A Abrigagem de Moradores de Rua

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA CURSO DE GRADUAO EM CINCIAS SOCIAIS ADRIANO SILVA NAZARENO ARR A ABRIGAGEM DE MORADORES DE RUA: UM ESTUDO SOBRE AS TRAJ ETRIAS DE EXCLUSO E EXPECTATIVAS DE REINSERO Porto Alegre, 2009 ADRIANO SILVA NAZARENO ARR A ABRIGAGEM DE MORADORES DE RUA: UM ESTUDO SOBRE AS TRAJ ETRIAS DE EXCLUSO E EXPECTATIVAS DE REINSERO Monografiasoborientaodaprofa. MarilisLemosdeAlmeida,submetidaao DepartamentodeSociologiapara obtenodottulodeBacharelem Cincias Sociais. Porto Alegre, 2009 AGRADECIMENTOS Deus,porseroSENHORdaminha vida. minhaesposaIvone,companheira dedicada e amorosa, compreensiva nos momentos mais difceis de nossas vidas. Ao Giuliano 13 e Maria Ceclia 1, por existirem. RESUMO A concentrao populacional das grandes cidades, a reestruturao do trabalho e o poucocrescimentoeconmicoestocriandosituaesdecarnciaseproblemas relacionados ao desemprego e insegurana pessoal, vinculados a um quadro de extremapobreza.Estequadrodeexclusosecompeemcategorias,sendouma delas a de moradores de rua. O estudo escolhido para esta monografia foi sobre as trajetrias de excluso e expectativas de reinsero social no contexto da populao adultaemsituaoderua,especificamenteosqueestoacolhidosnumabrigo pblico. Utilizou-se como teoria a desfiliao, de Robert Castel, com abordagem de categorias adaptadas realidade brasileira. Foi realizada uma pesquisa de campo com roteiro de entrevistas semi-estruturadas, para que em conjunto com os dados fornecidos pelo abrigo, pudesse ser obtido um perfil deste usurio, verificando como ocorreu sua excluso e o rompimento com suas redes de pertencimento, alm das possibilidadesdeseuretornoparaasociedade.Otrabalhodecampofoi desenvolvido em abril de 2009, no Abrigo Municipal Bom J esus, em Porto Alegre, e o universo desta pesquisa foram os abrigados daquele perodo.Palavras-chave: abrigo. desfiliao. moradores de rua. ABSTRACT The population concentration of the great cities, the reorganization of the work and the little economic growth are creating situations of lacks and problems related to the unemployment and the personal unreliability, tied with a picture of extreme poverty. This picture of exclusion if composes in categories, being one of street dwellers. The studychosenforthismonographitwasonthetrajectoriesofexclusionand expectationsofsocialreinsertioninthecontextoftheadultpopulationstreet dwellers, specifically the ones that are received in a public shelter. The desfiliation wasusedastheory,ofRobertCastel,withboardingofsuitablecategoriestothe Brazilian reality. A research of field with script interviews was carried through, so that insetwiththedatasuppliedfortheshelter,couldbegottenaprofileofthisuser, verifyingasitsexclusionoccurredandthedisruptionwithitsnetsofbelonging, beyond the possibilities of its return for the society. The field work was developed in April of 2009, in shelter called Abrigo Municipal Bom J esus, in Porto Alegre, and the universe of this research had been the sheltered ones from that period. Words-key:shelter. desfiliation. street dwellers. ESTRATTO La concentrazione nella popolazione di gran citt, la riorganizzazione del lavoro ed il pocosviluppoeconomicostannogenerandolesituazionididifettadieproblemi relativialladisoccupazioneedall'inattendibilitpersonale,legateaun'immaginedi povertestrema.Questaimmaginedell'esclusionesecomponenellecategorie, essendo una di loro degli abitanti della via. Lo studio scelto per questa monografia erasullatraiettoriedell'esclusioneedelleaspettativedellareinserzionesocialenel contesto della popolazione adulta nella situazione di via, specificamente quelle che fossero ricevute in un riparo pubblico. La desfiliazione stato usato come teoria, di RobertCastel,conl'imbarcodellecategorieadatteallarealtbrasiliana.Ho realizzatounaricercadicampoconlomanoscrittodelleinterviste,dimodoche nell'insieme con i dati assicurati per il riparo, potrebbe essere ottenuto un profilo di questo utente, verificando come ha accaduto la sua esclusione mentre la rottura con le suoi reti dell'appartenenza, oltre la possibilit del suo ritorno alla societ. IL lavoro dicampostatosviluppatoinapriledi2009,nelriparocomunalebuonoGes,a Porto Alegre, e l'universo di questa ricerca era stato quei riparati a partire da quello periodo. Parole-chiave:riparo.desfiliazione.abitanti della via. SUMRIO 1INTRODUO........................................................................................01 2A POPULAO EM SITUAO DE RUA NO BRASIL E NORIO GRANDE DO SUL...........................................................................08 3 ALGUMAS DEFINIES SOBRE EXCLUSO E POBREZA..............14 4AS POLTICAS PBLICAS NO CONTEXTO HISTRICO...................20 5A ABRIGAGEM COMO MODELO DE REINSERO: O AMBJ..........25 5.1 O PLANO DE INTERVENO...............................................................26 5.2OS CRITRIOS DE INGRESSO.............................................................29 5.3IDENTIFICAO E ESTRUTURA FSICA.............................................32 5.4ESTRUTURA PROFISSIONAL............................................................... 34 5.4.1 A Gerncia e Coordenao do Abrigo.................................................34 5.4.2. A Enfermagem........................................................................................34 5.4.3 A Nutrio...............................................................................................35 5.4.4O Servio Social ....................................................................................36 6 CARACTERSTICAS PRINCIPAIS DOS ABRIGADOS DO BOM JESUS37 7 CONSIDERAES FINAIS....................................................................54 8 REFERNCIAS.......................................................................................589ANEXO I...................................................................................................60 10ANEXO II..................................................................................................65 GRFICOS Grfico n 01 Formas de Ingresso dos Abrigados........................................32 Grfico n 02 - Distribuio dos Abrigados / local de nascimento (%) 2009....37 Grfico n 03 - Distribuio da Faixa Etria (%) 2009.....................................38 Grfico n 04 - Distribuio por Etnias (%) 2009.............................................38 Grfico n 05 Principais Enfermidades (%) 2009..........................................39 Grfico n 06 Principais Causas de Excluso...............................................51 Grfico n 07 Possibilidades de Reinsero.................................................52 11INTRODUO Emnossasociedade,osindivduosmanifestamseupertencimentoa determinados grupos sociais conforme caractersticas similares que os identificam, sejamnascomunidadesounosgruposfamiliares.Arupturadestasredesde pertencimento normalmente est condicionada a situaes de excluso. O sistema deproduocapitalistamoderno,quegeraincludosetambmexcludosna sociedade, aumentou este quadro com o advento da globalizao, que estabelece constantes desequilbrios entre os atores envolvidos neste processo. Aexclusorepresentaacondiodevulnerabilidadenasrelaes estabelecidaspelasociedade,quecontribuirparaareproduodasinjustias sociais. A cada dia novos espaos vo sendo conquistados pela globalizao sem suadevidaregulaoe,destaforma,aproteosocialgarantidapeloaparato estatal, na tentativa de assegurar os benefcios sociais, ainda que insuficientes, para apopulao,noenfrentamentodessastransformaesemcurso.Hsugestes alternativas para essas polticas de proteo, como as de entidades do terceiro setor eaeconomiasolidria,oqueparecenosersuficientepararesoluodos problemas. ParaosocilogofrancsRobertCastel,aexclusooresultadodeum processoderupturadoindivduocomseugrupodeorigem,devidoatrajetrias diferenciadasdevida,equenocontemplaramcomplenitudeosresultadosdo mododeproduodocapital.Suasituaomaiscomumadegradaodeum status anterior (CASTEL, 2000, p.23), ou seja, a perda de vnculos num grupo de insero. Hoje em dia no temos como traar as fronteiras ntidas da excluso, como antigamentesedelimitavamasperiferiasdasgrandescidadeseossubrbios; qualquer pessoa pode tornar-se vulnervel, tendo como consequncia a sua ruptura nestas redes, sejam elas familiares ou profissionais. A cidade de Porto Alegre possui uma populao de excludos que habitam as ruasestimadaem1203pessoas(GEHLEN,2008,p.34).Estenmerobem superiors227vagasoficiaisdeabrigagemdisponibilizadaspelomunicpiopara 2atendimento a este pblico, que nestas condies necessita de proteo social para sobreviver. A escolha do Abrigo Municipal Bom J esus (AMBJ ) objetivou focalizar um estudodosmoradoresderuadacidadeemsituaodeabrigagem,buscando resgatar a sua trajetria de excluso, o seu acolhimento e permanncia em abrigos e a expectativa de sua reinsero na sociedade. A prefeitura da capital gacha mantm uma estrutura hoje composta por sete CentrosRegionaisqueatendemasnecessidadesdaspopulaesmaiscarentes; novemdulosdeAssistnciaSocialemdiferentesbairrosdaperiferia;umabrigo municipalparaatendermenoresdedezoitoanos,oIngBrita,quetemcomo pblico-alvo crianas e adolescentes carentes (moradores de rua ou no), vtimas de algumtipodeviolncia;umacasadeconvivnciaquerealizaatividadesde integraonoperododiurno;e,porltimo,doisabrigosmunicipaisqueacolhem integralmente esta populao: o Abrigo Marlene, com 85 vagas, e o Abrigo Municipal BomJ esus,com78vagas,numtotalde167vagasdiretas,almde60vagas indiretasobtidasatravsdeconvniocomoAlbergueFelipeDiehl,deiniciativa privada, e que funciona apenas noite1.A instituio escolhida - o AMBJ2 - fica na zona leste de Porto Alegre e acolhe moradoresderuaadultosdacidadeatravsdeencaminhamentosporpartedos hospitais, de outros abrigos, ou do conjunto estrutural de assistncia da Prefeitura. Ele cuida de portadores de algum tipo de desajuste social (alcoolismo, drogadio, distrbios psicolgicos, sade debilitada, rompimento de laos afetivos) vtimas das condieseconmicasregionaisquedealgumaformacontriburamparasua situao de excluso, como o desemprego.Tambmacolhedeformavoluntria,sobacondiodedisponibilidadede vaga e entrevista, abrigando a populao de rua adulta de Porto Alegre h 22 anos. Funcionou como albergue noturno a partir do ano de 1987, iniciando o atendimento integralaoseupblico-alvonoanode19943.ElemantidopelaFundaode AssistnciaSocialeCidadania(FASC),rgodaPrefeituraMunicipaldePorto Alegre que tambm gerencia os mdulos e Centros Regionais e os demais abrigos.

