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    PAULO MENDES DA ROCHA

    EM PORTO ALEGRE

    Foto: Ricardo Calovi

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    O texto que segue a transcrio da palestra proferida por Paulo Mendes da

    Rocha, em evento promovido pelo Programa de Ps-graduao em Arquitetura da

    UFRGS no dia 27 de setembro de 2006, com o apoio do IAB-RS e da Prefeitura

    Municipal de Porto Alegre.

    Meus cumprimentos a todos, muito especialmente aos jovens,

    porque so a nossa esperana. Cumprimentos um tanto maldosos, porque

    como quem diz: estamos colocando uma carga enorme nos ombros dosjovens, que esto chegando, e vo continuar. Mas a prebenda

    fundamental da condio humana continuar com os outros e atravs dos

    outros. Dizem pessoas que eu estimo, os filsofos, que ns sabemos que

    vamos morrer, cada um de ns, no entanto, estamos sempre muito

    animados, porque sabemos que no nascemos para morrer, mas nascemos

    para continuar.

    De fato, eu queria dizer a vocs no qualquer coisa que tenha sido

    propriamente preparada, mas falar do que me aflige, ou me preocupa

    ultimamente. justamente essa questo de considerar, por exemplo, nesse

    momento, que tudo o que ns podemos chamar de conhecimento, atotalidade do conhecimento e a totalidade da histria, enquanto experincia,

    s existe entre ns, os vivos, ao mesmo tempo. Portanto, seja essa ou

    qualquer outra questo o motivo desses nossos encontros, do ponto de

    vista da rea do conhecimento, fosse qualquer cincia ou qualquer devaneio

    especulativo humano que estivesse aqui nos unindo, a questo fundamental

    essa, de que em que condio, em que estado, em que momento, com

    que conscincia estamos dizendo isso; esses, nicos, agora, os viventes

    ao mesmo tempo. muito impressionante esse raciocnio, e diante disso

    que a questo da arquitetura aparece, mais uma vez, com muita fora,

    porque nesse momento, de uma maneira mundial, e mesmo com umsentido de cultura popular que tem uma fora imensa, estabelecem-se

    mais que nunca conceitos e clarezas, uma certa viso, um tanto ntida,

    sob a condio da natureza que nos inclui. Somos, inclusive, uma

    passagem na natureza.

    Ento, essas falas sobre ecologia no deixam de revelar outra coisa,

    independente de se so ainda superficiais: a formao de uma conscincia

    sobre a questo da natureza. E na arquitetura, que constri coisas

    indispensveis para a nossa existncia constri, principalmente, as cidades

    , fica claro que para ns a grande questo considerar a natureza e a

    transformao da natureza como o produto fundamental das nossas aes. muito estimulante este raciocnio, e eu estou dizendo que pretendo

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    convocar, ainda que de forma assim um tanto ingnua, esse horizonte de

    questes para a arquitetura. Ela, agora mais do que nunca, diante desse

    quadro, v com clareza que sua demanda fundamental a transformao

    da natureza a ponto de torn-la habitvel.

    Por si a natureza no nada gentil. A natureza qualquer coisahorrvel, se quiserem, no sentido lrico, literrio da palavra; um horror, um

    espanto, e temos que v-la no como paisagem, mas na sua dimenso

    fenomenolgica de fora da gravidade, mecnica celeste, de estabilidade

    das construes dentro dessa extraordinria e monumental situao da

    nossa presena no universo. uma questo fantstica.

    Eu j falei isso uma vez, mas no tenho escrpulo de repetir uma

    imagem extraordinria sobre tudo isso. Pouco tempo atrs, o primeiro

    astronauta americano, Glenn, que est agora com 70 anos, foi levado de

    modo comemorativo mais uma vez ao espao. H uns dois anos atrs,

    girou em torno do planeta, em uma rbita. Ele, ou um companheiro dapoca, vendo assim pela primeira vez um planeta inteiro solto e

    desamparado no universo, teria dito: a Terra azul. Bem, para comemorar

    esse momento de Glenn, como a rbita passaria no znite da cidade de

    Canberra, e prevendo o que deu certo que o tempo estaria

    absolutamente limpo de cobertura de nuvens e tudo mais, l fizeram a

    seguinte homenagem: acender Canberra inteira. interessante porque

    toma um ar at infantil, ou de brincadeira: como assim, acender inteira?

