

elementos como referência construtiva. Além disso, há uma preocupação mundial na

preservação dos patrimônios edificados, por isto, este trabalho surge como contribuição para

elucidar a necessidade de ações preservacionistas para proteção destes bens à medida que

as necessidades modernas avançam, para que os atores envolvidos construam uma

identidade com esses patrimônios.

Este estudo objetiva investigar a influência que estes engenheiros e arquitetos militares

portugueses, assim como suas obras, desempenharam no desenvolvimento do Brasil e na

arquitetura do início do século XX, para desta forma difundir o conhecimento sobre estes

profissionais fundamentais para a construção e desenvolvimento do Brasil. Para isto,

pretende-se analisar este legado através de um exemplar da arquitetura militar brasileira

construída no ano de 1909, localizado no município de Cruz Alta, Rio Grande do Sul. Por isto

optou-se pela realização de uma pesquisa de abordagem qualitativa de caráter exploratório.

Segundo Gil (1991) esta análise depende de diversos fatores, porém esse processo pode ser

definido como: uma seqüência de atividades, que envolve a redução dos dados, a

categorização desses dados, sua interpretação e a redação do relatório.

A proposta metodológica divide o trabalho de pesquisa em etapas, que incluem como

instrumentos de coleta de dados a revisão bibliográfica, o diagnóstico dos elementos

construtivos da edificação, a busca por singularidades presentes nas primitivas edificações

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defensivas portuguesas, identificação destes elementos e seus simbolismos e posteriormente

o levantamento físico e fotográfico da edificação selecionada.

3. O CASO DO GRUPO HUMAITÁ

Ao investigarmos os edifícios militares construídos a partir do século XX, notamos que estes

ainda trazem traços intrínsecos em suas composições, das primeiras edificações construídas

para a ocupação e defesa dos territórios conquistados pela Coroa portuguesa. Da forma que

as técnicas de artilharia foram sendo aperfeiçoadas, estas edificações necessitaram se

atualizar continuamente para conseguir resistir aos ataques de seus adversários. A forma de

fortificar e defender os territórios evolui frente a artilharia que passou a utilizar métodos cada

vez mais modernos, de ataque e estratégia de combate. Isto por sua vez, transformou a

construção militar em uma técnica que necessitava de constantes aprimoramentos em seus

elementos construtivos para condizer com os constantes confrontos. (CRUXEN, 2011). Isto

demonstra que a fortificação ou o quartel são elementos estritamente funcionalistas por

natureza.

Os conceitos primitivos utilizados desde o período medieval, onde reinavam os castelos por

toda Europa, passaram pelo Renascimento e foram somados aos conhecimentos dos

grandes mestres italianos, chegando finalmente pelas fortificações e quartéis construídos em

território brasileiro pela Coroa portuguesa. Estes conhecimentos chegaram aos projetistas e

construtores contemporâneos, sendo estas técnicas estudadas e utilizadas para a concepção

de muitos quartéis construídos até meados do século XX.

Ao analisarmos o conjunto de edificações que fazem parte do Grupo Humaitá em Cruz Alta, é

notório para o observador que trata-se de uma estrutura concebida para abrigar o corpo de

uma unidade militar. Sua edificação principal, um marco visual acachapado, foi idealizada

para abrigar as inúmeras atividades administrativas que demandam o serviço militar. Seus

ambientes eram compostos originalmente para abrigar as atividades mais importantes desta

unidade, a qual faziam parte: o gabinete do comandante, localizado na camarinha central, o

cassino e refeitório dos oficiais, sala do sub-comandante, sala do conselho de oficiais, entre

outros espaços criados para abrigar o alto comando. Mas esta imponência toda perante a

paisagem urbana, traz em suas estruturas o mesmo conceito que eram atribuídas a

construção de castelos e fortalezas na Idade Média. A fortificação desenvolvida nestes

períodos como ícone tridimensional pratico e simbólico, expõe mensagens para os receptores

que não dominam as técnicas de construção da arquitetura militar, mas que conseguem

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perceber a mensagem por ela enviada, segundo um código ideológico-cultural. Globalmente a

imagem da fortificação expressa conceitos e comunica atitudes a um imaginário coletivo

(FUSCO, 1970). Dentro do que pode ser chamado de uma “semiótica do poder”, se expressa

visualmente a existência de certas hierarquias, tendo como base dois ícones: Altura e

Tamanho. Alto e grande, são os modos pelos quais se estabelecem hierarquias no universo

icônico (PIGNATARI, 1983).

