A análise morfológica como suporte ao planeamento urbano · II RESUMO A análise morfológica da...
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A análise morfológica como suporte ao
planeamento urbano
O caso de estudo da Porta de Cascais
André Filipe Pereira Saraiva
Dissertação para a obtenção do Grau de Mestre em:
Urbanismo e Ordenamento do Território
Orientadores: Prof. Dr. António Salvador de Matos Ricardo da Costa
Prof. Dr. José Álvaro Pereira Antunes Ferreira
Júri
Presidente: Prof.ª Dr.ª Maria Beatriz Marques Condessa
Orientador: Prof. Dr. António Salvador de Matos Ricardo da Costa
Vogal: Prof. António Manuel Barreiros Ferreira
Outubro 2014
I
AGRADECIMENTOS
À minha família, em especial aos meus pais, por todo o apoio, paciência e compreensão
durante todo este período em que decidi voltar a estudar.
Aos meus amigos, em particular à Inês, ao Rato e aos Malfeitos, pelo apoio e encorajamento.
Aos meus colegas de mestrado, pelos bons momentos partilhados em conjunto.
À Câmara Municipal de Cascais, mais concretamente ao Arquiteto Rui Espírito Santo
pela disponibilidade e informação partilhada.
E um agradecimento especial aos meus orientadores, o Prof. Dr. António Salvador de Matos
Ricardo da Costa e o Prof. Dr. José Álvaro Pereira Antunes Ferreira, pela paciência na orientação
e pelo incentivo que tornaram possível a conclusão desta dissertação.
E a todos os demais ...
O meu obrigado.
AFS
II
RESUMO
A análise morfológica da cidade tem como objetivo central a compreensão da realidade urbana, através do estudo das
relações que se estabelecem entre os diferentes elementos urbanos. Esta análise considera também a cidade como o
produto de um processo evolutivo e dinâmico, que espelha as diferentes técnicas e realidades socioeconómicas que ao
longo do espaço e do tempo a vão construindo e transformando.
Neste sentido, a morfologia urbana pode ser entendida como uma ferramenta no processo de planeamento das cidades,
que através das relações que se estabelecem ao nível do edificado, sistema viário, da articulação das várias centralidades e
do caráter da paisagem, permite orientar os agentes de mudança nas suas opções projetuais e gestão urbanística.
Tomando como caso de estudo a Porta de Cascais, que evidencia um conjunto de problemas de articulação com o
tecido urbano envolvente, a presente dissertação procura através de um estudo morfológico funcionar como um instrumento
de análise e diagnóstico da realidade urbana, perscrutando os seus problemas e potencialidades. Este processo de
diagnóstico culmina com uma análise SWOT, que condensa todos os aspetos positivos, negativos, as oportunidades e as
ameaças, a partir do qual se definiram os principais objetivos estratégicos. A partir daqui, e com recurso às incertezas
cruciais com maior preponderância para a Porta de Cascais, definiram-se quatro cenários de intervenção que têm como fim
um maior enquadramento urbanístico e morfológico da área de estudo.
PALAVRAS-CHAVE
Morfologia Urbana, Tecido urbano, Unidades tipomorfológicas, Cascais, Kropf;
III
ABSTRACT
The morphological analysis of the city has as its main objective the understanding of urban reality through the study of
the relationships shown between the all urban elements. This analysis also sees the city as a product of an evolutionary and
dynamic process, which ponders the different techniques and socioeconomic realities that over space and time are building
and transforming the urban areas.
Taking these ideas, the urban morphology can be understood as a tool in the planning process, that through the
relationships among the constructions, road system the articulation of several centralities and the quality of the landscape,
could guide the agents of change in their projective options and urban management.
Taking the Gate of Cascais as a case study, which spotlights a number of problems of articulation with the surrounding
urban fabric, this thesis, through a morphological study, seeks to be a tool for analysis and diagnosis of urban reality, peering
into their problems and potential. This diagnostic process culminates with a SWOT analysis, which condenses all the positive
and negative aspects, opportunities and threats, from which defined the central strategic objectives. From here, and using
the crucial uncertainties as predominant factors for the Gate of Cascais, were defined four scenarios of intervention whose
the major purpose is getting a better morphological relationship between the study area and the surrounding urban tissue.
KEY WORDS:
Urban Morphology, Urban Fabric, Plan Units, Cascais, Kropf;
IV
ÍNDICE
1 Introdução ................................................................................................................................... 1
2 Metodologia ................................................................................................................................ 2
3 Morfologia Urbana: Estado da Arte........................................................................................... 3
3.1 O advento da morfologia urbana .......................................................................................................... 3
3.2 A geografia alemã ................................................................................................................................ 4
3.3 Reino Unido ......................................................................................................................................... 5
3.3.1 Geografia urbana indígena inglesa ............................................................................................... 5
3.3.2 Análise histórico-geográfica da tradição Conzeniana: a Escola Inglesa ....................................... 6
3.3.2.1 M.G.R. Conzen ....................................................................................................................................... 6
Quadro morfológico de M.G.R. Conzen ............................................................................................................. 6
3.3.2.2 UMRG ..................................................................................................................................................... 9
3.3.3 Outras abordagens à forma urbana no contexto anglo-saxónico .................................................. 9
3.4 A escola tipomorfológica italiana ........................................................................................................ 10
3.4.1 Muratori ....................................................................................................................................... 10
3.4.2 Caniggia ...................................................................................................................................... 12
Quadro metodológico da análise tipomorfológica de Caniggia ........................................................................ 12
3.5 A escola francesa ............................................................................................................................... 15
3.5.1 Poëte e Lavedan ......................................................................................................................... 15
3.5.2 Les écoles nationales supérieures d'architecture ........................................................................ 16
Penerai, Depaule e Demorgon – Analyse urbaine ........................................................................................... 17
3.6 ISUF ................................................................................................................................................... 18
3.7 Abordagens metodologicas integradas à morfologia urbana ............................................................. 19
3.7.1 Kropf............................................................................................................................................ 19
3.7.2 Osmond ....................................................................................................................................... 22
4 Análise urbana de Cascais ...................................................................................................... 25
4.1 Enquadramento histórico e urbanístico da vila de Cascais ................................................................ 25
4.1.1 Do século XIV ao terramoto de 1755 .......................................................................................... 25
4.1.2 Cascais: da vilegiatura do final do século XIX à primeira metade do século XX......................... 27
4.1.3 Plano de Urbanização da Costa do Sol (PUCS) ......................................................................... 31
4.1.3.1 Alfred-Donat Agache ............................................................................................................................ 31
4.1.3.2 Étienne De Gröer .................................................................................................................................. 33
O Plano para Cascais ....................................................................................................................................... 34
4.1.4 Desenvolvimento urbano da área central de Cascais a partir da década de 1940 ..................... 37
4.2 Análise Morfológica ............................................................................................................................ 40
4.2.1 Área de Estudo Taxon Sedes ................................................................................................... 40
V
4.2.2 Unidades Tipomorfológicas Taxon Sertum ............................................................................... 41
4.2.3 Tecidos Urbanos Taxon Textus ................................................................................................ 43
4.2.3.1 Unidade de Tecido Urbano 1 ................................................................................................................ 44
4.2.3.2 Unidade de Tecido Urbano 2 ................................................................................................................ 45
4.2.3.3 Unidade de Tecido Urbano 3 ................................................................................................................ 45
4.2.3.4 Unidade de Tecido Urbano 4 ................................................................................................................ 46
4.3 Mobilidade e Acessibilidade ............................................................................................................... 47
4.3.1 Rede viária .................................................................................................................................. 47
4.3.2 Transporte coletivo ...................................................................................................................... 49
4.3.3 Estacionamento .......................................................................................................................... 50
5 Diagnóstico ............................................................................................................................... 51
5.1 A Porta de Cascais ............................................................................................................................ 56
5.2 Análise SWOT .................................................................................................................................... 58
Pontos Fortes ................................................................................................................................................... 59
Pontos Fracos .................................................................................................................................................. 59
Oportunidades .................................................................................................................................................. 60
Ameaças ........................................................................................................................................................... 60
5.3 Objetivos estratégicos para uma intervenção na Porta de Cascais ................................................... 61
5.4 Cenários ............................................................................................................................................. 63
5.4.1 Cenário 1 | Uma nova alameda para Cascais ............................................................................. 63
5.4.2 Cenário 2 | Uma nova Porta para Cascais .................................................................................. 65
5.4.3 Cenário 3 | Uma nova estação .................................................................................................... 66
5.4.4 Cenário 4 | Uma linha moderna .................................................................................................. 67
5.4.5 Cenários | Considerações finais .................................................................................................. 68
6 Conclusão ................................................................................................................................. 70
7 Bibliografia ................................................................................................................................ 72
VI
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Esquema síntese da paisagem urbana segundo a metodologia de M.G.R. Conzen ........................................................... 7
Figura 2 Esquema síntese da hierarquia de Caniggia ...................................................................................................................... 13
Figura 3 Decomposição da hierarquia das Urban Structural Units – USU (adaptado de Osmond, 2010, p. 18) ............................. 24
Figura 4 Principais vias medievais de Cascais ................................................................................................................................. 25
Figura 5 Representação da litoral entre Cascais e Lisboa | Civitates Orbis Terrarum, 1572 (Fonte: Ferreira, 2012, p. 2) .............. 26
Figura 6 Representação de Cascais por Frei Vicenzio, 1594 (Fonte: Henriques, 2014, p. 27) ....................................................... 26
Figura 7 Cascais | representação posterior ao terramoto de 1755 (Fonte: Henriques, 2014, p. 31)................................................ 27
Figura 8 Casa dos Condes de Monte Real (fonte: Bing Maps) ........................................................................................................ 28
Figura 9 Igreja da Assunção e Ressurreição de Jesus (fonte: Bing Maps) ...................................................................................... 28
Figura 10 Igreja dos Navegantes e Lg. Dr. Passos Vella (fonte: Bing Maps) ................................................................................... 28
Figura 11 Casa dos Duques de Palmela (Fonte: Bing Maps) ........................................................................................................... 29
Figura 12 Casa Trindade Baptista (Fonte: http://goo.gl/cIZvqV) ....................................................................................................... 29
Figura 13 Avenida Valbom (fonte: http://goo.gl/iAfvDJ) .................................................................................................................... 29
Figura 14 Eixo Av. Valbom e Rua Alexandre Herculano .................................................................................................................. 29
Figura 15 Avenida Emídio Navarro ................................................................................................................................................... 30
Figura 16 Demarcação dos quarteirões e arruamentos a poente do núcleo histórico ..................................................................... 30
Figura 17 Casa O'Neill | Raul Lino (Fonte: http://goo.gl/h4jqRO) ..................................................................................................... 30
Figura 18 Torre de S. Sebastião | Museu-Biblioteca Condes de Castro Guimarães (Fonte: http://goo.gl/lhfJVU)........................... 30
Figura 19 Esquema do sistema viário para a região da Costa do Sol (Adaptado de: André et al., 2012, p. 6) ............................... 32
Figura 20 Proposta de Agache para Cascais (Fonte: Lobo, M. de S. 2005) .................................................................................... 33
Figura 21 PUCS para Cascais | versão final (Fonte: Câmara Municipal de Cascais) ...................................................................... 34
Figura 22 Esquema síntese do PUCS para Cascais ........................................................................................................................ 35
Figura 23 Esquema da relação entre as vias pré-PUCS e o novo eixo estruturante do tecido urbano ........................................... 37
Figura 24 Perspetiva do conjunto urbano da Praia da Ribeira | Cascais (Fonte: http://goo.gl/T64zf5) ............................................ 37
Figura 25 Visão da Pç. Francisco Sá Carneiro e Cineteatro S. José | 1959 (Fonte: http://goo.gl/3V8HcX) .................................... 38
Figura 26 Esquema síntese das relações formais da Pç. Francisco Sá Caneiro com as vias que lhe dão acesso........................ 38
Figura 27 Edifício da Estação de Caminho--de-ferro de Cascais ..................................................................................................... 38
Figura 28 Largo da Estação (Fonte: Bing Maps) .............................................................................................................................. 38
Figura 29 Hipermercado Jumbo........................................................................................................................................................ 39
Figura 30 Centro Comercial Cascais Villa ........................................................................................................................................ 39
Figura 31 Área de estudo | Taxon Sedes e fisiografia ...................................................................................................................... 40
Figura 32 Taxon Sertum | UTMs ....................................................................................................................................................... 42
Figura 33 Taxon Textus | Tecido Urbano – Edifícios ........................................................................................................................ 44
Figura 34 Taxon Textus | Tecido Urbano – Lotes e quarteirões ....................................................................................................... 44
Figura 35 Taxon Sedes | Hierarquização da Rede Viária (adaptado de CMC & TIS, 2010, p. 84) .................................................. 48
Figura 36 Interface de Cascais | Estação de Caminho de Ferro ...................................................................................................... 49
Figura 37 Interface de Cascais | Terminal de autocarros integrado no edifício do Centro Comercial Cascais Villa ........................ 49
Figura 38 Estacionamento na via pública tarifado ............................................................................................................................ 50
Figura 39 Parque de estacionamento junto ao Mercado Municipal .................................................................................................. 50
VII
Figura 40 Legibilidade da baía de Cascais através dos elementos arquitetónicos .......................................................................... 51
Figura 41 Processo de substituição do edificado | Rua Alexandre Herculano ................................................................................. 52
Figura 42 Processo de substituição do edificado | Largo da Estação .............................................................................................. 52
Figura 43 Azulejo e guardas em ferro forjado como elementos decorativos .................................................................................... 52
Figura 44 Trepadeiras a cobrir parcialmente fachada de uma habitação......................................................................................... 52
Figura 45 Esquema representativo do acesso ao edificado ............................................................................................................. 53
Figura 46 Taxon Sedes | Legibilidade ............................................................................................................................................... 53
Figura 47 Avenida Marechal Carmona ............................................................................................................................................. 54
Figura 48 Circulação pedonal na Rua Frederico Arouca .................................................................................................................. 54
Figura 49 Relação do Lg. da Estação com a Av. Valbom e R. Frederico Arouca ............................................................................ 54
Figura 50 Esquema-síntese das ligações do Lg. da Estação ........................................................................................................... 54
Figura 51 Esquema síntese da relação do conjunto da Praia da Ribeira com a Baía de Cascais ................................................... 55
Figura 52 Praia da Ribeira | Red Bull Flugtag 2014.......................................................................................................................... 55
Figura 53 Tráfego rodoviário na Pç. Francisco Sá Carneiro ............................................................................................................. 55
Figura 54 Esquema-síntese da circulação rodoviária na Praça Francisco Sá Carneiro e Porta de Cascais ................................... 55
Figura 55 Praia da Rainha ................................................................................................................................................................ 56
Figura 56 Relação das praias de Cascais com a R. Frederico Arouca ............................................................................................ 56
Figura 57 Perspetiva da Porta de Cascais ....................................................................................................................................... 56
Figura 58 Efeito de barreira da Av. Marginal e Linha de Caminho de Ferro .................................................................................... 56
Figura 59 Volumetria do Centro Comercial Cascais Villa ................................................................................................................. 57
Figura 60 Centro Comercial Cascais Villa como elemento de destaque na Porta de Cascais ........................................................ 57
Figura 61 Posicionamento do Hipermercado Jumbo face à Av. Marginal ........................................................................................ 57
Figura 62 Edifício da Estação de Cascais ........................................................................................................................................ 57
Figura 63 Alameda da Duquesa de Palmela .................................................................................................................................... 58
Figura 64 Edifícios comercias na Praia da Duquesa ........................................................................................................................ 58
Figura 65 Desqualificação da Av. D. Pedro I .................................................................................................................................... 58
Figura 66 Eixos de contrastação....................................................................................................................................................... 61
Figura 67 Matriz I | Eixos de contrastação do PETI e TLS ............................................................................................................... 62
Figura 68 Matriz II | Eixos de contrastação do PETI e Turismo ........................................................................................................ 62
Figura 69 Matriz III | Eixos de contrastação do PETI e Crise Económica e Financeira .................................................................... 62
Figura 70 Matriz IV | Eixos de contrastação do Turismo e Crise Económica e Financeira .............................................................. 62
Figura 71 Quadrante base ao cenário 1 .......................................................................................................................................... 63
Figura 72 Quadrante base ao cenário 2 .......................................................................................................................................... 65
Figura 73 Quadrante base ao cenário 3 .......................................................................................................................................... 66
Figura 74 Quadrante base ao cenário 4 .......................................................................................................................................... 67
VIII
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Taxonomia da forma urbana de Kropf e correlações com Conzen e Caniggia (adaptado Crespo, 2013, p. 37) ............. 21
Quadro 2 Hierarquia proposta para espaços abertos urbanos (adaptado de Osmond, 2010, p. 11) ............................................... 22
Quadro 3 Índices e Parâmetros Urbanísticos de cada UTM | taxon Sertum .................................................................................... 43
Quadro 4 Índices e Parâmetros Urbanísticos do Tecido Urbano | taxon Textus .............................................................................. 46
Quadro 5 Hierarquia da Rede Viária (adaptado de IMTT, 2011, p. 6) .............................................................................................. 47
IX
LISTA DE ABREVIATURAS
ΣAc ........................................................................................................................................................... Área total de construção [m2]
ΣAi .......................................................................................................................................................... Área total de implantação [m2]
D ......................................................................................................................................................... Densidade populacional [hab/ha]
Dhab ................................................................................................................................................. Densidade habitacional [fogos/ha]
DPF ............................................................................................................................................................ Domínio Público Ferroviário
F ................................................................................................................................................................................... Número de fogos
Io ............................................................................................................................................................ Índice de ocupação do solo [%]
Iu ........................................................................................................................................... Índice de utilização do solo [adimensional]
PDM .................................................................................................................................................................... Plano Diretor Municipal
Pm .................................................................................................................................................................... Número médio de pisos
Pop. ................................................................................................................................... População residente | número de habitantes
PUCS ......................................................................................................................................... Plano de Urbanização da Costa do Sol
TC .............................................................................................................................................................................. Transporte coletivo
TI ............................................................................................................................................................................ Transporte individual
USU ...................................................................................................................................................................... Urban structural units
UTM .................................................................................................................................................................. Unidade tipomorfológica
1
1 INTRODUÇÃO
O estudo morfológico da cidade tem como objetivo central a compreensão da realidade urbana, procurando entender a
organização e articulação dos seus vários elementos e estruturas ao nível das suas caraterísticas físicas. Esta análise tem
em consideração que os tecidos urbanos são o resultado de um processo evolutivo, assente nas transformações
socioeconómicas e culturais que se sucedem no espaço e no tempo, de modo a que esses mesmos tecidos se adeqúem às
necessidades da sociedade. Entendendo a cidade como um espaço dinâmico e como habitat das comunidades humanas,
os urbanistas, arquitetos, arquitetos paisagista e engenheiros devem, enquanto agentes indutores de mudança, procurar ter
uma visão mais alargada da realidade urbana, nomeadamente sobre a forma como esta funciona e se organiza.
A análise morfológica pode ser encarada como uma das ferramentas do processo de planeamento, garantindo que o
ambiente urbano serve as necessidades de desenvolvimento das comunidades, sem com isso comprometer os valores
existentes. O estudo das características físicas dos tecidos urbanos deve, assim, orientar os agentes de mudança nas suas
intervenções para que estas se processem de forma precisa e integrada, colaborando com a gestão urbanística para a
compreensão dos desígnios do futuro, sem comprometer o caráter e funcionamento da cidade.
É sobre estes desígnios que se desenvolve a presente dissertação de mestrado, que tomando como caso de estudo a
Porta de Cascais, procura analisar o ambiente construído de modo a fazer um retrato da realidade urbana, diagnosticando
os seus problemas e auxiliando na definição de linhas estratégicas de atuação.
Deste modo, procura-se compreender o modo como o estudo da morfologia urbana pode ser uma ferramenta para
compreensão da realidade urbana, analisando as suas especificidades através da observação das relações que se
estabelecem entre o edificado e o sistema viário, a articulação das várias centralidades e os respetivos impactos na
legibilidade da cidade. Através desta análise, que integra ainda um enquadramento histórico ao desenvolvimento urbano de
Cascais desde o período medieval até à contemporaneidade, procura-se diagnosticar as potencialidades e os problema da
realidade urbana de Cascais e quais as suas implicações na área de estudo. Desta forma é possível avançar para uma
definição de cenários de atuação, na medida em que cada cenário procura explorar as potencialidades do espaço e mitigar /
resolver os problemas existentes.
2
2 METODOLOGIA
A presente dissertação de mestrado propõe-se a conciliar a análise morfológica da cidade com o processo de
planeamento urbano, recorrendo à definição de linhas estratégicas de atuação que procurem fundamentar uma gestão e
desenvolvimento integrados com o tecido urbano preexistente. Neste sentido, é importante compreender as bases teóricas
que fundamentam o desenvolvimento das várias metodologias de análise da forma urbana, que têm evoluído ao longo do
último século em diferentes contextos culturais. Só desta forma é possível enquadrar esta temática no contexto da
dissertação, de modo a que a análise e diagnóstico do caso de estudo – a Porta de Cascais – permita uma correta
interpretação da realidade urbana e a sua integração com o planeamento.
Deste modo, a dissertação desenvolve-se em quatro momentos:
I Análise do estado da arte ao nível da morfologia urbana, com especial enfoque nas escolas inglesa, italiana e francesa,
estudando-se os princípios basilares que suportam as metodologias desenvolvidas por M.G.R. Conzen, G. Caniggia, K.
Kropf e P. Osmond;
II Análise da área de estudo assente no estudo morfológico de parte da vila de Cascais. Compreendendo que este
processo não pode ser realizado sem considerar o contexto do lugar, esta fase da dissertação é acompanhada por um
enquadramento histórico e cultural da evolução urbana de Cascais, de modo a compreender melhor as suas especificidades
e a contextualizar os seus problemas;
III Após a fase de análise, desenvolve-se o diagnóstico da realidade urbana, procurando explorar as suas potencialidades
e apontar os problemas existentes não só na Porta de Cascais, mas também na área correspondente à totalidade da área
em estudo – o taxon Sedes. Para tal, realiza-se uma análise SWOT que procura elencar os pontos fortes, os pontos fracos,
as ameaças e as oportunidades existentes na área de estudo;
IV O quarto e último momento foca-se na definição de cenários, assentes nas conclusões obtidas nas fases de análise e
diagnóstico, que pretendem enquadrar os objetivos centrais para uma futura intervenção na Porta de Cascais.
3
3 MORFOLOGIA URBANA: ESTADO DA ARTE
A morfologia urbana é, segundo Anne Moudon (1997, p. 3), “(…) o estudo da cidade como habitat humano”. Este
pensamento veicula a ideia de que a forma da cidade não deve ser apenas vista estritamente no campo físico e material da
arquitetura, arquitetura paisagista e urbanismo, mas também como fruto e suporte das atividades, relações e vivências
humanas que a moldam e constroem em função dos seus anseios. Esta ideia vem no seguimento de várias reflexões que
marcaram a segunda metade do século XX, nomeadamente Lévi-Strauss, que ao declarar que “a cidade é a mais complexa
das invenções humanas” (cit. Moudon, 1997, p. 3), expõe que esta é fruto e palco de uma rede vasta e complexa de ideias,
políticas e relações que se sobrepõem e acrescentam consecutivamente, sem as quais é impossível entender a sua
essência.
Esta visão da morfologia urbana é o resultado de um processo evolutivo que se tem desenvolvido desde o século XIX,
com diferentes abordagens disciplinares e em contextos culturais diversos. Da arqueologia à geografia, da arquitetura aos
aspetos socioeconómicos que moldam uma sociedade, a abordagem à forma urbana deve ser encarada como a dissecação
dos processos de adição, justaposição e substituição que ocorrem na cidade ao longo do tempo. Assim, não nos é difícil
entender o fato de esta não ser uma ciência exata, estando sujeita a um leque variado de interpretações cuja abordagem ao
objeto de estudo é marcado por diversas correntes de pensamento e quadros metodológicos que se vão sucedendo ao
longo do tempo.
Vários autores têm procurado desenvolver ao longo do tempo análises tipomorfológicas tendo como pano de fundo a
paisagem construída. Encarar a cidade como paisagem é um aspeto essencial, na medida em que uma paisagem é um
lugar dinâmico, um repositório de memórias e ações passadas; é também a materialização de inter-relações formais e
simbólicas, compostas por unidades cuja coerência e singularidade compreendem a referência a um contexto específico
(Cauquelin, 2008; Magalhães, 2011). Dada a complexidade destas relações, a definição de quadros metodológicos com
recurso à hierarquização e esquematização dos elementos da cidade revela-se uma ferramenta útil. Permite uma maior
capacidade de abstração e simplificação da realidade, reduzindo-se a entropia e a complexificação dos sistemas, tornando
a informação mais operante para a concretização de um estudo morfológico (Alfaiate, 2000).
Neste sentido, é importante compreender o pensamento sobre a forma da cidade, de modo a enquadrar-se da melhor
forma os pressupostos subjacentes a uma análise coerente com os objetivos da presente dissertação de mestrado.
3.1 O ADVENTO DA MORFOLOGIA URBANA
No século XVIII, durante o Iluminismo, M.-A. Laugier foi um dos primeiros teóricos a desenvolver um método de
classificação sistemática dos edifícios, destacando-se aqui a ideia metafórica da cabana como o primeiro tipo de habitação.
Esta classificação empírica da arquitetura é desenvolvida no seu Essai sur l’Architecture (1753)1, analisando as relações
dos edifícios entre si e com os elementos naturais, catalogando-os em classes segundo um conjunto objetivo de critérios
(Alfaiate, 2000).
Mas é no século XIX que se inicia o estudo mais aprofundado das cidades medievais europeias, de forma a conseguir-
se compreender a sua história e desenvolvimento. Nestes estudos é importante destacar, entre outros, a figura de
1 Ver Laugier, M.-A. (1753). Essai sur l’architecture. Paris: A Paris, chez Duchesne.
4
Quatremère de Quincy que, em 18322 através da análise dos planos de cidades francesas de origem medieval, conseguiu
observar na sua estrutura os processos de crescimento, desenvolvimento e transformação que aí ocorreram.
Nos territórios alemães, em 1858 Eitelberger centra-se na estética das cidades e Stüben, em 1870, foca-se no
entendimento do espaço urbano (Gauthiez, 2004). C. Sitte é outro autor que se debruça sobre a cidade medieval alemã,
estudando-a de forma sistemática ao nível dos elementos que compõem o ambiente construído. Em Der Städtebau (1889)3,
Sitte apela à necessidade de se regular a expansão e transformação da cidade, através de regras de ordem morfológica em
que o edifício é encarado como o elemento central na configuração do espaço urbano (Alfaiate, 2000; Lamas, 2011).
É neste contexto que a análise urbana baseada nos planos das cidades começa a ganhar relevo, principalmente pela
observação tipológica do edificado e na rede viária, num período em que a Revolução Industrial se estendia à Europa
continental. A partir daqui foi possível observar outros fenómenos que influenciaram o crescimento das cidades, não só ao
nível da sua expansão territorial, com novos bairros e sistema viário, mas também no campo económico com o aumento da
especulação imobiliária (Gauthiez, 2004).
3.2 A GEOGRAFIA ALEMÃ
Na Alemanha o estudo das cidades foi desenvolvido pela geografia desde o final do século XIX. Tomando como base os
planos das cidades, a geografia procurou entender o porquê e quais os fatores que levaram à criação e desenvolvimento de
núcleos urbanos pela análise da sua estrutura e funções. Para esta ideia contribuiu em muito o trabalho de F. Ratzel, Die
geographische Lage der großen Städte (1903)4, onde este refletiu sobre a importância do lugar na definição e organização
das cidades no Este e Oeste da Alemanha (Hofmeister, 2004).
Em 1894, J. Fritz em Deutsche Stadtanlagen5, foi o precursor de uma série de estudos sobre a forma e organização das
cidades, dando ênfase à sua história (Gauthiez, 2004). Fritz constatou que existia bibliografia de referência ao nível da
evolução da legislação sobre a cidade, mas quase nada no respeitante às suas caraterísticas físicas e formais, tendo para
tal se socorrido de cartografia militar para dissertar sobre a sua forma e evolução (Hofmeister, 2004).
