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CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 53, p. 221-237, Maio/Ago. 2008 221 Heriberto Cairo Carou Heriberto Cairo * Este artigo procura entender as transformações nas formas de inserção da América Latina no contexto de eras geopolíticas, buscando explicitar suas causas e, sobretudo, suas conseqüênci- as, no contexto da nova geopolítica contemporânea, em que a região se desloca de uma posição marginal ou passiva para assumir contornos próprios de autonomia, às vezes marcados como zonas de perigo. A análise ultrapassa a simples posição da região na geopolítica Ocidental e baseia-se num exercício de uma geopolítica do conhecimento. Para tanto, o autor resgata as principais contribuições da literatura sobre processos de continuidade de ordens geopolíticas permeadas de mutações, identificando as sucessivas eras geopolíticas de John Agnew que, grosso modo, se correlacionam com as ordens geopolíticas existentes: a geopolítica naturalizadora, do início do século XX; a era pós Segunda Guerra Mundial, da geopolítica ideológica; e a formação de uma nova era geopolítica com o fim da Guerra Fria. PALAVRAS-CHAVE: América Latina, geopolítica moderna, geopolítica do conhecimento, represen- tação do espaço, hegemonia. A AMÉRICA LATINA NOS MODELOS GEOPOLÍTICOS MODERNOS: da marginalização à preocupação com sua autonomia DOSSIÊ INTRODUÇÃO A existência de uma ordem geopolítica in- ternacional tem implicado certa continuidade nas estruturas e discursos geopolíticos, durante deter- minados períodos, separados por transições geopolíticas. A literatura geopolítica recente relati- va à questão da continuidade nos oferece duas al- ternativas: a das ordens geopolíticas mundiais de Peter J. Taylor e Colin Flint (2000); e as ordens geopolíticas conectadas a eras geopolíticas especí- ficas, de John Agnew e Stuart Corbridge (1995). Mesmo reconhecendo que os códigos geopolíticos de cada país guardam certa indepen- dência uns dos outros, Taylor e Flint, consideram que os atores mais relevantes no contexto internaci- onal conseguem impor a todos uma única pauta geral: as ordens geopolíticas mundiais. A existên- cia de uma ordem geopolítica mundial, segundo esses autores, portanto, só se estrutura com a pre- * Professor Titular de Ciência Política e de Administração na Faculdade de Ciência Política e Sociologia da Universidad Complutense de Madrid. Campus de Somosaguas, 28223. Madrid - España. [email protected] sença de uma potência dominante. Agnew e Corbridge (1995), no entanto, interpretam as ordens geopolíticas de maneira distinta. Para eles, essas ordens são constituídas pelo conjunto de regras, instituições, atividades e estratégias que se conver- tem em rotinas em cada período histórico, assu- mindo características geográficas determinadas. Es- sas ordens geopolíticas são sustentadas por rela- ções de poder coercitivas ou consensuais, mas não supõem necessariamente a existência de uma po- tência dominante, já que, em boa medida, as práti- cas materiais e representações hegemônicas estabe- lecem sentidos comuns. Nesse sentido, a perspec- tiva de Agnew e Corbridge tem inspiração gramsciana. As ordens constituem um modo de representação hegemônico, inspirado ou não numa potência hegemônica, não necessariamente impos- ta pela força. Assim, eles distinguem três ordens geopolíticas desde o século XIX: a ordem geopolítica britânica do Pacto da Europa (1815-1875); a ordem geopolítica da rivalidade inter-imperial (1875-1945); e a ordem geopolítica da Guerra Fria (1945-1990). Atualmente, estaríamos entrando em uma nova ordem geopolítica, que poderíamos denominar de

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Heriberto Cairo*

Este artigo procura entender as transformações nas formas de inserção da América Latina nocontexto de eras geopolíticas, buscando explicitar suas causas e, sobretudo, suas conseqüênci-as, no contexto da nova geopolítica contemporânea, em que a região se desloca de uma posiçãomarginal ou passiva para assumir contornos próprios de autonomia, às vezes marcados comozonas de perigo. A análise ultrapassa a simples posição da região na geopolítica Ocidental ebaseia-se num exercício de uma geopolítica do conhecimento. Para tanto, o autor resgata asprincipais contribuições da literatura sobre processos de continuidade de ordens geopolíticaspermeadas de mutações, identificando as sucessivas eras geopolíticas de John Agnew que,grosso modo, se correlacionam com as ordens geopolíticas existentes: a geopolíticanaturalizadora, do início do século XX; a era pós Segunda Guerra Mundial, da geopolíticaideológica; e a formação de uma nova era geopolítica com o fim da Guerra Fria.PALAVRAS-CHAVE: América Latina, geopolítica moderna, geopolítica do conhecimento, represen-tação do espaço, hegemonia.

A AMÉRICA LATINA NOS MODELOS GEOPOLÍTICOSMODERNOS: da marginalização à preocup ação com sua

autonomia

DO

SS

INTRODUÇÃO

A existência de uma ordem geopolítica in-ternacional tem implicado certa continuidade nasestruturas e discursos geopolíticos, durante deter-minados períodos, separados por transiçõesgeopolíticas. A literatura geopolítica recente relati-va à questão da continuidade nos oferece duas al-ternativas: a das ordens geopolíticas mundiais dePeter J. Taylor e Colin Flint (2000); e as ordens

geopolíticas conectadas a eras geopolíticas especí-ficas, de John Agnew e Stuart Corbridge (1995).

Mesmo reconhecendo que os códigosgeopolíticos de cada país guardam certa indepen-dência uns dos outros, Taylor e Flint, consideramque os atores mais relevantes no contexto internaci-onal conseguem impor a todos uma única pautageral: as ordens geopolíticas mundiais. A existên-cia de uma ordem geopolítica mundial, segundoesses autores, portanto, só se estrutura com a pre-

* Professor Titular de Ciência Política e de Administraçãona Faculdade de Ciência Política e Sociologia daUniversidad Complutense de Madrid.Campus de Somosaguas, 28223. Madrid - Españ[email protected]

sença de uma potência dominante. Agnew eCorbridge (1995), no entanto, interpretam as ordensgeopolíticas de maneira distinta. Para eles, essasordens são constituídas pelo conjunto de regras,instituições, atividades e estratégias que se conver-tem em rotinas em cada período histórico, assu-mindo características geográficas determinadas. Es-sas ordens geopolíticas são sustentadas por rela-ções de poder coercitivas ou consensuais, mas nãosupõem necessariamente a existência de uma po-tência dominante, já que, em boa medida, as práti-cas materiais e representações hegemônicas estabe-lecem sentidos comuns. Nesse sentido, a perspec-tiva de Agnew e Corbridge tem inspiraçãogramsciana. As ordens constituem um modo derepresentação hegemônico, inspirado ou não numapotência hegemônica, não necessariamente impos-ta pela força. Assim, eles distinguem três ordensgeopolíticas desde o século XIX: a ordem geopolítica

britânica do Pacto da Europa (1815-1875); a ordem

geopolítica da rivalidade inter-imperial (1875-1945);e a ordem geopolítica da Guerra Fria (1945-1990).Atualmente, estaríamos entrando em uma novaordem geopolítica, que poderíamos denominar de

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ordem da globalização militarizada, por falta deconsenso sobre a questão, a qual se traduz por umdiscurso homogeneizador da geopolítica, cujo con-teúdo seria estender as formas econômicas de mer-cado de acesso livre e as formas políticas de demo-cracia representativa a todo o planeta.

