{9B65F448-CD16-4093-AF06-A8780A2051B0}_acoes_afirmativas_347

262
Educação e ações afirmativas: entre a injustiça simbólica e a injustiça econômica

Transcript of {9B65F448-CD16-4093-AF06-A8780A2051B0}_acoes_afirmativas_347

  • Educao e aes afirmativas:entre a injustia simblica

    e a injustia econmica

  • REPBLICA FEDERATIVA DO BRASILLuiz Incio Lula da Silva

    MINISTRIO DA EDUCAO (MEC)Cristovam Buarque

    SECRETARIA EXECUTIVA DO MECRubem Fonseca Filho

    INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISASEDUCACIONAIS ANSIO TEIXEIRA (INEP)Raimundo Luiz Silva Arajo

    DIRETORIA DE TRATAMENTO E DISSEMINAODE INFORMAES EDUCACIONAISJos Marcelino de Rezende Pinto

    COORDENAO-GERAL DE LINHA EDITORIAL E PUBLICAESRonald Acioli da Silveira

  • Educao e aes afirmativas:entre a injustia simblica

    e a injustia econmica

    Petronilha Beatriz Gonalves e SilvaValter Roberto Silvrio

    (Organizadores)

    Oliveira da SilveiraAndra Lopes da Costa Vieira

    Hdio Silva JniorKabengele Munango

    Wilson Roberto de MattosHenrique Cunha JniorJos Jorge de Carvalho

    Antnio Srgio Alfredo GuimaresNilma Lino GomesRachel de Oliveira

    Braslia-DF2003

  • 4 |

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    COORDENAO DE PRODUO EDITORIAL | Rosa dos Anjos Oliveira

    COORDENAO DE PROGRAMAO VISUAL | F. Secchin

    EDITOR EXECUTIVO | Jair Santana Moraes

    REVISO | Eveline de Assis | Marluce Moreira Salgado | Rosa dos Anjos Oliveira

    NORMALIZAO BIBLIOGRFICA | Regina Helena Azevedo de Mello

    PROJETO GRFICO/CAPA/DIAGRAMAO E ARTE-FINAL | Marcos Hartwich

    TIRAGEM | 3.500 exemplares

    EDITORIA | Inep/MEC Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira

    Esplanada dos Ministrios, Bloco L, Anexo 1, 4 Andar, Sala 418CEP 70047-900 Braslia-DF BrasilFones: (61) 410-8438, (61) 410-8042Fax: (61) [email protected]

    DISTRIBUIO | Cibec/Inep Centro de Informaes e Biblioteca em EducaoEsplanada dos Ministrios, Bloco L, TrreoCEP 70047-900 Braslia-DF BrasilFones: (61) [email protected]://www.inep.gov.br

    A exatido das informaes e os conceitos e opinies emitidosso de exclusiva responsabilidade dos autores.

    PUBLICADO EM NOVEMBRO DE 2003

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)Educao e aes afirmativas: entre a injustia simblica e a injustia econmica /

    organizao, Petronilha Beatriz Gonalves e Silva e Valter Roberto Silvrio. Braslia : Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira,2003.270 p. : il.

    1. Negros. 2. Conscincia negra. 3. Desigualdades sociais. 4. Discriminao racial.I. Silva, Petronilha Beatriz Gonalves e. II. Silvrio, Valter Roberto. III. Instituto Nacio-nal de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira.

    CDU 323.118

  • |5

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    Apresentao ......................................................................................... 7

    Introduo .............................................................................................. 13

    AS ORIGENS DO VINTE DE NOVEMBRO E A CONSTRUOSOCIAL DO RACISMO

    Vinte de Novembro: histria e contedoOliveira Silveira ................................................................................... 21

    Negros na universidade e produo do conhecimentoPetronilha Beatriz Gonalves e Silva ................................................ 43

    O papel das aes afirmativas em contextos racializados: algumasanotaes sobre o debate brasileiroValter Roberto Silvrio ........................................................................ 55

    AES AFIRMATIVAS COMO ESTRATGIA POLTICA

    Polticas de educao, educao como poltica: observaes sobre a aoafirmativa como estratgia polticaAndra Lopes da Costa Vieira ............................................................ 81

  • 6 |

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    Ao afirmativa para negros(as) nas universidades: a concretizao doprincpio constitucional da igualdadeHdio Silva Jnior ............................................................................... 99

    Polticas de ao afirmativa em benefcio da populao negra no Brasil:um ponto de vista em defesa de cotasKabengele Munanga ............................................................................. 115

    A FORMAO DE UMA ELITE INTELECTUAL DESRACIALIZADAE A QUESTO DA PESQUISA CIENTFICA NO BRASIL

    Ao afirmativa na Universidade do Estado da Bahia: razes e desafiosde uma experincia pioneiraWilson Roberto de Mattos ................................................................... 131

    A formao de pesquisadores negros: o simblico e o material naspolticas de aes afirmativasHenrique Cunha Jnior ....................................................................... 153

    Aes afirmativas para negros na ps-graduao, nas bolsas de pesqui-sa e nos concursos para professores universitrios como resposta aoracismo acadmicoJos Jorge de Carvalho ........................................................................ 161

    O SENTIDO E A URGNCIA DAS AES EM CURSO

    O acesso de negros s universidades pblicasAntonio Srgio Alfredo Guimares .................................................... 193

    Aes afirmativas: dois projetos voltados para a juventude negraNilma Lino Gomes ............................................................................... 217

    Projeto "Vida e Histria das Comunidades Remanescentes de Quilombosno Brasil": um ensaio de aes afirmativasRachel de Oliveira ............................................................................... 245

    Nota sobre os autores .......................................................................... 265

  • |7

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    Apresentao

  • 8 |

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

  • |9

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    Este livro nasce de uma necessidade de ampliar a disseminao,no mbito daqueles que fazem a gesto da coisa pblica, mas no ape-nas nesse espao, do salutar hbito de provocar a reflexo sobre o sim-bolismo que marca o dia Vinte de Novembro, Dia Nacional da Consci-ncia Negra. Poder-se-ia promover, quem sabe, um ciclo de debates,uma mesa-redonda, uma conferncia, enfim, um evento comemorati-vo. Todavia, opta-se por uma publicao, sem prejuzo das demais ini-ciativas. Uma coletnea produzida por autores militantes que, com seusescritos, possam deixar uma marca, a exemplo de um passado no muitodistante. Marcar, com palavras escritas, em cores vivas, o dia Vinte deNovembro nas instituies oficiais essa data que to cara aos movi-mentos negros quanto rara nas celebraes oficiais em nossas institui-es pblicas. Seria esse mais um trao do racismo light, ou apenasdesconhecimento do significado, da histria que traz no enredo a dataVinte de Novembro?

    Muito se tem falado da desigualdade racial no Brasil, dos pre-conceitos velados, implcitos e explcitos; do atraso escolar das crian-as negras; dos salrios dos negros e negras, sempre menores quandocomparados aos dos brancos e brancas, mesmo quando se prova que aescolaridade a mesma ou at maior; do desemprego, da marginalidade

  • 10 |

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    e da violncia que atingem nveis estatsticos mais altos nas comuni-dades negras, sobretudo quando se constata que, no Brasil, 64% dospobres e 69% dos indigentes so negros ou afrodescendentes, quandose constata a quase inexistncia de negros nas universidades brasilei-ras e na pesquisa acadmica.

    Esses indicadores apresentam-se como indagaes a este Brasilque se diz moreno, que se v no espelho da democracia racial. Essatese marota largamente propalada nos meios acadmicos e, por issomesmo, questionada por estudiosos da questo racial e recusada pornegros e negras militantes que se orgulham de sua cor, da sua identida-de, da sua origem, das suas lutas engajadas no ideal de construir umasociedade forjada na igualdade racial.

    A prpria saga do Grupo Palmares, pioneiro na idia do Vintede Novembro, nos traz como simbolismo a recuperao desse pas-sado pela tica de quem travou e vem travando a batalha pela cons-truo de um outro imaginrio social que resgata os verdadeiros pro-tagonistas desta parte da histria do Brasil. O Quilombo dos Palmaresfoi a primeira grande ao afirmativa de busca da liberdade e daigualdade racial. no inconformismo dessa abolio incompleta quenasce a atitude heurstica de revirar a historiografia oficial. A cons-truo social e poltica do Treze de Maio no corresponde realida-de em que nos encontramos. Ento preciso desnudar a historiografiapara alcanar as origens de nossa ancestralidade e para a constru-o de uma histria que nos seja comum e que esteja sintonizadacom nosso povo. Essa procura, que carrega ao mesmo tempo a mar-ca da denncia, revela nossa preocupao cidad com as futurasgeraes, nossos filhos e netos, at porque precisamos propiciar-lhes registros de suas histrias, de suas identidades, de suas ori-gens. Ter histria um direito de cidadania.