Influenciado por Fritz, O. Schlüter publica em 1899 Über den Grundriß der Städte6, uma obra em que coloca a paisagem
como objeto central no estudo da geografia (Laranjeira, 2011). Compreendendo a paisagem como resultado de uma
interação cultural entre o Homem e o território, a cidade ao inserir-se na Kulturlandschaft (paisagem cultural), é também ela
o resultado de um processo evolutivo de transformações que ocorrem em função das circunstâncias do lugar e das
necessidades do Homem. Deste modo, Schlüter entende o lugar da história no desenvolvimento e conformação dos núcleos
urbanos, analisando o plano da cidade ao nível das ruas, tipologias de edifícios, do uso do solo e das parcelas cadastrais,
dividindo a cidade em zonas e partes (Gauthiez, 2004).
Na continuidade do pensamento de Schlüter, W. Geisler em Danzig: ein siedlungsgeographischer Versuch (1918)7,
aprofundou com maior detalhe os seus conceitos como a paisagem cultural e a análise detalhada da cidade. Para tal,
2 Ver Quincy, A. C. Q. de. (1832). Dictionnaire historique d’architecture. Paris: LeClere.
3 Ver Sitte, C. [2002] (1889). Der Städtebau. Nach seinen künstlerischen Grundsätzen. Basel: Birkhäuser.
4 Ver Ratzel, F. (1903) ‘Die geographische Lage der großen Städte’, Großstadt, Jahrbuch der Gehe-Stiftung 9. Dresden: Zahn and Jaensch.
5 Ver Fritz, J. (1894) ‘Deutsche Stadtanlagen’, Beilage zum Programm 520 des Lyzeums Strassburg. Strassburg: Heitz-Mündel.
6 Ver Schlüter, O. (1899) ‘Über den Grundriß der Städte’, Zeitschrift der Gesellschaft für Erdkunde zu Berlin 34, 446-62
7 Ver Geisler, W. (1918) Danzig: ein siedlungsgeographischer Versuch. Danzig: Kafeman.
5
socorreu-se do uso da cor para diferenciar usos do solo, tipos e número de pisos dos edifícios, um recurso importante para
uma observação mais cuidada dos elementos constituintes da forma urbana (Laranjeira, 2011).
Segundo Hofmeister (2004, p. 5), os últimos trabalhos de maior relevo da chamada época da morfologia urbana da
geografia alemã foram desenvolvidos por H. Bobek e R. Martini. No seu tratado de 1927, Grundfragen der
Stadtgeographie8, Bobek defende que as funções dos núcleos urbanos tinham maior impacto que a sua aparência
morfológica. Já a obra de Martiny, Die Grundrißgestaltung der deutschen Siedlungen (1928)9, vai na continuidade do
pensamento Geisler, procurando mais uma vez analisar os planos das cidades através do estudo do seu tecido urbano,
sistema viário, fatores e direções de crescimento (Hofmeister, 2004).
No período que medeia 1928 e a década de 1960, a morfologia urbana na Alemanha passa para segundo plano,
havendo um maior interesse no estudo das funções e estrutura das cidades. A partir da década de 1970, segundo Pinho e
Oliveira (2008) o estudo da morfologia urbana é de novo retomado.
Olhando atentamente, verificamos que a geografia urbana alemã teve um papel importante no estudo da morfologia das
cidades. O seu foco de atenção debruçou-se sobre a paisagem e nos fatores inerentes à localização e funções da cidade,
em que a história funciona como um dos vetores para a compreensão da forma urbana. As ideias desenvolvidas no período
que medeia 1899 a 1928 foram de grande importância, na medida que os estudos desenvolvidos nesta época possibilitaram
o aprofundamento da morfologia urbana noutros contextos culturais, nomeadamente no Reino Unido.
3.3 REINO UNIDO
3.3.1 Geografia urbana indígena inglesa
No Reino Unido durante a primeira metade do século XX começou a desenvolver-se um interesse pelo estudo da
paisagem urbana. A paisagem, à semelhança do conceito de Kulturlandschaft desenvolvido por Schlüter na Alemanha, é
vista como um reflexo das ocupações e formas criadas pelas gerações do passado, incluindo-se neste conceito a própria
cidade. Segundo Larkham (2006, p. 118) este é o período da geografia urbana indígena inglesa, que não está propriamente
interessada na conceptualização de um processo descritivo e classificativo da forma urbana, mas sim numa análise e
caraterização da sua forma numa abordagem comparativa ao nível do desenho urbano, sendo disso exemplo o trabalho
desenvolvido por R.E. Dickinson10 e A.E. Smailes11 (Bienstman, 2006).
A partir da década de 1940 há uma nova abordagem ao estudo da cidade e da sua forma, tendo-se começado a usar
novos conceitos como urban form, urban landscape e townscape, numa atitude comparativa entre os planos das cidades,
negligenciando-se os dinamismos e fatores que caraterizam a sua forma ao longo do tempo (Larkham, 2006). A obra de G.
Cullen, Townscape (1961)12, é disso exemplo, procurando através de desenhos, ilustrações e fotografias descrever de
forma subjetiva diferentes aspetos da cidade, contudo, sem analisá-la do ponto de vista morfogenético. Esta abordagem, de
8 Ver Bobek, H. (1927) Grundfragen der Stadtgeographie, Geographischer Anzeiger 28, 213-24.
9 Ver Martiny, R. (1928) Die Grundrißgestaltung der deutschen Siedlungen, Ergänzungsheft 197, Petermanns Mitteilungen. Gotha: Justus Perthes.
10 Ver Dickinson, R.E. (1934) ‘The town plans of East Anglia: a study in urban morphology’, Geography 19, 37-50; Dickinson, R.E. (1945) ‘The morphology of the medieval German town’, Geographical Review 35, 74-97.
11 Ver Smailes, A.E. (1955) ‘Some reflections on the geographical description and analysis of townscapes’ in Transactions and Papers (Institute of British Geographers) 21, 99-115.
12 Ver Cullen, G. (1961) Townscape. London: Architectural Press.
6
acordo com Larkham (2006), continuou até aos nossos dias associada à prática da arquitetura e urbanismo, de forma
paralela à corrente de pensamento fundada por M.G.R. Conzen na Universidade de Birmingham.
3.3.2 Análise histórico-geográfica da tradição Conzeniana: a Escola Inglesa
3.3.2.1 M.G.R. Conzen
Um novo ímpeto no estudo da morfologia urbana britânica é dado com a chegada ao Reino Unido em 1933 de M.G.R.
Conzen. Formado em geografia pela Universidade de Berlim e influenciado pelo pensamento de Schlüter e Geisler, o
trabalho de Conzen constitui uma alteração de paradigma, pelo uso e desenvolvendo dos conceitos da geografia alemã. No
seu estudo The growth and character of Whitby (1958)13, e à semelhança do estudo de Danzig14 de Geisler, Conzen utiliza
um sistema de cores para diferenciar os elementos construídos, possibilitando uma leitura ao nível cartográfico das
caraterísticas e da forma desta cidade britânica (Whitehand, 2001).
Mas é o seu trabalho Alnwick, Northumberland: a study in town-plan analysis (1960) que é visto como um marco
incontornável na morfologia urbana. Nesta sua obra, M.G.R. Conzen explora a ideia de que a forma urbana advém das
transformações físicas e socioculturais que ocorrem ao longo da história, permitindo ter uma visão das dinâmicas da
paisagem urbana que se enquadram em diferentes ciclos temporais (Samuels, Whitehand, & Conzen, 2009).
Em Alnwick é ensaiada uma base metodológica de análise morfológica utilizando conceitos da geografia alemã que
permitem explicar a forma e desenvolvimento da cidade. Para M.G.R. Conzen os três principais elementos da paisagem
urbana são o Plano da Cidade, o Tecido Urbano e o Uso do Solo, que através das suas relações permitem o
desenvolvimento de uma estrutura morfológica. Das relações existentes entre estes conjuntos complexos, associam-se os
conceitos de Plan Unit, Região Morfológica e Período Morfológico, que combinam e relacionam os elementos físicos (as
chamadas relações estáticas) com as relações dinâmicas do espaço (Kropf, 1993).
Segundo M.P. Conzen (2009), este método assenta numa análise profunda de um conjunto alargado e complexo de
alterações na forma da cidade, que se revelam em cartogramas de evolução histórica que mapeiam sequencialmente as
alterações morfológicas aí ocorridas. O lote é aqui visto como um elemento fulcral, sendo a base das dinâmicas de
transformação do ambiente construído (Samuels et al., 2009).
Em suma, o que torna o estudo de Alnwick e da sua miríade de caraterísticas morfológicas importantes, foi o fato de
M.G.R. Conzen ter sido um dos pioneiros na elaboração de um sistema explicativo lógico e objetivo da forma urbana
(Samuels et al., 2009). Esta metodologia, além da análise a varias escalas dos lotes, edifícios e do plano da cidade, é
inovadora por trazer para primeiro plano as relações das comunidades com o tecido urbano, permitindo assim uma visão
mais ampla e integradora da cidade.
Quadro morfológico de M.G.R. Conzen
A metodologia aqui referenciada tem por base a análise exaustiva desenvolvida por K. Kropf (1993) no âmbito do seu
doutoramento, tendo como ideia central a compreensão do modo como a forma urbana é gerada. O processo morfogenético
13 Ver Conzen, M.R.G. (1958) ‘The growth and character of Whitby’, in Daysh, G.H.J. (ed.) A survey of Whitby and the surrounding area
(Shakespeare Head Press, Eton) 49-89.
14 Danzig, atual Gdansk, cidade polaca junto do Mar Báltico.
7
é aqui encarado ao nível da conversão do solo rural em urbano, tendo em consideração o modo como esse processo de
transformação atua e evolui ao longo do tempo, condicionando as possíveis alterações subsequentes (Whitehand, 2001).
Segundo Kropf (1993), M.G.R. Conzen considera que existem cinco aspetos gerais que caraterizam o ambiente
construído: aspetos funcionais e morfológicos, o contexto socioeconómico, as características do lugar e o seu respetivo
desenvolvimento. Ao nível funcional há que compreender as relações que se estabelecem entre o homem e os elementos
construídos da cidade, relações essas que ocorrem ao abrigo de um determinado contexto cultural. O lugar é visto como o
substrato da cidade, a base natural que compreende os elementos e estruturas biofísicos que condicionam o seu
crescimento. O desenvolvimento é encarado como o contexto onde se desenrolam as transformações, que têm implicações
na forma como o ambiente urbano é construído. A morfologia constitui a materialização dos aspetos anteriores.
Ao nível morfológico, M.G.R. Conzen decompõe a paisagem urbana numa tríade composta pelo plano da cidade, tecido
urbano e uso do solo, que combinados entre si, configuram a estrutura morfológica da cidade (Figura 1).
Figura 1 Esquema síntese da paisagem urbana segundo a metodologia de M.G.R. Conzen
Neste contexto, o lote ou parcela fundiária é encarado como o elemento ou unidade base, encontrando-se limitada
espacialmente e representando um uso ou função (Conzen, 1960). Esta modularidade tem relevância para a definição de
padrões de uso do solo que se traduzem numa organização das funções na cidade, tendo em conta as relações espaciais
estabelecidas entre as várias parcelas. No entanto, Kropf (1993, p. 43) refere que é importante neste quadro metodológico
não confundir o uso de uma determinada parcela com a sua forma, visto que uma determinada forma pode ser compatível
com diferentes usos.
O tecido urbano é constituído por edifícios individuais e pelas relações que estabelecem com os espaços exteriores
consigo relacionados (Alfaiate, 2000). O tecido urbano pode ser dividido em subcategorias ou classes em função das
caraterísticas do topos, dos usos e do período de origem de cada lote, sendo necessário ter em consideração que um
determinado período temporal não implica necessariamente uma forma ou aparência específica15.
O plano da cidade é considerado à luz da tradição conzeniana como a organização geográfica e topográfica dos
elementos construídos, organização esta passível de divisão em sistema viário, sistema fundiário e implantação do edificado
(Conzen, 1960). Segundo Moudon (1994), esta divisão permite que a apreensão da forma urbana se processe a diferentes
escalas, a partir do módulo base (a parcela ou lote com um ou mais edifícios), passando pelo quarteirão e cidade até à
região, numa perspetiva integrada.
15 Os revivalismos na arquitetura são disso exemplo, podendo induzir em erro quanto ao período em que são construídos, como o caso do
Palácio de Westminster, Londres, de inspiração gótica e edificado no século XIX.
8
Tendo em consideração todos estes aspetos, M.G.R. Conzen desenvolveu o conceito de plan unit. Uma plan unit
corresponde a uma combinação de ruas, parcelas e edifícios que, pela existência de uma ou mais características comuns,
se distingue das plan units na envolvente, constituindo uma unidade morfológica homogénea. Na mesma lógica, quando
duas ou mais plan unit partilham determinadas caraterísticas relevantes, a sua agregação dá origem a uma plan division,
que definem a estrutura morfogenética da cidade (Conzen, 1960).
As regiões morfológicas são o resultado da observação da paisagem urbana focada numa análise conjunta do plano da
cidade, do tecido urbano e do uso do solo, tendo em consideração a sua evolução histórica. Destas observações, são
percetíveis as áreas que têm sido mais persistentes e consistentes ao longo do tempo, apreendendo-se o seu caráter e
avaliando o impacto do seu desenvolvimento socioeconómico (Bienstman, 2006).
Todo este quadro morfológico só é possível de ser compreendido tendo em conta o conceito de período morfológico.
Para M.G.R. Conzen a história é um elemento fundamental para a compreensão dos fatores morfogenéticos, na medida em
que contextualiza a realidade que deu forma a determinado ambiente urbano (Conzen, 1960). Neste sentido, com o
estabelecimento de uma hierarquia de unidades morfológicas, é possível compreender a evolução e transformação da
cidade. Assim, ao período morfológico estão implícitos os elementos construídos e formas desenvolvidas numa dada época,
cujas caraterísticas o tornam distinguível de outros períodos.
Aos conceitos já referidos, há dois de entre os 118 desenvolvidos por M.G.R. Conzen que é importante referenciar: o
Burgage Cycle e o Fringe Belt.
O Burgage Cycle consiste numa lógica de progressiva ocupação com construção dos logradouros dos lotes, que
culmina com uma diminuição do espaço exterior do quarteirão. Numa fase seguinte, assiste-se a um período de pousio
urbano, que antecede um novo ciclo de renovação das várias parcelas com nova ocupação e edificação dos lotes (Conzen,
1960 in Whitehand, 2001). Este conceito é posteriormente desenvolvido por Slater (1990)16, aprofundando estas
transformações no tecido urbano através de uma análise da geometria e das métricas de várias parcelas, que no seu
conjunto, permitem reconstruir de forma sequencial as várias fases deste ciclo (Oliveira, 2007; Whitehand, 2001).
O conceito de Fringe Belt fora inicialmente utilizado por Louis em 1936 para Berlim17, tendo sido explorado por M.G.R.
Conzen para caraterizar um conjunto de parcelas com uma grande variação de forma e dimensão, que ficam expectantes
na área limítrofe das cidades no final de um ciclo de crescimento urbano vigoroso. Este termo, que advém da geografia
alemã, é mais tarde estudado por Whitehand (1977)18 ao nível dos ciclos de edificação e do valor solo. O Fringe Belt ou
cintura periférica19 está associado a períodos de quebra na construção com fins habitacionais, onde o preço do solo assume
valores elevados. Conjuntamente com a fisiografia, é possível identificar uma cadência histórica de áreas urbanas de cariz
habitacional intercaladas por estas cinturas, desde o centro histórica até à periferia da cidade, constituindo-se como zonas
de fronteira entre áreas urbanas de períodos morfológicos diferentes.
16 Ver Slater, T. R. (1990) ‘English medieval new towns with composite plans’, in Slater, T. R. (ed.) The built form of Western cities
(Leicester University Press, Leicester), 71-4.
17 Ver Louis, H. (1936) ‘Die geographische Gliederung von Gross-Berlin’. In Louis, H. and Panzer, W., editors, Länderkundliche Forschung: Krebs-Festschrift, Stuttgart: Engelhorn, 146–71
18 Ver Whitehand, J. W. R. (1977) ‘The basis for an historico-geographical theory of urban form’, Transactions of the Institute of British Geographers, NS2, 400-16.
19 Cintura periférica: tradução direta do conceito de Fringe Belt, desenvolvida por Vítor Oliveira e Paulo Pinho em Whitehand (2013).
9
3.3.2.2 UMRG
Um dos principais seguidores do pensamento e trabalho de M.G.R. Conzen foi J. Whitehand que procurou continuar o
seu legado, aprofundando o estudo da morfologia ao nível da economia e das relações da cidade com os seus habitantes,
integrando também as dinâmicas subjacentes ao mercado imobiliário (Moudon, 1997). Conjuntamente com P. Larkham, I.
Samuels e T. Slater, fundou em 1974 na Universidade de Birmingham o Urban Morphology Research Group (UMRG), um
grupo de trabalho que compreende o lugar da história e da forma da cidade na conformação da paisagem urbana
(Laranjeira, 2011).
Os principais objetivos da UMRG foram, numa primeira fase, o estudo da evolução e do planeamento das cidades
medievais e pré-modernas, bem como a análise dos processos associados ao desenvolvimento das paisagens urbanas nos
séculos XIX e XX (Pinho & Oliveira, 2008). Atualmente a atividade da UMRG tem o seu foco de atenção voltado para o
contexto suburbano, gestão urbanística e qualidade ambiental, analisando a influência das comunidades humanas ao nível
do lote sobre a paisagem urbana.
Neste contexto, seguiram-se várias linhas de investigação: Whitehand focou-se no desenvolvimento industrial e nos
efeitos da construção na forma urbana; Larkham analisou métodos de preservação do edificado, com especial atenção nas
áreas suburbanas; Slater centrou-se no estudo de cidades medievais; e Kropf tem estudado diferentes níveis de
especificação da forma urbana, através da análise e descrição dos seus elementos com recurso a diferentes escalas de
resolução.
Numa perspetiva global, todas as linhas de investigação procuram aprofundar e aplicar o pensamento de M.G.R.
Conzen aos conceitos e metodologias por si desenvolvidos, numa lógica inerente à gestão da cidade, tendo sempre em
consideração a sua evolução histórica (Moudon, 1997).
3.3.3 Outras abordagens à forma urbana no contexto anglo-saxónico
No contexto anglo-saxónico outras abordagens à forma urbana foram também desenvolvidas. Segundo Pinho e Oliveira
(2009) estas correntes de pensamento surgiram e evoluíram de forma paralela à tradição conzeniana da UMRG,
destacando-se aqui a Normative Approach e a Cambridge School Approach.
A denominada Normative Approach desenvolveu-se como um conjunto de estudos individuais, na senda de trabalhos
realizados por vários autores, como Cullen (1961), já referenciado. Esta abordagem deve o seu nome a um discurso
normativo que aponta para soluções concetuais e medidas de avaliação que procuram conjugar a análise do espaço e o
desenho urbano (Pinho & Oliveira, 2009). Neste leque de estudo encontramos nomes como C. Alexander, R. Krier e K.
Lynch, que não sendo britânicos, contribuíram com as suas obras sobre a forma, organização e legibilidade da cidade, para
o desenvolvimento de uma massa crítica contestatária do Movimento Moderno. No caso de Lynch, norte-americano, a sua
obra A Imagem da Cidade (1960)20 constitui uma análise do sistema urbano baseado na forma física, através de uma
metodologia de análise espacial que contribuiu para elaboração de uma simbologia esquemática representativa dos
contextos urbanos (Alfaiate, 2000).
A Cambridge School Approach desenvolveu-se no Departamento de Arquitetura da Universidade de Cambridge, no
quadro do Centre for the Land Use and Built Form Studies (LUBFS), atual Martin Centre, fundado em 1967 por L. Martin. No
largo espetro de investigação que ocorre no LUBFS, ao nível da morfologia urbana a análise dos objetos arquitetónicos e
urbanos realiza-se segundo uma base científica, numa abordagem objetiva e positivista (Larkham, 2006). Uma das
20 Ver Lynch, K. [1992] (1960) A Imagem da Cidade. Lisboa: Edições 70.
10
principais linhas de investigação foi a praticada por White e Engelen em Cellular automata and fractal urban form (1993),
que procuraram modelar matematicamente a organização espacial do solo urbano ao longo do tempo, através de estruturas
fractais, segundo uma abordagem celular que permite um alto nível de detalhe (White & Engelen, 1993).
Um outro grupo de investigação que merece ser referenciado é o coordenado por B. Hillier, sediado inicialmente em
Cambridge e posteriormente na The Bartlett School of Architecture, Londres. Este grupo de investigação desenvolveu
durante a década de 1980 o Space Syntax (Sintaxe espacial), uma ferramenta de análise espacial que incide sobre as
relações existentes entre a estrutura da cidade e modo como esta funciona (Hillier & Stutz, 2005). Além da análise à
configuração espacial da cidade, o Space Syntax permite correlacionar a estrutura urbana com vários aspetos económicos e
sociais que têm repercussões no espaço urbano ao longo do tempo. Deste modo, esta é uma ferramenta que tem vindo a
ser utilizada ao nível do projeto de arquitetura e do planeamento para projetar e avaliar a médio e longo prazo os seus
efeitos, contribuindo para uma melhor compreensão da evolução da cidade e para uma melhor gestão urbanística (Oliveira,
2007).
3.4 A ESCOLA TIPOMORFOLÓGICA ITALIANA
3.4.1 Muratori
Em Itália o estudo da morfologia urbana desenvolve-se com S. Muratori a partir da década de 1940. Arquiteto e
professor universitário, Muratori encarou a cidade como um organismo em constante transformação, sendo necessário
reconstruir de forma lógica o seu processo evolutivo para apreender as suas caraterísticas (Alfaiate, 2000). Rejeitando a
Carta de Atenas, Muratori defende que a crise civilizacional expressa na arquitetura é resultado do divórcio entre a técnica e
arte ocorrido no século XIX, advogando uma filosofia de que a estruturação física do ambiente antrópico deveria recorrer à
História. Neste contexto, o seu pensamento veicula a ideia de que para encontrar os antecedentes culturais e reconstruí-los,
é necessário identificar o ambiente específico que permita uma contextualização coerente da produção arquitetónica
(Bienstman, 2006; Cataldi, 2003).
Deste modo Muratori recorre ao conceito de tipo, desenvolvendo-o ao nível da arquitetura e do planeamento,
encarando-o como um conceito histórico que varia não só em função do tempo como do lugar (Castex, Cohen, & Depaule,
1995). Este dinamismo tipológico é resultado de uma visão onde o tipo é entendido como consequência de um estádio
anterior da arquitetura, cujas mutações ao longo do tempo dão origem a novas tipologias (Alfaiate, 2000). À escala da
cidade, a caraterização de um tecido urbano é então entendido ao nível das tipologias aí existentes, que pela sua adição,
justaposição e substituição, lhe imprime variação e caraterísticas próprias. O lugar é aqui também encarado como um fator
importante na definição das tipologias edificadas, na medida em que os constrangimentos fisiográficos, climáticos e
fundiários podem obrigar à sua adaptação (Gauthiez, 2004).
Deste modo, a estrutura da cidade não pode ser meramente entendida através das tipologias construtivas. A forma
urbana é encarada como um conjunto de ideias, escolhas e ações que, em conjunto com o topos, se manifestam não só
nos edifícios mas também nos seus espaços envolventes, definindo-se uma visão integrada do espaço. Assim, o objeto
arquitetónico é visto como parte integrante do tecido urbano, que segundo Muratori, a sua análise “(…) permite reencontrar
a realidade concreta da arquitetura” (cit. Alfaiate, 2000, p. 66). Todo este pensamento está presente nas suas Histórias
11
Operantes de Veneza (1959)21 e Roma (1963)22, onde a definição e contextualização tipologias deveriam fundamentar as
intervenções na malha urbana.
No seguimento deste discurso, Muratori expõe ainda a necessidade de se distinguir os tecidos urbanos ditos banais das
construções excecionais ou diferenciadas (Castex et al., 1995). O tecido urbano banal é encarado como um conjunto
complexo da continuidade urbana, um produto das múltiplas intervenções que se acumulam no tempo e se materializam
numa ou mais tipologias. Em oposição, as construções diferenciadas são vistas como exceções no conjunto da malha
urbana onde se inserem, como determinados edifícios públicos e monumentos, que pelas suas caraterísticas exercem um
efeito disruptivo.
Em suma, para Muratori o processo tipológico deverá ser o principal motor da construção da cidade, funcionando como
base preparatória para o design urbano e arquitetónico. Os tipos sintetizam as suas características formais e estruturais,
não devendo essa classificação ser demasiado objetiva, na medida em que remontam a contextos culturais e locais
particulares.
O corpo teórico de índole historicista por si desenvolvido, por aquilo que representa, levou a que este fosse de certa
forma ostracizado pelos seus pares em Roma, que eram adeptos das premissas modernistas. No entanto, o seu legado foi
continuado pelos seus assistentes, que procuram valorizar o lugar no seu trabalho enquanto arquitetos e professores,
desenvolvendo estudos que compreendiam quatro escalas de aproximação às tipologias: a do edifício, a do tecido urbano, a
da cidade e a do território (Alfaiate, 2000).
De entre eles, G. Cataldi focou-se nas linhas de força do território, procurando reconstruir uma sucessão de tipologias
para alcançar uma visão histórica da paisagem através da sua morfologia (Alfaiate, 2000). No seu trabalho conclui que um
conhecimento detalhado sobre as tipologias tem grande importância na gestão da cidade, na medida em que há um esforço
de integração dos tipos na preservação e expansão urbana. Cataldi é também um dos fundadores do Centro Internazionale
per lo Studio dei Processi Urbani e Territoriali (CISPUT). Criado em 1981, o CISPUT dispunha-se a servir de plataforma
para o debate e discussão de ideias entre arquitetos e historiadores da arquitetura, que de entre outros desígnios, procurou
desenvolver e difundir o pensamento de Muratori numa lógica pluridisciplinar (Cataldi, Maffei, & Vaccaro, 2002).
Colaborando com Muratori na Universidade de Veneza e no seu Studi per una operante storia urbana, C. Aymonino foi
quem cunhou o termo tipomorfologia como referência dialética entre tipologias de edificação e a morfologia urbana
(Moudon, 1994). Em obras como La Citta di Padova. Saggio di analisi urbana (1970)23 e Lo studio dei fenomeni urbani
(1977)24, Aymonino considera que o estudo da forma urbana deve ir ao encontro de uma visão global da cidade, onde o
estudo tipológico é encarado como uma ferramenta para a compreensão da estrutura da cidade e dos fenómenos urbanos
(Panerai, Depaule, & Demorgon, 1999).
Esta linha de pensamento vai ao encontro da de A. Rossi (1966 )25, considerando-se que os elementos que constituem
o tecido urbano podem ser identificados de acordo com a sua forma e função, numa relação dialética entre tipo e a cidade
(Aragão, 2006). Deste modo, a análise do ambiente construído deverá ter em consideração as complexas relações que se
21 Ver Muratori, S. (1959). Studi per una operante storia urbana di Venezia. Roma: Istituto Poligrafico dello Stato, Libreria dello Stato.
22 Ver Muratori, S. (1963). Studi per una operante storia urbana di Roma. Roma: Consiglio nazionale delle ricerche.
23 Ver Aymonino, C. (1970). La Città di Padova. Saggio di analisi urbana. Roma: Officina.
24 Ver Aymonino, C. (1977). Lo studio dei fenomeni urbani. Roma: Officina.
25 Ver Rossi, A. [2001] (1966) A Arquitetura da Cidade. Lisboa: Edições Cosmos.
12
estabelecem entre as diferentes tipologias edificadas, por materializarem as premissas subjacentes à formação e evolução
dos tecidos urbanos.