    Sim, acender. Abrir todas as janelas, todas as casas, todos os faris de

    automveis, tudo que se podia acender foi aceso. No era necessrio,

    pois as cidades so vistas assim iluminadas dos satlites, mas aquilobrilhou, e ele disse: a Terra agora possui luz prpria.

    Portanto, vejam, no verdade? A luz produzida, essa capacidade

    de transformao que nos espanta, porque faz com que no seja mais

    para a arquitetura uma questo de poder ou no construir isso ou aquilo;

    ao contrrio, pode-se tudo. A questo o que fazer, e surge

    fundamentalmente pela viso crtica que podemos convocar sobre os

    nossos lugares. A minha So Paulo, e pior que a minha So Paulo, a mais

    minha ainda Vitria, onde eu nasci, no Esprito Santo: a baa poluda, o

    territrio desmantelado, e coisas assim. Portanto, a organizao do territrio

    fundamentalmente o horizonte do trabalho dos arquitetos.De um modo geral, se quisermos ver o lado menos alegre de tudo

    isso, podemos dizer que a arquitetura tem degenerado por vrias razes:

    mercado, ou excessiva exacerbao de mercado, e coisas assim. mais

    ou menos de consenso que h pelo menos uma ameaa de

    degenerescncia. Diante desse quadro da natureza, e com essa viso da

    arquitetura assim disponvel, passiva e conformista diante das exigncias

    de um mercado degenerado e mais ou menos insano, produto para ser

    vendido, fica tambm a idia de que a arquitetura perde o seu prestgio

    no seio da universidade e das outras formas de conhecimento.

    Entretanto, convocando essa questo da natureza como

    fundamental para a arquitetura, e da geomorfologia, da configurao

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    dos espaos habitveis, da cidade na sua complexidade como objeto

    fundamental, retoma a arquitetura aquilo que sempre se soube uma posio

    dentro da universidade, que enquanto multidisciplinar no se aprofunda,

    nem poderia, para saber muito de todas as disciplinas. Ao contrrio, a

    arquitetura se revela como uma forma peculiar de conhecimento,fundadora, inclusive, da condio humana (no neoltico, como sabemos,

    j estavam l as pedras arrumadas e tal), e passa a se ver a arquitetura

    no como um parasito dentro da universidade, que desfruta das outras

    disciplinas, mas ao contrrio, que como est ligada a esse desiderato, a

    essa realizao suprema da condio humana, a sua condio de

    habitabilidade no planeta, passa a ser uma forma peculiar de conhecimento

    e estmulo indispensvel s outras disciplinas todas (como quem diz,

    exagerando, sem dvida, porque, se o ambiente nosso, temos o direito

    de exagerar um pouco).

    indispensvel porque, seja qual for a especulao doconhecimento, no h outro objeto final, para ele, do que constituir a

    tranqilidade e a mais clara e monumental realizao da habitabilidade

    do planeta, que envolve as suas circunstncias todas enquanto cidade:

    escolas, hospitais, transporte pblico, etc. Para no falar s de necessidades,

    s a, na cidade enquanto cenrio, lugar, que podemos exibir maravilhas

    do conhecimento. Podemos exibir uma situao absolutamente humana,

    onde o xito da tcnica adquire um imenso valor esttico. isso que nos

    interessa fundamentalmente, fazer brilhar a nossa engenhosidade. Viver,

    assim, j de uma forma densa, como desejvel no que chamado

    cidade, por exemplo, torna indispensvel para a existncia de edifciosverticais essa singela mquina que o elevador, de trens e transporte

    pblico, e coisas extraordinrias que fazem com que ns possamos nos

    ver com uma certa dignidade absoluta no sentido de que s vivemos para

    tornarmo-nos cada vez mais possivelmente viventes; portanto gua,

    geomorfologia, so as formas que fundamentalmente caracterizam o objeto

    de arquitetura.