Nessas ordens geopolíticas, a política mundi-al foi organizada em torno de caracterizações do es-paço definidas por sucessivos discursos geopolíticosque formulam, ao mesmo tempo, modos de repre-sentação dos espaços. São as eras geopolíticas, se-gundo a definição de John Agnew (2003). Elascorrespondem, grosso modo, aos três períodos dasordens geopolíticas: a geopolítica civilizacional, ageopolítica naturalista e a geopolítica ideológica.Essas periodicidades não são absolutamente exa-tas. Existem continuidades entre elas, mas, em cadaperíodo, diferentes princípios se inter-relacionam dediversas maneiras, produzindo uma combinação

distinta de representações e práticas geopolíticas, e,nesse caso, também, as eras geopolíticas estão asso-ciadas aos períodos hegemônicos, ainda que nãocoincidam exatamente com eles. Segundo Agnew,

a imaginação geopolítica dominante, que retro-cedeu nesses períodos, teria antigas raízes no cres-cimento do capitalismo e da formação dos Esta-dos na Europa, no início da era moderna e naexpansão européia sobre o resto do mundo. Ashegemonias que caracterizariam as diferenteseras não estão livres de contradições nem de crí-tica. De fato, partindo de suas contradições inter-nas é que as velhas hegemonias são subvertidas,e surgem as novas (2003, [2005, p.103]).

Na conformação da imaginação geopolíticade cada era, as universidades e os institutos depesquisa desempenham um papel fundamental.É a geopolítica teórica que, junto à geopolítica prá-tica dos intelectuais do Estado, como diplomatas emilitares, conformam a visão geopolítica de cadaEstado. Os modelos geopolíticos não só proporci-onam uma representação do espaço perfeitamenteordenada, mas também são um lócus de enunciaçãomuito mais poderoso que o de outras representa-ções do espaço. Os modelos são científicos, ou seja,são considerados verdadeiros e neutros – ignoran-do-se, freqüentemente, seu caráter interessado –,diferentemente do conhecimento formulado por

diplomatas e militares que, obviamente, respon-dem a uma determinada visão do Estado.

Ocuparemo-nos agora da América Latinanos modelos geopolíticos modernos, o que supõesituar nossas indagações no início do século XX,com o primeiro modelo geopolítico formal formu-lado pelo inglês Halford T. Mackinder, para, emseguida, transitar pela era geopolítica da GuerraFria e, finalmente, analisar os modelos posterioresao final da Guerra Fria, que oferecem novas formasde pensar a América Latina no mundo. Não setrata apenas de caracterizar a América Latina natradição geopolítica ocidental, mas de fazer umexercício de geopolítica do conhecimento como tãomagistralmente o fizeram recentemente autorescomo Walter Mignolo (2005) ou David Slater (2004)sobre essa região.

REGIÃO MARGINAL NA GEOPOLÍTICA NATU-RALISTA

Na era da geopolítica naturalista, que coin-cide, grosso modo, com a ordem geopolítica da ri-validade inter-imperial, vão se desenhar modelosgeopolíticos cuja principal característica

foi enfatizar o caráter determinante da localiza-ção geográfica ou das condições ambientais. Orelativo êxito de certos Estados na competiçãointernacional era atribuído às vantagens absolu-tas que sua localização lhes proporcionava e aalgumas condições meio ambientais superiores”(Agnew, 2003, [2005, p.119]).1

Um Estado estaria condenado, por exem-plo, à falta de estabilidade, caso se encontrasse emuma localização maldita, enquanto poderia gozarde certa tranqüilidade em outras latitudes. A ex-plicação do comportamento dos Estados, nesse tipode geopolítica, respondia a uma metafísica do solo,do território: acompanhavam forças telúricas dasquais, em termos gerais, não poderiam escapar.

Não faremos uma análise exaustiva de to-

1 Isto é o que poderíamos considerar como o pecado origi-nal da Geopolítica como disciplina, já que, muitas vezes,acaba sendo associada a essa forma particular de abordara análise das práticas espaciais dos Estados e de suasrepresentações.

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dos os modelos elaborados. Ocuparemo-nos doprimeiro e mais importante, o de Mackinder, dode Nicholas J. Spykman, que o segue, e de outromodelo, de certa forma alternativo, o de KarlHaushofer.

O caráter crucial da obra de Mackinder

A obra de Mackinder foi de importânciacapital no surgimento da Geopolítica,2 ou seja, foiMackinder quem conformou essa subdisciplina talcomo hoje a conhecemos; e foi ele precisamentequem encaixou as diversas peças do conjunto.

Não é por acaso que a obra de Mackinder sedesenvolve em plena época de expansão imperialbritânica, momento que deu lugar a um crescenteinteresse pelos problemas de ultramar. Sua preo-cupação com vantagens geoestratégicas da potên-cia terrestre sobre a potência marítima, para o do-mínio do planeta, refletia, em grande medida, umfato: a repartição colonial dos territórios livres ul-tramarinos havia se completado, e diversas potên-cias começavam a exigir novas divisões,inconformadas com as injustiças da repartição an-terior, quando não passavam diretamente à ação,desalojando velhos impérios de seus domínioscoloniais – sem ir mais longe, veja-se a agressãonorte-americana aos restos do império espanholem 1898 –, para apoderar deles. O próprioMackinder afirmava que o início do século XXmarcaria o fim da época colombina, durante a quala exploração geográfica do planeta praticamente secompletou, e, o que era ainda mais importante, jánão existiam territórios cuja possessão se pudesserealizar de forma pacífica. Por isso considerava que“daqui em diante, na era pós-colombina, encon-traremos um sistema político fechado e, o que nãoé menos importante, a sua esfera de ação será omundo inteiro. Todas as explosões das forças so-ciais que se produzam em vez de dissipar-se numâmbito circunvizinho de espaço desconhecido, no

qual dominam a barbárie e o caos, serão direta-mente refletidas nos mais distantes cantos do glo-bo e, por esta razão, os elementos frágeis do orga-nismo político e econômico do mundo serão des-troçados.” (Mackinder, 1904 [1975, p.66]).3

Em tais circunstâncias, e a partir dessa per-cepção, Mackinder elaborou seu conhecido mode-lo (Figura 1), apresentado primeiramente no artigoThe geographical pivot of history, publicado em1904, na revista Geographical Review, e desenvol-vido extensamente num livro posterior, publicadoem 1919, Democratic Ideals and Reality. Com basena interpretação da história européia, Mackinderconsiderava que o Estado que ocupasse o coração

continental (Heartland) – ou a região pivô (Pivot

Area), segundo a versão de 1904 –, dentro daEurásia, poderia exercer uma influência decisivasobre a vida política do mundo inteiro. A fim deopor essa superioridade geoestratégica, Mackinderprescrevia à potência marítima – naquele momen-to, o Reino Unido – uma política de equilíbrio de

poder no cinturão interior (Inner Crescent), a peri-feria da Eurásia, que contorna o coração continen-

tal, já que, se essa massa fosse dominada pela po-tência terrestre, inevitavelmente essa última domi-naria a ilha mundial (World-Island), ou seja, o con-junto terrestre da Eurásia e África, e, em últimainstância, o mundo. Essa idéia está claramenteexplícita em sua conhecida fórmula:

Quem governe a Europa Oriental dominará oCoração Continental;quem governe o Coração Continental dominaráa Ilha Mundial;quem governe a Ilha Mundial dominará o mun-do (Mackinder, 1919, p.106).

