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A ALTERABILIDADE DO REGIME DE SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA NO CASAMENTO DOS INCAPAZES
THE ALTERABILITY OF THE COMPULSORY SEPARETE PROPERTY SYSTEM IN INCAPABLE’S MARRIAGE
Beatriz Silva Urel – [email protected] Acadêmica de Direito
Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium - Unisalesiano Prof. Orientadora Ma. Meire Cristina Queiroz - [email protected]
Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium - Unisalesiano
RESUMO
O presente trabalho, por meio da pesquisa bibliográfica, analisa a doutrina, a legislação e os princípios constitucionais, buscando uma solução para aqueles que, por conta da menoridade e da falta de consentimento dos pais, casam-se dependendo de suprimento judicial e, obrigatoriamente, contraem o regime de separação de bens, não podendo alterá-lo mesmo quando ambos os cônjuges atingem a maioridade civil, ou se emancipam através do casamento. Como proposta inicial de solução tem-se que a norma inserida no art. 1641, III, do Código Civil apresenta-se inconstitucional por não respeitar os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica, sendo também um paradoxo com os princípios que regem o regime de bens, sobretudo o princípio da livre estipulação. Palavras-chave: Regime de Bens. Casamento. Incapacidade. Suprimento Judicial. Alteração do Regime de Bens.
ABSTRACT
The present study, through bibliographic research, examines the doctrine,
legislation and constitutional principles, seeking a solution for those who, because of the legal incapacity and lack of parental consent, marry depending on judicial consent, must, constrict the separate property system and can not change it even when both spouses reach the age of majority or get emancipated by marriage. As initial solution propose has been that the norm expressed in art. 1641, III, of the Civil Code presents itself unconstitutional for not respecting the principles of human dignity and equal protection of law, is also a paradox with the principles that govern the system of property, particularly the principle of free stipulation. Keywords: Property System. Marriage. Legal Incapacity. Judicial Consent. Changing the Property System.
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INTRODUÇÃO
O tema em análise trata da alterabilidade do regime de separação obrigatória
no casamento dos incapazes. De forma geral, na classe média brasileira o
casamento representa para os cônjuges uma possibilidade de desenvolvimento
patrimonial, de maneira que, em regra, adotam-se os regimes da comunhão parcial
ou da comunhão universal. Porém a norma do art. 1641 do Código Civil, impede a
possibilidade de cônjuges incapazes, que contraírem matrimônio dependendo de
suprimento judicial, optarem por esses regimes, pois lhe são impostos um único
regime: o da separação obrigatória.
Busca a presente pesquisa demonstrar, através do método dedutivo,
utilizando a técnica de pesquisa bibliográfica, a inconstitucionalidade da regra do art.
1641 do Código Civil. Tal artigo contradiz alguns dos princípios constitucionais mais
importantes como o da dignidade da pessoa humana e o do planejamento familiar,
sendo necessário um estudo aprofundado que revele uma solução adequada para
este conflito. Diante do exposto, pretende-se subsidiar os argumentos por meio de
doutrinas, de jurisprudência e de normas constitucionais que possibilite uma
proposta embasada de alteração do art. 1641.
Dessa forma, no primeiro capítulo serão apresentados os regimes de bens no
direito matrimonial, apresentando suas espécies e os princípios que os regem, bem
como será demonstrada a inconstitucionalidade da impossibilidade de alteração do
regime de bens no casamento dos incapazes. No segundo capítulo será
demonstrada a igualdade jurídica entre os cônjuges e a autonomia na mudança do
regime de bens no casamento.
1. A (Im) POSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO DO REGIME DE BENS NO CASAMENTO DOS INCAPAZES
Na forma do art. 1517 do CC/2002, o homem e a mulher com dezesseis anos
podem casar, exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus representantes
legais, enquanto não atingida a maioridade civil. Dessa forma, os relativamente
incapazes podem contrair núpcias, desde que autorizados pelos pais ou
representantes legais.
