A Argumentação No Discurso Publicitário - Aidalice Ramalho Murta
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Aidalice Ramalho Murta
A ARGUMENTAÇÃO NO DISCURSO PUBLICITÁRIO:A ESTRATÉGIA DA PERGUNTA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Letras da Pontifícia UniversidadeCatólica de Minas Gerais, como parte dos requisitospara obtenção do grau de Mestre em LínguaPortuguesa, elaborada sob a orientação do Prof. Dr.Paulo Henrique Aguiar Mendes.
Pontifícia Universidade Católica de Minas GeraisBelo Horizonte
2005
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Dissertação defendida publicamente no Programa de Pós-Graduação em Letras da PUC
MINAS e aprovada pela seguinte Comissão Examinadora:
______________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Ida Lúcia Machado
(UFMG)
________________________________________________________________
Profª. Drª. Vanda de Oliveira Bittencourt
(PUC MINAS)
________________________________________________________________
Prof. Dr. Paulo Henrique Aguiar Mendes - Orientador
(PUC MINAS)
Belo Horizonte, _____________ de ___________________ de _____________.
Prof.ª Dr.ª Ivete Lara Camargos Walty
Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Letras da
PUC MINAS
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Dedicatória
Dedico este estudo aos meus filhos Ara, Artur e Cora, dádivas de Deus na minha vida, cujo
amor e confiança alimentam meus sonhos e realizações.Aos meus pais Terezinha e Avelino, por serem meus mestres e amigos de todas as horas.
Ao meu esposo Gilmar Fernandes, pelo apoio e dedicação inquestionáveis e pela grandeza
com que soube partilhar comigo todos os momentos desta conquista.
Ao meu Orientador Prof. Dr. Paulo Henrique Aguiar Mendes, pelo crédito, empenho e
dedicação com que acolheu o gérmen deste trabalho e o transformou em realidade, a despeito
de todas as dificuldades da trajetória, sendo, em certa medida, co-autor deste texto.
Aos amigos Carlos e Sandra, pela esperança firme com sonharam comigo e pela capacidade
de doação em todos os instantes em que seus ombros foram meu porto seguro.
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Agradecimentos
À CAPES, cujo fomento possibilitou a realização deste estudo.Aos meus amigos Ada, Felipe, Otto e Mônica pela enorme compreensão e inestimáveis
palavras de incentivo.E, principalmente, a Francis pela paciência silenciosa e pelas múltiplas impressões.A Denny, pela amizade sincera e carinho constante.Às amigas da Secretaria do Programa de Pós-Graduação em Letras da PUC MINAS, Berenicee Vera, pela boa vontade e gentileza que tornaram meu trabalho muito mais prazeroso.A todos os meus professores, desde aqueles das tenras primeiras letras até os do Curso deMestrado, muito especialmente o Professor Dr. Milton do Nascimento e a Professora Drª.Vanda de Oliveira Bittencourt.
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SUMÁRIO
8 141.1 - Considerações preliminares 141.2 - Visão geral da Teoria Semiolingüística 171.2.1 - O contrato de comunicação do discurso publicitário 191.3 - A argumentação no discurso publicitário 271.4 - A Teoria dos Atos de Fala no discurso publicitário 41
532.1 - Categorização dos dados coletados 532.1.1 - Perguntas alocutivas 542.1.1.1 - Perguntas com uso de formas lingüísticas pronominais de inscrição doTUd no discurso 542.1.1.2 - Perguntas de segunda pessoa expressa pela conjugação verbal 552.1.1.3 - Perguntas encabeçadas por formas nominais do verbo 56
2.1.1.4 - Perguntas com formato enunciativo de oferta 572.12 - Perguntas delocutivas 572.1.2.1 - Perguntas introduzidas por pronomes interrogativos 602.1.2.2 - Perguntas que apresentam somente a problemática expressa 582.1.3 - Perguntas elocutivas 592.1.3. 1 - Perguntas ecoadas 592.1.3.2 - Perguntas encenadas por personagem que representa o TUd
2.2 - Análise de algumas peças 60 99
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LISTAS
Quad ro 1: Relação por suporte de peças coletadas 11
Figura 1: A mediação da linguagem na relação dos sujeitos com o mundo 21
Figura 2: Contrato sociolinguageiro do discurso publicitário, proposto por
Charaudeau, conforme versão de Soulages (1996: 146) 27
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RESUMO
O presente estudo toma como objetivo analisar o uso da pergunta como estratégia
argumentativa no discurso publicitário, de forma a compreender os efeitos de sentido que esse
uso pode desencadear nesse tipo de discurso. Considerando a sua importância para a
sociedade de economia de mercado, o discurso publicitário constitui um espaço privilegiado
de aplicação da argumentação. Além disso, o escamoteamento do seu caráter monolocutivo,
através de um falseamento de diálogo, favorece o engendramento de estratégias discursivas
bastante curiosas, dentre as quais se pode destacar o desdobramento do ato diretivo de
pergunta em um primeiro ato indireto de oferta e um segundo ato indireto de promessa.
O estudo consta de três capítulos, além de uma nota introdutória. O primeiro capítulo é
destinado à exposição do quadro teórico-metodológico que serve de fundamentação às
análises de peças coletadas, sendo tomadas a Teoria Semiolingüística, a Teoria dos Atos de
Fala e certos aspectos da retórica e das teorias da argumentação, que permitiram descrever
determinados mecanismos inferenciais típicos do jogo argumentativo publicitário. No capítulo
de análise, foi feita uma classificação dos dados coletados, tomando-se por referência a fonte
enunciativa, chegando-se a uma tipologia das perguntas recorrentes nesse discurso. Em
seguida, foram apresentadas análises de cada tipo e subtipo, de modo a elucidar as estratégiaslingüístico-enunciativas que atualizam o ato diretivo de pergunta no discurso publicitário e
atuam no plano argumentativo desse discurso. O último capítulo foi destinado às
considerações finais, ocasião em que são comentados os resultados obtidos através do estudo.
PALAVRAS-CHAVE: Discurso publicitário; Argumentação, Atos de Fala, Contrato deComunicação
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Partindo do objetivo geral de avaliar as condições de produção e as estratégias
argumentativas constitutivas do discurso publicitário, esta dissertação significa um esforço no
sentido de se compreender o uso da pergunta inscrita nesse domínio discursivo, de modo a
verificar sua validade argumentativa. Esta escolha deve-se ao fato de que a pergunta ainda é
um ato de linguagem pouco explorado, apesar dos numerosos estudos realizados tanto sobre a
argumentação, quanto sobre o discurso publicitário.
Para Adam e Bonhomme (1997), o estudo do discurso publicitário significa uma
tentativa de compreensão de uma situação comunicativa bastante específica, sendo um tipo de
discurso que exige um alto custo para a sua veiculação; representa um uso diferente dos
demais quanto à colocação no tempo e no espaço, de acordo com as especificidades dos seus
variados suportes, já que há uma distância entre a produção textual e a leitura efetiva do texto.
Além disso, o discurso publicitário é destinado a um leitor que não o espera necessariamente e
que não está obrigado ou interessado em ler o texto, donde resulta que esse leitor
deve ser interpelado e persuadido tanto a fazer a leitura quanto a comprar o que é anunciado.
Assim, o discurso publicitário é, sem dúvida, um excelente espaço de aplicação da
retórica ou da argumentação, entendida como arte do convencimento, da persuasão, de sorte a
levar alguém a uma ação específica. A despeito de toda a criatividade – e aqui chamamos de
criatividade o caráter eminentemente camuflado e teatral que marca o discurso publicitário;
afinal, é comum em peças publicitárias aparecer uma simulação, por exemplo, de discurso
jornalístico, religioso, político ou científico, o que revela esse aspecto de simulação, ou seja,
denota “as possíveis escolhas que os sujeitos podem fazer na encenação do ato de linguagem”
(CHARAUDEAU, 1996: 34) e que tipificam o discurso publicitário, atuando em prol do
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escamoteamento da finalidade acional, que é levar o leitor ao consumo efetivo daquilo que lhe
é oferecido - que caracteriza a linguagem do discurso publicitário, é impossível que o leitor dê
conta de assimilar todo o universo de textos publicitários que o assalta diariamente através
dos mais variados suportes. Dessa forma, resta o desafio de conquistar a atenção de um leitor
cada dia mais requisitado. Se essa conquista do leitor já é, por si só, um desafio, parece ser
tarefa ainda mais árdua reter a sua atenção, levando-o a uma ação futura de comprar. Segue-se
que, fazer com que o leitor leia, observe, memorize, aceite uma certa peça publicitária, em um
ambiente tão carregado de estímulos, como são os centros urbanos, requer uma extrema
habilidade lingüística e significa uma questão de sobrevivência do texto e da prática
publicitária. Nesse contexto, a estratégia da pergunta parece ter especial destaque, por
interpelar diretamente o leitor, instanciando-o no discurso, buscando levá-lo a apresentar uma
resposta, neste caso, comportamental, ou seja, a ação futura de comprar o produto ou serviço
que é divulgado.
Por outro lado, inserida na sociedade de consumo, a publicidade faz com que o mundo
gire em torno dela, criando toda uma mística em que se envolvem os produtos e os
consumidores, a ponto de se considerar que consumir tal ou qual produto representa a
felicidade suprema, a juventude eterna ou a aceitação plena do outro. Daí resulta que, na sua
grande maioria, as peças publicitárias tendem a camuflar o seu aspecto comercial, em favor de
uma mística dos produtos, de modo que estes sejam vistos como objetos necessários à
satisfação de necessidades e desejos, sempre oferecidos ao leitor-consumidor, como se sua
aquisição fosse algo fácil, justo, necessário e, sobretudo, vantajoso para ele. Na realidade, dá-
se um verdadeiro "ataque" ao leitor, consumidor potencial de produtos, conforme afirmam
Adam e Bonhomme (1997: 27), através de um discurso, no qual a "dimensão socioeconômica
é cuidadosamente apagada em proveito da saúde e da natureza". Segundo Rocha (1995: 23 -
28), no mundo fantástico, mágico, maravilhoso da publicidade, todos são belos, ricos, felizes;
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o mundo é perfeito, nele não há nenhuma espécie de problema; as pessoas são a
personificação das virtudes. Daí porque a "criança é sempre sorriso, a mulher desejo, o
homem plenitude, a velhice beatificação”.
Nessa perspectiva, o discurso publicitário é organizado com vistas a levar o leitor a
crer nos valores difundidos, de maneira que deseje adquirir (e, efetivamente, adquira) o
produto anunciado, não como um simples produto, mas como um "objeto de valor", como
dizem os autores, ao qual foi agregado um conjunto de aspectos simbólicos (como posição
social, nível intelectual, modernidade, dentre outros), tomado como uma espécie de princípio
de reconhecimento individual e social, que faz com que a aquisição do objeto passe a
significar uma identidade pessoal e social, responsável pela aproximação dos consumidores.
Nesse sentido, o discurso publicitário, conforme lembra Soulages (1996a: 142), é visto
como um processo através do qual são produzidos, direcionados e fundamentados
comportamentos que se tornam marcas culturais de uma sociedade. A expressiva quantidade e
as múltiplas formas com que é usada fazem com que a publicidade esteja tão presente na vida
das pessoas, a ponto de torná-las consumidoras tanto dos produtos quanto de mensagens.
Assim, este estudo, tomando por objeto o uso argumentativo da pergunta no discurso
publicitário, busca responder à seguinte questão:
Quais são as formas de uso estratégico da pergunta no discurso publicitário e quais são
os efeitos de sentido que esse uso pode desencadear nesse tipo de discurso?
Considerando-se as várias formas de publicidade como, por exemplo, a pública, a
política, e ainda, a comercial, este estudo dedica-se a este último tipo, ou seja, à análise da
pergunta inscrita, como estratégia argumentativa, no discurso publicitário do tipo comercial,
cuja finalidade essencial é a venda de produtos e/ou serviços e, conseqüentemente, o lucro
advindo da transação comercial.
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Para tanto, foram coletadas 108 (cento e oito) peças publicitárias, veiculadas nos
suportes revista, panfletos e , das quais foram selecionadas 105 (cento e cinco) peças,
publicadas em e revistas. A exclusão de três anúncios deu-se ao fato de elespertencerem ao tipo de publicidade pública, não constituindo, portanto, objeto desta pesquisa.
Dentre o total coletado, foram tomadas 25 (vinte e cinco) peças que, ao nosso ver, constituem
exemplos significativos da categorização feita por nós. Destas últimas, selecionamos nove
peças que receberam análise mais detalhada com o fim de tentar responder às questões
propostas para este estudo.
A coleta feita em revistas foi norteada apenas pela maior ocorrência de peças em que
aparecessem perguntas diretas, sem se especificar o tipo de revista. Também, não foi
estabelecido um período específico de publicações das revistas. A catalogação de fotografias
de foi feita durante todo o ano de 2003 e os quatro primeiros meses de 2004. Não foi
feito nenhum tipo de busca em agências de propaganda ou gráficas especializadas, uma vez
que se buscou a publicidade em veiculação, de maneira que fosse possível verificar os efeitos
argumentativos da pergunta em situações reais de comunicação.
Assim, foi coletado o seguinte conjunto de material publicitário, descrito no quadro
abaixo. A partir dele foi organizado um mais restrito, constituído das peças que
receberam análise efetiva, conforme dito acima.
Relação de dados coletados.
Relação de revistas com quantidades de peças coletadas Demais suportesCaras = 24 Época = 19 = 27 peçasCláudia = 02 Veja = 13 Panfletos = 03
Quem Acontece = 02 IstoÉ = 04Criativa = 02 Exame = 03Pais & Filhos = 02 PEGN = 03Minha Novela = 01 Casa e Jardim = 01Chiques = 01 Galileu = 01
Subtotais Revistas = 78 peças e panfletos = 30
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Total geral = 108 peças
A título de curiosidade, de todo o coletado, somente três peças da publicidade
pública apresentaram a estratégia da pergunta. Quanto à publicidade política, durante os
meses de agosto e setembro de 2004, observamos várias peças publicitárias e não
encontramos nenhuma ocorrência da pergunta no material divulgado. Isso vem, a nosso ver,
corroborar a nossa hipótese de que a pergunta funciona como uma estratégia de camuflagem
do jogo de manipulação, muitas vezes agressivo, próprio da publicidade comercial. A
agressividade desse tipo de publicidade ocorre, sobretudo, em virtude da necessidade de
seduzir o leitor, criando neste a sensação de necessidade ou desejo de possuir o produto, de
modo a levá-lo a adquirir aquilo que lhe é oferecido no anúncio. Ora, se essa manipulação e
essa agressividade forem muito evidentes, uma reação desfavorável por parte do leitor fica
mais susceptível de acontecer, dificultando a conquista do objetivo que subjaz a esse tipo de
relação, a saber, a venda do produto e o conseqüente lucro. É nesse contexto que a pergunta
funciona como uma estratégia de argumentação.
Do ponto de vista estrutural, este estudo apresenta a seguinte organização. O primeiro
capítulo é destinado à apresentação do quadro teórico metodológico, sendo dividido em cinco
seções nas quais são detalhadas as perspectivas teóricas que servirão de fundamentação para a
análise do objeto em questão. Na primeira seção são feitas algumas considerações sobre a
acepção em que alguns termos serão empregados ao longo do estudo, bem como uma
justificativa para a escolha teórica feita. Nas quatro seções seguintes, são explicitadas as
linhas teóricas adotadas, a saber: a Teoria Semiolingüística, cujo modelo sócio-comunicativo
se traduz pelo contrato de comunicação, que possibilitou uma delimitação mais efetiva das
condições situacionais e comunicacionais do discurso publicitário; certos aspectos da Retóricae das teorias da argumentação, que permitiram descrever determinados mecanismos
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inferenciais típicos do jogo argumentativo publicitário; e finalmente a Teoria dos Atos de
Fala, que ofereceu um instrumental mais rigoroso para a explicação das condições
enunciativas mínimas e das estratégias enunciativas mais recorrentes no discurso publicitário,
a exemplo do uso da pergunta.
No capítulo seguinte, são desenvolvidas mais duas seções, sendo que na primeira os
dados são categorizados e, na segunda, são realizadas análises de peças publicitárias
exemplificativas das categorias apresentadas no capítulo anterior.
Finalizando, são feitas algumas considerações sobre os resultados obtidos a partir do
estudo desenvolvido.
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Uma primeira consideração a ser feita diz respeito à acepção em que aqui são tomados
os termos "publicidade", "propaganda" e "peça publicitária".
Na introdução do seu texto, Sandmann (2003) traça uma distinção entre "publicidade"
e "propaganda", apontando que o primeiro termo é mais comumente usado para "a venda de
produtos ou serviços", enquanto que o segundo é empregado "tanto na propagação de idéias
como no sentido de ". O autor opta pela adoção do termo , por
entender que este está, de acordo com as definições apresentadas, mais próximo do do
seu estudo.
Segundo o Novo , é tomado como sinônimo de
, sendo este verbete definido como "arte de exercer uma ação psicológica sobre
um público com fins comerciais ou políticos", ou ainda, "Cartaz, anúncio, texto, etc., com
caráter publicitário". Como se pode ver, de acordo com o , não há distinção entre os
termos , e . Entretanto, objetivando maior clareza
textual, bem como a facilidade de exposição, vamos adotar aqui o termo como
sendo "a arte" de manipulação social através da linguagem, com fins comerciais e lucrativos
(ou seja, numa dimensão sociodiscursiva da linguagem). A palavra será usada no
sentido mais próximo do ato mesmo de divulgação, da produção textual do discurso
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publicitário. Finalmente, usaremos para fazermos referência a um texto em
particular, a um anúncio específico dentro do universo investigado.
A segunda consideração diz respeito à delimitação do tipo de pergunta que é tomadapor objeto de estudo. Trata-se da pergunta direta, ou forma interrogativa que interpela
diretamente a atenção do leitor como consumidor potencial. Essa escolha deve-se ao fato de
entendermos que, pela sua natureza extremamente diretiva, esse tipo de pergunta chama mais
efetivamente a atenção do leitor, instanciando-o no discurso, o que significa uma forma
instigante de atender ao desafio de capturar o leitor em um ambiente tão saturado, conforme
dito anteriormente.
Uma outra consideração refere-se à postulação apresentada por Adam e Bonhomme,
no que tange à natureza monolocutiva do discurso publicitário. Para esses autores, o discurso
publicitário apresenta um ‘ ’, uma vez que o anunciante simula
conceder a palavra ao leitor com o objetivo de reajustar ou direcionar mais eficazmente seu
anúncio, criando uma atmosfera ilusória de interlocução. Na realidade, trata-se de uma
estratégia de persuasão ou sedução, pois não há um diálogo efetivo. No âmbito da produção
do discurso publicitário, o leitor serve de parâmetro de adequação, pois "toda publicidade se
articula sobre um estado ideológico (representações, sistemas de valores) de um público”. Ou
seja, a partir do que se conhece do público, bem como do tipo de valores e atitudes que se
quer formar é que são engendradas as estratégias discursivas da publicidade. É nesse sentidoque o leitor participa da produção do discurso publicitário. Assim, o diálogo que aparece
sugerido em algumas peças publicitárias, sobretudo quando simulado através do artifício da
pergunta, constitui um aparente diálogo, um diálogo que não se efetiva, que não apresenta
trocas de turnos, alternância de falas, como seria de se esperar em situações conversacionais,
mas que toma força de realidade em virtude do contrato comunicativo em que se insere.
Segundo os autores, essa pseudo-interação possui caráter persuasivo, na medida em que
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atribui à comunicação de massa uma “máscara” de diálogo particular, individualizado, dando
a impressão de se tratar de um contato personalizado, como se o anunciante conversasse direta
e exclusivamente com o leitor efetivo do anúncio. Decorre disso, entender-se, aqui, a pergunta
como uma estratégia argumentativa do discurso publicitário, justamente por funcionar como
estratégia de persuasão e/ou sedução do leitor, a começar pela falsa idéia de diálogo que
imprime ao discurso publicitário, quando utilizada.