O cinturão exterior (Outer Crescent), as ilhase continentes situados para além da Eurásia, seri-am o âmbito espacial “natural” da potência maríti-ma.4 Aqui encontramos a América Latina nesse

2 Estamos de acordo com Parker de que ele foi “quemuniu estes diferentes fragmentos de pensamento paraproduzir o que L.S. Amery chamou ‘uma idéia compre-ensiva’” (1985, p.16).

3 Mackinder insiste especialmente no caráter interconectivodo sistema, até estabelecê-lo quase em termos de unidadeorganicista. Pode-se deduzir das afirmações de Mackinderque compreende de forma bastante precisa o mecanismofundamental do imperialismo: exportar os conflitos so-ciais no seio da nação a uma escala internacional.

4 Uma formulação deste tipo se presta facilmente à críticapelo seu determinismo; é fácil deduzir da obra deMackinder que, para ele, os processos geopolíticos rele-

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modelo, que estaria situada no âmbito de influên-cia do Reino Unido nessa época.

Se julgarmos pela extensão que a regiãoocupa em seus escritos, para Mackinder, ela era,inclusive, de menor importância que a Áfricasubsariana. Por exemplo, no texto de 1919, ele lhededica escassos comentários, quase sempre ligados,ademais, a reflexões sobre os Estados Unidos.5 Desua perspectiva, é plenamente lógico centrar-se nocontinente euro-asiático, porque aí é onde sedecide o futuro do mundo. Nesse marco, a AméricaLatina seria uma dessas regiões do globo que se dápor suposto, ou seja, que está dentro dos domíniosda potência marítima, distanciada das zonas deconflito principal, mas também do centro do mundo.

No entanto, Mackinder não descarta a futu-ra importância da região:

O desenvolvimento das grandes potencialidadesda América do Sul pode ter uma influência deci-siva para o sistema. Podem fortalecer os EstadosUnidos ou, pelo contrário, se a Alemanha pudes-se desafiar com êxito a doutrina Monroe, pode-ria separar Berlim do que talvez possa descrevercomo uma política de pivô (1904 [1975, p.80]).

Mas essa reflexão tampouco muda muito arepresentação mackinderiana da América Latina,e é importante destacar que, para ele, ainda quesua influência pudesse chegar a ser decisiva, ape-nas desempenharia um papel subordinado à po-tência hegemônica européia ou norte-americana(seja essa qual fosse).

Spykman: o teórico da transição da potênciamarítima

Nicholas J. Spykman foi um norte-america-no de origem holandesa, que, ao final dos anos de1930, se aprofundou na análise das relações entregeografia e política exterior (p. exe. 1938a; 1938b),expressando, de novo, a fórmula que, desdeNapoleão, fascina a todo homem de Estado realis-ta: “A Geografia é o fator condicionante mais fun-

Figura 1 - O mundo segundo Mackinder (1904)

Fonte: Mackinder (1904)

vantes são determinados pela posição que as diferentespotências ocupam no planeta. De fato, essa concepçãolembra muito a interpretação que Ratzel fazia doevolucionismo darwinista, e que poucos estariam dis-postos ainda a defender na atualidade. No entanto, asfórmulas de ação prescritas por Mackinder não seadéquam a esse tipo de fatalismo já que, como afirma G.Parker, “pressupunham um alto grau de potencialemancipável daquelas ataduras ambientais que tanto sehaviam apertado historicamente” (1985, p.27).

5 Reflexões que não chegam nem a uma página das 148que tem a edição trabalhada.

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damental na formulação de uma política [exterior]nacional porque é o mais permanente” (Spykman,1938a, p. 29).

Spykman é conhecido especialmente porseus dois livros (1942; 1944), escritos com a in-tenção explícita de intervir na formação da políticaexterior norte-americana. Neles, partindo da con-sideração de que

a sociedade internacional é [...] uma sociedadesem uma autoridade central para manter a lei ea ordem e sem uma instância oficial que protejaseus membros no uso de seus direitos [...][Spykman estabelece que] uma acertada políti-ca exterior para os Estados Unidos [...] deve de-senvolver uma ‘estratégia global’ (grandstrategy), tanto para a guerra como para a paz,baseada nas implicações de sua localização geo-gráfica no mundo (1942, p.7-8).

Tendo como base o modelo de Mackinder,Spykman minimiza o interesse no controle do co-

ração continental. Para ele o anel continental

(Rimland) é a área chave – que corresponde, gros-so modo, ao cinturão interior de Mackinder –, cujocontrole permitiria um domínio global do planeta(Figura 2). Uma tarefa da potência marítima seria,portanto, o controle de um anel continental euro-asiático unificado. A potência marítima, nas pro-ximidades da Segunda Guerra Mundial, já não eramais a Grã-Bretanha. Assim, quando Spykman(1944) defendia a intervenção dos Estados Unidos

nas terras periféricas da Eurásia, ele está afirman-do claramente que se produziu uma transiçãogeopolítica – ou se está produzindo.

E que ocorre com a América Latina, no mo-delo de Spykman? A região não está nesse anel

continental, e, portanto, não é peça fundamentalda estratégia de domínio global do autor. Isso sereflete na escassa atenção que Spykman presta àAmérica Latina.

Essa posição é paradoxal, já que seria de seesperar que, em um modelo geopolítico no qual osEstados Unidos ocupam um lugar central, a regiãoterrestre adjacente tivesse um maior protagonismo.Mas, de fato, quando Spykman faz alusão ao He-

misfério Ocidental, que as Américas ocupam, trataquase exclusivamente dos problemas, necessida-des e objetivos dos Estados Unidos. E isso não éestranho, já que, para Spykman, “o autêntico cen-tro de poder no Hemisfério Ocidental está na costaatlântica da América do Norte.” (1944, p.24).

Essa combinação de territórios tão diversoscomo o continente americano (o Hemisfério Ociden-tal de Spykman), nucleado pela região mais desen-volvida, não será alheia a outro modelo geopolítico,que, curiosamente, também se autodenominava“mackinderiano”, ainda que rompesse com algu-mas de suas premissas, e que foi proposto pelaGeopolitik alemã, o modelo das pan-regiões.