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Trata-se da chamada capacidade núbil, que deverá ser demonstrada por meio
de documento, normalmente por registro de nascimento ou documento de
identificação permitido em lei, no processo de habilitação para o casamento e refere-
se tanto ao homem quanto à mulher.
A falta de capacidade para o casamento faz com que aqueles que
pretenderem entrelaçar suas vidas por meio das núpcias, dependam de autorização
judicial para casar, denominando essa autorização judicial de Suprimento Judicial do
Consentimento.
Legisla o art. 1641, III, do Código Civil que os que dependerem de suprimento
judicial para se casar obrigatoriamente terão que adquirir o regime de separação de
bens no casamento. O suprimento judicial ocorre quando há a falta de idade do
nubente, incapaz menor de 16 anos, que deseja se casar para evitar a imposição ou
cumprimento de pena criminal ou nos casos de gravidez (GONÇALVES, 2011, p.53);
ou na falta de consentimento dos pais, que é necessário tanto no caso dos menores
de 16 anos, quanto no caso dos que já atingiram a idade núbil, mas não a
capacidade civil plena (GONÇALVES, 2011, p.55). O intuito do judiciário é proteger
os menores enquanto incapazes de realizar atos da vida civil.
Porém, quando atingem a maioridade, já capazes, não conseguem alterar o
regime de bens, mesmo sendo adotado pelo novo Código Civil o princípio da
mutabilidade relativa, já que não há nenhum dispositivo que permita a alteração
nesse caso.
1.1 Os Regimes de Bens Disciplinados no Código Civil de 2002.
O regime de bens na legislação pátria acompanha a evolução das normas
criadas em prol do direito de família. Muito embora o regime de bens tenha um
caráter patrimonial, hodiernamente percebe-se que esse entendimento não mais se
amolda às camadas sociais formadoras das diversas vertentes de família. Isso
porque, além desse caráter patrimonial, nota-se que tal regime de bens atingirá além
do casal, também a terceiros, o que demonstra a sua função social e não apenas o
seu caráter patrimonial. Mesmo porque atualmente, o Direito Civil tem uma função
social a cumprir e não apenas visa o caráter patrimonial.
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O Código Civil de 2002 trouxe em seu texto legal a previsão de quatro tipos
diferentes de regimes de bens, sendo eles: Regime da comunhão parcial de bens;
Regime da comunhão universal de bens; Regime de participação final nos aquestos;
Regime da separação de bens.
Já o Código Civil de 1916, com uma mínima diferença do nosso atual diploma
civil instituía os seguintes regimes de bens: Regime da comunhão universal; Regime
da comunhão parcial de bens; Regime da separação de bens; Regime dotal.
Nota-se que no Código de 1916 existia a figura do regime dotal, o que não foi
trazido na redação do CC/2002, entretanto a inovação se deu no caso do regime de
participação final nos aquestos, não constantes no antigo código. O regime regra do
código antigo era o da comunhão universal de bens, enquanto que no novo código a
regra é o da comunhão parcial de bens como ensina Venosa (2005, p. 355):
Até o advento da Lei do Divórcio (Lei nº 6.515/77), a redação original do Código anterior dispunha que no silencio dos nubentes o casamento seria regido pelo regime da comunhão universal. Essa Lei modificou tal orientação, dispondo que o regime da comunhão parcial regeria a vida patrimonial dos cônjuges na ausência de pacto antenupcial.
O regime de bens começa a ter validade a partir do momento da celebração
do casamento ou constituição da união estável1, de acordo com o §1º do artigo 1639
que assim dispõe: “Art. 1.639. É lícito aos nubentes [...], § 1o O regime de bens entre
os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento.”
Embora o citado artigo não traga em sua letra fria a figura da União Estável
hoje se entende que ela também é alcançada por este dispositivo, passando o regime
de bens a valer a partir do momento da constituição da União Estável, ou seja, a
partir do momento em que ela preencha todos os seus requisitos.