Em síntese, um aspecto interessante do discurso publicitário é a sua natureza
monolocutiva constantemente escamoteada por um falseamento de diálogo. Ou seja, não
ocorre, de fato, um diálogo entre dois interlocutores, mas uma encenação por parte do
anunciante que, ao dirigir-se ao leitor, faz pressupor uma situação de fala direta. Dado o seu
caráter eminentemente apelativo, esse discurso engendra atos de fala diretivos (para usar,
aqui, a nomenclatura da Teoria dos Atos de Fala), de modo a levar o leitor a participar do
suposto diálogo e a agir, no futuro, adquirindo aquilo que é anunciado. Em função dessa
dramatização, a pergunta assume força extraordinária tanto por interpelar diretamente o leitor,
para que seja iniciado o falseamento de diálogo, como por conduzir a leitura pelo viés ora da
persuasão ora da sedução, para articular o plano argumentativo do discurso.
Finalmente, tomando aqui por referência as palavras de Machado (2001), a escolha por
uma determinada linha de pesquisa não representa uma atitude de comparação entre teorias,
nos parâmetros de superioridade/inferioridade. Antes, opta-se por aquela que melhor pode
atender os objetivos propostos e as razões que motivaram a pesquisa. Segundo a lingüista, a
teoria semiolingüística adota uma postura "antropofágica", na medida em que busca
contemplar as contribuições de diversas áreas do conhecimento como, por exemplo, a
psicologia, a antropologia, a sociologia, a pragmática e o dialogismo de Bakhtin, o que leva a
entender o discurso como sendo um "jogo comunicativo", estabelecido na sociedade e
materializado através do uso lingüístico. Além disso, a teoria semiolingüística parte da
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concepção de que o sentido é construído através do eixo forma-sentido (daí o termo ),
sob o comando de um sujeito dotado de intencionalidade que, por sua vez, fundamenta um
projeto de fala com vistas a influenciar alguém. Como forma de ação sobre essa outra pessoa,
o que a teoria contempla é o material linguageiro (daí o termo "lingüística"). Como
estabelecemos como objeto de estudo um tipo de discurso (o publicitário), no qual um sujeito
(o anunciante) tem a intenção de manipular o outro (o leitor) por meio de um material
linguageiro (um texto verbal), em que são engendradas várias estratégias (dentre elas, a
pergunta), bem como estabelecemos por objetivo buscar compreender as formas de uso e os
efeitos de sentido dessa estratégia, entendemos ser a teoria semiolingüística mais adequada a
esta nossa pesquisa. Considerando, ainda, a postura antropofágica da teoria semiolingüística,
apontada acima, aproveitaremos as contribuições de linhas de pesquisas sobre a
argumentação, bem como as postulações da Teoria dos Atos de Fala, na composição do
quadro teórico sob o qual investigaremos nosso objeto. Assim, passaremos, a seguir, à
apresentação mais detalhada das concepções teóricas utilizadas, começando por uma
explanação sobre o contrato de comunicação do discurso publicitário, seguida da apresentação
das linhas de pesquisa acerca da argumentação e, finalizando este capítulo de quadro teórico,
de uma exposição sobre a teoria dos atos de fala.
Partindo da concepção da linguagem como forma de ação dos sujeitos na sociedade, a
Teoria Semiolingüística, enquanto um dos modelos recentes da Análise do Discurso oferece
um referencial teórico mais produtivo à análise do discurso publicitário, justamente por levar
em consideração que o sentido é socialmente construído a partir dos efeitos derivados dos
processos enunciativos engendrados na interação lingüística. Ao deslocar a discussão do eixo
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estritamente lingüístico para uma dimensão discursiva mais abrangente, a Teoria
Semiolingüística busca contemplar a linguagem enquanto prática social, propondo, em razão
disso, uma alteração na abordagem da significação, na medida em que integra as dimensões
situacional e lingüística do discurso como componentes essenciais à produção de sentido. O
componente lingüístico, organizado a partir de seus próprios princípios, e o situacional, que se
atém às especificidades do contexto de onde se depreendem os elementos psicossociais,
constituem as duas dimensões que, embora autônomas, passam a se inter-relacionar, de tal
maneira que resultam na significação do discurso.
Por sua vez, os interlocutores, envolvidos no ato da linguagem, reconhecem-se
mutuamente como parceiros de uma atividade comunicativa, de modo a estabelecer entre si
um como participantes da (CHARAUDEAU, 1992). Delineado a
partir das , o que
constitui seu , e da , entre outras categorias, o
requer certas condições para que sejam efetivadas as trocas interlocutivas. Dessa
noção de intencionalidade resulta a postulação de que cada prática de linguagem significa
uma forma de agir sobre o interlocutor, a fim de levá-lo a uma determinada ação. Isso faz com
que o sujeito elabore seu de acordo com o contrato sociolinguageiro que
compartilha com o interlocutor. Assim, a Teoria Semiolingüística postula que a efetivação do
contrato funda-se sobre uma expectativa ( ) de que os interlocutores se reconheçam
(Charaudeau, 1983:73).
Charaudeau (1983: 50) considera que
Assim, para que se estabeleça uma relação contratual, na visão de Charaudeau (1996:
35), são necessários três componentes, oriundos da expectativa própria do ato de linguagem:
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- entendido como a dimensão da situação de interação e que
esclarece se os interlocutores estão presentes ou não, se eles se vêem no momento
dessa interação, que tipo de canal eles utilizam, se são múltiplos ou não.
- diz respeito aos através dos quais os parceiros se reconhecem,
ou seja, que papel social assumem em tal contrato, em razão da idade, do sexo, posição
socioprofissional, instituições a que pertencem, posição hierárquica, etc.
- diz respeito aos conhecimentos que os parceiros possuem, já construídos
ou em construção, do outro, de forma imaginária, evocando conhecimentos
supostamente partilhados, para ativar informações sobre as intenções do ato de
linguagem e as estratégias engendradas como forma de manipulação.
De acordo com a Teoria Semiolingüística, o contrato possui natureza tanto lingüística
como , uma vez que estabelece um , na dimensão lingüística, e
um , na dimensão situacional. Disso resulta a concepção do
como constituído de dois espaços, a saber, o interno e o externo, que serão
abordados no item a seguir.
É em razão de todas essas considerações que, aqui, se entende como sendo a
linguagem posta em ação, em função da intersubjetividade dos interlocutores e de
condições históricas determinadas.
O discurso publicitário vem recebendo a atenção de vários estudiosos que se dedicam
a análises de aspectos lingüísticos, mas também das práticas sociolinguageiras que se
desenrolam no interior desse tipo de atividade humana. Alguns estudos focalizam os aspectos
antropológicos envolvidos no interior do discurso publicitário; outros atêm-se aos recursos
lingüísticos de que esse discurso se vale como forma de atingir seus objetivos propostos;
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outros, ainda, buscam compreender as relações psicossociais, engendradas a partir desse tipo
de interação lingüística.
De um ponto de vista mais teórico, sabendo-se que a Análise do Discurso toma para si
a proposta de analisar a linguagem em funcionamento, em ação, de tal modo que “se empenha
em propor instrumentos de análise e ferramentas metodológicas que ajudam a esclarecer a
organização formal e a natureza dessas representações”, ou seja, das configurações
semiodiscursivas, nas palavras de Soulages (1996a:144), cabe aqui fazer menção ao
, que se traduz pelo contrato, proposto por Charaudeau (1983) como base de
estabelecimento do discurso publicitário, por apontar as condições situacionais e
comunicacionais que lhe são constitutivas.
Conforme já foi dito, a proposta de Charaudeau apresenta um modelo
de elucidação do processo de enunciação próprio da Análise do Discurso, em que seja
considerada uma realidade extralingüística que se articula de forma pertinente à manifestação
lingüística, apresentando uma visão de linguagem herdada de Benveniste, em que a referência
ao mundo está submetida à relação enunciativa estabelecida entre os sujeitos participantes da
interação verbal. Ou seja, a linguagem é o entre os sujeitos co-enunciadores e entre
estes últimos e o mundo.
sujeito significante sujeitoEU significado TU
ObjetoMUNDO
A mediação da linguagem na relação dos sujeitos com o mundoFONTE: Mendes (2003)
Para Charaudeau (1996: 6),
"A significação discursiva, pode-se afirmar, é uma resultante. Uma resultante dedois componentes dos quais um pode ser denominado , já que opera commaterial verbal (a língua), sendo ele mesmo estruturado de maneira significantesegundo os princípios de pertinência que lhe são próprios, e outro, , jáque opera um material psicossocial, testemunha dos comportamentos humanos, quecolabora na definição dos seres ao mesmo tempo como atores e como sujeitos
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comunicantes. Trata- se, assim, de uma resultante, de uma força cujos componentessão simultaneamente autônomos, em sua origem, e interdependentes em seu efeito, oque significa dizer que não se pode chegar à construção da significação discursivasem o estudo de um e de outro desses componentes
A partir disso, o autor postula a necessidade de se contemplar a existência de um
, fruto da relação intersubjetiva que ocorre entre os parceiros da
comunicação, e de um , que vai além das propriedades lexicais e relações
sintagmáticas do enunciado, por ser processado na dimensão das condições de enunciação,
favorecendo a elaboração de inferências sobre aquilo que não é dito explicitamente. Decorre
disso o autor privilegiar a oposição como fundamental para os estudos da
linguagem e definir a significação discursiva como resultante da articulação de dois eixos
distintos, isto é, o (material verbal) e o
(material psicossocial próprio das práticas sociais e dos comportamentos humanos, que define
sujeito como ser social e comunicante). Assim, para o autor, a significação resulta de duas
inter-relações que agem simultaneamente uma sobre a outra, conforme citação de Mendes
(2001: 316):
Para a teoria os parceiros que interagem verbalmente participam de
uma encenação enunciativa ( ) que constitui o ato de linguagem. Ao fazerem uso
da linguagem, esses parceiros situam-se e subordinam-se a contratos e convenções, que são
“práticas psicossociais compartilhadas entre os membros de uma dada comunidade”, nas
palavras de Mendes, sendo que cada parceiro tem o seu projeto de fala. Assim, o contrato de
comunicação, ou , como fala Soulages (1996a) requer, como condição
primeira para que haja qualquer prática de linguagem, que os interlocutores se reconheçam
mutuamente como do evento comunicativo que possuem o por
terem de antemão um , elaborado segundo uma . É por
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ter essa base intencional que o , fundamento de toda atividade de
linguagem, apresenta três condições essenciais:
• - representa um certo conjunto de universos de referência, em
termos de sistemas de crenças e valores, que permitem que os parceiros assumam as suas
representações supostamente partilhadas sobre o mundo;
• - diz respeito à posição socioinstitucional ocupada pelos
parceiros do contrato de comunicação, articulada aos papéis linguageiros que os sujeitos
assumem no discurso em razão da realidade psicossocial em que se dá o jogo enunciativo.
• - refere-se à capacidade do sujeito comunicante, tornado enunciador, de
confirmar as duas condições acima citadas através da sua enunciação, ou seja, através da
efetivação de seu projeto de fala por meio do discurso, adequando o circuito interno (do
dizer) ao externo (do fazer).
O e o instauram a do
sujeito falante, sendo que esta é conferida a ele em razão da posição que ele assume nas
diferentes redes de práticas sociais. Por outro lado, o confere a ao
sujeito falante. Esta não é dada a ele, mas conquistada e negociada no desenvolvimento das
práticas de linguagem e está diretamente associada ao desempenho enunciativo apresentado
pelo sujeito comunicante, tornado enunciador. A pode colocar a
em questão, caso não ocorra a adequação entre o circuito interno, do dizer, e o externo, do
fazer. Nessa medida, pode-se dizer que o do sujeito falante pode ser
questionado, apesar da que ele possua a princípio.
A partir dessa formulação do postulado de intencionalidade como sendo organizado
em função das referidas condições que conferem ao sujeito o seu direito à palavra,
Charaudeau (1996: 35 – 36) propõe uma estruturação do contrato como um modelo
sociocomunicativo que pode ser desdobrado em três níveis. O primeiro nível, o , é
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constituído por um dispositivo conceitual que representa a estrutura do contrato, composta das
seguintes categorias, que serão aplicadas ao objeto de estudo em questão, isto é, ao discurso
publicitário.
• Identidade dos interlocutores (quem se dirige a quem?) - refere-se à definição dos
parceiros do contrato inseridos numa determinada situação comunicativa, em termos de
sua posição enquanto sujeitos comunicantes (EUc) e/ou interpretantes (TUi); no caso
específico do discurso publicitário comercial aqui analisado, tais parceiros se traduzem
pelas empresas que, através de seus anunciantes/publicitários, se dirigem aos leitores
enquanto consumidores potenciais.
• Finalidade (para que dizer?) - diz respeito ao objetivo segundo o qual o discurso é
engendrado. Nesse sentido, pode-se tomar o contrato de comunicação do discurso
publicitário comercial em função dos 'objetivos comunicativos' formulados por
Charaudeau. Entre eles, destacam-se os objetivos , e . O
objetivo tem por meta levar o interlocutor (sujeito interpretante - TUi) a realizar
uma ação em favor do locutor (sujeito comunicante - EUc), podendo ser traduzido pelo
predicado modal que, nesse discurso, significa levar o leitor da publicidade
(TUi) a ser um consumidor real de produtos e serviços e, ainda, de valores, crenças e
desejos. O segundo, o , pode ser traduzido pelo predicado modal e
tem por finalidade o "controle do outro" através do uso da racionalidade, do
convencimento, engendrado pelo comunicante que busca levar o interpretante a crer no
universo discursivo construído. Por fim, o objetivo também prima pelo "controle
do outro", mas pela via da , traduzida pelo predicado modal , buscando
fazê-lo "sentir" estados emocionais favoráveis aos propósitos do comunicante e, assim,
comprar aquilo que é anunciado. Em síntese, é imprescindível que o EUc convença ou
seduza o TUi a aderir ao seu projeto de fala e, por conseguinte, ao seu universo discursivo
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construído (a publicidade). Assim, a satisfação do objetivo factitivo aparece subordinada à
satisfação dos objetivos persuasivo e sedutor.
• Domínio temático (sobre o que dizer?) - trata-se de um conjunto de temas pertinentes ao
contrato de comunicação em questão; no caso da publicidade comercial, tem-se a
apresentação de produtos e/ou serviços de venda relativos à vida privada do consumidor.
• Suporte físico/material (dizer através de que meio de veiculação?) - pode ser traduzido
pelo canal/veículo midiático através do qual o anúncio publicitário é transmitido, a
exemplo das revistas e dos , no caso do aqui analisado.
O segundo nível é chamado de e diz respeito ao funcionamento do
contrato em termos do horizonte de estratégias passíveis de serem atualizadas em função dos
elementos do nível situacional, configurando um nível intermediário entre este último e o
nível discursivo de atualização efetiva das estratégias. O discurso publicitário caracteriza-se
primeiramente por seu caráter monolocutivo, uma vez que não há troca de turnos. Daí o uso
expressivo de verbos no imperativo nos textos publicitários. No nosso caso, conforme
dissemos acima, escolhemos a pergunta, dentro de uma gama de estratégias possíveis,
justamente porque este ato diretivo da pergunta pode favorecer o escamoteamento do caráter
monolocutivo do discurso publicitário, na medida em que finge um certo ato dialocutivo,
mascarando ainda mais a agressividade da manipulação típica desse discurso. Em outros
termos, a pergunta contribui fortemente para a construção de uma idéia (falsa) de diálogo
entre os parceiros do contrato por instaurar o leitor como alguém que é diretamente
interpelado no discurso. Entretanto, o leitor não dará uma resposta lingüística ao anunciante;
ao contrário disso, a resposta esperada é de natureza comportamental, ou seja, a compra
daquilo que é anunciado.
O terceiro nível do contrato é o e é o nível da enunciação, isto é, da
efetivação das estratégias escolhidas e atualizadas de fato. A pergunta é vista como uma
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estratégia argumentativa pelo fato de ela não ser necessariamente uma condição enunciativa
do discurso publicitário, mas uma escolha enunciativa entre muitas outras possíveis. Sendo
assim, ela representa uma opção discursiva, o que confere a ela um teor fortemente
argumentativo neste caso.
No caso do discurso publicitário, essa dialética entre e é
facilmente verificada. O (EUc) – o anunciante de um produto ou serviço
qualquer –, tornado enunciador (EUe), constrói sua credibilidade de benfeitor através da sua
enunciação, como forma de corroborar ou ratificar sua legitimidade enquanto produtor de
discurso publicitário, na medida em que se posiciona como aquele que pode oferecer o
produto de que o (TUi) – leitores e consumidores do produto anunciado -
precisa ou deseja, construindo, para tanto, uma imagem de sujeito destinatário (TUd)
beneficiário desse produto.
Cabe lembrar que o discurso publicitário é fundado no ato de oferecer, restando ao
sujeito comunicante engendrar as estratégias discursivas adequadas para garantir a
consolidação dos seus objetivos e ao sujeito interpretante aceitá-las ou não. Essa dimensão na
qual estão localizadas as estratégias discursivas corresponde ao chamado circuito interno (ou
) que, por sua vez, articula-se com o ou
que determina as condições que devem ser atendidas no empreendimento de todo e qualquer
ato de linguagem, conforme o quadro abaixo, apresentado por Soulages.
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Circuito externo: sujeitos psicossociais
Parceiros
Circuito Interno: intralocutores
Anunciante X’ ConsumidoresEmpresa + EUc EUe Objeto cultural: a TUd TUi - do produtoPublicitário benfeitor mensagem publicitária beneficiário - da publicidade
Protagonista
XO produto mercadoria / serviço
Contrato de comunicação publicitária
FIGURA 2 Contrato sociolinguageiro do discurso publicitárioFONTE: Soulages (1996, 146)
Para Machado (2001: 48 – 49),
"... o ato de linguagem é comandado pelas circunstâncias sociais do discurso e suaconstrução leva em conta o explícito e o implícito da linguagem; ele é umdispositivo, dentro do qual se encontra o sujeito-falante (escrevendo ou falando),guiado por um sujeito-comunicante. Nele, se manifestam, pois, quatro sujeitos
comunicacionais, sendo dois , externos e dois , internos. Ossujeitos ditos 'externos' são o Euc (eu-comunicante) e o Tui (tu-interpretante): trata-se de seres historicamente determinados, parceiros reais da troca linguageira que têmuma identidade (psicológica e social) e que estão ligados por um "contrato decomunicação."
O contrato de comunicação do discurso publicitário pode ser assim, grosso modo,
resumido em uma dimensão externa e outra interna.
Na dimensão externa, partindo da intenção de efetivar vendas e auferir lucros, um
(EUc), no caso, um anunciante, passa a se relacionar com
(TUi), que são os leitores empíricos e consumidores presumidos do produto
divulgado. Tanto o EUc quanto o TUi são seres reais, historicamente constituídos, que fazem
parte do mundo dos fatos ou "mundo psicossocial".
Em um circuito mais interno, encontram-se as produções discursivas em que são
instanciados, o (EUe) – aquele que se dirige, por meio da palavra, a uma
virtualização de leitor - e o destinatário (TUd) – uma projeção de leitor criada para a situação
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específica – que, juntos, protagonizam a interação. Esses últimos sujeitos são aqueles
pertencentes ao chamado "mundo das palavras", ou seja, são imagens discursivas, tanto de
leitor como de enunciador, virtualmente construídas a partir de determinada situação, que
materializam as estratégias discursivas, através das formas verbais, e que fazem o contrato
comunicacional "funcionar".
Por isso, o discurso publicitário, elaborado a partir do objetivo primeiro de persuadir
ou seduzir o leitor a comprar produtos ou serviços, ou aderir a idéias e comportamentos, pode
exercer um papel regulador nas economias de mercado. Tomadas de antemão as suas
condições de produção/recepção, bem como a sua natureza argumentativa premente, o
discurso publicitário é permeado por enorme variedade de usos lingüísticos que desencadeiam
os mais variados atos de linguagem, em busca da sedução do leitor, atrelando o ao
ou , conforme afirma Charaudeau (1996). Em nome dessa persuasão,
inúmeras estratégias são articuladas, engendrando, com isso, vários atos que se realizam na e
pela linguagem.