Figura 2 - O mundo segundo Spykman (1944)

Fonte: Spykman (1944, p.38)

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O modelo geopolítico nacional-socialista daspan-regiões

Ainda que possa parecer inovadora, a idéiade constituir grandes espaços integrados, parapotencializar os benefícios das diversas partes, nãoé nova. Nos anos 1930, os geopolíticos nazi-ale-mães formalizaram esquemas de integração Norte-Sul, onde combinavam povos imperiais e povoscolonizados. Embora a formulação, como veremos,fosse nova, ela também constituía um exemploextremo da presunção, comum na época, de que“o mundo estava constituído por agrupamentosraciais que podiam ser nitidamente divididos emdois ‘tipos’ de povos, e uns existiam fundamental-mente para servir aos outros” (Agnew; Corbridge,1995, p.59).

A racionalidade político-econômica de taisagrupamentos se sustentava no conceito deLebensraum (espaço vital). A idéia preponderanteera que os povos mais avançados – as economiasmais industrializadas dos Estados Unidos, Ale-manha e Japão – necessitavam espaço suficientepara abastecerem-se de matérias primas, sem des-prezar o papel que desempenhariam como merca-dos para seus produtos manufaturados. O objeti-vo era conseguir a autarquia da unidade política.No plano de distribuição de tarefas das ciênciaspolíticas delineado por Kjellen (1916 [1917]), se aGeopolitik deve determinar a área natural do Esta-do – já que essa seria sua melhor forma de vida –,do mesmo modo a Oekopolitik deve esforçar-se emmostrar as vias para alcançar a autarquia – que seriaa melhor forma de vida do Estado no terreno eco-nômico. Lebensraum e autarquia estavam, então,estreitamente associados. O resultado é que as ne-cessidades do Estado, e, em particular, do Estadoalemão, deviam ser satisfeitas por outras regiões,incorporadas em grandes espaços, organizados emtorno ao centro alemão e outros centros industriaisno Norte, então concebidos como pan-regiões.

Um terceiro elemento nesse esquema era as“pan-idéias” (Panideen), concebidas como um prin-cípio ideológico fundamental sobre o qual os Esta-dos poderosos desenvolviam sua política. Era uma

forma especial de Raumsinn, de sentido do espa-ço. Se considerarmos, como já foi afirmado porO’Loughlin e Van der Wusten (1990, p.2) e SaxeFernández (1991, p.27), que Haushofer (1931) eseus seguidores admiravam o modeloestadunidense de consolidação de um império for-mal e informal a partir da pan-idéia do destino

manifesto, podemos entender que, por trás de cadapan-região, existe uma pan-idéia.

As pan-idéias eram conceitos fundamental-mente culturais, mas os geopolíticos nazis nãodeixaram de incorporar aspectos econômicos ànoção de pan-região. Assim, as idéias desenvolvi-das por Alfred Weber (1929) acerca das áreas eco-nômicas ampliadas (Grosswirtschaftsraum) com-pletavam esse quadro à perfeição. Como afirma SaxeFernández:

Para o líder alemão era indispensável a proposi-ção de que a era do Estado Nacional como unida-de econômica devia ser substituída pela idéia degrandes áreas (Grossraume) que apresentaramcerta unidade geográfica e econômica (1991, p.26).

E acrescenta – e é importante reter isso, poisé uma das chaves no paralelismo atual que tenta-mos estabelecer: “há que enfatizar que com istonão questionavam de nenhuma maneira a funcio-nalidade do estado alemão, mas a de seus vizi-nhos” (p.26).

Os primeiros desenhos de pan-regiões queHaushofer e associados (Figura 3) produziram,definiam três ou quatro grandes espaços: Pan-Eu-ropa – que, às vezes, se formula como Pan-Euráfrica–, com centro na Alemanha e nas zonas industri-ais adjacentes, incorporando explicitamente a Áfricaem alguns momentos, mas, em outros, mantendo-a como região separada, mas subordinada; Pan-Ásia, com centro no Japão; Pan-América, com cen-tro na região nordeste dos Estados Unidos; final-mente, também, em alguns desenhos, aparecia aPan-Rússia, com centro em Moscou.6

6 A presença ou não da Pan-Rússia pode estar relacionadaàs idas e vindas das relações da Alemanha hitleriana coma União Soviética: se, no desenho da Figura 3, a Pan-Rússia não está presente, quando os exércitos hitlerianosinvadem a URSS, a Pan-Rússia desaparece – literalmente– do mapa, sendo a maior parte de seus territórios incor-porada à pan-região dominada pela Alemanha.

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Figura 3 - O mundo segundo Haushofer (1931)

Fonte: Parker (1985, p. 62)

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Se o modelo era plausível ou não na épocaem que foi formulado pela primeira vez é uma per-gunta que somente pode ser respondida a

posteriori. O que se pode afirmar é que estava cla-ro que se pretendia alterar todo o ordenamento domundo na época e, apesar de se contar com a cola-boração explícita do Japão, nunca se conseguiu oconsentimento dos Estados Unidos. Ainda mais:o Reino Unido, a antiga potência hegemônica en-tão em largo declínio, conseguiu provocar umatransição geopolítica em termos mais favoráveispara ela, assumindo os Estados Unidos, após ofinal da Segunda Guerra Mundial, claramente opapel que até então desempenhavam os britâni-cos. Em outras palavras, os nazis não foram capa-zes de estabelecer um consenso hegemônico – emtermos gramscianos – acerca de seu modelo demundo. As pan-regiões não entraram na agendapolítica daquele momento. Em suma, não conse-guiram impor sua representação do espaço e suasopções políticas foram anuladas.

Obviamente, a América Latina incluía-se nadenominada Pan-América, desempenhando o pa-pel de região abastecedora de matérias-primas paraa industrializada costa Leste dos Estados Unidos,ao mesmo tempo em que se constituía em merca-do de consumo para seus produtos. Para Haushofer,a idéia pan-americana estava bastante desenvolvi-da graças à doutrina Monroe, especialmente nocampo do direito internacional, “apesar da oposi-ção entre o norte germano-americano e o sul ibero-americano” (1986, p.219), o que, em todo caso,não seria suficiente para dissolver a poderosa cola

das pan-idéias.Pode-se supor que essa é uma situação ra-

dicalmente diferente do modelo mackinderiano,mas, a meu ver, nos encontramos, basicamente,com o mesmo tipo de relações entre a AméricaLatina e os Estados Unidos, que, desde então, jáera a potência marítima: seja no modelo do cinturão

exterior ou no da Pan-América, a América Latinasempre é representada como um apêndice subor-dinado da potência hegemônica.

