A ABORDAGEM DOS GÊNEROS TEXTUAIS NOS LIVROS DE...

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A ABORDAGEM DOS GÊNEROS TEXTUAIS NOS LIVROS DE LÍNGUA PORTUGUESA DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL Leila Britto de Amorim 1 Fabiane Vieira da Silva 2 Telma Ferraz Leal 3 Este estudo procurou investigar os procedimentos didáticos de inserção dos gêneros textuais nos livros didáticos da coleção “Português uma proposta para o letramento”, de Magda Soares (2004). Foram adotadas, para a realização das análises, a concepção de gêneros textuais de Bakhtin (2000) e a proposta de organização curricular de Dolz e Schneuwly (2004). Os referidos autores concebem o gênero como instrumento cultural que medeia atividades dialógicas e representa um conjunto de formas disponíveis no funcionamento da linguagem e comunicação de uma sociedade. A metodologia consistiu na análise do manual do professor, levantamento dos gêneros textuais abordados na coleção e análise do trabalho didático com os gêneros textuais. Os resultados evidenciaram que há grande diversidade de gêneros textuais em todos os livros, os quais são abordados em uma perspectiva sociodiscursiva, favorecendo uma mestria dos gêneros e das situações de comunicação. As situações didáticas são organizadas de modo a levar os alunos a pensar sobre as características dos gêneros em foco. Palavras-chave: gêneros textuais; abordagem didática; livros didáticos. O trabalho com a língua materna sempre se constituiu como uma preocupação por parte de educadores, uma vez que é por meio desta que o indivíduo se comunica com seus semelhantes, defende suas opiniões, amplia o conhecimento de si próprio e do mundo em que vive, enfim, constrói sua cidadania. É através da vivência nas situações de comunicação e do contato com diferentes textos que surgem na vida cotidiana que os indivíduos exercitam a competência lingüística de falante/ouvinte produtor de enunciados. Dessa forma, a diversidade textual na escola pode facilitar a construção dos conhecimentos sobre as práticas de linguagem na sociedade, quando existe uma reflexão sobre seus aspectos funcionais, interacionais, composicionais, de estilo e temática. De acordo com a proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Lìngua Portuguesa (Brasil, 1999, p. 30), a escola deve “viabilizar o acesso do 1 Concluinte de Pedagogia Centro de Educação UFPE. [email protected] 2 Concluinte de Pedagogia Centro de Educação UFPE. [email protected] 3 Professora do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino Centro de Educação UFPE. [email protected].

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A ABORDAGEM DOS GÊNEROS TEXTUAIS NOS LIVROS DE LÍNGUA

PORTUGUESA DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Leila Britto de Amorim1 Fabiane Vieira da Silva2

Telma Ferraz Leal3

Este estudo procurou investigar os procedimentos didáticos de inserção dos gêneros textuais nos livros didáticos da coleção “Português uma proposta para o letramento”, de Magda Soares (2004). Foram adotadas, para a realização das análises, a concepção de gêneros textuais de Bakhtin (2000) e a proposta de organização curricular de Dolz e Schneuwly (2004). Os referidos autores concebem o gênero como instrumento cultural que medeia atividades dialógicas e representa um conjunto de formas disponíveis no funcionamento da linguagem e comunicação de uma sociedade. A metodologia consistiu na análise do manual do professor, levantamento dos gêneros textuais abordados na coleção e análise do trabalho didático com os gêneros textuais. Os resultados evidenciaram que há grande diversidade de gêneros textuais em todos os livros, os quais são abordados em uma perspectiva sociodiscursiva, favorecendo uma mestria dos gêneros e das situações de comunicação. As situações didáticas são organizadas de modo a levar os alunos a pensar sobre as características dos gêneros em foco. Palavras-chave: gêneros textuais; abordagem didática; livros didáticos.

O trabalho com a língua materna sempre se constituiu como uma

preocupação por parte de educadores, uma vez que é por meio desta que o

indivíduo se comunica com seus semelhantes, defende suas opiniões, amplia o

conhecimento de si próprio e do mundo em que vive, enfim, constrói sua

cidadania. É através da vivência nas situações de comunicação e do contato

com diferentes textos que surgem na vida cotidiana que os indivíduos

exercitam a competência lingüística de falante/ouvinte produtor de enunciados.

Dessa forma, a diversidade textual na escola pode facilitar a construção dos

conhecimentos sobre as práticas de linguagem na sociedade, quando existe

uma reflexão sobre seus aspectos funcionais, interacionais, composicionais, de

estilo e temática.

De acordo com a proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais de

Lìngua Portuguesa (Brasil, 1999, p. 30), a escola deve “viabilizar o acesso do 1 Concluinte de Pedagogia – Centro de Educação – UFPE. [email protected]

2 Concluinte de Pedagogia – Centro de Educação – UFPE. [email protected]

3 Professora do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino – Centro de Educação –

UFPE. [email protected].

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aluno ao universo dos textos que circulam socialmente, ensinar a produzi-los”.

Nesse sentido, percebemos uma preocupação dos PCN em articular as

práticas sociais de uso dos gêneros textuais orais ou escritos que ocorrem fora

da escola com as práticas no âmbito escolar.

Nesse sentido, é especialmente importante refletir sobre o conceito de

gêneros textuais e sobre os modos como eles são inseridos na prática

pedagógica cotidiana. Segundo Bakhtin (2002), os gêneros compõem-se de

três elementos principais. São eles: conteúdo temático (o assunto de que vai

tratar o enunciado em questão, gerados numa esfera discursiva com suas

realidades sócio-culturais), estilo (seleção lexical, estruturas frasais, gramatical)

e construção composicional (relações, procedimentos, organização,

estruturação e acabamento do texto, a estrutura formal).

Mesmo variando em termos de extensão, conteúdo e estrutura, os

enunciados conservam características comuns, daí serem considerados tipos

relativamente estáveis. Ainda segundo o autor, existe uma variedade de

gêneros, pois suas formas “são mais maleáveis, mais plásticas, e mais livres

do que as formas da lìngua” (p. 302). Dentre outros, podemos citar os contos,

cartas, poemas, regulamentos. Concebemos, como detalharemos no tópico a

seguir, que os gêneros textuais são instrumentos culturais que servem de

referência nas atividades de produção e de compreensão de textos nas

diferentes práticas de linguagem.

Dentro dessa perspectiva, o conhecimento de determinados gêneros vai

permitir ao indivíduo prever quadros de sentidos e comportamentos nas

diferentes situações de comunicação com as quais se depara. O trabalho com

a diferenciação de determinados gêneros e o reconhecimento das estruturas

formais e de sentido que os compõem contribuem para o desenvolvimento das

competências sócio-comunicativas dos falantes.

Na tentativa de auxiliar no desenvolvimento das competências

lingüísticas do aluno, os autores de livros didáticos de Língua Portuguesa vêm

apresentando modificações em suas propostas e atividades. Ou seja, o anseio

em querer acompanhar as novas tendências educacionais está provocando

mudanças em alguns livros, dentre as quais, os modos de inserção dos

gêneros textuais nas atividades didáticas. Busca-se, por meio das mudanças,

promover maior desenvolvimento da capacidade do aluno de produzir textos

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orais e escritos, como também enriquecer a capacidade de percepção do

mundo através da compreensão e produção de textos. Assim, a didatização

dos gêneros textuais merece uma reflexão especial, por se tratar de uma

questão importante e substancial na construção do conhecimento linguístico-

textual do aluno. Segundo Dolz e Schneuwly (1997):

“Na sua missão de ensinar os alunos a escrever, ler e a falar, a escola, forçosamente, sempre trabalhou com os gêneros, pois toda forma de comunicação, portanto também aquela centrada na aprendizagem, cristaliza-se em formas de linguagem específicas. A particularidade da situação escolar reside no seguinte fato que torna a realidade bastante complexa: há um desdobramento que se opera, em que o gênero não é um instrumento de comunicação somente, mas, ao mesmo tempo, objeto de ensino/ aprendizagem.” (p.7)

O livro didático não é o único instrumento do educador e do aluno, mas é

uma ferramenta importante no processo de ensino/aprendizagem de Língua

Portuguesa. O trabalho com a escrita e a oralidade é um dos norteadores da

ação pedagógica e um livro de Língua Portuguesa deve trazer uma proposta

voltada para o desenvolvimento de um sujeito que ao “produzir um discurso,

conhecendo possibilidades que estão postas culturalmente, sabe selecionar o

gênero no qual seu discurso se realizará, escolhendo aquele que for apropriado

aos seus objetivos e à circunstância enunciativa em questão.”(BRASIL,

1997:65). A nossa hipótese é que os bons livros didáticos não restringem o

trabalho com gêneros textuais meramente em seus aspectos estruturais ou

formais.