3.4.2 Caniggia
O principal seguidor do pensamento de Muratori fora G. Caniggia, seu assistente na Universidade de Roma a partir de
1959. Caniggia procurou desenvolver e simplificar o trabalho de Muratori através de um maior entendimento do ambiente
construído, examinando os processos históricos subjacentes à sua transformação numa perspetiva mais prática e funcional
(Kropf, 1993).
Segundo Pinho e Oliveira (2008) o trabalho de Caniggia centrou-se na análise tipológica da cidade, recusando o papel
centralizador do projeto de arquitetura face ao lugar, defendendo que a prática projetual em arquitetura deveria ter em
consideração as circunstâncias do lugar pelo estudo das tipologias aí existentes. Nesta perspetiva, o estudo das tipologias
como ferramenta no processo projetual revela-se enriquecedor, possibilitando uma análise dos elementos morfológicos da
cidade através da sua evolução e transformações, bem como compreender as relações que se estabelecem com a
envolvente. Na sua obra Composizione architettonica e tipologia edilizia, em dois volumes e em colaboração com G. Maffei
(1979 e 1984) 26, Caniggia vinca esta ideia, não pretendendo fazer um retrato do processo evolutivo da cidade ao longo do
tempo, mas antes “(…) fornecer os princípios fundamentais para a sua construção” (Crespo, 2013, p. 25). Deste modo,
defende uma abordagem integradora com as pré-existências e respetivos contextos, em que o projeto arquitetónico tem em
consideração o lugar.
Na metodologia por si desenvolvida, o objeto arquitetónico e a cidade são entendidos a diferentes escalas. Esta
abordagem permite ter uma dupla perspetiva da arquitetura: uma em que é lida de forma isolada e se analisam as suas
caraterísticas físicas e formais; e uma outra em que o objeto arquitetónico é lido em conjunto com os restantes e com os
espaços na envolvente, estudando-se as relações existentes entre si e com o meio (Alfaiate, 2000).
Esta dupla abordagem sobre a arquitetura permite assim o desenvolvimento de uma dupla consciência sobre o objeto
arquitetónico: uma consciência espontânea e uma consciência crítica. A consciência espontânea refere-se ao entendimento
geral e imediato do objeto arquitetónico com base na sua edilizia base, ou seja, do edifício como um todo e da sua relação
com o espaço envolvente. Por consciência crítica entendemos uma reflexão sobre os métodos e processos que levaram à
sua elaboração, numa ótica analítica que se evidencia com especial detalhe nos edifícios de exceção na malha urbana,
como os monumentos.
Quadro metodológico da análise tipomorfológica de Caniggia
À semelhança da metodologia desenvolvida por M.G.R. Conzen, também a reflexão sobre o quadro metodológico
proposto por Caniggia tem por base a análise realizada por Kropf (1993) no âmbito do seu doutoramento.
Na sua metodologia de análise tipomorfológica, Caniggia procura entender o ambiente construído através de uma
análise dos processos inerentes à sua formação. Neste campo é fundamental compreender as relações que existem ao
nível das tipologias, denominando-as de copresença e derivação, em que a “(…) copresença é uma correlação espacial e a
derivação uma correlação temporal” (Caniggia, 1979, in Kropf, 1993, p. 76). Estas correlações são vistas como necessárias
26Ver Caniggia, G. & Maffei, G. (1979). Composizione architettonica e tipologia edilizia: 1 Lettura dell'edilizia di base. Veneza: Marsilio; e
Caniggia, G. & Maffei, G. (1984). Composizione architettonica e tipologia edilizia: 2 Il progetto nell’edilizia di base. Veneza: Marsilio.
13
para uma compreensão integradora dos fatores que influenciam os processos de organização, formação e evolução das
tipologias, analisando-as em diferentes planos.
A derivação deve ser entendida como as relações que se estabelecem entre um objeto no momento da sua criação e os
objetos ou tipos que serviram de base a essa mesma criação. O processo tipológico é assim encarado como um caso de
derivação na medida em que o objeto arquitetónico é concebido tendo por base outros objetos arquitetónicos, mas que
devido aos contextos socioeconómicos, culturais e do lugar, se adapta e constitui como uma variante do tipo base.
No respeitante à copresença, esta representa uma visão geral das relações espaciais dos objetos arquitetónicos, tendo
em conta as consciências espontânea e crítica já referidas. Neste ponto, Caniggia define uma hierarquia de escalas em
quatro níveis: elementos, estruturas de elementos, sistemas de estruturas e organismos. Esta escala tem como base as
relações inerentes aos objetos arquitetónicos (parte-parte e parte-todo), que não são mais do que combinações de
elementos de menor escala que se relacionados entre si, originando elementos de menor complexidade pertencentes a um
nível hierárquico superior. Esta hierarquia de escalas pode ser lida de duas formas: como referência ao edificado e à cidade
(ver Figura 2).
Figura 2 Esquema síntese da hierarquia de Caniggia
Neste modelo é possível entender o ambiente urbano numa lógica de modularidade e nas diferenças de escala entre os
objetos considerados (Alfaiate, 2000). Para tal é importante ter em consideração que as partes podem ser compostas de
outras partes (num nível hierárquico inferior) e, de forma inversa, o todo pode constituir-se como parte de um nível
hierárquico superior.
Materiais
Os materiais são os elementos de menor escala na hierarquia de Caniggia, sendo por si considerados como “(…) uma
síntese entre a matéria com que são construídos e a cultura específica que uma pessoa ou região conferem na sua
aplicação a um edifício” (Caniggia, 1979, in Kropf, 1993, p. 84). Dentro desta classe os materiais podem ser classificados
em subclasses específicas de entidades, em função das suas caraterísticas físicas e processos de produção.
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Estruturas
Segundo Caniggia, as “(…) estruturas são uma associação simples de vários elementos” (cit. Kropf, 1993, p. 86), numa
lógica de relações parte-todo que se estabelecem entre os níveis materiais e estruturas. Neste campo é relevante
considerar quais os materiais que integram a estrutura, a sua organização e a sua posição face aos restantes materiais nela
constantes.
Células
As células correspondem a sistemas de estruturas, definidas como uma “(…) agregação de estruturas reconhecidas
com relativa autonomia (…)” (Caniggia, 1979, in Kropf, 1993, p. 92), dando-se como exemplo salas, escadas, etc.
Edifícios
Os edifícios correspondem a uma classe de transição entre as duas escalas de análise tipológica propostas por
Caniggia: a do edifício, onde são caraterizados como um organismo de sistemas; e da cidade, como elementos. Neste nível
hierárquico os edifícios são entendidos como uma agregação de células ou divisões com relativa autonomia entre si,
destacando-se aqui duas subclasses:
Tipo-base referem-se a edifícios compostos apenas por uma única célula, numa lógica um pouco ambígua ao nível da
classificação hierárquica entre célula e edifício, mas que pela sua existência efetiva deve ser considerada.
Tipo principal refere-se a um edifício ou tipo num determinado momento histórico, constituindo-se como uma referência
para novos edifícios que serão construídos ou modificados.
Tecidos
Segundo Crespo (2013) os tecidos urbanos são estruturas que resultam da associação dos seguintes elementos
urbanos:
Lotes correspondem ao edifício propriamente dito mais o respetivo logradouro ou área pertinente27, i.e., a área construída
e não construída da parcela cadastral.
Pertinent Strips corresponde a uma junção de lotes ao longo de um percurso, cujas fachadas dos edifícios conformam
uma frente construída.
Percursos Segundo Caniggia, os percursos são por definição estruturas usadas para alcançar um lugar, que em conjunto
com os lotes estruturam o tecido urbano (Alfaiate, 2000). Ao nível dos percursos, estes podem ser categorizados em:
Percursos matriz: estruturantes e de origem primária no tecido urbano, regendo a disposição do edificado;
Percursos de implantação: de nível inferior aos matriz, surgindo com o objetivo da edificação dos lotes consigo
confinantes;
Percursos de união: surgem com o objetivo de unir os percursos de nível superior;
27 Tradução de Pertinent Area (Crespo, 2013, p. 31).
15
Nós e Polos os nós e polos têm o seu posicionamento baseado nas relações existentes entre os vários percursos
existentes no tecido urbano. Um nó é definido como um qualquer cruzamento de percursos e um polo como o fim/ início de
um percurso.
Quarteirão é o resultado da agregação de quatro séries de lotes confinantes entre si, delimitadas pelos percursos que lhes
dão acesso.
Infill Tissue Caniggia carateriza infill tissue como o ponto a partir do qual o tecido urbano se irá desenvolver, i.e., a
existência de uma organização cadastral pré-existente irá ser alvo de reparcelamento ao nível dos seus logradouros,
conformando novo lotes e percursos ao longo do tempo.
Organismos
Para Caniggia a cidade é considerada como um organismo de sistemas, cujo complexo sistema de relações parte-todo
a fazem funcionar como um unidade, distinguindo três tipos de subclasses de organismos urbanos:
Assentamento compostos por um conjunto de edifícios de índole residencial cuja organização e disposição estão
diretamente relacionadas com o território produtivo.
Núcleos proto-urbanos formados por um conjunto complexo de edifícios residenciais associados a usos secundários e
terciários, com uma área de influência que pode abranger os assentamentos em seu redor.
Núcleos urbanos constituídos por um conjunto complexo e variado de edifícios e usos, cuja área de influência abrange
núcleos proto-urbanos e assentamentos existentes na sua envolvente.
O quadro metodológico desenvolvido por Caniggia é visto como um instrumento unificador de critérios que permite
analisar de forma sintética os processos de génese e transformação tipológica ao longo do tempo. O seu método é inovador
na medida que aborda de forma simultânea diferentes escalas dimensionais, que procede do particular para o geral
mediante a decomposição de um todo orgânico de partes (Alfaiate, 2000). Em suma, Caniggia propõe uma abordagem
metodológica que mais não é que uma síntese conclusiva da evolução tipológica da cidade a partir dos elementos e das
estruturas aí presentes, estudando de forma simultânea as relações e transformação entre os diferentes estádios da sua
hierarquia ao longo do tempo.
3.5 A ESCOLA FRANCESA
3.5.1 Poëte e Lavedan
O estudo da forma urbana em França teve como precursores M. Poëte e P. Lavedan, durante a primeira metade do
século XX. Tendo sido professor no Institut d'Urbanisme de L'Université de Paris, Poëte procurou estudar a cidade
baseando-se numa análise histórica comparada, observando várias cidades francesas do passado e do presente, adotando
uma abordagem pluridisciplinar. Para Poëte o desenho urbano deveria assentar num conhecimento profundo da história da
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cidade e na sua evolução temporal, de modo a que fosse possível entender a sua essência (Lamas, 2011). Em obras como
Une vie de Cité: Paris de sa naissance à nos jours (1924)28, Poëte estudou o traçado de ruas e praças e analisou o
reparcelamento da estrutura da cidade, defendendo que a expansão urbana e o projeto arquitetónico deveriam ser
precedidos de uma análise da realidade pré-existente, analise essa que deveria funcionar como uma ferramenta na
definição das diretrizes dos projetos a concretizar.
Do ponto de vista da morfologia urbana, Poëte era defensor da ideia que a função do espaço é um dos fatores
preponderantes na definição da forma urbana, numa perspetiva em que o espaço é o reflexo das vivências e das
necessidades do Homem (Gauthiez, 2004). Esta ideia veicula já uma perspetiva fenomenológica do espaço, razão pela
qual Poëte defende que a análise do espaço urbano não deveria ser demasiado objetiva, mas sim abrangente a outras
áreas do conhecimento.
Discípulo de Poëte, P. Lavedan publica em 1926 o primeiro volume de Histoire de l’urbanisme29, uma obra focada na
génese das cidades. Neste livro, Lavedan procurou desenvolver uma base cronológica para a evolução da cidade, que
possibilitasse uma melhor compreensão dos processos inerentes à sua expansão e transformação (Darin, 1998).
Tanto Poëte como Lavedan não criaram nenhuma escola de pensamento ou desenvolveram metodologias de análise da
forma urbana. Até à década de 1960, em França só a École des Beaux-Arts é que se debruçou sobre esta matéria, numa
linha de investigação voltada para as questões da preservação patrimonial.
3.5.2 Les écoles nationales supérieures d'architecture
Na década de 1960 um novo ímpeto é dado ao estudo da arquitetura e do urbanismo em França, acompanhado de
uma crescente contestação ao Movimento Moderno. Neste período é encerrada a École des Beaux-Arts (1968) e é criado o
Bureau de la Recherche Architecturale30, com o intuito de promover a investigação na área da arquitetura e urbanismo pelo
estabelecimento de várias écoles nationales supérieures d'architecture.
Dentro destas escolas destacam-se a École de Versailles, Paris-Belleville e Paris-La Défense31, cujas linhas de
investigação eram orientadas por J. Castex, P. Panerai e J.-C. Depaule (Versalles), B. Fortier (Paris-Belleville) e A. Borie e
P. Pinon (Paris-La Défense). Influenciados por Muratori, Aymonino e Rossi, o pensamento italiano entrou no contexto
francês numa perspetiva historicista dos estudos tipomorfológicos, através de reflexões mais teóricas do que metodológicas
no estudo das tipologias, do crescimento e da evolução dos elementos urbanos. Ao contrário da escola italiana, que estava
mais focada na arquitetura, em França a análise tipomorfológica desenvolveu-se numa perspetiva pluridisciplinar,
perscrutando as relações entre a realidade urbana e as várias teorias de desenho da cidade (Cortes, 2009).
Aqui a influência das correntes filosóficas de H. Lefebvre e M. Foucault fora importante, observando-se os fenómenos
urbanos através da análise às caraterísticas formais do espaço, em que o entendimento da forma urbana é encarada como
um veículo para a compreensão das vivências do espaço e de como este é apreendido pelos seus utilizadores (Leach,
1997; Mugavin, 1999). Deste modo, a cidade é considerada como um produto das relações sociais e económicas aí
presentes, que se refletem na forma construída.
28 Ver Poëte, M. (1924). Une vie de Cité: Paris de sa naissance à nos jours. Paris: Picard.
29 Ver Lavedan, P. (1926). Histoire de l’urbanisme. Paris: H. Laurens; O segundo e o terceiro volume, Histoire de l’urbanisme: Renaissance et temps modernes e Histoire de l’urbanisme: Époque contemporaine, foram publicados respetivamente em 1941 e 1952.
30 Atualmente designado por Bureau de la recherche architecturale, urbaine et paysagère.
31 Desde 2001 passou a chamar-se École nationale supérieure d'architecture de Paris-Val de Seine.
17
Assim, ao contrário do que acontece na escola italiana, a forma urbana é encarada com uma menor autonomia face às
várias dinâmicas que se fazem sentir na cidade. Aqui o foco de análise centra-se na forma urbana existente, confrontando-a
com as várias teorias de desenho urbano e planeamento de um ponto de vista crítico, conseguindo assim ter uma maior
consciência sobre os conceitos e formulações teóricas subjacentes às várias tipologias e formas urbanas desenvolvidas ao
longo do tempo (Cortes, 2009).
Também a abordagem ao Movimento Moderno difere entre italianos e franceses. A escola muratoriana, contestatária do
modernismo, define dois momentos marcantes na arquitetura – um antes e um depois do Movimento Moderno –, focando-se
no período anterior ao Movimento Moderno. Os franceses, pelo contrário, olham de perto a cidade modernista,
considerando-a como um estádio evolutivo dos tecidos, tipos e formas urbanas, que evoluem em diferentes direções,
interessando-se no seu estudo e na difusão do conhecimento obtido pela análise dos vários modelos arquitetónicos
existentes na cidade (Moudon, 1994).
Em obras como Formes urbaines: de l’îlot à la barre (1977)32 e Elèments d’analyse urbaine (1980)33, a linha de
investigação de Versalhes procurou demonstrar que os traços que os habitantes da cidade deixam no ambiente urbano
revelam muito mais caraterísticas espaciais do que aquelas que se observam numa perspetiva puramente objetiva. Ao
analisar-se esses traços, é possível ter uma consciência mais ampla sobre as dinâmicas existentes na cidade, permitindo a
definição de estratégias de intervenção ao nível do projeto arquitetónico. Deste modo, procura-se uma melhor compreensão
dos contextos urbanos numa lógica de recuperação da cidade, não com o recurso à cópia ou pastiche, mas antes através
de soluções contemporâneas integradas que visem resolver as questões e os problemas associados aos tecidos urbanos
(Rutgers, 2010).
Penerai, Depaule e Demorgon – Analyse urbaine
Na reedição de Elèments d’analyse urbaine (1999)34, os autores procuraram definir um quadro teórico para o projeto
arquitetónico assente no estudo de vários fenómenos urbanos, como a antropologia urbana e as tipologias.
A antropologia urbana tem o seu foco de atenção voltado para o fato de a vida na cidade ser tipificada pelos vários
contextos económicos e sociais aí presentes, que se expressam em várias realidades culturais e em diferentes escalas
(local e regional). Assim, estudando-se estas realidades é possível ter uma consciência das várias dinâmicas urbanas que
se desenvolvem e apreender a forma como o espaço urbano é vivenciado.
O estudo das tipologias processa-se através de uma observação rigorosa do ambiente urbano existente, em que se
procura logo à partida evitar o recurso a uma classificação tipológica segundo modelos pré-determinados. Deste modo, e
atendendo à heterogeneidade dos ambientes urbanos, o método de análise tipomorfológico necessita de ter em
consideração o contexto do lugar, devendo desenvolver-se um método específico que evite o recurso a critérios
generalistas e descontextualizados daquela realidade urbana específica.
Nesta análise o tipo é entendido como “(...) um conjunto de caraterísticas organizadas num todo, que é encarado como
uma abstração racional (...)” (Panerai et al., 1999, p. 144), caraterísticas essas que permitem uma organização categórica
dos vários elementos urbanos observados em famílias. Para esta classificação ocorrer é necessário considerar dois
conceitos: os type consacré e os arquétipos. O type consacré constitui uma referência de um determinado período
32Ver Castex, J., Depaule, J.-C., & Panerai, P. (1977). Formes urbaines: de l’Îlot à la barre. Paris: Dunod.
33Ver Panerai, P., Depaule, J.-C., Demorgon, M., & Veyrenche, M. (1980). Elèments d’analyse urbaine. Bruxelles: Archives d’architecture moderne.
34Nesta reedição a obra passa a designar-se apenas por Analyse urbaine.
18
construtivo, tendo em consideração caraterísticas como o uso, a forma e o valor simbólico, indo ao encontro da definição de
Tipo principal de Caniggia. O arquétipo, em consonância com a escola italiana, é entendido pelos franceses como um
modelo idealizado de um determinado elemento, que sustenta a definição de vários tipos pela sua derivação (Rutgers,
2010).
À semelhança da escola italiana, também a análise tipológica francesa se pode processar em diferentes níveis. No
entanto não há uma definição objetiva e a priori de níveis hierárquicos, sendo necessário uma análise prévia às relações
que se estabelecem entre os diferentes elementos urbanos, indicando-se sim uma possível estrutura hierárquica. Para tal é
preciso distinguir quatro fases: a definição do corpus, a classificação prévia35, o desenvolvimento dos tipos e as tipologias.
A definição do corpus constitui a delimitação da área de estudo que deverá considerar de forma objetiva as
caraterísticas pertinentes a analisar na forma urbana. A delimitação pode processar-se em diferentes níveis de resolução
em função do âmbito da análise, sugerindo-se uma estruturação em partes (edifícios, parcelas, grupos de parcelas, etc.),
culminando numa visão mais global da cidade. A classificação prévia consiste numa inventariação dos elementos existentes
no corpus, onde se procura destacar as caraterísticas que os diferenciam. Através desta inventariação é possível definir
critérios de classificação que irão servir de base para a fase seguinte – a de desenvolvimento dos tipos. A fase das
tipologias procede a categorização dos diferentes elementos do ambiente construído, estudando-se a sua relação e
derivação face aos type consacré e arquétipos, tendo em conta as suas circunstâncias e o grau de evolução.
Todas estas fases são acompanhadas de plantas, axonometrias e demais peças desenhadas. Estas ferramentas de
análise têm aqui um papel importante, permitindo ter-se uma visão perspética sobre os elementos observados, fundamental
para apreender a complexidade de relações de índole formal que se estabelecem na cidade.
Aplicando estas premissas, P. Panerai e D. Mangin publicam Projet Urbain (1999)36, procedendo ao estudo de
diferentes tecidos urbanos, traçados de rede viária e à análise de densidades na cidade contemporânea.
Outra obra de destaque da escola francesa é La metropole imaginaire: Un atlas de Paris (1989) de B. Fortier37. Nesta
obra, Fortier procurou traçar as principais transformações ocorridas em grande parte da cidade de Paris, recorrendo a
cartografia e desenhos detalhados cuja precisão permitiu compreender a evolução histórica desta cidade, identificando as
principais linhas de força nessas transformações e os elementos que lhes resistiram.
3.6 ISUF
O International Seminar on Urban Form (ISUF) foi criado em 1994 com o intuito de funcionar como plataforma de
partilha e discussão entre investigadores das diferentes correntes de análise da forma urbana (Moudon, 1997). Através da
realização de conferências e da sua publicação periódica – a Urban morphology –, foi possível aprofundar as várias teorias
e conceitos inerentes à morfologia urbana nos diferentes contextos internacional, destacando-se as escolas inglesa e
italiana. A atividade desenvolvida pelos seus investigadores está centrada numa abordagem pluridisciplinar, que engloba
não só a arquitetura e a geografia, mas também o desenho urbano, a arqueologia, o planeamento urbano e os estudos
sobre o património, com o intuito de estudar o“(...) tecido físico (...) da forma urbana, as pessoas e os processos que o
moldam” (cit. Laranjeira, 2011, p. 16).
35 Tradução direta de Le classement préalable (Panerai, Depaule, & Demorgon, 1999, p. 117)
36 Ver Panerai, P., & Mangin, D. (1999). Projet urbain. Marseille: Parenthèses.
37 Ver Fortier, B. (1989). La metropole imaginaire: Un atlas de Paris. Liege: Mardaga.
19
Na sua dissertação de doutoramento, V. Oliveira (2007) enumera e descreve as cinco principais linhas de investigação
desenvolvidas no ISUF: teorias e conceitos; história da forma urbana; análise dos agentes e processos de transformação da
paisagem; elementos morfológicos; e as relações entre a morfologia urbana e o planeamento urbano.
A primeira linha de investigação, vocacionada para as diferentes teorias e conceitos inerentes à morfologia urbana,
procura uma maior aproximação entre as escolas inglesa e italiana, numa perspetiva de definição de um enquadramento
teórico que permita uma melhor compreensão das suas metodologias. Neste campo, tem-se aprofundado muitos dos
conceitos desenvolvidos por M.G.R. Conzen, como o Fringe Belt e o Burgage Cycle, destacando-se o trabalho desenvolvido
por Whitehand, Larkham e Cataldi. Enquadrada nesta linha de investigação, Kropf (1993) procurou definir uma nova
metodologia de análise da forma urbana, conciliando as metodologia de M.G.R. Conzen e Caniggia numa lógica
integradora.
A segunda linha de investigação, relacionada com a história da forma urbana, tem como principais contribuidores Slater,
Lilley e Baker. Aqui, uma das áreas de interesse é a análise das cidades medievais europeias, recorrendo-se ao estudo
compósito dos seus planos, que são decompostos em unidades que refletem diferentes períodos históricos. Há ainda um
interesse pelas formas urbanas do passado, em especial as já desaparecidas.
A linha de investigação sobre os agentes de transformação da paisagem procura analisar os atores responsáveis pelas
transformações urbanas e os resultados inerentes à atividade de produção imobiliária. Nos trabalhos desenvolvidos por
autores como Whitehand, Larkham e Morton, observam-se ainda as relações existentes ao nível das tomadas de decisão
em contexto familiar sobre alterações a efetuar nas propriedades, bem como as tensões existentes entre os principais
atores responsáveis pelo desenvolvimento suburbano.
No respeitante aos elementos da forma urbana, autores como Darin, Corsini e Dufaux têm investigado os principais
elementos que estruturam a forma da cidade. Neste campo, consideram-se os diferentes elementos do ambiente urbano,
como a rede viária, os espaços públicos e o edificado, analisando a sua forma e as relações existentes entre si.
A quinta linha de investigação desenvolvida no ISUF, relacionada com o planeamento urbano, procura desenvolver a
forma como a morfologia urbana pode ser utilizada como uma ferramenta ao nível da gestão urbanística. Autores como
Kropf e Moudon têm se debruçado sobre esta questão, em que a morfologia urbana desempenha um papel fulcral para um
maior conhecimento da realidade física da cidade, através de uma análise quantitativa de elementos que usualmente estão
associados a aspetos qualitativos da estrutura urbana (Oliveira, 2007).
3.7 ABORDAGENS METODOLOGICAS INTEGRADAS À MORFOLOGIA URBANA
A partir da década de 1990 tem-se vido a procura integrar as diferentes abordagens à morfologia urbana, em grande
medida por via da atividade desenvolvida pelo UMRG e ISUF, destacando-se aqui os quadros metodológicos desenvolvidos
por K. Kropf e P. Osmond.
3.7.1 Kropf
Professor na Oxford Brookes University e membro do UMRG, K. Kropf procurou na sua dissertação de doutoramento –
The Definition of Built Form in Urban Morphology (1993) – estabelecer uma base teórica de análise da forma urbana,
desenvolvendo um quadro metodológico cujos conceitos pudessem ser facilmente aplicados aos projetos de arquitetura,
desenho urbano e planeamento. Realizando uma análise comparativa às abordagens metodológicos e conceitos
20
desenvolvidos por M.G.R. Conzen e G. Caniggia, Kropf estabeleceu uma base consistente e replicável de subdivisões
hierárquicas que suportam a análise morfológica do espaço através de uma nova taxonomia (Osmond, 2010).
Na sua metodologia, Kropf entende as conceções de espaço, tempo e energia como os conceitos básicos que
contribuem para uma melhor descrição e compreensão do mundo, devendo ser entendidos numa lógica de codependência
no estudo dos fenómenos urbanos. No entanto, Kropf foca-se essencialmente nos aspetos de ordem espacial por terem
uma maior relevância na análise morfológica da cidade, razão pela qual não desenvolve de forma aprofundada os aspetos
temporais e energéticos (Crespo, 2013).
À semelhança das escolas inglesa e italiana, Kropf entende a cidade numa lógica cronológica e evolutiva de diversos
eventos. Estes eventos, que se traduzem nos processos de construção e transformação do ambiente construído, explicam a
forma urbana numa perspetiva sequencial em que as diversas componentes são afetadas.
O conceito de energia é encarado como um dos fatores fundamentais para a compreensão do modo como se constrói,
mantém e transforma o edificado, que associados à ideia de habitabilidade, terão forçosamente implicações na forma
urbana. Assim, é possível compreender o papel que os métodos construtivos e os contextos regionais têm na estruturação e
organização da forma urbana, procurando-se uma visão mais integrada com os demais aspetos que influenciam a cidade.
Do ponto de vista espacial, na sua proposta de subdivisão da forma urbana, Kropf estabelece um diferenciação entre
níveis hierárquicos semelhante à de Caniggia, baseada nas relações parte-parte e parte-todo entre os vários elementos
urbanos. Deste modo, estabelece-se um encadeamento lógico entre os diferentes níveis hierárquicos, determinando uma
síntese perspetivada da morfologia urbana em que se analisa o ambiente construído do geral para o particular (Osmond,
2010).
No entanto, para um melhor entendimento do quadro metodológico de Kropf e das relações existentes entre os
diferentes níveis hierárquicos, é importante ter em consideração três outros conceitos: grau de especificidade, níveis de
resolução e o perfil.
O grau de especificidade representa o nível de detalhe utilizado no estudo e definição da forma urbana. Nesta lógica,
um menor grau de especificidade define um tipo mais genérico, como a cidade, enquanto um maior grau de especificidade
se traduz num tipo de forma mais singular, como os materiais de construção de um edifício. O nível de resolução permite
que as propriedades inerentes a uma determinada escala espacial possam ser identificadas, proporcionando uma mais fácil
distinção e compreensão entre as diferentes subdivisões. O perfil ou contorno é entendido como a descrição de um objeto
em função da sua forma e geometria, independentemente dos elementos que constituem a sua estrutura interna (Kropf,
1993).