CENÁRIO DA CONTENÇÃO GLOBAL NAGEOPOLÍTICA IDEOLÓGICA DA GUERRA FRIA

A geopolítica ideológica se caracterizou pelos

valores, mitos e slogans procedentes das experi-ências dos dois Estados vitoriosos, os EstadosUnidos e a União Soviética, que definiriam e de-terminariam as condições da imaginaçãogeopolítica daquele período. Uma dessas potên-cias, os Estados Unidos, demonstraria maiorefetividade em conseguir uma aceitação maisampla para seu ‘modelo’ de organização políti-co-econômica, mas seu êxito baseava-se funda-mentalmente na presença ativa do outro comoponto de comparação e ameaça (Agnew, 2003[2005, p.21]).

Nos modelos geopolíticos desse período,insiste-se mais nos espaços ocupados pelas duassuperpotências que disputam o domínio do mun-do, que nos efeitos de sua localização e em suascaracterísticas ambientais.

A estratégia da contenção

George Kennan, um funcionário do gover-no estadunidense na União Soviética, ao final daSegunda Guerra Mundial, em seu famoso Telegra-

ma Longo de Moscou, ou no artigo assinado como“Mr. X”, em Foreign Affairs de julho de 1947, sus-tentou que a União Soviética era um espaço total-mente diferente com o qual não se podia estabele-cer nenhuma aliança definitiva. Como afirmavaAgnew (2003), essa afirmação teve uma grandeinfluência nas decisões políticas dos Estados Uni-dos em relação à Guerra Civil grega (1947) e à fun-dação da OTAN (1949). Aqueles que, durante aSegunda Guerra Mundial, tinham sido aliadosconvertiam-se, assim, em nucleadores de dois es-paços fixos e imutáveis, que, em parte, nasceramdos Acordos de Yalta, mas que seriam conforma-dos nos primeiros anos da Guerra Fria. É certoque a estratégia estadunidense de fixar os limitesda área de influência soviética responde, em boamedida, às prescrições do modelo de Mackinder,com as modificações introduzidas por Spykman.7

7 “George Kennan pode não reconhecer a dívida, mas [seustrabalhos] direta ou indiretamente levam o carimbo davisão do mundo de Mackinder” (Gray, 1988, p.4).

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E essa relação parece ficar mais clara se levarmosem consideração que as áreas que Kennan afirma-va como vitais para a segurança nacional dos Esta-dos Unidos – as quais, sob nenhum pretexto, de-viam cair em mãos contrárias – coincidem pratica-mente com o cinturão interior mackinderiano ouo anel continental de Spykman, mais as áreasacrescentadas do Japão, Filipinas e dos países deSul-americanos do oriente para o norte (ver Gaddis,1982). É certo também que essas últimas contri-buições deixam claro que as argumentações deKennan não são mackinderianas, mesmo que pos-sam se aproximar em alguns aspectos.

O estabelecimento de um verdadeiro arcode alianças militares anti-soviéticas nas periferiaseuro-asiáticas (OTAN, CENTO, SEATO) respon-de à necessidade de impedir a expansão da UniãoSoviética nessa área, pois poderia se apoderar detodo o mundo. Ela está orientada fundamental-mente por um projeto ideológico anticomunista,mais que por considerações acerca do eternoenfrentamento entre a potência continental e apotência marítima. Trata-se do desenvolvimentoampliado do conceito de contenção, primeiramen-te elaborado por Kennan, ao fazer referência aoembargo econômico e militar da União Soviética,pelo que advogava.

A contenção é um dos três conceitosgeopolíticos que, segundo Agnew (2003), desempe-nharam um papel fundamental na naturalização dasconcepções do espaço e da política global própriasda Guerra Fria. Os outros dois conceitos seriam o doefeito dominó e o da estabilidade hegemônica.

A teoria do efeito dominó serviu para ex-pandir o conceito de contenção para além dos con-fins euro-asiáticos. A idéia era simples e foi muitoutilizada – com bastante efetividade, diga-se depassagem – por diversos membros do governo dosEstados Unidos:

quanto antes se eliminar qualquer ameaça po-tencial ao status quo global, onde quer que fosse,seria menos provável que se produzisse uma di-fusão ou um efeito contagioso que viesse a afetarno futuro aos Estados Unidos. Em uma versãomais sofisticada, a teoria do efeito dominó afir-mava que a credibilidade dos interessesestadunidenses em regiões-chave, como a Euro-

pa, seria prejudicada se não conseguissem prote-ger os Estados satélites situados nos cantos maisremotos do globo. Em tais circunstâncias, a reso-lução dos Estados Unidos de resistir a qualqueragressão seria colocada em dúvida, e o GrandeInimigo se sentiria encorajado (Agnew, 2003[2005, p.132]).

O conceito de estabilidade hegemônica sedesenvolveu de forma mais consistente na GuerraFria, e aludia à necessidade de alguma potênciaimpor certa ordem nas relações internacionais.Nesse caso a hegemonia estadunidense se apre-sentava como benevolente ou, ao menos, como ummal necessário.

A imagem de dois enormes blocos espaci-ais, que não deveriam ter variações internas signi-ficativas, converteu-se em elemento fundamentalda imaginação geopolítica da Guerra Fria (Figura4). A América Latina estava incorporada na áreade influência dos Estados Unidos, uma parte, in-clusive, como foi mencionado acima, integrava oanel de contenção do comunismo. Talvez a teoriado efeito dominó tenha sido a que serviu para legi-timar e tornar compreensíveis numerosas interven-ções estadunidenses na América Latina, sob a jus-tificativa da necessária contenção do comunismo.

A Geopolítica conservadora, herdeira deMackinder

Nos anos 1970, produz-se uma renovaçãodas idéias geopolíticas que poderíamos denomi-nar conservadora. Nessa renovação, destaca-se opapel de Henry Kissinger (ver, p. ex. Hepple, 1986),que reintroduz o termo, ainda que com um senti-do um tanto genérico, aplicando-o aos aspectosglobais das relações internacionais. Entretanto, tal-vez, os trabalhos de Gray sejam os mais represen-tativos dessa corrente renovadora, que se procla-ma herdeira intelectual da Geopolítica tradicional,em especial de Mackinder, e de suas práticas liga-das à atividade militar dos Estados. A proposta deGray é a de orientar a política exterior dos EstadosUnidos com base no modelo descrito em Democratic

Ideals and Reality: “A rivalidade soviético-america-na é somente a última manifestação do antagonis-

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mo entre a potência terrestre e a potência marítimasobre a qual Halford Mackinder escreveu” (Gray,1988, p.194-195). E a obra de Spykman estabelececonexões entre os pais fundadores e essa Geopolíticaconservadora renovada. Gray (1988), em particular,entende que a seqüência Mahan, Mackinder eSpykman conforma as bases de uma concepção daGeopolítica superior a outras alternativas.