Desse modo, nosso objetivo central é investigar os procedimentos

didáticos de inserção dos gêneros textuais nos livros didáticos. Mais

especificamente, buscamos: (1) identificar a concepção de gênero textual

expressa no manual do professor; (2) saber quais gêneros textuais são

inseridos na coleção; (3) identificar as dimensões ou características dos

gêneros que são enfocadas no livro; (4) saber se os livros favorecem a reflexão

sobre os gêneros textuais ou se optam por estratégias de apresentação de

conceitos prontos e acabados; (5) analisar as propostas de atividades com os

gêneros textuais.

O presente artigo encontra-se dividido em três tópicos. No primeiro,

apresentaremos a concepção de gênero textual segundo Mikhail Bakhtin. No

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segundo, focalizaremos no trabalho com os gêneros textuais na escola. Por

fim, faremos uma análise da proposta com o trabalho de gêneros textuais

expressa nos livros didáticos selecionados, abrangendo tanto o manual do

professor como o livro do aluno, a fim de expor os resultados acerca dos

procedimentos didáticos de inserção dos gêneros textuais nos livros didáticos.

1. A NOÇÃO DE GÊNERO DO DISCURSO SEGUNDO MIKHAIL BAKHTIN

Ao analisarmos o contexto histórico, percebemos que o conceito de

gênero vem sendo estudado desde a Antigüidade. Na literatura clássica, havia

uma preocupação em classificar determinados textos, de acordo com suas

características e modalidades. Dessa forma, na tradição greco-latina, o gênero

estava associado aos estudos literários. Platão (2005) fazia uma reflexão sobre

gênero, dividindo-o em três grupos: a tragédia, a épica e a lírica, tendo como

princípio o modo do enunciado. Bakhtin (2002) também ressalta que estes

gêneros foram os mais estudados:

“os gêneros literários (...) sempre foram estudados pelo ângulo artístico-literário de sua especificidade, das distinções diferenciais intergénericas (nos limites da literatura), e não enquanto tipos particulares de enunciados, com os quais contudo têm em comum a natureza verbal (lingüística).” (p. 280)

Aristóteles (1959), por sua vez, enfatizou os gêneros textuais retóricos.

Ele ressaltava que três elementos compõem o discurso: aquele que fala; aquilo

sobre o que se fala e aquele a quem se fala. Trata-se de uma proposta de

divisão do discurso na arte da persuasão e da oratória. Nesse sentido,

existiriam três tipos de ouvintes no discurso: “o espectador que olha o presente,

a assembléia que olha o futuro e o juiz que julga as coisas passadas” (p.32).

Os gêneros do discurso retórico, por sua vez, estariam associados a estes três

tipos de julgamento e seriam divididos em discurso deliberativo, judiciário e

demonstrativo. Em relação aos discursos retóricos, Bakhtin (2002) ressaltava

que:

“dava-se pelos menos maior atenção à natureza verbal do enunciado, a seus princípios constitutivos tais como: a relação com o ouvinte e a influência deste sobre o enunciado, a conclusão verbal peculiar ao enunciado (diferente da conclusão do pensamento), etc. A especificidade dos gêneros retóricos

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(jurídicos, políticos) encobria porém a natureza lingüística do enunciado.” (p. 280)

Por último, foram estudados os gêneros do discurso no cotidiano,

sobretudo, a réplica do diálogo cotidiano. Nesses estudos, não foi possível

formular uma definição correta da natureza lingüísticas do enunciado, uma vez

que o mesmo “se limitava a pôr em evidência a especificidade do discurso

cotidiano oral, operando no mais das vezes com enunciados deliberadamente

primitivos (os behavioristas americanos).” (p. 281). Ou seja, não eram tomadas

como referência as situações cotidianas naturais.

O conceito de gênero, normalmente associado aos estudos literários, se

modifica e se amplia com os estudos de Bakhtin, na metade do século XX.

Esse conceito passou a ter relação com a comunicação oral e escrita, uma vez

que não se vinculava apenas a textos literários e retóricos, mas enfocava as

regularidades lingüísticas e substanciais nas esferas das atividades humanas.

Essa nova acepção sobre gênero articula-se a uma compreensão social e

cultural mais ampla da língua em uso. Por essa razão, a teoria bakhtiniana

constitui um marco para os estudos sobre gêneros.

Para Bakhtin (2000), a utilização da língua se materializa em forma de

enunciado, ou seja, o complexo ato de comunicação se organiza e se agrupa

por condições especiais de atuação e por objetivos específicos em cada esfera

da atividade humana, dando origem consequentemente aos gêneros do

discurso. De acordo com a sua definição, os gêneros são tipos relativamente

estáveis de enunciados elaborados nas diferentes esferas sociais de utilização

da língua. Os enunciados produzidos pela atividade humana refletem:

“as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas, não

só por seu conteúdo (temático) e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos recursos da língua – recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais – , mas também , e sobretudo, por sua construção composicional.” (p. 279)

Segundo a teoria bakhtiniana, o enunciado é de natureza social, ou seja,

um produto sócio-histórico, resultado da interação comunicativa humana

dotada de produção de efeitos de sentidos entre interlocutores, em uma dada

situação de comunicação e em um contexto ideológico. Concebendo a língua

como forma de interação social realizada por meio de enunciações, o referido

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autor ressalta que “o discurso se molda sempre à forma do enunciado que

pertence a um sujeito falante e não pode existir fora dessa forma” (p. 293).

Desse modo, o discurso incorpora dois elementos, sendo determinado

tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para

alguém. Nessa perspectiva, o gênero se constitui justamente como produto da

interação do locutor e do ouvinte, ou seja, todo discurso serve de expressão de

um em relação ao outro. Trata-se do dialogismo interacional, que se constitui

como um princìpio do discurso. Segundo Bakhtin (2000), “o ìndice substancial

(constitutivo) do enunciado é o fato de dirigir-se a alguém, de estar voltado para

o destinatário.” (p. 320). O destinatário assume um papel relevante no processo

discursivo, uma vez que:

“Ter um destinatário, dirigir-se a alguém, é uma particularidade constitutiva do enunciado, sem a qual não há, e nem poderia, haver enunciado. As diversas formas típicas de dirigir-se a alguém e as diversas concepções típicas do destinatário são as particularidades constitutivas que determinam a

diversidade dos gêneros do discurso.” (p. 321)

Na perspectiva bakhtiniana, o ouvinte está em constante sintonia com o

locutor na elaboração do discurso, ou seja, o ouvinte que recebe e compreende

a significação de um discurso adota, simultaneamente, para com este discurso

uma atitude responsiva ativa. Os enunciados dos interlocutores se alternam

buscando a compreensão e acionam a todo instante a atitude responsiva ativa

diante do que ouvem, construindo uma interlocução permanentemente viva.

