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A ANS em perspectiva histórica: A trajetória da regulação da saúde suplementar

no Brasil - alguns apontamentos

George E. M. Kornis (professor adjunto IMS/UERJ, [email protected]) e

Paulo H. Rodrigues (professor visitante IMS/UERJ, [email protected] )

1. Apresentação

A proximidade do término da atual gestão da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)

se dá num quadro inteiramente diferente daquele em que se deu a gênese da regulação, pois

ocorreu, em primeiro lugar, uma mudança do quadro político do país, com a posse de um

novo Governo Federal, liderado pelo Partido dos Trabalhadores, principal força de oposição

ao governo anterior, que ao longo dos seus 8 anos de mandato criou as condições para a

emergência e desenvolvimento de um novo modelo de regulação da economia, inclusive do

subsetor de saúde suplementar. O novo governo se propõe a cumprir uma ampla agenda de

mudanças, o que inclui também a transformação no papel das agências de regulação, o que

certamente traz a perspectiva de um impacto direto sobre a ANS.

O ambiente atual em que a Agência opera é e será objeto no curto e médio prazos vem de

significativas turbulências, que podem e devem ser minimizadas por uma condução habilidosa

tanto no plano estratégico como tático pela Direção da ANS a ser empossada em breve.

As turbulências não se limitam, contudo, aos efeitos das mudanças no Poder Executivo

Federal e do comando de suas instituições. Há turbulências geradas por decisões do Poder

Judiciário, como a recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no sentido da não

extensão dos direitos dos consumidores assegurados pela legislação atual aos antigos

contratos. Outras pelo Poder Legislativo, como a recente aprovação do Estatuto do Idoso, que

incluiu dispositivo que proíbe o reajuste de mensalidades de planos e seguros de saúde para os

consumidores acima dos 60 anos, além da instalação em 10 de junho do corrente da CPI dos

‘Planos de Saúde’, que avoca para si a responsabilidade de "investigar denúncias de

irregularidades na prestação de serviços por empresas e instituições privadas de planos de

saúde".

Há turbulências, também, oriundas da sociedade e do mercado. A insatisfação dos

consumidores faz com que os planos e seguros ocupem desde 2001 a primeira posição entre

as denúncias levadas ao Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC) e, em segundo lugar, nos

PROCONs, onde só perdem para as empresas de telefonia. O cenário é, portanto, de grande

insatisfação dos consumidores com o conjunto de empresas que atuam no mercado,

operadoras e prestadores de serviço, assim como, por extensão com a própria ANS, órgão

encarregado de regular essas relações contratuais.

Existe forte insatisfação, também, nas relações entre operadoras de planos e seguros de saúde

e prestadores de serviços de assistência à saúde. Está ocorrendo neste momento um grande

movimento nacional articulado pelos conselhos nacional e regionais de medicina, ao qual

aderiram diversas sociedades de especialidades médicas que luta pelo reajuste dos valores

pagos pelas operadoras para os procedimentos realizados pelos prestadores de serviço, que se

encontram congelados há diversos anos.

O presente texto visa subsidiar a construção de um olhar estratégico e tático para a condução

da ANS ao longo do futuro próximo no qual o marco regulatório deverá se consolidar em um

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ambiente de mudanças e turbulências. O texto está estruturado numa perspectiva histórica no

qual é contextualizada a experiência brasileira recente em regulação, em particular na área de

saúde, para que a trajetória da ANS possa ser apreciada em bases menos circunstanciais do

que usualmente vem sendo apresentada. O texto é composto por 5 seções, dispostas em ordem

decrescente de generalidade, as quais tratam: das transformações políticas do Brasil nos anos

90; da experiência regulatória recente do país; da experiência regulatória em saúde; da

trajetória da ANS; e, finalmente, das perspectivas que se apresentam para esta agência

regulatória específica.

2. Transformações políticas dos anos 90: o Brasil na era da globalização

Nos anos 70 o Brasil transitou de um regime militar em escalada crescente de autoritarismo -

lastreado na expansão econômica do chamado “milagre brasileiro” que teve lugar entre 1968 /

1973- para um processo de abertura política do regime militar na perspectiva de uma lenta ,

gradual e segura restauração da ordem democrática. Nessa passagem o Brasil experimenta ao

longo do governo Geisel (1974/1978) o fracasso do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II

PND) e, com ele, o verdadeiro canto do cisne do projeto nacional-desenvolvimentista para o

país. Assim, os anos 70 no Brasil se encerram com o governo Figueiredo (1979/1984)

enfrentando um duplo desafio: concluir a transição democrática e administrar a reversão do

binômio intenso crescimento econômico/inflação moderada que se afirmou na seqüência do

fracasso do II PND.

Os anos 80 no Brasil conheceram tanto uma longa e difícil transição democrática que

conduziu à eleição indireta para a Presidência da República que acabou por gerar o governo

Sarney (1985/1989) quanto uma tortuosa seqüência de políticas de estabilização de preços -

iniciada no “Plano Cruzado”( 1986)e terminada no “Plano Real”(1994) – que esteve sempre

orientada para produzir uma reversão da espiral hiperinflacionária que se instaurara no país já

no início dessa década. No plano político a década de 80 no Brasil conheceu ainda uma

Assembléia Nacional Constituinte que elaborou, ao longo de intenso debate político, uma

Constituição que promulgada em 1988 passou à História como a Constituição Cidadã dada a

primazia por ela conferida ao estatuto da cidadania no quadro da emergente ordem

democrática do país. E mais: no curso dessa década o Brasil levou a termo um processo

bastante consistente de descentralização do poder político e social o que amplifica o hiato

entre os avanços políticos e os econômicos do país. No plano econômico essa década colheu,

certamente, menos êxitos. O Brasil nos 80 não logrou retomar taxas significativas de

crescimento econômico e, sobretudo, não conseguiu ao longo da configuração dos diferentes

padrões monetários adotados produzir um horizonte de estabilidade apto a superar o quadro

de uma renitente hiperinflação.