Esta seção que ora terminamos foi elaborada para dar conta de explicar as condições
situacionais e comunicacionais constitutivas do contrato de comunicação que se traduz pelo
discurso publicitário. Entretanto, o que nos interessa na análise é avaliar o nível discursivo em
função dos dois outros níveis que caracterizam o contrato de comunicação propriamente dito.
Como a pergunta está pensada no nível discursivo como estratégia argumentativa presente no
discurso publicitário, faz-se necessário construir outras duas seções: uma, em que sejam
discutidas as especificidades da argumentação, e outra destinada ao ato de pergunta,
entendido à luz da Teoria dos Atos de Fala. E a isso nos dedicaremos a seguir.
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O discurso publicitário, pela própria natureza das relações psicossociais que o
fomentam, tem por característica essencial a argumentação. Conforme lembra Emediato
(2001: 157), “Toda ação comunicativa é finalizada, ou seja, dirigida a um fim” e, tanto mais
assim o será , se essa ação estiver inserida numa situação que envolva “ganhos e vantagens”,
como é o caso da publicidade. Segundo apontou Perelman (1996: 9),
Um dos fatores essenciais da propaganda, tal como ela se desenvolveu sobretudo noséculo XX, mas cujo uso era bem conhecido desde a Antigüidade e que a Igrejacatólica aproveitou com incomparável mestria, é o condicionamento do auditóriomercê de numerosas e variadas técnicas que utilizam tudo quanto pode influenciar ocomportamento. Essas técnicas exercem um efeito inegável para preparar oauditório, para torná-lo mais acessível aos argumentos que lhe apresentarão.
Assim, várias estratégias de linguagem são articuladas, objetivando a construção de
um discurso através do qual seja possível, como fala Emediato (2001: 157), “não só
transformar as crenças do auditório, mas também fazê-lo aderir a teses”. Esse mesmo autor
salienta que "argumentar é um ato que visa a provocar em um auditório, por meio de um
enunciado ou de um conjunto de enunciados, uma relativa adesão a um outro enunciado (tese,
conclusão ou inferência) deduzido a partir do primeiro".
A argumentação vem sendo tema de interesse e de estudo desde a antigüidade clássica
e essas discussões têm resultado em algumas linhas teóricas diversas, cada uma delas
revelando, a seu turno, uma das muitas faces desse objeto tão complexo. Os primeiros
movimentos a respeito de argumentação de que se tem notícia vêm da Ilha da Sicília, na
Grécia Antiga, nos primeiros anos do século V a.C. Após longo período vivendo sob o jugo
político-militar de tiranos, a população daquela ilha revoltou-se e passou a fazer uso da
palavra como forma de pleitear e garantir os seus direitos. Nesse espaço, destacaram-se Córax
e Tísias, dois sofistas que desenvolveram uma primeira sistematização acerca da
argumentação e conquistaram fama através da elaboração e divulgação de uma versão
inaugural da Retórica dos conflitos (diferente da , própria da teoria
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literária) ou "Arte Oratória". Segundo eles, o , ou seja, aquilo que a opinião toma
como aceito, é que dá força, eficácia aos argumentos, e, assim, postularam a retórica como
"criadora da persuasão" (PLANTIN, apud MENEZES, 2001: 181). Esse ensino da
argumentação tinha caráter essencialmente pedagógico, pois partia de exemplos de
reivindicações jurídicas nos quais eram expostos argumentos e contra-argumentos,
evidenciados temas, questionamentos, sentimentos, enfim, todo um aparato que poderia tornar
o discurso mais eficaz no intento da persuasão.
Os gregos tomaram a retórica como arte de bem falar, da eloqüência, e estudá-la
significava conhecer as técnicas usadas com vistas a manipular, persuadir e convencer um
determinado público (ou auditório, para usar o termo técnico). Para efeito de estudo, a retórica
era subdividida em quatro partes: , , e . A consiste
no levantamento das razões que podem apoiar a causa, em conformidade com o tema,
estabelecendo-se os argumentos mais pertinentes e os a serem utilizados no discurso. A
diz respeito à ordem em que essas razões aparecerão no discurso, compondo um
roteiro fixo, constituído por , , e . A reporta
ao estilo do orador, envolvendo adequação de palavras e pensamentos ao levantamento feito
na invenção. A consiste na apresentação material do discurso, na dramatização feita pelo
orador a fim de dar mais efeito ao discurso e melhor convencer o auditório.
De acordo com Menezes (2001: 181 – 183), a sofística significou, então, o primeiro
ponto de contato entre argumentação e espaço público. Os sofistas alcançaram, nesse período,
bastante expressão, sobretudo em Atenas onde a democracia direta oferecia amplo espaço ao
uso da linguagem como meio de legitimação de direitos. Daí, a argumentação ser entendida,
naquele tempo, "como um fundamento da linguagem, já que tudo podia se resolver pela
discussão no interior da ". Fazendo uso da polissemia das palavras e do poder da
linguagem, os sofistas otimizaram as potencialidades do discurso, de modo a garantir maior
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poder de persuasão, lançando mão da linguagem como meio de satisfação dos interesses
daqueles que pagavam por tal serviço.
Com a guerra do Peloponeso e seus desdobramentos, sobretudo com a derrocada de
Atenas, ocorreu uma diminuição da influência da sofística. Além disso, houve um
esvaziamento natural da capacidade de explicação da linha sofista, advindo do uso contínuo, o
que ocasionou uma mudança de perspectiva, favorecendo o surgimento de outra corrente que
teve como expoentes os filósofos Platão e Aristóteles. Platão combateu a retórica, definindo-a
como uma deformação da realidade, uma "manipulação e comércio do discurso". Emediato
(2001) salienta que Platão propõe uma mudança de paradigma, na medida em que passa a
definir o como um discurso , construído em função do ,
sendo esta regida pelo princípio da conformidade com a realidade e o princípio da não-
contradição. Através da metafísica, Platão elabora sua crítica, de acordo com a qual o discurso
deveria estar sujeito à verdade proposicional.
Aristóteles foi grande crítico e opositor da sofística e chegou a equiparar a
a uma . Para tanto, ele arrolou três razões. A primeira diz respeito
ao objeto de interesse. Para Aristóteles, de acordo com Emediato (2001), a sofística não se
detinha no conhecimento do objeto, mas nos meios de capturar, demover e levar a agir o
auditório em favor da tese apresentada. A segunda razão apóia-se sobre os limites da pesquisa
dos gêneros discursivos. Para ele, a sofística dedicava-se exclusivamente ao gênero judiciário,
esquecendo-se dos outros gêneros utilizados pelos demais segmentos da . Por fim,
Aristóteles dizia que a sofística apresentava um conhecimento postiço, falseado, uma vez que
uma análise mais detalhada poderia apontar algum tipo de defeito que prejudicava a lógica do
discurso, mas que contribuía para enredar o auditório.
Aristóteles desloca a visão de retórica como "arte de bem falar", "da eloqüência", para
entendê-la como "um conjunto de técnicas 'racionais', visando a persuadir um auditório",
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chegando a defini- la como "a faculdade de considerar, para cada questão, o que pode ser
próprio para persuadir", nas palavras de Emediato (2001: 162). Ao reconhecer que dois
sujeitos se opõem em torno de uma dada questão, para a qual cada um dos sujeitos tem umasolução viável, Aristóteles assume uma concepção de cunho dialético, ou seja,
, cuja validade das postulações é aceita na medida em que estas puderem ser
provadas, uma vez que sejam defensáveis por uma maior parte de um grupo de pessoas ou,
ainda, pelos conhecedores especialistas do tema. Assim, trata-se de uma racionalidade
baseada naquilo em que se crê, mas que não pode prescindir do , sejam essas
provas de natureza independente (elementos preexistentes ao discurso, como as circunstâncias
de ocorrência do fato) ou de aspecto dependente (aquelas constitutivas do esquema
argumentativo ou implantadas pelo orador).
Ainda na perspectiva aristotélica, para que uma tese possa ser defendida, precisa que
sua verdade seja provável. Para isso, é fundamental que a tese do orador esteja de acordo com
o conjunto de crenças do auditório ao qual é apresentada, para que este possa tomá-la como
pertinente aos seus propósitos. Então, segundo Aristóteles, o , entendido como a
construção discursiva da imagem do enunciador, através da enunciação, incorpora o ,
que representa a sensibilidade do auditório, para despertar o outro e aflorar-lhe o desejo e/ou a
solidariedade, ou seja, as motivações da ordem da paixão que o orador deve tomar como
parâmetro, por constituir o do auditório, para que possa atuar sobre este, a fim dealcançar-lhe a adesão. Em virtude disso, as estratégias argumentativas são elaboradas em
consonância com a situação comunicativa, configurando um parâmetro de racionalidade como
forma de funcionamento do discurso de um modo geral e mais especificamente, do discurso
publicitário - em termos do objeto que aqui nos interessa - o que remete ao que Aristóteles
chamou de . É nesse que são desenvolvidas, engendradas as estratégias
argumentativas, constituindo a organização material do discurso.
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Em outras palavras, a validade dos argumentos depende de que sejam compartilhados,
entre orador e auditório, os conhecimentos e as crenças, de modo a se construir um
ou . O , ao validar os argumentos, torna-se a que, por sua
vez, é o epicentro da argumentação. Partindo do ponto de vista do auditório, uma vez que o
cidadão podia, naquele tempo, posicionar-se de maneira a tomar decisões tanto de aspecto
legal, quanto de interesse da comunidade ou mesmo assistir a situações de louvação de
valores ou feitos de pessoas, Aristóteles apresentou uma teoria que compreende três gêneros
de discurso que, segundo ele, compunham a retórica, a saber: o gênero judiciário, usado em
tribunal em questões de direitos e obrigações, que utilizava o critério de estabelecimento
daquilo que pode ser tomado como "justo" e possuía o (espécie de raciocínio
dedutivo) como o seu meio de argumentação; o gênero deliberativo, empregado nas
discussões acerca dos interesses da coletividade e que utilizava o e a como
argumentos; e o gênero epidíctico, específico para o enaltecimento de valores, que tomava
como critério o belo e usava como argumento a .
Com o declínio da sofística, a retórica enfrentou séculos de rejeição, encontrando nas
idéias do racionalismo moderno o ponto máximo de repulsa. Nesse período, o raciocínio
analítico, lógico-formal, imperou de tal maneira que uma argumentação só era aceita se
passasse pelo crivo da demonstração. Era o tempo do cálculo da verdade, que deveria ser
única e matematicamente comprovada.
Na atualidade, alguns estudiosos vêm despertar a discussão sob o prisma de novas
teorias da argumentação, que encontram maior representatividade nos estudos de Perelman e
Olbrechts-Tyteca, de Ducrot e Anscombre, de Toulmin e de Patrick Charaudeau.
A Nova Retórica de Perelman e Olbrechts-Tyteca significa, segundo os próprios
autores, " "
(1996: 1), isto é, uma reapresentação da retórica sob influência dos paradigmas clássicos, de
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sorte a conferir- lhe um caráter bastante distinto daquele impresso pelo racionalismo
cartesiamo, a saber, o caráter apodíctico (necessário e evidente), uma vez que, segundo o
próprio Perelman, "não se delibera quando a solução é necessária e não se argumenta contra aevidência". É por isso que esses autores, para delinear sua concepção de retórica, traçam uma
oposição entre e , através da construção de um paralelo entre
raciocínio dialético e raciocínio analítico. Enquanto a demonstração é elaborada a partir da
noção de cálculo, não permitindo a existência de mais de uma conclusão, dado o seu aspecto
, a argumentação possibilita o arrolamento de uma série de argumentos e de
fundamentações contrários ou favoráveis a uma única tese. Nessa perspectiva, na
argumentação não há o lugar da certeza, antes, ela dá azo ao diálogo, ao debate, ao
arrazoamento. Para a ocorrência da argumentação, é fundamental que haja pessoas
interessadas na discussão; que queiram convencer e estejam dispostas a ouvir.
Segundo Perelman (1996), ainda um outro fator contribui para a distinção entre
demonstração e argumentação: os objetivos de cada uma dessas atividades. Na demonstração,
o que se objetiva é que a verdade de uma conclusão seja comprovada através da verdade das
premissas. Por outro lado, na argumentação, o objetivo é a "adesão dos espíritos", aos quais
ela é dirigida.
Fundada na retórica clássica, a postulação teórica de Perelman apóia-se na trajetória
histórica da argumentação, fazendo da tradição aristotélica sua viga-mestra. Daí, oentendimento da argumentação como um conflito e a adoção do conceito de "justo" como
fundante1 para ela, que prima pelo gênero jurídico. Esse conceito de "justo" pode ser visto
tanto como no sentido de " ", isto é, em conformidade com a lei, ou como " ",
ou razoável, numa dimensão do bom senso. Em outros termos, Perelman estabelece o critério
de "justo" como sendo o que ele retoma de Aristóteles, sendo a da justiça a
lei de passagem nessa teoria.
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Perelman entende que a realização do discurso argumentativo funda-se na
credibilidade do orador, atributo esse construído anteriormente ao discurso, para que o orador
tenha o direito à fala e seja ouvido. Isso que nos leva a pensar que este autor atribui ao termo'credibilidade' um sentido diferente daquele atribuído por Charaudeau em seu modelo. Além
disso, uma imagem do auditório é construída pelo orador, também antes de elaborar o
discurso, a partir do que conhece e sabe desse auditório, com vistas a entrar em um consenso
quanto a crenças e valores estabelecidos, compondo o de que fala o autor.
Essa idealização do auditório pelo orador tanto pode ser de natureza particular quanto
universal. O auditório universal é mais exigente, pois requer um discurso mais convincente,
enquanto que o particular é mais vulnerável à persuasão, aceitando um discurso mais frouxo
ou mesmo demagógico. A distinção adequada dos auditórios confere maior êxito ao intento
argumentativo, posto que aumenta as possibilidades de adesão à tese, favorecendo uma
tendência do auditório a agir no sentido em que é argumentado.
A concepção de gêneros discursivos presente em Aristóteles também é mantida na
Nova Retórica, alterando-se um pouco no sentido do destaque dado ao gênero epidíctico, cuja
importância foi ignorada pela tradição clássica. Para Perelman (1996: 54), esse discurso é de
crucial relevância no processo de persuasão; como ele mesmo escreve: "os discursos
epidícticos constituem uma parte central da arte de persuadir". Ou ainda, em "É nessa
perspectiva, por reforçar uma disposição para a ação ao aumentar a adesão aos valores queexalta, que o discurso epidíctico é significativo e importante para a argumentação" (1996: 55-
56).
Cabe também destacar a abordagem pragmática de Toulmin, cuja análise da
argumentação está centrada em dois componentes básicos, a saber, o performativo e o
criterial. De acordo com apresentação de Emediato, o componente performativo lembra a
definição de força ilocucionária da Teoria dos Atos de Fala, de Austin, uma vez que revela "a
1 Utilizamos a palavra "fundante" aqui como o sentido de "sobre o qual se funda, alicerce".
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posição do locutor no enunciado", enquanto o componente criterial tem o seu valor preso ao
contexto. Este atua como lei de passagem, consistindo em uma espécie de no discurso
argumentativo. Para Toulmin, a lei de passagem "é um elemento variável em função do tipo
de argumento e do domínio considerado", e isso faz com que a teoria da argumentação seja
tomada como uma descrição de . Afinal, Toulmin debruça-se sobre o estudo
das técnicas usadas pelo locutor como meio de justificar seus argumentos. Apesar de a noção
de lei de passagem em Toulmin ser muito próxima do conceito de na retórica clássica, a
lei de passagem, pelo fato de poder ser contestada, não assegura pertinência entre argumentos
e conclusão, o que significa uma distinção entre esta teoria e a clássica. Ehninger e
Brockriede, tomando essas concepções de Toulmin, apresentaram três tipos de argumentação,
conforme síntese apresentada por Emediato (2001: 169 - 170), a partir do relato de Plantin: as
argumentações , que são subdivididas em outras seis
categorias (pela , pelo , fundadas em uma , em um
, em uma e em uma ); as argumentações e as
argumentações relacionadas a . Esses autores se propuseram
a interpretar e aplicar os postulados de Toulmin, a fim de fornecer instrumento teórico de
"descrição de textos e enunciados argumentativos", conforme afirma Emediato (2001: 170).
Um outro modelo teórico sobre argumentação pode ser encontrado na Teoria da
Argumentação na Língua, que foi desenvolvido por Oswald Ducrot (1987), contando com a
colaboração de Jean-Claude Anscombre, Marion Carel e P.Y. Racah. De tendência neo-
estruturalista, numa nítida oposição aos trabalhos voltados para a perspectiva mais
pragmática, como os de Perelman e os de Toulmin, os estudos de Ducrot, na sua maior parte,
fundamentam-se numa concepção de que a natureza do sistema linguístico é argumentativa e
concentram-se na investigação dos elementos lingüísticos (sobretudo os conectores e os
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operadores) que, segundo ele, servem para apontar, nos enunciados, as
ou do discurso.
O desenvolvimento da teoria da argumentação na língua resulta na formulação do
modelo da teoria dos , de Ducrot e Anscombre, segundo a qual é o que assegura a
passagem dos argumentos à conclusão, sendo que as opções lingüísticas apresentadas pelo
locutor constituem pistas ao seu interlocutor, para que este, ao interpretar o enunciado, possa
reconstruir o trajeto feito pelo locutor. Essas pistas são, então, os que, ao seu turno,
usadas em um contexto específico de uma certa comunidade, na qual vivem e se relacionam
os interlocutores, possibilitam que sejam feitas determinadas opções e não outras. Em suma,
são os que dão validade a determinados argumentos, de modo que sua enunciação
conduza à conclusão esperada.
Ducrot entende a argumentação como sendo de natureza lógico-lingüística, do tipo
A donc C
onde A representa o(s) argumentos(s) favorável(is) à conclusão C. São os os
responsáveis pelos (encadeamentos) discursivos. Conforme Emediato explica,
"se, com efeito, de um enunciado 1 (E1) pode-se concluir um enunciado 2 (E2), é por
intermédio de um terceiro termo, um (ou um pacote de ) que permite operar a
ligação entre E1 e E2." (p. 172). Os são apresentados por Ducrot como
(FT) que podem ser do tipo: concordante (+ P, + Q) ou concordante converso (-P, -Q);
e discordante (+P, -Q) ou (-P, +Q).
Um exemplo de concordante pode ser visto em:
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onde o enunciado (A), cujo núcleo é " ", funciona como argumento favorável, em
determinado grupo social, à conclusão (C), expressa no segundo enunciado " ".
Nesse caso, o " (+P), (+Q)" foi
possibilitado pelo concordante, enquanto que a construção negativa "
(-P), (-Q)" traz um concordante
converso.
O discordante apresenta uma estrutura diversa daquela do concordante. Em
O argumento (A) " (+P)" não conduz à conclusão (C) "
(-Q)", mas exatamente ao seu contrário. O conector faz com que o mesmo
argumento " " leve a uma conclusão oposta à que comumente se espera. Ducrot
nomeia esse tipo de de ou , salientando que este não
contribui para a formação de conclusivos. Entretanto, observa-se que o mesmo
( / ) é tomado como referência e tido como válido,
mesmo quando as conjunções opositivas e adversativas são usadas na transgressão da norma.
Num primeiro momento, a teoria de Ducrot esbarrou em questões conceituais. Ele
pretendia estudar a argumentação como inscrita na língua, mas mantinha a postulação dos
como extralingüísticos que revelavam valores socioculturais, ideológicos. No caso do
exemplo dado acima, o que estabelece o " / " é uma
construção cultural, posto que o ato de ler já foi visto como prejudicial em algumas culturas,
como na Idade Média. A solução apresentada por Ducrot foi a classificação em termos de
(construídos a partir das representações socioculturais, como em
/ ) e (aqueles cujo componente semântico dos itens lexicais do
enunciado formam a lei de passagem, como em
- / ), sendo que o autor passou a se ocupar mais desses
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últimos. Embora os estudos de Ducrot tenham trazido algumas contribuições, dentre elas a
consideração de que a argumentação é um elemento constitutivo da linguagem, vale lembrar
com Menezes, citando o próprio Anscombre, que a argumentação é um "jogo a partir da
linguagem" e não "um jogo de linguagem", pois o que se torna para um
determinado grupo de pessoas é exatamente aquilo que se constrói culturalmente em
sociedade e que recebe representação através da língua.