1Fonte: Fundao de Assistncia Social e Cidadania. 2Situado na rua So Domingos n 165, no bairro de mesmo nome. 3 mais detalhes no capitulo 5, pg. 25 3OAMBJ possuiagentespblicosqueprestamatendimentonosturnosda manh, tarde e noite, gerenciados por uma coordenao na prestao de servios pblicosemconjuntocomosprofissionaisdeAssistnciaSocial,Enfermageme Nutrio. O tema que gerou esta Monografia oriundo de um dos diversos grupos de excludos existentes em nossa sociedade os de moradores de rua adultos - cuja temticaacadmicahaviasidopoucoaprofundadapelasCinciasSociais4em nosso meio, com referncia abrigagem adulta desta populao.A concentrao populacional nas grandes cidades, a reestruturao do setor industrialeopoucocrescimentoeconmicoestocriandoumnovoelencode carncias e problemas, relacionados ao desemprego, desorganizao, a violncia urbana e insegurana pessoal que culminam em situaes comuns de excluso. Castel(2000,p.34)afirmaqueapobrezaemsuamaioriaurbana,localizadana periferia das grandes cidades e constituda por pessoas em grande parte originrias docampo,cujaintegraoaomercadodeconsumonoobtevearespectiva correspondncia com o mercado de trabalho.OconceitodeexclusosocialcomotantosoutrosnasCinciasSociais necessita de uma definio mais precisa. Ele vem sendo originalmente utilizado para superar as deficincias de noes correntes, e seu principal mrito a distino por categorias especficas. Dentro destas categorias est o grupo de moradores de rua, em situao de extrema pobreza e com histrico de nomadismo urbano, habitando em espaos pblicos. Alguns deles so abrigados e ficam nesta condio por tempo indefinido,noconseguindodesvincular-seinstitucionalmente.Asadaacontece comumapequenaparceladessesindivduos,principalmenteosquenotem comprometimento de sade mental e da dependncia qumica. Aspolticaspblicasrelacionadasaosabrigossomuitocentradasno acolhimento e encaminhamento do indivduo em situao de rua para os mesmos e a sua manuteno neste sistema. O principal foco dessas polticas deveria ser o da reinsero ao mercado de trabalho destes abrigados, alm de um possvel retorno aoseugrupofamiliaroudeconvivncia,emsegundainstncia.Estesexcludos

4exceo de alguns bons trabalhos realizados, como o estudo etnogrfico de Cludia Turra Magni na sua dissertao de mestrado que retrata o nomadismo urbano da populao de rua de Porto Alegre, h 15 anos, e mais recentemente em 2008, com trs captulos dedicados a esta populao no livro sobre Diversidade e Proteo Social, do prof. Ivaldo Gehlen(UFRGS). 4foramclassificadosnumanovacategoria,justificandoanecessidadede enfrentamentodasturbulnciassociaisdevidoaimpossibilidadederesolv-las imediatamente, e de maneira satisfatria pois ...a excluso repousa sobre regras e critrios, que s foram possveis de acontecer devido a situaes de vulnerabilidade dadas pela degradao das condies de trabalho. (CASTEL, 2000, p.40). Diante da temtica da questo social em termos de excluso, quais os fatores quelevaramestaspessoasahabitaremasruase,numsegundomomento,de seremacolhidaspelosabrigos?Diantedestanovapobrezasurgidaemfinsdo sculoXX,quecondiesestaabrigagemofereceparaqueseuusurioseja reinseridonasociedadeeapercepoqueomesmotemdiantedesta possibilidade?CaberiaafirmarqueoconceitodedesfiliaoteorizadoporCastel poderia ser aplicado junto a estes usurios de abrigo em Porto Alegre? importante entenderasrelaesnestecotidianoemparticular,paraquesejamoferecidos subsdiosnadiscussodepolticaspblicasdeproteosocialquepossamser realmenteefetivas,buscandosuprirasredesdepertencimentodestesatoresno combate ao crescente processo de excluso, que reproduzido a cada dia. Estes abrigados seriam os excludos de nossa sociedade, pela incapacidade deseremabsorvidosnomercadodetrabalhoconformeomodelodeproduo atualmenteimpostonasociedade,tendocomoagravanteaglobalizaodeste sistemaprodutivoeaconcentraoderiquezasporumaminoria,levandoaum quadrogravededesemprego,quegeraporconseqnciaarupturadevnculos familiaresecomunitrios,semquehajaumaperspectivadetransformaodesta realidade.Estesexcludosutilizam,semconhecimentoprvio,dasestruturas oferecidasporinstituiesgovernamentaisoumesmoparticulares,paragarantiro mnimo de sobrevivncia diante de um modelo social que seletivo e excludente. Emcontrapartida,taisinstituiesbuscariamreinseriratravsdepolticaspblicas esses excludos ao convvio social e ao mercado de trabalho.Oobjetivogeraldestapesquisacompreendertantoastrajetriasde excluso destes abrigados quanto as expectativas da sua reinsero social. Como objetivosespecficos,identificaroperfildosmoradoresderuaatendidosporeste abrigo atravs de cadastro e entrevistas semi-estruturadas, alm de acompanhar e entender seu cotidiano e suas interaes sociais. 5 O entrevistador dever coletar as informaes que so relevantes e filtrar assubjetividades,apesardaspercepesdoinformantequandodesua indagao,poisseudiscursoproduzidodoretratoqueoprprio informante faz do seu universo pessoal. (HAGUETTE, 1990, p.76) O universo desta pesquisa foi a populao do Abrigo Municipal Bom J esus, no perodo de 13 abril a 01 de maio de 2009, e posteriormente nos dias 01 e 02 de junhodocorrenteano.Paracoletaeanlisedosdadosempricos,obtive autorizao da coordenao do abrigo e realizei as entrevistas no mesmo local, no perodo de 24 a 27 de abril, de segunda sexta-feira. A metodologia utilizada nesta pesquisa foi a qualitativa, e o trabalho de campo envolveu: 1.Levantamento de dados por cadastro disponibilizado pelo Abrigo sobre idade, sexo,localdenascimento,etnia,principaisenfermidadesqueocorreme formas de ingresso. 2.Participao como observador, acompanhando os acessos desta populao e osatendimentosespecficosdoabrigo,bemcomoasrelaessociais ocorridasnesteambiente.Foramrealizadasquinzevisitascomduraode trs horas cada no turno matutino, entre os dias 13 de abril e 01 de maio de 2009. Posteriormente se fez necessrio mais duas visitas, ocorridas nos dias 01 e 02 de junho do corrente, no perodo noturno e diurno respectivamente, com a mesma durao totalizando dezessete visitas. Foram contemplados a descriodaabrigagemeopapeldesenvolvidopelosatoressociais vinculadosaoAbrigo.Otermoobservador-como-participanteestsendo utilizado no sentido definido por May (2004, p.184), envolvendo entrevistas de uma visita, em observao mais formal que informal. 3.Realizaodeentrevistassemi-estruturadascomosusurios.Foram realizadasoitoentrevistascomcincohomensetrsmulheres.Inicialmente foram entrevistados seis usurios e depois nas duas visitas posteriores, mais dois deles, retratando desde sua trajetria anterior e atual, at as expectativas detransformaodesuarealidade.Asentrevistasabordaramosseguintes aspectos: trajetria familiar desde a infncia; dificuldades enfrentadas; vinda 6para o abrigo e condies de permanncia; cotidiano no abrigo e expectativas quanto ao futuro. 4.RealizaodeentrevistascomaAssistenteSocial,comocoordenadordo abrigo,comatcnicaemenfermagemecomdoisagentespblicos monitores,abordandoasresponsabilidadesdasfunesexercidaspelos agentesnoabrigoeaestruturafsicaoferecidaparaacolhimentodos moradores de rua. As atividades descritas pelos profissionais foram realizadas em seu ambiente detrabalhoecomrelaoaosusurios5,foramselecionadoscincodosexo masculinoetrsdosexofemininopelaAssistenteSocial,paraaparticipaona entrevista.Visandoapreservaodesuasidentidades,foisugeridoaosusurios queescolhessemumnomefictcioparasuaidentificao,garantindoosigilocom uma sala preparada para a realizao destas entrevistas, com tempo estipulado pela instituio de uma hora e trinta minutos para cada abrigado. Fuiapresentadoaestesusurios,quandoentotiveaoportunidadede esclarecer os motivos desta pesquisa e a importncia da participao de cada um deles nos resultados finais. Deixei claro que no se tratava de um trabalho para o abrigo,massimumapesquisaacadmicadefinaldecursoequeestariamlivres para participar ou no das entrevistas. Todos concordaram em colaborar e aps um breve agendamento de datas e horrios, individualmente fui informado dos nomes fictcios a serem utilizados por cada um, sua livre escolha6. Esta monografia composta de cinco captulos: O primeiro captulo aborda a os dados secundrios em termos de Brasil e Rio Grande do Sul, contribuindo para o cenrio do objeto de pesquisa. O segundo captulo descreve as caractersticas do moradorderuaesuascondiessociais.Oterceirocaptuloserdedicadoao contextohistricodaspolticaspblicaseoquartocaptulotrarocampo propriamentedito,ouseja,oAMBJ eaestruturaqueomesmooferecepara acolhimentoereinserodosmoradoresderuadacapitalgacha,objetocentral destapesquisa.Noquintocaptuloanalisareiasentrevistasdestesabrigados,

5Total de 65 abrigados, 48 homens e 17 mulheres (fonte: AMBJ , terceira semana de abril de 2009) 6Ricardo,Odir,Bandeira,Fernanda, Rafael, Zoraide,Rita e Belinha , sendo que este ltimo trata-se de um travesti que escolheu um nome feminino. 7descrevendosituaescomunsdeexcluso,trajetriasatoabrigoeas expectativasdesuareinserosocial.Apsaanliseemepgrafe,procedereis consideraes finais, com as concluses pertinentes deste trabalho. 82POPULAO EM SITUAO DE RUA NO BRASIL E NO RIO GRANDE DO SUL Este captulo dedicado apresentao de dados secundrios, objetivando a comparao dos estudos sobre populaes em situao de rua no Brasil e no Rio GrandedoSul.NonvelfederalfoiumapesquisarealizadapeloMinistriodo DesenvolvimentoSocialeCombateFome(MDS),aqualtrouxeumainovao poltica importante visando a elaborao de polticas integradas de proteo social voltadas para este pblico em especial, no ano de 2007. Quanto ao estado do Rio GrandedoSul,emparticularnasuaregiometropolitana,foramcolocadosdois estudoscomparativos,ummaisantigode1998eoutromaisrecente,em2008, objetivando verificar possveis alteraes no quadro social ou ainda a manuteno de certas caractersticas por esta populao nos ltimos dez anos. Em mbito nacional, com o objetivo j levantado no pargrafo anterior, o MDS assumiu no ano de 2004 o compromisso de formular polticas pblicas dirigidas para a populao em situao de rua. Como resultado deste compromisso, em setembro de 2005 a Secretaria Nacional de Assistncia Social (SNAS) realizou o IEncontro Nacional sobre Populao em Situao de Rua, no qual foram discutidas juntamente commovimentossociaisrepresentativos,estratgiasvisandoaformulaode polticaspblicasparatodoterritrionacional,dedicadasaestaparcelada populao. Uma das constataes foi a necessidade de uma contagem das pessoas que vivem nas ruas, as quais no so captadas no Censo do IBGE. A propsito da importncia desta contagem CASTEL j dizia que: Incontestavelmente a misria econmica est na base da maior parte das situaes de grande marginalidade, seno de todas. Todavia, sabe-se das dificuldades,paranodizerimpossibilidade,dedefinirpatamaresde pobrezaquesirvamcomocritriosdedecisosobrequemsoosque necessitamdeapoio.Contarospobres,semdvida,umaoperao indispensvel, ainda que por razes apenas administrativas. (CASTEL, 1997, p.20) Destaforma,emmeadosdeagostode2007iniciou-seumapesquisano mbito nacional, com pblico-alvo acima dos 18 anos