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LICENCIATURA EM CIÊNCIAS · USP/ UNIVESP O ser humano e o meio ambiente Ana Lúcia Brandimarte Déborah Yara Alves Cursino dos Santos 3 A ÁGUA COMO RECURSO CADA VEZ MAIS LIMITANTE 3.1 Introdução 3.2 Alterações dos padrões de consumo e uso da água 3.2.1 Aspectos relacionados à quantidade de água 3.2.2 Aspectos relacionados à qualidade da água 3.3 Principais impactos relacionados ao uso da água 3.3.1 Impactos ambientais 3.3.1.1 Depleção dos estoques 3.3.1.2 Construção de represas 3.3.1.3 Eutrofização 3.3.1.4 Salinização 3.3.1.5 Contaminantes variados 3.3.1.6 Acidificação 3.3.1.7 Poluição térmica 3.3.1.8 Introdução de espécies 3.3.1.9 Perda de biodiversidade 3.3.2 Impactos sociais e econômicos 3.3.2.1 Aspectos relacionados à saúde 3.3.2.2 Aspectos relacionados à economia 3.3.2.3 Aspectos relacionados à segurança 3.4 A água como assunto recorrente nas agendas governamentais 3.5 Conclusão Referências

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Licenciatura em ciências · USP/ Univesp

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bien

te

Ana Lúcia BrandimarteDéborah Yara Alves Cursino dos Santos

3A ÁGUA COMO RECURSO CADA VEZ MAIS LIMITANTE

3.1 Introdução3.2 Alterações dos padrões de consumo e uso da água

3.2.1 Aspectos relacionados à quantidade de água3.2.2 Aspectos relacionados à qualidade da água

3.3 Principais impactos relacionados ao uso da água3.3.1 Impactos ambientais

3.3.1.1 Depleção dos estoques3.3.1.2 Construção de represas3.3.1.3 Eutrofização3.3.1.4 Salinização3.3.1.5 Contaminantes variados3.3.1.6 Acidificação3.3.1.7 Poluição térmica3.3.1.8 Introdução de espécies3.3.1.9 Perda de biodiversidade

3.3.2 Impactos sociais e econômicos3.3.2.1 Aspectos relacionados à saúde3.3.2.2 Aspectos relacionados à economia3.3.2.3 Aspectos relacionados à segurança

3.4 A água como assunto recorrente nas agendas governamentais3.5 Conclusão Referências

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O ser humano e o meio ambiente

3.1 IntroduçãoA água é um dos principais recursos limitantes para a vida, pois, além de existirem milhares de

espécies aquáticas propriamente ditas e tantas outras que vivem associadas a ambientes aquáticos,

é fundamental para inúmeras reações metabólicas, além de ser o principal constituinte das células

(contribuindo em média com cerca de 70%). No caso da espécie humana, além de ser relevante

para o metabolismo e constituição corpórea, a água é utilizada em inúmeras atividades como a

agricultura, indústria, limpeza, entre outras, de modo a aumentar seu efeito como fator limitante.

Nesse sentido, é relevante lembrar que apenas 3% de toda a água disponível no planeta está nos

continentes e que, desse total, mais de 76% está sob a forma de geleiras e, portanto, não pronta-

mente utilizável. Para completar, do volume restante, aproximadamente 40% está em lagunas ou

mares interiores, não sendo útil nas atividades que requerem água doce.

Assim como no caso da produção de alimentos, os avanços tecnológicos e o aumento

populacional humano têm resultado na utilização de quantidades cada vez maiores de água.

Isso tem sido associado à diminuição nos seus estoques e à degradação da sua qualidade, com

efeitos negativos para toda a biota.

Nossa intenção é que, com essa aula, você possa reconhecer a relevância da água como fator

limitante para a vida, relacionar crescimento populacional humano e alterações dos padrões de

consumo e uso da água, conhecer as atividades humanas que mais utilizam e degradam a água

e os principais impactos decorrentes do uso da água.