    O Vinte de Novembro , portanto, uma bandeira dos movi-mentos negros em reafirmao das lutas histricas e contraposio histria oficial e o que esta carrega de significado at ento. Essadata, Dia Nacional da Conscincia Negra, j se espalhou em algunslugares como a Semana da Conscincia Negra; em outros, chega-sea comemorar o ms de novembro inteiro como o Ms da Conscin-cia Negra. Esse crescimento motivo de orgulho para negros eafrodescendentes conscientes de que, a bem da verdade, trabalha-mos para que essas celebraes deixem de ser consideradas aesde vanguarda. Isso vai ocorrer quando a maioria do povo negro eno-negro reconhecer o significado dessa data e sua existncia cons-tituir-se em celebraes como tantas outras, a exemplo do que nosdiz o professor Muniz Sodr, de que "o convvio respeitoso, neces-sariamente oriundo de uma 'familiarizao com a diferena' ou de

  • |11

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    uma representao positiva da alteridade, to ou mais educativodo que contedos e mtodos escolares".1

    E para que tal fato venha a se concretizar, defendemos a adoode aes afirmativas imediatas para intervir na realidade de nossasinstituies, desmanchando as barreiras criadas pelas desigualdadesraciais e envidando os esforos necessrios para sua superao. Nomovimento social essa luta vem avanando, como bem se percebe nes-tas palavras do professor Edson Lopes Cardoso:2

    Desde a "Marcha Zumbi dos Palmares, contra o Racismo, pela Cidadania e aVida", de 1995, que o tema das polticas pblicas em benefcio da populaonegra vem ganhando corpo na sociedade brasileira. O debate vem se alargandogradualmente, estimulado por iniciativas pblicas e privadas. H algumas sema-nas, no plenrio da Comisso de Constituio e Justia, representantes de todosos partidos foram unnimes no reconhecimento de que vivemos tempos novos.

    Durante a sabatina do Dr. Joaquim Barbosa, indicado pelo presidente Lulapara o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal, todos os senadores ins-critos reconheceram que eram protagonistas de um momento histrico diferen-ciado, de consolidao do processo democrtico. Houve quem considerasse aindicao o ato mais importante do governo Lula. "Um ponto de inflexo", afir-mou um senador. Um divisor de guas, declarou um outro.

    O resultado de vinte e um votos favorveis e nenhum contrrio foi significa-tivo e convincente. importante frisarmos que se destacou tambm que o presi-dente Lula, ao indicar um ministro negro para o Supremo, interpretava os "anseiosda sociedade".

    (...)

    A referncia feita por senadores a "anseios da sociedade" deve ser valoriza-da, portanto, como indicativo de uma mudana significativa na conscincia so-cial brasileira. O pas anseia por mudanas e elas passam pelo enfrentamentodas desigualdades raciais.

    bem recente a Lei n 10.639, de 9 de janeiro de 2003, sanciona-da pelo presidente Luiz Incio Lula da Silva e pelo ministro da Educa-o, Cristovam Buarque, que d o devido reconhecimento ao Vinte deNovembro como o Dia Nacional da Conscincia Negra, ao introduzir adata no calendrio oficial das escolas, bem como a necessidade de pro-piciar-se o ensino da histria e da cultura do povo brasileiro

    1 Sodr, Muniz. Imprensa e incluso racial. Observatrio da Imprensa . Caderno da Cidadania/Discrimi-nao. Disponvel em: Acessadoem outubro de 2003.

    2 Disponvel em: Acessado em 20/11/03.

  • 12 |

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    afrodescendente. A iniciativa indita do MEC e do Inep de realizar estaobra vem ao encontro do texto legal para reforar e reafirmar que essadeva ser uma Lei de letras vivas. Por isso, a publicao da obra duranteas comemoraes do Ms da Conscincia Negra no MEC.

    Enfim, faz-se mister registrar o agradecimento que professor LuizArajo, presidente do Inep, em nome de toda a diretoria, estende atodas as pessoas envolvidas na concretizao deste livro, o qual s setornou possvel pela sensibilidade e pelo engajamento daqueles que sededicaram ao projeto. Igual agradecimento deve ser creditado profes-sora Petronilha Beatriz Gonalves e Silva e ao professor Valter RobertoSilvrio, que, mesmo preocupados com a premncia do curto espaode tempo, no titubearam em aceitar o desafio e, de pronto, mobiliza-ram diversos professores e colaboradores para contribuir com a obra,aos quais tambm estendemos nossos agradecimentos.

    A todos o nosso mais sincero oxal!

    Ronald Acioli da Silveira

  • |13

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    Introduo

  • 14 |

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

  • |15

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    Eles representam quase a metade da populao brasileira. NoCenso Demogrfico aparecem como pretos e pardos. Nos ltimos qui-nhentos anos, foram responsveis por boa parte do servio duro e pe-sado que resultou na construo deste Pas. Contudo, na hora da divi-so dos frutos desse esforo, eles ficaram com as sobras.

    oportuno comentar o que dizem os indicadores demogrficose educacionais sobre essa questo. Assim, na populao ocupada, se-gundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios (Pnad)de 2001, o rendimento mdio dos negros inferior metade do querecebem os brancos; as mulheres negras recebem R$ 296/ms, cerca deum tero do que ganha, em mdia, um homem branco. Do total derendimentos auferidos pelas pessoas com algum rendimento, os bran-cos (53% da populao) ficam com 71%, enquanto aos pardos (39% dapopulao) restam 23% e, aos negros (6% da populao) cabem 4% deum bolo que, por si s, j pequeno.

    Os ndices s crescem quando analisamos os indicadores de anal-fabetismo. Aqui constatamos que a taxa entre a populao negra de 15anos ou mais de 18,7%, contra 7,7% entre os brancos. Analisando oanalfabetismo funcional, condio em que esto includos todos aquelesque no possuem, ao menos, as quatro primeiras sries do ensino funda-mental, encontramos uma taxa de 36% na populao negra, contra 20%

  • 16 |

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    na populao branca o que mostra que a obrigatoriedade constitucionalde uma escola de ensino fundamental de oito anos para todos os brasi-leiros ainda um sonho distante para brancos e negros, mas principal-mente para estes ltimos.

    Quanto s taxas de escolarizao, que indicam o acesso escola,na faixa etria de 5 a 19 anos, h um dado positivo. As estatsticas doIBGE no indicam grandes diferenas entre brancos e negros, emboraainda estejamos longe de universalizar a educao nesse segmentopopulacional, o que j ocorreu em pases com grau de desenvolvimen-to equivalente ao do Brasil. A grande diferena, contudo, vem quandoanalisamos a mdia de sries concludas. Aqui constatamos que, en-quanto para os brancos tem-se uma mdia de sete sries concludas (oque mostra mais uma vez a no universalizao do ensino fundamen-tal), a populao negra conclui apenas cinco sries, em mdia. Issomostra que, se de um lado, o acesso melhorou para todos, a permann-cia na escola at a concluso do ensino fundamental mais difcil paraos negros do que para os brancos.

    Como ficou claro at agora, nossa principal fonte de informaoforam os Censos e a Pnad, do IBGE, uma vez que o Censo Escolar, doInep, no coleta dados sobre a etnia dos estudantes da educao bsicano Pas. E isto acontece porque, simplesmente, as escolas no solici-tam essa informao por ocasio da matrcula. Eis aqui uma boa opor-tunidade para um projeto de lei determinando aos sistemas de ensinoque solicitem essa informao por ocasio das matrculas como, alis,faz a maioria dos pases desenvolvidos ou aqueles nem tanto. As infor-maes que o Inep tem so aquelas advindas do Sistema Nacional deAvaliao da Educao Bsica (Saeb) e mostram o que j era esperado,isto , que o desempenho dos brancos supera o dos negros. No caso daprova de Lngua Portuguesa na 4 srie, por exemplo, essa diferena de cerca de 18% em favor do primeiro grupo. Esse resultado, com cer-teza, pode ser atribudo a uma menor escolaridade dos pais e fre-qncia a escolas com piores condies de ensino porque esto situa-das nos bairros mais pobres dos municpios. O Saeb tambm apontaum fato que intuitivamente j sabemos que o "branqueamento" dasturmas ao longo da trajetria escolar. Assim que, por exemplo, tendopor base o Saeb de 2001, constata-se que na 4 srie os autodeclaradospretos representam 11,3% dos participantes no exame, enquanto na 3srie do ensino mdio, este ndice cai para 6,4%. J com os brancosocorre o inverso, sobem de 42,4% para 51% dos participantes, respec-tivamente nas sries indicadas.