de idade vivendo em situao de rua. Foram realizadas pesquisas em 71 cidades brasileiras com mais de 300 mil 9habitantes, includasaqui23capitais7.Esta pesquisa caracterizou a palavra rua comosendomoradia,emlocaisidentificadoscomopraas,parques,caladas, becos, lixes, praias e viadutos. O questionrio era composto por 19 perguntas com amostrade10,4%douniversopesquisado,utilizando-secomotcnicaa amostragem probabilstica sistemtica; 1479 pessoas participaram das atividades de campo, sendo 926 entrevistadores e 229 apoiadores deste total. Foramidentificados31.922adultosemsituaoderuanas71cidades pesquisadas(Fonte:InstitutoMeta/MINISTRIODODESENVOLVIMENTO SOCIALECOMBATEFOME,2007).Operfilconstatadodestapopulao predominantemente masculino (82,0%), a maioria de cor parda (39,1%) e com baixa escolaridade(48,4%noconcluramoprimeirograu).Quaseametadedos entrevistados (45,8%) sempre viveram na cidade no qual atualmente moram, 53,0% destas pessoas na faixa dos 25 aos 44 anos de idade. Amenorproporodapopulaoderuaencontradaentreascapitaisda cidade de Manaus, correspondente a 0,2%, nmero bem abaixo da mdia nacional de 0,6%. O maior ndice de moradores de rua que se declararam brancos est em Curitiba, com 59,1% das pessoas entrevistadas, enquanto que em Salvador, cerca de 48,1%destes moradores declararam ser de cor negra, maior ndice desta capital. Na cidade do Rio de J aneiro a maioria dos moradores de rua so de meia-idade (45 aos54anos),oquecorrespondeuacercade44,1%destapopulao;jem contrapartida,commaisde60,3%enafaixados25aos44anosestBraslia,a capitalcommaiorconcentraodejovensmoradoresderuadopas.Dos31.922 adultospesquisados,88,5%afirmaramnoreceberqualquertipodebenefcio oferecidopelogoverno(aposentadoria,penso,bolsafamlia,etc).Osprincipais motivos pelos quais estas pessoas passaram a viver nas ruas so as desavenas familiares, alcoolismo e drogas, alm da perda de moradia e o desemprego. Em 1998, a Fundao de Economia e Estatstica do Estado do Rio Grande do Sul (FEE)produziu estudos em doze reas de interesse do governo estadual.Em especial, um deles se destinava a discutir a pobreza urbana e era composto por uma

7So Paulo, Belo Horizonte e Recife no participaram porque j haviam realizado anteriormente procedimento semelhante; Porto Alegre solicitou sua retirada desta pesquisa porque simultaneamente estava realizando sua prpria contagem, atravs de iniciativa da Prefeitura municipal em conjunto com o Laboratrio de Observao Social, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 10equipedetrabalhoqueatuousobaconsultoriaprestadapelaDra.EvaMachado Barbosa Samios, professora de Sociologia da UFRGS. Este projeto teve o intuito de fornecernovossubsdiosparaoplanejamentodepolticaspblicasvoltadasao combatedapobreza,demodoespecialnaRegioMetropolitanadePortoAlegre (RMPA), denominado Projeto RS 2010. As discusses foram divididas em captulos queabrangeramnoesdepobrezaeexclusosocial,critriosderendaeos respectivosndicesfinanceiros,opanoramageraleaevoluodaindignciano Estado, alm da questo da falta de moradia e dos chamados novos pobres dentro do comparativo regional. A noo de novos-pobres est articulada a ressocializao daexcluso,atualmenteligadaaoprocessodeglobalizaoquereestruturouo modo de produo e as relaes de trabalho em todo mundo.Samios (1998) afirma que a formao histrica explicaria os processos econmicos distintos do Estado, no advento das imigraes italiana e alem, em meados de 1850. Entre a Capital e So Leopoldo, ocorreu um processo deavanoeconmicobaseadonapequenapropriedadeenasatividades comerciais, o que contribuiu para a formao no incio do sculo XX, de um parqueindustrialquevaidePortoAlegreatacidadedeCaxiasdoSul. Atualmenteestaregioaresponsvelpelaindustrializaoe desenvolvimento gacho, concentrando cada vez mais populao neste eixo e tambm apresentando a maior concentrao de pobres urbanos do Estado, conforme dados IPEA. Samios (1998) afirma que: Apesar do estado do Rio Grande do Sul ter sido considerado o de melhor qualidadedevidanopasnoanode1998,odficiteinadequaode moradiaesaneamentoconstituaumgraveproblemanaregio metropolitanadePortoAlegre,comaidentificaodefavelasevilas irregulares.(SAMIOS, 1998, p.34) Nocaptulodestapublicaoqueversasobreosmoradoresderua,foram analisados dados de Porto Alegre referentes a duas pesquisas, ambas concludas noanode1994:aprimeiraumestudoetnogrficorealizadopelaantroploga CludiaTurraMagni,envolvendo47moradoresderuadediferentesgrupos,na regio da rua da Conceio na Capital; a segunda foi realizada pela Faculdade de Servio Social da PUC-RS, em convnio com a FESC e a PMPA, contemplando o 11universo de 222 moradores de rua da cidade. Estas pesquisas tiveram como intuito elaborar um quadro sobre quem so, quais suas origens e perfis, onde eles moram e quais so as suas expectativas sobre os servios pblicos a eles direcionados.Entre os novos pobres pertencentes a categoria de pequenos agricultores, conformepesquisadoporSamios(1998),houveumnovotipodemigrao,em funo dos empobrecidos ou endividadospelacriseagrria devido abertura dos mercados.Asdvidasbancriasetambmascondiesclimticasquesopor vezes desfavorveis ao plantio e a colheita, tambm colaboraram para este quadro de xodo, primeiramente destinado a cidades de pequeno e mdio porte. A ausncia deassistnciasadecomqualidadenesteslugares,fezcomquemuitos buscassem outras alternativas para o problema, entre as quais a migrao para a capital do Estado, acreditando que poderiam ter, mesmo dentro destas condies de pobreza, uma melhor qualidade de vida para si e para suas famlias.Dez anos depois, uma parceria entre a gesto pblica municipal representada pela Fundao de Assistncia Social e Cidadania (FASC) e a Universidade Federal doRioGrandedoSul(UFRGS),atravsdeumaequipedepesquisadoresdo Laboratrio de Observao Social do Instituto de Filosofia e Cincias Humanas, sob coordenaodoprofessorIvaldoGehlen,resultounumapublicaointitulada Diversidade e Proteo Social: Estudos Quanti-Qualitativos das Populaes de Porto Alegre.Oresultadoapresentadoapontoudiferenasculturaisentreaspopulaes emsituaoderua,afro-brasileiras,remanescentesdequilomboseindgenas,na cidade de Porto Alegre. No que se refere aos moradores de rua da capital gacha, esta pesquisa alm de ser a mais recente tambm a mais completa dos ltimos vinte anos realizada nestacidade.Forampesquisadosmoradoresderuainloco,eosquese encontravamsobaproteodealbergueseabrigos,totalizandocercade1203 pessoas(GEHLEN,2008,p.34).Foramabordadasascaractersticasgeraisdesta populaoemdiversasreasquevodesdesuascaractersticasfsicasescio-econmicas, passando pela educao e sade, alm das razes que os motivaram a ir para as ruas. 12Conformeosdadoslevantados,maisdametadedestaspessoas(52%) nasceramemPortoAlegreounaregiometropolitana;35%vieramdointeriore 6,9%soprocedentesdeoutrosEstados.Estarnaruanosignificadizerque inexistemvnculos,poismesmoexcludososatoresrealizamnesteespao construesdeamizadequeunemaspessoasqueseencontramemsituaes semelhantes. Ora, estar vulnervel no significa estar s, o que tambm possvel, mas em situaes extremas todo apoio imprescindvel.Esteartigotratoudeformaamplaarotinadosmoradoresderuadacapital comopor exemplo,o receio que eles tm sobre a violncia fsica ou moral. Por no terem reconhecidas as suas identidades de cidado, o tratamento de desconfiana dadoporoutrosatoressociaisimpedemsuamanifestaocidad,etambmo acesso a vrios locais pblicos, alm claro da j estigmatizada abordagem policial, que os trata de maneira diferenciada de outras populaes. SegundoGehlen(2008),oprincipalmotivoquelevouestaspessoasa habitaremasruasforamasrupturasfamiliares(41,1%),sejapormaus-tratos, desavenas,rejeies,etc;osegundomotivoadvmdascondiesfinanceirase materiais,principalmenteodesempregoeafaltaderenda(22,8%)eemterceiro lugar e no menos importante,o alto consumo de bebidas alcolicas e as drogas, comcercade12,1%.Tambmforamverificadosnestapesquisaoslocaismais utilizados em Porto Alegre como dormitrio por esta populao: Em primeiro lugar, com 20,5% ficaram as caladas, ruas e avenidas; e em quinto lugar apareceram os abrigos, com 6,1% das respostas.Os motivos para a no preferncia pelos abrigos vo desde regras e normas exigentes,passandopelasensaodeaprisionamentoquegeranoacolhidoeas dificuldadesdeconvivnciacomoutrosabrigados,almdolimitenonmerode vagas.Noquesereferesadedomoradorderua,Gehlen(2008)chamaa atenoparaaimportnciadeseentenderadoenanosomentenoplano biolgico,mastambmasuamanifestaonocamposocial;estasmanifestaes muitas vezes se originam, segundo o autor, em elementos psicolgicos e sociais, e no apenas na medicina. 13A exposio destes indivduos neste contexto de rua e suas prticas sociais certamentecolaboramparapioradestequadrodeenfermidadesnoqualesto sujeitos a cada dia em sua trajetria, numa rotina difcil e humilhante principalmente emfunodaspossibilidadesdeagressoaquesoacometidos.Gehlen(2008) confirma a rua como um espao ambguo, pois ao mesmo tempo que marginaliza socialmenteestapopulao,lhedtambmpossibilidadesdeexistncia.Acredita quedevemoshumanizarestesmoradoresderuamuitoalmdasassistncias imediatasquerecebem,ouseja,darvozativaaosprincipaisinteressadosnestas transformaes sociais, a prpria populao em situao de rua. 143ALGUMAS DEFINIES SOBRE EXCLUSO E POBREZA Nestecaptulopretendoapresentarediscutirosprincipaisconceitosque forammobilizadosparaaanlisedasituaodosmoradoresderua,esua pertinncia para a sociedade brasileira. A distribuio desigual dos chamados bens econmicosumafraturaexpostadassociedadesmodernas,principalmenteas menosdesenvolvidas.Avulnerabilidadedegrandepartedapopulaoest relacionadaaprocessoseconmicosfragilizados,eaproteosocialantes conquistada como um direito legtimo das minorias8, hoje se expande para novas situaesdeproteo,principalmenteaosquenotiveramveznummercadode trabalhocadavezmaiscompetitivo.EstaproteofoiabraadapelosEstados Nacionaisque,frenteaaceleradadegradaodomundodotrabalho,sevante umasituaodedescontroleecaos,mediantesuasfrgeispossibilidadesde financiar polticas sociais. Tambmhsituaesdepessoasquechegaramnasgrandescidadesem buscademelhorescondiesdevidaparasiesuafamlia,efrustradaspelo aparente fracasso de sua jornada, no tiveram condies de retornarem ao seu local de origem, optando em ficar nas ruas sobrevivendo com alguma atividade informal. Ainda assim mesmo aqueles que possuem tal atividade, por ser to pouco o ganho obtidonasmesmas,spermitemusufru-losessencialmentenaalimentao.As classesmdiaealtavemnessepblicoascontradiessociaisdo desenvolvimento,enocomoumexcludodasociedadequecarecedaproteo social para sua sobrevivncia.Estaexclusoserefletetambmnasestatsticasoficiais,asquaisesta populao est ausente inclusive na contagem da populao pelo Censo do IBGE (www.ibge.gov.br), que no os computam em suas pesquisas por amostragem, em funodasuafaltaderefernciademoradia.Ospoucosdadosexistentesso obtidos atravs de pesquisas dos municpios ou mesmo atravs das universidades, cujo propsito muitas vezes diferenciado da reflexo sobre situaes locais.