3.2 Alterações dos padrões de consumo e uso da água

O aumento populacional humano por si só teria resultado na ampliação do consumo de

água apenas para beber. No entanto, como dito anteriormente, não se trata apenas de saciar a

sede, pois inúmeras atividades humanas são totalmente dependentes de água, como veremos

a seguir. No entanto, antes de entrar neste assunto, é importante diferenciar uso e consumo

de água. O uso está relacionado à retirada total de água dos estoques naturais para utilização

nas mais diversas atividades, sendo que parte dessa água pode retornar de forma relativamente

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3 A Água como Recurso cada vez mais Limitante

rápida ao ambiente, mesmo que com qualidade inferior. Um exemplo é a água utilizada em

processos industriais que não fará parte dos produtos fabricados, sendo apenas utilizada em

processos como esfriamento de máquinas e lavagem, entre outros. Praticamente toda a água

retirada retorna ao ambiente, embora possa apresentar qualidade inferior. O consumo, por

sua vez, está relacionado à água que de fato é utilizada para beber ou que passa a constituir os

produtos agrícolas ou industrializados. Na agricultura, por exemplo, grande parte da água utili-

zada na irrigação passa a fazer parte da biomassa das plantas cultivadas, de modo que não volta

imediatamente ao ambiente. O Gráfico 3.1 apresenta dados relativos aos principais usos de

água pela humanidade. Como se vê, a maior parte da água utilizada para irrigação na agricultura

é consumida, enquanto a maior parte utilizada pela indústria e pelas atividades do município

não é consumida, retornando ao ambiente.

Gráfico 3.1: Evolução do uso global de água por setor. / Fonte: modificado de CorCoran et al, 2010.

3.2.1 Aspectos relacionados à quantidade de água

Conforme os países se desenvolvem, e aqui estamos utilizando a ideia dominante de desenvol-

vimento que o associa à industrialização, o aumento de poder aquisitivo da população aumenta,

levando à alteração dos seus padrões de consumo de água, tanto para uso doméstico quanto para

a produção de alimentos e de produtos industrializados. Como o desenvolvimento não ocorre de

forma homogênea para todos os países, são observadas diferenças relevantes no uso de água entre

as regiões do planeta (Figura 3.1).

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Figura 3.1: Variação regional da retirada anual per capita de água doce dos depósitos naturais e o seu uso por setor. / Fonte: modificado de CorCoran et al., 2010).

O uso doméstico de água aumentou consi-

deravelmente a partir de 1950 (Gráfico 3.2),

sendo que, em uma residência típica de um país

industrializado, a maior proporção é empregada

na higiene pessoal (Tabela 3.1). O consumo

doméstico diário de água nos países desenvolvidos,

de 500 a 800 litros per capita, é cerca de seis vezes

maior que o dos países em desenvolvimento,

equivalente a 60 a 150 litros per capita.

Tabela 3.1: Padrão típico de uso doméstico de água em um país industrializado. / Fonte: adaptado de Clarke; king, 2004.

Uso PorcentagemHigiene pessoal 35

Descarga em vaso sanitário 30

Lavagem de roupa 20

Cozinha e água para beber 10

Limpeza 5

Na alimentação, a tendência é as pessoas deixarem de ser principalmente consumidoras

primárias e passarem a utilizar quantidades crescentes de carne e demais produtos animais em

Gráfico 3.2: Uso doméstico global de água por ano (em km3) entre 1950 e 2000, com projeção para 2025. / Fonte: modificado de Clarke; king, 2004.

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seu cardápio. Acontece que, nos agroecossistemas, quanto mais tecnologia é empregada, maior a

quantidade de água utilizada no processo (Gráfico 3.3). Assim, a quantidade de água necessária

para produzir um quilograma de carne é muitas vezes superior à empregada para produzir a

mesma quantidade de batata. Como a tendência é as pessoas consumirem cada vez mais alimento

e, entre estes, a carne, o uso e consumo de água na agropecuária tenderá a ser cada vez maior.