Nessa perspectiva a década de 90 no Brasil se inicia sob um amplo espectro de desafios que

vão desde a consolidação da emergente ordem democrática até retomada do desenvolvimento

econômico num ambiente de estabilidade monetária. Esses múltiplos desafios deveriam, em

princípio, passar pelo enfrentamento de questões tais como a instauração dos direitos de

cidadania, o desenvolvimento de múltiplos direitos específicos, a produção de uma nova base

institucional – o que inscreve na agenda política do país um amplo conjunto de reformas

institucionais- e o redesenho do pacto federativo que sustenta a República. O extenso rol de

questões a serem enfrentadas inclui ainda a superação da vulnerabilidade externa do país, a

renegociação da dívida externa, a administração da dívida interna, a estabilidade monetária, o

saneamento das finanças públicas, a retomada do crescimento econômico, a constituição de

um ciclo virtuoso de investimento e emprego e, finalmente, a redistribuição da renda.

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O rol dos desafios a serem enfrentados pelo Brasil no curso dos anos 90 ultrapassavam, de

modo claro e inequívoco, as fronteiras nacionais dado que as transformações políticas e

econômicas que vinham se processando no mundo já desde o final dos anos 70 reclamavam

uma especial atenção ao planetário processo de liberalização presente nas esferas econômica

e política. A globalização enquanto um processo de desregulação de corte liberal acaba por se

fazer presente na cena brasileira ao final da década de 80, ou seja, o Brasil adotou tardiamente

(mesmo em relação aos demais países latino-americanos à óbvia exceção de Cuba) um

conjunto de reformas liberais pró-mercado que se incorporaram assim à agenda dos anos 90

do país.

As transformações políticas do Brasil nos anos 90 tiveram na eleição direta para Presidência

da República o seu movimento primeiro. O governo Collor (1990/1992) levou a termo o

abandono do paradigma nacional-desenvolvimentista e incorporou o auto denominado

“social-liberalismo”. Esse último buscava, de um lado, descentralizar a política social de

corte assistencialista com base em um emergente federalismo “cooperativo” que buscava

articular as diferentes esferas de governo e, de outro, recompor radicalmente as relações entre

Estado e economia no país.

O “Plano Collor” (1991) – denominação sob a qual ficou conhecido o “Plano Brasil Novo” –

com base num conjunto de 34 medidas provisórias procurou sem êxito substantivo

compatibilizar estabilização monetária com um conjunto de reformas dentre as quais a

patrimonial (privatização de empresas estatais e venda de imóveis da União) a administrativa

(extinção de orgãos federais, alterações nas normas operacionais do serviço público e a

instauração de um Plano Nacional de Desestatização). No entanto, em menos de dois anos de

mandato o governo Collor logrou alterar ,de modo decisivo, padrões consolidados de

intervenção do Estado na economia brasileira. Noutras palavras, Collor logrou produzir um

esforço de adaptação do país ao processo de globalização econômica e de hegemonia de

políticas liberalizantes nas quais a redução da presença do Estado e a abertura comercial

ocupam um lugar de destaque.

Essas mudanças centradas na liberação comercial – centrada na simultaneidade dos intentos

de estabilização e de ampliação da competitividade da indústria brasileira- bem como na

privatização de empresas do setor público aportaram importantes rupturas face ao legado pelo

nacional-desenvolvimentista. Assim, não surpreende que o governo Itamar Franco

(1992/1994)- que sucede Collor após seu impeachment – tenha dado seqüência à privatização

do setor público perseguindo os objetivos anteriormente fixados de reduzir o déficit público,

aumentar a eficiência dos serviços públicos, promover a democratização do capital e a

modernização competitiva da economia brasileira.

O que surpreendeu, de fato, foi o êxito- após 10 frustrados planos estabilização levados a

termo entre 1979 e 1991 – do “Plano Real” (1994) que, finalmente, logrou romper com a

espiral hiperinflacionária. O êxito desse plano de durabilidade bastante restrita- a crise

cambial de 1999 foi um marco indiscutível de sua falência – foi suficiente para conduzir ao

poder o ministro da economia do governo Itamar Franco após uma vitória eleitoral na segunda

eleição direta à Presidência da República. Nessa eleição, que como a anterior teve um caráter

plesbicitário, o candidato Luís Inácio Lula da Silva sofre sua segunda derrota em segundo

turno nas eleições diretas à Presidência da República.

O primeiro governo Fernando Henrique Cardoso (1995/1998), apoiado em ampla aliança

eleitoral, deu seqüência às reformas emergenciais nas áreas fiscal e monetária do “Plano

Real” iniciando um conjunto de reformas estruturais centradas no aprofundamento da

abertura comercial, da desregulamentação e da privatização. Nessa perspectiva, as várias

emendas constitucionais promulgadas em 1995 procederam a uma flexibilização do

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monopólio estatal (petróleo, telecomunicações) que somadas ao compromisso de dar curso às

reformas previdenciária, tributária e administrativa afirmaram de pronto o intento de operar o

desmonte do projeto desenvolvimentista.

Nesse governo – apoiado numa aliança política entre o PSDB, o PFL e o PTB – a hegemonia

do Executivo sobre o Legislativo traduziu-se tanto em uma enxurrada de Medidas Provisórias

quanto na retirada da política monetária, orçamentária e cambial da arena da negociação

política. Assim, nesse governo, a expansão das reformas pró–mercado se deu num ambiente

no qual a ênfase da política econômica era o controle da inflação (centrado na elevação da

taxa de juros) e a administração das restrições externas da economia brasileira o que

evidentemente relegava a um plano secundário questões tais como crescimento econômico,

distribuição de renda e expansão do nível de emprego.

O êxito na condução do programa de estabilização econômica associado ao estrito

atendimento das exigências apresentadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo

Banco Mundial ao governo brasileiro contribuíram de forma decisiva - a despeito da

fragilidade revelada pela política social desse governo no enfrentamento dos elevados níveis

da pobreza e das desigualdades sociais do país - para a reeleição em 1998 de F.H. Cardoso

para a Presidência da República.

O segundo governo F. H. Cardoso (1999/2002), apoiado na mesma aliança eleitoral que

derrota por duas vezes sucessivas o candidato Luís Inácio Lula da Silva da coligação

partidária liderada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), vai dar continuidade à abertura

comercial e financeira, à estratégia de controle inflacionário com base na elevação da taxa de

juros, aos ajustes fiscais centrados no controle do gasto público e, em particular, social, na

retração dos níveis de produção e emprego e, sobretudo, nas reformas institucionais que

operariam a liquidação do legado nacional-desenvolvimentista do país.