Trata-se de ouvir a voz do outro na elaboração do enunciado:

“Os outros, para quais meu pensamento se torna, pela primeira vez, um pensamento real (e, com isso, real para mim), não são ouvintes passivos, mas participantes ativos da comunicação verbal. Logo de início, o locutor espera deles uma resposta, uma compreensão responsiva ativa. Todo enunciado se elabora como que para ir ao encontro dessa resposta.” (BAKHTIN, 2000:320)

Ainda segundo essa teoria, o próprio locutor também pressupõe a

compreensão ativa responsiva na medida em que se elabora um discurso, ele

espera uma resposta, uma concordância, uma adesão, uma objeção, uma

execução, etc." (p. 291)..

Como o outro está sempre presente nas formulações do autor e tem

tanto a função de quem recebe, como também de quem permite ao locutor

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perceber o seu próprio enunciado, o gênero do discurso geralmente se dirige a

um interlocutor que não se limita a compreender o locutor. A totalidade

acabada do enunciado proporciona a possibilidade de compreendê-lo de modo

responsivo.

Na relação falante/ouvinte é produzida uma estrutura comunicativa que

se configurará em formas padrões relativamente estáveis de um enunciado,

que são os já denominados gêneros do discurso. Seguindo a teoria

bakhtiniana, Dolz e Schneuwly (2004) defendem que:

“há visivelmente um sujeito, o locutor-enunciador que age discursivamente (falar/escrever), numa situação definida por uma série de parâmetros, com a ajuda de um instrumento que aqui é o gênero, um instrumento semiótico complexo, isto é, uma forma de linguagem prescritiva, que permite, a um só tempo, a produção e a compreensão de textos”. (p.26-27)

Dessa forma, os gêneros constituem-se como instrumentos que

possibilitam ações sócio-discursivas para agir sobre o mundo e dizer o mundo,

constituindo-o de algum modo. Nesse sentido, “é impossìvel se comunicar

verbalmente a não ser por algum gênero, assim como é impossível se

comunicar verbalmente a não ser por algum texto.” (MARCUSCHI, 2002:22)

Após feitas as considerações acerca de definições e características dos

gêneros segundo a concepção de Bakhtin e as idéias de Dolz e Schneuwly,

passaremos ao estudo da segunda dimensão: o trabalho com os gêneros

textuais na escola.

2. GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA As reflexões teóricas sobre a noção de gênero têm assumido especial

importância para a metodologia do ensino e da aprendizagem de línguas. Os

gêneros passaram a ser concebidos como grandes instrumentos na

aprendizagem da leitura e escrita da lìngua materna, uma vez que se “os textos

se manifestam sempre num outro gênero textual, um maior conhecimento do

funcionamento do gênero é importante tanto para a produção como para a

compreensão”. (MARCUSCHI, 2002:32)

Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa

(BRASIL,1997) também sugerem um trabalho didático com base nos gêneros

textuais para favorecer o ensino da leitura e produção de textos orais e

escritos:

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“Os textos organizam-se sempre dentro de certas restrições de natureza temática, composicional e estilística, que os caracterizam como pertencentes a este ou aquele gênero. Desse modo, a noção de gênero, constitutiva do texto, precisa ser tomada como objeto de ensino.” (p.23)

Dentro dessa perspectiva, o conhecimento de determinados gêneros

pode permitir ao indivíduo prever quadros de sentidos e comportamentos nas

diferentes situações de comunicação com as quais se depara. Como já foi

exposto, o trabalho na escola com a diferenciação de determinados gêneros e

o reconhecimento das estruturas formais e de sentido que os compõem,

contribuem para o desenvolvimento das competências sócio-comunicativas.

O trabalho com os gêneros textuais consiste ainda numa oportunidade

de se lidar com a língua em seus mais diversos usos no dia-a-dia, pois nada do

que fizermos lingüisticamente está fora de ser um gênero. Nesse sentido,

Bezerra (2002) ressalta que “o estudo de gêneros pode ter conseqüência

positiva nas aulas de Português, pois leva em conta seus usos e funções numa

situação comunicativa”.(p. 41)

Concebemos, portanto, que, na escola, o papel do gênero se amplia,

pois passa ser considerado, ao mesmo tempo, um instrumento de

comunicação e objeto de ensino/aprendizagem. Os gêneros são introduzidos

na escola sob uma decisão didática, passando assim a ter novos objetivos:

primeiro, o aluno precisa aprender a dominar o gênero, para posteriormente

desenvolver capacidades que lhe possibilitem lidar com outros gêneros. Nesse

sentido, a escola visa o domínio do gênero pelo aluno como condição

necessária ao desenvolvimento de outras capacidades.

Assim, objetiva-se que o aluno domine alguns gêneros, que possam ser

suporte para que possa aprender outros gêneros que sejam similares aos

abordados na escola, tendo em vista que se pode “desenvolver capacidades

que ultrapassam o gênero e que são transferíveis para outros gêneros

próximos ou distantes” (DOLZ E SCHNEUWLY, 2004: 80)

Para adaptar-se a esses novos objetivos e por estar fora de seu meio de

circulação social, o gênero sofrerá transformações, para que possam ser

apropriados pelo aluno. Segundo Dolz e Schneuwly, “o gênero trabalhado na

escola é sempre uma variação do gênero de referência, construída numa

dinâmica de ensino/aprendizagem.” (p. 81). Ou seja, esses autores defendem

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que na escola realizamos algumas seleções de quais propriedades dos

gêneros textuais ressaltar para os alunos e os modos como iremos fazê-lo, que

implicam em maior ou menor distanciamento das práticas sociais nas quais tais

gêneros circulam. Na verdade, eles defendem que se faz necessário

instrumentalizar os alunos para usos autênticos da linguagem, expondo-os a

verdadeiras situações de comunicação, sem perdermos de vista a necessidade

de reflexão sobre tais textos fora dessas situações de comunicação.

Em suma, como mencionamos, os instrumentos com os quais a

sociedade legitima suas práticas discursivas e atua nos diversos domínios da

atividade humana são os gêneros. Portanto, o conhecimento do gênero é uma

ferramenta muito importante para o desenvolvimento das competências

lingüísticas do indivíduo. Cabe à escola propiciar aos alunos atividades que os

façam aprender a escolher o gênero adequado a cada situação comunicativa,

promovendo atividades com diferentes gêneros e diferentes destinatários e

enfocando os efeitos comunicativos.

Para se pensar o ensino dos gêneros de acordo com os ciclos/séries,

Dolz et al. (2004) propõem, em seus estudos, um agrupamento desses gêneros

de acordo com sua tipologia e capacidades de linguagem a serem

desenvolvidas pelos alunos em cada ciclo/série: gêneros da ordem do narrar;

da ordem do relatar, da ordem do expor, da ordem do argumentar; e, da ordem

do descrever ações.

Segundo Dolz et al (2004), a aprendizagem da expressão oral e escrita é

considerada como um conjunto de aprendizagens específicas de gêneros

textuais variados. Dessa forma, o ensino de cada agrupamento de gêneros

exige reflexões sobre aspectos lingüìsticos, estruturais e interacionais. “Os

tempos verbais, por exemplo, não são os mesmos quando se relata uma

experiência vivida ou quando se escrevem instruções para a fabricação de um

objeto.”(p. 120)

Nesse sentido, os agrupamentos são tomados como base no processo

de construção de progressões, pois para que funcionem, é necessário que:

“1. correspondam as grandes finalidades sociais atribuídas ao ensino, cobrindo os domínios essenciais da comunicação escrita e oral em nossa sociedade; 2. retomem de modo flexível certas distinções tipológicas, da maneira como já funcionam em vários manuais, planejamentos e currículos;

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3. sejam relativamente homogêneos quanto às capacidades de linguagem implicadas no domínio dos gêneros agrupados.”(p. 121)

No entanto, na forma como estão determinados, os agrupamentos não

são considerados estanques uns em relação aos outros. O objetivo desses

agrupamentos é o desenvolvimento da expressão oral e escrita levando em

conta a diversidade e as especificidades de cada gênero.