Com relação à produção de carne, o volume de água computado diz respeito à água utilizada na

irrigação das culturas que lhes servem como

ração, na dessedentação dos animais, na

higienização das instalações e dos animais,

na produção de medicamentos etc.

Da mesma forma, para os outros

setores, a utilização de água nos processos

industriais aumentou consideravelmente

conforme novos processos tecnológicos

foram desenvolvidos (Gráfico 3.4).

A quantidade de água utilizada no processo,

obviamente, também varia de acordo com

o tipo de item produzido (Gráfico 3.5).

Gráfico 3.3: Volume mínimo de água necessário para produzir um quilograma de alimento. / Fonte: modificado de Clarke; king, 2004.

Gráfico 3.5: Volume mínimo de água necessário para produzir um quilograma ou um litro de produto industrializado. / Fonte: modificado de Clarke; king, 2004.

Gráfico 3.4: Uso de água por ano (em km3) para uso industrial no período de 1950 a 2000, com projeção para 2025. / Fonte: modificado de Clarke; king, 2004.

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O ser humano e o meio ambiente

Agora é a sua vezContinue explorando os recursos de aprendizagem que preparamos para você

e realize a Atividade Online: Atividade humana e o consumo de água.

3.2.2 Aspectos relacionados à qualidade da água

O uso de água nos diversos setores leva à deterioração da qualidade da água, conforme

parte da água não consumida volta para os estoques naturais com qualidade inferior à retirada.

A Tabela 3.2 apresenta as fontes mais comuns, e suas consequências de alteração da qualidade

da água. Percebe-se que várias das consequências são comuns às diferentes atividades humanas,

ocorrendo os mesmos impactos potenciais tanto às águas superficiais quanto às subterrâneas.

Além da alteração da qualidade da água devido à devolução da água não consumida direta-

mente nos corpos de água, por escoamento superficial ou por percolação para o lenço freático,

as atividades humanas podem ter efeitos indiretos sobre a qualidade da água. Como exemplos

desses efeitos podem ser citados a acidificação dos ambientes aquáticos devido à chuva ácida,

a deposição de emissões atmosféricas de poluentes advindos da queima de combustível fóssil

na indústria e em outras atividades, o escoamento e percolação de água contendo poluentes

oriundos de depósitos de resíduos sólidos industriais urbanos, entre outros (Figura 3.2).

Figura 3.2: Fontes de poluição das águas. / Fonte: modificado de Chevreuil; granier, 1992.

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3 A Água como Recurso cada vez mais Limitante

3.3 Principais impactos relacionados ao uso da água

Os principais impactos relacionados ao uso da água decorrem da sua utilização em quantidades

crescentes e ao uso dos corpos hídricos como receptores de efluentes domésticos, agrícolas e

industriais, ou seja, ao retorno da água não consumida.

3.3.1 Impactos ambientais

3.3.1.1 Depleção dos estoques

A demanda cada vez maior de água pelas atividades antropogênicas tem causado a diminuição

dos estoques superficiais e subterrâneos (Gráfico 3.6). Esse problema é tanto maior quanto

menor a disponibilidade natural de água, uma vez que a água não é homogeneamente distribuída

no globo terrestre, havendo locais em que há excesso de água (precipitação supera evaporação)

e locais com escassez de água (evaporação supera precipitação), como visto no tema “A distri-

buição atual da Biota no planeta” da disciplina História da vida na Terra e distribuição

atual da vida no planeta. Assim, nos locais em que há escassez natural de água, o aumento dos

padrões de uso e consumo torna a água ainda mais limitante. Essa limitação é agravada pelo fato

de, em muitos locais, a água estar sendo retirada dos estoques naturais em uma velocidade maior

que a sua reposição pelas vias normais do ciclo da água (se necessário, volte ao tema “Ciclos

Biogeoquímicos” da disciplina Bioenergética e Ciclos da Natureza).

Tabela 3.2: Fontes e tipos de alteração da qualidade da água relacionados ao retorno de água não consumida. / Fonte: modificado de uneP, 2008.