No segundo governo Cardoso ocorreu um aprofundamento do processo de reforma do Estado

que elegera as reformas administrativa, patrimonial (com clara ênfase nos processos de

privatização e internacionalização dos setores outrora protegidos pelo monopólio estatal),

tributária( com clara ênfase nos processos de descentralização), previdenciária ( com clara

ênfase na reestruração do sistema de aposentadorias e pensões do funcionalismo público) e ,

finalmente, a reforma política como elemento focal de sua ação de governo.

A consolidação do quadro recessivo no qual as tensões inflacionárias se faziam

crescentemente ativas contribuíram para ampliar as resistências políticas ao desenvolvimento

das reformas institucionais- processo no interior do qual se desenvolvera a experiência

brasileira no campo das agências orientadas para prover a regulação de setores produtivos do

país- o que acabou por conduzir à derrota eleitoral em 2002 o candidato do governo à

Presidência da República. Nessa eleição, finanlmente, a aliança política liderada pelo PT

logrou conduzir à Presidência o candidato Luís Inácio Lula da Silva, que iniciou seu mandato

em 1 de janeiro de 2003. No governo que em princípio se estenderá até 2006, em função do

seu programa de governo e dos posicionamentos políticos iniciais de suas principais

lideranças, deverá ocorrer um amplo processo de reexame da recente experiência das agências

regulatórias do país.

3. A recente experiência regulatória brasileira

As agências reguladoras constituem uma novidade institucional no Brasil, embora a função

reguladora já fosse exercida anteriormente por diversos órgãos como o Banco Central do

Brasil, o Instituto Nacional de Metrologia (INMETRO), o Instituto Nacional de Meio

Ambiente (IBAMA), a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O atual modelo de

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regulação através de agências tem inspiração nas agencies do direito administrativo norte-

americano e foi idealizado pelo Plano Diretor da Reforma do Estado do extinto Ministério de

Administração e Reforma do Estado (MARE). O Brasil não foi o único país a adotar

recentemente este modelo, diversos países europeus e latino-americanos seguiram o mesmo

caminho nos anos 1980 e 90.

As agências reguladoras são constituídas sob a forma de autarquias sob regime especial,

gozando de autonomia administrativa e financeira, portanto. Embora vinculadas a Ministérios

específicos, de acordo com o setor de atividade ao qual estão vinculadas as agências não são

subordinadas aos Ministérios. A idéia da autonomia para o desempenho de suas funções está

no próprio cerne da escolha do modelo autárquico, pois um dos principais motivos alegados

para a criação das agências era a de que pudessem vir a desenvolver suas atividades com

independência política e administrativa. É por essa razão que o mandato dos seus dirigentes,

por exemplo, não coincide com os períodos eleitorais e que contam com receitas próprias.

Agências reguladoras criadas no governo Fernando Henrique Cardoso

e suas respectivas leis de criação e vínculo administrativo

Período Agência Lei de criação Vínculo

administrativo

1.º governo

FHC

ANEEL – Agência Nacional de

Energia Elétrica

Lei n.º 9.427, de 26 de

dezembro de 1996

Ministério das

Minas e Energia

ANATEL – Agência Nacional

de Telecomunicações

Lei n.º 9.472, de 16 de julho de

1997

Ministério das

Comunicações

ANP – Agência Nacional de

Petróleo

Lei n.º 9.478, de 6 de agosto de

1997

Ministério das

Minas e Energia

2.º governo

FHC

ANVISA – Agência Nacional

de Vigilância Sanitária

Lei n.º 9.782, de 26 de janeiro

de 1999

Ministério da

Saúde

ANS – Agência Nacional de

Saúde Suplementar

Lei n.º 9.961, de 28 de janeiro

de 2000

Ministério da

Saúde

ANA – Agência Nacional de

Águas

Lei n.º 9.984, 17 de julho de

2000

Ministério do

Meio Ambiente

ANTT – Agência Nacional de

Transportes Terrestres

Lei n.º 10.233, de 5 de junho de

2001

Ministério dos

Transportes

ANTAQ – Agência Nacional de

Transportes Aquaviários

Lei n.º 10.233, de 5 de junho de

2001

Ministério dos

Transportes

Durante os dois últimos governos federais, foram criadas 8 agências, sendo três, entre 1995 e

1998 (ANEEL, ANATEL E ANP) e 5 entre 1999 e 2002 (ANVISA, ANS, ANA, ANTT,

ANTAQ). Está na pauta do Congresso a criação da ANAC (aviação civil), o que depende,

entretanto, da vontade do atual governo. O quadro acima apresenta as agências, as leis que as

criaram e seus vínculos administrativos.

A criação das primeiras agências esteve claramente relacionada com a chamada reforma

patrimonial, ou com as políticas de privatização ou de quebra de monopólios exercidos por

empresas estatais. Durante o segundo governo, a criação das agências esteve relacionada

menos com a política de privatização e mais com o interesse em estabelecer marco regulatório

para diferentes setores de atividade econômica, ou para o meio ambiente, como é o caso da

ANA. Embora o segundo governo Cardoso tenha sido prolífico na criação de agências

regulatórias, as três agências pioneiras criadas no primeiro governo corresponderam a setores

econômicos de maior importância estratégica na economia do país.

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A situação atual das agências de regulação criadas pelo governo anterior vem sendo motivo

de ampla polêmica no momento atual e de recente projeto de lei, originado do executivo no

sentido de limitar a autonomia das mesmas. O atual governo deixou claro logo de início que

não estava de acordo com a grande autonomia de atuação conferida pelo governo anterior. O

próprio Presidente da República afirmou mais de uma vez que as agências "terceirizaram o

poder político no Brasil" e que o governo não pode ser "o último a saber" dos aumentos de

derivados do petróleo e das tarifas telefônicas, decididos no âmbito das agências reguladoras

(O Estado de São Paulo, 23/02/03). A primeira iniciativa concreta do atual governo em

relação à mudança do papel das agências foi reunião de grupo de trabalho coordenado pela

Casa Civil, realizada no início do governo (13 de março de 2003). Tal grupo foi incumbido de

analisar propostas de mudança na legislação que regula a atividade dos órgãos reguladores.