Com relação à progressão, propõe-se que seja pensada em forma de

“espiral”. Ou seja, nessa forma de progressão, um mesmo gênero ou

agrupamento de gêneros é inserido no plano anual em diferentes ciclos/ séries

do ensino fundamental, com objetivos cada vez mais complexos. Nesse

sentido, os referidos autores ressaltam que “levando-se em conta os objetivos

de aprendizagem nos domínios das situações de comunicação, da organização

global do texto e do emprego das unidades lingüísticas, é possível elaborar

uma progressão em cada um dos cinco agrupamentos de gêneros.”(p. 123). Ou

seja, em todos os anos escolares os alunos deveriam se deparar com textos

pertencentes aos cinco agrupamentos. De acordo com Dolz et al , neste tipo de

progressão, “o que varia de um nìvel para o outro são os objetivos limitados a

serem atingidos em relação a cada gênero: as dimensões trabalhadas, a

complexidade dos conteúdos e as exigências quanto ao tamanho e

acabamento do texto.”(p. 124)

Por outro lado, propõe-se que deve haver o ensino da diversidade

textual a cada nível, ou seja, o aluno deverá ter acesso a textos pertencentes

aos cinco agrupamentos em todos os alunos escolares.

Desse modo, o gênero como ferramenta de trabalho na escola para o

desenvolvimento de competências lingüísticas merece uma reflexão especial.

No ambiente escolar, a inserção de determinado gênero deve estar articulada a

um processo de interlocução, agrupamento e progressão, o que implica a

realização de uma série de atividades - de planejamento e de execução - que

não são lineares e nem isoladas, mas recursivas e interdependentes. Os

modelos didáticos para planificar o ensino de gêneros precisam ser bem

elaborados, seqüenciados e possuir objetivos precisos na aprendizagem.

As atividades de leitura e produção de textos na escola devem

contemplar reflexão sobre as características lingüísticas, textuais e discursivas

de cada um dos gêneros selecionados e os conteúdos por eles veiculados. Em

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sua proposta de projetos pedagógicos de leitura e produção de gêneros

discursivos, Lopes – Rossi (2006) ressalta que:

“Alguns gêneros discursivos que se prestariam bem a projetos pedagógicos de leitura, nos vários níveis de ensino, são rótulos de produtos, bula de remédio, propagandas de produtos, propagandas políticas, etiquetas de roupa, manuais de instrução, de equipamentos, contratos, nota fiscal. As atividades de leituras em cada caso, devem levar os alunos a perceber que a composição do gênero – em todos os seus aspectos verbais e não-verbais, nas informações que apresenta ou omite, no destaque que dá a algumas mais do que as outras – é planejada de acordo com sua função social e seus propósitos comunicativos. Isso contribui para formação de um cidadão crítico e participativo na sociedade. Exemplos de outros gêneros que se prestam a atividades de leitura para entretenimento, aquisição de conhecimento ou resolução de problemas são poesia, romance, verbete de dicionário, lenda, fábula, cordel adivinha, piada, letra de música, mapa. (p.75)

Assim, para que as atividades de leitura e produção promovam a

ativação do conhecimento de gêneros estabelecidos socialmente precisam

levar os alunos a analisar e reconhecer as propriedades comunicativas e

formais de cada um dos gêneros, ressaltando seus efeitos comunicativos, em

função dos interlocutores nas situações concretas de comunicação.

As observações sobre os aspectos das condições de produção e

circulação de gêneros também são importantes, uma vez que permitem ao

aluno observar: “a temática desenvolvida pelo gênero discursivo em questão;

sua forma de organização (distribuição das informações); sua composição

geral, que inclui determinados elementos não-verbais, como: cor, padrão

gráfico (diagramação típica), fotos, ilustrações, gráficos e outros tipos de

figuras e de recursos.” (LOPES-ROSSI, 2006:77). Dessa forma, permitir que o

aluno analise eventos lingüísticos mais diversos, identificando as

características do gênero, é uma atividade que estimula a prática de produção

textual:

“A organização composicional típica do gênero discursivo a ser produzido e as condições que determinam sua produção e circulação são os dois níveis básicos ao domínio da escrita de textos para que o aluno saiba onde buscar informações necessárias para sua produção escrita, quais informações selecionar para o seu texto e como organizá-las por escrito.” (LOPES-ROSSI 2006:78)

A correção e revisão dos textos produzidos são aspectos relevantes

para as atividades de produção, uma vez que propicia ao professor e aos

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alunos identificarem as dificuldades decorrentes das características específicas

dos gêneros e os elementos lingüísticos mais apropriados para determinada

produção.

Para ampliar a capacidade dos alunos no domínio dos gêneros, as

propostas de leitura e produção de textos orais ou escritos devem propiciar um

olhar diferenciado sobre determinados gêneros textuais. Dessa forma, a

compreensão dos gêneros considerando o domínio social, sua função

comunicativa, sua natureza heterogênea, seu conteúdo, estrutura

composicional e estilo são elementos necessários para desenvolver as

competências de leitura e escrita do aluno.

Dado o exposto, os gêneros se constituem como práticas de linguagem

e devem ser utilizados como instrumentos de mediação da estratégia de ensino

e como material de trabalho para o ensino da textualidade.

Esclarecida a noção de gênero e sua relação com a escola, passaremos

agora à terceira dimensão do nosso trabalho: como se dão os procedimentos

didáticos de inserção dos gêneros textuais nos livros didáticos do Ensino

Fundamental I, pertencentes à Coleção “Português: uma proposta para o

letramento”.

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A coleção de Livros Didáticos do Ensino Fundamental de Magda

Soares: “Português uma proposta para o letramento” (volumes: 1, 2, 3 e 4)

constitui o material para análise neste trabalho, visto que a coleção escolhida

foi aprovada pelo PNLD e se enquadra no bloco das coleções organizadas por

unidades temáticas sensíveis a gênero/tipo de texto.

De acordo com o Guia do Livro Didático 2007 de Língua Portuguesa, a

coleção de Magda Soares: “Português uma proposta para o letramento”

apresenta uma articulação de temas com o estudo de gêneros, suportes, mídia,

contextos ou funções da linguagem. Ainda segundo o Guia, a coleção:

“incorpora contribuições recentes das teorias sobre o ensino da lìngua escrita

centradas nas noções de letramento e de gênero, tomando-as como

fundamento e finalidade para o ensino de lìngua portuguesa.” (p. 186) Portanto,

nossa escolha parte da premissa de que a coleção a ser analisada deve estar

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articulada com a noção de língua como prática social e com propostas de

trabalho associadas aos gêneros.

Como já foi mencionado, a preocupação principal deste projeto consiste

em investigar os procedimentos didáticos de inserção dos gêneros textuais nos

livros didáticos. Nessa perspectiva, os procedimentos utilizados para a

pesquisa foram divididos em três fases: análise do manual do professor,

levantamento dos gêneros textuais abordados na coleção e análise do trabalho

didático com os gêneros textuais.

Primeiramente, faremos uma análise da proposta com o trabalho de

gêneros textuais expressa no manual do professor, observando os seguintes

aspectos: a concepção de gênero subjacente ao manual, as orientações

didáticas para o trabalho com gêneros textuais e os objetivos expressos para o

trabalho com gêneros.

No segundo momento, fizemos um levantamento dos gêneros textuais

presentes nos livros. Para isso, elaboramos uma tabela contendo os gêneros

textuais encontrados nos Livros Didáticos e suas distribuições nas respectivas

unidades e páginas. Isso nos possibilitará saber quais gêneros textuais estão

inseridos nos livros, como se organizam as seqüências didáticas e as

propostas de atividades com os gêneros textuais e quais as dimensões e/ou

características que são enfocadas.

Por último, analisamos a abordagem didática dos gêneros nos livros.