Setor Uso urbano Agricultura Criação

animalRefloresta-

mento Indústria Mineração

Co

nse

qu

ênci

as

Contaminação microbiana X X X

Eutrofização X X X X X X

Salinização X X X X X

Pesticidas X X X X

Contaminação por metais traço X X X X X X

Hidrocarbonetos X X X X X X

Acidificação X X

Poluição térmica X X X X

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Gráfico 3.6: Retirada e depleção anuais globais de águas subterrâneas (em km3), entre 1960 e 2000. / Fonte: modificado de UNEP, 2012.

No Brasil, com exceção da região do semiárido nordestino, temos uma grande quan-

tidade de água disponível per capita, já que contamos com 17% de toda a água doce

global (Gráfico 3.7). No entanto, o uso médio diário per capita já alcançou 220 litros

de água, valor mais de cinco vezes superior aos 40 litros diários per capita recomendados

pela Organização Mundial de Saúde. Ao mesmo

tempo em que o uso de água per capita do brasileiro

dobrou nas últimas duas décadas, a disponibilidade

hídrica per capita tornou-se três vezes menor. Assim,

passamos a ter problemas de disponibilidade em

áreas nas quais há alta concentração de habitantes,

como nas grandes regiões metropolitanas. Um agra-

vante dessa situação reside no fato de que cerca de

30% da água tratada é perdida em vazamentos, ou

seja, um grande volume de água retirado dos esto-

ques naturais nem chega a ser utilizado.

3.3.1.2 Construção de represas

Uma das formas de a humanidade garantir a oferta de água em quantidade relativamente alta

e de modo a ser facilmente utilizada consiste na construção de represas, uma técnica empregada

há milênios e com finalidades tão diversas como abastecimento, irrigação, regulação da vazão

Gráfico 3.7: Distribuição global da água doce. / Fonte: modificado de World Commission on Dams, 2000.

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de rios, produção de energia elétrica, lazer, entre outras. Concomitantemente ao crescimento

da população humana global, ocorreu um aumento na construção de represas, principalmente

a partir da década de 1970, quando começaram a ser construídos os grandes lagos artificiais

tropicais (Gráfico 3.8). Embora o número de barragens em construção tenha caído a partir de

1990, isso não significa que os impactos decorrentes do surgimento de novas represas tenham

diminuído significativamente, pois ainda hoje existem centenas de barragens em construção,

muitas delas na China, cujos dados não foram computados no Gráfico 3.8. Observe que 45%

das grandes barragens existentes atualmente se encontram nesse país.

Se, por um lado, represas trazem benefícios à sociedade, por outro, causam uma grande série

de impactos ambientais (e também econômicos e sociais). Entre os impactos ambientais existem

os relacionados ao ambiente terrestre, como perda de solo e de espécies na área inundada, e

alteração do regime de flutuação do nível de água e perda de fertilidade do solo na área situada a

jusante da barragem. Além disso, ocorrem alterações na área inundada propriamente dita, como

substituição de espécies lóticas (características de água corrente) por lênticas (características

de água parada), já que se forma um lago; queda do teor de oxigênio dissolvido e aumento

da concentração de nutrientes minerais na água em função da decomposição da vegetação

terrestre inundada (eutrofização – a ser vista detalhadamente no próximo subitem); crescimento

de macrófitas aquáticas como consequência do aumento de nutrientes. Essas condições vigentes

no lago após sua formação resultam em uma água de menor qualidade se comparada à do rio

Gráfico 3.8: Construção de barragens por década (as informações excluem a China). / Fonte: modificado de World Commission on Dams, 2000.

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ou rios que foram represados. Finalmente, possíveis impactos no ecossistema lótico a jusante

podem ser a alteração da vazão, da carga de sedimentos e do leito, deterioração da qualidade da

água, dependendo da água que sai da represa, e perda de espécies.