O projeto de lei proposto pelo governo em 23 de setembro de 2003, além de mudar a gestão,

retira das agências reguladoras os poderes para conceder, outorgar ou celebrar os contratos de

concessão. O projeto propõe, entre outras coisas, o estabelecimento de contratos de gestão e a

criação da figura dos ouvidores, nomeados pelo Presidente da República, responsáveis pela

fiscalização das ações das agências.

As agências já contam com um órgão de associação e representação política, a Associação

Brasileira das Agências Reguladoras (ABAR). O projeto atual de reforma do papel das

agências é criticado pela ABAR como um instrumento de limitação da autonomia, assim

como de subordinação de suas filiadas ao Poder Executivo. O diretor da ANP, Júlio Colombi

Netto, em outra reação de defesa do atual modelo, afirmou que "as agências reguladoras não

são órgãos do governo, mas do Estado" (O Estado de São Paulo, 23/02/03).

4. A experiência regulatória em saúde

Na área da saúde foram criadas duas agências, a ANVISA e a ANS. A primeira foi a primeira

das duas a ser criada, tendo competências muito amplas, atingindo todo o setor de saúde,

incluindo tanto a fabricação de equipamentos e insumos, como a comercialização e produtos e

a prestação de serviços. As atribuições da ANS, embora bastante amplas, são

comparativamente mais restritas, na medida em que lhe cabe regular e fiscalizar o subsetor de

saúde suplementar, que envolve relações entre operadoras de planos e seguros de saúde,

prestadores de serviços de saúde e consumidores dos mesmos.

A ANVISA herdou de certa forma toda uma experiência regulatória em sua área de

competência, à qual cabia especialmente à Secretaria de Vigilância Sanitária. Já o setor

regulado pela ANS só passou a ser objeto efetivo de regulação por parte do Estado brasileiro

mais recentemente, a partir da promulgação da Lei n.º 9.656/1990.

4.1. Agência Nacional de Vigilância Sanitária

A ANVISA foi a primeira das agências reguladoras criadas no âmbito do Ministério da Saúde,

tendo sido criada em janeiro de 1999. Sua finalidade institucional “é promover a proteção da

saúde da população por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de

produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos,

dos insumos e das tecnologias a eles relacionados” (Lei n.º 9.782, Art. 6.º).

A ANVISA tem entre suas atribuições mais importantes: coordenar o Sistema Nacional de

Vigilância Sanitária, definido pela Lei Orgânica da Saúde (Lei n.º 8.080/1990); estabelecer

normas e padrões sobre materiais que possam redundar em riscos à saúde da população;

conceder ou cancelar registros de produtos; e cancelar a autorização de funcionamento e

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a autorização especial de funcionamento de empresas. Regula uma gama muito ampla

de assuntos, envolvendo condições relativas à produção, comercialização e utilização de uma

série de produtos, tais como: alimentos; cosméticos; derivados do tabaco; medicamentos;

saneantes; além de normatizar outras áreas que podem afetar a saúde da população, como o

sangue e hemoderivados; estabelecimentos prestadores de serviços de saúde;

farmacovigilância; portos, aeroportos e fronteiras; tecnovigilância (equipamentos

biomédicos); e toxicologia.

A Agência incorporou as competências de diversos órgãos, principalmente da antiga da

Secretaria de Vigilância Sanitária. Em função de suas atribuições, a ANVISA deve manter

interlocução importante e permanente com diversos órgãos de outras áreas do governo, como

é o caso do Ministério do Meio Ambiente e do IBAMA, em relação à proteção e preservação

ambiental; do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), ao qual dá suporte técnico

na concessão de patentes de produtos; da Receita Federal e do Departamento de Polícia

Federal, no caso da vigilância de protos e aeroportos e do Ministério das Relações Exteriores

e mesmo instituições estrangeiras quando deve tratar de assuntos internacionais na área de

vigilância sanitária.

A Câmara Técnica de Medicamentos (CATEME) da ANVISA foi palco recentemente das

controvérsias existentes entre o atual governo federal e o modelo de regulação vigente. Nove

dos dez integrantes da Câmara acusaram o governo de sectarismo e partidarismo na gestão do

órgão e seu afastamento coletivo. Dos dez titulares que integram a câmara técnica, nove

renunciaram. Ao fazê-lo explicaram que vinham sendo submetidos a um processo de

esvaziamento de suas funções, e alegaram falta de transparência na liberação para venda de

novos medicamentos.

4.2. Agência Nacional de Saúde Suplementar

O marco regulatório do setor de saúde suplementar nasce de duas situações ímpares entre

todas as demais agências de regulação brasileiras. A primeira delas é a presença da sociedade,

especialmente dos consumidores, na configuração do escopo e do conteúdo do marco

regulatório. A Lei n.º 9.656/1990 surgiu, portanto, como uma resposta do Estado à uma

pressão de um setor da população que buscava proteção para a desigualdade da relação que

mantinha com as operadoras de planos e seguros de saúde privados, das quais muitas haviam

se transformado em poderosos agentes econômicos, ou haviam sido incorporados por

poderosos grupos financeiros.

A pressão sobre o Estado resultava do conflito entre consumidores e operadoras de planos e

seguros privados de saúde. Tal conflito se intensificou particularmente nos anos 90,

alimentado tanto pela afirmação dos direitos sociais estabelecidos pela Constituição Federal e

pela legislação que a complementa, quanto pela promulgação do Código de Defesa do

Consumidor, importante instrumento do direito civil brasileiro que assegurou maior igualdade

entre os consumidores e fornecedores de bens e serviços. A agudização do conflito entre

consumidores e operadoras acabou levando ao acordo parlamentar em torno do conteúdo do

que veio a ser a Lei n.º 9.656/1998.

A regulação brasileira teve, por essa razão, o foco colocado principalmente sobre a relação

existente entre operadoras e consumidores, e visou reduzir os efeitos da assimetria de poder

entre ambos os grupos, embora as relações existentes entre operadores e prestadores de

serviço e entre estes e os consumidores também fossem importantes componentes do mercado

de saúde suplementar. Sua natureza básica é, portanto, a de uma lei de defesa dos direitos de

um grupo específico de consumidores. Difere, neste sentido, da experiência norte-americana

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no campo, que desde o seu início, ainda na década de 30 do século passado regulou as

relações entre os três diferentes grupos que atuam no mercado. Esta característica da Lei

surgiu em função de que os consumidores e as operadoras de planos e seguros privados de

saúde no Brasil vinham travando um longo conflito em torno principalmente da cobertura, dos

preços dos planos e seguros e, ainda, de mecanismos de aversão ao risco praticados pelas

operadoras.