Partindo de uma concepção que se filia à tradição retórica, a Teoria Semiolingüística
de Patrick Charaudeau inscreve a argumentação nos quadros da Análise do Discurso.
Colocando-se contrário à concepção de Ducrot, segundo a qual a argumentação é um
fundamento da língua, Charaudeau afirma que a argumentação "não pode ser identificada com
a presença de marcas em uma seqüência de frases ou proposições ligadas por conectores
lógicos"(2001: 191). Ao contrário disso, equiparada à narração e à descrição, a argumentação
é entendida como uma atitude discursiva em razão de uma finalidade comunicativa, fruto de
uma opção do (ou seja, o responsável pelo ato de linguagem). Esse
, ao argumentar com o , apresenta uma acerca do mundo,
compondo uma relação triangular que, na perspectiva do , representa
duas finalidades. A primeira delas é "
", como meio de explicar fenômenos com mais de uma resposta possível.
Aqui, o , ou aquilo que é tido como verdadeiro a partir das construções sócio-
culturais do grupo em que e estão inseridos, propicia o
dessas explicações. A segunda finalidade é "
", de maneira a capturar o interlocutor ( ),
fazendo-o dividir e participar do âmbito do discurso. Para isso, o busca
despertar o desejo do na mesma direção do seu (do ) ideal,
de forma que o seja um . Para Charaudeau, conforme
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sistematização feita por Menezes (2001: 193), o procede a três
atividades mentais com vistas a realizar seus objetivos. A primeira é a , que
consiste em , tanto o que é centro da discussão, como também o direcionamento
que se deve dar a esse tema. Essa atividade significa uma articulação do ,
no sentido de apresentar ao o quadro de questionamento em que é colocado o
tema, podendo esses questionamentos incidirem sobre o ou sobre a .
Quando o interlocutor pergunta acerca da relação causa/conseqüência do fato, o
questionamento se dirige ao enunciado; quando questiona a legitimidade do locutor ao
enunciar, a incidência é sobre a enunciação.
A segunda atividade é , ou seja, . Através dela, o
busca explicar ao interlocutor as razões que elucidam o fato ou as
conseqüências que podem advir dele. Tal como Charaudeau afirma, "elucidar é entrar no
universo do discurso da causalidade e não naquele da existencialidade do acontecimento"
(MENEZES, 2001: 193). Nessa perspectiva, as causas podem ser ou . As
compreendem aquelas que elucidam acerca da origem do estado do fato, um fato
anterior ou uma sucessão deles. As causas se referem a origens múltiplas, em
virtude do envolvimento de fatores variados, compreendendo um raciocínio marcado de
paralelismo e analogias.
Por fim, a atividade de equivale ao , permitindo ao
assumir uma posição frente às inúmeras explicações para um mesmo fato, além
de conduzir o interlocutor a avaliar a explicação apresentada. Como diz Charaudeau (1996:
32), o "corresponde à finalidade do controle do outro pelo viés da racionalidade".
De acordo com essa teoria, a argumentação, originária de um contrato linguageiro
específico (como o publicitário, por exemplo, que aqui interessa mais de perto), oferece
espaço para o engendramento dessas três atividades cognitivas. No âmbito desse contrato, o
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, para engendrar suas articulações argumentativas, precisa constituir-se
como através das perspectivas da ,
já comentados na seção dedicada à Semiolingüística, e da captação do
interlocutor . Conforme já foi dito, a diz respeito ao reconhecimento do poder e
do saber, ou seja, atém-se ao fato de o sujeito argumentante poder dizer o que diz, que papel
social ele representa quando diz o que diz, em nome de que instituição ele argumenta. Em
outras palavras, qual é a base institucional a partir da qual é construído o do
sujeito argumentante. A pode ser entendida como o princípio de
que fundamenta o discurso do sujeito argumentante. Enquanto a
relaciona-se ao poder falar, a funda-se sobre o crédito que se pode dar ao que é
dito; conforme postulações de Charaudeau (1999), a credibilidade significa a capacidade do
sujeito em garantir uma certa autoridade sobre aquilo que se diz, por meio de uma
competência, expressa pelo . Por fim, a significa capturar o interlocutor,
através da sedução e/ou da dramatização, fazendo dele não só um parceiro, mas um aliado no
contrato argumentativo.
Como é possível constatar, todas essas teorias são de especial relevância no estudo de
tema tão complexo como é o caso da argumentação. Cada uma delas, a seu modo, busca
oferecer um prisma de análise a partir de uma perspectiva diferente, enfatizando ora
elementos da própria língua, ora do circuito argumentativo, conforme for o interesse da
análise. Entretanto, como aqui se pretende discutir a argumentação no contrato publicitário,
tomando a pergunta como uma estratégia, a abordagem de Charaudeau é considerada mais
adequada. Primeiro, porque inscreve a argumentação em um circuito, em um contrato, tal
como aqui se vê a publicidade. Depois, porque, como o próprio autor coloca, a argumentação
é vista como " ". Cabe fazer aqui uma
observação no sentido de salientar que, em termos dos modos de organização discursiva
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propostos por Charaudeau, a pergunta se enquadra, no nível de sua manifestação na superfície
textual, no modo enunciativo, podendo aparecer sob a forma elocutiva, alocutiva ou mesmo
delocutiva, conforme veremos na análise a ser desenvolvida no próximo capítulo. Esse
enquadramento está intimamente associado ao fato de que a pergunta no discurso publicitário
encena/simula um diálogo com o interlocutor diretamente interpelado como consumidor,
conforme já foi dito acima. Por outro lado, o que mais interessa é que, nesse caso específico, a
pergunta, ainda que explicitamente inserida no modo enunciativo, está implicitamente a
serviço da argumentação publicitária. Pode-se dizer que a publicidade simula um modo
enunciativo que, na verdade, é construído em função do modo argumentativo.
A Teoria dos Atos de Fala (TAF) tem suas origens, de algum modo, relacionadas à
concepção de linguagem enquanto ação, uma vez que toma por objeto primeiro de análise a
transformação de palavras em atos, ações. Ou seja, a TAF toma para si a tarefa de buscar
meios de análise dos atos de fala, entendidos como formas de linguagem que conduzem (ou
são elas mesmas) à realização de ações. Alguns autores remontam essa origem aos
, de Wittgenstein; outros têm associado alguns elementos da TAF ao "paradoxo de
Moore" de que fala Vanderveken (Mari, 2001: 96). Entretanto, Mari associa ao postulado do
peirciano uma primeira fundamentação da Teoria dos Atos de Fala.
Para apresentar um quadro geral no qual foi originada e desenvolvida a TAF, Mari
(2001) toma por base alguns aspectos que considera mais importantes: o ,
presente na abordagem de Peirce e Wittgenstein e que leva em conta as dimensões de análise;
o que ocorre “entre certos tipos de enunciação lingüística e
comportamentos decorrentes”, oriundo dos estudos de Austin e Benveniste; a
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“entre conteúdo proposicional e força ilocucional”, presente nos estudos de Searle;
e, por fim, a especificação do modo de orientação entre linguagem e ação, apresentada por
Searle e Vanderveken.
Para Mari (2001: 97), Peirce foi o primeiro pensador a se ocupar da conversão “da
concepção de um objeto em efeitos práticos”, isto é, a estudar as relações entre linguagem e
ação, buscando evidenciar como os sujeitos agem na sociedade através da linguagem. Assim,
segundo o autor, é possível aproximar o das origens da TAF pelo fato de que
este busca “converter palavras em coisas” (MARI, 2001: 97), o que fica claro no texto de
Peirce quando este questiona sobre a “diferença entre uma asserção e uma aposta”. Tal
questionamento, antes de ater-se a valores lexicais dos signos, representa “uma especulação
sobre uma forma diferenciada de usos e de expressões lingüísticas, quando acionadas a
serviço de uma ação.” (MARI, 2001: 97).
O ponto em comum entre o pensamento de Wittgenstein e a TAF, de forma que ele
possa ser tomado como precursor desta, nasce da maior atenção desse filósofo em apontar os
objetivos básicos que são associados ao uso da linguagem. Do ponto de vista da interlocução,
as palavras são usadas para desencadear uma série de ações de acordo com as circunstâncias
de uso. Ao destacar esse ponto, Wittgenstein coloca em evidência a na
sua correspondência com os . Para tecer uma exemplificação daquilo que
chama de , Wittgenstein destaca a "dimensão télica da linguagem"
(MARI, 2001: 100), na medida em que condiciona a validade dos enunciados lingüísticos à
geração de comportamentos, ações e atitudes de sujeitos em situações concretas.
Complementando seu pensamento sobre , este filósofo apresenta
os . Estes são norteadores da relação entre os interlocutores e apontam o
envolvimento deles com a consecução de ações determinadas pela prática lingüística. Os
postulados de Wittgenstein, muito embora não apresentem instrumentos de análise para a
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questão da linguagem em ação, podem ser considerados como fundamentos sobre os quais se
assentaram os estudos acerca da linguagem como ação do homem no mundo.
Se, por um lado, os estudos de Peirce e Wittgenstein significam os primeiros ventos no
sentido de se proceder a análises lingüísticas fundadas na concepção de linguagem enquanto
ação, as pesquisas de Austin (1990) acerca do funcionamento e do valor das práticas
são, por certo, as investidas mais expressivas nessa construção conceitual da
relação linguagem/ação, através de uma ligação entre dizer e fazer. Isso porque são levadas
em conta duas dimensões, a saber: a da proposição, relacionada com o plano locucional da
enunciação; e a dos interlocutores, relacionada com o plano propriamente ilocucional e
perlocucional da enunciação. Assim é que Austin explica, por exemplo, a como uma
ação projetiva (a ser efetivada no futuro), hierarquizada (quem manda deve ocupar uma
posição superior àquele que deve cumprir a ordem), ética (a ação a ser desencadeada pela
ordem não deve ser maléfica àquele que a cumpre; caso contrário, corre-se o risco de a ordem
não ser bem sucedida).
Do quadro teórico de Austin, Mari (2001: 108) destaca dois aspectos que considera
mais relevantes para a relação linguagem/ação. O primeiro aspecto está relacionado à
formulação teórica e diz respeito ao fato de Austin apontar como função primeira do
desencadear "ele mesmo um ato". O outro aspecto é a preocupação de Austin
em estabelecer "um conjunto de condições necessárias à realização de um ato de fala". Essas
condições são originadas nas convenções que os falantes estabelecem entre si e são satisfeitas
na medida em que os falantes estejam de acordo com as exigências dessas convenções, de
modo a estarem integrados e adequados a elas. Essas postulações de Austin vieram fornecer
os instrumentos de análise de que necessitava a TAF para demonstrar a conversão da
linguagem em ação, uma vez que os valem não só pelo que é dito através deles
mas muito mais pelo que, por seu acontecimento, por seu evento, de fato, é realizado. Assim,
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suficiente e necessária para a realização de atos ilocucionais. Se, do ponto de vista lingüístico,
o performativo, enquanto forma lingüística, expressa a ação, é do ponto de vista do poder
institucional, da ordem sócio-institucional, que ele realiza a ação.Além disso, Searle proporcionou maior poder de elucidação à teoria ao apontar os
dos . Essa expansão foi possível a partir da reintegração
entre sentido e ação - antes, separados, em Austin -, uma vez que os enunciados lingüísticos
passaram a ser analisados em função da dupla dimensão proposicional/ilocucional,
explicitando o caráter intrínseco da relação dizer/fazer. Com isso, Searle acaba por propor um
"caráter universal à análise do problema" da linguagem como ação, no dizer de Mari (2001:
107), posto que "toda forma de linguagem - toda expressão lingüística - passa a estar, desse
modo, comprometida com um tipo de ação qualquer", o que significa maior refinamento do
instrumental teórico da TAF, a despeito da diversidade das práticas de linguagem e da
intangibilidade e mutabilidade do objeto. Em breve detalhamento, Searle e Vanderveken
apresentaram duas intervenções bastante significativas a partir das formulações de Austin. Em
um primeiro momento, eles propuseram o ‘estreitamento’ entre o sentido das proposições e
suas respectivas forças ilocucionais, abandonando, assim, a oposição x
; num segundo momento, eles se dedicaram à constituição de uma lógica
ilocucional que contemplasse os componentes constitutivos da inerente a
qualquer enunciado. É em razão disso que se propõem a definir relações intrínsecas entrelinguagem e ação, bem como especificar as propriedades lógico-enunciativas de uma
– daí, a forma lógica de um ato ilocucional F (P), onde F = força ilocucional e P=
conteúdo proposicional.
A é definida por esses autores como uma unidade complexa,
formada por seis componentes. O primeiro é o , que são formas naturais
primitivas de uso da linguagem para a realização de ações e que determinam a direção de
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ajustamento entre linguagem (palavra) e realidade (mundo). São cinco os : ,
, , e . Para Searle e Vanderveken, em certas situações,
a linguagem norteia a e, em outras, a realidade determina as
, o que resulta na postulação da categoria
que se desdobra em quatro tipos de direcionalidade, a saber,
, , e .
Nas situações enunciativas em que o conteúdo proposicional passa a adequar-se aos
estados de coisas pré-existentes no mundo, tem-se a direção . Em outros
termos, pode-se dizer que a realidade que pré-existe à enunciação possui uma certa autonomia
em relação a esta e que os instrumentos lingüísticos são empregados para representar essa
realidade ou, então, que o condiciona, possibilita, ou mesmo determina, a estruturação
da . Os atos de fala cuja é possuem esse tipo de
direção de ajustamento, uma vez que a asserção é dependente de uma realidade que ela
representa, de modo que as palavras que a compõem se ajustam a essa realidade pré-existente.
Ao contrário do que ocorre com a direção , o
é caracterizado pela alteração da realidade a partir da enunciação de um conteúdo
proposicional. Isso significa que a enunciação é independente da realidade do mundo e, em
sentido oposto ao que acontece na direção , em que este impera sobre aquela,
agora é a palavra que altera o mundo. Assim, a direção ocorre quando a
enunciação de um conteúdo proposicional altera o mundo, de modo que este entre em acordo
com tal conteúdo proferido através da realização de uma ação por parte do locutor ou do
alocutário. Nesse caso, a enunciação é independente do mundo e concorre para a modificação
do estado de coisas. Os atos de fala marcados por que se realizam nos
e possuem essa . Atos com
a e a respectivamente, que fazem erigir da sua enunciação realidades antes
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não existentes, são marcados pela . Afinal, é em
virtude do proferimento de um ato - a propósito do ato que aqui nos
interessa mais de perto - que se espera uma resposta do interlocutor. Como lembra Benveniste
(1989: 86), a interrogação "é uma enunciação construída para suscitar uma resposta'", uma
vez que é uma forma de interpelar diretamente o interlocutor, instanciando-o no discurso a
fim de estabelecer com ele um jogo enunciativo. Essa resposta tanto pode ser de natureza
lingüística como comportamental que significará, da mesma forma, uma modificação da
realidade, posto que falar é também uma atividade física.
A é própria da que se realiza no
e se caracteriza pela possibilidade de tanto o mundo ajustar-se à palavra, como a
palavra se ajustar ao mundo. Isso ocorre porque não há predomínio da linguagem sobre o
mundo nem o seu contrário. Na verdade, o mundo é alterado para ajustar-se ao que é
proferido, sendo que este já representa um mundo alterado a partir da própria enunciação do
locutor. Uma exemplificação disso, fornecida por Mari (2001), são os usos institucionalizados
da língua, como o batismo, o casamento, os juramentos, depoimentos e aberturas de trabalhos,
etc.
As que se realizam no apresentam
. Por significarem a expressão de um estado mental do locutor, ou ainda, uma
atitude proposicional deste último acerca de um estado de coisas, o conteúdo proposicional
não necessita ser ajustado à realidade do mundo, tampouco o mundo precisa estar de acordo
com essas impressões do locutor, uma vez que não se questiona o sucesso ou fracasso do
conteúdo proposicional.
O segundo elemento é composto pelos , que indicam a
forma pela qual um determinado conteúdo proposicional é efetivado, quando da realização de
um ato ilocucional; cada é desdobrado em . A propósito, a
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pergunta é um dos modos de realização do ponto diretivo, cuja especificidade consiste na
tentativa de levar o interlocutor a realizar um determinado tipo de ação específica, que é a
ação lingüística que se traduz pela resposta.
Em terceiro lugar, estão as que definem a natureza das
convenções pressupostas na interação falante/ouvinte e constituem especificações de cada
. Assim, os atos ilocucionais têm suas próprias, e aqui
interessam mais especificamente aquelas concernentes aos . Para que um ato
possa ser considerado como , é fundamental que o alocutário seja capaz de realizar a
ação futura e que essa ação não seja lesiva a ele. No caso específico da pergunta, as condições
preparatórias requerem que o locutor não tenha conhecimento da informação que é
demandada pela pergunta e, ainda, que o interlocutor esteja em condições de responder à
pergunta, que não deve ser lesiva a este último.
Em seguida, aparecem as que são restrições
gerais ao 'semantismo' subjacente ao ato ilocucional em questão. Esses autores arrolam as
próprias de cada ponto e mostram que os e , por exemplo,
representam ações a serem realizadas no futuro. A pergunta se enquadra justamente nesses
casos, uma vez que a resposta é necessariamente uma ação futura em relação à pergunta.
O quinto elemento da são as chamadas
que possuem ainda . Elas referem-se à intenção expressa pelo locutor ao
realizar um ato. Os estados intencionais primitivos se traduzem pela crença e pelo desejo, que
podem ser expressos com maior ou menor intensidade; quem jura ter visto algo expressa uma
crença mais intensa num estado de coisas do que quem diz que simplesmente acha que viu
algo, da mesma forma que quem suplica algo expressa um desejo mais intenso do que quem
simplesmente sugere algo. As condições de sinceridade da pergunta requerem que o locutor
deseje uma resposta de fato por parte do interlocutor e, ainda, que o locutor acredite que o seu
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interlocutor seja c apaz de respondê-lo. No discurso publicitário, as condições de sinceridade
da pergunta são manipuladas e o seu grau de intensidade é enfraquecido, uma vez que o
diálogo é apenas simulado de modo que não se espera uma resposta lingüística do
interlocutor.
Retornando à , mais especificamente no
tocante ao , no seu , algumas considerações merecem ser
elencadas. Conforme dito acima, a representa uma forma de interpelação direta do
interlocutor, de modo que este integre o processo enunciativo com a ‘responsabilidade’ de
apresentar uma resposta ao que foi perguntado. No discurso publicitário, que prima pela
argumentação e pela sedução do leitor, a pergunta continua significando uma força
ilocucionária diretiva orientada para o futuro, ocasião em que se espera a “resposta” do
enunciatário; mas ela está a serviço do ato ilocucional diretivo no modo de de um
produto ou serviço, que é a condição enunciativa 'constitutiva' do discurso publicitário. Neste
tipo de discurso, saber oferecer faz parte das habilidades básicas que fundam a credibilidade
do anunciante enquanto benfeitor. Aquele que quer divulgar, promover a venda de algo tem
de necessária e primeiramente saber oferecer o que vende. Para tanto, esse sujeito
comunicante deve articular as mais variadas e eficazes estratégias argumentativas em favor da
persuasão e da sedução do leitor. Nesse espaço, insere-se a pergunta como uma forma
alternativa - instigante, incitadora, na medida em que instaura o interlocutor na enunciação e
espera dele uma "resposta"- de oferecer aquilo que é divulgado.