Observamos, nesta análise, como os gêneros são tratados nos livros: se

explicitam as características dos gêneros; se apresentam alguma

conceituação, se levam os alunos a refletir sobre os gêneros ou se optam pela

apresentação de conceitos prontos; se trazem questões de compreensão sobre

os gêneros; se há relação entre as atividades de produção e o trabalho

anterior, enfim, refletir se as propostas dos livros estão sugerindo uma

abordagem acerca do funcionamento dos gêneros textuais, contribuindo assim

para sua produção e compreensão.

4. REFLETINDO SOBRE O MANUAL DO PROFESSOR

O Guia do Livro Didático 2007 de Língua Portuguesa, afirma que, no

Manual do Professor (MP) da coleção: “Português uma proposta para o

14

letramento”, de Magda Soares, “destaca-se um cuidadoso trabalho de

fundamentação, com a apresentação dos conceitos-chave e da orientação

metodológica.”(p.188). Além disso, o MP também expõe os eixos de ensino

com objetivos, orientações metodológicas e sugestões bibliográficas.

Nesse sentido, a autora preocupa-se em explicar os pressupostos

teóricos que embasam o projeto pedagógico do livro, destacando que a

finalidade do ensino de Português é o letramento. Utiliza e destaca a

concepção de lìngua como discurso, uma vez que considera “a lìngua como

processo de interação (inter-ação) entre sujeitos, processo em que os

interlocutores vão construindo sentidos e significados ao longo de suas trocas

lingüìsticas, orais ou escritas” (SOARES, 1999b:05)

Também ressalta a relevância de trazer propostas baseadas em práticas

discursivas, nas quais a inserção dos diferentes gêneros e tipos é necessária

para desenvolver a capacidade lingüística do aluno. Dentre os objetivos do

ensino de Português, destacamos no MP os que se referem especificamente

aos gêneros textuais:

“Desenvolver as habilidades de produzir e ouvir textos orais de diferentes gêneros e com diferentes funções, conforme seus interlocutores, os seus objetivos, a natureza do assunto sobre o qual falam ou escrevem, o contexto, enfim, as condições de produção do texto oral e escrito.” (SOARES, 1999b:06)” “Criar situações em que os alunos tenham oportunidade de refletir sobre os textos que lêem, escrevem, falam ou ouvem, intuindo, de forma contextualizada a gramática da língua, as características de cada gênero e tipo de texto, o efeito das condições de produção do discurso na construção do texto e de seu sentido. (SOARES, 1999b:07)”

A autora ainda destaca que o livro prioriza os gêneros mais freqüentes

ou necessários para as práticas sociais do aluno, ressaltando que o gênero de

cada texto é indicado no livro do aluno. (cf. Soares, 1999b:08).

Em relação aos objetivos específicos das atividades de produção de

texto, a autora destaca que o aluno deverá “produzir textos de acordo com as

condições de produção: função da escrita, gênero de texto, objetivo de

produção do texto, interlocutores visados.” (SOARES, 1999b: 19)

Percebemos com isso que “o ìndice substancial (constitutivo) do

enunciado é o fato de dirigir-se a alguém, de estar voltado para o destinatário.”

15

(BAKHTIN, 2000:320). Nessa perspectiva, o destinatário assume um papel

relevante no MP, uma vez que existe uma preocupação em reconhecer as

propriedades comunicativas de cada um dos gêneros, ressaltando seus efeitos

comunicativos, em função dos interlocutores nas situações concretas de

comunicação.

Nesse sentido, a autora considera que faz-se necessário

instrumentalizar os alunos para usos autênticos da linguagem, expondo-os a

verdadeiras situações de comunicação, sem perdermos de vista a necessidade

de reflexão sobre tais textos fora dessas situações de comunicação.

No MP também constatamos uma preocupação da autora em propor

uma grande variedade de gêneros para o desenvolvimento da linguagem oral,

tais como: “debate (argumentação), seminário, exposição, relato de

experiência, notícias, apresentações de regras e instruções, entrevistas,

depoimento.” (SOARES, 1999b:23).

No que concerne às propostas de trabalho com as modalidades oral e

escrita, a autora destaca que estão organizadas por unidades temáticas

associadas a uma diversidade de gênero:

“Os livros da coleção estão organizados em unidades temáticas: cada unidade temática é constituída de um conjunto de textos de diferentes gêneros sobre o mesmo tema, considerado sob diferentes pontos de vista. O objetivo é que se evidencie para o aluno que um mesmo tema pode materializar-se em diferentes gêneros: textos com diferentes finalidades, diferentes formas de organização e estruturação, diferentes estilos, todos versando sobre um

mesmo tema.” (SOARES, 1999b:09)

Percebemos, com isso, uma preocupação de levar os alunos a

analisarem os mais diversos eventos lingüísticos, tanto orais como escritos,

sob a ótica de mesmo tema, facilitando aos alunos perceberem a existência de

diversos gêneros e as características pertinentes a cada um. Nesse sentido, o

contato com a diversidade de gêneros contribui para o desenvolvimento das

competências sócio-comunicativas dos falantes.

Em relação ao suporte original dos textos, a autora atenta para as

transformações que um gênero sofre ao ser transposto a outro suporte: o livro

didático. No entanto, ressalta que “procurou-se respeitar e preservar, tanto

quanto possível, as características essenciais de apresentação gráfica do texto

original.” (SOARES, 1999b:10). Revela-se, assim, como foi discutido

16

anteriormente, que a introdução de um gênero na escola sob a ótica didática

resultará numa variação do gênero de referência, uma vez que consiste numa

dinâmica do ensino-aprendizagem. (Cf. Dolz e Schneuwly, 2004:81)

Dado o exposto, podemos concluir que o MP apresenta pressupostos

teóricos em bibliografia contemporânea, revelando estar em consonância com

as recentes teorias lingüísticas sobre variação, texto e discurso,

sociointeracionismo, letramento e com a teoria de gêneros. A diversidade de

gêneros e a ênfase nos seus aspectos discursivos e semânticos orientadas

pelo Manual se configuram em uma compreensão ampla da linguagem como

prática social que, segundo Dolz e Schneuwly (2004), “quanto mais precisa a

definição das dimensões ensináveis de um gênero, mais ela facilitará a

apropriação deste como instrumento e possibilitará o desenvolvimento de

capacidades de linguagem diversas que a ele estão associados.” (p. 89) Como

sugestão, o MP poderia trazer informações sobre alguns gêneros inseridos no

livro do aluno, as quais poderiam ser úteis ao professor. Poderia, sobretudo,

ressaltar os objetivos didáticos referentes aos gêneros mais usados, de modo a

facilitar a percepção, pelo professor, de quais dimensões textuais estão sendo

foco de reflexão para o aluno.

5. UM OLHAR SOBRE O LIVRO DO ALUNO

De acordo com o Guia do Livro Didático 2007 de Língua Portuguesa, a

coleção “associa os temas aos gêneros textuais: cada volume apresenta quatro

unidades organizadas por uma temática específica, em torno da qual são

apresentados entre sete e oito textos de gêneros diversificados, com pontos de

vistas diferenciados.” (p.183). Como exemplo, podemos citar as atividades

voltadas para o tema: Brinquedos e brincadeiras (V. 2, pág. 6 a 49). Nesse

exemplo, consta no LD, sob a ótica de uma mesma temática, os seguintes

gêneros: conto (p. 9,17 e 40), poema (p. 24 e 48), anúncio classificado (p. 27),

reportagem (p. 32), instrução (p. 43) e trava-língua (p. 46 e 47).

De fato, ao fazermos um levantamento dos textos presentes nos livros,

constatamos uma grande variedade de gêneros textuais. Para realizarmos

esse levantamento, elaboramos uma tabela (anexo 1) para uma melhor

visualização e distribuição dos gêneros nos Livros Didáticos (LDs). Conforme

essa tabela, os gêneros mais freqüentes são: poema (37), conto (31), verbete

17

(24), capa de livro (21), reportagem (20), tirinha (20), texto didático (17),

apresentação (13), anúncio (08), legenda (06), HQ (05), carta (05), crônica

(04), anúncio classificado (04), artigo (03), nota informativa (03), orientações de

comportamento (03), trava-língua (03), artigo de opinião (02), capa de revista

(02), ficha catalográfica (02), logomarca (02), receita (02), regulamento (02),

notícia (02) e outros4 (23).