A outra situação ímpar é a de tratar-se do único, de todos os setores que passaram a ser

reguladas por meio de agências, onde não havia qualquer experiência prévia de regulação. O

subsetor de saúde privada se desenvolveu por mais de 30 anos sem que o Estado lhe

impusesse regras, a partir da publicação da Lei n.º 9.656/98, se deu início, literalmente do

zero, de um marco regulatório para o mesmo. Isto explica o volume enorme de regras

publicados em prazo relativamente exíguo e as idas e vindas das mesmas, em grande parte

fruto das reações de segmentos que compõem o mercado, dos quais muitos se viam pela

primeira vez numa situação de ter de se submeter a limites, obrigações e a dar satisfação para

o Estado e para o público.

Durante o primeiro ano de existência do marco regulatório do setor de saúde suplementar, as

funções de regulação ficaram divididas entre o Ministério da Fazenda, que cuidava dos

aspectos econômicos e o Ministério da Saúde, que cuidava dos aspectos relacionados à saúde

propriamente dita. A unificação das responsabilidades sob a égide do Ministério da Saúde

facilitou o espaço para a criação da ANS, através de medida provisória no final de 1999 (MP

2.012-2), seguida pela promulgação da Lei n.º 9.661, de janeiro de 2000, que teve o mesmo

objetivo da MP 2.012-2.

A pesquisa do IDEC sobre o papel dos órgãos reguladores, acima mencionada, situou a ANS

como a segunda mas mal avaliada, perdendo apenas para o Banco Central do Brasil. A nota

2,7 atribuída à Agência, que lhe conferiu um “muito ruim” na avaliação final, é muito inferior

à média de 4,2 obtida pelo conjunto dos órgãos avaliados. Tal avaliação deve-se, segundo a

pesquisa, principalmente a dois itens de avaliação: a) existência de canais institucionalizados

e condições para a participação dos consumidores (nota 1,0); e b) transparência de acesso à

informação e resultados da ação, atos, procedimentos e processos decisórios (nota 1,3).

5. A experiência da ANS em perspectiva

O desenvolvimento do setor de saúde suplementar data dos anos 1960. O setor se expandiu ao

longo de mais de 30 anos sem a presença de qualquer marco regulatório. Seu surgimento se

deu no bojo da transformação da sociedade brasileira numa sociedade urbano-industrial de

massas e de complexidade crescente, Nessa sociedade, a classe média ganha importância

relativa e se torna o mercado por excelência do novo setor de saúde suplementar. A expansão

do setor se deu inicialmente em torno das grandes empresas industriais que, em franca

expansão, passaram a contratar serviços de saúde para seus empregados como forma, entre

outras coisas, de reduzir o absenteísmo da crescente massa de trabalhadores. É este processo

que explica a hegemonia dos planos de auto-gestão na história inicial do setor de saúde

suplementar.

Duas grandes transformações do setor de saúde pública no país e que o levaram a operar uma

escala de massa – a criação do INPS, em 1966, e do SUS, em 1988 – conduziram tanto à

ampliação do acesso da grande maioria da população aos serviços públicos, quanto à uma

degradação relativa da qualidade dos mesmos, estimulando o consumo pelas classes médias

de serviços privados de saúde. Tais 7transformações, aliadas à decisão do governo militar de

priorizar a contratação de serviços privados em várias áreas (Decreto-lei 200/67), inclusive na

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de saúde, constituíram um grande impulso para a expansão da saúde privada em geral e, em

particular, do subsetor de saúde suplementar.

Desde o final dos anos 70 a inversão do binômio elevado crescimento/inflação restrita produz

entre outros fatores a expansão da oferta de planos e seguros privados de saúde pela classe

média que já não podia consumir serviços privados de saúde organizados em moldes liberais e

procurava fugir da crescente degradação da qualidade dos serviços oferecidos pela rede

pública de saúde. Nos anos 80, a presença de um quadro hiperinflacionário potencializa a

adesão maciça de setores mais amplos das classes médios, inclusive dos seus extratos de

menor renda, a serviços de atenção à saúde providos por um setor não regulados.

A regulação do setor de saúde suplementar, resultou da transformação na Câmara dos

Deputados de um Projeto de Lei originalmente do Senador Iram Saraiva, na ocasião PL e,

posteriormente PMDB, o qual recebeu o número PLS 93/93. O projeto original versava

apenas sobre a proibição da “exclusão de cobertura de despesas com tratamento de

determinadas doenças em contratos que asseguram atendimento médico-hospitalar pelas

empresas privadas de seguro-saúde ou assemelhadas”. O substitutivo, de 1994, da Câmara dos

Deputados dispunha sobre “os Planos e Seguros Privados de Assistência à Saúde” como um

todo e transformou-se na Lei n.º 9.656 de 03 de junho de 1998, que inaugura o marco

regulatório após mais de 30 anos de desenvolvimento do setor de saúde suplementar, ao

contrário do que ocorreu, por exemplo nos EUA, cuja história da regulação praticamente

coincide com a história do setor de health insurance.

Em 1993, o Brasil estava sob o governo Itamar Franco, que emergira dos tumultuados anos

Collor, o qual deixara a Presidência da República sob pressão de intensa mobilização da

sociedade. Itamar Franco, ex-vice presidente de Collor, e ex-integrante do Partido da

Reconstrução Nacional (PRN) de Collor, formou um governo de ampla coalização, integrado

pelo PSDB, o PMDB, o PTB e o PFL, entre outros, do qual fez parte o senador pelo PSDB

Fernando Henrique Cardoso, primeiro como Chanceler (outubro de 1992 até maio de 1993) e

depois como Ministro da Fazenda até perto do final do governo Itamar Franco, quando se

candidatou e, posteriormente se elegeu, como Presidente da República por dois mandatos

(1995-2002).