    Os dados do Provo tambm apresentam indicadores claros so-bre esse "branqueamento" durante a trajetria escolar. Dos concluintesque prestaram o Exame em 2001, os autodeclarados negros (6,1% da

  • |17

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    populao) representavam 2,6%, os pardos/mulatos (38,9% da popula-o) respondiam por 15,9% e os brancos (53,4% da populao) por77,3% dos concluintes.

    Outra informao extremamente relevante, tambm retirada doquestionrio socioeconmico do Provo, que, do ponto de vista raci-al, as instituies pblicas so muito mais democrticas do que as pri-vadas. Assim, enquanto os negros representavam 3,6% dos concluintesque prestaram o Provo e os pardos/mulatos, 23%; nas instituies pri-vadas estes ndices so, respectivamente, de 2,2% e 12.3%.

    Dados retirados do vestibular da Fuvest que seleciona alunospara a Universidade de So Paulo (USP) mostram tambm o quanto oPas est distante de uma democracia racial no que se refere ao acesso educao. Assim, considerando o total de carreiras, vemos que osautodeclarados pretos representaram 3,1% dos inscritos e 1,4% dosaprovados no exame da Fuvest de 2002. J os brancos e pardos repre-sentaram, respectivamente, 77,5% e 11,4% dos inscritos e 80,5% e 7%dos aprovados. Em Medicina, os negros representavam 1,6% dos ins-critos e 0,5% dos aprovados enquanto os pardos respondiam por 7,9%dos inscritos e 4,5% dos aprovados.

    Todos os indicadores apresentados, em especial aqueles relati-vos ao ensino superior, indicam que a longa caminhada que um alunofaz desde que ingressa na primeira srie do ensino fundamental at oacesso ao nvel superior funciona como um grande filtro racial queprivilegia os brancos e bloqueia os negros e pardos. Considerando quea Constituio Federal do Brasil, em seu artigo 4, assegura o direito deacesso ao nvel superior de ensino "segundo a capacidade de cada um",podemos concluir que muito negros "capazes" (com toda a ambigida-de que esta palavra guarda) esto sendo impedidos de exercer o seudireito em funo das polticas pblicas destinadas educao bsicaque indicam claramente possuir um vis discriminatrio.

    Essa constatao coloca na ordem do dia a premncia de polticasafirmativas para democratizar o acesso e permanncia no ensino superi-or dos grupos fragilizados econmica e socialmente (e no apenas osnegros), como o caso das quotas. E cabe frisar que, ao contrrio dederrubar a qualidade desse nvel ensino, como aponta o senso comum,essas polticas tendem a melhorar a qualidade das instituies porquenelas passaro a ingressar pessoas com grande capacidade mas que, porlimitaes de uma ordem social injusta, no receberam o treinamento(que diferente de formao) para o vestibular, lembrando ainda queboa parte do contedo cobrado nesse exame de nada servir para a vidauniversitria. Assim, no entrar um aluno pior formado, mas um alunodiferente, at porque as nossas escolas privadas oferecem uma formaoto ruim quanto as pblicas, e so, inclusive, piores em quesitos como

  • 18 |

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    cidadania e altrusmo. Obviamente as instituies de ensino superiortero, por sua vez, que desenvolver aes afirmativas para superar even-tuais deficincias trazidas da escolaridade anterior. Cabe dizer que ha-ver tambm um ganho na qualidade social destas instituies, uma vezque passaro a ter uma composio tnica e econmica mais prximadaquela que existe no Pas. Isso talvez venha a tornar nossa elite umpouco mais humana.

    E, na discusso sobre quotas, nunca demais lembrar que duran-te 400 anos elas existiram no Pas... mas para os brancos. Os dados aquiapresentados indicam que essas quotas continuam a existir, por meio demecanismos sutis, como um sistema educacional que, talvez inconsci-entemente, ajuda a legitimar e naturalizar a discriminao racial.

    Esperamos que os textos inclusos nesta publicao ajudem adespertar e a mobilizar as conscincias, condio bsica para a mudan-a social.

    Jos Marcelino de Rezende Pinto

  • |19

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    AS ORIGENS DO VINTEDE NOVEMBRO

    E A CONSTRUOSOCIAL DO RACISMO

  • Vinte de Novembro:histria e contedo

    Oliveira Silveira

  • 22 |

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

  • |23

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    A evocao do dia Vinte de Novembro como data negra foilanada nacionalmente em 1971 pelo Grupo Palmares, de Porto Alegre,no Rio Grande do Sul. Mas quem l o manifesto nacional do Movimen-to Negro Unificado Contra a Discriminao Racial (MNUCDR), divul-gado em novembro de 1978 e designando a data como dia nacional daconscincia negra, no encontra no texto nenhuma referncia a essainiciativa gacha ou ao trabalho continuado pelo grupo nos anos se-guintes. Resultante do MNUCDR, o Movimento Negro Unificado (MNU)(1978, p. 75 e 78), em livro sobre seus dez anos de luta contra o racis-mo, no vai nesse sentido alm do que havia escrito a saudosa LliaGonzalez (1982, p. 31): "E no incio dos anos setenta que vamos ter(...) o alerta geral do Grupo Palmares, do Rio Grande do Sul, para odeslocamento das comemoraes do treze de maio para o vinte de no-vembro..." Ou ainda, a mesma autora:

    Graas ao empenho do MNU, ampliando e aprofundando a proposta do Gru-po Palmares, o 20 de novembro transformou-se num ato poltico de afirmao dahistria do povo negro, justamente naquilo em que ele demonstrou sua capaci-dade de organizao e de proposta de uma sociedade alternativa... (p. 57).

    Interessante que, por outro lado, a histria do Vinte teve espaoe foi contada em outras publicaes do MNU pelo mesmo componente

  • 24 |

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    do Grupo Palmares (Oliveira Silveira) ou com sua participao: revistado MNU, boletim do MNU-RS, jornal Ngo, Jornal do MNU.

    Surgindo em 18 de junho de 1978 como convergncia de vriasentidades, algumas das quais j celebravam o Novembro, o MNUCDRencontra a evocao do vinte de novembro com um longo caminhotrilhado. Para enfocar primeiros passos, acompanhar trajetria, exami-nar contexto, potencial e significado, vai ser importante um flash-back,recuando no tempo uns sete anos ou mais.

    Do Treze ao Vinte

    Treze de maio traio.liberdade sem asas

    e fome sem po.

    Embora esses versos tenham sido escritos em 13 de maio de 1969 Oliveira Silveira (1970, p. 9) , o crtico mais veemente dessa data, daabolio e da lei chamada urea, era Jorge Antnio dos Santos. Ogrupinho de negros se reunia costumeiramente em alguns fins de tardena Rua da Praia (oficialmente, dos Andradas), quase esquina com Ma-rechal Floriano, em frente Casa Masson. Eram vrios esses pontos deencontro, havendo s vezes algum deslocamento por alguma razo.Pontos negros.

    Na roda, tendncia unanimidade. O treze no satisfazia, nohavia por que comemor-lo. A abolio s havia abolido no papel; a leino determinara medidas concretas, prticas, palpveis em favor donegro. E sem o treze era preciso buscar outras datas, era preciso reto-mar a histria do Brasil.

    Nas conversas, a Repblica, o Reino, o Estado, os quilombos dePalmares (Angola Janga) foi o que logo despontou na vista d'olhos so-bre os fatos histricos. Antnio Carlos Cortes, Vilmar Nunes e o citadoJorge Antnio vinham de experincias no Grupo de Teatro Novo Flo-resta Aurora, na ento quase-quase centenria Sociedade Floresta Au-rora (de 1872, ou 1871). Esse grupo, criado em dezembro de 1967 poriniciativa de Mauro Eli Leal Pare, apresentara o monlogo da paz "Con-tra a guerra" juntamente com o Grupo de Teatro Marciliense (GTM),coordenado por Luiz Gonzaga Lucena no Clube Nutico Marclio Dias(negro como o Floresta Aurora), ousara encenar no Teatro So Pedro oOrfeu da Conceio, de Vincius de Moraes. O fato que esses trsfreqentadores do ponto na Rua da Praia falavam em Arena conta Zumbi,de Gianfrancesco Guarnieri. E eram bem conhecidas as msicas"Estatuinha", de Edu Lobo, "Upa, neguinho", de Edu Lobo e Guarnieri,

  • |25

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    ou aquela que fala em Ganga Zumba e Zambi, composies integrantesda trilha nessa pea famosa.