Interessante é conceituar o que seja regime de bens. Regime de bens
segundo Rodrigues (2007, p. 135): “é o estatuto que regula os interesses
patrimoniais dos cônjuges durante o matrimonio”. Venosa (2005, p. 353) leciona que:
Regime de bens entre os cônjuges compreende uma das conseqüências jurídicas do casamento. Nessas relações, devem ser estabelecidas as formas de contribuição do marido e da mulher para o lar, a titularidade e administração dos bens comuns e particulares e em que medida esses bens respondem por obrigações perante terceiros.
1 União Estável segundo Venosa (2005, p. 55), [...] convivência do homem e da mulher sob o mesmo teto ou
não, mas more uxório, isto é, convívio como se marido e esposa fossem.
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E, ainda, segundo Gonçalves (2009, p. 396):
Regime de bens é o conjunto de regras que disciplina as relações econômicas dos cônjuges, quer entre si, quer no tocante a terceiros, durante o casamento. Regula especialmente o domínio e a administração de ambos ou de cada um sobre os bens anteriores e os adquiridos na Constancia do casamento.
Regime de bens, portanto, trata-se de um conjunto de preceitos, regras que
disciplinam as relações patrimoniais entre o casal, versando sobre o domínio dos
bens, sua administração, tanto entre os cônjuges no caso de casamento, como entre
os companheiros no caso de união estável. Também é abrangente entre estes em
relação a terceiros, pois todos serão atingidos com esse regime, uma vez instituído
os bens do casal serão regidos por ele. O regime de bens deve ser escolhido no
pacto antenupcial, sendo certo que se os nubentes assim não fizerem o regime a ser
adotado será o da Comunhão Parcial de bens, regime este, regra hoje no nosso
Código segundo o seu artigo 1640: “Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou
ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão
parcial”. No caso da União Estável o regime de bens será escolhido no Contrato de
União Estável, e assim que preenchidos todos os requisitos e instituída, o regime
começará a valer, nesse caso a não escolha do regime também leva a adoção do
regime da comunhão parcial de bens no que couber, conforme o artigo 1725: “Na
união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações
patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens”.
Como já dito, o Código Civil de 2002 adotou quatro espécies de regimes de
bens: comunhão parcial, comunhão universal, separação total e participação final nos
aquestos.
Segundo Rodrigues (2007, p. 178):
Regime de comunhão parcial é aquele em que basicamente se excluem da comunhão os bens que os cônjuges possuem ao casar ou que venham a adquirir por causa anterior e alheia ao casamento, como as doações e sucessões; e em que entram na comunhão os bens adquiridos posteriormente, em regra, a título oneroso. Trata-se de um regime de separação quanto ao passado e de comunhão quanto ao futuro.
Este regime apresenta-se com duas características principais, a
incomunicabilidade dos bens adquiridos antes do casamento, e a comunicabilidade
dos adquiridos durante a constância do casamento. Por isso é um regime de
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separação dos bens anteriores e de comunhão dos bens na vigência do casamento.
Com isso se formam três massas de bens distintas sendo elas: 1-) os bens do
marido; 2-) os bens da mulher; 3-) os bens resultantes na vigência do casamento.
Passa-se ao estudo do regime de comunhão universal de bens, tal regime
tem regulamentação nos artigos 1667 ao 1671 do CC/2002. A característica principal
desse regime e a total comunicabilidade dos bens do casal. Comunicam-se todos os
bens, sejam anteriores ao casamento ou não, a titulo gratuito ou oneroso, se esforço
em comum, assim compreendendo todos os bens do casal, de regra.
Esse era o regime regra do Código Civil imediatamente anterior, entretanto
com o advento da Lei de Divórcio em 1977 (Lei nº 6.515/77) passou a ser apenas
uma faculdade do casal e não mais a regra, cedendo este lugar ao regime da
comunhão parcial de bens. Deve-se frisar que esse regime necessita
obrigatoriamente de pacto antenupcial para sua escolha, do contrário não será
permitido sua adoção.