A instabilidade política do período se somava à instabilidade econômica derivada da presença

de uma hiperinflação descontrolada, as quais estimularam a mobilização da sociedade civil

para um processo de mudanças no qual o Plano Real veio a se inserir. O setor de saúde

suplementar, nesta perspectiva, por mobilizar interesses de um público mais de 30 milhões de

consumidores fundamentalmente de classe média, com grande poder de vocalização política

se revelava como um campo extremamente sensível tanto do ponto de vista econômico como

sócio-político. A regulação do setor deriva, assim, de um contexto histórico específico no qual

a emergente hegemonia política do PSDB não podia descartar a defesa de um grupo tão

numeroso e influente como os consumidores de planos e seguros privados de saúde.

Deve-se chamar a atenção, ainda, que a relativa e um tanto incomum estabilidade monetária

instaurada pelo Plano Real e pela política recessiva centrada em elevadas taxas de juros e

contenção do gasto público trouxe um quadro inédito para o mercado de planos e seguros

privados de saúde no Brasil. Nesse quadro de ausência de uma espiral inflacionária já não era

mais possível para as operadoras obter ganhos significativos em operações ativas no mercado

financeiro, nem era mais possível seguir reajustando sistematicamente os preços cobrados aos

consumidores que não só não tinham mais salários indexados e sofreram ainda uma queda no

nível real de renda. Os novos custos decorrentes da presença do marco regulatório não podiam

mais ser automaticamente repassados aos consumidores.

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Uma das principais soluções encontradas pelas operadoras foi o repasse, ainda que parcial,

para os prestadores de serviço dos novos custos decorrentes da ampliação da cobertura e da

atenuação dos mecanismos de exposição ao risco – como, por exemplo, a redução dos

aumentos diferenciados das mensalidades por faixa etária ou a redução das possibilidades de

negar o acesso à atenção a doenças pré-existentes. O repasse desses custos para os prestadores

se deu através de duas formas principais: o aumento das glosas às faturas apresentadas e o não

reajuste das tabelas de honorários médicos e demais serviços de assistência à saúde.

5.1. Desenvolvimento do estatuto legal de regulação do setor

Durante os primeiros 17 meses de vigência da Lei n.º 9.656 (junho de 1998 a outubro de

1999), prevaleceu o modelo chamado de bipartite do novo marco regulatório, segundo o qual

caberia ao Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) e à Superintendëncia de Seguros

Privados (SUSEP), órgãos vinculado ao Ministério da Fazenda os assuntos relacionados com

o controle econômico-financeiro do setor, e ao Ministério da Saúde, através do recém criado

Departamento de Saúde Suplementar a regulação da atividade de produção da assistência à

saúde. Tal modelo, estabelecido pelos artigos 3.º a 8.º da Lei n.º 9.656, previa que o CNSP ao

deliberar sobre regras para o setor de saúde suplementar ouvisse a Câmara de Saúde

Suplementar, instância consultiva formado por representações dos setores público e privado,

criada no âmbito do Ministério da Fazenda. Vale observar, neste sentido, que o entendimento

do Poder Legislativo acerca da regulação do setor de saúde suplementar no momento da

aprovação da Lei é que o setor deveria estar afeito à área fazendária, dada a natureza

econômico-financeira da atividade.

No mesmo dia em que a Lei foi publicada, 4 de junho de 1998, o Poder Executivo iniciou um

processo de alteração do seu conteúdo através de um conjunto de 45 Medidas Provisórias

(MP), a primeira de número 1.665 e a última de n.º 2.177-44, de 24/08/2001, quando o

Congresso acabou com a obrigatoriedade de reedição mensal das medidas. Grande parte

dessas MPs se constituíam em meras reedições para manter a vigências das regras impostas

pelo Executivo, mas algumas delas continham alterações significativas do texto original do

Legislativo. São apontadas a seguir as MPs que introduziram as mudanças mais importantes

no texto da Lei.

MP 1.665 de 04/06/1998 – criou o Conselho de Saúde Suplementar (CONSU), concebido

como orgão colegiado integrante da estrutura regimental do Ministério da Saúde e

integrado pelos Ministros de Estado da Casa Civil da Presidência da República, do

Ministério da Saúde, da Fazenda, da Justiça e do Planejamento, Orçamento e Gestão, o

qual absorvia uma série de atribuições que no texto da Lei estavam atribuídas à SUSEP;

MP n.º 1730-7, de 07/12/98, impôs o registro provisório de operadoras junto à SUSEP e

de produtos junto ao Departamento de Saúde Suplementar do MS; proíbe comercialização

de produtos fora das novas normas especificadas a partir de 120 dias da vigência da lei;

proíbe o descredenciamento de prestadores de serviço pelas operadoras sem a autorização

do Ministério da Saúde;

MP n.º1801-14 – obriga a adaptação dos contratos anteriores que prevêem reajuste por

faixa etária às novas normas, por meio de repactuação;

MP n.º 1908-20, de 25/11/1999 – entre outras coisas transferiu para a Agência Nacional

de Saúde Suplementar a regulação, normatização, controle e fiscalização das atividades

que garantam a assistência suplementar à saúde. Vale observar que esta MP se converteu

na Lei n.o 9.961 de 28 de janeiro de 2000, que criou efetivamente a Agência;

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MP n.º 1.976-34, de 21/12/2000 – excluiu do texto da Lei n.º 9.656 o artigo em que

tratava das pessoas jurídicas não constituídas como operadoras de planos privados de

assistência à saúde, em função desta MP, as seguradoras foram obrigadas a se constituir

como sociedades seguradoras especializadas em planos privados de assistência à saúde até

1º de julho de 2001. Esta MP se converteu na Lei 10.185, de 10/02/2001;

Finalmente a MP n.º 2177-44 – retira atribuições e altera a composição do CONSU; abre

possibilidade de termo de compromisso entre a ANS e as operadoras visando a

manutenção da qualidade dos serviços de assistência à saúde; e torna obrigatória cirurgia

reconstrutiva de mama.

Cabe destacar, ainda, que a primeira medida provisória que alterou a Lei n.º 9.656/98 – MP

n.º 1.665 – foi editada no mesmo dia em que a Lei n.º 9.656 foi publicada no Diário Oficial da

União (04/06/1998) e teve por objetivo principal incluir no texto original o artigo 35–a,

criando o CONSU. Esta MP foi fruto de um acordo entre o Executivo e o Legislativo, mais

especificamente o Senado, costurado pelo Ministro e Senador licenciado José Serra, que

propôs incluir no seu texto a correção do que o Senado considerava como falhas do projeto

apresentado pela Câmara dos Deputados. A MP subordinou, dessa forma, à lógica da saúde

uma série de questões, que antes eram vistas sob o ângulo eonômico-financeiro, colocando no

centro do debate temas como a garantia e a ampliação das coberturas.