    Circulava na poca o fascculo Zumbi, o n 6 na srie GrandesPersonagens da Nossa Histria, da Abril Cultural. Essa publicao for-taleceu no freqentador Oliveira Silveira a idia de que Palmares fossea passagem mais marcante na histria do negro no Brasil. Um sculode liberdade e luta contra o escravismo imposto pelo poder colonialportugus era coisa muito significativa e animadora. E l estava o dia20 de novembro de 1695, data da morte herica de Zumbi, ltimo rei elder dos Palmares, marco assinalando tambm o final objetivo do Es-tado e pas negro. No podia, porm, um fascculo (ele trazia copyrightde 1969) ser considerado fonte absoluta de consulta, mas O quilombodos Palmares, livro de dison Carneiro publicado em 1947 pela Edito-ra Brasiliense, de So Paulo, oferecia-se como a referncia adequada esegura, parecendo ter sido base para a elaborao do fascculo. Confir-mava o 20 de novembro como data da morte de Zumbi, o que foi corro-borado mais adiante pela obra As guerras nos Palmares, do portugusErnesto Ennes, editado em 1938 pela Companhia Editora Nacional, deSo Paulo, numa coleo valiosa, a Brasiliana. Transcrevendo docu-mentos, o autor inclui cartas alusivas morte de Zumbi e aceita a in-formao de Domingos Jorge Velho dando conta de que ela ocorreu em20 de novembro de 1695, conseguida por um tero comandado porAndr Furtado de Mendona. Tinha-se uma data, e ela foi sugerida,como possibilidade de celebrao em contraponto ao treze de maio, nomomento em que se concretizou a idia de formar um grupo.

    Foram quatro os participantes da primeira reunio, iniciadoresda agremiao ainda sem nome: Antnio Carlos Cortes, Ilmo da Silva,Oliveira Silveira e Vilmar Nunes. Um quinto, de nome Luiz Paulo, as-sistiu mas no quis fazer parte do trabalho. A idia era um grupo cultu-ral com espao para estudos e para as artes, notadamente literatura eteatro. Afinal estavam bem presentes e atuantes os exemplos do TeatroExperimental do Negro (TEM), a militncia de Abdias do Nascimento,os exemplos do poeta Solano Trindade e do Teatro Popular Brasileiro.Era preciso conhecer mais a histria, debater as questes raciais, soci-ais. Vinham do exterior instigaes como capitalismo versus socialis-mo, negritude, independncias africanas e movimentos negrosestadunidenses. A reunio foi por volta de 20/7/1971.

    J na prxima ou em alguma das reunies seguintes ingressaramAnita Leocdia Prestes Abad e Nara Helena Medeiros Soares (faleci-da), tambm consideradas fundadoras.

    O local da primeira reunio foi a casa dos professores Jos MariaVianna Rodrigues (falecido no ano anterior), Maria Aracy dos SantosRodrigues, Julieta Maria Rodrigues, Oliveira Silveira e da menina NaiaraRodrigues Silveira, futura docente, e residncia tambm da professora

  • 26 |

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    Jovelina Godoy Santana, guardi de lies de vida (longa), situada naRua Toms Flores n 303, bairro Bonfim. Ali haviam sido corroboradosos estudos do vinte de novembro, e de Palmares, com a leitura do livrode Ernesto Ennes, num esquecido e mal folheado exemplar cedido ain-da em vida pelo professor Jos Maria. Lembrado e retomado em mo-mento oportuno, o volume passou a ser devidamente reconhecido comovalioso. Casa de professores negros.

    A segunda reunio e algumas das seguintes foram em casa deAntnio Carlos Cortes e seus familiares, no prdio da Loteria estadualsito Rua da Praia, quase esquina com a Rua Joo Manuel. Foi onde equando o trabalho nascente recebeu o nome de Grupo Palmares.

    Tinha sido combinado convidar outras pessoas, e algumas com-pareceram para conferir a proposta (na segunda ou em outras reuni-es), mas no se integraram. Foi, por exemplo, o caso do ator ArtonMarques, vindo da experincia exitosa do Teatro Saci, grupo vencedorde um Festival Martins Pena em 1965, ano de sua fundao, presididopor Eloy Dias dos Angelos (militante histrico, advogado e jornalista),tendo como vice-presidente a professora Horacilda do Nascimento econtando, entre outros valores, com a excelente atriz Eni Maria dasNeves. Em Orfeu do carnaval, 1969, Arton encarnara Orfeu, enquantoEurdice era representada por Marilene Par. As negativas de gente doteatro, por motivos de cada pessoa, devem ter determinado o fato de oPalmares nunca ter realizado um trabalho prprio na rea dadramaturgia.

    A denominao Grupo Palmares nasceu do conjunto de partici-pantes da segunda reunio devido s consideraes de que Palmaresparecia ser a passagem mais marcante na histria do negro no Brasil aorepresentar todo um sculo de luta e liberdade conquistada e sendotambm um contraponto "liberdade" doada no treze de maio de 1888,etc. Outras propostas de nome praticamente no tiveram espao.

    Ao expor brevemente essas consideraes j compartilhadasdesde as reunies informais do ponto na Rua da Praia, o componenteque vinha estudando Palmares e tentando uma vista d'olhos sobre ahistria (Oliveira Silveira) estudos impulsionados por aqueles en-contros e dilogos sugeriu a adoo e evocao do dia 20 de novem-bro, morte herica de Zumbi e final de Palmares, justificando:

    no se sabia dia e ms em que comearam as fugas para osPalmares (l por 1595);

    no havia data do nascimento de Zumbi ou outras do tipomarco inicial;

    Tiradentes tambm era homenageado na data de morte, 21 deabril.

  • |27

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    A homenagem a Palmares em 20 de novembro foi includa pelogrupo na programao elaborada para aquele ano.

    O primeiro Vinte

    Programando 1971, o grupo listou trs atividades a serem desen-volvidas: homenagem a Luiz Gama em 21 de agosto, a Jos do Patroc-nio em 9 de outubro (aniversrio de nascimento) e a Palmares em 20 denovembro. A atividade Luiz Gama teria de ser em torno do dia 24,morte do poeta e abolicionista, porque a do nascimento j havia passa-do 21 de junho. Enfim, era a questo das datas ligada idia de que,alm do vinte de novembro, vrias outras deviam estar disposio,importantes e significativas. Homenagem era a forma considerada maisou menos atraente para motivar o estudo e disseminar as informaessobre fatos e vultos histricos.

    Parece lcito dizer que estava delineada uma precria, mas deli-berada ao poltica no sentido de apresentar, comunidade negra e sociedade em geral, alternativas de datas, fatos e nomes, em contesta-o ao oficialismo do 13 de maio, abolio formal da escravatura, prin-cesa dona Isabel.

    Com base no press-release enviado pelo grupo, o jornal Folha daTarde de 23/8/1971, pgina 54, noticiou a homenagem a Luiz Gamacomo ocorrida dia 21. Foi, na verdade, transferida para incio de setem-bro. A nota j anunciava o ato de outubro, sobre Patrocnio, e o denovembro, Palmares. Anita ainda no constava entre os cinco compo-nentes citados pelo jornal. Nara ento era a nica mulher.

    Individual vinculado , aqui, o designativo de matria jornalsticade um integrante do grupo publicada paralelamente ao evento, visan-do ampliao e difuso atravs da imprensa. Assim, o Correio doPovo de 22/8/1971 trouxe artigo de um componente (Oliveira) sob ottulo "Luiz Gama e as Trovas Burlescas". J o ato em comeos de se-tembro foi realizado na Sociedade Floresta Aurora com pequeno pbli-co. Rua Curupaiti, bairro Cristal, poca. Vida e obra de Luiz Gama;leitura e distribuio de texto mimeografado: seu poema "Quem soueu?", o conhecido Bodarrada.

    Na grafia com z, o presente texto acompanha Ligia FonsecaFerreira em seu excelente trabalho estudando e reeditando Luiz Gama(2000).