Passa-se agora a um breve comentário do regime da separação de bens
que está previsto nos artigos 1.687 e 1.688 do CC/2002. Apesar de pouca previsão
legal é um regime complexo, importando saber que ele se divide em dois:
1 – Separação obrigatória, ou legal, que vem prevista no artigo 1641 do
nosso diploma civil. Aqui se tem uma imposição legal aos nubentes para que seja
este o regime de bens vigente durante o casamento, ou seja, eles não têm o direito
de escolha.
2- Separação absoluta ou convencional ou total, feita mediante pacto
antenupcial. Neste mostra-se claro que é um acordo de vontades entre os nubentes,
ou seja, uma faculdade dada a eles, no caso de União Estável será escolhido
mediante o contrato que rege a união.
As características principais desse regime estão previstas nos artigos 1687 e
1688 do nosso código que, em suma, traçam a regra de que adotado esse regime
cada cônjuge é responsável exclusivo dos seus bens, e deverão contribuir com a
manutenção da família na proporção dos seus rendimentos, exceto se estipulado de
forma diversa no pacto antenupcial.
A característica principal desse regime é a completa distinção dos
patrimônios pertencentes ao marido e à mulher, de forma que um não se
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comunicará com o outro, não se comunicam as aquisições nem os frutos
pertencendo a cada um a propriedade, posse e administração de seus bens.
Analisa-se, por fim, o regime da participação final nos aquestos. Esse regime
está disciplinado no diploma civil, nos artigos 1672 a 1686, tem como característica
principal ser misto, ou seja, compreende a adoção de dois regimes diversos, assim
compreendidos o da separação absoluta e o da comunhão parcial. Sendo que na
constância do casamento vigerá o da separação absoluta dos bens e findo o
casamento o passa a ser aplicado o da comunhão parcial dos bens, comunicando-
se entre o casal, na partilha, os bens adquiridos a titulo oneroso, por isso
participação final nos aquestos.
É um regime trazido pelo CC/2002 em substituição ao regime dotal, e tem
pouca utilidade, ainda, no Brasil. A regra por ele regida é diferente do que na
comunhão parcial, pois nela a lei presume que os bens adquiridos na constância do
casamento tiveram um esforça em comum, porém aqui se deve fazer prova disso, ou
seja, deve-se provar que contribuiu com a aquisição dos bens, caso contrário não
terá direito algum sobre os bens que estiverem em nome do outro cônjuge, e,
segundo as suas características, a tendência é os grandes empresários passem a
utilizá-lo. É um regime que precisa precipuamente ser escolhido por meio de pacto
antenupcial.
1.2 Princípios que fundamentam o regime patrimonial.
A escolha e estruturação do regime de bens do casamento é de suma
importância para o desenvolvimento da vida conjugal, e deve observar três
princípios que o norteiam, que são eles o princípio da imutabilidade, o princípio da
variedade e o princípio da liberdade dos pactos antenupciais.
Princípio da Imutabilidade. Tal preceito deriva do que proclamava o artigo 230
do Código Civil de 1916, que assim dispunha: “Art. 230. O regime dos bens entre
cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento, e é irrevogável”. E essa
previsão perdurou por muito tempo no nosso ordenamento, sendo assim, escolhido
um regime de bens, ou sendo o regime o legal, que até o advento da Lei de
Divórcios era o da Comunhão Universal, este perduraria até o final da união
matrimonial. Sendo assim, em nenhum momento, na vigência do casamento,
poderia ser alterado.
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Com o advento do Diploma Civil, a imutabilidade deixou de ser absoluta e
passou a ser relativa, na medida em que o § 2º do Artigo 1.639 prevê a mutabilidade
motivada, desde que preencha os requisitos elencados no dispositivo citado, que
são quatro: a-) pedido formulado por ambos os cônjuges; b-) autorização judicial; c-)
razões relevantes; d-) ressalva a direito de terceiros.