8crianas, idosos e portadores de necessidades especiais 15OsocilogofrancsRobertCastelaoanalisarosexcludosdosistema capitalistaocidental,comumolharempricosobrearealidadefrancesa,criouuma teoriaqueclassificaosindivduosemtrszonasdepertencimento,nasquais permitem uma mobilidade social entre si. Esta teoria foi denominada Desfiliao, e possuiasseguintescaractersticas:ZonadeIntegrao(trabalhoestveleforte inseronasrelaes);ZonadeVulnerabilidade(trabalhoprecrioefragilidadenas relaes)eZonadeDesfiliao(ausnciadetrabalhoeisolamentonasrelaes) (CASTEL, 1997, p.23). Ela foi escolhida na presente pesquisa por ser considerada pertinente para anlise das situaes aqui verificadas, ainda que existam diferenas culturais e econmicas dos cenrios apresentados. Partedestesatoresqueutilizarodoaparatoestatalparaobteralguma proteo contra os desarranjos sociais modernos, so os moradores de rua. Estas pessoascomhistriasdiferentestmemcomumaextremapobrezaemquese encontrameofatodequeapsseremexcludas,tantodoespaodotrabalho quantodesuasredesdepertencimento,passaramautilizar-sedaruacomouma alternativadesobrevivncia.Romperamcomqualquertipodesituaoqueos remeta a seguir normas impostas por esta mesma sociedade que os excluram. No sumaspectoisolado,umsomatriodecircunstnciasqueremetemessas pessoas a uma vida na rua. A violncia, o alcoolismo, a drogadio, a falta de auto-estima e as doenas, principalmente mentais, levam um nmero elevado de pessoas abuscaremnasruasumespaoindividualizadoparasobreviversemapresso cotidiana.J ess Souza, em artigo sobre a desigualdade social brasileira, embora focado naquestoracial,introduzoconceitodehabitusprecriooqualconsidero importanteepertinenteparaanalisarasituaodosmoradoresderua. interessante notar que os elementos norteadores da desigualdade, segundo o autor, sooEstadoeoMercadodentrodasualgicadefuncionamento,buscando localizar no contexto histrico o enraizamento destas prticas, digamos, funcionais parajustificaraexclusodosnegrosnasociedadebrasileira.Acreditoqueesta questo, como Souza (2005) definir mais tarde, perpassa o critrio da cor de pele doindivduoeexatamentenestapartequeencontroassemelhanasentreos excludos da nossa sociedade dentro do quadro das desigualdades sociais. 16OautorcomplementaanoodehabitusdeBourdieucomumnovotermo adequadoparaarealidadedospasesperifricosdesenvolvidos,comooBrasil. Trata-se do habitus precrio, que ele assim define[...] a produo em massa de um enormecontingentedeinadaptadospercebidosenquantotaispormecanismosde avaliaosocialpr-reflexivoseopacos,mas,aomesmotempo,perceptveispor todos[...](SOUZA,2005,p.55).Adesigualdadesocialexisteentodemaneira institucionalizadaenatural,sereproduzindodesdenossatenrainfnciaeem processo contnuo, remodelada e aperfeioada mediante novas realidades que so construdas pelo Estado e pelo Mercado, criando situaes de preconceito entre os indivduoseosgrupossociaisquenoseenquadramemseuspadres.A reproduodohabitusprecriomantmosexcludosemsuacondiode marginalizao, produzindo o que Souza (2005) define como subcidadania. Cabe salientar que uma parte dessa populao freqenta, ainda que de forma espordica,osabrigosealberguesdisponveis,mesmocomumndicebastante limitado de vagas se comparado demanda existente. Na maioria dos casos, esses locaisofereceminfraestruturaparaoacolhimentodestesindivduoscomouma alimentao balanceada, ambiente fechado, banho e espao para convivncia. H tambmotrabalhodosagentespblicosqueatuamnaprestaodeservios, realizandoencaminhamentosepraticandorotinasestabelecidasparagarantiruma condio mnima de convivncia entre os usurios, mantendo assim a ordem pblica caractersticadestasinstituies.Emcontrapartida,osserviosdeabrigagem deixamdeserfreqentadosporpartedestesmoradoresderuaexatamentepor existirem regras, estipuladas em funo da necessidade de organizao do espao e da convivncia entre estes atores excludos. Nas ruas praticamente no existem regrasformais,elesseadaptaramaumarealidadediferentedaquelasoferecidas pelos abrigos, e assim freqentemente comparam os abrigos a uma priso. Neste sentido a legitimao da marginalizao vem sempre acompanhada de critriosdeclassificaosocial,definindooindivduonoseupertencimentodeste habitus;taiscritrioscriaramcondiesperversas,segundoSouza(2005),de eternizao do habitus precrio, que remete os excludos de nossa sociedade a uma vida humilhante margem da mesma, permanecendo neste vnculo e reproduzindo o mesmo sistematicamente. Em parte, esta definio do autor permite compreender oregressodeex-usuriosdeabrigoportrs,quatro,oumaisvezesdepoisda 17conclusodoPlanodeIntervenoinicialmenteproposto,aoseausentardesta instituio. Sob esse ponto de vista, so muito heterogneas as experincias existentes nopas,quevodesdelocaisnosquaisasregrassoconstrudascoma participao dos usurios e dizem respeito a questes bsicas como no fazer uso delcooledrogasnolocal,noportararmaetomarbanho;atexperinciasde instituies bastante rgidas e seletivas, que tm como objetivo principal a mudana de comportamentos. A assistncia social deve ser entendida como um facilitador de acesso aos direitos sociais e as demais polticas pblicas, que conduzem o morador deruanocaminhodevoltasuacondioanterior,noprocessodereinsero social. A condio de debilidade fsica e mental de muitos desta populao impedem consideravelmente que estes objetivos sejam alcanados.Invisveis aos olhos do Estado brasileiro, quando no se constituam em alvo derepresso,aspessoasemsituaoderuaeramdeixadassuaprpriasorte, realidade comum at meados da dcada de 1980. No incio dos anos 90 tal situao comeouasemodificar,poisapartirdaConstituioFederalde1988osdireitos sociaisforamconsideradoscomodireitosfundamentaisextensivosatodocidado brasileiro,ecomacriaodaLeiOrgnicadaAssistnciaSocial(LOAS)em dezembrode1993,reconheceu-seaAssistnciaSocialcomosendoumapoltica pblica. De acordo com a nova legislao, portanto, o poder pblico passou a ter a tarefademanterservioseprogramasdeatenoaosmoradoresderua,lhes garantindo padres mnimos de dignidade, e acesso aos direitos de cidadania e de proteosocial.Nosltimosanosconcretizaram-sepoucasiniciativaspblicas dirigidasaestapopulao,comdestaqueparaasexperinciasmunicipaisedas ONGs.ApesquisadeGehlen(2008)apontarespectivamentecomoprincipais problemas na rea da sade da populao de rua em Porto Alegre, a dependncia qumicacom40,1%easdoenasmentais,com30,7%doscasos.Quantoaos municpiosemgeral,grandepartenoestpreparadaparaatenderas necessidadesdestapopulaojuntoaoSistemanicodeSade(SUS),poisum dos requisitos bsicos para se ter acesso a este sistema a efetiva comprovao de endereo ou referncia semelhante; quem vive nas ruas no pertence a uma rea 18especficadeabrangnciaedestaforma,comosenoexistissemperanteo governo.Comocitadonopargrafoanterior,adependnciaqumicauma alternativamuitasvezesutilizadapelosmoradoresderuaparaminimizarema sensao de frio e de fome, podendo deteriorar cada vez mais a sua condio fsica. Aprpriabebidaalcolicaconsiderada,afirmaMagni(1994),umelemento socializador cultivado entre os diferentes grupos de rua.Entreasatividadesquegeramalgumtipoderendaparaestapopulao, citamosasdecatadoresdepapel,catadoresdelatinha,reciclagem,guardade automveis e algum biscate informal; por serem atividades irregulares, no garantem sustentoporumtempomaior.Asprincipaisdemandasportrabalhosode atividadesquegeramocupaoerendaalongoprazo,eemcontrapartida,relata Magni(1994),cumprirhorrios,nousarlcooledrogas,apresentar-se adequadamente,almdereadquiriracondiodeplanejarasprpriasdespesas dentro de um ms, so desafios que no esto ao alcance de todos os que vivem nas ruas h algum tempo. Alternativasdevemserelaboradasdentrodecadarealidadeindividualdos moradores de rua, prope Magni (1994), para que sejam retomadas gradualmente suasatividadesprodutivas,combinandotaisatividadescomrendae acompanhamentoassistencial,almdainseroemespaoseducativosparasua plena transformao social. A abrigagem disponvel muitas vezes no atende sequer as necessidades bsicas9, seja pela restrio das vagas ou regras de atendimento, ou pela baixa qualidade dos servios prestados, o que pode ter origem na crena presente na cultura nacional de que se trata sobretudo de um favor prestado e no de direitos sociais garantidos por Lei. Os prprios usurios de abrigos costumam ter avaliaes diferenciadas que traduzemsuacompreensosobreaprpriacondiodevidanarua.Existem aqueles que avaliam positivamente os servios que ali so prestados, demonstrando umadequadojuzodevalores.Existemainda,outrosquedemonstramcrticae postura reivindicatria, para garantir o direito de obter servios com mais qualidade doqueaquelesquelhesestosendopropostos,mesmoquemuitasvezesestas

9Considerados como necessidades bsicas a alimentao, a higiene e as necessidades fisiolgicas, o vesturio e a proteo dentro do abrigo; 19pessoasquevivemnasruasnoestoacostumadasautilizarcomregularidade estes servios, buscando outras alternativas para satisfazer suas necessidades de sobrevivncia, entre elas a mendicncia.Orompimentodoslaosafetivosecomunitriosdomoradorderua compromete sua vida, sua sade fsica e mental, compondo desta forma o quadro dafaltadepertencimentodomesmoemgruposdistintos,causandoadesfiliao social. A construo de novos vnculos por este indivduo, que em muitas ocasies vagueiasozinhopelasruasdacidade,acontececomoalternativadeconvivncia nummesmoespaoemcomumcomoutrosgruposnmades,buscandoatravs destes novos vnculos sobreviver aos riscos que este tipo de vida oferece. 204POLTICAS PBLICAS SegundoCardosoJ r.eJ accoud(2005),osistemadeproteosocial brasileiropodesercompreendidoemtrsetapashistricas:aprimeiraapartirde 1930, com a participao contributiva de trabalhadores formais ligados aos institutos de aposentadorias e penses e a recm criada CLT; a segunda etapa baseada na tradio da filantropia e da caridade, que contemplava apenas algumas situaes de pobreza,oqueseriatransmitido,ps-1930,paraoEstado.Oprocessocapitalista iniciadoemnossopasnocontemplavaoassalariamentoformalparatodosos cidados,jquenasuapocadeimplantaoopaseraessencialmenterural. Ento, devido a regulaes do prprio Estado, adaptou-se de forma incompleta ao modeloestruturadonaEuropa.Destamaneira,amaioriadapopulaobrasileira que no ocupava um trabalho formal, inclusive os trabalhadores do campo, ficaram desprotegidos deste sistema de proteo, que era financiado por contribuies dos prprios trabalhadores formais. Aterceiraeatualetapaestfundamentadanosdireitosdecidadaniaque incluramaproteosocialcomodireitofundamentaldetodoequalquercidado, estipuladanaconstituiodoanode1988.AintervenodoEstado,ps-constituio,conformeCardosoJ reJ accoud(2005),foiampliadaemtermosda responsabilidade sociale dos direitos sociais estendidos a todo cidado, ocorrendo anecessidadederegulamentarestaproteosocial.Osprogressosnareada seguridade social, o reconhecimento da assistncia social como poltica pblica, a aposentadorianocontributivaeintegralvinculadatransfernciasolidriade recursosdoscontribuintes,bemcomoosegurodesempregotemporrio,foram avanos considerveis da poltica nacional. Nadcadade1990,fatoreseconmicosepolticosrestringirama universalizaodestesdireitos.OGovernodescentralizoualgumasdesuas responsabilidadesrepassandoparaosestadosemunicpios,tambmprivatizando partedosserviospblicosdentrodocontextodareformaliberal.Estasreformas promoveram a ao do mercado no campo das polticas sociais do pas, em agravo Constituio, que declara como universal os princpios do Estado. A cobertura das 21polticaspblicasentoserestringiuaoconjuntodepolticasreservadasparaas reas da Educao, Sade e Assistncia Social. Neste modelo, as polticas pblicas na rea da Educao (campo mais antigo destaspolticasnopas)tornaram-seobrigatriasapenasparaoEnsino Fundamental, e no campo da Seguridade Social, apenas para a rea da Sade, com acriaodoSUS.Asadessetornouumdireitodocidadoemmeadosda dcadade80,quandoapartirdaconstituiode1988recebeu,porpartedas polticaspblicasfederais,umaatenouniversal.AAssistnciaSocialtambm permaneceu em carter universal, sem restries no campo poltico, e assim como o SUSestdisponibilizadaparaqualquercidado,independentedesuacondio scio-econmica ou de pertencer a grupos vulnerveis tradicionais10.CardosoJ reJ accoud(2005)atentamparaosconflitosassociadosao processodaindustrializaoocidental,quegerouaintervenodoEstadoparaa preservao de garantias de proteo social, no qual o mercado se mostrou incapaz de suprir essas necessidades. No Brasil existem situaes de pobreza diferenciadas ecomtrajetriasdistintas,consideradasobjetodeintervenoestatal. Primeiramentetemosaspopulaesconsideradasvulnerveisquenoexercem atividadesprofissionaistendoemvistaasuacondionaturaldeexcluso: dependiamantesdasgestesfilantrpicaseposteriormentesetornaramfoco principal deste novo assistencialismo.Depoismaistarde,comaampliaodosbeneficiriosdeassistnciasocial em virtude da constituio de 88, alguns trabalhadores em condies precrias de vidapassaramareproduziramisriaedestaformasomaram-secategoriade vulnerveis,fazendopormerecerosbenefciosdaassistnciasocialedemais polticas pblicas. [...] seja via assalariamento, seja via cidadania, a expanso das polticassociaisparecevisarmenosocombatediretopobreza(...)emaisode respondersdesigualdades[...](CARDOSOJ R;J ACCOUD,2005,p.188).A reproduodapobrezaemtermoseconmicospermitiuumavanodaspolticas sociais do Governo focalizando o atendimento nesta categoria.