    Sobre o ato de homenagem a Jos do Patrocnio, o empresrio eabolicionista, jornalista, intelectual negro do sculo 19, o mesmo deLuiz Gama, no esto sendo encontrados registros, mas consta que ele

  • 28 |

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    ocorreu de forma um tanto incompleta, parece que limitada a uma tro-ca entre os componentes do grupo quanto aos dados coletados e talvezna mesma Sociedade Floresta Aurora. Matria da Folha da Manh (23ou 24/6/1972?) o inclui entre as realizaes do Grupo Palmares, con-cretizado em outubro de 1971.

    A homenagem a Palmares ocorreu no dia 20 de novembro de1971, um sbado noite, no Clube Nutico Marclio Dias, sociedadenegra sita Avenida Praia de Belas n 2300, bairro Menino Deus, emPorto Alegre. O Marclio, fundado em 4/7/1949, foi um importante es-pao fsico, social e cultural perdido nos anos 80. Pblico reduzido,conforme o esperado, mas considerado satisfatrio. "Zumbi, a home-nagem dos negros do teatro" foi o ttulo da Folha da Tarde para a notapublicada dia 17. E nessa poca de ditadura, em que os militares eramchamados de "gorilas", o teatro era muito visado. O grupo foi chamado sede da Polcia Federal para, atravs de um de seus integrantes, apre-sentar a programao do ato e obter liberao da Censura no dia 18.

    No evento, dia 20, usando tcnica escolar, os participantes dogrupo se espalharam no crculo, entre a assistncia, e contaram a hist-ria de Palmares e seus quilombos com base nos estudos feitos, defen-dendo a opo pelo 20 de novembro, mais significativo e afirmativo naconfrontao com o treze de maio. Anita j estava no grupo e Ilmo noparticipou, licenciado, vindo, na seqncia, a afastar-se totalmente. Masassistiram ao ato Antnia Mariza, Helena Vitria e Leni. As trs ingres-sariam mais adiante.

    Figura 1 Primeiro ato evocativo do Vinte de Novembro Homenagem a Palmares. Porto Alegre, 1971

    esquerda, Oliveira (camisa listrada); ao fundo, Nara (cabelo black-power , blusa escura), olhando paraCortes (bluso escuro e camisa branca), que faz sua exposio; esquerda de Nara, Andr Machado; esquerda de Cortes, a folclorista Llian Argentina Braga Marques e seu esposo Salatiel (encoberto); decostas e da esquerda para a direita, Leni, Antnia Mariza e Helena Vitria, ento futuras integrantes doGrupo Palmares, e o ainda desconhecido Dcio Freitas, historiador. Foto: Irene Santos.

  • |29

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    Como individual vinculado, expresso utilizada linhas atrs, umartigo de componente (Oliveira), encaminhado previamente, foi publi-cado no dia 21, domingo, no Correio do Povo, pgina 23, sob o ttulo"A epopia dos Palmares", enfocando o aspecto histrico e citando ofascculo Zumbi junto aos livros de dison Carneiro e Ernesto Ennes,alm de algumas outras fontes. A abordagem literria de Palmares este-ve presente em fragmentos poticos de Jos Bonifcio, o Moo, CastroAlves e Solano Trindade, assim como na referncia ao trecho de Jubiab,de Jorge Amado. Parte mais interpretativa tratava da mensagem dePalmares, e um quadro cronolgico registrava o auxlio de Anita Abadpara sua elaborao.

    A homenagem a Palmares em 20 de novembro de 1971 foi o pri-meiro ato evocativo dessa data que, sete anos mais tarde, passaria a serreferida como dia nacional da conscincia negra.

    A programao feita para 1971 precisou ter uma adenda. O re-prter negro Lcio Flvio Bastos iniciara em 19 de novembro no jornalZero Hora uma srie intitulada "Saiba por que Voc Racista", commatrias dirias. Ao final, o grupo achou oportuno promover uma pa-lestra em que ele falasse a respeito da srie, o que aconteceu no dia 4de dezembro, tambm no Marclio Dias.

    Sobre a evocao do vinte de novembro, uma questo em desta-que o fato de muitas pessoas, militantes at, na causa negra, pensa-rem que tudo comeou em 1978 com o MNUCDR. Informaes no tex-to em curso talvez possam ajudar. Outra questo refere-se ao historia-dor branco gacho Dcio Freitas.

    O escritor e jornalista Mrcio Barbosa (1996, p. 39), de So Pau-lo, oportunizava ao entrevistado (Oliveira Silveira) dizer se o livro deDcio Freitas sobre Palmares havia sido fonte de consulta para se che-gar ao Vinte de Novembro. Preocupao similar revelava o historiadornegro Flvio Gomes, do Rio de Janeiro, ao gravar em Porto Alegre, me-ados de 2003, informaes do mesmo depoente.

    Em 16/12/1975, pgina 35, a simptica Folha da Manh, dePorto Alegre, publicava matria com declaraes dos coordenadoresdo Grupo Palmares. A propsito, nessa poca, aps perodos em que sesucederam coordenao masculina e feminina, homem e mulher parti-lhavam a coordenao, no caso os componentes Oliveira e Helena Vi-tria dos Santos Machado e no era ao influxo de debates por ques-tes de gnero. Constou na FM:

    Foi ao encontrar Dcio Freitas que eles (os integrantes do Palmares) recebe-ram um grande apoio para o trabalho que vinham desenvolvendo. Conta Silveira

  • 30 |

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    que a aproximao se deu quando ele pesquisava alguns aspectos do escravismopara um artigo a ser publicado em jornal. Encontrei o livro de Dcio Palmaresnuma edio em espanhol. Logo observei que era a obra que tratava com maisprofundidade o assunto. Depois o autor foi a uma de nossas palestras e nuncamais se desligou do Grupo. Em entendimentos com a editora Movimento em1973 finalmente conseguimos editar o livro em portugus.

    Caso de matria em que o declarante ou entrevistado, aps aleitura, se pergunta: eu falei assim, eu disse isso? eu bebi? No caso, aconcluso foi pela necessidade de melhor preparo, a fim de evitar de-claraes que pudessem levar a interpretaes diferentes do que foidito, ou que se pensou ter dito.

    O historiador Dcio Freitas compareceu ao ato de 20 de novembrode 1971 movido pela notcia na imprensa. Assistiu anonimamente, emcompleto silncio. S ao final dirigiu-se a um dos componentes do gru-po (Oliveira), identificou-se e ofereceu um exemplar de Palmares laguerrilla negra, editado naquele ano em Montevidu por Editorial NuestraAmrica. Voltava do exlio no Uruguai e no lhe convinha aparecer. In-formou que a obra era resultado de estudos iniciados algum tempo atrs(1965). Assim Dcio Freitas testemunhou o primeiro Vinte.

    S a partir da que o historiador e sua obra passaram a ser co-nhecidos do Grupo Palmares. E na semana seguinte apareceria matriasobre ele na srie j citada "Saiba por que Voc Racista", de Lcio Fl-vio Bastos. Em agosto de 1971, quando seu livro em espanhol acabavade ser impresso em talleres grficos uruguaios, o Grupo Palmares, forma-do em julho, j definira e anunciava na imprensa a celebrao do dia 20de novembro atravs da homenagem a Palmares. Esse anncio ocorriaem nota citada Folha da Tarde, em 23/8/1971 , decorrente das delibe-raes de julho: assinalar o 20 de novembro, destacando Palmares.

    Quando a nota da Folha da Manh, em 1975, diz que o historia-dor "nunca mais se desligou do Grupo", pode estar suscitando a neces-sidade de uma explicitao. bom dizer, ento, que Dcio Freitas nun-ca esteve assim to ligado ao grupo e nunca fez parte dele. O mencio-nado "apoio ao trabalho que vinham desenvolvendo" deve ser entendi-do, primeiro, como proveniente da qualidade da obra e melhor seriadizer reforo aos contedos j dominados pelo grupo em termos dehistria palmarina; e, em segundo lugar, o apoio deve ser visto comocolaborao ao aceitar fazer palestras em eventos do grupo, trs ao queconsta, sendo duas em parceria com o Clube de Cultura, da comunida-de judaica, essas em 1975.

    Livro e autor, bom repisar, s foram conhecidos no ato de 20 denovembro, em 1971.