Essas estreitas relações com as idéias e conceitos das primitivas construções de defesa

portuguesas podem ser observadas antes mesmo do início da concepção do edifício. Antes

da sua construção foi necessário achar o local ideal para a constituição da unidade. Após o

estudo de algumas opções, foi escolhida pela Comissão Construtora de Quartéis, uma

chácara localizada na zona leste da cidade. Além de sua vista privilegiada, importante para a

guarnição dos acessos a cidade, este local foi escolhido pela sua proximidade com a ferrovia

que no período de sua instalação, compreendia a forma mais eficiente de transporte de cargas

e materiais, facilitando o transporte dos suprimentos necessários. Mas com estes fatos

expostos questionamos o porquê da escolha deste local em específico, já que existiam outros

locais que também estavam próximos a rede férrea e ofereciam uma malha urbana mais

desenvolvida? Uma das principais recomendações apresentadas em tratados e

ensinamentos sobre o ato de fortificar, diz respeito ao local escolhido para construir. Conforme

uma das teses escritas pelo engenheiro militar Luiz Serrão Pimentel e apresentadas por

Simão Madeira ao Principe D. Theodosio, Governador das Armas do Reino, diz respeito a

localização para a fixação destas edificações. Segundo ele “o melhor sítio é o que está em

lugar levantado sobre o nível da campanha rasa” (TAVARES, 2000). Ao compararmos estas

recomendações de Pimentel com a escolha do terreno para a instalação da unidade,

podemos perceber que ao ser localizado em um dos pontos mais elevados do município,

foram contempladas estas recomendações, passadas através do tempo até chegar aos

construtores do século XX. Nesta mesma época de sua construção, no ano de 1909, estava

sendo construída outra importante unidade militar no município em um ponto oposto da

cidade. Graças a esta vista privilegiada de grande parte da malha urbana, era possível fazer

contato visual com esta unidade e guarnecer as principais vias de acesso ao município

(OLIVEIRA, 2003).

Durante a realização da pesquisa não foram encontrados documentos que identifiquem o

autor do projeto desenvolvido para aquartelar o Grupo Humaitá. As informações que foram

localizadas, dizem respeito ao edifício do 7° Regimento de Infantaria, construído em 1913 na

cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Este edifício apresenta as mesmas

características presentes nas edificações do Grupo Humaitá, por isso deduz-se que o Coronel

Figura 2: Fachada do Grupo Humaitá no início do século XX em Cruz Alta, RS. Fonte: Arquivo histórico Grupo Humaitá

Figura 1: O projeto da fachada do 7° Regimento de Infantaria publicado no Jornal Diário do Interior,em Santa Maria dia 22.abril de.1913. Fonte: (BINATO E BRENNER, 2003)

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Augusto Maria Sisson, na oportunidade chefe da Comissão Construtora de Quartéis do Rio

Grande do Sul foi projetista de ambos os edifícios. Este modelo primeiramente adotado em

Cruz Alta e posteriormente em Santa Maria, serviu de modelo para a construção de inúmeros

quartéis espalhados por todo o Rio Grande do Sul. A construção das duas edificações foi

dirigida pelo Engenheiro Militar Oscar Barcelos, dotado de experiência em obras militares no

Rio de Janeiro e em São Paulo (BINATO e BRENNER, 2003). Além da construção do quartel,

Barcelos também foi responsável pelo projeto e construção de obras civis no município

durante o período que residiu.

A instalação da unidade neste local estimulou o crescimento populacional para a zona leste da

cidade, em um momento em que a população urbana se concentrava em sua grande maioria

no centro da cidade. Como muitos militares advêm de outras cidades, algumas pousadas e

pequenos comércios começaram a se estabelecer naquela região, fato que atraia cada vez

mais moradores para o entorno desta área.

Os edifícios que compõem o complexo do grupamento, contam com 25 edifícios, entre

cocheiras, alojamentos e garagens, dispostos em enfilade, com destaque a presença do

edifício principal. Esta edificação em formato pavilhonar apresenta uma tipologia eclética,

carregada de elementos e simbolismos em baixo relevo que remetem a sua origem castrense.

Ao descrever o conjunto de edificações, podemos dizer que os prédios principais dispõem-se

em torno de um pátio central, contornado por uma passagem coberta, que integra as

diferentes funções administrativas. Desta composição o elemento que mais se destaca é o

edifício fronteiriço, com uma tipologia retangular com galeria, disposto longitudinalmente e

sobre o centro se apóia uma camarinha. As elevações de composição simétrica apresentam

uma linguagem arquitetônica que remete as fortalezas medievais.

Sobre estas superfícies em epígrafe além do nome do grupo, os nomes dos combates dos

quais o regimento participou na Guerra do Paraguai (SILVA, 2000). Nesta composição é que

podemos observar os diversos elementos estilizados que reproduzem as estruturas utilizadas

pela arquitetura militar. É sabido que com as técnicas presentes no período de sua

construção, juntamente com as novas técnicas de combate, estas estruturas estilizadas por

Sisson não demonstram pouco efeito prático. Mas ao se apropriar destas estruturas

resgatando-as de forma estilizada, utiliza o imaginário coletivo e o seu simbolismo para

transformar a edificação em um marco referencial, símbolo do poder do Estado.