3.3.1.3 Eutrofização

Entende-se por eutrofização o aumento da disponibilidade de nutrientes minerais, princi-

palmente fósforo e nitrogênio, em um corpo de água. Esse processo pode ocorrer naturalmente

ao longo de muitos anos. No entanto, muitas atividades humanas resultam em um rápido

enriquecimento dos corpos de água, um processo conhecido como eutrofização cultural.

Existem fundamentalmente duas maneiras de ocorrer esse aumento de nutrientes.

Na primeira, eles alcançam os ambientes aquáticos via carreamento de fertilizantes minerais,

utilizados na agricultura e reflorestamentos, entre outras atividades, pelo escoamento superficial.

Na segunda, a água recebe aportes de matéria orgânica oriundos de despejos de esgotos

domésticos, de efluentes de criação de animais e industriais orgânicos. Ao se decompor a

matéria orgânica, os nutrientes minerais são liberados na água, enriquecendo-a.

O aumento da disponibilidade de nutrientes na água tem efeito imediato sobre os produ-

tores primários, sendo que os mais eficientes na absorção de nutrientes, como as cianobactérias

e determinadas macrófitas, passam a dominar o ambiente, atingindo biomassas muito elevadas.

Conforme os produtores morrem, a grande necromassa (matéria orgânica morta) produzida

também será decomposta, liberando novamente na água os nutrientes, que serão reutilizados.

Os produtores dominantes não são consumidos por muitas das espécies herbívoras existentes

antes da eutrofização, que acabam tendo suas populações diminuídas ou mesmo sendo extintas

localmente. Por outro lado, passam a dominar os poucos consumidores primários capazes de

utilizar os produtores primários como alimento.

A decomposição da matéria orgânica, tanto da carreada pelos efluentes quanto da produ-

zida como resultado do aumento dos nutrientes na água, leva à diminuição da concentração

de oxigênio dissolvido. Essa situação é bastante comum em corpos de água eutrofizados e

também é responsável pela diminuição da riqueza de espécies no ambiente. Como resultado

da eutrofização, há uma grande alteração da estrutura da comunidade, sendo que a diversi-

dade de espécies tende a diminuir como resultado da queda da riqueza e do aumento de

dominância de algumas espécies (Gráfico 3.9).

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3.3.1.4 Salinização

A salinização consiste no aumento da con-

centração de sais dissolvidos na água como resul-

tado do despejo de efluentes, oriundos de várias

atividades humanas, nos ambientes aquáticos

(Tabela 3.2). Assim como no caso dos solos, a

salinização da água é mais comum em áreas áridas

e semiáridas. A biota aquática passa a se confron-

tar ainda mais com as dificuldades relativas ao

balanço osmótico. Além disso, o uso de água para

as atividades humanas torna-se crescentemente

comprometido conforme a salinização aumenta.

3.3.1.5 Contaminantes variados

Existe uma série de substâncias e elementos

químicos que não ocorrem naturalmente nos

corpos de água, ou que estão presentes em

quantidades diminutas, que são liberadas nesses

ambientes como resultado de atividades humanas. Na primeira categoria, podem ser citados

os inseticidas, os hormônios e medicamentos destinados à população humana e a animais de

estimação e criação, os suplementos alimentares e hidrocarbonetos derivados de combustíveis

fósseis. De modo geral, essas substâncias são estranhas à biota que, normalmente, não possui

enzimas capazes de degradá-las, não sendo, portanto, biodegradáveis. Na segunda categoria,

salientam-se os metais traço. Todos os contaminantes citados podem ser tóxicos e, muitos

deles, por apresentarem baixa mobilidade, tendem a se acumular nos organismos (bioacu-

mulação) e a aumentar nos níveis tróficos consecutivos (biomagnificação), de forma que

o efeito deletério se amplia ao longo da cadeia alimentar (Figura 3.3).

Gráfico 3.9: Alterações do fitoplâncton (a) e da comunidade de invertebrados bentônicos (b) como resultado de eutrofização no Lago Okeechobee (EUA), a partir da década de 1970. / Fonte: modificado de havens et al, 1996.

a

b

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Uma vez que a utilização dessas substâncias tende a aumentar conforme as mudanças nos

padrões de consumo da população, havendo demanda cada vez maior pelos produtos relacionados

à sua presença, conclui-se que aquelas terão impactos crescentes sobre os ambientes aquáticos.