  • |31

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    Quanto edio do livro em portugus, verdade que houveintermediao do Grupo Palmares. Depois de a obra ter sido utiliza-da como referncia principal na parte histrica de matria especialutilizada como forma de celebrar o Vinte de Novembro em 1972atravs da imprensa, por iniciativa do grupo, o Palmares decidiuconsultar e propor ao autor a edio em portugus. Um componentedesignado (Oliveira) reuniu-se com ele e o editor Carlos Jorge Appel,surgindo a edio brasileira em 1973 pelo Movimento, de Porto Ale-gre. A programao do Vinte em 1973 incluiu palestra de DcioFreitas, motivada pela publicao da obra. Artigo assinado por com-ponente (Oliveira, no esquema "individual vinculado") foi publica-do como saudao nova edio agora intitulada Palmares, a guer-ra dos escravos, como se tornou conhecida nas sucessivas ediescontinuadas em outras editoras. O grupo contribuiu, sua maneira,para a promoo da obra, e se estabeleceram boas relaes de ami-zade entre alguns componentes e o autor. Entre os componentes, osignatrio deste relato.

    Se Palmares, a guerra dos escravos era marcante no tanto pe-los fatos narrados ou dados histricos abordados, em geral conheci-dos j atravs de Ernesto Ennes e dison Carneiro, mas pelo estilocativante de Dcio Freitas, a agudeza de sua anlise e interpretao,passou a contar, desde a quinta edio, com um acrscimo especial-mente importante: a biografia de Zumbi. So dados novos trazidos dePortugal pelo autor. O aprofundamento desse estudo sobre Zumbidos Palmares e sobre o Estado negro afigura-se como um desafio pesquisa.

    Virada histrica e construo

    A partir de meados de 1972, a formao do grupo contavacom Antnia Mariza Carolino, Helena Vitria dos Santos Machadoe Marli Carolino, alm de Anita e Oliveira. Um dos principais locaisde reunio passou a ser o bar da Faculdade de Filosofia da Universi-dade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que na poca era URGS.Anita Leocdia Prestes Abad, que em 1973 j no estava mais nogrupo, Helena Vitria dos Santos Machado e, a partir de 1976, MarisaSouza da Silva foram integrantes cuja participao contribuiu deci-sivamente para o ajuste do trabalho ao contexto das lutas sociais.

    Uma cronologia pode demonstrar o esforo continuado, marcan-do o Vinte de Novembro ano a ano at a sua total implantao no Pas.

  • 32 |

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    Figura 2 Grupo Palmares, 1972Reunio de trabalho (bar do Centro Acadmico Franklin Delano Roosevelt, na Faculdade

    de Filosofia da UFRGS)

    Figura 3 Entrevista ao Jornal do Brasil, 13/5/1973Helena Vitria, Antnia Mariza, Oliveira e Marli (Grupo Palmares)

    Figura 4 Manifesto do Grupo Palmares. Jornal do Brasil, 1974

  • |33

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    1971 Primeiro ato evocativo do Vinte de Novembro, a homena-gem a Palmares em 20/11 no Clube Nutico Marclio Dias.

    1972 Sete pginas dedicadas a Palmares na revista ZH do jor-nal Zero Hora em 19/11. Histrico de Palmares, depoi-mento do grupo, redigido por Helena Vitria dos SantosMachado, poema de Solano Trindade com ilustrao deTrindade Leal, um conto, capa e ilustrao da artista pls-tica negra Magliani (Maria Ldia), alm da ilustrao deBatsow, imagens aproveitadas do fascculo Zumbi da Edi-tora Abril e fotos. Material organizado e redigido pelocomponente Oliveira e editado por Juarez Fonseca, de ZeroHora.

    1973 De 6 a 20/11, exposio Trs pintores negros (Magliani, J.Altair e Paulo Chimendes), palestra de Dcio Freitas e oespetculo Do carnaval ao quilombo (msica, texto). Lo-cal: Teatro de Cmara. Em 13 de maio fora publicada noJornal do Brasil uma entrevista concedida pelo GrupoPalmares. Segundo informaes, uma sntese da matriaapareceu no jornal francs Le Monde. Nesse e noutrosanos, televiso e rdio ajudaram na difuso da proposta.

    1974 Divulgao de manifesto atravs do Jornal do Brasil, emmatria assinada por Alexandre Garcia (reprter tambmna entrevista de 13/5/1973). No texto, breve histrico dePalmares, sugesto expressa de reformulao dos livrosdidticos quanto a Palmares "e outros movimentos ne-gros" e indicao de bibliografia. No Rio de Janeiro, MariaBeatriz Nascimento (2002, p. 48), atenta, registrou.

    1975 Encontro Grupo Palmares e grupo Afro-Sul, de msica edana, no Clube de Cultura, associao judaica. A seguir,em 10 e 16 de dezembro, foram realizadas, em parceriacom o clube, duas palestras de Dcio Freitas.

    1976 Lanamento do livreto Mini-histria do negro brasileiro,na sociedade negra Ns os Democratas. Da tentativa dereformulao surgiu posteriormente Histria do negrobrasileiro: uma sntese, outro livreto editado pela Prefei-tura de Porto Alegre, atravs da SMEC, em 1986, assina-do por Anita Abad e outros. Nesse ano, em novembro,semanas do negro em Campinas-SP com o Grupo TeatroEvoluo e em So Paulo com o Cecan e o Cecab. No Riode Janeiro, conferir aes do IPCN, por exemplo, entida-de nova j atenta ao Vinte de Novembro. Meses antes, em1976, o Grupo Palmares recebeu a visita de OrlandoFernandes, vice-presidente cultural do IPCN, e Carlos

  • 34 |

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    Alberto Medeiros, vice-presidente de relaes publicas.O Vinte ganhava adeses.

    1977 Ato na Associao Satlite-Prontido, sociedade negra,com exposio da minibiblioteca do Grupo Palmares e apresena do escritor negro paulista Oswaldo de Camargo,convidado especial. O grupo Nosso Teatro, depois GrupoCultural Razo Negra, fez apresentao demonstrativa(no a carter) de sua montagem para a dramatizao de"Esperando o embaixador", conto de Oswaldo.

    Alm de assinalar o Vinte de Novembro, o Grupo Palmares reali-zou outras atividades, como visita, estudo e divulgao da Congada deOsrio-RS em 1973, aproximao com sociedades negras (clubes), muralna sociedade Ns, os Democratas, interao e intercmbio com outrosgrupos ou entidades. Motivado pelo exemplo de Porto Alegre, foi cria-do em 4/8/1974, em Rosrio do Sul (RS), o Grupo Unionista Palmares data de registro para a fundao ocorrida em 21/7. A partir de 20/11/2001, o nome mudou para Grupo Palmares de Rosrio do Sul.

    A primeira fase do Grupo Palmares, de Porto Alegre, encerrouem 3 de agosto de 1978. Viriam outras duas, mais adiante. Mas o Vintede Novembro j estava implantado no Pas - j estava estabelecida avirada histrica e construdo, ao longo de sete anos, um novo referencialpara o povo negro e sua luta. Para o indivduo negro, homem ou mu-lher, sua auto-estima, sua identidade. Criana ou adulto. Novoreferencial para o Brasil, com atenes at do exterior, verificadas maistarde.

    E o Vinte de Novembro logo receberia a adeso importante doMNUCDR com o manifesto de 1978 e a denominao Dia Nacionalda Conscincia Negra. Receberia, na figura do rei e heri, o FestivalComunitrio Negro Zumbi (Feconezu), para cidades do Estado deSo Paulo. E estava, atravs da imagem de Zumbi ou explicitamen-te, como data negra, no grupo Tio (1977-1980), de Porto Alegre,em sua revista n l, de maro de 1978; na seo "Afro-Latino-Amri-ca" do jornal ou revista Versus em outubro de 1978, So Paulo; naliteratura negra, em Cadernos Negros n l, So Paulo, o primeiro deuma grande srie, e com versos de Cuti, Eduardo de Oliveira e JamuMinka falando em Zumbi, em le Semog e Jos Carlos Limeira jun-tos em "O arco-ris negro", no Rio em 1978, ou em Abelardo Rodriguesde "Memria da noite", no mesmo ano em So Paulo. O Vinte deNovembro e seu esprito j estavam muito bem incorporados vidae luta.

  • |35

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    O esprito do Vinte

    O historiador negro mineiro Marcos Antnio Cardoso (2002, p.47-48 e 66-67) faz justia ao Grupo Palmares e sua iniciativa de marcaro 20 de novembro, destacando a atuao do grupo no conjunto de aesdo movimento negro, objeto de sua preciosa dissertao.