Partindo das idéias de Mackinder sobre asuposta superioridade geoestratégica da potênciacontinental, com vistas a restabelecer o equilíbriode forças e assegurar o êxito da estratégia da conten-ção durante a Guerra Fria com a União Soviética,torna-se necessário dotar-se de armas superiores(Gray, 1977). A decisão de desenvolver um arsenalnuclear que tornasse acreditável a dissuasão inau-gura a corrida de armas nucleares entre as superpo-tências, já que a percepção soviética de sua situaçãode inferioridade estratégica, por não possuir armasnucleares, a conduz a desenvolver a bomba, e as-sim deflagra-se a espiral. No entanto, paradoxalmen-te, chega um momento em que a magnitude dosrespectivos arsenais nucleares foi tanta, que a des-

truição mútua era uma realidade. Com exceção deuma perspectiva suicida, a posse desses arsenais,então, já não supõe uma dissuasão definitiva.

Os advogados do velho dito de Si vis pacem

para bellum sustentaram que a ausência de confli-to aberto entre as superpotências, desde o fim daSegunda Guerra Mundial, se deve à adoção pelosEstados Unidos de uma estratégia de dissuasão.Sobre o processo aberto ao final dos anos 1980,que culminou com o fim da União Soviética, tam-bém estabelecia que ele só poderia ser mantido secontinuassem desenvolvendo meios de contra-

dissuasão, como a guerra das galáxias, dado que

um acordo geral – a diferença de um modusvivendi tático – nas relações soviético-america-nas é estruturalmente impossível a não ser quese produzam mudanças fundamentais na natu-reza do Estado soviético, e talvez nem sequer nestemomento”, já que “a União Soviética é a potênciaterrestre [...], o império Grande Russo organiza-do por e para a maior satisfação dos patrióticosgrandes russos, legitimados por uma ideologiatransnacional que é inteiramente uma ferramen-ta de controle para a elite política governante(Gray, 1988, p.194-195, o destaque é nosso).

Figura 4 - O mundo da estratégia de contenção (1959)

Fonte: Silva (1967, p.193)

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Em suma, o problema não era somente o deuma oposição ideológica, já que, para os herdeirosde Mackinder, produzia-se uma oposição geográfi-ca de caráter quase metafísico entre a União Sovié-tica-Rússia e os Estados Unidos, que ia além daspossíveis diferenças ideológicas conjunturais.

Mas o ponto principal que nos interessaassinalar é que Gray, nos anos 1970 e 1980, consi-derava que a União Soviética havia se estendidopara além dos limites do anel continental daEurásia. Nesse sentido, a contenção perimétricastricto sensu já não tinha mais sentido, propondoentão que se adotassem outras estratégias como ade contenção dinâmica ou a de forçar o retrocesso

(rollback) (Gray, 1988). Essas políticas eram deaplicação especial do que Gray denomina avança-

das do império soviético, que se estenderiam portodo o mundo. Na América Latina, considerava aCuba e a Nicarágua como as principais “avança-das soviéticas”.

A América Latina (e o resto do mundo) seconverte, assim, no cenário de uma pugna ideológi-ca em que qualquer avanço do império expansionista

(obviamente somente da União Soviética) deveriaser freado pelos Estados Unidos. Desse modo, osprojetos revolucionários cubanos ou nicaragüensesda época da Guerra Fria eram interpretados não comorespostas (auto-produzidas) à situação da ditadurapolítica e de extrema desigualdade social que exis-tia nesses países, mas como vanguarda da penetra-ção soviética.8 E, seguindo a lógica da teoria do efei-to dominó, desenharam-se e impuseram-se políti-cas de isolamento e assédio para ambos os regimes,como, por exemplo, o embargo a Cuba ou o apoio àcontra Nicarágua.

Desse modo, a América Latina se conver-teu, sobretudo na segunda metade da Guerra Fria,em cenário dos enfrentamentos entre as duas su-perpotências, que se realizavam através de segun-dos interpostos ou diretamente, no caso dos Esta-dos Unidos. Tal enfrentamento gozou, até certo

ponto, da cumplicidade da intelligentsia latino-americana. Do mesmo modo que, no século XIX,as pugnas e conflitos entre liberais e conservado-res respondiam, em boa medida, a interesses eprojetos externos, socialistas de diferentes orien-tações e (neo)liberais unidos a (neo)conservadoresreproduzem idéias e estratégias que têm sua ori-gem fora da região. Não existe um projeto latino-americano autônomo, que resista aos desígnios dosmodelos geopolíticos globais.

A AMÉRICA LATINA NOS MODELOSGEOPOLÍTICOS DO PÓS-GUERRA FRIA

A queda do Muro de Berlim, que simboli-zou o fim do socialismo real, implicou o término daera da geopolítica ideológica e a definição de umanova era sobre premissas diferentes, ainda que nemsempre inteiramente novas. De fato, autores de gran-de impacto midiático e político nos anos 1990, comoZbigniew Brzezinski, argumentam nos mesmos ter-mos mackinderianos, embora ampliem a ênfase, domodelo no âmbito regional, o cinturão interior, aum global, todo o continente euro-asiático:

Os Estados Unidos, uma potência não euro-asiá-tica, desfrutam atualmente da primazia interna-cional, e seu poder se desdobra diretamente so-bre três das periferias do continente euro-asiáti-co, a partir das quais exerce uma poderosa influ-ência sobre os Estados que ocupam o hinterlandeuro-asiático. Mas, no campo de jogo mais im-portante do planeta, Eurásia, é onde poderia sur-gir, em algum momento, um rival potencial dosEstados Unidos (1997 [1998, p.47-48]).

Isso nos faz refletir sobre o fato de que, em-bora as transformações do discurso geopolítico do-minante sejam profundas e evidentes, há autoresque continuam empenhados em mostrar as supos-tas forças telúricas subjacentes à política mundial.

Mas não vou ocupar-me aqui dessas lem-branças, já que não contribuem para elucidar ne-nhuma visão radicalmente nova sobre o papel daAmérica Latina no mundo. Pelo contrário tratareide dois novos modelos: o de Samuel Huntingtone o de Thomas P. Barnett.

8 Os projetos da Cuba castrista ou da Nicarágua sandinistapodiam seguir linhas similares aos da União Soviética,mas os regimes de ambos Estados não foram simples-mente títeres de Moscou. Essa é uma das manipulaçõesfavoritas desse tipo de autores realistas.

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Huntington e seu mundo de civilizações em pe-rigo de colisão

Samuel Huntington (1993; 1996) publicoudois trabalhos nos anos 1990 sobre o pretendidochoque de civilizações, que tiveram (e em algunscírculos, ainda têm) grande impacto sobre a formade pensar o mundo. Em 1993, publicou um artigocom o título de The clash of Civilizations?, no qualestabelece que, após o fim de uma confrontação glo-bal baseada nas ideologias, haviam ressurgido li-nhas de fratura mais profundas e antigas, que têmsua origem supostamente nas civilizações, basea-das em identidades culturais mais poderosas queas identidades nacionais: “No mundo da Pós-guer-ra Fria, as distinções mais importantes entre os po-vos não são ideológicas, políticas nem econômicas;são culturais” (Huntington, 1996 [1997, p.21]). As-sim os Estados-nação se agrupariam dentro de uni-dades maiores, as civilizações (Figura 5), que rege-riam as relações internacionais e a política global.