Na observação ao Quadro 1 podemos verificar que Kropf na sua taxonomia subdivide a forma urbana em nove níveis de
resolução, cujos os nomes em latim procuram eliminar quaisquer ambiguidades de linguagem no respeitante aos elementos
construídos observados (Osmond, 2008). Esta subdivisão apresenta algumas similaridades com a estrutura desenvolvida
por Caniggia (ver Figura 2, p. 13), estando implícitas duas escalas de análise: a do edifício e a da cidade.
21
Quadro 1 Taxonomia da forma urbana de Kropf e correlações com Conzen e Caniggia (adaptado Crespo, 2013, p. 37)
A escala do edifício (Materia, Statio, Tectum, Aedes) é praticamente coincidente com a de Caniggia, salientando-se aqui
a referencia que Osmond (2008, p. 82) faz ao fato de Kropf não incluir no taxon Statio as infraestruturas que servem os
edifícios, como a rede elétrica, comunicações e saneamento, que têm implicações do ponto de vista da energia.
É à escala da cidade que encontramos os taxa que têm maior relevância para o estudo da morfologia urbana (Fines,
Sertum, Textus, Sedes e Complures), caraterizados apenas ao nível dos elementos construídos, encarando-se o sistema
viário como espaço canal e, assim, não o incluindo nos taxa de nível inferior (Osmond, 2010). Deste modo, no taxon
Sertum, a rua e demais espaços abertos urbanos são entendidos como um negativo do edificado, sendo as ruas
caraterizadas apenas em função do número de segmentos e organização espacial. No respeitante às áreas comuns a
diferentes ruas, como interseções e praças (os nós e polos de Caniggia), estas são caraterizadas como entidades distintas
das ruas. No taxon Sertum são ainda analisadas as relações existentes entre os diferentes lotes, que quando combinados
entre si, conformam diferentes tipos de quarteirões e de frentes construídas.
O taxon Textus faz referencia ao modo como as combinações de parcelas e o sistema viário combinados entre si
conformam diferentes tipos de tecidos urbanos, em função da sua dimensão e organização espacial. Neste campo, cada
tipo de configuração traduz-se num tecido urbano específico, assumindo-se aqui o claro paralelismo com os tecidos de
Caniggia e com as unidades-plano de M.G.R. Conzen.
A influência das escolas inglesa e italiana expressa-se ainda no taxon Sedes, onde se procura analisar diferentes
combinações de tecidos urbanos. Aqui, as combinações de diferentes tecidos urbanos são estudas e agrupadas tendo em
consideração a existência de caraterísticas comuns entre si, sendo o taxon Sedes equivalente aos organismos urbanos de
Caniggia e às divisões-plano de M.G.R. Conzen, incluindo-se ainda neste nível de resolução os fringe belt explorados por
este último autor.
22
No respeitante ao taxon Complures, Kropf carateriza-o como o nível de resolução onde se inserem as áreas urbanas
policêntricas, em grande medida resultado da agregação de diversos núcleos urbanos em conurbações e áreas
metropolitanas, avançando para uma análise da morfologia urbana de escala regional.
Do ponto de vista da aplicabilidade deste quadro metodológica, esta desenvolve-se em três fase: a primeira fase
compreende a seleção da área de estudo, cujos limites podem ser definidos de forma arbitrária ou tendo em conta as
caraterísticas morfológicas do lugar; a fase seguinte corresponde à definição do raio de ação do estudo, que tendo em
conta a taxonomia proposta, permite identificar os níveis de resolução relevantes para a análise; a terceira fase é composta
por uma análise comparativa e sequencial da forma urbana, que deverá se processar dos objetos mais antigos para os mais
recentes, possibilitando assim o estabelecimento de períodos morfológicos (Crespo, 2013).
3.7.2 Osmond
Outra abordagem integradora à morfologia urbana é a desenvolvida por P. Osmond, professor na New South Wales
University, Austrália. Prosseguidor do trabalho desenvolvido por Kropf (1993), Osmond na sua dissertação de
doutoramento – An Enquiry Into New Methodologies for Evaluating Sustainable Urban Form (2008) – procurou explorar as
relações entre a forma física da cidade com o metabolismo e a ambiência urbana.
A ideia central desta obra centra-se na formulação de um quadro metodológico que consiga, através da correlação dos
conceitos mencionados, avaliar a sustentabilidade do meio urbano. Assim, Osmond propôs-se a colmatar um hiato existente
no estudo da morfologia urbana relativo a um conjunto de dinâmicas até então pouco desenvolvidas, explorando as
implicações que esta lacuna tem ao nível do desenho urbano, contribuindo para um urbanismo de caráter mais sustentável.
No seu quadro metodológico defende que a análise morfológica deve assentar em três princípios base: os elementos
físicos da cidade, escalas de resolução e as dinâmicas urbanas. Os elementos físicos considerados têm por base o trabalho
desenvolvido por Kropf (1993), que se traduzem numa distinção lógica de classes, relações e propriedades inerentes à
forma construída, sintetizadas numa escala hierárquica que comporta diferentes níveis de abordagem. A escala hierárquica
de Kropf, por não incluir uma categorização dos espaços abertos da cidade, é modificada por Osmond de modo a que haja
um maior entendimento das suas relações parte-todo.
Assim, os espaços abertos urbanos, considerados por Kropf como bidimensionais, são por Osmond categorizados em
função dos seus materiais de construção, tipos e estratos (material vegetal e inerte), que combinados entre si, configuram a
estrutura desses espaços. Para tal, Osmond define uma hierarquia complementar à de Kropf que pretende caraterizar estes
espaços (Quadro 2):
Quadro 2 Hierarquia proposta para espaços abertos urbanos (adaptado de Osmond, 2010, p. 11)
23
Relativamente às dinâmicas urbanas, estas podem ser analisadas tendo em consideração duas lógicas: uma espacial e
arquitetónica, que compreende a evolução e as transformações inerentes à forma urbana em si; e uma outra que analisa os
input e output de materiais e energia que sustentam essas mesmas transformações (Osmond, 2008).
Considerando todos estes aspetos, verificamos que Osmond imprime ao estudo morfológico da cidade um caráter
ecológico, evidenciado na análise ao metabolismo e à ambiência urbanos. O metabolismo urbano é entendido como “(...)
um processo de gestão de materiais e energia” (Yeang, 1995, in Osmond, 2008, p. 6), com influência na forma urbana ao
nível das condições de input e output de energia e informação. A ambiência urbana faz referencia às qualidades físicas e
psicológicas da cidade, que se encontram diretamente relacionadas com o desenho urbano através de fatores como o
microclima, conforto térmico, acústica e iluminação.
Do ponto de vista da análise morfológica, todos os aspetos referidos anteriormente contribuem para a definição de
urban structural units (USU). O conceito de USU tem origem no trabalho de investigação desenvolvido por F. Duhme e S.
Pauleit 38, e consiste na “(...) identificação de áreas com relativa homogeneidade ao nível do tipo, densidade e organização
da forma urbana e espaços exteriores, delineando configurações distintas do ambiente construído” (Pauleit & Duhme, 1998,
in Osmond, 2008, p. 76). A definição de USUs possibilita a realização uma análise qualitativa do espaço, através de uma
desagregação e caraterização dos vários elementos compositivos, categorizados em diferentes níveis de resolução que vão
da micro à macro escala da cidade (Osmond, 2010).
Comparativamente à taxonomia do espaço urbano definida por Kropf, Osmond refere que uma USU é um equivalente
morfológico ao taxon Textus, visto que ambos podem ser definidos como atributos descritivos da forma urbana, à
semelhança do uso do solo e da evolução histórica da cidade (Osmond, 2008).
Como já fora enunciado, a grande diferença existente entre as abordagens metodológicas de Kropf e Osmond encontra-
se na categorização dos espaços abertos urbanos. A relevância desta diferença relaciona-se com o fato de os espaços
abertos urbanos, pela sua estrutura e construção, serem também eles detentores de relações parte-parte e parte-todo, com
impacto no modo como a cidade é apreendida e vivenciada. Dando como exemplo um parque urbano, este não é
meramente um espaço aberto, sendo constituído por materiais inertes e material vegetal cuja organização define um espaço
construído.
Assim, além dos elementos construídos ditos clássicos, de acordo com Osmond (2008, p. 88) a definição de USUs
necessita de considerar os seguintes aspetos:
Organização do espaço exterior urbano em áreas pavimentadas, áreas não pavimentadas e massas de água;
O tipo, número e organização das relações parte-parte entre quarteirões, segmentos de rua, interseções e praças;
A estrutura do coberto vegetal em estratos herbáceo, arbustivo e arbóreo;
A tridimensionalidade do conjunto edificado;
As caraterísticas do lugar (geografia, clima, hidrografia, topografia, etc.).
A Figura 3 configura a síntese hierárquica dos elementos que constituem uma USU, integrando numa só escala a
hierarquia da forma construída de Kropf e a hierarquia complementar desenvolvida por Osmond para os espaços abertos
urbanos.
38 Ver Pauleit, S. & Duhme, F. (1998) "Assessing the metabolism of urban systems for urban planning", in Urban Ecology (Eds, Breuste, J.,
Feldmann, H. and Uhlmann, O.), Springer, Berlin, 65-69.
24
A influência do space syntax está também expressa na metodologia de Osmond, através da decomposição dos espaços
abertos urbanos em áreas convexas e axiais que contribuem para uma melhor legibilidade da cidade, tendo em conta
questões como a permeabilidade do espaço urbano e a definição de eixos e nós.
Também as caraterísticas geográficas e as infraestruturas urbanas têm relevo na definição de USUs, por contribuírem
para uma maior clarificação dos processos inerentes ao metabolismo da cidade ao nível dos diferentes inputs e outputs.
Relativamente à aplicação do seu quadro metodológico, Osmond define dois corolários:
A especificidade ao nível dos elementos, materiais e vegetação não é entendido como um requisito fundamental
para a comparação de diferentes USUs. No entanto, o recurso a estes parâmetros permite que haja uma
caraterização mais detalhadas do ambiente urbano.
Uma USU não é identificável em níveis hierárquicos inferiores aos dos quarteirões, ou seja, os lotes e edifícios
isolados não configura per si uma USO.
Figura 3 Decomposição da hierarquia das Urban Structural Units – USU (adaptado de Osmond, 2010, p. 18)
25
4 ANÁLISE URBANA DE CASCAIS
4.1 ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E URBANÍSTICO DA VILA DE CASCAIS
4.1.1 Do século XIV ao terramoto de 1755
Situada na região sudoeste do distrito de Lisboa e implantada no litoral a poente da barra do Tejo, a vila de Cascais é a
sede do concelho com o mesmo nome, com uma população residente estimada para o ano de 2013 de 208.418 habitantes
(PORDATA, 2014a).
A ocupação deste território remonta ao período pré-histórico, tendo sido habitado também durante o período romano e
árabe; a quando da reconquista desta região por D. Afonso Henriques no século XII, Cascais era uma aldeia piscatória junto
à margem direita da foz da Ribeira das Vinhas, dependente administrativamente da vila de Sintra a cujo termo pertencia
(CMC, 2014). No século XIV, mais concretamente em 7 de junho de 1364, o rei D. Pedro I outorga a Carta da Vila,
documento que cria o Concelho de Cascais, recebendo apenas Foral pela mão de D. Manuel I em 1514 (Henriques, 2014).
Neste período Cascais revestia-se de alguma importância estratégica, que para além de posição de vigia do litoral oeste
à barra do Tejo e da atividade piscatória, era também o porto de carga de fruta produzida na região de Sintra. É neste
período que se assiste ao crescimento da vila para o exterior das muralhas do seu castelo, no arrabalde então conhecido
por Vila Nova (Henriques, 2014). A vila nova desenvolveu-se para norte, em direção à Estrada de Colares, tendo um
traçado de índole ortogonal que se adapta à morfologia do terreno, dando à malha urbana alguma flexibilidade. Os seus
principais eixos de crescimento – a Rua do Poço Novo e a Rua dos Navegantes – acompanham as curvas de nível,
caraterizando-se a malha urbana por ruas principais de
reduzida largura, intercetadas por pequenas travessas,
becos e escadas que delimitam quarteirões de forma
alongada e muito parcelados, maximizando-se a frente
construída para as ruas principais, através de lotes
estreitos e profundos (Figura 4). Junto à Praia da
Ribeira (também comummente designada de Praia dos
Pescadores ou Praia do Peixe) situava-se a Praça
Nova, um rossio correspondente à atual Praça 5 de
outubro, que se caraterizava por ser o centro do núcleo
medieval de Cascais, onde confluíam as principais vias
e se situava a Casa da Câmara (Quintão, 2011).
A representação mais antiga da vila de cascais remonta a 1530 e é da autoria de Georg Braun e Franz Hogenberg
(Figura 5). Nesta representação é possível observar o papel estratégico que Cascais tinha, a par de S. Julião da Barra e do
baluarte da Caparica, na defesa e vigilância da barra do Tejo, podendo observar-se as muralhas do castelo, o núcleo
urbano extramuros da Vila Nova, a Praça Nova e a Torre de Santo António, esta última mandada edificar por D. João II na
ponta do Salmodo em 1488 (Henriques, 2014).
Durante o século XVI assiste-se a uma consecutiva perda das funções da muralha do castelo e à consolidação do
tecido urbano, que se desenvolve não só para norte mas também para nascente, com o surgimento do núcleo urbano entre
a margem esquerda da foz da Ribeira das Vinhas e a Praia da Rainha (SIPA, 2011). Este núcleo urbano nascente é
caraterizado por ter uma malha urbana adaptada às fisiografia e à linha de costa, centrado no Largo da Misericórdia, cuja
igreja terá sido edificada a partir de 1531, a quando da fundação da Santa Casa da Misericórdia de Cascais.
Figura 4 Principais vias medievais de Cascais
26
A limitar a norte este núcleo nascente encontramos a antiga Rua Direita (atual Rua Frederico Arouca), eixo estruturante
que ligava o núcleo medieval à estrada de Sintra. Esta via carateriza-se por ser uma zona de transição na atual malha
urbana, uma vez que do seu lado norte se encontrava a antiga Quinta de Santa Marta, que posteriormente deu origem ao
grande quarteirão de forma regular entre a Rua Frederico Arouca e Avenida Valbom, ocupado progressivamente com
edifícios até ao século XIX (Quintão, 2011).
No espaço onde atualmente se situa o Largo da Estação, outrora fora um terreiro onde se implantava a Igreja da
Ressurreição de Jesus, matriz da freguesia do mesmo nome (com área correspondente ao núcleo urbano a nascente da
Ribeira das Vinhas) e destruída pela terramoto de 1755. Entre este terreiro e a Rua Direita desenvolveram-se três pequenos
arruamentos – a Rua Sebastião José de Carvalho e Melo, a Travessa da Ressurreição e a Travessa Frederico Arouca – que
conformam um espaço urbano de forma tendencionalmente triangular composto por pequenos quarteirões regulares, que
reforçaram o caráter agregador da Rua Direita.
Figura 6 Representação de Cascais por Frei Vicenzio, 1594 (Fonte: Henriques, 2014, p. 27)
Como podemos observar na representação feita por Frei Vicenzio, tendo por base o decalque do Capitão Fratini, datado
de 1594 (Figura 6), Cascais havia crescido bastante a partir do Alto do Lombo, onde se situava o castelo trecentista e o
palácio dos Condes de Monsanto. Nesta representação é possível identificar dois aspetos relevantes no desenvolvimento
urbano e estratégico de Cascais: a demarcação dos futuros quarteirões na margem direita da Ribeira das Vinhas (linha
Figura 5 Representação da litoral entre Cascais e Lisboa | Civitates Orbis Terrarum, 1572 (Fonte: Ferreira, 2012, p. 2)
27
pontilhada encarnada), que viriam a ser progressivamente ocupados nos séculos seguintes; e o projeto para a cidadela de
Cascais (linha pontilhada azul), que reforçaria a capacidade militar da Torre de Santo António-Fortaleza de Nossa Senhora
da Luz, estrutura militar que só viria a ser construída a partir de 1641 durante a Restauração, período este onde se
procedeu também à construção e remodelação dos Fortes de Santa Marta, de Santa Catarina e Nossa Senhora da
Conceição (SIPA, 2011).
Figura 7 Cascais | representação posterior ao terramoto de 1755 (Fonte: Henriques, 2014, p. 31)
Em 1 de novembro de 1755 a vila de Cascais foi também afetada pelo sismo que destruiu Lisboa, tendo a grande
maioria dos seus edifícios ficado arrasados ou sofrido danos significativos (Figura 7). No quadro desta devastação, as
igrejas da Ressurreição de Jesus, de Santa Maria (então a matriz do núcleo urbano na margem direita da Ribeira das
Vinhas), da Assunção e da Misericórdia, bem como o castelo e o Palácio dos Condes de Monsanto ficaram destruídos.
Devido ao fato de grande parte dos recursos financeiros do reino estarem dedicados à reconstrução de Lisboa, Cascais, a
par de outros núcleos urbanos afetados pelo terramoto, não pôde definir uma nova estrutura urbana como a capital,
efetivando-se a sua reconstrução de forma lenta durante as décadas subsequentes e de acordo com as caraterísticas
morfológicas preexistentes ao sismo (Henriques, 2014).
4.1.2 Cascais: da vilegiatura do final do século XIX à primeira metade do século XX
Em meados do século XIX muitos dos edifícios na vila não tinham ainda sido reconstruídos, dando-se como exemplo o
local onde outrora se situara o Palácio dos Condes de Monsanto (Figura 8), cujas ruínas deram lugar à Casa do Conde de
Monte Real apenas no século XX (Henriques, 2014). Tendo a vila mantido a sua estrutura morfológica, no entanto
ocorreram algumas transformações: a área do antigo castelo dera lugar a uma área urbana com uma estrutura ortogonal
constituída por pequenos quarteirões de forma regular; a Igreja da Ressurreição de Jesus não fora reconstruída, tendo se
procedido à união das duas paróquias urbanas de Cascais na reconstruída Igreja da Assunção e Ressurreição de Jesus
28
(Figura 9), junto à saída para a Estrada da Guia; e a da Igreja dos Navegantes junto ao Largo Doutor Passos Vella fora
reconstruída (Figura 10) (Quintão, 2011; SIPA, 2011). O Largo Doutor Passos Vella reveste-se de alguma importância no
contexto do desenvolvimento urbano que Cascais teve a partir do último quartel do século XIX, uma vez que é a partir daí
que se desenvolve a Avenida Emídio Navarro, uma das vias que estruturaram o crescimento urbano a poente do núcleo
medieval em direção à Guia.
Figura 8 Casa dos Condes de Monte Real (fonte: Bing Maps)
Figura 9 Igreja da Assunção e Ressurreição de Jesus (fonte: Bing Maps)
Figura 10 Igreja dos Navegantes e Lg. Dr. Passos Vella (fonte: Bing Maps)
Na década de 1860 deu-se um novo impulso no desenvolvimento económico e urbanístico de Cascais, com a crescente
afluência à vila da aristocracia e burguesia para os banhos de mar, que se enquadravam como uma forma de ócio e de
valorização social das classes dominantes (S. Lobo, 2007). A partir de 1870 Cascais viria a tornar-se na terceira residência
da família real, que conjuntamente com Lisboa e Sintra formavam o triângulo áulico – mar, cidade e serra. Com esse
propósito, o Palácio do Governador na cidadela é convertido em residência real, ocupado na season durante os meses de
setembro e outubro (Quintão, 2011).
Deste modo Cascais integra-se no conjunto de vilas piscatórias na proximidade dos grandes centros urbanos que
passam a espaços de vilegiatura, que de acordo com Quintão (2011) motivam o surgimento de uma nova tipologia
arquitetónica: o chalet. No entanto, é importante referir que no caso de Cascais a tipologia chalet não é a mais correta, uma
vez que os edifícios com ela conotados terem como influência projetual chalets suíços, austríacos e alemães, mas com uma
escala mais urbana e mais próxima do palácio39. Estas residências integram a chamada arquitetura de vilegiatura ou de
veraneio desenvolvida a partir de finais do séculos XIX, que inicialmente começou por ocupar lotes deixados vagos durante
a reconstrução pós-terramoto, localizados preferencialmente ao longo das principais vias de comunicação, e que procuram
tirar partido da relação paisagística com a baía de Cascais (S. Lobo, 2007). Neste contexto destacam-se a Casa dos
Duques de Palmela, a Casa dos Duques de Loulé e a Casa Faial, situados junto às praias da Conceição e da Duquesa,
sobre antigas estruturas militares e ocupando pequenos promontórios que enfatizam uma relação direta com o mar (Figura
11).
A Casa Trindade Baptista (Figura 12), a Casa Perestrelo de Vasconcelos e a Casa Henrique Sommer, ao contrário das
anteriores, têm uma relação mais direta com o núcleo urbano de Cascais, implantando-se em lotes ainda vagos ou nos
novos quarteirões que surgiram com o crescimento urbano oitocentista, contribuindo para uma valorização arquitetónica do
tecido urbano.
De acordo com Fernandes (2011), em finais do século XIX Cascais não tinha ainda uma imagem urbana consolidada e
focada no seu litoral, estando ainda muito centrada nas margens da Ribeira das Vinhas, em que a esmagadora maioria dos
seus edifícios expressava um vocabulário arquitetónico caraterístico da região saloia. Mas é neste período que Cascais irá
39 A tipologia palácio aqui descrita não tem uma relação semântica direta com os edifícios comummente conotados como residências da
nobreza, do clero ou como sede de instituições e órgãos de soberania, mas sim com a tipologia palazzo, muito comum nas cidades italianas e caraterizada como um prédio urbano utilizado como residência.
29
ser alvo de um conjunto de transformações urbanísticas que foram relevantes para a afirmação do seu litoral como a
“Riviera Portuguesa”.
Durante o último quartel do século XIX, Cascais é alvo de um crescimento populacional a que se juntou o surgimento de
novos setores económicos como a panificação, a indústria conserveira e a hotelaria. Como exemplos deste último setor, a
par dos investimentos que começavam a surgir no Monte do Estoril, são construídos em Cascais o Casino da Praia (1973) e
os hotéis União (1880), Central (1886) e Globo (1888). Assiste-se também a várias obras de requalificação urbanística,
como a demolição dos armazéns reais no local do atual Passeio D. Luís I (1885), as obras de regularização das margens da
Ribeira das Vinhas por questões de salubridade (1891) e, de modo a reforçar as relações perspéticas com a baía, foram
construídos o Passeio Maria Pia junto à cidadela (1896) e aberta a Avenida D. Carlos I (1896) (Henriques, 2014).
Com a inauguração da linha de caminho de ferro em 1889 entre Cascais e Pedrouços, posteriormente prolongada até
ao Cais do Sodré (1895), a vila assistiu a um acelerar do seu desenvolvimento ancorado à vilegiatura. Deste modo Cascais
passou a ter uma ligação direta e mais rápida a Lisboa, em que o comboio veio substituir as ligações por vapor, os char-à-
bancs e os ripperts, bastante morosos e desconfortáveis (Henriques, 2014). A estação foi edificada no antigo largo onde
antes do terramoto de 1755 se erguia a Igreja da Ressurreição de Jesus, junto às saídas para as Estradas de Sintra e
Oeiras e no limite nascente da vila. Para facilitar a ligação ao centro e às áreas a poente da vila, foi aberta a Avenida
Valbom até à Ribeira das Vinhas (Figura 13), paralela à antiga Rua Direita, articulando-se na margem direita com o Jardim
Visconde da Luz e com a Rua Alexandre Herculano. O eixo formado pela Avenida Valbom–Rua Alexandre Herculano
Figura 11 Casa dos Duques de Palmela (Fonte: Bing Maps) Figura 12 Casa Trindade Baptista (Fonte: http://goo.gl/cIZvqV)
Figura 13 Avenida Valbom (fonte: http://goo.gl/iAfvDJ) Figura 14 Eixo Av. Valbom e Rua Alexandre Herculano
30
(Figura 14) marca a transição entre o núcleo urbano que se desenvolveu até ao terramoto com as áreas de expansão
urbana da viragem para o século XX, com um traçado ortogonal que define quarteirões de forma regular, com lotes maiores
e mais largos, onde nas últimas décadas se tem privilegiado a construção em altura.
Entre a Parada e a atual Avenida 25 de Abril, nas primeiras décadas do século XX o crescimento urbano procedeu-se
no sentido de nascente para poente, acompanhando o eixo da Avenida Emídio Navarro (Figura 15), também segundo uma
matriz ortogonal, com ruas mais largas e arborizadas, marginando quarteirões maiores (Figura 16). Os lotes, de dimensão
variada, são a sul da Avenida Emídio Navarro compostos por moradias unifamiliares rodeadas de pequenos jardins,
verificando-se a norte desta via a existências de vários edifícios de habitação coletiva, até 5 pisos, maioritariamente
construídos a partir da década de 1950.
Figura 15 Avenida Emídio Navarro Figura 16 Demarcação dos quarteirões e arruamentos a poente do núcleo histórico
Enfatizando o crescimento para poente na viragem para o século XX, no litoral junto à cidadela e ao farol de Santa
Marta alguns terrenos militares foram aforados, procedendo-se aí à edificação de casas de veraneio (SIPA, 2011). Ao
contrário da arquitetura baseada em modelos exógenos como a Casa dos Duques de Palmela ou a Casa Faial, neste local
assiste-se à recuperação de uma linguagem arquitetónica com raízes portuguesas, nomeadamente a Casa O’Neil de Raul
Lino (Figura 17) e a Torre de S. Sebastião (Figura 18), com um vocabulário predominantemente decorativista ao estilo da
‹‹Casa Portuguesa›› ou neomanuelino, influenciado pelos palácios da Pena, Buçaco e da Quinta da Regaleira (Silva, 2011).
Figura 17 Casa O'Neill | Raul Lino (Fonte: http://goo.gl/h4jqRO) Figura 18 Torre de S. Sebastião | Museu-Biblioteca Condes de Castro
Guimarães (Fonte: http://goo.gl/lhfJVU)
31
4.1.3 Plano de Urbanização da Costa do Sol (PUCS)
4.1.3.1 Alfred-Donat Agache
Durante a década de 1930, Duarte Pacheco enquanto ministro das obras públicas procurou impulsionar o
desenvolvimento do país através de investimentos em infraestruturas, como estradas, pontes e barragens, mas também
através do ordenamento das grandes vilas e cidades (M. S. Lobo, 1995). Tendo em consideração que a expansão dos
núcleos urbanos até então se processava sem a existência de critérios orientadores por parte da administração pública, em
1934 é publicado o Decreto-lei 24 802 de 21 de dezembro, que estabelece a obrigatoriedade de elaboração de Planos
Gerais de Urbanização (PGU) para todas as localidades com mais de 2500 habitantes ou que apresentassem um
crescimento demográfico superior a 10% entre dois recenseamentos consecutivos. De acordo com o mesmo diploma, a
necessidade de PGU abrangia também zonas de interesse turístico, recreativo, terapêutico, espiritual, histórico e artístico a
designar pelo governo, como forma de se proceder a um crescimento ordenado que não colocasse em causa a identidade e
integridade destes espaços (Ministério das Obras Públicas e Comunicações, 1934).
Segundo Souza Lobo (1995), este decreto-lei tem já a influência de Alfred-Donat Agache, contratado por Duarte
Pacheco em 1933 para elaborar o plano de urbanização para a região a oeste de Lisboa. A intenção do governo neste
plano prendia-se à necessidade de haver um aproveitamento dos terrenos para urbanização e exploração turística
associados à construção da Avenida Marginal entre Lisboa e Cascais, uma região com grande potencial turístico e que
vinha apresentando um significativo crescimento demográfico (Ministério das Obras Públicas e Comunicações, 1933).