    Cumprida a primeira fase encerrada em 1978, o Grupo Palmaresvolta nos anos 80 como grupo de trabalho do MNU. Aparentava beiraro ineditismo esse fato de um grupo com histria prpria se dispor afuncionar como brao de uma nova organizao, mas parece que talexperincia j havia sido tentada por outras entidades na formao doMNUCDR. O fato que em 1981 formou-se o MNU-RS. Nele um novogrupo de trabalho, divergente, surge em 1983: o GT Lima Barreto, quechamava o grupo inicial de Grupo. Percebendo-se que no Grupo amaioria tinha sido integrante do Palmares, foi adotado o nome GTPalmares. Mais adiante ocorre a desvinculao do GT Palmares em re-lao ao MNU e comea a terceira fase com o Grupo Palmares nova-mente autnomo. Como tal, o Palmares foi um dos criadores da Associ-ao Negra de Cultura em 8/12/1987, mas teve outras ramificaes:grupo Coisapreta, pelo menos at a diviso ocorrida nesse trabalho, egrupo Kuenda. Se no GT Palmares da segunda fase Ceres Santos foi umnovo valor vindo do grupo Tio, tambm as ramificaes ao final daterceira fase ficaram ligadas a nomes palmarinos: Oliveira na ANdeC,Hilton Machado (terceira fase) no Coisapreta, de onde saram HelenaVitria dos Santos Machado e Marisa Souza da Silva para criar o traba-lho cultural Kuenda.

    O Grupo Palmares primou sempre por um detalhe: ser formadoexclusivamente por negros. Com isso, a iniciativa, as idias e a prticado Vinte se constituem criao inequivocamente negra, emergindo daprpria comunidade negra e seguindo caminhos prprios, com suasprprias foras e fragilidades. A nominata consagra a importncia doindividual na composio de um grupo.

    Grupo Palmares Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil.Fases 1971 a 1978; GT Palmares do MNU e Autnoma na dca-

    da de 80. A partir de 1988 ou 1989 dilui-se em ramificaes.Iniciadores Antnio Carlos Cortes, Ilmo da Silva, Oliveira

    Silveira, Vilmar Nunes, Anita Leocdia Prestes Abad e Nara HelenaMedeiros Soares.

    Em novas formaes Antnia Mariza Carolino, Gilberto AlvesRamos, Helena Vitria dos Santos Machado, Margarida MariaMartimiano, Marisa Souza da Silva e Marli Carolino.

  • 36 |

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    Registre-se ainda a passagem, pelo grupo, de Irene Santos, LeniSouza, Luiz Augusto, Luiz Carlos Ribeiro, Maria Conceio LopesFontoura, Otalcio Rodrigues dos Santos, Rui Rodrigues Moraes e VeraDaisy Barcellos. Na segunda fase (GT Palmares do MNU), Ceres San-tos. Na terceira (Autnoma, ps-MNU), Hilton Machado. Estiveram li-gados de alguma forma ao trabalho Luiz Mrio Tavares da Rosa e Mariada Graa Lopes Fontoura, alm de um grupo de estudantes do ensinomdio, entre os quais Eliane Silva (Nany) e Arton Duarte. O GrupoPalmares contou, paralelamente, com o apoio de um crculo de colabo-radores e simpatizantes negros. Aliados, em outros segmentos tnico-raciais, emprestaram tambm o seu apoio, ocasionalmente.

    Figura 5 Cartazes da Semana do Negro (So Paulo, 1976)e esboo de adesivo para os 25 anos do Vinte (Porto Alegre)

  • |37

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    Ao aderir e adotar o Vinte de Novembro, o movimento negro, nocaso de determinados grupos ou entidades, individualizou ressaltando afigura de Zumbi, na linha daquela historiografia que destaca o indivduo,o heri singular, como se ele fizesse tudo sozinho. Individualismo, coisato cara ao sistema capitalista. Mas pode tambm ter sido positivo come-ar pela prtica usual, corrente, mais familiar, para, ento, encaminhar aviso transformadora. J o Grupo Palmares sempre valorizou e destacouZumbi como o heri nacional que , mas preferiu sempre centrar a evoca-o no coletivo: 20 de novembro Palmares, o momento maior (slogan emcartaz e convite em 1973). Ou ento: Homenagem a Palmares em 20 denovembro, dia da morte herica de Zumbi. Afinal, o Estado negro foi umacriao coletiva da negrada.

    Figura 6 Dez anos do Vinte. Boletim do MNU-RS, 1981

    Figura 7 Vinte anos do Vinte. Jornal do MNU, 1991

  • 38 |

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    Figura 8 Vinte anos do Vinte. Jornal do MNU, 1991.Nota de Jnatas Conceio (MNU da Bahia)

    Figura 9 Adesivos da Associao Negra de Cultura e do grupo SembaArte Negra (Porto Alegre), em comemorao aos 20 e aos 25 anos do Vinte,

    respectivamente

  • |39

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    Figura 10 Os 25 anos do Vinte de Novembro. Ato em Porto Alegre,na Casa de Cultura Mario Quintana, 1996, promovido pela Associao

    Negra de Cultura mesa, Marisa Souza da Silva, Vera Daisy Barcellos, Oliveira Silveira e Helena Vitria dos Santos

    Machado

    O Vinte de Novembro, em seu primeiro ato evocativo, de 1971, um marco divisrio no perodo ps-abolicionista, demarcando aomesmo tempo o incio de uma nova poca, digamos contempornea,a do que se convencionou chamar Movimento Negro. Reconhecendoo valor de aes precursoras de entidades, grupos e indivduos vin-das dos anos 60, teramos a seguinte periodizao:

  • 40 |

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    1971-1978 Fase da virada histrica, de novos rumos, de novamotivao. Grupo Palmares (RS), Cecan, Cecab, GrupoTeatro Evoluo (SP), Il Aiy (BA), Sinba, IPCN, Ceba,mais o Grupo de Trabalho Andr Rebouas, GranesQuilombo (RJ), citados como referncia. Literatura negra(Oswaldo de Camargo), imprensa negra (A rvore das Pa-lavras, Sinba, Boletim do IPCN).

    1978-1988 Fase de articulao nacional, protestos, reivindica-es, agitao poltica, artstica, cultural. Instituies ofi-ciais (assessorias, conselhos). Assemblia Nacional Cons-tituinte. Intensifica-se a criao de semanas do negro.Memorial Zumbi. Correntes confessional crist (Grucon,APNs) e poltico-partidria (grupos em partidos), a parda corrente ou filo-base que o Movimento Negro pro-priamente dito. Antologias literrias, congressos, os Per-fis da Literatura Negra, encontros, os negros na BienalNestl de Literatura. MNUCDR e o nome Dia Nacional daConscincia Negra para o Vinte de Novembro, revistaTio n l, seco "Afro-Latino-Amrica" no Versus ,Feconezu, Cadernos Negros n l (Quilombo hoje assume asrie mais adiante), livros de Abelardo Rodrigues, Cuti,Joo Carlos Limeira e le Semog so fatos que marcambem o incio desta fase, num ano "pleno de acontecimen-tos culturais sob o signo ao negrismo", como observaOswaldo de Camargo (1988, p. 99). Jornegro, da Feabesp,tambm abre esta fase do movimento, encerrada no cen-tenrio da abolio.

    1988 em diante Fase de conquistas, a partir do espao notexto da Constituio para o grupo tnico afro-brasilei-ro, remanescentes de quilombo e legitimao de suasterras, institucionalizao, ONGs (organizaes no-go-vernamentais), Fundao Cultural Palmares. "Puxada detapete" neoliberal atingindo em cheio a comunidade ne-gra. Os parlamentares, secretrios de Estado e ministrosnegros. A cobrana da dvida social: reparaes, polti-cas pblicas de ao afirmativa buscando o concreto, opalpvel, em tempos de crise aguda. Literatura negrabrasileira traduzida e estudada no exterior (Alemanha,Estados Unidos). Obras culturais importantes como Amo afro-brasileira (Emanoel Arajo, organizador) eNegro brasileiro negro (organizao de Joel Rufino dosSantos, Iphan). Produo acadmica, Congresso Brasi-leiro de Pesquisadores Negros (Recife e So Carlos, SP,

  • |41

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    na UFSCar), eventos e publicaes na rea educacional.O Vinte de Novembro sempre celebrado em semanas,eventos ao longo do ms de novembro, sendo at adota-do como feriado em algumas cidades importantes, maisa idia de feriado nacional, etc.