    Eu tenho me preocupado com isso; so preocupaes que podem

    deixar um homem louco, como diz outro: muita preocupao no

    boa. Mas muito interessante, por outro lado, principalmente porque

    obriga, ou instiga, a pensar que somos o habitante do planeta, que outra dimenso interessante do momento, que no se trata de uma

    mundializao do ponto de vista da empresa e do mercado, mas trata-se,

    tambm, da conscincia de que somos o homem habitante do planeta.

    Cultura, mesmo conceitos assim, tornam-se um pouco tolos, a no ser

    como respeito por uma peculiar maneira de desenvolver os mesmos

    conhecimentos ou pensamentos em lugares que s vezes so extremamente

    exigentes. Mas, cada vez sabemos mais que somos o mesmo homem.

    Com essas preocupaes, e para ilustrar este encontro, vou mostrar

    umas imagens de alguns trabalhos em que o interesse, como arquitetura,

    como discurso, seria em que medida essa fala toda tem alguma coisa aver, entretanto, porque essa contradio existe. Imediatamente, o que

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    podemos fazer, cada um de ns, j no tem sempre, nem sempre ter,

    essa dimenso toda das coisas que estamos considerando. Eu vou comentar

    os projetos e depois ilustr-los com as imagens.

    O primeiro deles um projeto sobre a Baa de Vitria, que eu fiz

    para a minha prpria cidade, convidado pelo governo, durante dois anos,acompanhando a Secretaria de Planejamento. muito interessante, porque

    justamente nessas circunstncias, faz ver o seguinte: este porto de Vitria

    est dentro de um canal. Vitria uma ilha, e voc vai entrando ento

    nessa parte da costa, no canal, com Vila Velha de um lado e Vitria de

    outro. O primeiro trecho da entrada, mais ou menos cinco quilmetros,

    ainda at outro dia estava desorganizado como territrio, l dentro da

    cidade que comeavam a aparecer as muralhas de cais e coisas assim.

    Fez-se uma muralha retilnea at a boca da baa, aterrou-se, formando

    um terrapleno, so os famosos terrenos ganhados do mar, e a prebenda

    ficou de urbanizar aquilo l. Um vasto territrio alinhado na frente domar, na frente de montanhas extraordinrias, uma paisagem que, como

    toda paisagem brasileira, sempre belssima, para ser reurbanizado. E

    tem uma coisa interessante a considerar: se ns no podemos, em vez de

    dizer eu quero fazer isso, raciocinar como evitar um desastre, ou pr um

    plano crtico agudo naquilo que j foi feito e est parecendo que no

    ficou bem (no faltam exemplos de malignidade no traado da cidade,

    etc.).

    Como argumento fundamental dessa urbanizao, o governo,

    atravs da secretaria, j tinha estabelecido alguns palacetes que deviam

    estar ali (palacetes porque assim que acaba resultando a resoluoarquitetnica desses edifcios). Capitania dos Portos, Instituto do Caf,

    todos com dois mil, trs mil metros quadrados de construo. Eu imaginei

    ento, para essa ocasio, algo dentro dessa viso de geografia, fenmeno,

    paisagem e imagem daquilo tudo: os navios entram apertados entre os

    dois lados (o continente e a ilha) como um espetculo belssimo, uma

    parte movente da prpria cidade, suas luzes, operaes, riqueza exibida;

    voc confia vivendo nessa cidade, como eu vivi quando era muito pequeno,

    ouvindo at de madrugada, pois no h hora pra esse tipo de trabalho,

    navios partem s trs da madrugada ou entram s duas da madrugada.

    Isso altamente emocionante para todos ns, anima a vida, essa sensaode que estamos em trabalho.