O autor identifica nove civilizações: a Sínica

ou Confuciana, a Japonesa, a Indiana, a Islâmica, aOrtodoxa, a Ocidental, a Latino-americana e a Afri-cana (Huntington, 1996). Essas civilizações sãodefinidas, fundamentalmente, por seus traços cul-turais, em particular pela religião. E é bom notarque essa define, grosso modo, as cinco primeirascivilizações da lista, enquanto que as duas últi-mas, as mais frágeis, carecem de uma identificaçãoreligiosa particular. Dentro dessa lógica, as possi-bilidades de conflito se associam à fricção entrecivilizações, embora isso não queira dizer que nãoexistam conflitos intra-civilizações, mas sim queos que podem chegar a ser os mais graves são denatureza inter-civilizacionais.

Vários críticos afirmaram acertadamente queo esforço de Huntington, dentro de um espírito damais pura realpolitik, orienta-se para areconstituição do Outro da política exteriorestadunidense, depois da queda do muro de

Berlim, de tal forma que as coletividades baseadasem raízes culturais substituiriam os blocos de ca-ráter ideológicos da Guerra Fria. Com isso, preten-

Figura 5 - O mundo segundo Huntington (1996)

Fonte: Huntington (1996 [1997, p. 28-29)

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de-se definir as linhas divisórias entre civilizaçõescomo aquelas centrais do conflito na política glo-bal. Este fato viria garantido pela graduação doantagonismo que Huntington estabelece entre acivilização Ocidental e as demais, sendo a Islâmicaa mais perigosa, seguida da Ortodoxa, a Sínica e aJaponesa, ficando o resto em uma situação de ali-ança mais ou menos estreita.

Mas, no que nos interessa, existem dois ele-mentos importantes para o fato de a América Latinater sido definida como uma região geopolítica (umacivilização, em termos de Huntington) independen-te. Um deles resulta de dúvidas do autor quanto àreal existência de uma civilização latino-americana.No seu primeiro artigo (Huntington, 1993), ele sepergunta se a América Latina é uma civilização in-dependente ou não, deixando nos leitores a dúvi-da. Mas, no seu livro posterior, embora permaneçana incerteza, assume uma determinação:

A América Latina poderia ser considerada, ou umasub-civilização dentro da civilização ocidental, ouuma civilização à parte, intimamente relaciona-da com Ocidente e dividida quanto ao seu domí-nio com o mesmo. Para uma análise centrada nasconseqüências políticas internacionais das civili-zações [...] a segunda opção é a mais adequada eútil (Huntington, 1996 [1997, p.52].

O segundo elemento importante resulta dasbases fundamentais de diferenciação que a distin-guem da ocidental (européia e norte-americana),que seriam a incorporação de civilizações indíge-nas americanas, a religião católica e “uma culturacorporativista e autoritária que a Europa teve emmenor grau e a América do Norte não teve em ab-soluto” (Huntington, 1996 [1997, p.52]).

Então, diferentemente dos modelos anterio-res, para Huntington, a América Latina é apresenta-da de forma independente, já não se constitui umabrevíssima alusão perdida entre as terras do cinturão

exterior mackinderiano, nem um território ociden-tal onde se poderiam estabelecer “avanços comu-nistas”; é uma região diferenciada do Ocidente, ali-ada, sim, mas independente. E são também signifi-cativas as razões da diferenciação dadas porHuntington, já que a religião católica ou a culturacorporativa não são exclusivas da América Latina –na Europa, e, em particular, na Europa meridional

esses traços poderiam ser também diferenciadores–, mas a presença significativa de civilizações indí-genas certamente seria seu traço fortemente distinti-vo, tanto que caberia a pergunta se essa é a chavepara diferenciar a América Latina do ocidente, masesta se dilui com a menção a dois outros traços.Sobre esse aspecto voltaremos no final.

Thomas P. Barnett: o novo map a do Pentágono

Quase um século depois da obra deMackinder, Thomas P. Barnett (2003) quebra o ci-clo argumental do inglês: já não há que resolverproblemas que encontramos num mundo fecha-do, pós-colombino, mas, ao contrário, o perigo é a

desconexão. Num primeiro artigo escrito na con-servadora revista Esquire, ele condensa os argu-mentos que mais tarde apresentará em forma delivro (2004). Barnett se afasta decisivamente domodelo mackinderiano, embora muitas de suaszonas de perigo continuem coincidindo com as docinturão interior.

Seu argumento principal é que a globalização,por mais problemas que possa ter, conduz a go-vernos estáveis e a políticas exteriores dos Esta-dos previsíveis e pacíficas. Nesse sentido, os pro-blemas no mundo surgem exatamente naquelesEstados que tentam resistir à globalização. Dessemodo, em seu modelo (Figura 6), o que ele deno-mina “centro funcional” (Functioning Core) seriacaracterizado por sua integração graças à

conectividade de redes, às transações financeiras,

aos fluxos de informações midiáticas e à segurança

coletiva, enquanto a “brecha não integrada” (Non-

Integrating Gap) careceria, em diferentes graus,dessas características, conduzindo estas regiões a“regimes politicamente repressivos, à expansãomassiva da pobreza e da enfermidade, assassina-tos massivos rotineiros e – o mais importante – aconflitos crônicos que envolvem a geração seguin-te de terroristas” (2003).

Se observarmos o mapa da “brecha não in-tegrada”, podemos ver que nela está incluído oCaribe, a América Central e a maior parte da Amé-

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rica Andina – é significativa a ausência do Chile.Como era de se esperar, em seguida, na lista deproblemas reais anexada por Barnett (2003), estãoincluídos países como Haiti e Colômbia, que seajustam bem ao seu argumento. E, surpreendente-mente, inclui-se também a Argentina e Brasil, quesequer compõem a dita “brecha não integrada”.Quais são os motivos que levam a Barnett a estejuízo? Entre os principias argumentos que Barnettutiliza está, nem mais nem menos, o de que am-bos os países tentam resistir à ALCA, que o Brasilnão cuida da Amazônia e permite que se continueproduzindo um dano ecológico incalculável nessaárea ingovernável.

Talvez esses argumentos sobre os países-chave do MERCOSUL lancem mais luzes sobre alógica do modelo geopolítico de Barnett do quetodo seu palavreado sobre a “desconexão daglobalização”. O perigo desses países está em que,eventualmente, podem chegar a serem autônomosem relação ao projeto hegemônico. Por isso, paísescomo o México, cujos governos se curvam aos pro-jetos hegemônicos são tão importantes, são os Es-

tados junção (seam states), que são chaves nas es-tratégias de redução da brecha.