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Para compreender as diversas influências utilizadas para compor o edifício do Grupo

Humaitá, precisamos investigar cada elemento que compõem suas elevações

separadamente. Por se tratar de uma edificação simétrica, seu centro de equilíbrio se

encontra rigorosamente ao centro. Esta estrutura central avançada com relação ao restante

do prédio (figura 1), recebe a entrada principal da unidade. Esta por sua vez foi construída em

ferro com elementos decorativos com influência Art. Nouveau. No seu entorno podemos

identificar a presença de elementos que reproduzem pedras, compostas de tal forma que se

assemelham as portas fortificadas das antigas fortalezas portuguesas (figura 2), que “por ser

um ponto fraco de sua defesa, era reforçada utilizando-se sistemas variados (NUNES, 2005).

Acima deste acesso foi idealizada a construção de um pequeno varandim ou balcão, cujo

acesso se dá através da sala do comandante. Atualmente esta estrutura não possui mais

efeito defensivo, mas ao observarmos as antigas fortalezas, este elemento era construído

acima dos portões fortificados e possuíam no pavimento largas aberturas redondas para

lançamento vertical de pedras e líquidos como forma de contra ataque aos sitiantes. Este tipo

Figura 3: Alguns dos elementos que constituem a fachada do edifício principal do Grupo Humaitá Fonte: Acervo do Autor, 2014

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de estrutura passou a ser utilizada nos castelos portugueses no final do século XIII, sendo

largamente utilizada nas muralhas e torres de menagem (NUNES, 2005).

No coroamento da edificação podemos notar algumas estruturas que mostram mais uma vez

as influências da arquitetura militar portuguesa. A presença de balcões corridos, ameias e

merlões desenvolvidos neste exemplar com funções meramente estética, na Idade Média

serviam de estruturas de defesa que ao mesmo tempo que permitia ao atirador disparar em

direção ao alvo, proporcionava proteção. Estes elementos foram utilizados por todo o século

XV e XVI, e posteriormente como elemento em algumas fortificações no Brasil. Além de

criarem uma composição harmônica com os outros ornamentos, são as estruturas que mais

se destacam no todo. Junto a estes elementos encontra-se pequenas réplicas de guaritas. Na

camarinha central foram dispostos dois exemplares deste elemento, enquanto que nas

extremidades da edificação foram inseridos dois de cada lado, compondo um conjunto com

seis unidades (figura 4). Estas estruturas podem ser descritas como pequenas saliências para

Figura 4: Detalhe da guarita construída na extremidade da camarinha e do balcão corridos, ameias e merlões construídos para servirem de platibanda. Fonte: Acervo do autor, 2014

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abrigo e defesa das sentinelas, que se destacavam nos ângulos das cortinas e baluartes das

fortificações, geralmente de forma cilíndrica ou prismática (NUNES, 2005). Este elemento

pode ser encontrado em diversos edifícios militares atualmente, sobre circunstâncias

diferentes, mas servindo ainda para os mesmos propósitos. Além deste simbolismo

arquitetônico, pode-se notar na composição da fachada a presença de outros emblemas

alusivos a arma de artilharia, assim como o Brasão de Armas do Brasil. Este último

encontra-se localizado ao centro da composição simétrica, no ponto mais alto de sua fachada.

Os elementos presentes nas fachadas dos edifícios do Grupo Humaitá foram moldados e

construídos segundo os preceitos que eram correntes no período da sua construção. Estes

foram inseridos não apenas como simples formas decorativas, mas sim como uma maneira

representativa dos valores que estes representavam para os antigos teóricos, tratadistas e

construtores militares portugueses.

4. CONCLUSÕES

Perante as análises realizadas, conclui-se da importância deste tema para os estudos

referentes a presença militar no cenário nacional. Para tanto, é necessário que sejam

realizadas investigações cada vez mais aprofundadas sobre o legado deixado por estes

profissionais. Investigando o passado da antiga colônia portuguesa, viu-se que os

engenheiros militares foram de fundamental importância para a efetiva conquista do território

brasileiro, assim como a manutenção da sua posse, colaborando com os mais diversos

setores da sociedade para a ocupação e modernização dos conglomerados urbanos que ao

longo do tempo foram se originando.

Por isso pode-se perceber que é fundamental o aprimoramento do estudo dos traços e o

simbolismo presentes na arquitetura militar, que sofreram influência dos antigos tratadistas e

construtores, oportunizando o contato com os variados saberes sobre este patrimônio aos

diferentes atores sociais envolvidos. Esta investigação constitui uma pequena contribuição

para a instituição de um inventário sobre os elementos que mais merecem destaque na

tipologia dos diversos edifícios construídos para fins militares no Brasil, principalmente no

início do século XX. Isto irá promover um aprimoramento do saber cultural, convocando a

comunidade envolvida a perceber o real valor destes bens, demonstrando a complexidade

histórica envolvendo as edificações que aqui foram consolidadas.

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