    Eu imaginei o seguinte: sabemos que terrenos assim criados na

    frente do mar afundaro; eu imaginei fazer edifcios dentro da gua, dois

    ou trs de acordo com o programa, construdos nessa tcnica de tubulo

    e dois contrafortes de concreto armado espessos para garantir a estabilidade

    transversal, e onde pudessem estar alojados elevadores, encanamentos,

    etc., e as lajes entre esses dois contrafortes, montadas com estrutura

    metlica, tudo 30X30. A graa de incio, e o porqu disso tudo, eu vou

    resumir o melhor que puder: primeiro, a montagem dos andares que seriam

    de estrutura metlica, seria feita com cbreas, rebocadores, tcnica navalque do lugar, a partir dos estaleiros, com tubules pneumticos. Surge

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    Croqui de Paulo Mendespara a Baa de Vitria

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    esse prdio que confronta os navios um pouco mais adiante do que a

    costa do litoral. Com uma graa suprema, porque com mil metros por

    andar, Capitania dos Portos com trs andares e trs mil metros, depois

    escritrios e coisas assim. E desses dois contrafortes de um lado e do

    outro, com trinta metros cada um, pode-se instalar quantas baterias deelevadores privativos de tal funo ou outra, um pblico direto para

    cobertura, para o restaurante, uma coisa maravilhosa.

    Entre esse edifcio e o cais, uma distncia que o pequeno canal,

    como um canaletto, se diria em Veneza, onde atracam os barcos de

    passageiros. Aquilo uma animao extraordinria e uma nova

    configurao paisagstica considerando a beleza do lugar. Parecia um

    projeto um tanto interessante, com uma viso at de uma lrica que desce

    aos limites da viso potica mesmo da nossa vida; voc podia dizer que a

    Capitania dos Portos vai ficar na cota do castelo de popa dos navios para

    saudar os comandantes, e se diverte com isso de uma maneira de quemdomina a viso de disposio espacial alm da questo das plantinhas

    ou de uma esttica da forma um tanto inconseqente. Aparece uma sinfonia,

    se voc tem um tema que vale a pena, ele desencadeia essa sinfonia toda.

    Isso muito interessante, a genealogia do prprio desenho: tubulaes,

    alimentaes, energia no podem vir pela gua, ento esses edifcios

    exigiriam um pavilhozinho em terra de recepo, onde se sobe,

    provavelmente cafs, jornaleiros em baixo, passa numa ponte j numa

    certa cota, por cima desses vaporetos do canal. Vocs vejam que teatro,

    que cenrio da vida urbana comea a aparecer. Para o primeiro andar

    estar numa certa cota alta, um tanto suspenso, e por a que passa daquipara l e de l para c todo servio de apoio tcnico e tecnolgico que o

    edifcio exige. Coisas assim, outras decorrentes de como fazer isso, que s

    redundam cada vez mais em elegncia, beleza e engenhosidade. Uma

    cidade que parte flutuante, eis agora esse edifcio intrigante, como quem

    diz: Voc quem ? Navio ou o qu? muito bonito, no meu entender.

    O outro projeto que vou mostrar quanto a esse tipo de questo, eu

    tenho conscincia de que todos j conhecem. Est publicado, nada

    novidade, s mais uma palavrinha nesse momento sobre o projeto.

    um projeto feito para a baia de Montevidu, e aqui sim, estupenda a

    questo da viso do arquiteto que transforma, no bom sentido, notransforma s por transformar, de maneira sedutora, viso do que era

    desejvel e no se sabia, como algo acrisolado, que se trata basicamente

    do seguinte:

    Na ocasio do seminrio internacional, que se repete todos os

    anos em Montevidu, estavam l professores e estudantes separados em

    atelis, holandeses e japoneses. No caso desse ano em que me convidaram,

    o tema era a Baa de Montevidu, vale dizer a cidade de Montevidu, que

    construda em torno dessa baa, que pode se imaginar como se fosse

    circular, grosso modo. muito interessante para todo esse tipo de raciocnio

    saber que o arquiteto capaz de avaliar o tamanho mesmo da coisa, poisesse discurso no serve para qualquer baa, no serve para a baa de

    2Baa de MonteviduFonte: Helio Pin, PauloMendesdaRocha , So Paulo, Romano Guerra Editora, 2002

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    Tquio, se bem que pode se inspirar quanto viso sobre a natureza no

    famoso projeto do Kenzo Tange para a baa de Tquio, mas no do ponto

    de vista formal, e sim do ponto de vista da posio do arquiteto em relao

    geografia e construo.