3.3.1.6 Acidificação

A acidificação dos ambientes aquáticos é a perda da capacidade de neutralizar ácidos como

efeito da ocorrência de chuvas ácidas. Durante o processo, em decorrência de repetidas precipi-

tações ácidas contendo ácido sulfídrico e/ou nítrico, bicarbonatos e carbonatos vão tendo suas

concentrações diminuídas até serem totalmente consumidos, de forma que deixa de ocorrer

neutralização dos ácidos.

Os efeitos da chuva ácida são mais rápidos e negativos nos corpos de água nos quais natural-

mente há menor quantidade de substâncias tamponadoras (bicarbonatos e carbonatos). Como

consequência da acidificação, há diminuição do pH da água com efeitos deletérios sobre a biota.

Figura 3.3: Biomagnificação do inseticida dicloro-difenil-tricloroetano (DDT) ao longo da cadeia alimentar. / Fonte: modificado de raven et al., 1993.

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3.3.1.7 Poluição térmica

Qualquer atividade humana que utilize água para resfriamento de turbinas e outras máquinas

devolve água com temperatura superior à do ambiente, ou seja, propicia a ocorrência de poluição

térmica. Como a elevação da temperatura tem efeito direto sobre o metabolismo, é de se esperar

que a biota seja impactada, havendo efeito negativo sobre o desempenho biológico se a tempe-

ratura da água estiver acima do limite de tolerância dos indivíduos. Além disso, quanto maior a

temperatura, menor a dissolução de gases na água. Assim, a concentração de oxigênio dissolvido na

água diminui, dificultando a existência de organismos aeróbios.

3.3.1.8 Introdução de espécies

A introdução intencional de espécies exóticas em ambientes aquáticos para incrementar a

pesca como atividade econômica ou esportiva, por exemplo é uma realidade que não podemos

ignorar. Não sendo nativas, essas espécies não encontram inimigos naturais (predadores, para-

sitas) no novo ambiente, de forma que, dependendo do seu potencial biótico e da existência

de condições e recursos adequados, podem-se desenvolver grandes populações que acabam

afetando negativamente as espécies nativas por meio de predação e competição.

3.3.1.9 Perda de biodiversidade

Todos os impactos citados até o momento têm potencial de diminuir a riqueza de espécies nos

corpos de água afetados. Como sabemos, a alteração das espécies presentes tem efeitos na cadeia

alimentar e, portanto, no fluxo de energia e ciclagem de nutrientes dos ambientes aquáticos.

Agora é a sua vezRealize a segunda Atividade Online: O uso da água e suas respec-

tivas causas e consequências.

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3.3.2 Impactos sociais e econômicos

Além dos impactos ambientais associados ao uso crescente de água nas atividades humanas,

existem ainda impactos de conotação social e econômica.

3.3.2.1 Aspectos relacionados à saúde

O despejo de efluentes contaminados com micróbios nos corpos de água tem efeitos

indesejáveis para a saúde humana, quer sejam utilizados para abastecimento ou para recreação

de contato primário (ex.: natação). Existe uma clara relação inversa entre mortalidade infantil

e acesso a água tratada, o que chama a atenção para a importância da garantia de água de

boa qualidade. Além disso, em ambientes eutrofizados, as algas e cianobactérias dominantes

podem desenvolver cepas produtoras de compostos secundários que atuam como hepatoxinas

e neurotoxinas. Dessa forma, a água torna-se imprópria para ser usada na dessedentação de

animais ou no consumo humano.