Destarte, deve-se ser ressaltado que a regra ainda é a da imutabilidade e a
mutabilidade não passa de uma mera exceção, podendo ser obtida apenas em
casos especiais e respeitados os requisitos previstos em lei. Embora essa exceção
seja uma realidade em nosso ordenamento, não se aplica nos casos de separação
obrigatória de bens, cujo entendimento encontra relutância na doutrina e
jurisprudência.
Princípio da Variedade. A legislação prevê a possibilidade de escolha, pelos
nubentes, de quatro regimes de bens, como já mencionado, além de permitir uma
combinação entre eles, por meio de um pacto antenupcial. Com isso fica clara a
variedade de escolha que têm os nubentes na hora de se decidirem sobre o regime
de bens que irá guiar seus patrimônios durante a vigência do casamento.
Princípio liberdade dos pactos antenupciais. De acordo como o que leciona
Diniz (2007, p. 151):
[...] permite-se aos nubentes a livre escolha do regime que lhes convier, para regulamentar os interesses econômicos decorrentes do ato nupcial, já que, como não estão adstritos à adoção de um daqueles tipos,..., tal como se encontram definidos em lei, podem combiná-los formando um regime misto ou especial, sendo-lhes lícito, ainda, estipular cláusulas, desde que respeitados os princípios de ordem pública, os fins e a natureza do matrimonio.
A característica primordial deste princípio, na forma do
parágrafo único do artigo 1640 do C.C/2002, é a possibilidade que tem os nubentes de escolher o regime de bens que acharem adequado para a sua situação. Mas ele não se limita apenas a isso, pois permite também que eles promovam, na forma da lei, uma combinação entre estes regimes, fazendo assim surgir um regime misto, conforme o art. 1639, caput, do Código Civil: “É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver.”
Para se poder escolher o regime de bens pretendido, ou para fazer a mistura
entre eles, mister se faz que seja feito por meio do pacto antenupcial.
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Este princípio também encontra uma forte limitação, contida no artigo 1.641
do CC/2002, que são os casos de instituição do regime da separação obrigatória de
bens.
2. REGRA DO ART. 1.641, III, DO CÓDIGO CIVIL: CONSTITUCIONAL OU
INCONSTITUCIONAL?
O regime de bens uma vez constituído pode ser alterado pelos cônjuges ou
companheiros, embora o CC/2002 reja-se, regra geral, pelo princípio da
imutabilidade. Esse princípio tem um tempero suave do princípio da mutabilidade do
regime de bens, como disposto no artigo 1639, § 2º, do Código Civil.
Muito embora essa seja uma regra contida no CC/2002, ela não atinge a
todos, deixando alguns a mercê de um regime autoritariamente imposto pelo próprio
diploma regulador sem a faculdade de poder alterá-lo, tratam-se dos casos do artigo
1641 e incisos:
Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento: I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; II - da pessoa maior de sessenta anos; III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.
Nesses casos específicos a alteração de que permite o CC/2002 não pode ser
aplicada.
O presente trabalho se dedica ao estudo do inciso III desse artigo, o caso dos
que dependem de suprimento judicial para casar.
A legislação vigente fornece a regra de alteração do regime de bens instituído
na celebração do casamento, porém exclui, de forma inexplicável e arbitrária, os que
dependem de suprimento judicial para o casamento, dentre os outros dois casos.
De forma geral, a regra, por si só, já faz com que se vislumbre um prejuízo
muito grande para esse grupo de pessoas, que se vêem presas em um regime
imposto legalmente, sem que possam gozar da mutabilidade que o diploma civil
passou a aceitar com a evolução de seu texto.
O referido dispositivo, que impõe o regime da separação obrigatória de bens
para aqueles que necessitam, para casar de suprimento judicial, traduz-se em uma
sanção fortíssima para esses desamparados, esquecendo-se o legislador de
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analisar a evolução da sociedade para poder atualizar o direito que “Mutatis
mutandis” deve mudar conforme a sociedade evolui.