    A questo a seguinte: essa baa extremamente rasa, dois metros,um metro e oitenta, uma espcie de lama intil, aparentemente. Um lado

    de quem vira as costas para a frica e olha para a entrada dessa baa, o

    lado direito, est dragado, e o resto da rea toda da baa est assim

    inundado, como se fora uma grande Veneza incompreendida, vamos supor,

    e a cidade j tem como plano fundamental a famosa avenida perimetral,

    que tem sido sempre um desastre, diferente de uma frente de Copacabana.

    Uma baa tranqila, prisioneira, praticamente manguezal, lama, intil.

    Surge, na viso do arquiteto, o seguinte: e as virtudes da flutuao,

    e as virtudes da mecnica dos fluidos, e se eu retificar as trs faces (a

    outra est aberta para a frica), e se fizer frentes assim para as guas,com hotis, novas reas de comrcio? E se todas elas forem atracadores,

    e se usar essa gua intil como uma esplanada de navegao intensa,

    alternativa de uma outra forma de transporte? Fica uma pequena Veneza,

    que de certa forma, retilnea, quadrada, praticamente surge, por que no?

    A escala no permite, ou no sugere, desenhos e arabescos e coisas

    assim. Vista de avio uma rota nossa para Buenos Aires, para pases do

    sul; quem v aquilo assim quadrado, diz: isso no a natureza, obra do

    homem, e se torna a Baa de Montevidu uma praa quadrada de guas

    intensamente navegveis. E transforma a cidade, ou pode transformar

    absolutamente uma coisa muito mais interessante do que a famosa avenidaatual, sem grande xito, como j se conhece: do outro lado tem a gua,

    a gua no serve para nada e no se atravessa a avenida e coisas do

    tipo. muito interessante se considerarmos Holanda ou Veneza mesmo, a

    prpria experincia do gnero humano no enfrentamento de territrios

    que do ponto de vista de engenharia so aparentemente um tanto quanto

    imprprios, como se algum pudesse, numa cena irreal, dizer ao outro:

    por favor, no faa essa bobagem, v fazer sua cidade em outro lugar.

    Veneza mesmo um exemplo assim: para proteger a navegao, para pr

    a mercadoria no corao da Europa, tiveram que enfrentar aquela vaza e

    aquele lugar aparentemente impossvel, com tcnicas.Outro projeto para o qual se poderia chamar a ateno o projeto

    que atualmente eu estou fazendo para a Universidade de Vigo, cuja

    construo vai se iniciar daqui a um ms ou dois. Vou comentar

    rapidamente, mais para dar notcia aos colegas de como isso aconteceu.

    Sendo chamado para uma consultoria sobre essa questo que eu vou

    exibir, que l era muito sria, resolvi pedir que me mandassem alguma

    notcia, antes at que marcasse uma viagem. E das notcias que vieram,

    excelentes plantas e levantamentos topogrficos precisos, eu fiz um

    modelinho por minha conta, de uma idia que eu achei que era o que

    deveria fazer, e levei gravado, sem muita convico de que haveria demostrar. Chegando l, confirmando tudo a partir do que vi, mandei imprimir.

    3Baa de MonteviduFonte: Helio Pin, PauloMendesdaRocha , So Paulo, Romano Guerra Editora, 2002

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    Vieram os reitores e foi aprovada a idia.

    Isso muito interessante, uma viso assim propedutica da

    arquitetura, em um problema complexo, voc saber destacar o que

    fundamental. Em uma universidade que j existe h algum tempo, voc

    no consegue analisar, voc tira o que fundamental da questo e diz:aqui no passa, assim passa.