Entretanto, a questão não se encerra neste ponto. Em busca da conquista do leitor, de
modo que ele passe de consumidor de mensagens a consumidor efetivo daquilo que é
divulgado, o anunciante necessita construir a representação de que é um benfeitor, ou seja, de
que possui algo que, numa certa medida, vale como solução de um problema do leitor ideal
(TUd) do anúncio, visto, por sua vez, nessa perspectiva, como um beneficiário nessa relação.
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TUd, e adquira o produto anunciado, suscitando, desse modo, o (TUi =
TUd) de persuasão e/ou de sedução que condiciona a produção desse discurso. Assim, o
produto que antes pertencia ao anunciante passa a pertencer ao consumidor que, ao seu turno,
transfere o seu dinheiro ao anunciante, alterando, dessa forma, o mundo através de um ato de
linguagem que, no nosso caso específico, se traduz pela pergunta que realiza os atos indiretos
de oferta e de promessa e, ainda, os efeitos perlocutórios de persuasão e/ou sedução.
Ainda uma outra questão é colocada sobre o desdobramento do ato de pergunta nos
dois atos indiretos de oferta e de promessa. Tanto o quanto o são pontos
projetivos cujas realizações se dão no futuro. O que altera é a responsabilidade dessa
realização; enquanto no é o locutor quem se obriga à realização futura do ato, no
é o alocutário. Porém, o alocutário, presumivelmente, adquire o produto a partir da
promessa do locutor de que o produto irá revolver o problema ou satisfazer o desejo que lhe é
atribuído. A imbricação desses aspectos deságua na do anunciante que, tornado
enunciador-benfeitor, em não cumprindo a promessa subjacente à oferta, perde sua autoridade
sobre o que diz, colocando sob suspeita seu e o seu .
Um outro autor que se dedicou ao estudo da pergunta é Meyer, postulando a Teoria da
Problematologia (1992). Partindo do questionamento acerca da finalidade com que a
linguagem é usada, esse autor considera que o ser humano a utiliza como forma de buscar a
solução para problemas com os quais se depara. Não se trata, entretanto, de se entender
como sendo mas, ao contrário, como
(Meyer, 2001:37). Assim, nossos desejos, dúvidas, necessidades, por
exigirem ações no sentido de satisfazê-los, na dimensão que o autor apresenta, podem ser
considerados como .
Meyer aponta, como definição de , tudo aquilo que pode ser colocado sob o
aspecto de um questionamento e, por extensão, na forma de uma frase interrogativa, uma vez
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que ele concebe a linguagem como uma . Um
argumento apresentado em favor desse ponto de vista reside no fato de que a utilidade da
linguagem consiste justamente em fazer conhecer ao outro nossas i déias, desejos e
necessidades, de maneira a convencê-lo a tomar uma atitude, movido pela nossa manipulação
na direção da satisfação dos nossos propósitos.
Essa visão de Meyer coaduna-se com os pressupostos aqui tomados por referência
teórica, já que parte de uma noção de linguagem enquanto ação, na qual são engendradas
estratégias de manipulação do outro em benefício dos interesses do locutor.
2 Tradução nossa de "tout ce qui requiert de notre part une action"3 Tradução nossa de "activité de résolution de problèmes"
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Neste capítulo, tendo em vista a delimitação feita no primeiro capítulo, a saber, o
contrato do discurso publicitário, a questão do encadeamento argumentativo e seus
mecanismos inferenciais, além da especificidade da pergunta enquanto ato, de acordo com a
teoria dos atos de fala, passaremos à aplicação dos pressupostos teóricos na análise dos dados
coletados.
Conforme apontado anteriormente, os autores Adam e Bonhomme consideram que o
discurso publicitário é marcado por um falseamento de diálogo, o que imprime a esse discurso
um aparente aspecto dialocutivo, de sorte a ocultar-lhe o caráter monolocutivo. Além disso,
considerando a importância da pergunta para essa dramatização dialocutiva, as primeiras
questões que colocamos em função dos dados coletados foram: "Se o discurso publicitário
busca construir uma simulação de diálogo com o leitor e a pergunta é utilizada com o fim de
instanciá-lo nessa encenação, que tipo de pergunta ocorre nesse discurso?". Por conseguinte,
"qual tipo de pergunta é mais típica, ou seja, mais recorrente?". E ainda, "qual a relação entre
essa recorrência e o plano argumentativo do discurso publicitário?"
Por isso, tomamos como critério de análise e classificação das perguntas coletadas a
ocorrência das formas lingüístico-enunciativas associadas ao processo de referenciação da
relação estabelecida entre os interlocutores, instanciados no discurso sob a forma de co-
enunciadores – enunciador e enunciatário (destinatário) –, o que nos levou a detectar três
formatos mais gerais de pergunta no discurso publicitário.
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A propósito da apresentação dos formatos mais gerais da pergunta, foi tomada como
critério a ordem decrescente de recorrência. Assim, serão apresentadas as formas mais típicas,
sendo seguidas pelas menos típicas.
São perguntas que têm como fonte enunciativa o EUe e nas quais aparecem marcas
lingüísticas de segunda pessoa do discurso (seu, sua, você, te, etc.), claras ou facilmente
recuperáveis, como forma de se dirigir a essa pessoa instanciando-a no discurso sob forma de
um destinatário (TUd), de modo a criar uma impressão de diálogo. Essa categoria é a mais
típica do discurso publicitário, conforme verificação nos dados coletados, e apresenta as
seguintes ocorrências:
Apresentando amplo uso de pronomes de segunda pessoa do discurso ( seu, sua, você,
te, etc.), esse subgrupo é o mais recorrente na categoria das alocutivas. Essa tipicidade
reforça a nossa hipótese de que a pergunta constitui uma estratégia argumentativa no discurso
publicitário por, dentre outras razões, interpelar diretamente o leitor, instanciando-o no
discurso.
Como exemplo desse tipo de ocorrência, podemos citar as seguintes peças
publicitárias:
Ex.:
(1) "Você não pára de pensar na sua casa? Nós também não."Porto Seguro Consórcio Imóveis; , Via Expressa, Belo Horizonte.
(2) "Te irrita ver modelo magra em outdoor?"Rexona; , Coração Eucarístico, Belo Horizonte.
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As marcas de inscrição do Tud, embora elípticas, são facilmente recuperáveis através
da conjugação que os verbos apresentam. A simulação de diálogo é tão acentuada nesse tipo
de pergunta que é como se os interlocutores estivessem cara a cara , sendo desnecessário o uso
do pronome "você".
Uma observação merece destaque neste espaço. Apesar de o verbo neste tipo de
pergunta estar na terceira pessoa, o que poderia sugerir uma classificação da ocorrência de
pergunta como sendo delocutiva, trata-se de uma pergunta alocutiva, pois o discurso
publicitário favorece uma espécie de filtragem, justamente pela encenação dialógica que o
caracteriza. Afinal, o EUe dirige-se a um TUd, o que normalmente é feito através do uso de
uma forma lingüística de segunda pessoa. Para comprovar, basta antepor à pergunta um
pronome de segunda (mais especificamente, o pronome de tratamento 'você') e, depois, um de
terceira pessoa e observar o efeito de sentido causado em ambos os casos.
Ex.:
(3) "Vai passar por aqui sem levar as delícias de Minas?"Família Mineira; Timóteo - MG.
(4) "Está construindo?"Depósito Aquiar; , Montes Claros - MG
(5) "Comprou o carro errado?"Auto Esporte; Exame, 21/08/2002.
(6) "Sabe da última?"Grupo Emporiium; , Av. Luís Boali, Teófilo Otoni - MG.
(7) "Sabe como a Frontier foi parar aí?"Frontier; Época, 09/06/2003.
Este grupo apresenta, ainda, uma subcategoria. Trata-se de perguntas introduzidas por
verbo no imperativo afirmativo, mais especificamente o verbo "adivinhar", na sua forma de
segunda pessoa "adivinhe", o que confere maior força interativa ao discurso.
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Ex.:
(8) "Adivinhe quem vai ficar mais feliz neste verão?"Moda Pólo; Caras, 19/09/2003 .
As formas verbais de infinitivo, gerúndio e particípio favorecem uma elipse ainda
mais expressiva do sintagma nominal de segunda pessoa, podendo ser preenchida pela
expressão "Você quer/precisa", para as construções iniciadas por verbos no infinitivo; e por
"Você está" para aquelas das formas verbais de gerúndio e de particípio. Para nós, essas
formas elípticas produzem um efeito de sentido de maior interação discursiva, exatamente por
serem ocultadas nas construções lingüísticas.
Pode ser feita aqui a mesma observação apresentada no item acima, acerca da
categorização do tipo de pergunta como sendo alocutiva, em razão da filtragem inferencial do
pronome que preenche o sintagma com função de sujeito, propiciada pelo discurso
publicitário. A construção admite tanto pronome de segunda quanto de terceira pessoa.
Entretanto, como o sentido e a própria elaboração lingüística estão imbricados com o universo
extralingüístico e, considerando a especificidade do discurso publicitário, que prima pela
maquiagem de diálogo, numa articulação constante entre os espaços interno e externo do
contrato de comunicação, o pronome que cabe preencher a elipse deste tipo de pergunta deve
ser de segunda pessoa, denotando como fonte enunciadora o EUe. Daí a categorização como
pergunta alocutiva.
Ex.:
(9) "Alugar um carro?"Diferença Rent a Car, Montes Claros - MG.
(10) "Procurando informações? (Siga os líderes)."
Globo News, Época, 23/06/2003.
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(11) "Preocupado com as estratégias de TI?"I Circuito Nacional de Golfe Executivo; Época, 23/06/2003.
Aqui aparecem as expressões lingüísticas típicas de oferta, como ato diretivo típico do
discurso publicitário.
Ex.:(12) "Que tal uma Brahma agora?"Brahma; Veja, 19/09/2003.
(13) "Gostaria de participar de uma confraria?"4
Confraria Del Vino; Caras, 25/07/2003.
Sem apresentar marcas lingüísticas específicas de pessoas do discurso, esse tipo de
pergunta mascara a fonte enunciativa, por não ser possível precisar quem é a fonte do
questionamento. Com a camuflagem da fonte, ocorre uma mistura das vozes do EUe e do TUd,
o que provoca, por sua vez uma mistura das instâncias enunciativas. Ou seja, ao se esconder a
fonte da pergunta, cria-se como efeito de sentido uma maior identidade entre locutor e
alocutário, o que pode levar mais facilmente ao efeito perlocutório de sedução desejado
quando da criação da peça publicitária.
Observando a estruturação lingüística das perguntas desse grupo, foi possível
reconhecer os seguintes tipos de ocorrência.
A falta de uma forma lingüística específica, bem como o uso de pronome interrogativo
deixam em aberto a fonte enunciadora, uma vez que tanto o EUe quanto o TUd poderia emitir
4 Embora a pergunta de número 13 comporte o pronome de segunda pessoa "você", optamos por categorizá-lacomo acima porque a expressão "gostaria" é convencional e tipicamente utilizada para se fazer oferta.
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a pergunta, bastando, para garantir essa inferência, criar uma dramatização na qual um ou
outro protagonista a enunciasse.
Ex.:
(14) “Que exagero.
Quem colocou esta cerejinha aí?”
Sorvete Sadia; Época, 09/06/2003.
(15 ) "Qual deles é o falsificado?"ADIPEC; IstoÉ, 27/11/2002.
(16) "O que é Bernoulli?"Colégio Bernoulli; , Av. Olegário Maciel, Centro, BH.
Aqui nos reportamos a Meyer, no que tange à sua postulação de que toda pergunta
envolve uma problemática. Sabidamente, toda publicidade comercial pretende criar uma
necessidade ou um desejo no leitor, o que levou Soulages (1996a: 142) a dizer que, muitas
vezes, o leitor é construído antes mesmo do produto. Para tanto, nada como envolver o leitor
em uma problemática, como se esta fora de antemão levantada por ele. Parece-nos vir daí a
força argumentativa desta estratégia em tela.
Podemos observar nos dados coletados que as perguntas dessa ordem, na sua maioria,
não apresentam sintagmas verbais. Quando estes se configuram nas perguntas, não têm por
referência os interlocutantes, mas o assunto, o referente. Daí porque a categorização no tipo
das delocutivas. Para nós, este é o principal traço de distinção entre este grupo e as alocutivas
encabeçadas por formas verbais, uma vez que não há forma lingüística, seja clara ou
subentendida, que evidencie a fonte enunciadora; antes, o conteúdo proposicional é que
recebe realce.
Ex.:
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(17) "Informações de toda a Acesita em um só lugar?Outdoor da Acesita; Vale do Aço, MG.
(18) "Emprego?"Outdoor FAN RH - AV. do Contorno, Floresta, BH.
(19) "Queda de cabelo?"Gota Dourada, contra-capa da revista Minha Novela, de 27/06/2003.
(20) "Será que Freud estava sonhando?"Revista Galileu; Época, em 04/08/2003.
(21) "E se aqui morar um maluco que nem Nero?"
"Não é melhor fazer um Plano de Previdência Unibanco?"Unibanco; Veja, 19/09/2003.
Supostamente atribuídas ao TUd, esse tipo de pergunta constitui uma estratégia
bastante curiosa, uma vez que o enunciador emite uma pergunta como se ela fora dita
anteriormente pelo enunciatário, de forma que este se veja envolvido em uma problemática do
seu interesse e se identifique com a questão a ponto de tomá-la mesmo como sendo sua. São
perguntas que apresentam como marcas lingüísticas os pronomes de primeira pessoa, cuja
referência não é o enunciador, mas o enunciatário. Utilizadas em número bem inferior às do
tipo 1 acima, constituindo a ocorrência menos típica do discurso publicitário, essas perguntas
apresentam as seguintes ocorrências:
São aquelas perguntas enunciadas por personagens não representativos do TUd,
configurando uma espécie de 'pergunta-eco', isto é, uma pergunta que ecoa a voz do
destinatário. Como forma lingüística enunciativa, esse tipo de pergunta apresenta, além dos
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pronomes de primeira pessoa e dos questionamentos próprios do enunciatário, a estratégia de
uma falsa retomada da fala do enunciatário, presumível através de jogo inferencial. Essa
atribuição de voz ao enunciatário, própria deste tipo de pergunta, aumenta consideravelmente
o falseamento de diálogo, emprestando ao discurso maior caráter dialocutivo, por criar a
impressão de que a enunciação da pergunta faz parte de uma situação comunicativa iniciada
anteriormente pela fala presumida do TUd, como se os interlocutantes de fato dialogassem.
Ex.:
(22) "O que eu faço para ficar mais jovem e mais atraente?"
L'ORÉAL; Cláudia, de agosto de 2002.
(23) "Como eu vou viajar? Dormindo, descansando ou simplesmente relaxando?"American Airlines; IstoÈ, 05/11/2003.
Neste caso, não são somente as marcas de primeira pessoa que apontam para o
enunciatário, mas, sobretudo, a dramatização que efetiva o anúncio publicitário, numa
integração entre os textos lingüístico e imagético, em que um ator encena estar vivendo uma
problemática típica do enunciatário (seja ela da ordem da necessidade ou do desejo - ou de
ambas as ordens), para que a pergunta apresentada possa colocar o leitor no lugar do ator e,
assim, sugerir que a pergunta é efetivamente do TUd.
Ex.:
(24) "Será que eu posso ter a Internet da minha empresa protegida 24 horas por dia?"Embratel; Veja - edição especial - Ano 35, nº 19.
(25) "10 dias sem juros no cheque especial pra gente aproveitar a vida? Esse banco existe?"Banco Real; Veja, 11/06/2003.
Neste tópico, procederemos à análise de algumas das peças publicitárias apresentadas
acima. Todas as peças aqui citadas, tanto as que serão estudadas a seguir quanto as que não
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receberão análise detalhada, podem ser encontradas nos anexos, o que favorece a consulta,
bem como a verificação das ocorrências aqui apontadas, podendo dirimir qualquer dúvida.
A fim de facilitar a leitura e a consulta, serão analisadas, em primeiro lugar, as
perguntas alocutivas, seguindo-se da análise das delocutivas e das elocutivas, conforme
apresentação no tópico anterior. Assim, escolhemos para análise nove das peças publicitárias
de todo o coletado, que trazem as perguntas de números (2), (3), (8), (9), (12), (14),
(21), (22) e (24).
Tomando por referência teórica o , postulado por Charaudeau
(1996), anteriormente apresentado, uma primeira observação deve ser levada em
consideração. Para Charaudeau (1996: 23), para que seja estabelecido qualquer contrato, é
fundamental que os sujeitos estejam em situação de um reconhecimento recíproco, ou seja,
que haja entre eles uma aceitação, um acordo tácito sobre a interação em curso, que o
interlocutor não se negue enquanto tal, pois, em não havendo o TU, não pode haver o EU.
Assim, é fundamental que os parceiros se reconheçam como participantes de um mesmo
evento comunicativo., a despeito da assimetria de intencionalidade dos parceiros. Em outras
palavras, mesmo que as intenções, os objetivos não sejam congruentes (daí porque são
engendradas estratégias de manipulação do outro), os interlocutores se reconhecem
mutuamente como partes de um evento comunicativo, o que dá legitimidade ao projeto de fala
e possibilita a existência do discurso.
Aceita a condição apontada acima de que há um anunciante que se propõe a oferecer
algo a um leitor, ou melhor, ao leitor do anúncio, passa-se à articulação das estratégias
discursivo-argumentativas. Uma vez que o contrato foi estabelecido, dá-se início ao jogo que
se desenrola no seu interior. Por trás da aparente sintonia e entendimento, há um locutor que
deve/quer persuadir e/ou seduzir o interlocutor acerca da viabilidade de sua (do locutor) tese
e, para tanto, engendra uma série de artifícios.
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Na peça em estudo, o EUe não é representado por nenhum tipo de ator, todavia marca
sua presença na própria enunciação da pergunta, através do uso dos pronomes de segunda
pessoa “te” e “sua” que interpelam o destinatário, TUd. Este, por sua vez, constitui umarepresentação de leitor, postulada para o anúncio.
É nesse circuito interno, segundo aponta Soulages (1996a: 145), que são engendradas
as
estratégias de discurso que se manifestam através da organização enunciativa ediscursiva do ato de linguagem, estratégias de captação que ocultam, na maior partedas vezes, a finalidade acional e comercial do projeto de fala.
Como estratégia discursiva, o EUc cria através do EUe uma pergunta bastante curiosa
e, aparentemente, desviada do nexo causal do anúncio. Afinal, não parece haver congruência
entre a oferta de desodorantes e a pergunta sobre a irritação que é experimentada pela leitora
ao ver modelo magra em .
Entretanto, a inferência acerca da incongruência é desfeita logo adiante, quando se lê a
última parte do texto, na qual se percebe o jogo de duplo sentido atribuído ao par de palavras
“irrita/irritação”. No primeiro momento, a palavra “irrita” é tomada pelo leitor como sendo
sinônimo de “provoca desagrado, causa incômodo”, que produz uma leitura bem próxima de
"provocar um determinado estado mental de irritação". Nesse instante, pode ocorrer até
mesmo uma inferência de que se trata de um anúncio de algum produto ou recurso para entrar
em boa forma física. Mas, ao ver exposta a figura de frascos de desodorantes, o leitor cancela
sua inferência e questiona o que pode haver de nexo entre a irritação provocada pela presença
de modelo magra em e o anúncio de desodorante.
Em um segundo momento, ao ler a seqüência do texto, o jogo polissêmico é desfeito
devido ao uso apresentado na frase “uma irritação a menos para peles sensíveis”. Nesse
segundo uso, a irritação, em lugar de ser provocada no âmbito das emoções, como sugerida na
pergunta que encabeça a peça publicitária, passa a ser tomada como uma manifestação física
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na pele da leitora, desfazendo- se, assim, as inferências anteriores, levantadas pelo leitor
empírico do texto, acerca de um possível desvio entre a pergunta e o produto anunciado.
Considerando-se que a significação discursiva resulta da integração do materiallingüístico com o situacional, conforme menção acima, percebe-se que um jogo muito
perspicaz subjaz a esse discurso explícito.