10Crianas, idosos e portadores de necessidades especiais. 22Consolidada a partir de 1930, a ao do Estado foi financiada pelos prprios trabalhadores, empregadores e Governo, visando proteger a classe trabalhadora e suasfamliascontraosriscossociaiscoletivos,nomodeloconhecidocomo meritocrtico-contributivo. Nas dcadas de 30 e 40 surgiram a LBA (Legio Brasileira de Assistncia) e o CNSS (Conselho Nacional de Servio Social), caracterizando um marco no pas em se tratando de experincias da interveno social em favor dos pobres,porinstituiesquenopertenciamaoEstado,movidasapenaspela caridadeepelafilantropia.OEstadobrasileiroherdouestasexperinciasparase subsidiar das aes de interveno no qual a partir da carta de 1988, passaria a ser responsabilizado de forma ampla. SegundoCardosoJ reJ accoud(2005),apobrezaqueeraacondio principalparaatendimentopbliconaesferadaaosocialdoEstado,coma redemocratizaodopasdeixadeseroprincipalcritrio,jqueacidadania pressupeaigualdadeentretodososcidados,independentedesuacondio scio-econmica,nocampodosdireitoscivisesociais,justificadaassima universalizaodosatendimentospeloSUSepelaassistnciasocialdoEstado. Quantoaosgastospblicosdestinadosaestaspolticassociais,emtermosda abrangnciadecobertura,estesforamconsideradosinsuficientes,apesarda progressivamelhoradealgunsndicessociais,comoaexpectativadevidaea mortalidade infantil. O sistema brasileiro de proteo social definido pelos autores como sendo: Oconjuntodepolticaseprogramasgovernamentaisdestinados prestao de bens e servios e transferncia de renda, com o objetivo da coberturaderiscossociais,garantiadedireitossociais,equalizaode oportunidades e enfrentamento das condies de pobreza.(CARDOSO J R; J ACCOUD, 2005, p.194). Aproblemticasocialnoquesereferescondiesdevulnerabilidadevai almdosespaosdaaoestatal.Emvirtudedaestratgiadeestabilizao monetria ocorrida em 1994 no Brasil, e das escolhas realizadas pela gesto poltica daquelapoca,inibiu-seocrescimentodaspolticassociais.Aoseproporo diagnstico destas condies como projeto principal, priorizou-se apenas a pobreza extremacomopolticapblicaassistencial,emdetrimentodasoutras 23vulnerabilidades.Nestecenrioliberal,oacessoaosbenefciossomenteocorreria porrealnecessidade,apoiando-senavelhaidiadasuficinciadomercadoque poderia vir a garantir as protees sociais almejadas pela maioria da populao, ou seja, uma transferncia de responsabilidades do plano pblico para o plano privado. Cardoso J r e J accoud (2005) identificam importantes eixos que devero ser contempladospelaspolticaspblicasassistencialistas,comdestaqueparao trabalhoeemprego,aassistnciasocial,aeducaoeasadeeporltimo,a infraestrutura social, como a habitao e o saneamento. A garantia do atendimento destascoberturassednaefetivacontribuiosolidriadostrabalhadoresena criao de novos empregos para que sejam ampliadas estas contribuies. Devido as grandes desigualdades sociais e econmicas no Brasil, no basta apenas levar emconsideraoestascontribuiesefetivadaspelaclassetrabalhadora,mas tambm a possibilidade de se fazer uma reforma tributria, incidindo sobretudo no estoquedasriquezasdopas,oquepoderiagerarprogressivamenteo financiamento estatal das polticas de incluso social. Emdecorrnciadesteraciocnio,ofrumdaspolticassociaisnodeveria contarapenascomaparticipaodoEstado,masdeveriaincluiroconjuntodas entidadesdeclasseeasociedadecivilparaquesejapossvelconstruirnovos projetos para melhoria e ampliao das polticas pblicas. Principalmente no que se refere a projetos de carter assistencial, devero dedicar-se a todos os cidados que estiverem em situao de vulnerabilidade, em particular os moradores de rua. Desta forma, a nomenclatura correta para o termo morador de rua seria populao em situao de rua, para mobilizar a forma politicamente mais adequada no mbito das garantiasdeproteosocialdestinadasaestepblico,bemcomodesecoibir estigmas discriminatrios. Caracteriza-se uma classificao do conjunto de pessoas quefazemusodasruasparamanterasuaexistncia,inclusivecomomoradia. (GEHLEN, 2008, p. 17). Tambmindicaumaidiadealgotemporrio,umasituaoquepodeser modificada, enquanto que morador d uma idia de condio definitiva. A diviso dos termos morador de rua e populao em situao de rua o resultado de uma mobilizao poltica que atentou para as situaes da vida na rua. No houve um critriouniversalparaodesenvolvimentodepesquisasnestarea,apesquisa 24realizadapeloMDSseguiuaconceitosmetodolgicosdiferentes,semumabase homognea de critrios comuns, afirma Gehlen (2008). Ainda assim este autor considerou o lado positivo destas diferenas, no que sereferesespecificidadesdecadaregio,paraformulaodepolticassociais cominmeraspossibilidadesdecontextos,dentrodarealidadedosmunicpios envolvidos. H um consenso compartilhado entre os pesquisadores acadmicos e os gestorespblicosdequearuaumimportanteespaodastrocassociais,no ficando atrelada suas definies a conceitos especficos, como trabalhar ou dormir. Fazpartedaexistnciaespecficadecadaumemumasociedadepoisa apropriaodoterritrioomododeinserourbanaparaprticascotidianasde sobrevivncia dos grupos que se relacionam com o ambiente, no seu processo de adaptao. O espao existencial dinmico, com atrativos e perigos, variao que deve ser entendida a partir das prticas individuais e no coletivas. Quantoconstruodosdireitosdapopulaoemsituaoderua,estes ocorremmedianteoprocessodavisibilidadesocialnoqualestosubmetidos;o preconceito e os insultos condio de cidadania dessas pessoas segundo Gehlen (2008), permanecem intactos na rotina diria desta populao, o que se aceita como normal,passandoadefinirquemmereceequemnomereceacondiode humanidade.Osprocessosdeexclusosodramticos,voconstruindo identidades e regulamentando as condies de vida das pessoas atravs do efeito geradoporregrasdevaloresenadistribuiodosprocessosdepoder.Devidoa complexidade do mesmo, no haveria uma soluo to breve assim, mesmo porque alm de envolver vidas,h todo um sistema social que gera includos e excludos, renovado de tempos em tempos. 255A ABRIGAGEM COMO MODELO DE REINSERO: O AMBJ O que caracteriza o processo de abrigagem em contraposio albergagem seu atendimento integral, ou seja, no se resume apenas a atividades noturnas de alimentaoelocalseguroparadormiredeformaeventual.Asnecessidades bsicasnesteprocesso,comoalimentao,higieneevesturiosoamplamente contempladosnaabrigagemporumtempomaior,ocorrendoparaousurio beneficiriodavagaumplanodeinterveno,comvistaspossibilidadedesua reinsero na sociedade. O Abrigo Municipal Bom J esus (AMBJ ) uma instituio municipalligada Prefeitura de Porto Alegre, que atua sob a responsabilidade da Fundao de Assistncia Social e Cidadania (FASC) e destinado ao atendimento da populao moradora de rua da capital gacha. Inicialmente funcionou como albergue noturno, no ano de 1987, sendo gerido pela ento Secretaria Municipal de Sade e Servio Social. Com o advento da Lei OrgnicadaAssistnciaSocial(LOAS)em1993,edaLeiMunicipal7414/94a FASCpassaaexecutaraPolticaMunicipaldeAssistnciaSocialeoAMBJ transformado em abrigo, aps a sua reconstruo fsica, j que havia sido destrudo por um incndio no ano de 1994, passando aqui a prestar atendimento integral. Esta alteraosedeudevidoaosresultadosdapesquisa"ARealidadedoMoradorde Rua,realizadaem1994numaparceriadaFASCcomaPontifciaUniversidade CatlicadoRioGrandedoSul,apontandocomoresultadoointeresseea necessidadedapopulaoderuaemparticipardeprogramassociaisquepossi-bilitem o enfrentamento da sua problemtica.Estainstituionosecaracterizacomoinstituiototal,poisso priorizadas atividades que utilizam o processo de dinmica grupal, possibilitando a trocadeexperincias,aexpressodesentimentos,arevalorizaode potencialidades, o resgate da auto-estima, o estmulo organizao,cuidados com ahigieneesadeeoenfrentamentodesituaesdiversas,entreasquaisse destacam:assituaesdeperdassucessivas,osvnculosfamiliaresprejudicados ou mesmo desfeitos e, a prpria necessidade de encaminhamento para tratamentos nareadasade.Osproblemassociaistemmltiplasdeterminaes,logono 26dependem unicamente da vontade de cada indivduo.Assim, os agentes pblicos interpretam os problemas destes usurios a partir deumavisoquecontemplaatotalidade,ouseja,nosomentesuahistria singular de vida, mas o conjunto de determinantes polticos, econmicos e sociais que contextualizam seu cotidiano. O morador de rua como sujeito em movimento e desenvolvimento, que dispe de potencialidades, poder - a partir de intervenes, orientaes,mobilizaes,oumesmoencaminhamentosparatratamentos especficos - ser reinserido na sociedade. A populao de rua acolhida no AMBJindependentedequalqueroutroencaminhamentoenonecessrioa apresentao de documentos.Estesujeito,porcontingnciasdiversas,caracteriza-seporapresentar vnculos pessoais fragilizados, alcoolismo, drogadio, desemprego, problemas de sadefsicosementais,encontrando-sedesatendidosemseusdireitossociais mnimosenolimiardasobrevivnciaedadignidadehumana.Emsuamaioria apresentam histrias comuns de sucessivas perdas, resultando na sua baixa auto-estima e na dificuldade em reorganizar e gerenciar seu cotidiano, com dificuldades no acesso a bens e servios que atendam suas necessidades bsicas. Tem como objetivoaabrigagemtemporriaparaoferecerapossibilidadedereorganizao social e pessoal destes excludos11. 5.1.O PLANO DE INTERVENO OPlanodeIntervenouminstrumentoelaboradopeloserviosocialdo abrigo que tem como objetivo principal, estabelecer uma proposta de mudana da realidade social do abrigado, vinculada ao comportamento individual durante o seu perododepermanncia,considerandoseupotencialprodutivoecriativo.O acompanhamento e as intervenes so de responsabilidade de toda a equipe do abrigo, equipe orientada pela Assistente Social no desenvolvimento das atribuies decadaum.Assim,ousurioencaminhadoeacompanhadonosdiversos