CONCLUSÕES

A Geopolítica é uma disciplina nascida naEuropa, como tantas outras, mas que tem um viéseurocêntrico ainda maior que outras. Os autoresanglo-saxões e alemães que desenharam a repre-sentação do espaço mundial dominante ao longodo século XX pensaram a América Latina comouma região de importância marginal no mundo,que sempre estava vinculada à área de influênciada potência marítima (Mackinder), à pan-regiãocentrada nos Estados Unidos (Haushofer), ou aomundo livre (Kennan). Em termos gerais, era con-siderada distante do cenário principal do conflitocentral do mundo, entre a potência marítima e apotência terrestre, primeiramente, ou entre o mun-do livre e o mundo comunista, depois, e que sedesenvolvia fundamentalmente na zona de conta-

to (ou de ruptura) entre as potências mundiais(Europa Oriental Oriente Médio, Sudeste Asiáti-co, Ásia Oriental).

Mas não se trata somente de uma margina-lização originada nas áreas centrais do sistemamundial e concebida por seus intelectuais; pelocontrário, sem a aceitação e o acatamento de boaparte da intelligentsia latino-americana, não se pro-duziria tão facilmente esta relegação. Um bomexemplo nos proporciona Golbery do Couto e Sil-va, na ocasião um dos poucos intelectuais latino-americanos que elaborou um modelo geopolíticopara o Brasil. Sua obra Geopolítica do Brasil glosaextensamente as teorias de Mackinder e Spykman,afirmando seu acerto, especialmente no contextoda luta anticomunista da Guerra Fria. Introduzsomente um “porém”: o Ocidente, e em particularEstados Unidos, não levam em conta a relevânciada América Central e da América do Sul na luta decontenção do comunismo, em termos de apoio di-plomático, fornecimento de materiais estratégicos,proteção do tráfico marítimo ou potencialdemográfico para participar em campanhas milita-res.” (Silva, 1967). Mas, é importante ressaltar ocaráter subordinado de sua formulação: o Ociden-te necessita do Brasil e da América Latina, mas

por outro lado, o Brasil depende essencialmente– e quanto! – do restante do Ocidente e, em par-ticular dos E.U.A., para o seu comércio, o seudesenvolvimento econômico, o seu progresso téc-nico e cultural, até para a sua própria segurança(1967, p.254).

Contudo, desde o fim da Guerra Fria e o ad-vento de uma nova ordem geopolítica, os modelosgeopolíticos que tentam explicá-lo, apresentam aAmérica Latina como uma região muito mais autô-noma que os anteriores. E certamente continuam sen-do principalmente os autores europeus eestadunidenses aqueles que continuam elaborandoos modelos de maior influência. Os exemplos deHuntington ou Barnett são bastante claros: O que acon-teceu? Que transformações se produziram então?

Evidentemente não há um fator único, mas,indubitavelmente, tem a ver com a aparição de pro-jetos políticos – e epistêmicos – autônomos naAmérica Latina, que talvez conduzam a apresentá-

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la como uma região autônoma. E é quase pela pri-meira vez que, desde a independência formal dosEstados latino-americanos, nos encontramos comprojetos políticos relativamente independentes daspotências européias e da potência hegemônica. Sãobons exemplos disso o acesso à presidência deum integrante de um dos grupos excluídos nosprocessos de independência há dois séculos, EvoMorales, na Bolívia, mas também o projeto bolivi-ano de construção da unidade latino-americana,do presidente Chávez na Venezuela, ou a condu-ção de uma política exterior autônoma que procu-ra desenhar uma nova geografia mundial do co-

mércio do governo Lula da Silva, no Brasil.E a esses projetos políticos somam-se pro-

jetos intelectuais autônomos, como o projetomodernidade-colonialidade, no qual estão embar-cados Aníbal Quijano, Enrique Dussel, WalterMignolo, Santiago Castro-Gómez, Arturo Escobar,Catherine Walsh, Ramón Grosfoguel e NelsonMaldonado-Torres, entre outros. Projetos de indí-genas, mestiços, afro-descendentes, latinos nosEstados Unidos, que resistem ao império (Slater,2008) do conhecimento e tentam construí-lo a par-tir de outro lócus e com outras genealogias. É certoque “o pensamento des-colonial emergiu na pró-pria fundação da modernidade/colonialidade, comosua contrapartida. E isso ocorreu nas Américas,no pensamento indígena e no pensamento afro-caribenho.” (Mignolo, 2008, p.181). Mas não émenos certo que, desde que se iniciou a coloniza-ção, há mais de cinco séculos nunca como até ago-ra se haviam desenvolvido projetos (geo)políticose (geo)epistêmicos autônomos na América Latina.

(Tradução de Consuelo Brito de Freitas)

(Recebido para publicação em junho de 2008)(Aceito em agosto de 2008)

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Heriberto Cairo Carou

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LATIN AMERICA IN MODERN GEOPOLITICALMODELS: from margination to the concern for her

autonomy

Heriberto Cairo

This paper tries to understand the transformationsin the ways of insertion of Latin America in the contextof geopolitical eras, trying to show their causes and,above all, their consequences, in the context of thenew contemporary geopolitics in which the regionmoves from a passive or marginal position to assumeher own outlines of autonomy, sometimes marked asdanger areas. The analysis surpasses the simple positionof the region in Western geopolitics, and is based on anexercise of a geopolitics of the knowledge. Thus, theauthor rescues the main contributions of the literatureon processes of continuities of geopolitical orders,permeated by mutations, identifying the successivegeopolitical eras of John Agnew that grosso modo arecorrelated with the existing geopolitical orders: thenaturalizer geopolitics, from the beginnings of the XXcentury; the post-Second World War era, of theideological geopolitics; and the formation of a newgeopolitical era with the end of the Cold War. In thislatter Latin America is highlighted with her ownoutlines, sometimes marked as danger areas.

KEYWORDS: Latin America, modern geopolitics,knowledge geopolitics, representation of space,hegemony.

L’AMÉRIQUE LATINE DANS LES MODÈLESGÉOPOLITIQUES MODERNES: de la mise enmarge à la préoccupation de son autonomie

Heriberto Cairo

Dans cet article, il s’agit de comprendre commentles manières d’insérer l’Amérique Latine dans lecontexte des ères géopolitiques se sont transformées.Nous essayons d’expliciter les causes et surtout lesconséquences de ces transformations dans le contextede la nouvelle géopolitique contemporaine où la régionpasse d’une position marginale ou passive pour assumerdes contours propres d’autonomie, considérés parfoiscomme des zones dangereuses. L’analyse dépasse leslimites de la région géopolitique occidentale et se basesur l’exercice d’une géopolitique de la connaissance.Pour cela, l’auteur récupère les principalescontributions de la littérature concernant les processusde continuités des ordres géopolitiques, imprégnés demutations, en identifiant les ères géopolitiquessuccessives de John Agnew qui a grosso modo ont unrapport avec les ordres géopolitiques existants: lagéopolitique naturalisatrice du début du 20e siècle;l’époque de l’après Deuxième Guerre Mondiale, de lagéopolitique idéologique; et la formation d’une nouvelleère géopolitique avec la fin de la Guerre Froide. Danscette dernière, l’Amérique Latine commence às’affirmer de manière propre, parfois marquée commeune zone dangereuse.

MOTS-CLÉS: Amérique Latine, géopolitique moderne,géopolitique de la connaissance, representation del’espace, hégémonie.