De modo a evitar um processo de urbanização casuístico e antevendo o crescimento da cidade de Lisboa e o papel que
o automóvel viria a desempenhar no futuro, Agache procurou estabelecer as regras gerais da estrutura e gestão do solo da
faixa litoral entre Lisboa e Cascais, denominada de Costa do Sol. Para tal, em 1935 o governo cria o Gabinete do Plano de
Urbanização da Costa do Sol, com o objetivo de planificar um desenvolvimento urbano de escala regional num espaço
considerado privilegiado, integrando a atividade turística com as caraterísticas do território e o crescimento demográfico (M.
S. Lobo, 1995) (Assembleia Nacional, 1935).
Alfred-Donat Agache, urbanista francês, à data da sua contratação por Duarte Pacheco era também o responsável pelo
plano para a cidade do Rio de Janeiro, tendo uma visão do urbanismo simultaneamente como “(...) uma ciência, uma arte e
uma filosofia, definindo um aglomerado urbano como entidade coletiva (...)” (André, Marat-Mendes, & Rodrigues, 2012, p.
4). Representante do chamado Urbanismo Formal ou Científico, assente numa abordagem multidisciplinar praticada em
França na primeira metade do século XX, Agache concebia a cidade como um organismo vivo cuja a expansão deveria ser
alvo de antevisão de modo a garantir as adequadas condições de salubridade, recorrendo para tal à organização do espaço
assente no zonamento funcional (André et al., 2012).
Na sua proposta para o PUCS, Agache define uma estratégia de planeamento em duas fases: uma de âmbito regional e
outra de âmbito local. Ao nível regional desenvolve um conjunto de estudos prévios para os núcleos urbanos pré-existentes,
que deveriam articular-se entre si através de dois eixos transversais a toda a região: a Avenida Marginal entre o Terreiro do
Paço e Cascais, e a autoestrada entre a Praça do Marquês de Pombal em Lisboa e o Estoril (M. S. Lobo, 1995).
A par da linha de caminho de ferro, eletrificada em 1926, estas vias assumem-se como os principais vetores para o
crescimento e desenvolvimento da Costa do Sol, na medida em que é entendido o papel futuro do automóvel ao nível da
mobilidade, devendo o plano não se focar apenas na faixa litoral de Lisboa a Cascais, mas também procurar estruturar a
expansão urbana para o hinterland (Ferreira, 2012). Deste modo a Avenida Marginal seria desenhada como uma via
panorâmica, que ao aproveitar vários troços das vias pré-existentes ao longo do litoral, procura enfatizar o potencial
paisagístico e onde estariam ancoradas as principais atividades turísticas e de lazer ligadas ao mar, dando a Lisboa uma
32
visão cosmopolita. A autoestrada, inspirada nas congéneres francesas e alemãs, era encarada como uma via com um
caráter turístico e suburbano, permitindo um acesso mais rápido entre os vários aglomerados urbanos e a capital,
funcionando ainda como o limite norte da área do PUCS (André et al., 2012). De modo a salvaguardar a vivência, segurança
e o caráter dos vários aglomerados urbanos, é evitado o tráfego de atravessamento das áreas urbanas através de um
conjunto de vias transversais que permitem o acesso à Avenida Marginal e à autoestrada (Figura 19).
Figura 19 Esquema do sistema viário para a região da Costa do Sol (Adaptado de: André et al., 2012, p. 6)
Ao nível local, a expansão e organização dos vários núcleos urbanos processar-se-ia através de uma hierarquização do
espaço: o centro é caraterizado por uma praça formal, com edifícios de habitação coletiva cujo piso térreo é afeto a
comércio e serviços; os espaços residenciais seriam caraterizados por moradias construídas em lotes grandes, assentes
numa malha orgânico, adaptado à fisiografia e constituído por uma rede de ruas arborizadas, pracetas e impasses,
associados a um sistema de espaços verdes e caminhos pedonais ao estilo City Beautiful (M. S. Lobo, 1995).
É proposta também a organização dos vários aglomerados urbanos em quatro grupos, tendo como base uma
caraterização socioeconómica da população e algumas caraterísticas do território (Costa, 2012):
I. Entre Algés e Cruz Quebrada – são considerados como subúrbios, servidos por comboio e elétrico pela
proximidade a Lisboa;
II. Entre Caxias e Santo Amaro de Oeiras – núcleos urbanos para a classe média;
III. Entre Carcavelos e S. Pedro do Estoril – núcleos urbanos de praias medicinais;
IV. Entre S. João do Estoril e Cascais – centros balneares de requinte, dedicados ao turismo de luxo.
Para Cascais, Agache propôs a construção de uma praça junto ao Jardim Visconde da Luz, que funcionaria como rótula
da Avenida Marginal, o centro da vila e a área de expansão urbana a poente. Aproveitando o espaço canal resultante do
encanamento e aterro do troço final da Ribeira das Vinhas do início da década de 1930, a partir desta nova praça uma
avenida atravessaria o núcleo histórico de Cascais até à Praia da Ribeira, seguida de uma via panorâmica sobre a baía até
à cidadela, onde era proposta a construção de um porto de abrigo. A partir da Praça 5 de outubro é proposta uma outra
avenida, que rasgava o núcleo medieval da Vila Nova para Norte, definindo um novo eixo de ligação com o hinterland, que
seria rematado por um edifício público (Figura 20).
No seu conjunto, a proposta de Agache para Cascais procura conciliar o tecido urbano pré-existentes com as novas vias
que seriam o vetor para a expansão urbana decorrente do PUCS numa lógica integradora. Propondo algumas intervenções
um quanto ou tanto intrusivas, é possível observar que houve um esforço de explorar o potencial cénico da baía através do
desenho do espaço público de fruição e da articulação das principais centralidades da vila.
No entanto, a proposta elaborada por Agache para o PUCS acabou por não ser aprovada pelo governo devido à saída
de Duarte Pacheco do ministério das obras públicas e comunicações em 1936.
33
Figura 20 Proposta de Agache para Cascais (Fonte: Lobo, M. de S. 2005)
4.1.3.2 Étienne De Gröer
Professor no Institut d'Urbanisme de L'Université de Paris e colaborador de Agache no plano para o Rio de Janeiro,
Étienne De Gröer é quem retoma o PUCS quando Duarte Pacheco regressa ao governo em 1938.
Influenciado pelas ideias de C. Sitte e E. Howard e adepto da Cidade Jardim, De Gröer é defensor da cidade
policêntrica composta por vários núcleos urbanos de dimensão limitada e baixas densidades, ligadas entre si por uma rede
de transporte integrada e rápida que, no seu conjunto, exprime uma visão de aglomeração altamente planeada (M. S. Lobo,
1995). Na mesma ordem de ideias, De Gröer advogava também o zonamento funcional como medida para combater a
desorganização das cidades, uma ferramenta imbuída de uma dupla função ao nível do planeamento: permitia gerir a
compatibilidade de funções na cidade e combater a especulação imobiliária (André et al., 2012).
Para a Costa do Sol, ao nível regional o urbanista segue as linhas gerais definidas por Agache, tendo se focado no
desenho e resolução dos aglomerado urbano per si, numa escala equivalente aos atuais planos de pormenor (Costa, 2012).
No entanto, ao contrário de Agache que preconizava um desenvolvimento da Costa do Sol que tinha como linhas de força a
Avenida Marginal e o autoestrada no hinterland, De Gröer planeia as soluções de conjunto para os vários aglomerados
urbanos ancorados apenas na Avenida Marginal e na linha de caminho de ferro, que associados à morte de Duarte
Pacheco em 1943, justificam o fato de o autoestrado se ficasse apenas pelo Estádio Nacional e só chegasse a Cascais na
década de 1990.
Incorporando alguns dos conceitos teórico inerentes à Cidade Jardim e reformulando as diretrizes de Agache para cada
aglomerado urbano, foi proposto um traçado de índole orgânico que se adapta ao terreno, em que as principais vias se
posicionam em talvegues e linhas de festo perpendiculares à costa, estruturando uma rede viária arborizada que
culminando em pequenas pracetas e impasses.
34
Ao nível do zonamento funcional, cada aglomerada é constituído por espaços residenciais que comportam um centro
funcional de comércio e serviços, seguindo a dialética proposta por Agache em 1935. Assim, o centro de cada núcleo é
detentor de um desenho urbano mais formal, composto por edifícios em banda até três pisos de habitação coletiva,
comércio e serviços, envolvidos por espaços residenciais constituídas por moradias unifamiliares até dois pisos,
implantados em quarteirões de grande dimensão. Devido a esta ser uma região com potencial turístico e existirem
pequenos vales encaixados intercalados por largos interflúvios, as áreas de cariz industrial são quase inexistentes.
Os aglomerados urbanos são pensados como espaços de baixas densidades, mas onde está patente uma repartição da
população em classes sociais. Deste modo, a cada estrato social corresponde um tipo de densidade, maior para a classe
operária e menor para as classes mais abastadas, refletindo-se esta diferenciação na ocupação do território: os lotes para
as classes mais abastadas situam-se na proximidade à linha de costa e os estratos sociais mais baixos no seu hinterland
(M. S. Lobo, 1995).
A versão final do PUCS, desenvolvida por De Gröer, viria a ser aprovada pelo Governo pela publicação do Decreto-Lei
37251 de 28 de dezembro de 1948, diploma que também extingue o Gabinete do Plano de Urbanização da Costa do Sol e
atribui a responsabilidade de fiscalização do cumprimento do plano à Direção-Geral dos Serviços de Urbanização (Ministério
das Obras Públicas, 1948). De acordo com o mesmo decreto-lei as câmaras municipais de Lisboa, Oeiras e Cascais podiam
autorizar a realização de obras que estivessem em conformidade com o plano, sendo ainda prevista a revisão do PUCS em
intervalos de 5 anos, o que só viria a acontecer em 1959.
O Plano para Cascais
Na sua versão final, o PUCS propunha para Cascais
uma estrutura urbana que definia um zonamento
funcional com uma lógica dual: o núcleo histórico como
centralidade da vila, caraterizado por um tecido urbano
de alta densidade, comércio e serviços; e por zonas
residenciais com influência de alguns dos conceitos da
Cidade Jardim. Ao analisar-se com maior pormenor o
PUCS para Cascais (Figura 21), é possível observar
que os vales das principais ribeiras que atravessam a
área do plano são programadas como zonas florestais
de proteção, ou seja, constituem um grande Green Belt
que separa o solo urbano do rural, interligando ainda os
principais espaços verdes do Parque Palmela ao
Parque Marechal Carmona.
A rede viária proposta tem também um papel
fundamental na estruturação do espaço urbano, que se
encontra ancorada na Praça Francisco Sá Carneiro,
pensada como uma nova centralidade em Cascais e
como uma rótula de distribuição de fluxos. É nesta
praça que termina a Avenida Marginal e se
Figura 21 PUCS para Cascais | versão final (Fonte: Câmara Municipal de Cascais)
35
desenvolvem as duas principais vias distribuidoras do tráfego: a Alameda dos Combatentes da Grande Guerra e a atual
Avenida 25 de Abril.
A Alameda dos Combatentes da Grande Guerra recupera a ideia já defendida por Agache em 1935 da criação de um
eixo perspético que, aproveitando o encanamento e aterro da Ribeira das Vinhas, abre a vila à baía, ligando as principais
centralidades à cidadela e à Avenida da República (antiga Estrada da Guia). A Avenida 25 de Abril é caraterizada por ser
uma estrada circular que se estende para poente e sul de Cascais, articulando-se com a Avenidas Eng.º Adelino Amaro da
Costa (antiga Estrada de Colares) e da República para a estruturação de toda a rede viária de acesso local das novas áreas
residenciais, detentoras de um traçado orgânico que se adapta à fisiografia.
É na associação da rede viária estruturante com o sistema de espaços verdes que podemos identificar cinco zonas de
expansão urbana (Figura 22):
Figura 22 Esquema síntese do PUCS para Cascais
I. A área situada a poente do núcleo histórico da vila, desenvolvendo-se como continuação das operações de
loteamento de inícios do século XX, que ocorreram na envolvente às Avenidas Emídio Navarro e do Ultramar, para
as quais foram programados equipamentos relevantes como escolas e o Hospital Condes de Castro Guimarães;
II. A área na envolvente à Estrada de Sintra (agora Avenida), na zona nascente da vila e em terrenos que em parte
pertenciam ao antigo Parque Palmela, tendo começado a sua urbanização logo em 1948;
36
III. A área situada entre os dois principais corredores verdes da vila, na envolvente à Avenida Eng.º Adelino Amaro da
Costa. Nesta zona de expansão estava pensado o bairro piscatório, um pequeno núcleo comercial e ainda uma
pequena parcela dedicada à atividade industrial e de armazenagem;
IV. A área a norte do Parque Desportivo, na zona mais a poente da vila;
V. E a área a sul da Avenida da República, que compreende uma parte significativa dos terrenos pertencentes ao
antigo Parque da Gandarinha, na proximidade à linha de costa e para as quais estavam programadas moradias
com um caráter semirrural.
Excetuando a área do antigo Parque da Gandarinha, todas as restantes zonas de expansão urbana são pontuadas por
equipamentos, como igrejas, escolas e jardins de proximidade. Ao analisar-se o regulamento do PUCS na sua versão de
1959, os parâmetros urbanísticos aí descritos permitem-nos tirar algumas ilações que contribuem para a definição de um
zonamento social. Deste modo, os lotes para as classes sociais mais abastadas situam-se preferencialmente na
proximidade ao Parque Palmela e na área do antigo Parque da Gandarinha, relativamente afastados das vias com maior
tráfego e com uma maior relação com a linha de costa. Relativamente às classes mais baixas, pelos parâmetros
urbanísticos podemos depreender que são remetidas de uma forma gradual para o hinterland e para a proximidade das vias
com maior tráfego.
Ainda digno de nota é a proposta de uma grande área dedicada à indústria e armazéns entre a Avenida de Sintra e a
Ribeira das Vinhas, mas na zona exterior ao green belt planeado por De Gröer, que de acordo com o regulamento do
PUCS, a sua “(...) atividade deve limitar-se a preencher as necessidades da região (...)”, contribuindo assim para uma não
descaraterização da imagem turística desta área da Costa do Sol (Ministério das Obras Públicas, 1959).
Embora o PUCS entrasse em vigor em 1948 e fosse revisto em 1959, a sua execução não foi integralmente cumprida,
dando-se como exemplo parte dos equipamentos previstos para a área de expansão urbana envolvente à Avenida de Sintra
que não foram construídos. O Decreto-Lei n.º 37251 de 28 de dezembro de 1948 permitia às câmaras municipais aprovar
planos parciais que modificavam as disposições do regulamento do PUCS, desde que houvesse o aval do Ministério das
Obras Públicas, o que deu origem a alterações pontuais que se foram sucedendo no espaço e no tempo. Outro ponto
importante são as transformações socioeconómicas e políticas do país a partir de 1974, que levaram a que o PUCS não
fosse cumprido, tendo sido necessário numa fase posterior o seu cumprimento pela inexistência de quaisquer outros planos
que regulassem a urbanização desta região (DMEI, 2013a). De acordo com Lobo (2005), este processo significou “(…) uma
gestão sui generis nos dois decénios que antecederam o Plano Diretor Municipal [PDM](…)”, em que a maioria do solo alvo
de processos de loteamento resultasse de alterações ao PUCS, convertendo-se solo rural em urbano e se privilegiassem
médias e altas densidades.
Em 1994 o PUCS é revogado aquando da elaboração dos PDM, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º
96/97, de 19 de junho, que estabeleceu um quadro normativo para a totalidade da área do município de Cascais.
37
4.1.4 Desenvolvimento urbano da área central de Cascais a partir da década de 1940
Em 1940, seguindo já algumas das orientações previstas na proposta de 1935 realizada por Agache, é inaugurada a
Avenida Marginal (E.N. n.º 6) que liga Lisboa a Cascais, materializando-se assim no terreno aquele que virá ser o principal
eixo estruturante da Costa do Sol até à década de 1990.
Neste período, à semelhança dos bairros construídos em Lisboa na década de 1930, é empreendida a construção do
Bairro Marechal Carmona, do Bairro Operário José Luís e do Bairro Salazar ou dos Pescadores em Cascais, como forma de
debelar a carência habitacional aí existentes fruto do crescimento populacional (Cascais Envolvente, 2013).
No quadro do PUCS, De Gröer definiu um novo sistema urbano que procurou articular a rede viária com os espaços
público coletivos e a arquitetura, numa escala própria e que se integrava com o contexto urbano preexistente de uma forma
menos intrusiva. Assim, De Gröer recuperou a ideia de Agache de criar um eixo de ligação entre a Avenida Marginal e a
cidadela, ao qual estariam ancoradas as duas principais centralidades da vila: os conjuntos da Praia da Ribeira e da atual
Praça Francisco Sá Carneiro, unidos pela Alameda dos Combatentes da Grande Guerra (Figura 23). Este eixo permitiu criar
uma nova imagem urbana do núcleo histórico, definindo uma estrutura urbana paralela à preexistente e que funcionaria
como uma das principais artérias da vila (J. M. Fernandes, 2011).
Figura 23 Esquema da relação entre as vias pré-PUCS e o novo eixo estruturante do tecido urbano
Figura 24 Perspetiva do conjunto urbano da Praia da Ribeira | Cascais (Fonte: http://goo.gl/T64zf5)
Com o objetivo de funcionar como novo centro cívico e administrativo de Cascais, a construção do novo conjunto
arquitetónico na Praia da Ribeira implicou a demolição de alguns edifícios de destaque, como o Casino da Praia, o Hotel
Globo e a estação dos CTT para dar lugar a uma nova praça. Em articulação com o Passeio D. Luís I e com a Praça 5 de
Outubro, esta nova praça contribuiu para uma maior abertura da vila ao mar, criando um amplo espaço público que explora
o potencial cénico da baía (Figura 24). Aí foram construídos no início da década de 1950 os edifícios da lota, Brigada Fiscal
da GNR, armazéns piscatórios e a capitania; com uma linguagem arquitetónica de feição tradicionalista promovida pelo
Estado Novo. Com uma linguagem modernista, só na década de 1960 é que o conjunto da Praia da Ribeira fica concluído,
aquando da construção do Hotel Baía, um volume isolado de linhas horizontais que se integra com o tecido urbano
envolvente através das suas proporções contidas e que se tornou na peça central da praia (J. M. Fernandes, 2011; SIPA,
2011).
Marcando a transição entre as formas mais tradicionalistas do núcleo histórico e as áreas de cariz habitacional na
envolvente da estrada para Sintra, está a nova centralidade da vila: o conjunto urbano da atual Praça Francisco Sá
Carneiro. A linguagem arquitetónica do conjunto urbano desta praça, que se entende até à Avenida D. Pedro I, reflete já
muitas das ideias do Congresso do Arquitetos Portugueses de 1948, com alguma inspiração internacional que vai ao
38
encontro de algumas premissas da Carta de Atenas, com edifícios de 4 pisos, afetos a comércio, serviços e habitação,
formando a frente construída da praça (J. M. Fernandes, 2011).
Na envolvente à Praça Francisco Sá Carneiro surgem os novo equipamentos da vila, que contribuem para o reforço da
sua centralidade. No início da década de 1950 são então construídos o Cineteatro São José (Figura 25), demolido na
década de 1980, e o Mercado Municipal; este último no local onde em inícios do século XIX havia funcionado a Real Fábrica
de Lanifícios de Cascais (Henriques, 2014).
Ao nível da forma da praça, a sua abertura a nascente para a Rua Dr.ª Iracy Doyle (que dá acesso ao Largo da
Estação) e à Alameda dos Combatentes da Grande Guerra, é feita através da curvatura da frente construída, marcando
uma transição gradual com o tecido urbano preexistente. Relativamente ao lado poente da praça, a frente construída forma
um ângulo reto que enquadra a abertura à Av. 25 de Abril, uma solução que vem reforçar a sua importância ao nível da
estrutura urbana de Cascais (Figura 26) (J. M. Fernandes, 2011; SIPA, 2011).
Figura 25 Visão da Pç. Francisco Sá Carneiro e Cineteatro S. José | 1959 (Fonte: http://goo.gl/3V8HcX)
Figura 26 Esquema síntese das relações formais da Pç. Francisco Sá Caneiro com as vias que lhe dão acesso
Na década de 1950 é construído o novo edifício da Estação de Caminho de ferro, na proximidade das Avenidas de
Sintra e Marginal, substituindo a antiga, situada na Alameda Duquesa de Palmela.
Com uma linguagem arquitetónica de índole tradicionalista caraterística do período do Estado Novo, o novo edifício da
Estação (Figura 27) remata o lado noroeste do Largo da Estação e tem uma maior proximidade e articulação com o tecido
urbano adjacente (Figura 28).
Figura 27 Edifício da Estação de Caminho--de-ferro de Cascais Figura 28 Largo da Estação (Fonte: Bing Maps)
A partir da década de 1960 poucas transformações de fundo ocorreram ao nível da malha urbana do núcleo histórico de
Cascais. As intervenções aí registadas centraram-se em processos pontuais de substituição do edificado, construindo-se
39
edifícios com maior área de construção e número de pisos, com uma linguagem arquitetónica por vezes desenquadrada dos
edifícios existentes na envolvente.
No respeitante à execução do PUCS, como já fora referido, em muitos casos a sua implementação não cumpriu as
linhas definidas por De Gröer. No caso específico da vertente nascente do vale da Ribeira das Vinhas, que é a área de
expansão urbana definida no PUCS com importância no âmbito desta dissertação, alguns dos equipamentos planeados não
foram construídos, tendo-se verificado ainda alterações ao nível dos parâmetros urbanísticos e tipologias de edifícios.
Dando como exemplo os lotes situados mais a poente nesta zona de expansão urbana, em alternativa às moradias
unifamiliares e geminadas, foram construídos condomínios compostos por edifícios de habitação coletiva, com maior
número de pisos, que contribui para o aumento da densidade habitacional e populacional desta zona.
Na área correspondente ao fim da Avenida Marginal – a Porta de Cascais – também se verificam alterações às linhas
estabelecidas no PUCS. Em 1973 foi inaugurado o hipermercado Jumbo (Figura 29) e na década de 2000 o centro
comercial Cascais Villa (Figura 30), um conjunto de edifícios com grande volumetria e linguagem arquitetónica dissonante,
num espaço para onde inicialmente estava planeado, respetivamente moradias unifamiliares e comércio.
Figura 29 Hipermercado Jumbo Figura 30 Centro Comercial Cascais Villa
40
4.2 ANÁLISE MORFOLÓGICA
No âmbito da presente dissertação de mestrado, a análise morfológica é entendida como uma ferramenta para a
compreensão do contexto urbano envolvente ao caso de estudo – a Porta de Cascais – contribuindo assim para o
entendimento da forma como se estruturam e organizam os vários elementos urbanos. Só compreendendo o contexto
urbano é que é possível avançar para a definição de linhas de ação estratégica ao nível do planeamento, de modo a que as
futuras intervenções no tecido urbano se formalizem de forma integrada, adequando-se aos desígnios do presente sem
comprometer a identidade dos tecidos.
Como foi possível observar no capítulo 3, dedicado ao estado da arte, a análise morfológica da cidade evoluiu ao longo
do tempo em diferentes contextos culturais, tendo sido desenvolvidas várias abordagens metodológicas que procuraram
descrever a forma urbana com diferentes bases conceptuais. A realização do enquadramento urbanístico de Cascais desde
o século XIV até à contemporaneidade, permite-nos concluir que a abordagem que melhor se adequa aos objetivos da
presente dissertação é a desenvolvida pelo Prof. K. Kropf. Esta opção prende-se ao fato de esta constituir uma metodologia
objetiva cuja base teórica melhor se adequa ao desenvolvimento de projetos de arquitetura, ao desenho urbano e
planeamento em que a taxonomia proposta, à semelhança de Caniggia, possibilita uma análise simultânea à escala do
edifício e da cidade.
4.2.1 Área de Estudo Taxon Sedes
De modo a poder-se realizar o estudo morfológico
da Porta de Cascais com recurso à metodologia
desenvolvida por Kropf, foi necessário delimitar uma
área de análise que não compreendesse só a zona de
estudo per si, mas que incluísse também o tecido
urbano envolvente, de modo a que houvesse uma
leitura mais abrangente e integrada do espaço. Assim, a
definição do limite da área de estudo teve em
consideração a qualificação do espaço, de modo a que
se criasse uma ideia de identidade que permitisse
apreender a homogeneidade e as singularidades da
realidade urbana; conceitos fundamentais para uma
correta interpretação da forma do espaço (Alfaiate,
2000; Norberg-Schulz, 1988).
Atendendo ao enquadramento urbanístico já
desenvolvido, a área de estudo compreende o núcleo
histórico de Cascais e as áreas de expansão urbana
envolventes à Praça Francisco Sá Carneiro e Avenida
de Sintra, desenvolvidas no âmbito do PUCS, que no
seu conjunto constituem o taxon Sedes (Figura 31).
Ao nível da definição dos limites, Alfaiate (2000)
identifica três aspetos que contribuem para a sua
definição e que constituem uma fórmula para a sua
Figura 31 Área de estudo | Taxon Sedes e fisiografia
41
delimitação: a natureza programada ou não programada do tecido urbano, a génese desse mesmo tecido urbano e a
fisiografia; aspetos estes observáveis no caso de estudo de Cascais.
Neste sentido, o limite norte e nascente do taxon Sedes, que compreende a área de expansão urbana definida pelo
PUCS entre a Ribeira das Vinhas e o Parque Palmela, carateriza-se por ser um limite cuja génese advém da natureza
programada do tecido urbano. Tendo em conta que o PUCS nesta área não foi executado conforme o estabelecido em
1948, no entanto, é possível observar uma clara clivagem ao nível morfológico, que diferencia a área programada por De
Gröer da urbanização das Fontainhas, Pai do Vento e Alto da Castelhana.
No respeitante ao limite poente do taxon Sedes, este é caraterizado por ser um limite com origem na génese do tecido
urbano. Até ao último quartel do século XIX este fora um dos limites da vila, marcando a transição do núcleo histórico para o
tecido urbano construído no século XX, com menores densidades e composto maioritariamente por moradias.
Os limites sul e sudeste são de ordem fisiográfica, em que a linha de costa funciona como uma fronteira natural.
Pode-se ainda verificar que os limites associados à génese e à natureza programada e não programado do tecido
urbano têm também uma forte relação com a fisiografia, onde as caraterísticas do locus adquirem um certo grau de
protagonismo no desenho urbano, assumindo-se como um dos fatores preponderantes na configuração da vila e na
articulação dos seus vários tecidos (S. P. Fernandes, 2013). Assim, é possível observar que o limite poente do taxon Sedes,
no troço correspondente à Avenida Vasco da Gama, acompanha uma linha de festo que une a cidadela à antiga Estrada de
Colares; também a Avenida da Argentina, que corresponde ao limite nascente do taxon Sedes, tem uma forte relação com a
morfologia do terreno, acompanhando a uma cota ligeiramente superior a linha de água que atravessa o Parque Palmela,
separando Cascais do Monte do Estoril.
4.2.2 Unidades Tipomorfológicas Taxon Sertum
De acordo com a metodologia desenvolvida por Kropf, o taxon Sertum corresponde ao nível de resolução de análise
morfológica que se debruça nas relações existentes entre as várias parcelas – lotes e quarteirões – com a rede viária
(Kropf, 2005). Há semelhança das unidades-plano de M.G.R. Conzen, estas combinações definem áreas homogéneas que
têm em consideração as caraterísticas específicas dos elementos urbanos que as integram, constituindo diferentes
unidades tipomorfológicas (UTM).
De acordo com Cohen (1999), as cidades, e mais concretamente os seus centros históricos, são formados por uma teia
complexa de espaços construídos e de circulação (edifícios, ruas, etc.) com origens temporais e culturais diversas, que
contribuem para a definição de diferentes estratos que sedimentam a forma urbana. Neste sentido, o enquadramento
histórico e urbanístico do lugar dá-nos pistas para a leitura e compreensão das diferentes formas urbanas, expressas em
diversas UTMs com as suas caraterísticas específicas.