11Fonte: Apresentao do Estatuto do AMBJ , junho de 2000. 27programas do abrigo, seu atendimento se d por meio de abordagens individuais e grupais.Otrabalhoindividualacontecesegundoasnecessidadesdoindivduo,as quais esto identificadas no Plano de Interveno criado para ele e ento a equipe detrabalhoparticipa,atravsdasdiscussesdecaso,daavaliaoe encaminhamentosdestesprocessos.OPlanodeIntervenoestabelecea integraoentreaequipedetrabalho,ousurioeoutrosserviospblicosque podem ser externos ao abrigo. A Assistente Social salienta que muito presente a questo da sade fsica e mental no AMBJe que o atendimento neste campo remetido a outras instituies desadepblica,equeoabrigoapenasadministraasorientaesquelhesso repassadas. H toda uma mobilizao para o atendimento rever; as questes como sade,educaoefamliasotemasdiariamentepresentesnestaInstituioe norteadores do Plano de Interveno, com tratamento individualizado nestas reas. DeferidooPlanodeInterveno,osatendimentoscomeamaacontecereas tentativasdereinseroiniciamnaprpriafamliadoabrigado,noqualoagente pblicorealiza,quandonecessrio,visitaseacompanhamentosparatentar restabelecer os vnculos rompidos. Havendonecessidade,tambmcontactadooconselhotutelar,sehouver envolvimentodemenorescujospaisencontram-seemsituaodeabrigo.Os usuriostambmsoencaminhadospararealizaodecursosgratuitosde capacitao, com destaque para os cursos de padeiro e eletricista. Os mais velhos soencaminhadosparaainseroemprogramasderendadogovernofederale todossoincentivadosairemnasreuniesdooramentoparticipativo, demonstrandocomseusexemplosdevidasuasnecessidadesnocampopoltico,para efetivao no plano das polticas pblicas, de sua incluso social.Sobreovoluntariadoeasuaparticipaonarealizaodetrabalhosde incluso,fuiinformadoqueexistemdoisatualmente,umtrabalhacomdesenhoe pintura e o outro, com a oficina de corte de cabelo. O voluntrio deve pertencer a umaONG,previamentecadastradajuntoFASC,queconformeasnecessidades dos usurios,distribui os servios para toda rede de atendimento. Qualquer trabalho que seja realizado l dentro, inclusive acadmico ou voluntrio, deve ser apreciado pela gerncia que poder encaminhar FASC para autorizar ou no, em reunio da 28equipe interna de agentes pblicos.Duranteasvisitasrealizadasaoabrigo,questioneisetodosabrigadosso livres para sadas espordicas, j que so cientes do seu horrio de recolhimento. A deciso sobre estas sadas so definidas previamente pelos agentes de monitoria, que sabem quem pode e quem no pode sair; h situaes em que o usurio no tem condies de sade, fsica ou mental para sua sada, pois poder perder-se e correr o risco de no se localizar e de no ser localizado pelo abrigo posteriormente; tambmacontecemsituaesdeameaademorteporpartedeex-maridos, traficantes,agiotas,queaguardamumaoportunidadeparaconclusodesteatoe, enquanto estiverem sob a proteo do abrigo (em tese) no correro tais riscos; h umatentativadedificultarasada,mascasoosusuriosinsistam,elesno impedem que o mesmo se ausente. Acompanheiamovimentaonocorredordeacessodaenfermagemeda assistnciasocial.Algunsusuriosfizeramumainspeocomatcnicade enfermagem, que organizou os encaminhamentos dos que iriam sair do abrigo para atendimento hospitalar, em trabalho conjunto com a Assistente Social que tambm registra nos pronturios estes encaminhamentos.Na sala de enfermagem a auxiliar meinformouqueoquadromaiscomumdedoenasodeHIV,tuberculose, doenas mentais, AVC e depresso, e que 60% destes abrigados utilizam remdios controlados.Todosqueentramsosubmetidosaumaavaliaomdica,oupelo Programa de Sade da Famlia dos moradores de rua (PSF Santa Marta), ou pelo posto de sade do bairro. Mesmo que os usurios estejam internados em hospitais poralgummotivo,aindasimavagadelespermanece,essorealmente desligados quando esto em melhores condies de sade, no antes disso.Oabrigopermitequeseuendereosejafornecidoparaqueosusurios comprovempossuirresidnciafixa,natentativadeconseguiralgumemprego.H situaesquealgunsconseguemeoServioSocial,emvirtudedestasituao, altera o Plano de Interveno do usurio, orientando o mesmo a se organizar para eventualsadadoabrigo.Algunsconseguemtambmbicosprovisrios,as mulheresmaisnareadeserviosgeraiseoshomens,nareadeportariae vigilncia.Nasituaodemorte,hconvnioentreaprefeituraefunerriapara pagamentodascustas,nohvelrioeemalgunscasos,ousurionotendo 29identificao enterrado como indigente. O primeiro passo comunicar a famlia, se houver, depois se providencia a certido de bito. Finalizado o Plano de Interveno inicialmenteproposto,ousuriodesvincula-sedainstituio,retomandouma condio de reinserido socialmente, estando passvel de possveis recadas em seus vcios, como o lcool e as drogas. O seu reingresso ser avaliado nas possibilidades de se permitir ou no o seu retorno a este espao. 5.2.OS CRITRIOS DE INGRESSO O pblico alvo soadultos e famlias em situao de rua. Segundo o manual dainstituio,osseguintescritriosparaingressoso:a)Existnciadevaga;b) Estar na rua; c) Ter 18 anos ou mais; e d) Estar em condies clnicas (Entende-se por condies clnicas que o usurio - no momento do ingresso - no seja portador de dependncia total de cuidados de enfermagem para os hbitos da vida diria e quenoestejaapresentandosinaisesintomasdealgumadoenacomrisco iminente de vida). Segundo o manual, ocorrem tambm desligamentos, que se do pelosseguintesmotivos:a)TerousurioatingidointegralmenteoPlanode Intervenoestabelecidoparaoseuperododeabrigagem;b)Apsaabrigagem, ficar constatado que o usurio necessita deoutro tipo de atendimento, ou no faz parte da populao-alvo; c) Descumprimento das normas de convivncia do abrigo; e d) Ter o abrigado, por deciso prpria, solicitado seu desligamento.Quem solicita vaga direto na portaria do abrigo, se submete a trs etapas que podemconfirmarounoseuingresso:oprimeiroocontatocomosagentesda monitoria,noqualointeressadosubmetidoaumaentrevista;feitaestatriagem, ser decidido atravs da reunio de equipe, que ocorre uma vez a cada semana, se a vaga possvel, antes disso verifica-se junto aos pronturios se este morador de rua reingresso. Se no h vagas, sugerido que o mesmo procure vaga em outros abrigos, dando suporte na orientao para localizao dos mesmos. 30Caso consiga a vaga, ocorrem quatro situaes: 1.Primeiro ele toma banho e troca suas roupas por outras novas fornecidas pelo abrigo e em seguida fazsua primeira refeio; 2.Osagentesdamonitoriafazemumcadastrodestapessoaelheatribuium nmero de pronturio no abrigo; 3.Ele passa na enfermagem para informar sobre sua sade, doenas, uso de remdios;criadoumpronturionosetordeenfermagem,quefaro acompanhamento de sua sade, remdios, possveis internaes, etc. 4.Porfim,elevaiparaoserviosocialparaumaentrevistacomaAssistente Socialdoabrigo,queverificaasdocumentaesdoindivduoecasono tenha, so providenciados novos documentos. Tambm no servio social so anotados dados da vida desta pessoa, onde ela passou, o que fazia, aonde ficavanasruas.Opronturioabertopelamonitoriaficaarquivado,ena medida do possvel, registrado pela coordenao do abrigo, que fotografa o usurioparaidentificarsuapresenahojeetambmnofuturo,casohaja retorno. A acolhida ao usurio a forma como todos os agentes pblicos do AMBJse relacionam com ele durante todo o processo de atendimento. O usurio, segundo o estatutodoabrigo,percebidocomoalgumquedispedepotencialidades, podendo redefinir a situao em que est vivendo transitoriamente, necessitando do suportequeestainstituioofereceparaqueumdia,elepossaserreinseridona sociedade.Partindodestasdiretrizes,osagentespblicosquefazemacolhimento devemseoporaqualqueratodedesprezo,distncia,discriminao,rejeioou autoritarismo.Nestasituaoemparticular,oestatutodizquedevemestar presentesprincpioshumanitrioscomoaescuta,oafeto,aaproximao, solidariedade, autoridade, os limites, tudo com disponibilidade e respeito devidos. A acolhida,comoparteintegrantedoPlanodeInterveno,deveseravaliada constantemente, faz parte deste processo. Percebinotrabalhodecampoqueasexpectativasnasrelaes abrigado/agentespblicossoinstitucionaisenodeamizade,poissoestesos 31laos que realmente os une. Alm disso, uma crtica comum destes agentes pblicos queultimamenteelesestorecebendomaispessoasdoentes12,quedeveriam receber um primeiro atendimento nos postos de sade para depois, se for o caso, serem encaminhados aos abrigos. Os agentes afirmam que o abrigo social e no de sade, pois no foram preparados pelo municpio para lidar com estas situaes, alm de outras eventuais que ocorrem, como as crianas que ficam ali abrigadas, em ambiente adulto. Aliteraturauminstrumentotambmutilizadoparareinserodeste morador;noespaodoscorredores,humaespciedebibliotecamvel,com diferentesttulosderevistaselivrosdiversos,quevaidesdeaenciclopdiade atividadesdeensinodoprimeirograuquecatalogaassuntosdebiologiaanimale vegetal,eletricidade,atoregimentointernodooramentoparticipativodePorto Alegre, com critrios gerais, todos eles objetos de doaes. H tambm oficinas de artesanato, que trabalham desenho e pintura, e de corte de cabelo, que duas vezes porsemanacontamcomvoluntriospreviamenteselecionadospelaFASCpara exercerem essas atividades, tambm com o intuito de recolocar profissionalmente os abrigados, principalmente os que possuem alguma habilidade nesta rea.Todo desligamento dever ser discutido em equipe e comunicado ao usurio por no mnimo dois membros da mesma. No h prazo fixo de permanncia para os usurios, este decorrente do Plano de Interveno proposto, conforme avaliao tcnica realizada em conjunto com o usurio. Existem casos de at mais de um ano, mas so raros, o trabalho feito para se emancipar o quanto antes, desde que o usurionovoltepararua.Htambmcasosdefree-riders13,quevose mantendo no abrigo, permanecendo o tempo que podem e colhendo os benefcios destaspolticasdogoverno.Sorealmenteexcludos,masquerempermanecer nesta condio de subcidadania, ainda que um dia retornem ao abrigo.O critrio de reingresso o mesmo do critrio de ingresso, porm, leva-se em consideraooplanoanteriordeintervenodousurio.Acontecemsituaesde ex-usuriosregressaremportrsouatmaisvezes,demaneiraespordica,a AssistenteSocialfazaentrevistaevaiconferiroquehportrsdesteretorno

12 Vero grfico 5,principais enfermidades, na pg. 39 13 Caronas. 32repetitivo;muitasvezessousuriosviciadosquedentrodoabrigoestavamem abstinncia e quando saram tiveram em algum momento uma recada, que fizeram voltar a situao anterior14. Grfico n 01 Formas de Ingresso dos Abrigados 30%26%13%7%24%ESPONTNEOABORDAGEM NARUAENCAMINHADOHOSPITAISENCAMINHADOPELA FASCOUTROS Fonte: Dados brutos obtidos no cadastro do AMBJ 5.3.IDENTIFICAO E ESTRUTURA FSICA A portaria a entrada do abrigo, dividido por cercas entre seu espao interno e a calada (Fig.1)15. Alm do acesso ser pela cerca da rua, ainda h duas portas antes do ptiointerno. O ptio interno possuiumareacobertacomtrsbancos compridosdemadeira,almdetrsbancosdeconcretojuntodaparede (Fig.2).H duasmesasde concreto que possuem tabuleiro de jogos e ao fundo dali,umapequenareaaberta,nadivisadolote.Todasasjanelasdoabrigoso gradeadas,comoformadeproteodeataquesexternos.Nasegundaporta,que adentraoabrigoemsieficaaberta,temosacessoaoscorredoresquedividem