Com o advento da nossa Carta Magna de 1988, muito se acresceu no Direito
de Família, e as proteções dadas a esse instituto em seu próprio texto, hoje não se
coaduna com a disposição do referido dispositivo.
Venosa (2005, p 353) concebe o regime de bens como uma das
conseqüências jurídicas do casamento, em que “devem ser estabelecidas as formas
de contribuição do marido e da mulher para o lar, a titularidade e administração dos
bens comuns e particulares e em que medida esses bens respondem por obrigações
perante terceiros”.
Por conseguinte, no regime de separação de bens ficam incomunicáveis os
bens dos cônjuges, tanto dos que possuíam antes de se casar, como também dos
que vieram a adquirir na constância do casamento.
O regime de separação de bens (CC, art. 1687) vem a ser aquele em que cada consorte conserva, com exclusividade, o domínio, posse e administração de seus bens presentes e futuros e a responsabilidade pelos débitos anteriores e posteriores ao matrimônio. Portanto, existem dois patrimônios perfeitamente separados e distintos: o do homem e da mulher (DINIZ, 2010, p. 191).
Impor esse regime aos nubentes que necessitam de suprimento judicial sem
possibilitá-los uma mutação no futuro, infringe alguns dos principais princípios
constitucionais que incidem sobre o direito de família.
Primeiramente, fere o princípio da dignidade da pessoa humana, um princípio
de extrema importância, seguido pela República do Brasil como objetivo
fundamental. Ele incide no ambiente familiar buscando proteger a vida e a
integridade dos membros da família, baseado no respeito e assegurando os seus
direitos de personalidade (Vilas-Bôas, 2011, p.7).
No âmbito do direito familiar o princípio da dignidade da pessoa abarca vários
princípios. Dentre eles estão: princípio da igualdade jurídica, princípio do livre
planejamento familiar e princípio da afetividade.
O princípio da igualdade jurídica é ofendido, pois ao se tratar da união estável
não há barreira similar.
No tocante aos efeitos patrimoniais, o Código Civil de 2002 determina a aplicação, no que couber, do regime da comunhão parcial de bens, pelo qual haverá comunhão dos aquestos, isto é, dos bens adquiridos na
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constância da convivência, como se casados fossem “salvo contrato escrito entre os companheiros” (art. 1.725) (GONÇALVES, 2011, p.610)
Se nesse sentido o legislador trata a união estável como um casamento, não
limitando a liberdade do casal de decidir suas questões patrimoniais, não há porque
dificultar essa liberdade de escolha na instância do casamento. Conclui-se que é
atribuído um privilégio maior à união estável, ferindo assim a igualdade jurídica das
próprias entidades familiares.
Por outro lado, o principio da igualdade jurídica entre todos os cônjuges
também é ferido pela própria legislação, ao permitir ao casal a liberdade de escolher
o regime de bens que lhe aprouver (art. 1639, CC/2002), e de escolher o
planejamento familiar (art. 226, CF/88), ao mesmo tempo em que restringe a outros
essa liberdade de escolha.
Quanto ao princípio do livre planejamento familiar, apesar de se referir
principalmente ao planejamento dos filhos, ele também se refere ao poder e
liberdade que a própria família tem de decidir sem a intervenção do Estado. “[...] é
vedada qualquer forma de coerção, seja por parte das instituições oficiais ou
privadas, cabe ao casal – seja cônjuges ou com companheiros, a escolher os
critérios de agir com relação ao planejamento familiar.” (Vilas-Bôas, 2011, p. 9).