Assim, não é difícil a compreensão do fato de os centros dos aglomerados urbanos, mais antigos, estarem expostos a
diferentes alterações morfológicas, em virtude da sua sucessiva adequação às novas formas de vivência e de uso do
espaço, resultando numa maior heterogeneidade tipológica em cada UTM. Em contraposição, nas áreas de expansão
urbana mais recentes, o seu crescimento é resultado de um processo de sucessivos acréscimos ao núcleo urbano
preexistente, definindo-se UTMs com uma maior homogeneidade ao nível das suas tipologias.
Deste modo, constata-se que a forma da cidade, e por consequência o caráter das UTMs, é fortemente influenciada
pelos processos de substituição, justaposição e crescimento urbano ocorridos em diversos períodos históricos, aos quais
estão associados diferentes sistemas construtivos, vocabulários arquitetónicos, materiais e conceitos urbanísticos, cuja
42
apreensão possibilita entender o modo como se processam as
transformações na sua configuração (Caniggia & Maffei, 2001).
Relativamente ao caso de estudo, o enquadramento urbanístico
de Cascais associado a vários levantamentos de campo permitiu a
identificação de 15 UTMs (Figura 32), tendo por base a
homogeneidade das relações existentes ao nível dos seus
elementos urbanos. A numeração de cada UTM corresponde a uma
sequência cronológica do desenvolvimento urbano da área de
estudo, atendendo já às transformações decorrentes de eventos
como o terramoto de 1755 (UTM 5 – na área urbana reconstruída
durante o século XIX e inícios do século XX no local do antigo
castelo) e programas de reconversão urbanística (UTM 10 –
correspondente ao conjunto urbano da Praia da Ribeira, datado de
finais da década de 1940 e inícios da década de 1950).
Considerando os objetivos da presente dissertação de mestrado,
optou-se por delimitar uma UTM específica para a Porta de Cascais,
de modo a apreender melhor as suas caraterísticas específicas.
Após a sua identificação e delimitação, para cada UTM foram
calculados os respetivos índices e parâmetros urbanísticos, que
expressam quantitativamente a diversidade morfológica da área de
estudo, cujos resultados poderão servir de indicadores a futuras
intervenções no tecido urbano de Cascais.
Da análise ao Quadro 3, observa-se que o índice de utilização do solo e o índice de ocupação do solo são mais
elevados no núcleo histórico de Cascais do que nas áreas urbanas desenvolvidas no último século. Nas áreas mais antigas
assiste-se a um maior aproveitamento do solo, com lotes de menor dimensão cuja superfície é, na sua quase totalidade,
corresponde à área de implantação dos edifícios, não se observando logradouros com uma expressão significativa. Nas
UTMs correspondentes às áreas urbanas desenvolvidas no âmbito do PUCS, que assentam numa base programática
inspirada na Cidade Jardim, os lotes têm maior dimensão, com logradouros mais expressivos e tratados como jardim de
enquadramento à tipologia de edifícios aí presente – moradias unifamiliares. A exceção a esta dicotomia entre o núcleo
histórico, mais urbano, e as áreas de moradias verifica-se nas UTM 13 e 14, com maiores volumetrias, onde se privilegiou a
construção de habitação coletiva com uma maior número de pisos.
No respeitante à densidade habitacional e à densidade populacional, pelas razões já expressas na análise aos índices
de utilização e ocupação do solo, há também uma clara diferenciação entre o núcleo histórico e as restantes áreas urbanas
presentes no taxon Sedes. Olhando mais atentamente os dados referentes à população e ao número de fogos, verifica-se
que a população residente é significativamente inferior à estimativa da população residente com base na dimensão média
do agregado familiar (ver Deficit de População no Quadro 3). Tal fato pode ser em parte justificado pelo envelhecimento
populacional, a utilização de fogos para atividades do setor terciário (consultórios médicos, escritórios de advogados,
turismo) e como segunda habitação, sugerindo-se uma análise mais detalhada a esta realidade.
Figura 32 Taxon Sertum | UTMs
43
Quadro 3 Índices e Parâmetros Urbanísticos de cada UTM | taxon Sertum
UTM Área (m2)
Ac (m2)
Ai (m2)
Iu Io Pm F40 Pop.41
Deficit de pop.42
D (hab/ha)
Dhab (F/ha)
1 86 340 193 986 77 576 2,2 90% 2 531 590 -738 68 62
2 32 729 73 148 27 795 2,2 85% 3 121 126 -177 38 37
3 15 541 16 541 6 310 1,1 41% 3 51 51 -77 33 33
4 53 375 43 430 17 871 0,8 33% 2 1 0 -3 0 0
5 13 124 18 740 6 223 1,4 47% 3 109 65 -208 50 83
6 41 191 49 169 21 349 1,2 52% 2 301 400 -351 97 73
7 8 013 9 236 4 150 1,2 52% 2 17 22 -21 27 21
8 14 024 6 415 2 502 0,5 18% 3 1 2 -1 1 1
9 19 769 11 263 4 811 0,6 24% 2 18 23 -22 12 9
10 16 095 14 535 5 109 0,9 32% 3 1 0 – 0 1
11 57 044 65 145 19 452 1,1 34% 3 170 264 -161 46 30
12 444 498 243 358 99 997 0,5 22% 2 621 985 -568 22 14
13 38 054 38 505 9 622 1,0 25% 4 171 221 -207 58 45
14 24 232 29 695 8 428 1,2 35% 4 339 361 -487 149 140
15 62 470 74 375 19 425 1,2 31% 4 0 0 – – –
4.2.3 Tecidos Urbanos Taxon Textus
O tecido urbano é um conceito que ganhou destaque com Muratori e Panerai, entendido como um termo metafórico que
exprime a realidade da cidade construída ao nível das relações existentes entre os seus vários elementos compositivos
(Choay & Merlin, 1988). Para esta noção contribuem vários aspetos da realidade urbana, como a fisiografia, a divisão
cadastral e a articulação entre espaços construídos e não construídos, que no seu conjunto exprimem a identidade e a
diversidade dos próprios tecidos urbanos.
De acordo com Coelho (2013, p. 14), os tecidos urbanos são também a condensação de um “(...) processo evolutivo,
toda uma história, que explica a riqueza formal da cidade(...)”, sobrepondo e sedimentando acontecimentos e lógicas
diversas da organização do espaço. Para esta complexificação contribuem elementos pertencentes a diferentes períodos e
tipologias, que espelham diversas interpretações e modos de construção da cidade, relacionando-se com a envolvente
através de fatores de agregação e conexão, expressos em relações como o parcelamento, rede viária e alinhamentos.
Considerando a heterogeneidade tipológica inerente à cidade, a leitura dos tecidos urbanos processa-se através da
análise à configuração dos seus vários elementos – por inerência, a das várias UTMs – cuja articulação permite identificar
áreas com alguma homogeneidade ou com caraterísticas distintas.
É nesta perspetiva que se processa a delimitação dos vários tipos de tecidos urbanos, que de acordo com a
metodologia desenvolvida por Kropf (1993), definem o taxon Textus. Tendo-se delimitado a priori as várias UTMs, a sua
combinação permitiu a definição dos diferentes tecidos urbanos através da identificação de caraterísticas comuns. Neste
sentido, para o caso de estudo de Cascais, a articulação das 15 UTM identificadas permitiu a demarcação de quatro
unidades de tecido urbano (ver Figura 33 e Figura 34).
40 Dados obtidos de INE (2011);
41 Idem.
42 Deficit de população: diferença entre a população residente de acordo com os Censos 2011 e a estimativa populacional dada pelo produto do n.º de fogos pela dimensão média dos agregados familiares de Cascais em 2011, correspondente a 2,5 habitantes/ fogo (PORDATA, 2014b).
44
Figura 33 Taxon Textus | Tecido Urbano – Edifícios Figura 34 Taxon Textus | Tecido Urbano – Lotes e quarteirões
4.2.3.1 Unidade de Tecido Urbano 1
A unidade de tecido urbano 1 compreende parte do núcleo histórico da vila de Cascais e a sua delimitação resulta da
agregação das UTM 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 10. Com uma área aproximada de 66 hectares, esta unidade é caraterizada por
edifícios maioritariamente de dois pisos, reconstruídos no período pós-terramoto de 1755 ou com origem na época em que
Cascais passou a ser uma vila de vilegiatura, destacando-se ainda o conjunto urbano da Praia da Ribeira, cuja edificação se
iniciou em finais da década de 1940.
Os quarteirões têm uma forma tendencialmente regular, contribuindo para a definição de uma malha ortogonal que
evidencia alguma flexibilidade, como resultado da sua adaptação à fisiografia. Os lotes são de pequena dimensão
(profundos e estreitos), apresentando-se nas áreas mais antigas construídos na sua quase totalidade, razão pela qual os
logradouros têm pouca expressão.
A rede viária é caraterizada por ruas estreitas, acompanhando as curvas de nível e intercetadas por pequenas
travessas, becos e escadas transversais, que procuram vencer a diferença de cotas. Paralelamente à rede viária de cariz
medieval e renascentista, que tem como principais vias a Rua Visconde da Luz, Rua dos Navegantes, Rua Marquês Leal
Pancada e a Rua Frederico Arouca, encontramos o eixo constituído pela Alameda dos Combatentes da Grande Guerra –
Passeio D. Luís I – Av. D. Carlos I, desenvolvido no âmbito do PUCS. Além de facultar um melhor acesso ao centro da vila,
este eixo estrutura as ligações com a restantes centralidades de Cascais, como a Praça Francisco Sá Carneiro, tirando
ainda partido das relações perspéticas com a baía.
45
Ao nível do espaço público, o Passeio D. Luís I e a Praça 5 de Outubro constituem a principal centralidade desta
unidade de tecido urbano e da vila, sedeando-se aí os principais serviços da administração pública, nomeadamente os
Paços do Concelho, a Capitania e a Brigada Fiscal; constituindo ainda o local onde a vila se abre à baía de Cascais,
explorando o seu potencial cénico em forte articulação com a Praia da Ribeira. O Largo da Estação é outra importante
centralidade desta unidade de tecido urbano, justificado pelo seu caráter de porta de entrada na vila para os passageiros da
linha de caminho de ferro, articulando-se com as restantes centralidades da vila e com as praias.
É ainda nesta unidade de tecido urbano que se situam as principais praias da vila de Cascais: Praias da Ribeira, da
Rainha, da Conceição e da Duquesa. Consideradas como espaços de lazer por excelências, na sua proximidade é possível
observar os principais exemplares da arquitetura de veraneio cascalense, mas também restaurantes e hotéis,
nomeadamente a Casa dos Duques de Loulé onde atualmente funciona o Hotel Albatroz, explorando o potencial cénico
destes espaços.
4.2.3.2 Unidade de Tecido Urbano 2
A unidade de tecido urbano 2 tem uma área aproximada de 11,5 hectares e é resultado da agregação das UTM 9, 11 e
13, que engloba os conjuntos urbanos da Praça Francisco Sá Carneiro e Mercado Municipal, e as frentes construídas da
Avenida 25 de Abril.
O edificado é composto na sua maioria por habitação coletiva, que na proximidade às principais vias comporta comércio
e serviços ao nível do piso térreo, existindo ainda uma pequena área constituída por moradias na margem direita da Ribeira
das Vinhas.
A principal centralidade desta unidade de tecido urbano é a Praça Francisco Sá Carneiro, planeada como uma rótula
que articula os principais eixos estruturantes da vila: Avenida 25 de Abril, Avenida Marginal e Alameda dos Combatentes da
Grande Guerra. Um outro eixo importante de circulação é a Avenida D. Pedro I, que devido à elevada pressão do tráfego
rodoviário assume um caráter de bypass para o tráfego que entra em Cascais pelas Avenidas de Sintra e Marginal, ligando
diretamente a Porta de Cascais à Avenida 25 de Abril.
Ainda no respeitante às centralidades, é importante referenciar o Mercado Municipal e o Jardim da Luz. Ao mercado
municipal está associado um amplo terreiro que funciona como parque de estacionamento, servindo o comércios e serviços
locais bem como muitos dos utilizadores da Linha de Cascais. Situado na antiga margem direita da Ribeira das Vinhas, o
Jardim Visconde da Luz é o único jardim público existente no centro de Cascais e tem uma posição privilegiada pela sua
articulação com a Alameda dos Combatentes da Grande Guerra, Avenida Valbom e Ruas Alexandre Herculano e Visconde
da Luz.
4.2.3.3 Unidade de Tecido Urbano 3
Com uma área aproximada de 46,9 hectares, a unidade de tecido urbano 3 resulta da agregação das UTM 12 e 14,
compreendendo uma das áreas de expansão urbana desenvolvidas o âmbito do PUCS.
Com uma rede viária com um caráter orgânico de modo a se adaptar à fisiografia, as principais vias organizam-se no
sentido N-S e situam-se ora em linhas de festo ou em talvegues, contribuindo assim para a grande heterogeneidade dos
quarteirões ao nível da sua forma.
Tendo De Gröer para o PUCS se inspirado em alguns dos conceitos inerentes à Cidade Jardim, a esmagadora maioria
dos edifícios desta unidade de tecido urbano é constituída por moradias unifamiliares implantadas em lotes de grande
46
dimensão, cujos logradouros são tratados como jardins de enquadramento à habitação. A habitação coletiva é constituída
na sua maioria por condomínios que comportam vários blocos no mesmo lote, situados maioritariamente na área
correspondente à UTM 14 e pontualmente na UTM 12.
4.2.3.4 Unidade de Tecido Urbano 4
A unidade de tecido urbano 4 constitui a designada Porta de Cascais no acesso à vila pela Avenida Marginal e tem uma
área aproximada de 6,3 hectares. Correspondendo unicamente à UTM 15, esta unidade de tecido urbano tem como eixos
estruturantes a Avenida Marginal e a linha de caminho de ferro, paralelas entre si e que contribuem para a definição do
efeito de barreira existente entre a unidade de tecido urbano 3 e o mar (Praias da Conceição e Duquesa).
No correspondente ao edificado, este é constituído pelos edifícios do Hipermercado Jumbo e do Centro Comercial
Cascais Villa, destacados dos tecidos urbanos adjacentes pelas suas volumetrias, linguagens arquitetónicas e
fundamentalmente pela sua relação quase exclusiva com a Avenida Marginal. Tendo uma relação direta com unidades de
tecido urbano 1 e 2, o edifício da estação é entendido com linha de caminho de ferro como uma unidade, razão pela qual
integra a Porta de Cascais.
Ainda ao nível da rede viária, a Porta de Cascais é o local de maior convergência do tráfego rodoviário na área de
estudo pela junção das Avenidas Marginal, de Sintra e D. Pedro I na rotunda em frente do Centro Comercial Cascais Villa,
que contribui para que este edifício tenha uma maior destaque na entrada da vila.
À semelhança do efetuado na delimitação e caraterização das UTMs no taxon Sertum, também no taxon Textus foram
calculados os índices e parâmetros urbanísticos para cada unidade de tecido urbano (Quadro 4), quem têm por base o
Decreto Regulamentar n.º 9/2009 de 29 de maio e as Normas Urbanísticas (M. C. Lobo, Correia, Pardal, & Lobo, 1996).
Quadro 4 Índices e Parâmetros Urbanísticos do Tecido Urbano | taxon Textus
Tecido urbano
Área (m2)
Iu Io Pm F Pop. D
(hab/ha) Dhab (F/ha)
Nível de densidade43
1 660 548 0,8 30% 2 1133 1256 19 17 Área urbana de média/ alta
densidade
2 114 867 1,0 29% 3 359 508 44 31 Área urbana de média/ alta
densidade
3 468 730 0,6 23% 2 960 1346 29 20 Área urbana de média
444 62 470 1,2 31% 4 0 0 – – Área urbana de alta densidade
Da análise ao Quadro 4 é possível verificar que o índice de ocupação do solo é bastante similar nas unidades de tecido
urbano 1, 2 e 4. No entanto os valores referentes ao índice de utilização do solo aumentam, resultado de um maior número
de pisos dos edifícios, que justifica também uma maior densidade habitacional. A exceção é dada pela unidade de tecido
urbano 3, constituída na sua maioria por moradias unifamiliares, que faz com que os valores dos seus índices sejam
relativamente inferiores aos das restantes unidades de tecido urbano.
No respeitante à densidade habitacional é possível verificar que na unidade de tecido urbano 1 o seu valor é
relativamente inferior ao registados no restante tecido urbano. Tal valor pode ser justificado pela afetação de edifícios a
atividades não habitacionais como a hotelaria, comércio e serviços em parte ou no total da sua área de construção, onde se
43 A classificação do nível de densidade urbana tem por base o Índice de utilização do solo.
44 Para a unidade de tecido urbano 4 os índices urbanísticos foram calculados tendo em consideração a área de solo bruta.
47
inclui também a cidadela, que com uma área de implantação elevada pode induzir a uma interpretação errónea dos valores
de densidade habitacional.
4.3 MOBILIDADE E ACESSIBILIDADE
Para uma melhor compreensão da realidade urbana, um dos aspetos fundamentais é a análise à mobilidade e
acessibilidade na área de estudo. Neste sentido, para área corresponde ao taxon Sedes realizou-se uma análise aos
aspetos relacionados com a rede viária, transporte público e estacionamento, que teve por base os relatórios Sistema de
Acessibilidades (DMEI, 2013b) e o ETAC – Estudo de Trânsito de Âmbito Concelhio para Cascais (CMC & TIS, 2010),
elaborados no âmbito da revisão do PDM de Cascais.
4.3.1 Rede viária
De acordo com Lobo et al. (1996) as infraestruturas viárias podem ser organizadas numa escala hierárquica (
Quadro 5) que categoriza as diferentes vias em função das suas caraterísticas físicas e funcionais, mas também tendo
em consideração o tecido urbano envolvente.
Quadro 5 Hierarquia da Rede Viária (adaptado de IMTT, 2011, p. 6)
Nível Hierárquico Descrição
1º Nível | Rede Supraconcelhia Asseguram os principais acessos ao concelho – ligações intermunicipais e regionais;
2º Nível | Rede Estruturante e de
Distribuição Principal
Asseguram a distribuição dos maiores fluxos de tráfego do concelho, bem como os percursos de
média distância e o acesso à rede de 1º nível;
3º Nível | Rede de Distribuição
Secundária
Compostas por vias internas aos aglomerados urbanos que asseguram a distribuição próxima
local, bem como o encaminhamento dos fluxos de tráfego para as vias de nível superior;
4º Nível |Rede de Distribuição
Local ou de Proximidade
Vias estruturantes à escala do bairro, com alguma capacidade de escoamento, onde o peão é já
o elemento principal;
5º Nível | Rede de Acesso Local Garante o acesso rodoviário ao edificado, reunindo condições privilegiadas para a circulação
pedonal.
Esta hierarquia tem também em consideração os três aspetos-base que devem caraterizar a rede viária: as funções de
transporte, acessibilidade e social. Por função de transporte entende-se a capacidade e a velocidade de escoamento dos
fluxos de tráfego; a função de acessibilidade corresponde à intensidade das relações asseguradas pelo sistema viário de
um dado território e que é inversamente proporcional à função de transporte; a função social representa o relacionamento
existente entre a rede viária e as atividades que se desenvolvem na sua envolvente (IMTT, 2011).
Tendo em consideração as caraterísticas específicas de cada nível, a Figura 35 representa hierarquização da rede
viária na área correspondente ao taxon Sedes.
Classificadas como vias de 2º nível, as Avenidas de Sintra e Marginal representam as principais ligações de Cascais
com os municípios limítrofes, com exceção aos autoestradas A5 e A16 que não cruzam a área de estudo.
Na área correspondente à Porta de Cascais dá-se a articulação dos fluxos entre as vias de 2º e 3º nível, que através
das Avenidas D. Pedro I e 25 de Abril, promovem as ligações de atravessamento da vila entre as áreas nascente e poente.
No respeitante às vias de 4º nível, há que destacar o já mencionado eixo que une a Praça Francisco Sá Carneiro à
cidadela, que mesmo desenvolvendo-se de forma paralela à malha pré-PUCS, assume um caráter estruturante no tecido
urbano do núcleo histórico ao nível da circulação rodoviária e da vivência do espaço público.
48
As restantes vias enquadram-se no 5º nível – rede de
acesso local – destacando-se as intervenções nas áreas
mais antigas do núcleo histórico – UTMs 1 e 2 – cujo a
circulação é quase exclusivamente pedonal, o que veio
favorecer o seu caráter turístico e comercial.
Ao nível dos principais nós, há que destacar a perda
de importância que a Praça Francisco Sá Carneiro teve na
articulação dos fluxos rodoviários, perdendo o seu caráter
de rótula como planeado no PUCS, para se tornar num
espaço de atravessamento. Para tal contribui a
reorganização do tráfego rodoviário, que privilegiou a
Porta de Cascais como o principal local de articulação dos
fluxos de entrada e saída da vila, e ainda a Avenida D.
Pedro I que passou a ter um caráter de bypass no fluxo de
trânsito entre a Porta de Cascais e a Avenida 25 de Abril.
Outro aspeto relevante da rede viária é o seu
desempenho, que está relacionado com a sua
configuração e com o seu grau de saturação (M. C. Lobo
et al., 1996). A saturação de uma via está relacionado com
a capacidade de escoamento do tráfego rodoviário,
traduzindo-se no rácio entre o número de veículos que
passam numa determinada secção e a capacidade dessa
mesma via; que para valores elevados (entre 90% e
100%) corresponde “(...) a uma circulação condicionada e
altamente instável, na qual o volume de tráfego excede a capacidade da artéria, provocando a formação de filas de espera
e ondas de para-arranca” (Ministério da Economia, 2014, p. 86).
Deste modo, no taxon Sedes verifica-se um grau de saturação superior a 85% nas áreas correspondentes à Porta de
Cascais e Avenidas de Sintra e D. Pedro I, em especial nos sentidos de entrada na vila pela Avenida Marginal e na
proximidade ao Mercado Municipal. Com um grau de saturação que varia entre os 65% e os 85% encontra-se o troço da
Avenida 25 de Abril entre o Mercado Municipal e o Hotel Cidadela; a Avenida Marginal e a Alameda dos Combatentes da
Grande Guerra apresentam um grau de saturação inferior 50% (Ministério da Economia, 2014).
Da análise a estes dados, depreende-se que as áreas mais problemáticas no respeitante ao tráfego rodoviário estão
relacionadas com os principais nós existentes entre as vias de 2º e 3º nível, nomeadamente a Porta de Cascais e o
entroncamento entre as Avenidas D. Pedro I e 25 de Abril, que têm de escoar a maior parte do tráfego que entra em
Cascais através das Avenidas de Sintra e Marginal.
Figura 35 Taxon Sedes | Hierarquização da Rede Viária (adaptado de CMC & TIS, 2010, p. 84)
49
4.3.2 Transporte coletivo
De acordo com o ETAC, a estação de Cascais é considerada como o principal interface de transporte coletivo (TC) do
concelho. Articulando o serviço ferroviário com o transporte coletivo rodoviário, o interface divide-se em dois setores: a
estação de caminho de ferro propriamente dita (Figura 36), unida por uma passagem subterrânea sob a Avenida Marginal
ao terminal de autocarros, integrado no edifício do Centro Comercial Cascais Villa (Figura 37).
A operação de transporte ferroviário é realizado pela CP, em que a linha de caminho de ferro estabelece uma ligação
direta aos municípios de Oeiras e Lisboa, unindo o centro da vila de Cascais ao interface do Cais do Sodré em Lisboa. Com
cerca de 17 mil movimentos diários e aproximadamente 30 milhões de passageiros anuais, 66% das viagens são realizadas
por residentes no município de Cascais, 11% por não residentes e 23% por turistas; dados que demonstram a importância
que a Linha de Cascais tem não só nos movimentos pendulares casa-trabalho ou escola, mas também no turismo, pela sua
proximidade ao conjunto de várias praias no concelho.
O mesmo estudo avança que 40% dos utentes do comboio suburbano utiliza o TC na deslocação entre a habitação e a
estação, contrastando com os 15% que optam pelo Transporte individual (TI); um valor bastante elevado justificado pela
presença de parques de estacionamento automóvel na proximidade da estação.
No respeitante ao TC rodoviário, o interface de Cascais é servido por 22 carreiras de autocarros, que realizam
aproximadamente 1500 circulações diárias. O serviço de TC rodoviário, que tem como terminal o interface de Cascais,
cobre a metade ocidental do município e é prestado pela empresa Scotturb, cuja rede assente no traçado das principais vias
realiza ainda as ligações ao Concelho de Sintra, através dos corredores da Malveira da Serra e de Alcabideche-Linhó.
Ao nível da sua localização, o interface de Cascais encontra-se integrado com as unidades de tecido urbano que
constituem a área de estudo. Os principais acessos à estação realizam-se pelas Avenidas de Sintra, Marginal e Valbom,
pelas Ruas Sebastião José Carvalho e Melo, Frederico Arouca e Dr.ª Iracy Doyle, que permitem uma ligação rápida com as
principais centralidades da vila e com as praias.
Figura 36 Interface de Cascais | Estação de Caminho de Ferro Figura 37 Interface de Cascais | Terminal de autocarros integrado no edifício do Centro Comercial Cascais Villa
50
4.3.3 Estacionamento
Segundo o ETAC, a utilização de TI para a antiga freguesia de Cascais45 representa 67% das deslocações globais, um
valor bastante elevado quando comparado com o uso de TC (17%), deslocações a pé (15%) ou outros meios de locomoção
(1%). A justificação para este valor relaciona-se com uma cada vez maior atração pelo uso de TI para realizar viagens de
maior distância, nomeadamente os movimento pendulares casa-trabalho ou escola, intimamente ligados à dependência
laboral de Lisboa, que tem como principais eixos de conexão a A5 e Avenida Marginal. Um outro fator que contribui para
uma utilização elevada de TI é a incapacidade que o TC tem em responder eficazmente às necessidades dos residentes.
Deste modo não é de estranhar a elevada taxa de motorização da vila de Cascais, que regista um valor de 491 veículos
por 1000 habitantes, representando aproximadamente 1 veículo por cada 2 habitantes, valor que deve ser lido considerando
ainda as caraterísticas socioeconómicas da população residente e o uso do solo.
No respeitante à disponibilidade de estacionamento, 53% dos fogos tem estacionamento associado (26% apartamentos
e 27% moradias) e 47% não (33% apartamentos e 14% moradias). Atendendo ao enquadramento urbanístico da área
correspondente ao taxon Sedes, estes valores traduzem em grande medida as caraterísticas morfológicas do espaço
urbano e da habitação em Cascais, observando-se uma oferta de estacionamento público entre 30 a 50 lugares por hectare
nas unidades de tecido urbano 1, 2 e 4, e de 40 a 70 lugares por hectare na unidade de tecido urbano 3.
Outro valor de referência a considerar no respeitante ao estacionamento é a sua taxa de saturação, que exprime a
relação existente entre a procura global e a oferta de lugares. Para área do taxon Sedes, a taxa de saturação no período
diurno pode chegar aos 150% e no período noturno a 70%; resultados explicados pela concentração de comércio e serviços
no centro da vila de Cascais, que associados ao uso de TI para acesso à estação, levaram à introdução de tarifas de
estacionamento na via pública, que totaliza 530 lugares (Figura 38).
Pela mesma ordem de razão, foram também construídos parques de estacionamento pago que vieram reforçar a oferta
de lugares e que se localizam na proximidade às principais centralidades e equipamentos da vila. De entre estes parques
destacam-se o parque subterrâneo da estação (255 lugares), o parque do mercado (280 lugares – Figura 39), o parque da
Marina Terra (570 lugares), o parque do Centro Comercial Cascais Villa (150 lugares) e o parque Marechal Carmona (184
lugares).
Figura 38 Estacionamento na via pública tarifado Figura 39 Parque de estacionamento junto ao Mercado Municipal
45 No âmbito da reorganização administrativa do território das freguesias, a Freguesia de Cascais passou a integrar a União das
Freguesias de Cascais e Estoril de acordo com a Lei 11-A/ 2013 de 28 de janeiro.
51
5 DIAGNÓSTICO
Após o enquadramento urbanístico e o estudo morfológico da área correspondente ao taxon Sedes (capítulo 4), a fase
de diagnóstico procura analisar e avaliar a realidade urbana de Cascais, que servirá de base ao processo de
desenvolvimento de linhas estratégicas para a requalificação da Porta de Cascais.