14 Anexo II 15 Anexo I 33refeitrio,cozinha,administrao,saladeenfermagem,alafeminina,salade oficinas, sala de estar dos abrigados, lavanderia e ala masculina (Fig3).Asaladeestarpossuiseissofs,trsmesaseseiscadeiras,almde televisoeumsom(Fig.4).Aalafemininapossuidoisquartos,comonzecamas para22vagasfemininas,almdevestirioebanheiro.Aalamasculinapossui quatroquartos,comdozeadezesseiscamasporquartoe56vagasmasculinas (Fig.5), com um vestirio e um banheiro (Fig.6). Na rea lateral externa, com acesso dentrodasaladeestar,humatrilhaquedparaosfundos,passandoporuma hortacuidadapelosprpriosabrigados.Nohmuros,oabrigoseparadodo exterior por uma cerca metlica nas suas laterais, com cerca de dois metros e meio de altura.A horta cercada por madeira e ao lado h uma trilha de concreto que vai at os fundos, no qual h varais para secagem de roupas, e tambm l, seis tanques de plstico,noqualsolavadasasroupaspelosprpriosabrigados(Fig.7).A lavanderialavaesecaapenasoscobertores,lenisetoalhas(Fig.8),orestante sendo de responsabilidade dos usurios. Esta rea de tanque coberta, o ptio abertoatacercadivisriadolote.Quantoaorefeitrio,compostoporcinco mesas e dezoito cadeiras, com um buffet para self service. O refeitrio fica ao lado da cozinha, e possui uma janela que separa os dois ambientes, do qual so servidas as refeies (Fig.9).Norefeitriotemosumcardpioorganizadoporumanutricionistada prefeitura e sua estagiria, que duas vezes por semana do assistncia alimentar, verificandooestoqueeaqualidadedetodososalimentos,nosendoaceitas doaes. As refeies iniciam com o desjejum s 06:00, o caf da manh s 09:30 e almoo s 12:00; o lanche da tarde s 16:00, a janta s 18:30 e a ceia das 22:00 horas. Na portaria esto os escaninhos no qual os usurios colocam seus objetos pessoais,almderoupasepequenospertences.Nototalsosetentaeoito espaos, numerados e identificados conforme vo sendo ocupadas as vagas, com nome de cada usurio, o que correspondeu nesta pesquisa em abril de 2009 a cercade 65 abrigados. 345.4. ESTRUTURA PROFISSIONAL O Abrigo Municipal Bom J esus possui trs equipes de agentes pblicos que atendem por turno. H uma Gerente responsvel hierarquicamente pelo abrigo, um coordenadoradministrativo,umaAssistenteSocialeestagiria,umaenfermeira, umaauxiliardeenfermagem,umanutricionistaeestagiria,quatrocozinheirase dois guardas municipais. A equipe noturna trabalha em plantes com escalas de 12 por 36 horas, como os guardas municipais noturnos. 5.4.1. Gerncia e Coordenao do Abrigo Estesagentespblicossoprofissionaispreparadosparalidaremcom pessoas e situaes, bem como planejar, organizar, dirigir, coordenar e controlar as atividades especficas de abrigo pblico. Seu papel fundamental, juntamente com o somatrio das equipes de trabalho, em situaes de emergncia. Cabe gerncia todo o apoio administrativo para que a instituio funcione 24 horas por dia, durante os365diasdoano,dentrodoobjetopropostopelomunicpioesuafinalidadede atendimento. 5.4.2.Enfermagem Oagentepblicodesadenareadeenfermagem,oresponsvelpelo acompanhamentointernodomoradorderuadesdesuaentradanoabrigoat quando durar sua permanncia nele, conforme Plano de Interveno estipulado pela AssistenteSocial.Asaladeenfermagemdoabrigopossuiumaestruturalocal composta por armrio de medicaes, separando os de uso controlado, armrio de estoque,macafixa,umageladeiraparaasseringaseumarquivoparapronturio dosusuriosdoentesemuraisdeavisodeconsultas.Quandohnecessidade, 35providenciaoencaminhamentoexternoparaatendimentosnoprogramadesade da famlia (PSF) e tambm as consultas que envolvem a sade mental. Na triagem faz-seumainvestigaosobreasadedesteusuriocomalgumasperguntas,se temconhecimentodeserportadordealgumaenfermidade,entreoutras.Apartir desta conversa, agendada uma consulta externa. Nopronturiointernoconstaminformaessobreasituaodesadedos usurios e os boletins de atendimento na rede pblica de sade que eventualmente tenhapassado.Quantosmedicaes,humaplanilhanoqualrealizadoo controlediriopelaadministraodasmedicaesutilizadasnaenfermaria. Concluindo,aenfermeiraafirmaqueosetordaenfermagemtemoobjetivode favorecerousurionaorganizaoeaprendizagemdoseuprocessode sade/doena, compreendendo de que forma se movimentar dentro de estrutura do SUSparaalcanaromelhorresultadopossvel,assimcomonoseuprocessode aprendizagemnousodamedicaoparaqueelemesmopossafaz-lo adequadamente quando no estiver mais abrigado, conduzindo este processo sem a orientao dos agentes pblicos. 5.4.3.Nutrio Asfunesexercidasporesteagentepblicoemespecialso:elaboraros cardpiossemanaisdasrefeiesqueserorealizadaspelousuriodentrodos horriosestabelecidos,almdecuidardahigienizaoalimentaredacozinhade modo geral, organizando-a e controlando os gastos desnecessrios de alimentao, verificando a validade dos produtos perecveis, bem como a estocagem de alimentos para o abrigo. Existem situaes de abrigados que possuem dietas especficas por motivodedoenas;nestescasos,hdilogoconstantedesteagentecomos usurios que se encontram nestas condies, com algum tipo de controle alimentar emvirtudedesuaenfermidade.Algunsusuriosutilizamdealimentao diferenciada ou reforada, conforme uso de medicamento controlado. Quanto ao lixo alimentarproduzido,separadodosdemaisparanoocorrercontaminaode doenas. 365.4.4. Servio Social SegundoinformaesprestadaspelaAssistenteSocial,suasfunesno abrigo so importantes para orientar os usurios quanto aos seus direitos garantidos constitucionalmente,fornecendoinformaesediscutindopossibilidades.As conseqnciasdosatosapresentadasporcadaassistidoesuaslimitaes,so seus objetos de anlise, buscando atravs de recursos viabilizar a ressocializao do morador de rua, encaminhando-o aos programas de assistncia disponveis no municpio. Quando preciso, d orientao e facilita o procedimento para a retirada de documentao, que porventura tenha sido perdida ou destruda em decorrncia doseutempoderua.Previne,namedidadopossvel,transtornospsquicos facilitandoocontatoeseuretornoaoconvviofamiliar,atuandonomanejode reaes inesperadas e respectivos transtornos decorrentes. 376CARACTERSTICAS PRINCIPAIS DOS ABRIGADOS DO BOM JESUS OsabrigadosdoAMBJ sodeorigensdiversas,inclusiveestrangeira16.H setentaeoitovagasoficiais,masfreqentementeocorremalteraesdestes nmeros em funo da populao flutuante do abrigo, algo em torno de 20 pessoas por ms17. A populao de rua usuria do Abrigo Municipal Bom J esus em abril de 2009 era composta por 65 usurios de ambos os sexos, incluindo uma criana de 12 anos. Conforme pode ser visto nos grficos abaixo, a maioria de Porto Alegre, com idade entre os 43 e 59 anos, de cor branca e 33% deles tem alguma enfermidade (cerca de um tero). Grfico n 02 - Distribuio dos Abrigados segundo o localde nascimento (%) 2009 Fonte: Dados brutos obtidos no cadastro do AMBJ

16 Argentinos, uruguaios e africanos. 17 Dados informados pela coordenao. 48%6%37%5%4%PORTO ALEGRE REGIO METROPOLITANA INTERIOR DO ESTADO (RS)OUTROS ESTADOSNO INFORMADO 38 Grfico n 03 - Distribuio da Faixa Etria (%)2009 22%30%34%14%18a 29 anos 30 a 42 anos 43 a 59 anos Acima de 60anos Fonte: Dados brutos obtidos no cadastro do AMBJ Grfico n 04 - Distribuio por Etnias (%)2009 60%37%5%2%BrancoNegro PardoNo Informado* Fonte: Dados brutos obtidos no cadastro do AMBJ * Indgenas e Amarelos resultaram em 0% no perodo pesquisado. 39Grfico n 05 Principais Enfermidades (%) 2009 17%11%5%H.I.V. TRANSTORNOMENTALTUBERCULOSEH.I.V. TRANSTORNO MENTAL TUBERCULOSE Fonte: Dados brutos obtidos no cadastro do AMBJ ForamentrevistadosoitousuriosdoAbrigoMunicipalBomJ esus,cinco homens e trs mulheres, cuja idade variava entre os 18 e os 60 anos. A escolaridade declarada vai desde o analfabetismo (um caso) at o ensino mdio, a maioria com mdiadeseteanosdeestudo.umgrupobastanteheterogneo,emcomum apenasofatodeestaremabrigadosecomumafrgilsituaoeconmica. Interessantenotarquequatrodestesentrevistadospossuamvnculosfamiliare profissional, antes de se tornarem moradores de rua; em dois deles o vcio da bebida desencadeousituaesnegativasapontodecausarorompimentodoslaos familiares e de trabalho. Podemos considerar nestas duas situaes que o vcio do alcoolismo foi o principal causador da excluso social destes entrevistados e ainda traz at hoje conseqncias na vida destas pessoas. Bandeira assim comenta: Fui morar na rua por dificuldades financeiras, desiluso amorosa, tudo ao mesmo tempo. Comecei a beber com 27 anos, odiava bebida porque meu paieraalcolatra,estourepetindoomesmo errodele.Fuiamasiadocom uma mulher por 12 anos, ela tinha 4 filhos. Tnhamos uma padaria juntos, em 1986 fui para a rua. (Bandeira, 45 anos, Porto Alegre). 40Tambmpelomesmomotivo(bebida),mascomoagravantedenopoder maistrabalharemvirtudedeumapernaquebradanumacidentequeaconteceu quando j estava nas ruas, Rafael descreve: Meuvcioeraabebida,viviamaisnaruadoqueemcasacomminha companheira, da ela no suportou mais e separou de mim. Eu trabalhava nestapocaamaiorpartedotempocomoserventedepedreiro.Dafiz acordo para no pagar penso e sa em definitivo da vida dela. Hoje meu filho est com 24 anos e ela, com outro.(Rafael, 51 anos, Porto Alegre). Abebidanocritrionicoderupturadasredesdepertencimento.Estar includoenoseadaptarsprticassociaisdomundocontemporneouma vertente cada vez mais presente em nossos dias. No participar destas prticas umaescolhacomoqualqueroutra,temseuladopositivoenegativoeas conseqncias deste ato insurgem mais cedo ou mais tarde. Amarginalidadeaquiaomesmotempoaanttesedamodernidadeea forma moderna da no-sociabilidade: ela caracteriza os abandonados pelo progresso, todos aqueles que no puderam ou no quiseram se dobrar s exigncias do desenvolvimento.(CASTEL, 1997, p. 28). Ricardo escolheu sair pelo mundo: filho nico e exemplar, como se auto-declarou, tinhadetudoemcasa.Bomrelacionamentocomospaisadotivos,ensinomdio completoecompersonalidadeforte,trabalhavacomosargentodoexrcitomas nunca gostou de regras e horrios.Ficounasuacidadeatos23anos,saiucomoandarilhopelopasafora, passandopelaBahiaeTocantins;sempreviveudetrabalhosinformaisnesta jornada, que pagavam suas despesas pessoais, incluindo a droga. Discriminava os moradoresderua,osconsideravavagabundos.Ousofreqentededrogasfoio principalmotivoqueolevoucondiodeexcluso,poisquandoestavaemum hotel j em Porto Alegre, precisou ser internado em um hospital, no qual descobriu sersoropositivodovrusHIV.Comonotinhaempregofixooucondiesde trabalhar, foi removido para o abrigo. Seus pais so falecidos e no h mais vnculo com sua comunidade de origem. 41Ele afirma: Sinto falta de no ter envolvido com algum com quem pudesse casar e ter filhos.Tenhoconscinciaquecomminhadoenaissoagoranomais possvel(...)hojenofaria90%doqueeufiz;quandosairdaquiquero comprarumacasaedepoisadotarumfilho.ComproevendoCDeDVD nas ruas, hoje sou mais solidrio que antes e vivo a vida de forma tranqila.(Ricardo, 32 anos, Cruz Alta). Vcioscomolcooledrogasouincompatibilidadessociaisemergemem situaesquetrazemumadegradaodacondioanteriorequecaracterizama perdadevnculossociais.Poderamosclassificaraabrigagemcomosendoum espaodareinserosocialdestesatoresenvolvidos.Estarnelenoseriaestar includo,emminhaopinio,poisacondiodestapermannciatemporria,o PlanodeIntervenoestipuladodefiniromomentoemqueesteacolhidodever sairerestabelecer,emdeterminadasituao,suacondiodefiliado.Portanto, estar abrigado no estar filiado, esta no uma condio definitiva e exatamente por ser provisria ele ainda est desfiliado. Oquedizerentodeumapessoaquepassoucondiodeexcludaem funo de sua idade? A trajetria de Odir, como muitos brasileiros em situao de pobrezaintegrada,umaexemplodecomoestarinseridoporlongadata,num empregoquepodemosclassificarcomoprecriopodeincidiremexcluso.O trabalhoeraprecrioemfunodesuabaixaescolaridade,masfoinoqualse manteve por quase quarenta anos de vida. Nunca viveu na rua, morava de aluguel e semantinhacomopedreiro.Eraseparadoeasfilhasadultasmoramemoutro Estado,aparentementeelastmboarelaocomopai,apesardenotermais contato. Em 2006 teve enfizema pulmonar e parou de trabalhar para cuidar de sua sade. Nos ltimos trs anos seu quadro de sade piorava, esteve internado quatro vezes neste perodo, uma vez por crise asmtica. Com 60 anos de idade e a sade debilitada, no tinha condies de trabalhar, ento perambulava pelas ruas durante o dia, nunca pediu dinheiro por vergonha e s alimentava-se noite, quando dormia nos albergues. Repito aqui que no h perda de vnculos de Odir com a famlia (tem a me viva e suas duas filhas) e tambm no h perda de vnculo com sua comunidade de origem, j que tem conhecidos na 42cidadedeCanoas,relatanaentrevista.umtpicocasodepobreintegradona sociedade,queestavanolimitedalinhadevulnerabilidadeeafragilidadedesua sade fez com que transpassasse esta linha e atingisse a excluso plena. A zona de vulnerabilidade, em particular, ocupa uma posio estratgica. um espao social de instabilidade, de turbulncias, povoado de indivduos emsituaoprecrianasuarelaocomotrabalhoefrgeisemsua inserorelacional.Daoriscodecaremnaltimazona,queaparece comoofimdopercurso.avulnerabilidadequealimentaagrande marginalidade ou a desfiliao.