Podemos perceber que o material textual é diversificado. Os gêneros

selecionados são de diversas esferas de circulação: burocrática (ficha

catalográfica), jornalística (reportagem), literária (poema), didático-pedagógica

(verbete), divulgação científica (nota informativa) e cotidiano (trava-língua).

Podemos constatar também que o material textual que compõe os LDs é

de extrema qualidade, havendo indicação dos suportes originais dos textos.

São inseridos, nos livros, textos bem escritos, com variedade de temas

relevantes e adequados às faixas etárias.

Em suma, os livros abordam os gêneros de diferentes esferas sociais e

apresentam uma grande variedade de suportes (revistas, jornais,

enciclopédias) e de autorias. Nesse sentido, percebemos uma preocupação da

autora dos LDs em contemplar as necessidades de múltiplos letramentos

exigidos por uma sociedade contemporânea. Rojo (2003) ressalta que “muitas

vezes, o LD é o único material de leitura disponível nas casas destes alunos do

Ensino Fundamental e, por isso mesmo, é importantíssimo para o seu processo

de letramento que esses textos sejam de qualidade.” (p.83).

Nos LDs constam numerosas e variadas propostas de leitura e produção

de gêneros. As atividades, de modo geral, possuem clareza na sua formulação

e trazem contribuições significativas para o desenvolvimento da capacidade

lingüística dos alunos. Uma ressalva, no entanto, pode ser levantada quanto à

apresentação dos textos que aparece no topo de algumas páginas: algumas

vezes são indicados os nomes dos gêneros (poema, V. 2, p.24), outras vezes,

o tipo textual predominante (descrição, V. 2, p. 197) e outras vezes, a função

lingüística (texto informativo, V. 3 p. 28).

Para analisar os procedimentos didáticos de inserção dos gêneros

textuais nos livros didáticos, optamos por uma metodologia qualitativa em que

4 Gêneros textuais que aparecem uma ou duas vezes nos livros didáticos.

18

o tratamento didático realizado com alguns gêneros textuais foi mais

profundamente investigado. Assim, utilizamos como primeira estratégia

identificar os gêneros textuais mais freqüentes nos livros: poema (37), conto

(30), verbete (23), capa de livro (21), reportagem (20) e tirinha (20). Dentre

esses, selecionamos quatro gêneros que pudessem refletir maior variedade

quanto às finalidades sociais e tipologias. Dessa forma, decidimos explorar

mais cuidadosamente o trabalho realizado com os gêneros poema (37), conto

(30), reportagem (20) e tirinha (20). Os dois primeiros, que foram os mais

freqüentes, contemplariam os textos da ordem do narrar (contos e alguns

poemas) e dariam conta de reflexões sobre recursos estéticos da esfera

literária e do mundo infantil. A reportagem, que oscila entre os textos da ordem

do argumentar e do relatar, contemplaria os recursos lingüísticos mais usados

nos textos temáticos de esferas sociais jornalísticas. A tirinha, também da

ordem do narrar, porém com base icônica, contemplaria as capacidades de

articulação entre textos verbais e não verbais e recursos expressivos que

aproximam fortemente as práticas orais e escritas de linguagem.

5.1. POEMA

Ao realizarmos a análise do gênero poema nos LDs, constatamos que a

autora se preocupa em apresentá-lo e distribuí-lo de forma equilibrada e

progressiva nos quatro volumes da coleção: V. 1 (07), V.2 (08), V. 3 (08) e V. 4

(14). A cada volume, o trabalho didático com esse gênero torna-se mais

aprofundado e seqüenciado. Nos volumes 1 e 2, constatamos uma

preocupação em evidenciar os contextualizadores do poema, sua estrutura e

sua funcionalidade. Nos volumes 3 e 4, percebemos um maior aprofundamento

dos recursos lingüísticos usados no gênero, sempre articuladas às propostas

de leitura, interpretação oral e escrita e produção textual. Como já discutimos

anteriormente, segundo Dolz e Schneuwly (2004), “a retomada dos mesmos

gêneros, em etapas posteriores, é importante para se observar o efeito do

ensino a longo prazo e para assegurar uma construção contìnua” (p.125)

A indicação do nome do gênero (poema) é feita várias vezes no livro do

aluno, facilitando o reconhecimento do gênero em outras situações, mesmo

não escolares:

19

Livro 2 pág. 127

Percebemos ao longo dos volumes uma grande preocupação com a

indicação dos contextualizadores, ressaltando a dimensão sociointerativa do

texto:

Poema: “A escola” de José de Nicola (p. 8)

Livro 1 pág. 10

A autora parece reconhecer que a indicação do nome do gênero e a

exploração dos contextualizadores são aspectos relevantes no ensino do

gênero textual. Assim como ela, consideramos que isso favorece o

reconhecimento de outros textos pertencentes ao mesmo gênero e,

conseqüentemente, a apropriação das características próprias do gênero em

estudo.

Além desses aspectos, a autora também reconhece a necessidade de

refletir sobre a forma composicional do gênero. A partir dessa dimensão

textual, podemos perceber suas características: tipo de linguagem, posição do

enunciador, seqüências discursivas. (Dolz e Schneuwly, 2004:75).

Em suma, percebemos que, nos quatro volumes, as atividades são

voltadas tanto para a interpretação do poema como também para a exploração

dos seus aspectos composicionais e sócio-discursivos. Como exemplo,

podemos citar o estudo do poema “O negrinho do pastoreio” (pág. 158 a 162,

do livro 3).

20

Primeiramente, a autora, na unidade “Você acredita? Mistérios e

Crendices”, apresenta uma preparação para a leitura com um pequeno texto

didático informando que o poema está no livro Cantos de Encantamento, do

autor Elias José. Nessa apresentação, explora o próprio sumário do livro com

perguntas direcionadas sobre os significados de Encantamentos da Terra e da

Água, sobre a estrutura do sumário e de antecipações à leitura do poema O

negrinho do pastoreio. Ainda na apresentação, ela pede ao professor que

recorde a biografia do autor que foi trabalhada na unidade 2. Assim, ela

contextualiza a obra, ajudando os alunos a relacionar o texto às condições de

produção e ao seu suporte, ou seja, enfoca aspectos sociodiscursivos.

Logo após, sugere ao professor que realize a leitura oral do poema para

que os alunos percebam o ritmo, a sonoridade, a musicalidade e

expressividade. Ressalta, assim, os recursos lingüísticos e expressivos do

gênero, ou seja, alguns de seus aspectos composicionais.

Em seguida, propõe uma interpretação oral com perguntas direcionadas

às confirmações de hipóteses levantadas pelos alunos. Nessa atividade, a

autora sugere ao professor que trabalhe com seus alunos o fato de o texto

literário sempre criar e modificar, nunca reproduzir e nem repetir. No caso do

poema em estudo, o negrinho do pastoreio cuida das crianças que vivem sem

proteção, ao contrário da lenda original. Em seguida, ela propõe que os alunos

leiam silenciosamente o poema, relacionando a ilustração com o que diz cada

estrofe. Nessa atividade, existe uma definição de verso e estrofe. Por fim,

sugere a realização de uma interpretação escrita do poema. Mais uma vez,

enfoca aspectos composicionais, de modo articulado às reflexões sobre a

temática, estabelecendo relações de intertextualidade com outros textos.

A partir do exemplo acima citado, podemos perceber que a autora

apresenta aspectos relevantes na abordagem do gênero poema: temática,

forma composicional, recursos estilísticos, contextualização da obra. Outras

seqüências de atividades mostram que tais preocupações reaparecem ao

longo dos quatro anos de uso da coleção.