Por fim, ao adotar o princípio da afetividade, o Estado deixa de ter como base
as relações patrimoniais e potencializa as relações de afeto. A partir do momento em
que o art. 1641 não prevê uma possível alterabilidade do regime de separação de
bens que foi imposto aos nubentes incapazes, prioriza o cuidado com o patrimônio,
que se torna desnecessário após o casal atingir a maioridade, e deixa de considerar
o laço de afetividade que constituiu aquele casamento.
CONCLUSÃO
Há uma clara ameaça aos nubentes, no intuito de limitar o desejo, a vontade,
a livre estipulação que lhes é garantido.
Como visto, tanto os que necessitam de suprimento judicial para o
casamento, por falta de idade, ou por falta de consentimento, somente poderão se
casar pelo regime obrigatório da separação de bens.
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Com relação aos menores de idade, não bastassem necessitar do
consentimento de ambos os pais, quando já compatíveis, ou seja, quando já
atingiram a idade núbil, necessitam também de autorização judicial quando padecer
do consentimento de seus representantes legais, para poder casarem.
Ora, descabida por demais a posição que os menores são expostos. Pois se
um dos nubentes ainda é menor de dezoito anos, necessita que seus pais consintam
para o casamento, na falta deste consentimento o menor poderá recorrer ao
judiciário em busca do seu suprimento, com isso conseguirá estar apto a poder
casar-se. No entanto, juntamente com essa “aptidão” vem uma consequência, que
se mostra uma verdadeira sanção, qual seja, o casamento realizado por ele deverá
indiscutivelmente guiar-se pelo regime da separação obrigatória de bens.
Visualiza-se uma punição ao nubente menor de idade que tem o
consentimento negado pelos pais, consentimento esse injusto, pois como já visto
anteriormente, é o que embasa o suprimento dado pelo juiz.
Então, diante disso, não se faz justo a imposição de um regime pelo simples
motivo de os pais não terem, injustificadamente concordado com o casamento.
Quando se falou em suprimento do requisito judicial para o casamento de
idade núbil, em sendo um dos nubentes menor de idade, aqui ocorre que aquele que
pretende se casar ainda não completou ao menos 16 anos de idade, nessas
hipóteses, em havendo causa que dê ensejo, poderá o juiz suprir judicialmente essa
deficiência de idade do nubente. Porém esse suprimento de idade não vem sozinho,
pois concomitante a ele, se faz necessário que o casamento seja realizado mediante
o regime da separação obrigatória de bens. Fica claro que o suprimento judicial de
idade nada significa, pois o casamento será sim autorizado, porém receberá a
punição de que os nubentes não poderão escolher o regime de bens que quiserem,
ficando adstritos ao regime que o artigo 1.641 impõe.
É uma afronta aos que pretendem contrair núpcias tal imposição, pois os
deixam a mercê de uma previsão cuja qual, não se sustenta, pois o juiz autoriza a
realização do casamento, que é direito indisponível, por tratar-se de questão de
estado, e não é competente para realizar o casamento sob outro regime de bens.
Dessa forma evidente fica que o legislador não fora feliz em tal estipulação,
uma vez que, não haveria o menor sentido em estipular uma limitação ao
matrimônio, em relação ao seu aspecto patrimonial.
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REFERÊNCIAS DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil: Direito de Família, vol. 5. São Paulo: Saraiva, 2007. ______. Curso de Direito Civil: Direito de Família, vol. 5. São Paulo: Saraiva, 2010. GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Princípios Constitucionais de Direito de Família: Guarda Compartilhada à Luz da Lei n° 11.698/08. São Paulo: Atlas, 2008. ______. Direito de Família Brasileiro: Introdução – Abordagem sob a Perspectiva Civil – Constitucional. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. V. 6. São Paulo: Saraiva, 2009. ______. Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. v. 6. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. GONÇALVES, Samuel Alvarenga. Da mutabilidade do regime matrimonial de bens mesmo quando imposta, a priori, a separação legal no caso de casamento de menores de idade. In: De Jure: revista jurídica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, n. 8, p. 359-376, jan./jun. 2007. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/26900>. Acesso em: 24/08/2012.
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