(CASTEL, 1997, p-26). Fora encaminhado do Hospital Conceio no qual estava para um albergue. A Assistente Social do albergue posteriormente o alocou no Abrigo Bom J esus, para abrigagem integral pois o mesmo no conseguia caminhar. O Plano de Interveno estipulado pelo abrigo foi encaminhar a sua penso por aposentadoria, para que ele possa ser reintegrado novamente e tenha condies financeiras de se manter, o que seriacomplicadoemtermosdetrabalhonasuacondiofsicaefaixaetria.Perguntado sobre o que gostaria de modificar em sua vida, Odir explanou: Quero sair daqui e viver numa pea, no qual eu possa administrar a minha vidaefazeroquequeroenahoraquetivervontade.Esperoconseguir minhaaposentadoriaparaportudoissoemprtica;elesmedoremdio aqui, mas tambm consigo pelo SUS.(Odir, 60 anos, Canoas). No depoimento de Odir confirmamos o porqu muitos dos moradores de rua preferem dormir ao relento, nas caladas, do que em abrigos; a individualidade, a liberdadedehorrioseasvontadesprpriasnosopossveisnumambientede regras de convivncia (vide anexo II). Devemos considerar que dormir em abrigo foi a 5 alternativa escolhida na pergunta sobre olocalutilizadocommaisfrequncia comodormitriopelosmoradoresderuadePortoAlegre(GEHLEN,2008,p-51). Odir em sua entrevista afirmou que fumava muito e bebia socialmente. Dos quatro entrevistados que eram considerados integrados em nossa sociedade, com vnculos familiaresedetrabalho,doisromperamesteslaospeloexcessivoconsumode bebidaalcolica,ummaisjovememfunodousodedrogaseapesardaidade 43avanadadeOdir,ovciodocigarrolhecausoucomplicaesnopulmo, debilitando sua sade e condio fsica. A sade debilitada o ponto chave e comum no apenas nestes atores que eramconsideradosincludossocialmenteeforamexcludosposteriori,mas tambmnosoutrosquatroentrevistadosqueviviamemsituaesopostas.Esta motivao em comum destes grupos deve ser considerada nas polticas pblicas de preveno sade, bem como no tratamento das enfermidades que estes excludos adquiriramenquantohabitavamnasruas,dentrodaestruturaoferecidapelo municpio para todos seus cidados. O outro bloco de entrevistados nos remete a uma situao inusitada: so excludos de longa data, ou seja, desde sua infncia e adolescncia at a idade adulta, passando por albergues e sempre retornando para as ruas.Com exceo do travesti Belinha, todas as trs so do sexo feminino e com histricodeforteopressoemsuastrajetrias,habitandonasruasemmdiah maisde10anos.Utilizaramdrogas,masapenasumaadmitiutambmser alcolatra. Trs dessas quatro usurias apontaram a fragilidade, o rompimento ou a ausncia de seus vnculos familiares como sendo o principal motivo que contribuiu paraodesenvolvimentodeproblemasocorridosemsuastrajetriasdeexcluso. Duas delas se prostituam na prpria rua no qual moravam. Fernanda, usuria mais nova a participar das entrevistas, descreve como chegou condio de abrigada: Fui expulsa da casa de minha irm pela mulher dela.Da fui para a rua no qual passei tambm a usar drogas, fazia programas e dormia na casa dos clientes para me sustentar, mas sempre voltava para as ruas. Um dia uma mulher de igreja me abordou na rua, eu estava fraca e cansada, me indicou o abrigo eu fui na porta e pedi acolhimento. Fizeram uma entrevista comigo edeixarameuentrar,estouaquihumms.(Fernanda,18anos, Alvorada). Outrausuria,Zoraide,diztertidoumainfnciamuitopobre,apanhava muitodopadrastoeeraperseguidapelomeio-irmoquepretendiaabusar sexualmente dela. Relata quesofria muito preconceito racial, saiu ento fugida de casaparaPortoAlegre,comumaamiga,noqualpassaramahabitarasruas.Nunca maisviu ningumconhecido,eraviciadaemcocana, roubava,passou 4415anosdesuavidanestascondies,noqualengravidoudeumex-namorado. Questionada sobre quanto tempo est abrigada, ela diz: Estou aqui h um ano, juntamente com meu filho. Como ele est estudando, o abrigo est permitindo que eu fique aqui. Saio durante o dia para trabalhar comreciclagem,voltonofinaldatarde.Pareicomasdrogasporconta prpria. Amo meu filho.(Zoraide, 48 anos, Sapucaia do Sul). Otrabalhoinfantileescravosurgiupornecessidadescomunsdeduasdas entrevistadas; Rita confidencia: Comeceiatrabalharcom12anos,cuidavadecrianasparaseuspais trabalharem;continueiesseservioemPelotas,tinha15anos.Fuilpor indicao,acabeimeengravidandocom16anos.(Rita,28anos,Porto Alegre). Belinhasaiudecasacom9anosdeidade,moravacomatiaesofria assdio sexual por parte dos tios e primos. Saiu e foi morar debaixo da ponte, em So Leopoldo, onde ficou at os 13 anos. Relata o seguinte: Aos 14 anos comecei a trabalhar lavando loua em troca de comida, para uma senhora que me tirou da rua. Passei a morar na casa dela pelo teto e pelacomida,pareideestudarnainfncia.(Belinha,40anos,So Leopoldo). Referente a vida de abrigado e a relao mantida com a instituio, no geral asexperinciasforamconsideradasbastantepositivas.Todososentrevistados aprovaramascondiesoferecidaspeloabrigagemparaacolherereinserir socialmente os usurios, como Rita sintetiza: Agentevaisairdaquicomumameta,umobjetivoencaminhado;somos cuidados na sade, alimentao, nas roupas e preparados para sair daqui como uma pessoa melhor, encarando a dura realidade l fora.(Rita, 28 anos, Porto Alegre). 45Outro ponto importante a questo das regras18.A maioria dos entrevistados asconsideramimportantes,poiscolocamemordemarotinadepessoasde diferentespersonalidadesqueconvivemjuntas,easuaausnciacertamente causariaalgunstranstornos.Trsusuriosopinaramdeformadiferenciada,dois deles se queixavam dos horrios, por motivos diversos. Ricardo diz: Umpontonegativosooshorriosaseremcumpridosdentrodoabrigo, principalmente noite pois os horrios de filme no fecham com o horrio para dormir, que as 22 horas. (Ricardo, 32 anos, Cruz Alta). Odir reclama das sadas matinais, mesmo com suas dificuldades de caminhar: Negativo aqui a questo de horrios, no se pode chegar a hora que tu quer. Se saio cedo, s posso chegar s 11:30 e se saio tarde, s posso entrar s 17:30. Caso contrrio, somente noutro dia poderei entrar. Quanto ao horrio para dormir, nenhum problema.(Odir, 60 anos, Canoas). O terceiro entrevistado de opinio exatamente oposta dos dois. Ele afirma quealgunsusuriossotratadosdemaneiradiferenciadaequeotratamento dispensadopelosagentespblicosdeveriasermaisigualitrio,contradizendosua avaliao positiva anterior feita para com o abrigo. Quanto s regras, Bandeira foi enftico: Achoqueaquitempoucasregras,deveriatermais.Osprofissionais deveriam ser mais rigorosos do que normalmente so, gosto de ajudar nas tarefas mas me retraio s vezes para no parecer puxa-saco.(Bandeira, 45 anos, Porto Alegre). Asrelaesdousuriocomosagentespblicosedemaisabrigadosforam consideradasboas,deummodogeral,comumatendnciamaispositivaparaos primeiros. A exceo vem da usuria Fernanda, que desabafou: ...no gosto de uma funcionria daqui, ela muito autoritria....

18 Pg. 16 46Oconvvioentreosusurioscordial,ocorrendopequenosinconvenientes porsetratardeumambienteatpicoparaamaiorpartedeleseporconviverem muitotempoprximos,massegundoaafirmativadeOdir...problemasnormais atentrefamlias....OsusuriosBandeira,BelinhaeRafaelforamosnicos entrevistadosquenomanifestarampontosnegativosdeconvivnciaentreos abrigados. Todos os demais teceramcomentrios a este respeito, a saber: Tenhodesconfianaconstanteemrelaoaosoutrosabrigados,alguns no so bons e tem at ex-presidirio aqui. (Zoraide, 48 anos, Sapucaia do Sul). Tempessoasquemexemnascoisasdosoutros,nohmuita solidariedade aqui, os usurios no sabem zelar pelos bens de todos. (Rita, 28 anos, Porto Alegre). Com relao s atividades realizadas dentro do abrigo, merecem destaque as relacionadas com a limpeza do espao fsico (como regra e como iniciativa prpria) e a participao em oficinas. Assistir televiso, jogar conversa fora, escutar rdio e ler revistas ou livros foram outras atividades mencionadas, na ordem acima descrita. Quantoasatividadesdeforadoabrigo,asmaislembradasforam,naseqncia, catar papelo e tampinhas para reciclagem, ver os amigos, ir para uma consulta mdica e por ltimo, namorar. No que tange a projetos e planos para o futuro, quando estes usurios sarem do abrigo, o item mais citado e comum a todos se refere proteo de um teto para moradia. o principal sonho de Zoraide, que assim descreve: Gostaria de ter uma casinha para poder sair daqui e cuidar do meu filho, ter a liberdade de fazer coisas que tenho vontade e que no abrigo no pode, comoguardarcoisaseobjetosquerecolhodarua.Trabalharcom reciclagemeassimgarantiralgumdinheiroparaminhasobrevivncia. (Zoraide, 48 anos, Sapucaia do Sul). Doisdosoitoentrevistadossonhamconseguirumempregoestvel,que possa proporcionar sua sobrevivncia e inclusive um teto para seguirem suas vidas 47ps-abrigo.Fernandaaliaseusonhodeempregoaprojetoscomunsdeoutros jovens da sua faixa etria: Tenho vontade de voltar a estudar depois que conseguir um trabalho, onde tambm terei dinheiro para poder pagar meu aluguel.(Fernanda, 18 anos, Alvorada). Ritatemtrsfilhos,cadaumsobaguardacompartilhadadeseus respectivos pais, e projeta a sua vida a partir desta realidade: Querovivercomoumapessoanormal,trabalhareestudar,paraatingir meus objetivos. Aqui temos prazo para ficar; primeiro quero juntar dinheiro, alugarminhacasinhaedepoistrazermeustrsfilhosdevoltapara morarem comigo. Por isso quero trabalhar.(Rita, 28 anos, Porto Alegre). Para Castel (1997), na prtica, esta expectativa estaria fora de cogitao. Ele diz: A insero`ideal` que seria a integrao num emprego estvel geralmente impossvel devido, ao mesmo tempo, situao do mercado de trabalho e s capacidades de muitos dos beneficirios, frequentementedistanciados hmuitotempooumesmodesdesempre,dasobrigaesdeordem produtiva.(CASTEL, 1997, p.37) Quatrodosentrevistadostmpossibilidadesreaisparaconcretizarseus objetivos,todoselesaliadosexpectativadorecebimentodepensopor aposentadoriadoGoverno,sendoumdelespordoena.Aidademaisavanada somadaaumaprecariedadedeempregoeemalgunscasos,desadetambm, justificam a busca deste benefcio. interessante notar que Castel chama ateno que na Frana foi incontestavelmente o seguro social que permitiu controlar parte importantedazonadevulnerabilidadealimentadapelaprecariedadedotrabalho. (CASTEL, 1997, p.27). Estegruposalientouaimportnciadaintervenodoabrigo,referente comprovao via documentos bem como a petio junto aos rgos pblicos oficiais, 48desde a legitimidade dos requisitos citados por Lei, at mesmo pela comprovao da assistncia social e suas prerrogativas legais, aportadas na Constituio Federal do Brasil. Os projetos que Bandeira tm para quando sair desta instituio s sero possveisdeacontecersehouveraintervenodoserviosocialdoabrigo.Ele afirma: Oqueeuqueromudarnavidaemprimeirolug