A construção de represas também pode causar impactos negativos sobre a saúde da população

local, pois o crescimento explosivo de macrófitas pode facilitar a ocorrência de doenças cujos

vetores encontram abrigo nessa vegetação. Ademais, são recorrentes os casos de surgimento de

esquistossomose associados à construção desses corpos de água artificiais. Os adultos do platel-

minto parasitado gênero Schistosoma são levados para o local pelos trabalhadores da construção

civil e, se ali ocorrer o hospedeiro intermediário que abriga formas imaturas – o caramujo do

gênero Biomphalaria, há um cenário adequado para a dispersão da doença.

Enfim, a contaminação de corpos de água superficiais e subterrâneos com substâncias

estranhas também pode ter efeitos negativos sobre a saúde humana se eles suprirem a popu-

lação com água para abastecimento ou outros usos.

3.3.2.2 Aspectos relacionados à economia

Quanto menor a qualidade da água, maior será o gasto para torná-la própria para o consu-

mo. As toxinas produzidas por algas e cianobactérias e várias das substâncias estranhas ao am-

biente aquático mencionadas anteriormente, normalmente, não são retiradas pelo tratamento

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convencional da água, de modo que investimentos cada vez maiores deverão ser feitos para

obtermos água de boa qualidade para as atividades humanas, sem falar na necessidade premente

de proteger a biota aquática dos efeitos negativos dessas atividades.

A diminuição do volume de água, a queda da qualidade da água e a construção de represas

podem trazer efeitos econômicos negativos para a população local, resultando eventualmente

em queda da produtividade pesqueira e agrícola. Assim, pescadores e agricultores locais podem

ter prejuízos decorrentes da queda de produção de itens nos quais baseavam o seu sustento.

3.3.2.3 Aspectos relacionados à segurança

A oferta de água para abastecimento e uso nas atividades humanas, principalmente econô-

micas, é um aspecto fundamental para garantir a segurança de uma nação. Muitos rios correm

por territórios pertencentes a mais de um país, de modo que interferências feitas pelos governos

de montante têm efeitos diretos ou indiretos sobre as populações a jusante. Dessa forma, muitos

dos litígios entre governos podem ter como pano de fundo, embora não declarado, a segurança

relativa a água, sobretudo em áreas em que esta é naturalmente escassa.

3.4 A água como assunto recorrente nas agendas governamentais

O crescimento da população humana e o domínio de novas tecnologias estão relacionados ao

aumento do uso de água. No nível global, as atividades humanas têm provocado alterações na quan-

tidade e na qualidade da água e, portanto, nas vias que constituem o ciclo da água. Assim, mesmo que

a quantidade de água no planeta seja sempre a mesma, ocorrem alterações localizadas em qualidade

e volume que diminuem sua disponibilidade, tornando-a um fator cada vez mais limitante para a

população humana. Assim, da mesma forma que gera desenvolvimento, a água pode desacelerá-lo

em função da indisponibilidade gerada pelo uso abusivo e pela perda de qualidade.

Quanto menos água houver localmente, mais os governos terão de gastar em obras e outras

alíneas para trazer água de locais mais distantes, haja vista os elevados custos para transposição de

água entre diferentes bacias hidrográficas. Além disso, como dito anteriormente, quanto menor

a qualidade, maiores os custos envolvidos para tornar a água adequada para uso e consumo da

população humana. Por esses motivos, a água é um assunto recorrente nas agendas governamentais.

Page 16: A ÁGUA COMO RECURSO CADA VEZ MAIS LIMITANTE O ser … · 3.3.2.2 Aspectos relacionados à economia ... entre outros. Praticamente toda a água retirada retorna ao ambiente, embora

49Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 4

O ser humano e o meio ambiente

3.5 Conclusão Neste texto, tratamos da dependência da população humana em relação à água, que se

tem tornado cada vez mais limitante. Observamos como as alterações no padrão de consumo

de alimentos e produtos industrializados resultaram no aumento do uso de água, levando à

depleção dos estoques naturais e à diminuição da qualidade, com efeitos adversos para toda a

biota, aí incluída a espécie humana. No próximo tema, abordaremos o processo crescente de

urbanização, com ênfase nas necessidades e impactos decorrentes da concentração da população.

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