5.2. CONTO

No que concerne ao gênero textual conto, constatamos também que

existe uma preocupação da autora em apresentá-lo nos quatro volumes da

21

coleção: V.1 (05), V. 2 (10), V. 3(09) e V. 4 (06), com maior freqüência nos

volumes 2 e 3. Em cada volume, a autora propõe um trabalho mais

aprofundado e seqüenciado, explorando as diversas características do gênero.

Em relação às características estruturais dos contos, a autora ressalta

no MP que o gênero de cada texto é indicado no livro do aluno. Em relação

aos contos, é usada, em várias unidades, a nomenclatura “narrativa”,

principalmente no topo da página. Vejamos o exemplo abaixo:

Livro 1 pág. 65

No que concerne ao trabalho com contos, constatamos a opção da

autora de não formular conceitos prontos e acabados sobre o gênero, mas sim

de propor uma reflexão sobre suas principais características e funcionalidade.

Como exemplo, podemos citar um estudo sobre o conto “Olívia Pirulito” (Livro

3, pág. 42 a 50).

Primeiramente, percebemos que, na indicação do gênero, é apresentada

a nomenclatura “narrativa”. Tal opção pode dificultar o reconhecimento do

gênero enquanto portador de uma identidade, mesmo que relativa, pois em

outros espaços não escolares, são usadas outras nomenclaturas, como conto

ou história.

Antes da leitura do conto, a autora faz todo um resgate do que é um

apelido. Em seguida, apresenta a capa do livro com um texto didático e uma

história em quadrinhos do Popeye, para fornecer aos alunos os elementos

necessários à compreensão das referências do conto a ser lido, uma vez que a

personagem do conto é comparada a Olívia Palito, namorada do Popeye.

Assim, há um esforço em estabelecer relações de intertextualidade para

contextualizar o texto a ser lido.

Depois de toda essa introdução, a autora indica a leitura do conto,

ressaltando que é apenas um fragmento de um livro que conta a história de

Olívia, seus apelidos, seus medos, etc. Após a interpretação escrita do conto, a

22

autora propõe uma produção textual contextualizada, na qual os alunos são

convidados a contar um caso de apelido. Na atividade de produção, ela orienta

o que seria interessante escrever nesse caso. Na sugestão para o professor,

indica o objetivo da produção: organizar um manual de apelidos. Ainda sugere

um procedimento de revisão textual: a revisão entre os colegas de classe.

Livro 3 pág. 49

Com o exemplo acima citado, podemos perceber que, apesar do gênero

a ser lido não ser indicado, existe uma preocupação da autora com uma

seqüência didática, uma vez que propicia atividades de antecipação à leitura e

a leitura do conto. Nesse sentido, os alunos são estimulados a desenvolver as

capacidades linguístico-discursivas, ao construírem um significado global de

um texto, utilizando as unidades sócio-discursivas próprias de cada gênero. No

entanto, na atividade citada não houve uma articulação direta entre a leitura e

produção, uma vez que o aluno é convidado a escrever um caso.

As seqüências de atividades dos LDs relacionadas ao gênero textual

conto mostram que as atividades de leitura geralmente estão articuladas com

atividades de produção de casos ou de gêneros diferentes. Como exemplo,

podemos citar o estudo do conto “Uma história de Dom Quixote” (Livro 4 pág.

163 a173).

Primeiramente, autora propõe a leitura de um texto didático para que o

aluno adquira conhecimentos prévios necessários à compreensão do texto. No

início do texto didático é discutido quem eram os cavaleiros e por que eram

considerados heróis em determinadas épocas. Após, é apresentado ao aluno

23

quem era escritor Cervantes e seu personagem Dom Quixote. Posteriormente,

a autora indica que o aluno realize a leitura do conto “Uma história de Dom

Quixote”, de Moacyr Scliar para descobrir um outro jeito de ver suas

desventuras. Em seguida, na atividade de interpretação escrita a aluno é

convidado a refletir sobre os dois jeitos de ver a aventura de dom Quixote com

os moinhos de vento. Na atividade de produção textual o aluno é convidado a

escrever uma notícia, utilizando as duas interpretações de um mesmo fato:

Dom Quixote enfiando sua pá de um moinho de vento:

(Livro 4, pág. 172)

Com o exemplo acima citado, também percebemos um esforço em

estabelecer relações de intertextualidade para contextualizar o texto a ser lido

explorando a temática, recursos estilísticos, e contextualização da obra.

Todavia, como gênero a ser produzido é uma notícia, as atividades de leitura e

produção não possuem uma articulação.

Dado o exposto, constatamos que apesar das atividades de produção

não contemplarem o gênero em estudo, existe uma preocupação da autora em

explorar a temática desenvolvida pelo gênero discursivo em questão, sua forma

de organização (distribuição das informações) e seu contextualizador da

situação de circulação.

5.3. REPORTAGEM

Assim como ocorre com o poema e o conto, o gênero reportagem

também é apresentado nos quatro volumes da coleção: V. 1 (01), V. 2 (04), V.

3 (08) e V. 4 (07). No entanto, parece haver uma idéia de que ele seria mais

adequado para o segundo ciclo (3a e 4a séries). As dimensões e complexidades

das características da reportagem são modificadas no decorrer dos volumes e

os objetivos das atividades são aprofundados a cada volume.

24

Na análise, constatamos que as reportagens encontradas nos LDs, em

sua grande maioria, possuem indicação do gênero e seu suporte original.

Percebemos que o livro do aluno está em consonância com o MP, uma vez que

se preocupa em preservar as características de apresentação gráfica do

gênero original sempre que possível (Cf. Soares, 1999b:10). Os textos

reproduzidos de modo semelhante aos originais permitem que os alunos

tenham a oportunidade de construir uma série de significados ao reconhecerem

as características originais de um determinado gênero. Segundo Marcuschi

(2002), “o trabalho com os gêneros textuais é uma extraordinária oportunidade

de se lidar com a língua em seus mais diversos usos autênticos no dia-a-dia.”

(p.35)

No que concerne aos objetos de reflexão sobre os aspectos sócio-

discursivos do gênero reportagem, percebemos nos LDs uma preocupação

com o reconhecimento do plano textual geral dos gêneros, os tipos de discurso

e de seqüências mobilizadas. Nesse sentido, a proposta de trabalho com o

gênero reportagem está direcionada aos elementos sócio-discursivos básicos

desse gênero: para quê, para quem, em que esfera e qual o suporte.

A indicação do contexto social de circulação tem presença significativa

nos LDs, uma vez que os alunos são convidados a refletir sobre as

características sócio-discursivas dos gêneros textuais. Como exemplo,

podemos citar o estudo da reportagem “Marcas registradas que não

escolhemos” (pág. 8 a 16 do livro 3).

Primeiramente, a autora propõe a leitura do trecho da reportagem

supracitada. Nesse estudo, ela indica o suporte original do texto a ser

trabalhado, além de apresentar uma cópia reduzida do jornal. Como já

dissemos, tal procedimento leva os alunos a se aproximarem das práticas de

linguagem em que tais textos circulam.

Em seguida, sugere a identificação dos contextualizadores da

reportagem (onde ela foi publicada, em que data...). Também indica que o

professor trabalhe o conceito de reportagem e mostre aos alunos um jornal,

identificando nele o que é uma reportagem. Assim, o conceito do gênero vai

sendo construído gradativamente pelos alunos, com apoio da professora.

Ao indicar ao aluno a leitura completa da reportagem, a autora sugere ao

professor que faça uma comparação da forma como a reportagem se

25

apresenta no livro e sua reprodução original reduzida. Por fim, a autora propõe

uma interpretação escrita da mesma.