A edição da MP expressava, ainda, uma disputa no interior do Poder Executivo, na qual o

Ministério da Saúde procurava reduzir a esfera de atuação do Ministério da Fazenda, atuando

de modo a assegurar para si o controle efetivo do Estado no campo da saúde suplementar. Tal

estratégia foi coroada de sucesso menos de dois anos depois, quando a ANS, órgão vinculado

ao Ministério passou a assumir a plena responsabilidade pela regulação do setor.

A própria cronologia das resoluções do CONSU, apresentada na tabela a seguir, deixa claro

sua perda de importância relativa ao longo do tempo enquanto órgão deliberativo. O Conselho

publicou 23 resoluções durante o período em que a regulação era compartida entre os

Ministérios da Saúde e da Fazenda (de 1998 ao final de 1999) e apenas 4 a partir daí até o

presente.

Resoluções do CONSU – 1999/2002

Anos N.º de

resoluções

1998 14

1999 9

2000 2

2001 1

2002 1

Entre 1998 e 1999, as 23 resoluções aprovadas pelo CONSU trataram fundamentalmente da

definição de regras para o funcionamento do setor de saúde suplementar. A partir daí, só a

resolução do CONSU n.º 1, de 2000, revestiu-se de importância substantiva para a regulação

e, mesmo assim, delegou competência para a ANS, que assumia, então, a regulação efetiva do

subsetor. As demais resoluções aprovadas pelo CONSU a partir de 2000 diziam respeito a sua

reorganização e à aprovação do contrato de gestão do Ministério com a Agência.

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5.2. Desenvolvimento do estatuto infra-legal de regulação do setor

Há dois grandes tipos de regulamentações infra-legais para o subsetor de saúde suplementar:

regulamentações normativas que são regras que estabelecem políticas para o setor de

saúde suplementar nacional. Podem ser expedidas pela Diretoria Colegiada da ANS, por

cada uma de suas Diretorias, pelo Conselho de Saúde Suplementar (CONSU) ou pelo

Diretor-Presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar;

regulamentações operacionais, que expressam decisões da Diretoria Colegiada de

alcance externo, tais como: alienação de carteira, instauração de regimes de direção

técnica, direção fiscal e de liquidação extrajudicial de operadoras de planos privados de

assistência à saúde;

Existem, ainda, decisões de caráter interno, quer sob a forma de decisões colegiadas ou

específicas das diferentes diretoria da Agência. As decisões da Agência, seja de alcance

externo, seja de alcance interno podem assumir diferentes formatos

As decisões mais importantes tomadas diretamente pela ANS são feitas através de Resoluções

da Diretoria Colegiada (RDC), tipo de instrumento comum às demais agências regulatórias

criadas a partir de 1994. Já houve, até o presente, 95 decisões deste tipo, algumas de alcance

externo, outras de alcance interno. Dentre as que tiveram maior impacto sobre a regulação do

subsetor, destacamos as seguintes:

RDC n.º 06, de 18/02/00 – que dispõe sobre a Taxa de Saúde Suplementar por registro de

produto, registro de operadora, alteração de dados referente ao produto, alteração de dados

referente à operadora, pedido de reajuste de contraprestação pecuniária;

RDC n.º 17, de 30/03/00 – que dispõe sobre a Tabela Única Nacional de Equivalência de

Procedimentos (TUNEP) para fins de ressarcimento dos atendimentos prestados aos

beneficiários de planos privados de assistência à saúde, por instituições públicas ou

privadas, integrantes do SUS;

RDC n.º 38, de 30/10/00 – que institui plano de contas padrão para as operadoras de

planos privados de assistência à saúde;

RDC n.º 39, de 30/10/00 – que amplia a classificação das operadoras, incluindo: a)

filantrópicas (entidades sem fins lucrativos que operam Planos Privados de Assistência à

Saúde e tenham certificado de entidade filantrópica junto ao Conselho Nacional de

Assistência Social); b) administradoras (empresas que administram planos ou serviços de

assistência à saúde); c) autogestões (podem ser patrocinadas ou não); e d) operadoras do

ramo odontológico (cooperativa odontológica e odontologia de grupo);

RDC n.º 62, de 20/03/01 – que limita os casos de ressarcimento ao SUS aos casos de

atendimentos realizados por unidades públicas de saúde e de atendimentos de urgência e

emergência realizados por instituições privadas, conveniadas ou contratadas pelo SUS;

RDC n.º 64 de 17/04/01 – que dispõe sobre Seguradoras Especializadas em Saúde; e

RDC n.º 85 de 21/09/01 – que institui o Sistema de Informações de Produtos (SIP), para o

acompanhamento da assistência prestada aos beneficiários de planos privados de

assistência à saúde.

Outro instrumento utilizado pela Agência é o Comunicado da Diretoria Colegiada (CDC),

tendo sido publicados 10 deles, até o momento. A maior parte deles se refere a avisos ao

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público de atos de intervenção da ANS sobre operadoras de planos de assistência à saúde.

Deve-se chamar a atenção, em primeiro lugar, para os CDCs n.º 8 e 9, de 12/12/03 e de

06/06/03, respectivamente, que alertam os consumidores a respeito dos cartões de desconto,

modalidade cuja oferta e propaganda é considerada como “enganosa e pode confundir o

consumidor na hora da escolha de seu plano”. Deve ser mencionado, também, o recentemente

publicado CDC n.º 10, publicado em função da recente liminar do STF sobre o assunto, e que

recomenda aos usuários de planos de saúde, cujos contratos sejam anteriores a janeiro de

1999, que não aceitem propostas de alteração ou adaptação contratual, bem como a aplicação

de reajustes indevidos, até a completa regulamentação dessa matéria”.