Dados os padrões de beleza atuais, as modelos mais bem aceitas são aquelas de corpo
muito esguio, bastante magras e, por isso mesmo, fonte de inspirações e inveja para muitas
pessoas. Como não é muito comum encontrar-se abundantemente pessoas que possuam tais
requisitos físicos, criou-se, a partir de uma ampla e acentuada apelação da mídia, um fetiche,
um valor simbólico, mítico para esse tipo físico. Não são poucas as peças publicitárias, as
reportagens, os programas de televisão, os produtos para emagrecimento rápido e milagroso
que existem no mercado a incentivar a busca desse ideal de corpo. Isso fez com que a grande
maioria das mulheres se deixasse levar por essa concepção de beleza feminina, ignorando o
jogo de manipulação que se trava no interior do discurso midiático, e passasse a querer atingir
tais medidas. Entretanto, não é muito fácil ter um corpo ideal, nem são tão baratos e
milagrosos os meios de atingi-lo. Por conseguinte, essa luta por um corpo socialmente bem
aceito (e, por que não dizer, invejável?) começou a significar motivo de desagrado, de
frustração, de desencanto, ou mesmo de irritação para muitas mulheres.
Criando uma espécie de contra-discurso midiático, o EUc busca estabelecer com oTUi, através da encenação de diálogo entre o EUe e o TUd, uma relação de compreensão e de
concordância com os valores supostamente ligados ao leitor. É como se fosse dito que o leitor
tem razão em sentir-se assaltado por uma quantidade insuportável de publicidade, alimentada
por valores que até mesmo o agridem. Ou seja, o EUc mostra ter consciência do massacre
diário a que o TUi está exposto, assume o discurso deste, numa falsa aproximação ideológica,
uma vez que usa desse expediente para trazer mais uma mensagem ao TUi, continuando o
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processo de captação e saturação do leitor, num jogo camuflado de manipulação lingüística,
escamoteando a intenção de levar o TUi a ser um Tud, exatamente como os demais
anunciantes, como forma de atingir o efeito perlocutório desejado de vender o produto. A
adoção desse contra-discurso constitui, ao que nos parece, o estabelecimento dos
de que fala Charaudeau (1996), como recurso de construção da máscara social. Ou seja,
o EUe adota uma pretensa polidez como meio de esconder a sua intencionalidade discursiva,
buscando, além disso, justificar o seu papel na interlocução na medida em que se coloca na
"normalidade do humano", de forma a "atribuir uma a seu
", nas palavras de Charaudeau (1996: 25)
Ademais, ao trazer esse contra-discurso, o EUc estabelece como TUd uma imagem
feminina no seu rol de consumidores potenciais. Considerando os valores estéticos e
antropológicos agregados ao universo masculino da nossa sociedade, é muito pouco provável
que a presença de modelos magras em vá irritar um leitor que, aliás, deverá preferir
esse tipo de imagem. Além disso, sob a égide de pessoas de peles sensíveis (aquelas que
sofrem de irritação “na pele”, seja por causa de produtos, seja por causa de provocações
emocionais, socialmente construídas), o EUc acaba por englobar todo tipo de leitora como
TUd. Afinal, se o desodorante não agride peles sensíveis, tanto mais poderá ser consumido
por pessoas de peles mais resistentes.
A mensagem vem amparada, a nosso ver, pela situação imagética que a acompanha,
constituindo um reforço à estratégia argumentativa do EUc. As cores neutras e o tipo de
imagem, em tons claros, presentes na peça publicitária buscam compor um quadro de negação
da agressividade típica do discurso publicitário, numa tentativa de fugir à idéia de captura do
leitor a que esse discurso está associado.
Nesse caso analisado, a pergunta tem importante papel persuasivo, quando busca
propiciar a (falsa) atmosfera de amistosidade, escondendo as finalidades do projeto de fala do
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anunciante do contrato sociolinguageiro em que está inserida, confirmando, assim, as palavras
de Soulages, apresentadas no início desta análise.
Por fim, através dessa pergunta, que é um ato de fala diretivo, está o ato indireto de
oferta de um desodorante que, por sua vez, gera o segundo ato indireto de promessa de que o
produto não agredirá a pele do consumidor. O não cumprimento dessa promessa causará o
descrédito do anunciante e colocará em xeque seu projeto de fala, em razão da perda da
credibilidade.
No plano estritamente argumentativo, o anunciante articula a sua representação como
benfeitor ao incorporar ao seu discurso os valores tidos como sendo do seu auditório, que
passa, assim, a ser considerado como beneficiário da relação estabelecida. Para usar a
terminologia aristotélica, na construção de seu papel enquanto benfeitor, o anunciante elabora
o , numa representação discursiva da imagem do enunciador, em conformidade com o
conjunto de crenças e valores atribuídos ao leitor, de que há uma saturação, uma extrapolação,
um uso excessivo da beleza física pela mídia, o que, por sua vez, constitui o , ou seja,
aquilo que se relaciona com a sensibilidade do auditório. Através dessa construção de
identificações, é como se o se misturasse ao , criando uma intensa empatia que
permitisse a articulação de um discurso, cuja argumentação fosse validada pelo da
irritação que o culto excessivo ao corpo vem causando nas mulheres comuns. A construção
lingüística argumentativa que materializa o discurso, ou seja, o texto em si é o que se pode
chamar de , que no discurso publicitário, assim como todo discurso argumentativo, deve
incorporar o e o adequados à situação comunicativa.
Vejamos mais uma análise.
Em exposto nas imediações da cidade de Timóteo, na estrada que liga essa
cidade a Nova Era, Minas Gerais, o Grupo Família Mineira elaborou a seguinte peça:
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Essa pergunta, apresentada acima sob o número (3), por nós categorizada como sendo
alocutiva, em cuja estruturação lingüística ocorre a elipse da forma lingüística típica de
segunda pessoa do discurso, apresenta curioso artifício argumentativo. O acréscimo do
pronome "você" na introdução da pergunta é o bastante para que seja percebida a elipse, uma
vez que a colocação do pronome não altera o sentido da pergunta:
"Você vai passar por aqui sem levar as delícias de Minas?" 5
Assumindo o leitor empírico/histórico, isto é, o TUi como sendo uma pessoa que passa pela
estrada, o EUc instancia no discurso, a despeito da falta de um ator para encenar o papel de
enunciador, um EUe que busca interpelar esse leitor com a pergunta direta acima. Essa
pergunta parte da pressuposição de uma cena, em que o leitor que passa pelo local não irá
entrar na casa comercial e que, por isso, não vai comprar os produtos ali comercializados, o
que, efetivamente, é o que mais acontece. A essa construção virtual de leitor corresponde o
TUd. Em razão dessa pressuposição, o EUe realiza a pergunta, que constitui todo o texto da
peça publicitária em análise, com os objetivos de interpelar e convencer/seduzir o TUd não só
a parar no local, como também a consumir os produtos ofertados.
5 De acordo com o que dissemos acima, esse tipo de pergunta enquadra- se no grupo das alocutivas e não dasdelocutivas. Para comprovar isso, basta colocar o pronome "ele" no lugar de "você" para que, considerando ocontexto extralingüístico, seja percebida a natureza alocutiva da pergunta. Assim, em uma peça publicitária comcaracterísticas desta em análise, parece muito pouco provável que se perguntasse "Ele vai passar por aqui semlevar as delícias de Minas?". Daí a nossa categorização.
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Partindo desse pressuposto, um efeito de sentido mais adequado para essa pergunta
está muito mais próximo de que se faz uma afirmação do que um pedido de informação ou
resposta, propriamente dito. Assim, é possível derivar dessa pergunta um ato assertivo
indireto do tipo
.
O artifício da pergunta torna-se curioso pelos efeitos que ela propicia. Além de
interpelar diretamente o leitor, esse ato de pergunta revela uma perplexidade do EUe ante a
provável indiferença do transeunte com relação aos produtos ali comercializados. Na verdade,
muito mais que dizer que naquele local há uma casa comercial especializada em produtos
típicos da culinária mineira, a pergunta reforça a oferta através da simulação de perplexidade
ante o fato de o TUi não parar no local e comprar os produtos, como se esse comportamento
fosse o mais comum, o mais freqüente, e o TUi estivesse infringindo um hábito socialmente
construído e validado, a ponto de essa transgressão provocar espanto.
Essa leitura é confirmada, quando o discurso é analisado a partir do contrato
sociolinguageiro em que se insere e que o origina. No do contrato estão os
, vividos pelo anunciante (EUc) e pelos
transeuntes (TUi), usuários da estrada, leitores empíricos do e consumidores
potenciais dos produtos. Como protagonistas, inscritos no do contrato, no
lugar de EUe, não há um ator a encenar a dramatização, mas somente uma voz que enuncia a
pergunta ao TUd, ou seja, a representação de leitor, tido como beneficário do contrato. O EUe
usa de algumas formas lingüísticas para constituir-se enquanto benfeitor, por exemplo, "aqui"
e "delícias". Em outras palavras, o EUe é aquele que tem ("aqui") "delícias" a oferecer ao
TUd que, ao adquirir os produtos, recebe os benefícios do contrato. Na medida em que o leitor
identifica-se com a projeção de leitor criada para esse anúncio (TUI = TUd), a argumentação
surte efeito e o efeito perlocutório desejado é atingido.
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Para Charaudeau (1996: 22), o ato de linguagem é estabelecido em virtude de certos
fundamentos, originados a partir do postulado de intencionalidade, como princípio do
. De forma mais aplicada à peça em análise, o EUc, projetando um EUe, constrói
como imagem de interlocutor (TUd) um leitor que ainda não é consumidor dos produtos do
anunciante e que deve ser persuadido, ou seduzido, na dimensão do TUi, a entrar para esse rol
de consumidores. Para tanto, é engendrada uma , em que os
interlocutantes se reconheçam mutuamente como participantes de um mesmo contrato. Essa
aproximação é feita por meio de que, neste caso, são estabelecidos por meio de
crenças e valores, considerados como da argumentação. Um deles é o valor socialmente
construído de que a culinária mineira é repleta de reconhecidas "delícias". Um outro índice é a
crença de que os turistas costumam adquirir os produtos típicos das regiões que visitam. E,
ainda, que causa grande espanto, grande surpresa, o fato de alguém passar próximo às iguarias
da culinária mineira e não as consumir.
Do ponto de vista mais teórico, essa argumentação pode ser analisada sob o prisma das
postulações de Ducrot, no que tange o (+ P, + Q), em que um enunciado
(A) serve de fundamentação, de argumento à conclusão (C). Como no esquema abaixo:
"Se vai passar por Minas, leve as suas delícias."
( + P , + Q ) ou
( se P , então Q )
em que o enunciado (A) ("passar por Minas") serve de argumento à conclusão (C) ("leve as
suas delícias").
O conjunto de saberes é denominado por Charaudeau (1996: 26) como
que, segundo esse autor, é originado das práticas discursivas e resulta na construção
de que, ao seu turno, "permitem aos parceiros da comunicação
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movimentarem-se nas ". Daí porque essas
representações podem ser tomadas como os que validam a argumentação apresentada
na peça em foco.É com base nesses princípios que o EUc vai fundamentando seu , por
atribuir, através desses ao seu . Além disso, faz
parte da das comunidades capitalistas que um comerciante tal possa
anunciar seus produtos ou serviços.
Em virtude dessas articulações, ocorre o estabelecimento do contrato de comunicação
e do esquema argumentativo engendrado no seu interior. Afinal, o EUc situa seu discurso em
um universo de verdades consensuais (apontadas acima como as crenças e valores acerca da
culinária mineira, por exemplo), fundamentando o , o que confere a
ao seu . Além disso, por assumir no circuito externo desse
contrato a identidade de anunciante (o grupo Família Mineira coloca-se como responsável
pelo anúncio), fato que o define enquanto sujeito comunicante, o EUc fica " de
realidade psicossocial", sendo reconhecido o seu ou a sua
. É válido observar a razão social do anunciante, composto por dois nomes
("família" e "mineira") que revelam toda uma tradição agregada à cultura mineira, o que entra
na composição do que Charaudeau chama de . Para consumar seu
, é necessário demonstrar competência na articulação dos espaços externo e interno docontrato. Então, o EUc coloca em ação o EUe que verbaliza, através do ato de pergunta, o
aceito socialmente e que lhe dá a necessária à enunciação
do ato de linguagem.
A articulação discursiva vai além do mero jogo de papéis institucionais. Conforme
lembra Charaudeau (1996: 31), "reencontram-se aqui certas leis do discurso propostas por
Ducrot". Este autor afirma (Ducrot, 1987: 102) que "não se deve contentar-se em asseverar
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uma pro posição, mas deixar entender o que se quer dizer". Por isso, subjaz ao discurso do
EUe a informação de que a culinária mineira é composta de "delícias" e que não consumi-las
é motivo de espanto, posto que isso já é tido como uma verdade amplamente aceita e
confirmada.
Entretanto, essa informação, que representa um dos objetivos apontados por
Charaudeau (1996: 31 – 33) para a construção do do sujeito falante, significa
uma máscara para um outro objetivo, o , que é muito mais recorrente no discurso
publicitário, sobretudo porque tal objetivo tem por finalidade o "controle do outro" "pelo viés
de ". Essa sedução pode ser verificada pelo uso da palavra "delícias", como recurso
para despertar no outro o desejo de consumir as iguarias da comida mineira, seja porque já as
conhece, seja por curiosidade. Neste caso, o objetivo de , que atua no viés da
racionalidade, tem ocorrência mais baixa, podendo ser associado apenas e ligeiramente à
perplexidade, acima referida, que o ato de pergunta empresta à enunciação lingüística.
Como se pode ver, o ato de pergunta inscrito no discurso publicitário contribui
expressivamente com o plano argumentativo próprio desse discurso.
Passemos à análise do último subtipo de pergunta da categoria das alocutivas, a saber,
aquelas com verbos de segunda pessoa do discurso no imperativo.
Para análise, tomamos a pergunta de número (8), apresentada na exemplificação.
Divulgada na revista Caras, de 19/09/2003, essa peça publicitária tem por anunciante
Polo Moda e toma por público alvo o leitor da revista que seja lojista ou revendedor.
O anúncio é construído tomando por cenário um ambiente recreativo, que tem uma
parte de mar cercada de montanhas como cena de fundo, criando uma sugestão de que se trata
de uma cena passada em um barco de luxo, em pleno veraneio. Nesse ambiente estão várias
pessoas, cada uma representando uma faixa etária ou um estilo social e físico. Há jovens,
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criança, adultos, idosos, pessoas magras e pessoas mais gordas, de estilo mais formal como
também mais à vontade.
Introduzindo o texto da peça publicitária está a pergunta
seguida da resposta
Ao ler essa parte do anúncio, o leitor que não sabe o que seja Polo Moda infere que se
trata de uma marca de roupas. Mas, a diversidade de estilos, representada pelos atores, leva à
dedução de que o anunciante fabrica roupas para todos os estilos, o que é muito incomum no
meio. Ao prosseguir com a leitura, o leitor encontra mais abaixo as frases
e, escrita sobre uma tarja vermelha, de modo a chamar a atenção,
Somente quando lê a parte inferior do texto, escrita em fonte bem menor, de cor
amarela, o leitor começa a entender o que é o Polo Moda:
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a promessa de que o TUd fará negócios tão bons, lucrativos que terá grande felicidade (“mais
feliz”). Entretanto, o uso do “mais” não é muito definido nesse texto, ou seja, se se trata de
um intensificador ou um comparativo. Em outras palavras, não é possível afirmar se o TUd
vai ficar “mais feliz do que estava” ou se vai ficar “a pessoa mais feliz dentre outras, durante
verão”. Ao que nos parece, essa ambigüidade estrutural presta-se justamente a esse papel de
não esclarecer, mas abranger as duas situações. Isso reforça a função argumentativa da
pergunta expressa, que realiza, além do ato diretivo de oferta, o ato comissivo de promessa,
conforme demonstrado acima, e mais, pressupõe que o destinatário já seja alguém feliz.
As perguntas alocutivas encabeçadas por formas nominais do verbo, com alguns
exemplos apontados nos números de (9) a (11), propiciam textos mais breves, de interlocução
mais rápida, por apresentarem uma elipse mais extensa que o tipo analisado acima. Conforme
dito na seção de categorização das perguntas coletadas, além do sintagma nominal, é omitida
parte do sintagma verbal, normalmente expresso ora pelos verbos "querer" ou
"necessitar/precisar" - para as construções com verbos no infinitivo -, ora pelo verbo "estar" -
para construções com verbos no gerúndio e no particípio -, sendo possível em ambos os casos
colocar o pronome de segunda pessoa do discurso "você". Tomemos para análise a pergunta
apresentada em (9). Compondo um da Diferença Rent a Car, exposto na cidade de
Montes Claros, Minas Gerais, a pergunta
vem acompanhada por
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A economia lingüística favorece a rapidez da leitura. Voltada para um público
preferencialmente masculino, executivo, que valoriza o maior aproveitamento do tempo,
nessa peça publicitária, estrategicamente exposta numa das entradas da cidade, a pergunta
assume a relevante função de não só chamar a atenção do leitor, como também realizar a
oferta do serviço, através da problematização de uma necessidade que supostamente envolve
o TUd.
Um dos aspectos nessa peça em análise que mais chamou a nossa atenção foi a
articulação, a sobreposição dos , de que fala Charaudeau (1996: 30 –
33). Considerando que o discurso publicitário tem por principal contorno a presença dos
objetivos e , muitas vezes, essa presença pode ser camuflada pelo objetivo
. Em outras palavras, sob a égide da informação de que a "Diferença" tem "a
melhor frota" e "o menor preço", o sujeito falante articula a manipulação do leitor, de maneira
que este venha agir de acordo com os interesses daquele, engendrando o objetivo a que
Charaudeau chama de . No contrato publicitário, os interlocutores estão em pé de
igualdade, não podendo o anunciante dar ordens ao leitor, uma vez que não possui autoridade
sobre ele. Isso vai de encontro ao caráter de manipulação que tipifica o objetivo .
Entretanto, o EUc tem por meta levar o TUi à ação específica de comprar e, para isso, usa
como recurso de manipulação o discurso que é articulado no contrato sociolinguageiro. Por
isso, é articulado um discurso no qual um EUe apresenta algumas informações (de "melhor
frota e menor preço") ao TUd , que nada mais são do que argumentos para fundamentarem
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um uma futura do le itor, de modo que essa ação venha favorecer o EUc. Ora, na
medida em que o leitor é incitado pelo discurso do sujeito falante, está em ação o objetivo
, que busca a , com vistas a uma ação favorável a esse sujeito
falante. Entretanto, esse objetivo , no discurso publicitário, vem recoberto pelo
objetivo (nessa peça, especificamente, já que poderia ocorrer também o objetivo
sedutor), que, por sua vez, é recoberto pelo objetivo , através das informações
apresentadas na peça publicitária "melhor frota, menor preço".
Curioso, ainda, observar a baixa incidência, na peça em foco, de recursos lingüísticos
de instauração dos interlocutantes no discurso. Não há atores a encenarem nenhum dos
protagonistas, as imagens são reduzidas (apenas uma parte de uma fotografia de um carro). O
único recurso lingüístico que pode ser deduzido, a partir da consideração de que o discurso
aparece em um contrato publicitário, é a elipse dos sintagmas apontada acima. "Alugar um
carro", nessas circunstâncias, não representa um desejo ou uma necessidade do EUe, mas do
TUd. Daí fica fácil inferir que a pergunta completa seria algo como
“ ”,
bem mais aceitável, nesse contexto, que
ou
sobretudo, porque o ato de oferta no discurso publicitário é realizado pelo enunciador,
tomando por referência uma necessidade ou desejo do destinatário. Isto é, um EUc instancia
no discurso um EUe, a partir de imagem virtualmente construída de consumidor (TUd), que
oferece a um TUi (leitor empírico) um produto tal. Além disso, o discurso publicitário é
marcado por uma simulação de diálogo, o que, por si só, pressupõe que uma pergunta seja
feita ao TU, à segunda pessoa do discurso e não à terceira ou primeira pessoa. Assim, a
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presença do pronome "você" ajuda na indicação de que a pergunta tem sua fonte no
enunciador e não no destinatário.