Para o nível de resolução correspondente ao taxon Sertum é possível observar que a área de estudo compreende uma
grande número de UTMs. Tal fato é explicado em grande medida pelas caraterísticas fisiográficas do lugar, que quando
associadas ao processo de desenvolvimento socioeconómico e cultural da vila, originou uma maior diversidade tipológica do
espaço urbano.
Esta diversidade tipológica apresenta um elevado grau de integração das diferentes UTMs, cuja articulação através de
um sistema viário bem estruturado e hierarquizado, levou à delimitação de quatro unidades de tecido urbano que
compreendem o nível de resolução do taxon Textus. Com exceção da unidade de tecido urbano 4 – a Porta de Cascais –
que será analisada mais pormenorizadamente adiante, dentro da heterogeneidade observada, o tecido urbano de Cascais
apresenta uma boa preservação das suas caraterísticas morfológicas.
A heterogeneidade é também observável nas características da arquitetura, destacando-se o papel que a arquitetura de
vilegiatura e demais estruturas desempenham na afirmação identitária da linha de costa. Enquanto elementos arquitetónicos
singulares, exercem o papel de landmarks ao longo da linha de costa (Figura 40), funcionando como pontos de focalização
do olhar que contribuem para a legibilidade da silhueta da baía de Cascais e para a referenciação do espaço.
Figura 40 Legibilidade da baía de Cascais através dos elementos arquitetónicos
Outro aspeto relevante são as relações que estes elementos arquitetónicos criam com a baía de Cascais. Dada a sua
proximidade ao mar e às praias, estabelece-se uma relação de grande imediatibilidade46, expressa na justaposição e
contraposição da realidade urbana com a paisagem marítima, que tem como elementos de conexão a arriba, o passeio
marítimo e as próprias praias.
O processo de substituição do edificado tem também destaque nas caraterísticas identitárias do tecido urbano. Este é
um processo normal e contínuo inerente à forma de se fazer e viver a cidade, que de modo a preservar um equilíbrio entre o
que é novo e o preexistente, deverá enquadrar as caraterísticas morfológicas do tecido urbano em causa.
Em Cascais este processo tem uma visibilidade mais notória nas unidades de tecido urbano 1 e 2, compreendendo
parte do núcleo histórico; no entanto é possível observar em determinadas situações uma clara divergência entre o
preexistente e o novo, expressa ao nível das volumetrias e dos alinhamentos de cérceas e fachadas, contribuindo assim
para uma descaraterização da identidade das UTMs e do tecido urbano (Figura 41 e Figura 42).
46 Ver Cullen (2006), p.63;
52
Figura 41 Processo de substituição do edificado | Rua Alexandre Herculano
Figura 42 Processo de substituição do edificado | Largo da Estação
De acordo com Cullen (2006, p. 50) estes processos são entendidos como recessivos, isto é, criam discrepâncias ao
nível das perspetivas, padrões e ritmos do espaço urbano, constituindo alterações tipológicas que deformam a leitura da
cidade.
Também os aspetos técnicos e estéticos à escala do edifício têm impacto no processo de substituição do edificado.
Relacionados com o uso de azulejo, guardas em ferro forjado, material vegetal e demais elementos compositivos (Figura 43
e Figura 44), estes aspetos contribuem para o desenvolvimento de uma experiência visual direta entre o observador e o
objeto arquitetónico, concorrendo para a criação de uma imagem mental do espaço mais definida. No entanto, há que
enquadrar estes processos de substituição nas práticas contemporâneas de se fazer arquitetura, mais iconoclasta e menos
tradicionalistas, que no entanto, deveriam procurar uma maior imagem de conjunto e integração com o tecido urbano
envolvente. Na unidade de tecido urbano 1, correspondente a parte do núcleo histórico da vila, estas questões têm maior
impacto dadas as suas caraterísticas tipomorfológicas, em que elementos desta natureza têm maior destaque e são mais
frequentes; em contraposição, nas unidades de tecido urbano 2 e 3 estas questões tendem a diluir-se, dado o período
histórico e os princípios programáticos subjacente à sua génese.
Figura 43 Azulejo e guardas em ferro forjado como elementos decorativos
Figura 44 Trepadeiras a cobrir parcialmente fachada de uma habitação
Ainda ao nível do taxon Textus, as diferentes unidades de tecido urbano identificadas além de serem um reflexo do
processo evolutivo da Cascais, compreendem também a diferentes formas de leitura e vivência do espaço.
Um dos aspetos que contribuem para esta diferenciação da leitura do espaço é o modo como se acede aos edifícios.
Como é possível observar na Figura 45, nas unidades de tecido urbano 1, 2 e 4 o acesso aos edifícios na esmagadora
maioria dos casos faz-se diretamente pela via pública, definindo-se uma relação de grande proximidade entre o observador
53
e o edifício que beneficia o surgimento de atividades como comércio e serviços. No caso específico da unidade de tecido
urbano 3, composta na sua maioria por moradias que evidenciam um recuo da sua fachada face ao limite do lote confinante
com a via pública, esta relação de proximidade diminui de forma proporcional ao aumento do recuo, contribuindo assim para
uma maior intimidade do espaço privado, amplificada pela presença de muros, vedações e sebes que quebram possíveis
relações visuais entre o edifício e a rua.
Figura 45 Esquema representativo do acesso ao edificado
A Figura 46 representa a legibilidade da área correspondente ao taxon Sedes, procurando esquematizar a perceção do
espaço urbano numa abordagem semelhante à desenvolvida por Lynch em A Imagem da Cidade (1966), identificando os
quarteirões, vias e nós com melhor leitura.
Observando mais atentamente a figura, é possível verificar que os quarteirões que detêm uma maior legibilidade são
aqueles onde as atividades relacionadas com a hotelaria, comércio e serviços estão mais presentes. Para tal concorrem
diversos fatores como a presença de elementos marcantes e a proximidade às principais vias de comunicação e
centralidades da vila, que contribuem para a referenciação do observador no espaço.
Deste modo a unidade de tecido urbano 1, dadas as
suas caraterísticas tipomorfológicas em associação à forte
presença de atividade comercial, turística e serviços, há uma
maior leitura e vivência do espaço do espaço urbano, que é
amplificada pelo caráter pedonal da maioria das suas ruas.
A unidade de tecido urbano 2 corresponde a uma área
de transição entre o núcleo histórico da vila e a área de
caráter residencial programada pelo PUCS. Encontrando-se
nesta unidade de tecido urbano as funções de habitação,
comércio e serviços, bem como alguns equipamentos
(Mercado Municipal, a Biblioteca Municipal e o Centro de
Saúde), a leitura e vivência do espaço tem uma relação
muito forte com a circulação automóvel, dada a importância
que as vias aqui presentes têm na articulação e distribuição
de fluxos rodoviários.
Tendo como base conceptual a Cidade-Jardim, a
unidade de tecido urbano 3 é caraterizada por ser quase
exclusivamente residencial. Dadas as suas caraterísticas
tipomorfológicas, traduzidas numa baixa densidade e a
presença de vegetação (árvores de arruamento e jardins
privados), o espaço urbano é caraterizado por ter uma escala
Figura 46 Taxon Sedes | Legibilidade
54
humana, que é subvertido por uma fraca vivência do espaço público e pela predominância da circulação automóvel (Figura
47).
No respeitante à rede viária do taxon Sedes, esta é estruturada por quatro eixos principais: a Avenida Marginal, a
Avenida de Sintra, a Avenida 25 de Abril e o eixo que une a Praça Francisco Sá Carneiro à cidadela. Definidas no âmbito do
PUCS e constituindo a espinha dorsal da mobilidade em Cascais, estas vias têm um traçado paralelo à rede viária pré-
existentes, cujas vias principais passaram a ser de acesso local. No caso específico das UTMs 1 e 2, muitas das vias
preexistentes sofreram intervenções para que a circulação fosse exclusivamente pedonal, o que veio tornar mais cómodo o
acesso ao centro da vila e aos espaços comerciais aí existentes (Figura 48). Deste modo é possível distinguir dois
subsistemas de circulação na área do taxon Sedes: um pedonal, assente no sistema viário do núcleo histórico da vila,
contribuindo para um melhor acesso ao centro; e um misto (pedonal e rodoviário) que tem como funções principais a
mobilidade.
Ao nível dos espaços que funcionam como polos no tecido urbano, para a área de estudo identificaram-se quatro
centralidades: o conjunto formado pela Praia da Ribeira, Passeio D. Luís I e Praça da República; a Praça Francisco Sá
Carneiro; o Largo da Estação e a Porta de Cascais. Com exceção do Largo da Estação, as restantes centralidades
observadas articulam-se entre si através do eixo que une a Avenida Marginal à cidadela, formando a espinha dorsal do
taxon Sedes.
Relativamente ao Largo da Estação, este não integra o eixo definido pelas principais centralidades, contudo estabelece
um conjunto de relações diretas com os restantes polos urbanos através das principais vias de acesso local, que assumem
particular relevância na leitura e funcionamento do espaço, nomeadamente as Ruas Frederico Arouca, Dr.ª Iracy Doyle e a
Avenida Valbom (Figura 49 e Figura 50).
Figura 49 Relação do Lg. da Estação com a Av. Valbom e R. Frederico Arouca
Figura 50 Esquema-síntese das ligações do Lg. da Estação
Figura 47 Avenida Marechal Carmona Figura 48 Circulação pedonal na Rua Frederico Arouca
55
O polo formado pelo conjunto da Praia da Ribeira é entendido como o centro da vila de Cascais, função esta que vem
desde o século XIV. Sendo o Homem um ser gregário por natureza e estando a atividade piscatória na origem e
desenvolvimento económico de Cascais, foi em redor do conjunto formado pela Praia da Ribeira e pela atual Praça 5 de
Outubro que se organizou a comunidade da vila. Mesmo após Cascais se tornar uma estância balnear e se ter dado o seu
crescimento para o hinterland, as intervenções aqui desenvolvidas a partir da década de 1940 respeitaram e mantiveram
seu caráter de centralidade até hoje.
Para tal contribui fortemente a estreita relação existente entre o conjunto edificado e o mar (Figura 51), explorando o
potencial cénico, a plasticidade, o efeito de reflexão, textura e movimento da água. Tais caraterísticas contribuem para o
desenvolvimento de um efeito de orla e conforto no observador (Saraiva, 2011), que é explorada na realização dos
principais eventos públicos de Cascais, como as Festas do Mar e o Flugtag (Figura 52).
Figura 51 Esquema síntese da relação do conjunto da Praia da Ribeira com a Baía de Cascais
Figura 52 Praia da Ribeira | Red Bull Flugtag 2014
A praça Francisco Sá Carneiro, como já fora referido na secção 4.1, fora planeada como uma nova centralidade da vila,
que pelo seu caráter comercial e de distribuição de fluxos, não concorre com a Praia da Ribeira. Com a reorganização da
circulação rodoviária, em que a Avenida D. Pedro I assumiu um maior protagonismo no tráfego de atravessamento da vila, a
Praça Francisco Sá Carneiro perdeu o seu caráter de porta de entrada da vila para a Porta de Cascais (Figura 53 e Figura
54).
Figura 53 Tráfego rodoviário na Pç. Francisco Sá Carneiro Figura 54 Esquema-síntese da circulação rodoviária na Praça Francisco Sá Carneiro e Porta de Cascais
56
Entendidas como espaços de ócio por excelência, as praias de Cascais podem ser também entendidas como
microcentralidades devido à sazonalidade da prática balnear e às atividades económicas a ela associadas, nomeadamente
comércio e restauração (Figura 55).
Considerando a sua localização, é possível observar que as quatro praias têm uma ligação mais direta ou indireta com a
Rua Frederico Arouca, que assume um papel fulcral no estabelecimento de ligações entre várias as várias centralidades
presentes na área nascente do núcleo histórico de Cascais (Figura 56). Este papel é ainda evidenciado pelo seu caráter
pedonal e pelo comércio de rua, tornando mais cómoda a circulação nesta área e desempenhando um papel importante
para a atividade turística da vila.
Figura 55 Praia da Rainha Figura 56 Relação das praias de Cascais com a R. Frederico Arouca
5.1 A PORTA DE CASCAIS
Constituindo a principal entrada na vila, a Porta de Cascais é composta por um conjunto de elementos construídos com
uma configuração aparentemente desconexa, assente numa visão funcionalista do espaço (Figura 57). Esta visão é
expressa numa imagem de conjunto que não procura mitigar as consequências decorrentes do grande efeito barreira da
Avenida Marginal e da linha de caminho de ferro, onde a circulação automóvel, diferenças de cota e barreiras de proteção
quebram por completo a possibilidade de formalizar ligações mais coerentes entre os diferentes elementos urbanos (Figura
58). Também a relação com as unidades de tecido urbano envolventes se desenvolve apenas ao nível do tráfego rodoviário,
em que os edifícios, há exceção da Estação, não evidenciam uma lógica de integração com as UTMs adjacentes,
resultando numa incoerência não só estética mas também nos aspetos relativos a índices e parâmetros urbanísticos.
Figura 57 Perspetiva da Porta de Cascais (Fonte: Bing Maps)
Figura 58 Efeito de barreira da Av. Marginal e Linha de Caminho de Ferro
57
No caso específico do Centro Comercial Cascais Villa, este pode ser entendido como um edifício de exceção na Porta
de Cascais, não só pela sua linguagem arquitetónica, mas também pelas sua volumetria (Figura 59). Com uma maior
número de pisos e área de construção que os edifícios adjacentes, este edifício assume-se como uma landmark na áreas
nascente de Cascais, exponenciada pela sua posição de destaque no nó entre as Avenidas de Sintra, Marginal e D. Pedro I
(Figura 60).
Figura 59 Volumetria do Centro Comercial Cascais Villa Figura 60 Centro Comercial Cascais Villa como elemento de destaque na Porta de Cascais
Relativamente ao edifício do Hipermercado Jumbo, o seu impacto na Porta de Cascais é atenuado pelo recuo de grande
parte da sua fachada face à Avenida Marginal, cujo hiato é preenchido por um parque de estacionamento; e pela sua
implantação na base da vertente envolvente à Avenida de Sintra, que minimiza o efeito da sua volumetria (Figura 61).
Considerando toda a unidade de tecido urbano, é possível verificar que o elemento âncora aí existente é o interface
formado pela estação de caminho de ferro e o terminal de autocarros, aos quais estão associados parques de
estacionamento. Com uma área de influência que abrange a metade ocidental do município, este interface mais uma vez
revela o caráter estritamente funcional da Porta de Cascais, desempenhando ainda um papel importante na atividade
turística da vila pelas relações estabelecidas pelo Largo da Estação (Figura 62).
Figura 61 Posicionamento do Hipermercado Jumbo face à Av. Marginal Figura 62 Edifício da Estação de Cascais
Integrando a unidade de tecido urbano 1, as Praias da Duquesa e da Conceição são alvo do grande efeito de barreira
exercido pela linha de caminho de ferro e pela Avenida Marginal, encontram-se parcialmente isoladas do tecido urbano
envolvente. Este efeito de isolamento é também influenciado pela imagem urbana da Alameda da Duquesa de Palmela
(Figura 63), que funciona como parque de estacionamento e cuja frente construída é na sua maioria constituída pelo alçado
58
tardoz dos diferentes edifícios; bem como pela grande diferença de cotas existente entre a própria alameda e a praia,
aproveitada para a construção de edifícios afetos à restauração, comércio e apoio à prática balnear (Figura 64), que não
definem qualquer tipo de relação tipomorfológica com a Casas Faial e do Duque de Palmela.
Um outro aspeto importante na Porta de Cascais é o sistema viário, constituído por vias de 2º e 3º nível. Dada a
importância que estas vias têm no estabelecimento de ligações e âmbito local, municipal e regional, os seus níveis de
saturação são elevados, intensificando a supremacia do automóvel sobre o peão. Um outro aspeto importante é a não
qualificação estética destas vias (Figura 65), que têm impacto na forma como o espaço é apreendido, procedendo-se de
uma transição abrupta entre o caráter rodoviário da Avenida Marginal e o caráter urbano da vila de Cascais, potenciada pela
reorganização do tráfego.
Figura 63 Alameda da Duquesa de Palmela Figura 64 Edifícios comercias na Praia da Duquesa
Figura 65 Desqualificação da Av. D. Pedro I
5.2 ANÁLISE SWOT
A análise SWOT47 é um instrumento utilizado no planeamento estratégico que permite realizar uma análise da
informação, que de forma sumária e sistemática, possibilite diagnosticar as potencialidades e os problemas de um território
ou setor de atividade e, ao mesmo tempo, permite focalizar a estratégia de desenvolvimento nesses aspetos fundamentais.
Os pontos fortes e pontos fracos são o resultado de uma análise interna ao sistema, i.e., constituem as suas
potencialidades e debilidades. É fácil verificar que os recursos, ou seja, os aspetos da realidade territorial que poderão ser
mobilizados com vantagem para uma estratégia de desenvolvimento, constituem os seus pontos fortes e que os problemas
no funcionamento do sistema representam os seus pontos fracos, devendo por isso ser enfrentados no sentido da sua
resolução ou mitigação De forma complementar, as oportunidades e ameaças são entendidas como externalidades, a partir
de uma análise à envolvente. De acordo com Gonçalves (2014), as oportunidades são dinâmicas ou acontecimentos dos
quais se pode tirar uma vantagem competitiva considerando uma determinada conjetura, que deve ser utilizada para
melhorar a qualidade de vida das populações. Segundo o mesmo autor, as ameaças são entendidas como problemas
impostos num contexto de mudança ou o resultado de um acontecimento desfavorável e que constitui um travão no
desenvolvimento de um território ou atividade.
Considerando a avaliação desenvolvida nos pontos e capítulos anteriores, a análise SWOT para Cascais procura
sintetizar o diagnóstico elaborado para a área de estudo.
47 SWOT – acrónimo de Strengths, Weaknesses, Opportunities e Threats em inglês, e Forças, Fraquezas, Oportunidades e Ameaças em
português.
59
Pontos Fortes
Valor paisagístico da baía de Cascais, através de uma boa integração do tecido urbano com o mar, com especial
destaque para os vários exemplares de arquitetura de vilegiatura que funcionam como landmarks;
As várias unidades de tecido urbano identificadas na área, correspondem ao taxon Sedes na taxonomia de Kropf.
Se bem que diferentes ao nível das suas caraterísticas tipomorfológicas, encontram-se bem consolidadas,
possuem escala humana e que contêm uma boa legibilidade do espaço urbano onde a rede viária estruturante
funciona como principal elemento de articulação, constituindo a espinha dorsal deste;
As unidades de tecido urbano 1 e 2 (respetivamente parte do núcleo histórico da vila e a área urbana envolvente à
Praça Francisco Sá Carneiro) contêm as principais centralidades da vila e constituem um polo de emprego,
comércio e serviços, às quais acresce a presença de instituições públicas e de equipamentos, observando-se ainda
uma elevada qualidade do espaço público, que estimula a circulação pedonal;
A rede viária estruturante ancorada na Praça Francisco Sá Carneiro e Porta de Cascais funciona como o elemento
estruturante da vila, articulando-se com os principais eixos de ligação interconcelhio, como a Avenida Marginal (EN
6), os autoestradas A5 e A16, e as EN 9 e 247 (ligação a Sintra e Colares);
O eixo formado pela Alameda dos Combatentes da Grande Guerra, Passeio D. Luís I e Avenida D. Carlos I, que na
continuação da Avenida Marginal, explora o caráter perspético e cénico da vila com o mar, continuado na sua
ligação com a Avenida Rei Humberto II de Itália e Avenida da República em direção à Guia e ao Guincho, criando
uma via panorâmica de escala regional entre Lisboa e a Serra de Sintra;
Interface de TC de Cascais como o mais importante do concelho, com uma área de influência que cobre a metade
ocidental do município, que além de se apresentar bem articulado com as principais centralidades da vila,
estabelece ligações de escala intra e interconcelhias;
A estação de Cascais constitui a principal entrada/ saída da vila por TC, que aliada à presença de estacionamento
na sua envolvente (via pública ou parques), desempenha um papel importante na mobilidade da população, com
destaque nas ligações casa-trabalho/ escola e no turismo;
Pontos Fracos
Assimetria espacial na distribuição socioeconómica da população, incentivada pelo PUCS e que tem maior
expressão nas áreas de expansão urbana correspondentes aos antigos parques da Gandarinha e Palmela;
O processo de substituição do edificado na área do núcleo histórico vem, em muitos casos, divergindo com a
realidade arquitetónica envolvente, nomeadamente no respeitante a volumetrias, materiais, concordância de
cérceas e alinhamentos de fachadas;
Efeito barreira formado pela Avenida Marginal e pela linha de caminho de ferro, que quebram com a continuidade
do espaço urbano, contribuem para o isolamento das Praias da Conceição e da Duquesa, demarcando uma
fronteira expressiva entre o núcleo histórico e áreas de caráter comercial com o espaço residencial envolvente à
Avenida de Sintra;
Organização puramente funcionalista da Porta de Cascais, assente essencialmente no tráfego rodoviário e
ferroviário, não existindo uma imagem de conjunto, nem se verificando uma imagem de transição progressiva
entre o caráter rodoviário da Avenida Marginal com o caráter urbano da vila;
60
Elevada taxa de motorização que contribui para a existência de níveis de saturação rodoviária nos nós entre as
vias de 2º e 3º nível, com especial enfoque na Porta de Cascais, que articula os fluxos com origem e destino nas
vias com destino a Lisboa e Sintra;
Praça Francisco Sá Carneiro como uma centralidade da vila meramente funcional, pela articulação do trânsito em
direção ao núcleo histórico e Porta de Cascais, tendo perdido a sua função de porta de entrada na vila como
planeado no PUCS pela importância que a Avenida D. Pedro I ganhou na ligação da Avenida Marginal à Avenida
25 de Abril;
Divisão do interface de TC de Cascais em dois polos separados pela Avenida Marginal, que mesmo unidos por
uma ligação subterrânea, motivam o atravessamento pedonal desta via, contribuindo para o surgimento de
comportamentos de risco por parte dos peões;
Oportunidades
Crescimento da procura de habitação no município de Cascais;
Capacidade de induzir um aumento de deslocações por TC e modos suaves;
Potencial de criação de uma imagem mais coerentes na Porta de Cascais e sua integração com o tecido urbano
envolvente;
Cascais como polo turístico com capacidade de captação de fluxos de escala regional, nacional e internacional,
devido às suas praias, à oferta cultural e desportiva (desportos náuticos, golfe, hipismo) e organização de
encontros (congressos, colóquios);
O PETI – Plano Estratégico de Transportes e Infraestruturas48 – como instrumento para modernizar a Linha de
Cascais, através de investimentos na sua segurança, substituição do material circulantes, investimento em
estações, contemplando ainda a ligação à Linha de Cintura pelo nó de Alcântara, que contribuirá para um aumento
da área de influência e utilização desta infraestrutura rodoviária à escala regional;
Construção do TLS – Transporte Ligeiro de Superfície – como uma possível solução para a melhoria da mobilidade
intraconcelhia ao nível das relações entre o litoral e o hinterland, articulando-se com os interfaces de TC de
Cascais e Carcavelos (CMC & TIS, 2010);
Ameaças
Perda do caráter urbano das áreas residenciais, dado pelo seu monofuncionalismo, pelo acentuar da utilização do
TI nas suas deslocações e o aumento da taxa de motorização à escala municipal;
Crise económica e financeira que cria limitações ao financiamento do setor imobiliário;
Centros comerciais na proximidade dos grandes eixos viários com grande capacidade competitiva face ao
comércio tradicional/ de rua;
48 PETI, com o horizonte temporal 2014-2020 (PETI3+), é uma atualização do PET 2011-2015, consistindo num programa do Ministério
da Economia que visa um conjunto de reformas e investimentos no setor dos transportes e infraestruturas a desenvolver até ao final da presente década – ver Ministério da Economia (2014).
61
5.3 OBJETIVOS ESTRATÉGICOS PARA UMA INTERVENÇÃO NA PORTA DE CASCAIS
Após a fase de diagnóstico, cujas conclusões resultaram numa análise SWOT para a área de estudo, é possível apontar
os principais problemas inerentes à Porta de Cascais. Para tal é importante que haja uma melhor integração da Porta de
Cascais com o tecido urbano envolvente, de modo a que possíveis futuras intervenções contribuam para uma melhoria do
ambiente urbano, realizadas em consonância com as diversas caraterísticas morfológicas existentes na área. Neste sentido,
os principais objetivos estratégicos para uma futura intervenção na Porta de Cascais deverão:
Mitigar o efeito de barreira existente entre a unidade de tecido urbano 3 e as praias da Duquesa e da Conceição
provocado pelo traçado da linha de caminho de ferro e da Avenida Marginal, pelo explorar de possíveis pontos de
contato e pela promoção de um melhor enquadramento destas infraestruturas no tecido urbano envolvente;
Definir uma progressiva transição entre o caráter rodoviário da Avenida Marginal com o espaço urbano da vila de
Cascais, procurando uma melhor qualificação da entrada da vila associada à criação de uma imagem de conjunto
dos elementos arquitetónicos aí existentes e explorando as possíveis ligações com as principais centralidades e
equipamentos através das principais linhas de força do espaço urbano;
Promover uma maior integração das praias da Duquesa e da Conceição com o tecido urbano, diminuindo o seu
isolamento pelo explorar das relações com a Rua Frederico Arouca, Alameda da Duquesa de Palmela e com o
passeio marítimo que liga Cascais ao Estoril;
Reforçar as ligações entre os vários elementos que integram a estrutura ecológica, nomeadamente o vale da
Ribeira das Vinhas, o Parque Palmela e as praias;
Os objetivos estratégicos apresentados deverão ser entendidos como orientações ao nível do planeamento urbano que
têm como foco a reestruturação da Porta de Cascais, procurando uma melhoria da qualificação do espaço com vista à
valorização da estrutura urbana da vila, feita em conformidade com as suas caraterísticas tipomorfológicas. Estes objetivos
deverão ainda considerar as oportunidades e as ameaças identificadas na análise SWOT.
Para tal, no âmbito do planeamento estratégico, algumas das ameaças e oportunidades devem ser encarados como
incertezas cruciais, i.e, é admissível a possibilidade da ocorrência embora não se conheça a sua possibilidade de ocorrência
(Gonçalves, 2014). Deste modo, estas incertezas cruciais são entendidas como forças motrizes para cenarização da
evolução urbanística da Porta de Cascais, constituindo eixos de contrastação em torno dos quais serão construídos os
vários cenários (Figura 66).
Figura 66 Eixos de contrastação
62
Uma vez identificados os eixos de contrastação, a sua conjugação permite a criação de matrizes ou de tramas base em
torno de dois eixos independentes, a partir dos quais poderão ser identificados os vários cenários, que serão posteriormente
detalhados. Deste modo, uma matriz ou trama base de um cenário é dada através do seu posicionamento face aos eixos de
contrastação, caraterizando-se por serem os “motores do cenário” (Ribeiro, 1997).
Figura 67 Matriz I | Eixos de contrastação do PETI e TLS Figura 68 Matriz II | Eixos de contrastação do PETI e Turismo
Figura 69 Matriz III | Eixos de contrastação do PETI e Crise Económica e Financeira
Figura 70 Matriz IV | Eixos de contrastação do Turismo e Crise Económica e Financeira
Considerando as quatro matrizes apresentadas, no âmbito da presente dissertação aquela que melhor se adequa e
enquadra nos objetivos estratégicos para a Porta de Cascais é a Matriz III (Figura 69). Esta opção prede-se ao fato de caso
tais investimentos vierem a concretizar-se, terão um impacto direto na organização e funcionamento na Porta de Cascais.