Com o exemplo acima, podemos perceber fatores pertinentes às

condições de produção e circulação da reportagem. Nesse sentido, gênero é

estudado como produto da interação do locutor e do ouvinte, ou seja, está

subjacente à atividade os princípios de que todo discurso serve de expressão

de um em relação ao outro. (Cf. Bakhtin, 2000:320)

Outro exemplo que podemos citar sobre a discussão da funcionalidade

do gênero é o estudo sobre uma reportagem que aparece no volume 4 (pág. 22

a 26):

Livro 4 pág. 23

Nessa seqüência, o gênero textual e o suporte são indicados. Em

seguida, na interpretação oral, é proposta uma reflexão sobre condições de

produção e circulação da reportagem, interlocutores visados, a linguagem

utilizada, enfim, as características que permitem ao aluno inferir a

funcionalidade do gênero. Nas atividades de leitura, interpretação oral e escrita,

o aprendiz é convidado a reconhecer os traços lingüísticos, sejam eles

interacionais (lugar, interlocutores, temática, modo de circulação) ou

lingüísticos (temática, estrutura composicional e recursos expressivos).

26

Dessa forma, percebemos que a opção da autora é de não formular

conceitos prontos e acabados sobre o gênero textual, assim como foi

observado no estudo dos contos, mas sim de propor uma reflexão sobre suas

principais características e funcionalidade.

5.4. TIRINHA

As tirinhas encontradas nos LDs estão distribuídas da seguinte forma: V.

1 (08), V. 2 (06), V. 3 (02) e V.4 (04). No primeiro volume, o trabalho com as

tirinhas geralmente está associado às atividades de vocabulário ou de reflexão

sobre a língua. Nos demais, são apresentadas, em sua grande maioria,

associadas às atividades de interpretação escrita.

Na indicação do nome do gênero que aparece no topo de algumas

páginas consta a denominação “história em quadrinhos”. No entanto, no livro 1

(p.18), a autora chama a atenção que tira é uma história em quadrinho com

apenas três ou quatro quadrinhos e, nos enunciados das atividades, ressalta

que se trata de um tirinha. Vejamos o exemplo abaixo:

Livro 1 pág. 18

Como nos outros gêneros textuais, as reflexões sobre os suportes

textuais e a contextualização das condições de produção do texto são

freqüentes. Como exemplo, podemos citar o estudo sobre uma tirinha do

Menino Maluquinho (Livro 1, pág. 18 a 20). Primeiramente, a autora faz uma

apresentação sobre o Menino Maluquinho ao lado de uma capa de livro. Nessa

apresentação, ela destaca o nome do autor, Ziraldo, e as principais

características do Menino Maluquinho. Na sugestão para o professor, indica

que seja ressaltado onde são encontradas as tirinhas (jornais, revistas ou em

livros). Em seguida, propõe para o aluno uma leitura silenciosa de uma tirinha

27

do Menino Maluquinho. Também sugere ao professor que uma menina

represente a professora da tirinha e um menino represente o personagem

Lúcio. O objetivo dessa representação é levar o aluno a perceber a estrutura

dialogada da tirinha. A autora ainda ressalta que o terceiro balão não é para ser

lido, pois se trata de um balão de pensamento. Nessa parte da seqüência, são

enfocados aspectos composicionais e alguns recursos expressivos típicos do

gênero em estudo.

Em seguida, propõe uma interpretação oral com perguntas que exploram

os contextualizadores da tirinha e a representação dos desenhos e textos.

Logo após, na atividade de interpretação escrita, propõe ao aluno, através de

perguntas, a identificação do significado de diferentes formas de balões.

Também sugere ao professor que traga revistas de HQ para mostrar a

variedade de tipos de balões.

Com o exemplo acima citado, podemos perceber que as atividades são

direcionadas para identificação e apropriação das características sócio-

discursivas e estruturais do gênero textual tirinha. Há constantemente a

exploração dos recursos lexicais, frasais e das estruturas gráficas da tirinha

necessárias a formação de um leitor capaz de construir sentidos do texto. As

tirinhas analisadas nos LDs estão articuladas à complexidade dos conteúdos,

aos objetivos propostos em cada volume e às dimensões trabalhadas. Com

isso, percebemos uma preocupação da autora em apresentar propostas de

atividades bem estruturadas, permitindo que o aluno perceba características do

gênero, bem como sua funcionalidade.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da análise dos dados e da fundamentação teórica desta

pesquisa, podemos tecer algumas considerações acerca da abordagem dos

gêneros textuais na coleção “Portuguës: uma proposta para o letramento”.

Nos exemplos citados no decorrer da análise, constatamos que as

atividades são direcionadas para favorecer uma mestria dos gêneros e das

situações de comunicação. A escolha dos mesmos gêneros e seu

aprofundamento nos quatro volumes revela uma preocupação da autora com a

progressão acerca do conhecimento e funcionamento dos gêneros textuais.

28

Nessa perspectiva, a abordagem didática proposta na coleção permite

que o aluno se aproprie das principais características dos gêneros, uma vez

que define o estilo e orienta o processo de seleção de recursos lexicais e

morfossintáticos no interior cada texto. As seqüências de atividades didáticas

para planificar o ensino de gêneros são bem elaboradas, seqüenciadas e

possuem objetivos precisos para que os aprendizes construam

progressivamente conhecimentos sobre os gêneros. Há, portanto, atendimento

ao princìpio de que “é através dos gêneros que as práticas de linguagem

materializam-se nas atividades dos aprendizes”. (DOLZ e SCHNEUWLY,

2004:74)

A autora opta por estratégias de reflexão sobre as principais

características e funcionalidades dos gêneros textuais. Quando nas atividades

dos LDs são discutidas as condições de produção e circulação dos gêneros,

propicia-se aos alunos a oportunidade refletir sobre os aspectos sócio-

discursivo do gênero.

Algumas mudanças, no entanto, poderiam ser propostas para facilitar o

trabalho com gêneros textuais ao serem utilizados os livros analisados:

a) indicar no topo de algumas páginas as nomenclaturas mais

freqüentemente usadas na sociedade para os diferentes gêneros

textuais (por exemplo, a palavra conto em lugar de narrativa);

b) trazer informações no MP sobre os principais gêneros com que a

coleção irá trabalhar, ressaltando aspectos composicionais e

sociodiscursivos, assim como os objetivos didáticos;

c) indicar o gênero textual e/ou finalidade e não a tipologia nas atividades

de produção textual;

d) propor atividades de produção de textos de mesmo gênero que está

sendo analisado no eixo da leitura.

Por fim, ressaltamos que a didatização dos gêneros textuais merece

uma reflexão especial, por se tratar de uma questão importante e substancial

na construção do conhecimento linguístico-textual do aluno, sendo necessário

desenvolver estudos que aprofundem as reflexões aqui iniciadas.

29

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Rio de Janeiro: TecnoPrint,

1959. 357p.

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes. 2002.

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Nacionais: Língua Portuguesa. Brasília: MEC. 1997. 144p.

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31

ANEXOS

ANEXO 1

FREQUÊNCIA DOS GÊNEROS TEXTUAIS NOS LIVROS I, II, III, IV

Gênero LD 1 LD 2 LD 3 LD 4 Total

poema 07 08 08 14 37

conto 05 11 09 06 31

verbete 03 10 04 07 24

capa de livro 05 08 06 02 21

reportagem 01 04 08 07 20

tirinha 08 06 02 04 20

texto didático 05 01 01 10 17

apresentação 02 04 05 02 13

anúncio 02 02 01 03 08

legenda 01 02 - 03 06

HQ - 03 02 - 05

carta - - - 05 05

crônica - 02 01 01 04

anúncio

classificado

- 03 - 01 04

artigo(frag.) - - 03 - 03

instrução - 03 - - 03

nota informativa 02 01 - - 03

orientações de

comportamento

02 01 - - 03

trava-lingua - 03 - - 03

artigo de opinião - - - 02 02

capa de revista - 02 - - 02

ficha catalográfica 01 01 - - 02

logomarca - - 02 - 02

receita 02 - - - 02

regulamento - 02 - - 02

notícia 01 - - 01 02

outros 10 03 06 04 23

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