Tomando, ainda, os pressupostos de Meyer, apontados anteriormente, de que a
linguagem é utilizada como forma de , bem como a definição de
como tudo aquilo que pode ser expresso sob a forma de pergunta, de
questionamento, é possível perceber que o valor argumentativo da pergunta nessa peça reside
justamente no fato de propiciar a exposição de uma problemática que diz respeito a um
público específico, envolvendo-o de tal maneira que o conduza, através de manipulações, à
satisfação de seus desejos e/ou necessidades e, por conseguinte, atenda os interesses do EUc.
Nesse patamar, para que haja esse jogo de manipulações e satisfação de interesses, o EUc, ou
seja, a DIFERENÇA RENT A CAR, coloca-se como o benfeitor (EUe) que pode resolver os
problemas do TUd, projeção daquela pessoa que quer ou precisa alugar um carro, que, a seu
turno, passa à condição de beneficiário do contrato publicitário. Colocando a análise em
outras palavras, a pergunta apresentada na peça publicitária traz uma questão direcionada para
o TUd, envolvendo-o em uma problemática que passa necessariamente pelas intenções e
interesses do EUc, de sorte que, ao consumir o que é anunciado, o TUi assuma uma posição
de beneficiário (TUd) enquanto o EUc fica no papel de benfeitor (EUe), como se não fora
movido por nenhum tipo de interesse.
Tomando por referência os pressupostos aristotélicos a respeito da argumentação, é
possível perceber que os argumentos apresentados nessa peça publicitária são validados pelos
da qualidade, observável na expressão "melhor frota", e da vantagem econômica,
expressa em "menor preço". Ao articular esse , o anunciante incorpora o , ou
seja, o conjunto de desejos e preferências do auditório, qual seja, alugar o melhor carro pelo
menor preço, associando conforto e economia, de sorte que esse auditório se identifique com
o tema e venha a aderir ao discurso. Assim, a problemática sobre o aluguel de um carro, de
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que é alvo o leitor, passa a ter como referência de solução a DIFERENÇA RENT A CAR.,
sob a promessa de que terá o máximo de conforto pelo mínimo de custo. 6
A pergunta de número (12) foi publicada na revista Veja, de 19/09/2003, em uma peça
publicitária da cerveja Brahma. Além da pergunta
o texto é composto pelos seguintes dizeres
Encenada por um casal de atores, que segura duas latas da cerveja Brahma como se as
oferecesse ao leitor, a peça tem por cenário uma simulação de um bar de madeira, no estilo de
barracas de praia, no qual o formato da janela remete a um balão de história em quadrinhos,
simbolizando o pensamento. Pela janela, pode-se ver uma paisagem litorânea, sugerindo um
ambiente agradável e de muito prazer. O casal sorridente, trajando roupas leves, bem ao modo
do verão, completa a sugestão de um ambiente de descontração e de frescor.
6 A título de curiosidade, salientamos que não encontramos esse tipo de pergunta em nenhuma peça publicitáriaque divulgasse produto especificamente feminino.
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parede do bar remete o leitor ao fato de a Brahma ter sido a cerveja mais vendida do Brasil,
procurando sugerir que isso se deve ao fato de ela ser a melhor cerveja. E busca perpetuar
esse lugar de número 1, quando diz que "sempre será". Vê-se, aí, uma tentativa clara de
retomar um patamar perdido pois, se a Brahma fosse a escolhida eterna ("sempre será"), isso
seria axiomático, dispensando-se o "lembrete". Entretanto, essas duas fazem parte
dos consensos construídos que permitem validar o do EUc.
A partir disso, assumindo seu papel de EUe, representante instituído do EUc, o casal
oferece ao TUd o produto ao consumo como se oferecesse, de fato, a cerveja. Essa oferta,
nesse tipo de contrato sociolinguageiro, para garantir a credibilidade do EUc, tomado EUe,
deve realizar a promessa subjacente, a saber, a de que, ao tomar a cerveja, o TUi sentirá uma
enorme sensação refrescante, tão natural quanto o jargão popular que serve de . Aliás, o
uso da frase feita "Refresca até pensamento" empresta ao discurso um aspecto de
descontração, de descompromisso, que se pretende seja agregado ao produto, numa
associação aos trocadilhos e anedotas típicas dos bares, em rodas de cerveja. O leitor empírico
de texto, ou ainda, o TUi que se deixar levar por todo esse processo de mistificação do
produto passa a corresponder ao que foi projetado como TUd, favorecendo a satisfação das
metas sob as quais o discurso foi elaborado.
Um apanhado de alguns dos elementos lingüísticos presentes na peça, integrados às
imagens, apontam para o objetivo comunicativo predominante no anúncio. As roupas leves, a
simulação de janela, a idéia de posse expressa em "minha cerveja", a oferta realizada em tom
de convite por meio da expressão "Que tal", o próprio "Refresca até pensamento.",
tudo isso atua sobre o leitor pelo viés da sedução, através de um , constituindo o
objetivo sedutor, como recurso de acionar o outro, fazendo-o agir por ter sentido, conforme
fala Charaudeau (1996: 32), "estados emocionais positivos", em virtude do fato de ter-se
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identificado com as projeções (de frescor, descontração, descompromisso, liberdade, etc.)
oriundas das construções simbólicas relacionadas à cerveja.
Nesse contexto, a pergunta enquadra-se no plano argumentativo por significar umaabertura, uma oferta ao TUd para ingressar-se nesse espaço mágico, criado pelo EUc para
manipular o TUi.
Vale observar, ainda, que a frase "Aprecie com moderação" vai de encontro ao
propósito estabelecido através do objetivo sedutor, apontado acima e, por isso, representa a
voz de um outro EUe, ou seja, a voz da moralidade, que é efetivada em nossa sociedade pela
lei. Devido ao uso excessivo de cigarros e bebidas alcoólicas, motivado por campanhas
publicitárias, foi estipulado em lei que os fabricantes desse tipo de produtos, ao anunciá-lo,
deveriam alertar o consumidor sobre os riscos a que está sujeito ao consumir tais produtos.
Por isso, assim como as embalagens de cigarro trazem advertências sobre o seu consumo, os
anunciantes de bebidas são obrigados por lei a alertar o consumidor quanto à necessidade de
ser moderado no consumo de bebidas alcoólicas. Conforme dito na introdução deste estudo, a
produção e a veiculação do discurso publicitário resultam em um custo muito elevado. Então,
é um tanto contraditório um anunciante gastar uma soma substancial na elaboração e
divulgação de uma campanha publicitária para aumentar suas vendas e pedir ao leitor,
consumidor potencial, que "Aprecie com moderação".
As duas perguntas, que serão analisadas logo a seguir, entram na composição do grupodas delocutivas, ou seja, aquelas cuja fonte enunciativa não é possível apontar com precisão.
Tomamos para análise as de números (14) e (21).
A pergunta (14) foi publicada na revista Época, de 09/06/2003, e vem compondo a
peça em que aparece, em cima de uma mesa, um pote próprio para sobremesa, colocado sobre
um pratinho, no qual descansa uma colher servida de sorvete. No pote, foi colocada uma pilha
enorme de bolas de sorvete, formando uma verdadeira pirâmide que recebe uma cerejinha no
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seu cume. Ao lado do pote, está o peru, personagem que caracteriza a Sadia, com o bico
entreaberto, como se estivesse a dizer alguma coisa, e a mão sobre a testa, em uma atitude
típica de quem olha algo. No alto da página, a pergunta aspeada:
Na página ímpar seguinte, configuram a marca , o trecho
e três potes do sorvete , sob os quais estão uma imagem de sorvete e os dizeres
Notadamente, o anunciante, que ocupa a posição de EUc no contrato publicitário, é a
empresa Sadia. Esse anunciante coloca em cena uma personagem-símbolo de modo a evocar
no leitor a lembrança do anunciante. Assim, quando vê o peruzinho na peça publicitária, o
leitor entende logo que se trata de um anúncio da Sadia. Através de um jogo inferencial, o
leitor atribui a enunciação da pergunta ao peru, tanto em razão da sua postura física quanto
por saber que no universo publicitário animais falam, seres inaminados agem como se
tivessem vida, como se fossem humanos, criando um mundo mágico, mistificado, conforme
nos lembra Rocha (1995). Pelo fato de entender o peru como EUe, e este representar o EUc,
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há uma tendência de atribuir a pergunta à Sadia. Entretanto, o enunciador é tornado opaco
pelo desdobramento do processo enunciativo, por se mascarar através do personagem. Este,
por sua vez, constitui uma instância enunciativa do mundo criado e remete o leitor ao EUc.
Nessa pergunta, não há nenhuma ocorrência de formas lingüísticas típicas de segunda
pessoa do discurso, nem tampouco de primeira, de forma a caracterizá-la como sendo
alocutiva ou elocutiva. A presença do pronome interrogativo, seguido de verbo na terceira
pessoa, incluindo a ocorrência temática sobre o referente, no caso o exagero de se colocar
uma cereja sobre tanto sorvete, definem a pergunta como sendo delocutiva.
Em busca da sedução do leitor, o artifício da ironia surpreende, quando é feita uma
leitura mais acurada. Enquanto o personagem se surpreende com uma cerejinha colocada
sobre a pilha de sorvete, o verdadeiro exagero é ocultado, a saber, a própria montanha da
sobremesa. O jogo de sedução continua na segunda parte da peça, através do emprego de
expressões como "água na boca", “lambendo a colher" e "sem saber qual é o mais gostoso". E
culmina na promessa de "um final feliz". O é construído a partir de promessas de
que o sorvete divulgado é fonte de inesgotáveis delícias, constituindo um contraponto da
construção social de que sorvete pode ser prejudicial àquelas pessoas com excesso de peso e
de glicose, ou resfriadas, enfim, não há garantia alguma de que haverá "sempre" um "final
feliz" para todo e qualquer consumidor de sorvete. Essa contraposição de "verdades" é
alimentada por intenso jogo das promessas que leva o leitor desavisado a tomar como possível
aquilo que sabidamente é conhecido como inacessível.
De uma perspectiva mais antropológica, tomando por base estudo de Rocha (1995: 23
– 36), é curioso observar como uma sociedade que prima pela racionalidade como a nossa
deixa-se levar pelo jogo mágico do mundo da publicidade. Nesse mundo, todos os elementos
dos contos de fadas, do mundo encantado são aceitos. Afinal, não causa estranheza ao
telespectador ver sabonetes dançarem ao longo da borda da banheira ou se atirarem na água
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da pia, aves conversarem, ou mesmo o mundo do desenho animado conjugado com produtos
alimentícios. Tudo é possível no universo do discurso publicitário, quando usado na sedução
do leitor, enquanto uma projeção discursiva (TUd), sobre a qual é engendrado intenso jogo de
manipulação com vistas a levá-lo a "fazer do consumo um projeto de vida". O mundo da
publicidade avizinha-se muito especialmente com a fantasia do mundo da literatura.
Interligando o domínio da produção - em que as mercadorias são indiferenciadas,
abundantes e generalizadas - com o domínio do consumo, a publicidade elabora toda a
imagem dos produtos que divulga e, ao dotá-los de identidade, particulariza-os no universo do
consumo, como se fossem indivíduos. Por isso, consumir tal ou qual produto confere prestígio
social, muito além de satisfação pessoal. Por essa perspectiva, de acordo com o plano
argumentativo da peça em análise, consumir o sorvete Sadia significa usufruir de tais delícias
sem sofrer as conseqüências do exagero, uma vez que o anunciante promete "um final feliz".
Uma estratégia discursiva de que lança mão o EUc, para colocar em ação esse jogo de
influência sobre o leitor, é o uso da pergunta. A presença do peruzinho na peça publicitária
tem dupla função. Além de remeter o leitor ao anunciante, uma vez instanciado no circuito
interno do contrato de comunicação, o personagem enuncia uma pergunta, a princípio
desviada do epicentro do anúncio, já que é possível que um leitor questione o que teria a ver a
crítica do peruzinho sobre o fato de alguém ter colocado uma cereja na pilha de sorvete com o
anúncio propriamente dito. Subjacente à aparente crítica feita através da pergunta encontra-se
sutil ironia, uma vez que exagero mesmo, conforme dito acima é a quantidade de sorvete
servida.
Tomando por referência de análise a Teoria dos Atos de Fala, partindo do humor que o
ato diretivo de pergunta apresenta, é possível perceber um ato assertivo indireto do tipo "O
sorvete Sadia Miss Daisy é tão gostoso que você vai consumi-lo em demasia". Essa asserção
realiza, por sua vez, um segundo ato indireto, o de oferta, que vem sustentado por um outro
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ato indireto, o comissivo de promessa, através do qual o anunciante promete prazer tamanho
ao consumidor, a ponto de levá-lo a consumir o sorvete em abundância. Essa promessa é
reafirmada no final do texto, na frase "Sempre um final feliz".
Como se pode ver, o ato de pergunta é utilizado na construção do plano argumentativo
do discurso publicitário e desencadeia uma série de atos indiretos que objetivam a sedução do
leitor, a venda do produto e o conseqüente lucro daí advindo.
Finalizando a categoria das perguntas delocutivas, analisaremos a seguir a pergunta de
número (21).
A peça publicitária, na qual a pergunta aparece, foi veiculada na Revista Veja, de
19/09/2003, e é um anúncio de um plano de previdência do Unibanco. Estampada em página
dupla, a peça traz um casal de atores famosos, Miguel Falabella, representando um marido
que traz na mão uma placa em que se escreve "Aluga-se", e Débora Bloch, a esposa que
abraça o companheiro. O casal está em perspectiva fotográfica junto a um prédio de
apartamentos, no qual aparece em uma das janelas o personagem de desenho animado, a hiena
Hardy, conhecida pelo seu contumaz pessimismo, consubstanciado naquele seu notório
bordão "Não vai dar certo!". O reconhecimento do personagem, bem como da importância de
sua presença no anúncio requer do leitor um conhecimento prévio acerca do desenho animado
que há tempos não está em voga.
Abaixo das imagens está um texto mais extenso com maiores detalhes e argumentos
sobre o produto anunciado.
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Rica na exploração do falseamento do aspecto dialocutivo do discurso publicitário,
tanto no circuito externo quanto no interno desse contrato comunicacional, a peça lembra o
gênero gibi, por trazer junto aos personagens uns dizeres à guisa de balões conversacionais,
como nas histórias em quadrinhos. Pela ordem, é travado o seguinte diálogo:
(marido)
(hiena)
(esposa)
Se, por um lado, no anúncio da Sadia, o personagem tem por função representar o
EUc, fazendo presente na memória do leitor a marca que é divulgada, por outro, nessa peça do
Unibanco, uma função que o personagem não deve desempenhar é a de remeter o leitor ao
EUc. Isso porque não é interessante ao banco ter a sua imagem associada ao perfil pessimista
da hiena. Esse personagem é colocado no anúncio com o objetivo de enunciar, por meio do
ato de pergunta, o argumento do EUc sem, contudo, deixar o TUi perceber que se trata de
uma fala do EUc. Para se perceber essa manobra discursiva, basta uma desmontagem do jogo
que se desenrola no contrato de comunicação.
Primeiramente, o marido apresenta à esposa o prédio de apartamentos que ele
construiu para, pelo que indica a placa na mão do ator, ser destinado ao aluguel, como fonte
de renda futura do casal, constituindo uma espécie de previdência, de aposentadoria. Antes
que a esposa dissesse qualquer coisa, a hiena entra em cena e apresenta, através da pergunta, a
hipótese (observe-se o uso do condicional "se") de um problema que poderia ocorrer ao
imóvel e, por conseguinte, à "previdência" do casal. Como não é de bom tom que o próprio
banco enuncie tal hipótese, pois pareceria mau augúrio (não conseguimos supor uma situação
em que, por exemplo, um banco afirmasse em um anúncio algo como "Olhe lá! Seu imóvel de
aluguel pode acabar pegando fogo. E, aí, adeus fonte de renda na velhice. Melhor fazer uma
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previdência com a gente.", a não ser em caso bizarro ou de humor.) e seria extremamente
deselegante o EUc instanciar no discurso um EUe com características peculiares como as da
hiena, para dizer aquilo que ele (o EUc) não pode dizer, em razão dos nossos ou , que sustentam nossas máscaras sociais.
Em seguida, a esposa sugere, sob a forma de uma pergunta, que "é melhor fazer um
Plano de Previdência Unibanco". Essa pergunta dá continuidade ao argumento na medida em
que demonstra que este foi aceito e propõe uma outra alternativa de previdência. Subjacente à
pergunta da esposa está algo mais ou menos como "É melhor adotarmos como previdência o
Plano do Unibanco em vez de locar imóveis, já que eles podem sofrer danos". Assim, esta
segunda pergunta corrobora o argumento apresentado na primeira pergunta e realiza a oferta
do produto, sob a promessa velada de que este significa a forma mais segura de prevenir o
futuro. Na parte inferior do anúncio, em que se destaca o nome do banco e um texto um
pouco mais extenso, uma última pergunta chamou nossa atenção:
Com esta pergunta, é colocado em cena um quarto EUe, agora sem um personagem
que o represente, para conclamar o TUi, equiparado ao TUd, a assumir o papel de guardião dafamília e fazer, em nome da segurança e tranqüilidade futuras, o plano de aposentadoria que é
oferecido. Não vamos aqui analisar o formato da pergunta, sobretudo porque esse tipo já
recebeu análise com o exemplo da pergunta de número (3). O que nos interessa nesse
momento é ressaltar o jogo argumentativo do qual a pergunta está a serviço.
Acionando uma série de valores que são tomados na nossa cultura como sendo
, para funcionar como da sua argumentação, o EUc constrói, através do EUe,
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uma imagem de TUd como de um provedor da família, que valoriza a segurança por ser
preocupado com o bem-estar dos seus, além de ser uma pessoa acostumada com o mundo dos
negócios. O emprego de termos e expressões como "amanhã tranqüilo", "segurança","solidez", "garantia", "modernas", "terceiro maior banco privado do país", "o maior grupo
segurador do mundo", "planos: PGBL e VGBL" indicam o perfil do TUd. É nesse universo
criado pelas palavras que o EUc não só busca persuadir mas, sobretudo, seduzir o TUi, ao
tentar aproximá-lo dessa imagem de TUd, tão valorizada socialmente. Para tanto, usa o
recurso da pergunta e da subseqüente resposta, meio pelo qual afirma ser o TUd "a pessoa
mais indicada para prever o próprio futuro". Vale ressaltar que o EUe diz "prever", e não
"cuidar", o que revela que se trata de um , que é usado com força de ,
para bajular o TUi sob a forma de TUd na medida em que afirma que este é capaz de "prever"
que o plano oferecido é o melhor para "cuidar" do seu futuro e da sua família. Ou seja, o TUi,
assimilado ao TUd, prevê e o Unibanco cuida. Com isso, pode-se chegar a uma leitura muito
próxima de "Não deixe seu futuro a mercê da sorte. Faça o Plano de Previdência Unibanco".
Um outro aspecto que pode ser verificado mais claramente nessa subcategoria de
pergunta diz respeito às postulações de Meyer, apresentadas anteriormente. Ao colocar em
evidência uma problemática supostamente atribuída ao leitor, o EUc busca envolver o TUi de
tal forma que este considere como sendo realmente sua a problemática apresentada e, assim,
deseje solucioná-la. Ao buscar a resolução, que está associada ao produto anunciado, o TUiequipara-se ao TUd e entra para o domínio do consumo, produzindo o efeito perlocutório
projetado pelo EUc. Entretanto, não se trata de um problema do interpretante, mas de um
interesse, um objetivo do EUc, camuflado sob a égide de denúncia de uma carência real ou de
uma necessidade (e, em alguns casos, desejo) do TUi, que tende a querer satisfazê-la.
Assim, a pergunta, a nosso ver, contribui sobremaneira com o plano argumentativo do
discurso publicitário, tanto por captar a atenção do leitor, instanciando-o no discurso, como
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por envolvê-lo na problemática a ponto de convencê-lo a aderir ao consumo daquilo que é
divulgado.