Cascais de escala metropolitana
Mobilidade focada no litoral
Cascais de escala metropolitana
Mobilidade de escala concelhia
Mobilidade focada no litoral
Cascais como núcleo litoral
Mobilidade de escala concelhia
Cascais como núcleo litoral
TLS
PE
TI
Cascais de escala metropolitana
Cascais como paragem turística
Cascais de escala metropolitana
Reconstituição do triângulo áulico
Cascais como paragem turística
Cascais como núcleo litoral
Reconstituição do triângulo áulico
Cascais como núcleo litoral
Turismo
PE
TI
Cascais de escala metropolitana
Desinvestimento no setor imobiliário
Cascais de escala metropolitana
Recuperação do investimento público e
privado
Desinvestimento no setor imobiliário
Cascais como núcleo litoral
Recuperação do investimento público e
privado
Cascais como núcleo litoral
Crise Económica e Financeira
PE
TI
Reconstituição do triângulo áulico
Desinvestimento no setor imobiliário
Reconstituição do triângulo áulico
Recuperação do investimento público e
privado
Desinvestimento no setor imobiliário
Cascais como paragem turística
Recuperação do investimento público e
privado
Cascais como paragem turística
Crise Económica e Financeira
Tu
rism
o
63
5.4 CENÁRIOS
O processo de cenarização é, de acordo com Gonçalves (2014),um exercício de aprendizagem que contribui para uma
melhoria da capacidade de concetualização e construção de uma visão conjunta. No entanto, é importante ter em
consideração que os vários cenários não são previsões, mas antes formas de iluminar possíveis futuros, um conhecimento
provisório, desejável, que deve inspirar os vários agentes ou atores à realização de ações. Deste modo, os cenários
auxiliam o decisor a focar-se nas incertezas críticas, que através de histórias alternativas de como a realidade poderá
evoluir, têm em consideração as forças que poderão encaminhar o futuro para diferentes rumos (Castro e Almeida, 2013).
Não sendo possível prever com exatidão o futuro, dadas as vicissitudes que poderão afetar a atual conjetura, é, assim,
importante explorar futuros alternativos em função dos vários contextos económicos, políticos, sociais, etc. Neste sentido, os
vários cenários devem ser entendidos como ferramentas ao nível do planeamento que exploram os vários desafios, riscos e
oportunidades para um dado território, envolvendo vários atores/ agentes na procura de futuros plausíveis e provocantes.
Atendendo a estes aspetos concetuais sobre a construção de cenários e aos objetivos estratégicos para uma futura
intervenção na Porta de Cascais, definidos anteriormente, desenvolveram-se quatro cenários que procuram uma visão de
conjunto para a área de estudo da presente dissertação, tendo por base a Figura 69 Matriz III | Eixos de contrastação do
PETI e Crise Económica e Financeira. No entanto é importante salientar que os quatro cenários apresentados devem ser
entendidos única e exclusivamente como possíveis programas a montante de um projeto de requalificação urbana, e não
como soluções projetuais por si só.
5.4.1 Cenário 1 | Uma nova alameda para Cascais
Utilizando as verbas disponibilizadas pelo PETI para o horizonte 2014-2020, a
REFER49 desenvolveu projetos de modernização para a Linha de Cascais. Estes
projetos visam a substituição do atual material circulante, modernização do atual
sistema de sinalização e a substituição do balastro e catenárias.
Um outro investimento associado à Linha de Cascais é a concretização do nó de
Alcântara em Lisboa, possibilitando a ligação desta infraestrutura à Linha de Cintura.
Com este nó e para além do interface do Cais do Sodré, a Linha de Cascais passa a
ter ligação a outros importantes interfaces no centro da capital com conexão à rede do
metropolitano de Lisboa (Sete-Rios, Entrecampos, Roma-Areeiro e Oriente),
concretizando-se ainda a ligação à Linha de Sintra, do Oeste, do Norte e do Sul. Neste sentido, a partir da Linha de
Cascais passa a ser possível estabelecer ligações diretas com importantes eixos de TC de escala regional, nacional e
internacional (considerando a ligação da Gare do Oriente ao Aeroporto Internacional de Lisboa através da Linha Vermelha
do metropolitano), aumentando a área de influência da Linha de Cascais para uma escala metropolitana. Com estas novas
ligações, verifica-se um aumento considerável da população residente nos núcleos urbanos litorais do município, com
destaque para as faixas etárias mais jovens, que passam a usufruir de um serviço da CP de escala regional e viver na
proximidade do mar.
Entendendo a importância destes investimentos, a REFER considerou importante proceder também à modernização
da estação de Cascais, que conjuntamente com o interesse da Câmara Municipal de Cascais numa solução de conjunto
para esta área da vila, criaram as bases para um projeto integrado para a Porta de Cascais. Deste modo, o projeto de
49 REFER, EPE – acrónimo de Rede Ferroviária Nacional.
Figura 71 Quadrante base ao cenário 1
64
requalificação da Porta de Cascais desenvolve-se através de quatro intervenções-base: Estação de Cascais, Alameda
Duquesa de Palmela, Avenidas Marginal e D. Pedro I, e duas intervenções pontuais.
No respeitante à estação de Cascais, e aproveitando a modernização do caminho de ferro, parte do Domínio Público
Ferroviário (DPF) deixa de servir os propósitos do serviço ferroviário, constituindo área de solo importante para a
requalificação da Porta de Cascais50. Assim, sugere-se a construção de um novo volume adjacente ao edifício já
existente da estação, afeto a comércio e serviços de apoio ao interface, que define um perfil de rua-corredor para parte da
Avenida Marginal.
A intervenção na Alameda Duquesa de Palmela desenvolve-se através da reformulação da sua relação com as Praias
da Duquesa e da Conceição. Para tal são definidas duas orientações de caráter projetual: redefinição do seu perfil
transversal, que inclui a reorganização do estacionamento na via pública, alargamento de passeios, criação de uma
cortina com material vegetal para mitigar as relações visuais com a linha de caminho de ferro e um novo plano de
rearborização da alameda, com o objetivo de criar um teto verde mais consistentes e com escala mais humana. A segunda
orientação projetual visa um fortalecimento da relação das praias com a alameda, através da criação de esplanadas e
terraços que explorem a relação visual com a baía de Cascais, intervenção esta que procura valorizar ainda a arquitetura
de vilegiatura aí presente.
Do lado norte da linha de caminho de ferro, alguma da área anteriormente libertada do DPF integra o projeto de
requalificação das Avenidas Marginal e D. Pedro I. Este projeto procura a redefinição do perfil destas duas artérias, com o
alargamento dos seus passeios e respetiva arborização entre o Parque Palmela, o Mercado Municipal e a Praça Francisco
Sá Carneiro, servindo três propósitos: mitigar o efeito visual da proximidade à linha de caminho de ferro e ao Hipermercado
Jumbo; definir um melhor enquadramento do Centro Comercial Cascais Villa, pela diluição do impacto da sua volumetria; e
criar um efeito de transição entre o caráter rodoviário destas vias com o centro da vila, instalando ainda uma faixa ciclável
entre a Praça Francisco Sá Carneiro e a Avenida Marechal Carmona.
Ainda com o intuito de criar uma maior imagem de conjunto com o tecido envolvente através de uma harmonização
tipomorfológica, sugerem-se duas intervenções mais localizadas ou pontuais. A primeira delas diz respeito ao edifício ainda
não concluído no gaveto da Rua Dr.ª Iracy Doyle com o Largo da Estação, sugerindo-se a subtração dos dois últimos
pisos de modo a que haja uma maior concordância com as caraterísticas tipomorfológicas do tecido urbano envolvente.
A segunda intervenção visa a urbanização dos terrenos adjacentes às Avenidas Costa Pinto e D. Pedro I, para os
quais se propõem moradias unifamiliares que respeitem os índices e parâmetros urbanísticos da UTM onde se inserem.
50 Ver n.º 3 do artigo 27º do Decreto-Lei n.º 276/2003 de 4 de novembro – Ministério das Obras Públicas, Transportes e Habitação.
65
5.4.2 Cenário 2 | Uma nova Porta para Cascais
Utilizando as verbas disponibilizadas pelo PETI, a REFER desenvolveu projetos de
modernização para a Linha de Cascais. Estes projetos visam a substituição do atual
material circulante, modernização do atual sistema de sinalização, a substituição do
balastro e catenárias.
Associado a este investimento, está também a construção do novo nó de
Alcântara em Lisboa, que pretende fazer a ligação das Linhas de Cascais e de
Cintura. Com este nó, e além do interface do Cais do Sodré, a Linha de Cascais passa
a ter ligação a outros importantes interfaces na capital com conexão à rede de
metropolitano, uma maior proximidade ao aeroporto da Portela, estabelecendo-se
ainda uma ligação direta às Linhas de Sintra, do Oeste, do Norte e do Sul. Neste sentido, utilizando a Linha de Cascais
passa a ser possível realizar ligações de forma direta com importantes eixos de TC de escala regional, nacional e
internacional (com o fim do Sud Express no Estoril), com reflexos num aumento da população residente na faixa litoral do
concelho.
Entendendo a importância destes investimentos, a REFER considerou importante proceder também à modernização
da estação de Cascais, que conjuntamente com o interesse da Câmara Municipal de Cascais na procura de soluções que
valorizassem esta área da vila e a melhoria das condições de financiamento, criaram as bases para o estabelecimento de
uma parceria para o desenvolvimento de um projeto integrado para a Porta de Cascais. Deste modo, o projeto de
requalificação da Porta de Cascais desenvolve-se através de cinco intervenções-base: Estação de Cascais, Alameda
Duquesa de Palmela, Avenidas Marginal e D. Pedro I, estabelecimento de pontos de contato e intervenções pontuais.
No respeitante à estação de Cascais, e aproveitando a modernização do caminho de ferro, propõe-se a diminuição da
cota da linha e a reformulação das plataformas para passageiros. Compreendendo que uma estação terminal apenas
necessita de quatro linhas em funcionamento (duas para embarque/ desembarque de passageiros e duas para
parqueamento de composições), parte do DPF deixa de servir os propósitos do serviço ferroviário, constituindo área de solo
importante para a requalificação da Porta de Cascais.
A intervenção na Alameda Duquesa de Palmela deverá procurar uma maior integração desta via com o tecido urbano
envolvente e com as Praias da Duquesa e da Conceição. Para tal, é redefinido o seu perfil transversal, que implica a
reorganização do estacionamento, o alargamento de passeios e a sua rearborização, criando um teto verde que dá a esta
via uma escala mais humana. Propõe-se ainda dar um maior destaque aos exemplares de arquitetura de vilegiatura aqui
presentes e reforçar as ligações visuais com a baía de Cascais, com a criação de terraços e esplanadas que possibilitem
uma maior permeabilidade visual entre a alameda e o mar. Sugere-se ainda uma ligação em rampa entre a alameda e o
passeio marítimo, junto à Casa dos Duques de Palmela, de modo a reforçar as ligações entre esta via e as praias a
nascente.
Nas Avenidas Marginal e D. Pedro I, a intervenção terá como objetivo central a criação de um efeito de transição entre o
caráter rodoviário da Avenida Marginal e o caráter urbano da vila. Utilizando parte da área de solo libertada do DPF, requer-
se o alargamento da Avenida Marginal até ao seu cruzamento com a Avenida Marechal Carmona, que incluirá a
redefinição do seu perfil, alargamento de passeios e a sua arborização entre o Parque Palmela até à Praça Francisco Sá
Carneiro e ao Mercado Municipal. A opção pela arborização destas vias serve dois propósitos: mais uma vez a criação de
um teto verde, que propicie o desenvolvimento de um efeito de orla, e o atenuar da volumetria do edifício do Centro
Comercia Cascais Villa pelo contraste entre material vegetal e inerte.
Figura 72 Quadrante base ao cenário 2
66
Associada às intervenções na Avenida Marginal e Alameda Duquesa de Palmela sugere-se a criação de pontos do
contato entre estas duas vias. Deste modo deverá proceder-se ao estudo para a construção de plataformas sobre a Linha
de Cascais de modo a que se atenue o efeito de barreira existente entre os dois lados da ferrovia.
Ainda com o intuito de criar uma maior imagem de conjunto com o tecido envolvente através de uma harmonização
tipomorfológica, ocorrem três intervenções mais localizadas ou pontuais. A primeira delas diz respeito ao edifício ainda não
concluído no gaveto da Rua Dr.ª Iracy Doyle com o Largo da Estação, propondo-se a subtração dos dois últimos pisos
de modo a que haja uma maior concordância com as caraterísticas tipomorfológicas do tecido urbano envolvente.
A segunda intervenção visa a urbanização dos terrenos adjacentes às Avenidas Costa Pinto e D. Pedro I, para os
quais se propõem moradias unifamiliares, respeitando os índices e parâmetros urbanísticos da UTM onde se inserem.
A terceira intervenção pontual é respeitante ao Hipermercado Jumbo, que através da expropriação dos seus
terrenos, poder-se-á criar uma imagem urbana mais próxima da existente na versão original do PUCS, sugerindo-se o seu
loteamento com o fim de se proceder à construção de mordias unifamiliares em função dos índices e parâmetros
urbanísticos registados nas áreas residenciais adjacentes.
5.4.3 Cenário 3 | Uma nova estação
Recorrendo aos fundos disponibilizados pelo PETI para o horizonte temporal 2014-
2020, a REFER procurou desenvolver projetos de modernização da Linha de
Cascais. Tais investimentos visam a substituição do atual material circulante, um novo
sistema e segurança e sinalização da ferrovia, a substituição do balastro e catenárias,
bem como a modernização da estação de Casais. No respeitante a este último projeto,
há uma adaptação das plataformas ao novo material circulante, procedendo-se ainda à
desativação de duas das atuais seis linhas, visto serem apenas necessárias quatro
para a concretização do serviço ferroviário: duas para embarque e desembarque de
passageiros e duas para estacionamento das composições.
Devido à sua complexidade, a construção do novo nó de Alcântara em Lisboa acabou por não avançar por decisão do
Governo, razão pela qual a ligação da Linha de Cascais ao sistema metropolitano de transportes continua a realizar-se de
forma indireta através do interface do Cais do Sodré; continuando a Linha de Cascais a ter um caráter autónomo e uma
área de influência muito focada nos aglomerados urbanos junto ao litoral.
Com a melhoria das condições de financiamento junto da banca, a REFER considerou importante intervir na estação de
Cascais, que conjuntamente com os anseios da Câmara Municipal de Cascais na procura de uma reformulação desta área
da vila, criaram as bases para uma parceria que visasse o desenvolvimento de um projeto integrado para a Porta de
Cascais. Deste modo, o projeto de requalificação da Porta de Cascais desenvolve-se em cinco etapas: Estação de Cascais,
Alameda Duquesa de Palmela, Avenidas Marginal e D. Pedro I, estabelecimento de pontos de contato e intervenções
pontuais.
No respeitante à estação de Cascais, propõe-se o desnivelamento da linha e a reformulação das plataformas para
passageiros. Devido ao fato de parte do DPF deixar de estar afeto ao serviço ferroviário, esta área de solo assume-se
como um recurso importante para a requalificação da Porta de Cascais.
Na Alameda Duquesa de Palmela, a intervenção procura explorar a sua relação com as Praias da Duquesa e da
Conceição, aproveitando o potencial paisagístico da baía de Cascais. Deste modo, são definidas duas orientações de
caráter projetual: redefinição do seu perfil, com a reorganização do estacionamento na via pública, alargamento de
Figura 73 Quadrante base ao cenário 3
67
passeios e um novo plano de rearborização, com o objetivo de criar um teto verde mais consistentes e com escala mais
humana; a segunda orientação projetual visa um fortalecimento da relação com as praias, sugerindo-se o explorar das
relações visuais com o mar, através da criação de esplanadas e terraços, e uma maior valorização da arquitetura de
vilegiatura aí presente.
No lado norte da linha de caminho de ferro, alguma da área anteriormente libertada do DPF integra o projeto de
requalificação das Avenidas Marginal e D. Pedro I, redefinindo-se o perfil destas duas artérias, com o alargamento dos
seus passeios e respetiva arborização entre o Parque Palmela, o Mercado Municipal e a Praça Francisco Sá Carneiro,
servindo três propósitos: mitigar o efeito visual da proximidade à linha de caminho de ferro e ao Hipermercado Jumbo;
definir um melhor enquadramento do Centro Comercial Cascais Villa, pela diluição do impacto da sua volumetria; e criar um
efeito de transição entre o caráter rodoviário destas vias com o centro da vila, instalando ainda uma faixa ciclável entre a
Praça Francisco Sá Carneiro e a Avenida Marechal Carmona.
No âmbito da requalificação da Avenida Marginal, propõe-se o estudo para a criação de pontos de contato com a
Alameda Duquesa de Palmela, sobre a Linha de Cascais, de modo a quebrar com o efeito de barreira aí presente.
Ainda com o intuito de criar uma maior imagem de conjunto com o tecido envolvente através de uma harmonização
tipomorfológica, ocorrem duas intervenções mais localizadas ou pontuais. A primeira delas diz respeito ao edifício ainda não
concluído no gaveto da Rua Dr.ª Iracy Doyle com o Largo da Estação, para o qual se propõe a subtração dos dois
últimos pisos de modo a que haja uma maior concordância com as caraterísticas tipomorfológicas do tecido urbano
envolvente. A segunda intervenção visa a urbanização dos terrenos adjacentes às Avenidas Costa Pinto e D. Pedro I,
para os quais estão sugerem moradias unifamiliares que respeitem os índices e parâmetros urbanísticos da UTM onde se
inserem.
5.4.4 Cenário 4 | Uma linha moderna
Dispondo das verbas do PETI para o horizonte 2014-2020, a REFER desenvolveu
projetos que visaram a modernização da Linha de Cascais. Tais projetos incluem a
substituição do atual material circulante e adaptação das plataformas da estações ao
mesmo, um novo sistema de sinalização e segurança da linha e a substituição do
balastro e catenárias.
Dada complexidade da empreitada e os condicionalismos económicos e financeiros
que o país enfrenta, o projeto do novo nó de Alcântara em Lisboa, que visa a ligação
das Linhas de Cascais e de Cintura, foi adiado por decisão do Governo. Assim, a Linha
de Cascais continua a ter um papel autónomo no contexto dos sistema de transportes de escala metropolitana, integrando-
se indiretamente com este através do interface do Cais do Sodré, que estabelece a ligação com o metropolitano de Lisboa e
com o transporte fluvial.
Compreendendo a importância que o PETI tem na melhoria das condições do caminho de ferro, a Câmara Municipal de
Cascais propôs à REFER o estabelecimento de uma parceria com vista ao desenvolvimento de um projeto que visasse a
requalificação da Porta de Cascais, pelo aproveitamento de parte do solo do DPF não afeto à atividade ferroviária. Deste
modo, o projeto de requalificação da Porta de Cascais desenvolve-se através de três intervenções-base: Alameda Duquesa
de Palmela, Avenidas Marginal e D. Pedro I, e intervenções pontuais.
A intervenção na Alameda Duquesa de Palmela inclui a reformulação da sua relação com as Praias da Duquesa e da
Conceição, estabelecendo-se duas orientações de caráter projetual: redefinição do seu perfil transversal, que inclui a
reorganização do estacionamento na via pública e o alargamento de passeios, propondo-se ainda a execução de uma
Figura 74 Quadrante base ao cenário 4
68
cortina com material vegetal para mitigar as relações visuais com a linha de caminho de ferro e um novo plano de
rearborização da alameda, com o objetivo de criar um teto verde mais consistentes e com escala mais humana; a segunda
orientação projetual visa um fortalecimento da relação com as praias, através da criação de terraços e esplanadas que
explorem a relação visual com a baía de Cascais, intervenção esta que deverá também valorizar a arquitetura de vilegiatura
aí presente.
No lado norte da linha de caminho de ferro, alguma da área libertada do DPF integra o projeto de requalificação das
Avenidas Marginal e D. Pedro I. Este projeto procura a redefinição do perfil destas duas artérias, com o alargamento dos
seus passeios e respetiva arborização entre o Parque Palmela, o Mercado Municipal e a Praça Francisco Sá Carneiro,
servindo três propósitos: mitigar o efeito visual da proximidade à linha de caminho de ferro e ao Hipermercado Jumbo;
definir um melhor enquadramento do Centro Comercial Cascais Villa, procurando diluir o impacto da sua volumetria; e criar
um efeito de transição entre o caráter rodoviário destas vias com o centro da vila.
Com o intuito de criar uma maior imagem de conjunto com o tecido envolvente através de uma harmonização
tipomorfológica, ocorrem duas intervenções mais localizadas ou pontuais. A primeira delas diz respeito ao edifício ainda não
concluído no gaveto da Rua Dr.ª Iracy Doyle com o Largo da Estação, ao qual se propõe a subtração dos dois últimos
pisos de modo a que haja uma maior concordância com as caraterísticas tipomorfológicas do tecido urbano envolvente. A
segunda intervenção visa a urbanização dos terrenos adjacentes às Avenidas Costa Pinto e D. Pedro I, para os quais
se sugerem moradias unifamiliares que respeitem os índices e parâmetros urbanísticos da UTM onde se inserem.
5.4.5 Cenários | Considerações finais
Observando os vários cenários, é possível verificar que as estratégias projetuais apresentadas vão ao encontro dos
objetivos propostos. Os quatro cenários apresentados visam, assim, a criação de uma maior imagem de conjunto para
aquela que é a principal porta de entrada em Cascais, que devido a várias opções urbanísticas do passado, contribuíram
para uma certa incoerência morfológica.
Neste sentido, os cenários apresentados procuram definir um conjunto de relações entre os vários elementos urbanos,
tentando mitigar as situações negativas presentes e explorar as suas potencialidades. Devido ao grande impacto que a
Linha de Cascais evidencia nesta área da vila, que redunda num paradoxo de uma barreira com um grande efeito
gravitacional, os vários cenários entendem o caminho de ferro e a estação como o principal elemento âncora, cujas
intervenções terão forçosamente um maior impacto na imagem urbana da Porta de Cascais.
Também as principais vias desempenham um papel importante nos vários cenários, que dado ao eu caráter de espaços
canal, são o principal vetor para uma maior e melhor legibilidade do espaço urbano. Assim, as opções pela redefinição de
perfis e a arborização vão ao encontro de uma maior valorização do espaço, realçando a presença de determinados
elementos urbanos em detrimentos de outros – os com o impacto mais negativo –, procurando ainda explorar diferentes
ambiências num espaço excessivamente funcionalista.
Ao nível das diferentes intervenções com um caráter mais pontual, procura-se o uma maior adequação dos edifícios
intervencionados com o tecido urbano envolvente numa perspetiva morfológica. No caso específico do edifício ainda não
concluído no gaveto da Rua Dr.ª Iracy Doyle com o Largo da Estação, pretende-se uma harmonização da sua volumetria
com os edifício adjacentes.
Contudo há que ter presente o investimento necessário para a execução de uma intervenção na Porta de Cascais que
vise a criação de uma imagem mais coerentes e integrada com a envolvente. O fato de um dos eixos de contrastação se
referir à conjetura económica e financeira do país, permite definir, assim, maiores e menores graus de intervenção,
69
destacando-se o Cenário 2 | Uma nova Porta para Cascais como o mais ambicioso e maximalista e o Cenário 4 | Uma linha
moderna como o mais minimalista e menos interventivo.
70
6 CONCLUSÃO
Tomando como caso de estudo a Porta de Cascais, o objetivo da presente dissertação de mestrado fixou-se no modo
como o estudo da morfologia urbana pode ser entendido como uma ferramenta ao nível do planeamento territorial. Para tal,
foi necessário procurar compreender a essência da análise morfológica da cidade, como evoluiu no espaço e no tempo ao
nível filosófico e metodológico, explorando os princípios concetuais desenvolvidos pelos vários autores que se dedicaram a
esta temática.
Da abordagem histórica-geográfica alemã e inglesa, passando pela visão da cidade como arquitetura nas escolas
francesa e italiana, e culminando nas metodologias integradoras de Kropf e Osmond, pudemos observar que o estudo da
morfologia urbana é um processo evolutivo que tem procurado explorar novos caminhos e abordagens no modo como é
entendido a forma da cidade. Para tal, a análise histórica do crescimento e desenvolvimento das cidades revela-se um fator
determinante na assimilação dos princípios que orientaram a materialização da forma urbana, espelhando os
acontecimentos, conceitos e técnicas que constroem e sedimentam a cidade ao longo do tempo. No caso de estudo,
Cascais, o seu enquadramento histórico e urbanístico possibilitou a perceção dos princípios orientadores de como a vila
cresceu, se desenvolveu e transformou, viabilizando uma leitura mais racional dos vários tipos de relações que se
estabelecem entre os diferentes elementos urbanos, e destes com a paisagem.
Aplicando a metodologia desenvolvida por Karl Kropf, que resultou na delimitação de diferentes unidades
tipomorfológicas, observou-se que Cascais é composta por um mosaico de circunstâncias urbanísticas que espelham as
dinâmicas evolutivas da vila. Esta diversidade morfológica tem um impacto direto na organização e no modo como se
processa a leitura do espaço, resultando em diferentes tipos de tecido urbano que se traduzem em índices e parâmetros
urbanísticos diversos, com especial relevância ao nível do planeamento. Neste campo há que destacar a importância que
De Gröer deu à rede viária na reformulação do PUCS, que através de um traçado bem hierarquizado, explorou várias linhas
de força que estruturaram o espaço urbano e, assim, contribuíram para uma maior articulação e integração das diferentes
tipologias presentes.
Ao nível arquitetónico, a análise morfológica permitiu destacar a importância paisagística da designada arquitetura de
vilegiatura ao longo da linha de costa, que tirando partido de implantações privilegiadas, explora o potencial cénico da baía
de Cascais pelo estabelecimento de relações diretas com o mar. Também ao nível da arquitetura, constatou-se que na área
do núcleo histórico da vila algumas das intervenções que visam a substituição do edificado têm vindo a processar-se sem
considerar as caraterísticas tipomorfológicas preexistentes, contribuindo para uma sucessiva descaraterização da imagem
do tecido urbano.
No respeitante à área de estudo – a Porta de Cascais – a sua análise morfológica permitiu observar um conjunto de
problemas existentes ao nível das relações que se estabelecem entre os vários elementos urbanos. Com uma organização
funcionalista centrada no tráfego rodoviário e na linha de caminho de ferro, a Porta de Cascais evidencia um conjunto de
descontinuidades com grande relevo e que afetam o seu funcionamento e imagem. Dentro destas descontinuidades à que
ressalvar o grande efeito de barreira gerado pela Avenida Marginal e a linha de caminho de ferro, que quebram possíveis
relações entre as praias e as áreas residenciais; e as discrepâncias existentes ao nível de índices e parâmetros urbanísticos
com as unidades tipomorfológicas envolventes.
Como pudemos observar, todo este processo de análise morfológica, revelou-se uma mais valia no entendimento da
forma urbana, revelando os principais problemas e as disfuncionalidades desta área da vila de Cascais, perscrutando as
suas relações com o tecido urbano envolvente. Assim, o estudo da forma urbana permitiu avançar para uma análise SWOT
71
que condensou as principais caraterísticas do tecido urbano, entendidos como fundamentais para o desenvolvimento de
estratégias de atuação ao nível do planeamento, tendo por base quatro cenários de atuação.
Cada cenário constitui uma visão alternativa para esta área da vila, que ao considerar as incertezas cruciais com maior
relevância, define de forma sintetizada um programa base para uma futura intervenção no espaço, com vista a uma maior
articulação e integração da Porta de Cascais com o tecido urbano envolvente. Deste modo, os város cenários procuram
explorar as oportunidades e portencialidades do espaço com vista a mitigar os seus principais problemas, devendo ser
entendidos como um processo que se situa a montante da elaboração de instrumentos de gestão territorial (Plano de
Pormenor ou Plano de Urbanização), para os quais definem as principais diretrizes.
Em suma, a presente dissertação de mestrado, ao realizar uma análise morfológica de Cascais, procurou uma melhor
compreensão da realidade urbana desta vila. Através da perceção das caraterísticas intrínsecas do tecido urbano, foi assim
possível desenvolver opções estratégicas ao nível do planeamento, que deverão nortear os principais agentes de mudança
do território nas suas intervenções, tendo como objetivo a uma maior e melhor integração da Porta de Cascais no contexto
da vila.
72
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