    Trata-se do seguinte: o recinto da cidade universitria circunscrito

    por uma via expressa, uma rea suficiente para uma universidade para

    mais de cem anos, e num territrio extremamente escabroso do ponto de

    vista geomorfolgico, de topografia e tambm de constituio, granito em

    decomposio, precipitado de uma certa posio. Ainda que de modo

    irregular, havia uma cota a 460 metros que era mais ou menos tranqila,

    e ocuparam isso com o essencial no primeiro momento: Filosofia, Centros

    Esportivo, Centro de Convivncia, Reitoria, Biblioteca, Centro de Habitao.

    E depois, l para baixo, o desastre: uns pavilhes j feitos, impossveis.O projeto que fiz muito simples. Instalada essa cota 460, como

    de fato est l, inclusive com aspectos de magnificncia h um conjunto

    de convivncia, um projeto do Miralles , eu disse: se eu fizer agora,

    adiante, para essa parte escabrosa, uma outra 460 no espao, e ligar

    duas vezes, com a Biblioteca e com um Centro de Convivncia, e l para

    baixo com outras coisas, com uma via elevada, coberta, protegida? O

    clima inspito, o senhor reitor mesmo disse, usando essa expresso:

    aqui, preste ateno, chove de baixo para cima. Dizia ele tambm que

    os estudantes no se encontram, quem est aqui no consegue fazer uma

    excurso por essa verdadeira aventura territorial para encontrar oscompanheiros.

    Ento pusemos essa cota 460 agora de maneira artificial, cuidando

    de no tocar esse territrio que fica, nesse momento, ao invs de execrado,

    transformado em suprema paisagem e jardim, tpico do lugar, esse um

    tanto desrtico, estupendamente espanhol. H cavalos selvagens, uma

    coisa incrvel aquilo que est l, porque essa via elevada se far, j a

    estudamos, j esta projetada e vamos construir, com pilares. Comeamos

    com 100 metros, esto com 80 metros, e a partir desses pilares s se toca

    o terreno. Com aduelas sucessivas se monta com estrutura metlica, e

    tambm com tecnologia muito desenvolvida no local de modo histrico,porque essa ria um lugar onde se instalou o homem, uma situao

    geogrfica extraordinria. A ria uma penetrao de trinta ou quarenta

    quilmetros de mar, feito um canal, que no retilneo, naturalmente.

    uma situao extraordinria para instalaes humanas, e atraente. Por

    Isso l esto, h milhares de anos, esses homens, que comearam

    cultivando o mar sob todas as formas que queiram imaginar, e tm uma

    tradio naval belssima; portanto a construo foi amparada por

    engenharia de l, com tcnicas que os estaleiros conhecem muito bem.

    E a partir dessa rua elevada, fica fcil imaginar, os edifcios sero

    adjacentes: entra-se para cada um deles na mesma cota dessa rua. Porqueum sinal que fica dessa idia, imediatamente, mas que coisa montona

    4Universidade de VigoFonte: www.tomekijulitawvigo.za.pl/UniversidadeDeVigo

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    essa rua, imensa, um quilmetro a parte principal. Acontece que em

    cada prdio que surge, como deve surgir, pois foi feito para amparar o

    desenvolvimento da universidade, sem as precaues de implantao,

    movimento de terra, derrocamentos, dinamites, que se usa pra fazer uma

    coisinha toa, estacionamentos principalmente, os edifcios surgem jcomo pequenas praas. Como mais ou menos induz o programa de cada

    um deles, nesse mesmo nvel estaro as cafeterias, informao, biblioteca,

    entrada para o auditrio. Portanto essa rua vai se transformando em um

    lugar bastante agradvel, pouco a pouco.

    Esses so, tenho impresso, os projetos que interessam.

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    Croqui de Paulo Mendespara a Universidade de VigoFonte: www.arcoweb.com.br/arquitetura/arquitetura683.asp

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    Maquetesdo projeto para Universidade de VigoFonte: www.arcoweb.com.br/arquitetura/arquitetura683.asp