As duas peças analisadas a seguir finalizam este quadro de análise e pertencem ao
grupo das perguntas elocutivas, ou seja, aquelas em que se atribui supostamente a fonte
enunciadora ao próprio TUd. A primeira a ser analisada exemplifica o subtipo das perguntas
ecoadas, seguida pela análise de um exemplo das perguntas encenadas por personagens que
representam o TUd.
'Veiculada pela revista Cláudia, de agosto de 2002, em uma peça publicitária da
L'ORÉAL, a pergunta de número (14) vem composta por uma foto da atriz Debora Bloch,
acompanhada do seguinte texto:
No caso em análise, é necessário que a L'ORÉAL seja reconhecida como anunciante e
que o leitor (ou melhor, a leitora, já que se trata de uma revista feminina) se enquadre como
um leitor do anúncio também.
Uma vez que o contrato foi estabelecido, passa-se à análise do jogo que se desenrola
no seu interior. Primeiro, instaura-se como EUe uma atriz famosa, tida como uma mulher
bonita, que se mantém jovem e atraente, apesar dos efeitos da idade. Essa atriz assina o texto,
constituído de uma pergunta, o que confere a ela a suposta autoria do enunciado, sendo este o
segundo artifício. Vale ressaltar que esse conceito de beleza ocupa um espaço mítico, fruto de
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representações produzidas pela mídia, compondo o que Charaudeau chama de
(1996: 26), construído a partir de .
Numa primeira leitura do anúncio, é possível que se pense em uma ambigüidadeacerca do ato que se realiza através da pergunta. Seria a pergunta atribuída à atriz ou a uma
leitora da revista? A atriz quer saber como ficar mais jovem e atraente ou ela faz "ecoar" em
sua fala um possível questionamento da leitora, cuja resposta é a presença da marca
L'ORÉAL? Entretanto, ao acionar-se o e desejos que subjazem a esse tipo
de intercâmbio sociolinguageiro, essa ambigüidade desaparece. Para se reconhecerem
mutuamente como parceiros de um contrato de comunicação, os grupos sociais utilizam o que
Charaudeau (1996a: 24) chama de " que funcionam como signos de
reconhecimento ". Dessa forma, há uma construção social ( ,
produzido pela mídia), segundo a qual as atrizes são modelos de beleza, de jovialidade, de
mulheres atraentes e sedutoras - embora nada obrigue uma pessoa a acreditar nesse tipo de
'verdade'. Logo, e por isso, uma atriz não faria (muito menos de público) um questionamento
dessa natureza, restando como leitura adequada a segunda opção. O EUc coloca na fala do
EUe uma voz atribuída ao TUd. Ou seja, no circuito externo, o EUc, a L'ORÉAL, interpela
através da pergunta o TUi que é a leitora do anúncio. Em um circuito mais interno do
contrato, o EUe, representado por Debora Bloch, que no texto é marcado pela presença do
pronome de primeira pessoa "", repete uma pergunta - " " - atribuída a uma imagem de leitora discursivamente construída como
TUd por EUc, ou seja, uma imagem de leitora que tem como desejo ficar mais jovem e
atraente. Se TUi se assimilar à imagem de TUd, aceitando o jogo inferencial proposto, estará
sendo seduzido e/ou persuadido a comprar o produto anunciado, confirmando a hipótese de
Soulages(1996a: 145) sobre o discurso publicitário, segundo a qual "o do
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sujeito comunicante é realmente de transformar, por meio de um certo ato de persuasão, um
consumidor de publicidade em um consumidor efetivo de mercadorias".
Do ponto de vista mais lingüístico, alguns elementos chamam a atenção. O uso doverbo " " associado ao intensificador "mais" pressupõe que a leitora já seja jovem e
atraente, isto é, serve como intensificador de qualidades que a leitora já possui; além disso, os
principais elementos do predicado são destacados em fonte maior, a saber, as palavras " ",
" " e " ". Isso mostra mais um artifício de persuasão/sedução engendrado pelo
locutor. Ele busca seduzir a leitora, de uma forma indireta, ao dizer que ela também é jovem e
atraente e que pode ficar ainda mais ao usar os produtos da L'ORÉAL. Esses elogios dirigidos
à leitora constituem os de que fala Charaudeau (1996: 24). Eles significam
"códigos de polidez" e "contribuem para a construção da máscara social que justifica o papel
dos interlocutantes".
Curioso sobremaneira nesse anúncio em questão é o uso da pergunta como estratégia
para interpelar diretamente o leitor como leitor potencial. remete a e
pressupõe uma relação dialógica, tal como afirma Benveniste (1989: 86) ao dizer que "a
(...) é uma enunciação construída para suscitar uma 'resposta'". Ao colocar na
fala do EUe uma pergunta atribuída à leitora, o EUc instancia o outro, isto é, o TUi sob a
forma de um TUd, buscando estabelecer com ele uma comunicação, de modo a obter uma
resposta comportamental. E, aqui, nesse caso em análise, isso ocorre de forma mais complexa.
Na verdade, há um desdobramento do EUe na medida em que a enunciadora Debora Bloch é
colocada no discurso, dando voz a um outro EUe que, por sua vez, é supostamente
identificado ao TUd enquanto imagem discursiva da leitora da revista - leitora essa que se
reconhece como possuidora do desejo de ficar mais jovem e atraente. Tudo isso é possível
através do jogo de sedução que é desencadeado através da pergunta. O EUc busca agradar oTUi, dando expressão a um desejo característico do TUd - o de ficar mais jovem e atraente -,
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levando a leitora (TUi) a "sentir" "estados emocionais positivos", enquadrando-se nesse
imaginário mítico de beleza e jovialidade, realizando o que Charaudeau descreve como o
.Assim, o EUc, ao instaurar um EUe, busca constituir-se como através do
, ou seja, através da veiculação do conjunto das
socialmente construídas acerca de beleza, jovialidade, atração e sedução, bem como dos
modelos prototípicos, que circulam no feminino. Como forma de
, é colocado como EUe no anúncio uma atriz que, pelo papel social
que representa enquanto pertencente a um categoria profissional tida como modelo de beleza,
pode tornar legítimo o discurso do anunciante. Daí o valor da assinatura do texto pela atriz. A
, representante do , vai sendo construída no
discurso pela capacidade do anunciante de integrar os espaços enunciativos. Ou seja, ao
interpelar diretamente a leitora com uma pergunta a esta atribuída, o EUc coloca em cena,
nessa pergunta, um universo de que expressam um desejo do TUi. Essa
encenação é realizada por alguém que tem o respaldo do seu papel social para fazê-lo e
aparece (na fotografia que acompanha o texto) como tal, bem produzida, maquiada, de
cabelos escovados, etc., em uma representação física da construção psicossocial. Esse
conjunto de articulações bem engendradas tem maiores chances de ser aprovado pelo
do TUi que, ao reconhecer-se como parceiro nesse contrato, aceita seu papel debeneficiário.
Analisando esse anúncio da perspectiva da argumentação, vê-se que o orador, no caso
a L'ORÉAL, para conquistar a adesão do auditório, coloca no (no discurso publicitário)
um conjunto de desse auditório. Em outras palavras, o construído através do
EUe, representado por Debora Bloch, a partir da enunciação da pergunta supostamente
atribuída à leitora (TUd), incorpora o (representação da sensibilidade do auditório),
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para despertar no TUi (a leitora real, empírica do texto) o desejo de "ficar mais jovem e mais
atraente".
Na medida em que essas articulações vão obtendo sucesso, a leitora empírica doanúncio (TUi) passa a consumir o produto anunciado. Isso leva à constatação de que um ato
ilocucional diretivo no modo de pergunta foi usado para realizar um ato indireto de oferta do
produto. Esse ato ilocucional, através da sua realização, ao contribuir para alterar o
comportamento da leitora, orientando a construção de uma realidade, resulta em uma direção
de ajustamento MUNDO-PALAVRA, pois que a sua enunciação provocou uma alteração do
mundo. Isto é, a enunciação da pergunta "O que eu faço para ficar mais jovem e mais
atraente?" busca levar o interlocutor a adquirir algo que não possuía antes dessa enunciação.
O produto sai do anunciante para a leitora que, por sua vez, transfere o seu dinheiro ao
anunciante, alterando um estado de coisas no mundo. Essa alteração do mundo é a resposta
que o EUc espera do TUi. A partir disso, parece possível dizer que o ato de pergunta foi
utilizado como estratégia de argumentação. Afinal, na própria pergunta está presente o
argumento ("Para ficar mais jovem e mais atraente") com o qual se busca validar a tese ("Use
L'ORÉAL").
O outro subtipo de pergunta elocutiva que vamos analisar foi definido por nós como
aquelas encenadas por atores que representam o TUd. Desse grupo, analisaremos a perguntade número (24), apresentada no tópico de classificação dos dados.
Em maio de 2002, foi feita uma edição especial da revista Veja, na qual a Embratel
publicou uma peça publicitária em que oferece aos empresários o serviço de proteção à
internet 24 horas por dia. Para tanto, foi colocado em cena um casal, deitado em sua cama.
Enquanto a esposa dorme tranqüila, o marido, representando o papel de um empresário, perde
o sono e, sobre seu rosto, estampa a pergunta
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Em seguida, aparece a resposta
que é seguida pelo texto final
Partindo da noção de contrato publicitário, compondo o , tem-se, como
Euc, o anunciante Embratel e, como TUi, o leitor da revista e, conseqüentemente, da
mensagem publicitária. O EUc, para estabelecer o seu projeto de fala, coloca em cena, no
do contrato, um ator para representar uma construção de TUd, isto é, o
destinatário da mensagem, visto como um empresário que vive um problema, o de garantir
proteção em tempo integral à internet da sua empresa. Para dar a dimensão da necessidade do
problema, bem como da importância do anunciante, o TUd vivido pelo ator perde o sono e
apresenta expressão facial que denota preocupação, como se sofresse de insônia por causa do
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problema que o acomete. Daí, a importância da presença de uma pessoa que dorme a seu lado
para reforçar essa idéia. Em seguida, o EUc atribui uma fala ao TUd, representado pelo ator,
sob a forma de uma pergunta
para, logo depois, instanciar no discurso um EUe, que não vem representado por nenhum ator,
mas sim pela voz ao responder a pergunta supostamente atribuída ao Tud
É possível reconhecer essa mudança de voz devido ao uso dos pronomes de primeira
pessoa pelo TUd (“eu”, “minha”) e do pronome de segunda pessoa pelo EUe (Você”). E é o
EUe que arrola as qualidades do EUc (“Tecnologia avançada e equipe especializada zelando
pela segurança da sua rede internet o tempo todo”; “Criar soluções que respondem 100% às
suas necessidades”; “Soluções sob medida para pequenas, médias e grandes empresas”) como
argumentos a fundamentarem a tese de que, com a Embratel, o TUd pode garantir a segurança
de que precisa, pois a Embratel estaria apta a prestar o serviço. É nessa medida que o EUe vai
constituindo-se como benfeitor na relação publicitária, uma vez que afirma possuir os meiosde resolução dos problemas do TUd que, por sua vez, torna-se o beneficiário por ter suas
necessidades atendidas através da ação do EUc.
Assumindo o seu enquanto ator psicossocial, lançando mão da
, o EUc aciona, através do EUe, uma série de
acerca do que é necessário para que se estabeleça a sua competência de
ser capaz de fazer algo, ou seja, o seu . Daí a apresentação de
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qualidades da Embratel como uma empresa capaz, atual, com 100% de aproveitamento e
atendimento diferenciado, enquanto discursos partilhados socialmente colocados
, que funcionam como argumentos em favor da proposta do EUc.
Em virtude disso, o processo de argumentação se dá por meio do objetivo ,
já que o EUe busca o controle do TUi pelo viés da racionalidade, fazendo-o crer que a
Embratel tem as melhores condições de resolução do problema de segurança da internet da
sua empresa.
Do ponto de vista estritamente argumentativo, em uma perspectiva aristotélica, o
representa uma construção discursiva da imagem do enunciador, isto é, o EUe
incorpora em seu discurso uma série de valores e crenças aceita como verdade, entendida
como sendo legítima, e que suscita a paixão ou o desejo, o , do auditório, interpelado
sob a forma do (TUd). No caso em tela, as qualidades atribuídas à Embratel que lhe conferem
a competência constituem o conjunto de crenças e valores socialmente elaborado, pois uma
empresa na nossa sociedade precisa apresentar o perfil de ser atual, moderna, com grande
tecnologia, alto rendimento e satisfação dos clientes, dentre outros. Assim, é construído o
em que as estratégias argumentativas tomam materialidade através dos elementos
lingüísticos. É nesse espaço que se concretiza o discurso argumentativo a partir de inúmeras
estratégias, dentre elas está o uso da pergunta como se fora feita pelo TUd, como recurso de
maior sugestão de incorporação do do auditório pelo De acordo com teoria dos atos de fala, é enunciada uma pergunta, supostamente pelo
TUd, através da qual é oferecido um serviço de proteção de rede de internet empresarial. O
ato diretivo de pergunta, então, realiza, no discurso publicitário, o ato indireto de oferta.
Entretanto, essa oferta vem amparada pelas promessas de que a proteção é por tempo integral,
de que a Embratel tem toda a tecnologia e mão-de-obra necessárias à prestação do serviço,
além de oferecer planos adequados à realidade de cada empresa. Assim, o ato diretivo de
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Esperamos ter mostrado, mesmo que ligeiramente, a partir do quadro teórico
apresentado, como o uso da pergunta no discurso publicitário significa uma estratégia
relevante na construção do plano argumentativo de tal discurso. Ao interpelar diretamente o
leitor, instanciando-o no evento enunciativo, o locutor busca conquistar, além da atenção que
a própria pergunta desperta - pelo fato de ser socialmente construído o paradigma de que uma
pergunta é feita para ser respondida -, a adesão desse leitor aos argumentos apresentados e,
conseqüentemente, torná-lo um consumidor real do produto anunciado.
Embora ciosos de que outros tipos de pergunta podem ocorrer no discurso publicitário,
bem como da necessidade de maior aprofundamento na questão, entendemos que o ato de
pergunta constitui uma importante estratégia argumentativa própria desse tipo de contrato
sociolinguageiro, sobretudo em razão do conceito de argumentação aqui adotado, mencionado
anteriormente. Não se trata, entretanto, de tomar o ato de pergunta como constitutivo do
discurso publicitário. Ao contrário disso, ela é vista como estratégia enunciativa desse
discurso, ao possibilitar o ato indireto de oferta que - este sim - é constitutivo do discurso
publicitário.
Uma outra consideração que deve ser feita refere-se ao poder de manipulação do
discurso publicitário. Sabemos que se trata de discurso ardiloso, movido por fortes interesses
voltados para o lucro, por isso mesmo consolidado a partir de complexa rede de estratégias
discursivas. Entretanto, como dissemos no capítulo de análise, quando da exploração da peça
publicitária da L'Oreal, ninguém está obrigado a acreditar nos valores difundidos pela
publicidade nem a aceitar as manobras que ela engendra. Conforme afirmam Carvalho e
Martins (1996), os anúncios são, em grande número, originados com base em pesquisas de
opinião, o que nos leva a concordar com Rocha (1995), quando ele afirma que a publicidade
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fala com e da sociedade em que se insere. Disso resulta que é a sociedade que fornece os
índices éticos e/ou ideológicos que servem de para a argumentação publicitária. Logo,
há uma espécie de simbiose ideológica entre os parceiros de um contrato publicitário.No mundo desse discurso, é construído de modo bastante velado um jogo simbólico
através do qual a perenidade da vida e plenitude da felicidade são aceitas como realidades
concretas, constitutivas do ser humano e do mundo que o cerca, o que faz com que seja
apagada a racionalidade característica do mundo da economia, no qual está inserido o
discurso publicitário. Parece-nos pertinente entender que os diversos anúncios possuem em
comum, pelas representações simbólicas que articulam, o traço de que são alterações ou
mesmo adaptações uns dos outros, uma vez que propagam um grupo de valores ideológicos
em que a vida é mitificada, idealizada a fim de se produzir o consumo efetivo de produtos e
(por que não dizer?) de mensagens. Afinal, a presença indeclinável da publicidade na vida das
pessoas constrói paradigmas, fundamenta ações, cria hábitos e gera expectativas,
constituindo-se um motor da vida social, por sacralizar um aspecto da realidade ao associá-lo
ao mundo encantado do discurso publicitário.
Como recurso essencial, esse tipo de discurso utiliza o poder da retórica. Em raros
casos, a publicidade lança mão de argumentos fundamentados na racionalidade e, mesmo
quando o faz, esses argumentos vêm eivados de sedução. É o que se pode notar, quando se
observa a articulação argumentativa nas peças publicitárias coletadas. Mesmo os argumentosmais voltados para o viés da racionalidade7 apresentam como secundários os valores de
bem-estar absoluto, refletindo o que se pode chamar de projeto social.
7 Notadamente, esses argumentos estão presentes em peças dirigidas ao público masculino.
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Nesse espaço, a noção de contrato apresentada pela Teoria Semiolingüística contribui
bastante para a compreensão das relações que são travadas nesse tipo de interação social. Ao
fornecer um esclarecimento dos critérios que validam atos de linguagem, essa teoria oferece
mais condições de compreensão da complexidade que define as práticas linguageiras. O fato
de a linguagem em funcionamento ser tomada para análise, o que faz com que seja levado em
conta também o 'fora da linguagem', torna a teoria um instrumento bastante eficaz na
elucidação do processo discursivo, bem como coloca-a em uma posição muito favorável à
integração com as contribuições vindas de outros campos como, por exemplo, da Teoria dos
Atos de Fala e dos estudos sobre a argumentação.
Um outro aspecto que gostaríamos de ressaltar diz respeito à Teoria dos Atos de Fala.
Falamos, na seção em que tratamos dessa teoria, que no discurso publicitário o ato diretivo de
pergunta favorece a ocorrência do ato indireto de oferta que, por sua vez, vem sustentado por
um segundo ato indireto de promessa. Uma vez que nos parece demonstrado no capítulo de
análise, essa alteração entre pontos ilocucionais e modos de realização dos atos, pensamos ser
o caso de uma complementação da teoria, no que tange à sua posição de que cada um dos
pontos tem seus modos próprios de realização dos atos de fala, não havendo possibilidade de
um mesmo modo ocorrer em pontos diferentes.
Uma outra consideração responde à pergunta que tomamos como norte para este
estudo. As formas de uso estratégico da pergunta no discurso publicitário podem ser
compreendidas a partir da categorização feita por nós. De acordo com a fonte enunciativa, há
as formas alocutivas (feitas pelo locutor), as elocutivas (cuja fonte é atribuída ao alocutário) e
as delocutivas (que têm apagada a fonte e abordam diretamente o referente). Entretanto, no
que tange à fonte de enunciação da pergunta no discurso publicitário, parece-nos evidente que
o enunciador das perguntas é sempre uma projeção do EUc, já que esse discurso possui
caráter eminentemente monolocutivo, donde resulta que o TUi não pode, de fato, realizar essa
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enunciação, nem tampouco o TUd, por ser uma construção discursiva, do mundo da palavra.
Esse falseamento ou opacidade da fonte enunciativa da pergunta significa uma estratégia
argumentativa engendrada pelo EUc na tentativa de capturar o leitor através da enunciação
desse ato de linguagem.
Quanto aos efeitos de sentido que os usos da pergunta podem desencadear no discurso
publicitário, percebe-se que, além de interpelar diretamente o leitor, instanciando-o no
discurso, a pergunta no discurso publicitário pode apresentar vários matizes, cada um deles
funcionando como uma estratégia de persuasão/sedução do leitor, operando, assim, no plano
argumentativo desse discurso. Algumas delas chegam mesmo a trazer o argumento, como é o
caso, por exemplo, da que aparece no anúncio do grupo Família Mineira. Outras apresentam o
formato típico de oferta, como aquela da peça da Brahma. Enfim, todas as perguntas com que
nos deparamos servem ao plano de captação do leitor, ora persuadindo, pelo viés da
racionalidade, ora seduzindo-o, pelo viés do agradar, do fazer desejar.
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