Um fato importante a destacar é o relativamente elevado número de resoluções operacionais

(RO) afeitas a processos de intervenção em operadoras de planos privados de assistência à

saúde já publicadas pela ANS. Até setembro do corrente ano, haviam sido publicadas 172

ROs, as quais se referem a processos de instauração e ou encerramento de formas diferentes

de regimes de intervenção regulatória, a saber: Direção Técnica, Direção Fiscal, Liquidação

Extrajudicial, e também de Cancelamento de Registro Provisório. Levando em consideração

que a primeira RO data de 22/2/2002, e a última disponível até o presente momento na

Internet, que é de 02/09/03, temos um período de 19 meses, no qual o ritmo de resoluções a

respeito de instauração ou encerramento dessas intervenções é de 9,1 por mês, ou seja, mais

do que 2 por semana, em média. Estes números falam por si da forte ação fiscalizatória da

ANS sobre as operadoras do mercado de saúde suplementar.

6. Perspectivas

A própria história da ANS, que data de apenas 4 anos, já aponta para a necessidade de se

melhorar a qualidade do dialogo com os diferentes poderes da República, ou seja, os poderes

Executivo, Legislativo e Judiciário. Além da melhoria das relações no interior do Estado, a

Agência deve dedicar-se intensamente a melhorar a qualidade da relação com os

consumidores, tendo em vista a coexistência de problemas do passado com os problemas que

vêm sendo interpostos pelos novos tempos. Atenção especial deve ser contemplada às

relações existentes entre operadoras e prestadores de serviços de saúde que constitui uma

clara debilidade do atual marco regulatório, isto sem que se desconsidere a importância das

relações entre prestadores e consumidores.

Nessa perspectiva da melhora das relações, o principal objetivo a ser buscado é a repactuação

dos termos do recente marco regulatório, o qual além de apresentar lacunas, está baseado no

estatuto da Medida Provisória n.º 2177-44 e num conjunto de resoluções da Agência apoiados

neste instrumento precário. Trata-se portanto de consolidar o marco regulatório num ambiente

político novo e distinto daquele em que o pacto original foi gerado, o que depende

fundamentalmente de um processo de repactuação com o conjunto dos segmentos da

sociedade civil e do Estado envolvidos com a questão. O êxito da repactuação tem como pré-

requisito básico a fluência e transparência do diálogo entre todos os segmentos envolvidos.

Uma iniciativa que certamente contribuiria para a melhora dos termos de diálogo com

operadoras, prestadores de serviço, consumidores e o público em geral seria a preparação e

publicação de um manual do usuário, contendo uma consolidação dos vários dispositivos

legais e infra-legais de regulação do subsetor de saúde suplementar. A disponibilicação pelo

site desses dispositivos, dada a natureza, quantidade e diversidade dos mesmos não é acessível

para todos os usuários e interessados, tornando a busca de informações uma tarefa árdua e

nem sempre bem sucedida. Tal iniciativa deveria se somar a outros esforços voltados para a

melhoria dos termos do diálogo com o público, como, por exemplo, a atual proposta do

Governo Federal de criação de ouvidorias para as agência de regulação.

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A melhora dos termos de diálogo com o público não deve se constituir, entretanto, em uma

preocupação exclusiva quanto ao futuro da Agência. Recente documento da ANS, assinado

por seu atual Presidente, aponta um decálogo de desafios estratégicos, além de um conjunto

menor de desafios conjunturais a serem enfrentados no futuro próximo. No tocante aos

desafios estratégicos, consideramos que devem ser destacados os seguintes pontos:

Acerto de contas com o passado: ampliação da cobertura dos antigos contratos através da

migração para novos contratos estabelecidos com base na regulação – tornado ainda mais

crítico depois da recente decisão do STF no sentido da não retroatividade da regulação;

Repactuação das relações entre operadoras e prestadores de serviços – o que depende, no

nosso entender, do estabelecimento de novas regras legais, que prevejam, entre outras

coisas, o estabelecimento de normas de remuneração que não tenham o pagamento por

procedimento como único parâmetro;

Ampliação dos mecanismos que assegurem maiores estabilidade e horizontes temporais

para o funcionamento do mercado, tais como: fortalecimento do resseguro e co-seguro

para dar maior segurança para operadoras, prestadores de serviços e principalmente os

consumidores; e garantias para a continuidade da prestação dos serviços em casos de

liquidação extra-judicial de operadoras;

Assistência farmacêutica, sobretudo em relação aos medicamentos de uso continuado;

Maior transparência nas ações e informações, de forma a assegurar possibilidades efetivas

de controle público, estatal e social, sobre a dinâmica do mercado e da própria Agência.

Entre os chamados desafios conjunturais, apresentados no documento em questão, vale

destacar a necessidade de aprofundamento do saneamento do mercado a ser feito de forma

articulada com o Ministério Público e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica

(CADE). O documento trata, ainda, por desafios conjunturais tanto algumas ações de curto

prazo a serem levadas a termo diretamente pela Agência – coibir falsos planos e

‘coletivização’ de planos individuais –, quanto a maior agilidade para a aplicação de multas,

uma questão muito importante, mas que depende de mudança da legislação e da definição do

quadro de carreira da Agência.

Deve se chamar a atenção, ainda, para o fato de que a história do mercado de saúde

suplementar no Brasil supera em muito a recente experiência de regulação do setor. É de cera

forma natural, portanto, que o marco regulatório apresente, ainda, inconsistências e lacunas e

que venha no futuro próximo a passar por sucessivas revisões até que logre atingir uma certa

maturidade. Neste sentido, a repactuação dos termos do marco regulatório acima mencionada

não deve ser considerada como um passo definitivo, mas sim como um momento de uma

trajetória maior.

A Agência, como estrutura central da regulação, deve estar preparada para continuar a operar

em um ambiente ainda instável, com regras insuficientes e mutáveis, no qual continuará a

estar submetida a pressões dos diferentes segmentos sociais nele presentes. Trata-se, portanto,

de enfrentar um aparente paradoxo: consolidação do processo regulatório do subsetor de

saúde suplementar num ambiente de mudanças internas e externas ao mesmo. Nessa

perspectiva, a ANS deve estar apta para atuar como um importante vetor de articulação,

diálogo e de promoção de mudanças. A dimensão político-estratégica é, portanto, central para

que a Instituição assuma plenamente o seu papel de construtora de futuros possíveis no campo

da regulação da saúde privada no Brasil.

Rio, outubro de 2003

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