    So parciais as citaes, no abrangem todas as reas, soindicativas apenas. Norte-Nordeste. Sul-Sudeste, Centro-Oeste: negrosagindo no Pas.

    O esprito do Vinte teme o oficialismo, mas sabe que tudo umaquesto de savoir-faire, com o knowhow adequado, e espera que se faaa coisa certa. Do capitalismo conhece o poder de absoro, esvazia-mento, reciclagem e uso a seu favor, dele capitalismo, vigente,globalizante, excludente, contingenciando as lutas negras. O espritodo Vinte negro, popular e se aninha junto famlia negra: homemnegro, mulher negra, criana negra. Continuidade tnico-racial comidentidade cultural negra e poder poltico. Uma frmula, trs princpi-os. No esprito do Vinte. Raa, cultura, poder em trs palavras.

    Surgido numa poca em que eram internacionais as influnciasda negritude antilhano-africana, das independncias na frica, do so-cialismo europeu e dos movimentos negros estadunidenses, o Vinte deNovembro, com todo o seu potencial aglutinador, era e continua sendomotivao bem nacional. Afro-brasileira. Negra.

    Seria, na verdade, o Vinte de Novembro uma data ou evento demaior mbito e alcance, a par de sua origem brasileira? Referindo-se aum grande momento da histria africano-americana e da humanidade,quando escravizados resistiram e se rebelaram contra os seus explora-dores, criando na dispora um territrio livre ao longo de todo umsculo, teria, ento, o Vinte de Novembro essa maior amplitude?

    Porto Alegre, 17 de outubro de 2003.

    Referncias bibliogrficas

    BARBOSA, Mrcio. A verdade sobre o 20 de novembro Dia Nacionalda Conscincia Negra. Revista Suingando, So Paulo, v. 1, n. 4, p. 39,1996.

    CAMARGO, Oswaldo de. O negro escrito. So Paulo: Secretaria de Es-tado da Cultura/Assessoria de Cultura Afro-Brasileira, 1988. 216 p.

  • 42 |

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    CARDOSO, Marcos Antnio. O movimento negro em Belo Horizonte:1978-1998. Belo Horizonte: Mazza Ed., 2002. 240 p.

    GAMA, Luiz. Primeiras trovas burlescas e outros poemas. Edio pre-parada por Ligia Fonseca Ferreira. So Paulo: Martins Fontes, 2000. (Co-leo poetas do Brasil) .

    GONZALEZ, Llia; HASENBALG, Carlos. Lugar de negro. Rio de Janei-ro: Marco Zero, 1982. 116 p. (Coleo 2 Pontos, v. 3).

    MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO. 1978-1988. 10 anos de luta con-tra o racismo. So Paulo: Confraria do Livro, 1998. 80 p.

    SILVEIRA, Oliveira. Banzo saudade negra. Porto Alegre: Ed. do autor,1970. 54 p.

  • |43

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    Negros na universidadee produo do conhecimentoPetronilha Beatriz Gonalves e Silva

  • 44 |

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

  • |45

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    Eles foram arrancados de um povo. E notinham como saber que seriam fundadoresde outro povo, os africanos da dispora.

    (Inscrio deixada no livro de mensagens daCasa dos Escravos, no porto de embarque dailha de Gore, Senegal)

    A universidade enquanto espao intelectual, cientfico, educativoe poltico no poder continuar sustentando-se por muito tempo, en-quanto tal, se se mantiver, como sublinha Bonarepaux (2003, p. 21),distante, desinteressada das questes que dizem respeito aos direitoshumanos, ao dilogo entre culturas, aos direitos dos povos. Partindodeste entendimento, a seguir se apresentam breves consideraes, attulo de um comeo de conversa, com o intuito de problematizar osignificado do reconhecimeto da diversidade tnico-racial brasileirapela universidade, ao incluir, no quadro de polticas institucionais, areserva de vagas para negros, entre outras polticas reparatrias e dereconhecimento. Uma das questes centrais que desafia a compreen-so, o esprito democrtico, a criatividade da universidade admitirque os antigos escravizados africanos trouxeram consigo saberes, co-nhecimentos, tecnologias, prticas que lhes permitiram sobreviver e

  • 46 |

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    construir um outro povo. O desafio maior est em incorpor-los aocorpo de saberes que cabe, universidade, preservar, divulgar, assu-mir como refer?ncias para novos estudos.

    Antes de prosseguir, convm esclarecer que o termo universida-de, no singular, empregado, neste trabalho, para significar o sistemade ensino superior, compreendendo, pois, os estabelecimentos de en-sino superior com sua funo especfica de ensino, ou de ensino, pes-quisa e extenso integradamente. Feito este esclarecimento, impor-tante destacar que a universidade no Brasil est sendo chamada a par-ticipar da correo dos erros de 500 anos de colonialismo, escravido,extermnio fsico, psicolgico, simblico de povos indgenas, bem comodos negros africanos e de seus descendentes.

    rgos superiores de universidades, notadamente das pblicas,respondendo a reivindicaes e propostas do Movimento Negro e tam-bm instados por compromissos internacionais, assumidos pelo Bra-sil, de combate ao racismo e a discriminaes, comeam a se interessarpela demanda de reconhecimento de seus direitos, de sua cultura, iden-tidade, histria, feita pelos negros e tambm pelos povos indgenas.

    Pioneiramente, a Universidade Estadual da Bahia (Uneb), assimcomo a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) propuseram eefetivaram reserva de vagas para negros, tendo como critrio primeiroa aprovao no concurso vestibular. Em decorrncia, tm, elas, enfren-tado desqualificao e processos jurdicos da parte dos que se sentemprejudicados e tentam impedi-las de dar continuidade a to importan-te deciso poltica. A Universidade de Braslia (UnB), na mesma pers-pectiva de crtica homogeneidade da composio da comunidadeuniversitria, no que diz respeito cor de seus estudantes, docentes,servidores, branca, aprovou normas e passou a estabelecer estratgias,visando garantir o ingresso de negros e ndios que demonstrem compe-tncias para realizar estudos superiores. Tem-se tambm notcias deoutras universidades pblicas que vm promovendo estudos e deba-tes, com o intuito de corrigir distores e injustias que mantm amaioria da populao brasileira, notadamente a negra, afastada do di-reito educao superior.

    Crticas cidas a tais iniciativas so feitas por aqueles que julgamas diferenas sociais e raciais dos negros, comparativamente s dos bran-cos, como inferioridade, anormalidade, desvio. Formulam, eles, com baseem preconceitos, juzos que difundem uma imagem negativa dos ne-gros. Com isto, tentam manter os negros afastados da possibilidade devir a, com eles, concorrer tanto no ingresso na universidade como, futu-ramente, na batalha por emprego. Tais crticas, sejam elas em tom agres-sivo ou at mesmo benevolente, revelam rejeio explcita ou camufladaaos negros e, sobretudo dificuldade ou falta de vontade para enfrentar as

  • |47

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    tensas relaes raciais constitutivas, juntamente com outras relaessociais, da sociedade brasileira.

    Entendem, tais crticos, que polticas de aes afirmativasdirigidas aos negros seriam como que esmolas e no aceitam que pos-sam tratar-se de metas imprescindveis para uma sociedade que noapenas se diz democrtica, mas que se organiza para s-lo.

    No Brasil, conforme analisam Jaccoud e Beghin (2002, p. 66),"de um lado, a permanncia das desigualdades raciais naturaliza a par-ticipao diferenciada de brancos e negros nos vrios espaos da vidasocial, reforando a estigmatizao sofrida pelos negros, inibindo odesenvolvimento de suas potencialidades individuais e impedindo ousufruto da cidadania. De outro lado, o processo de excluso vividopela populao negra compromete a evoluo democrtica do Pas e aconstruo de uma sociedade justa e coesa." A excluso, concluem asreferidas autoras, "fortalece as caractersticas hierrquicas e autoririasda sociedade e aprofunda o processo de fratura social que marca oBrasil contemporneo" (p. 66).

    Neste quadro, a concepo, a organizao e o funcionamento dauniversidade brasileira tm seguido caractersticas que, segundo Schaub(citado por Stauss, 2002, p. 53-54), so prprias de educao promovi-da na perspectiva de ideologia do liberalismo, quais sejam: identifica-o e formao de uma aristocracia no interior da massa social demo-crtica; reforo, junto aos escolhidos, da convico de que pertencem auma classe de excelncia e grandeza humana; oferta de oportunidadespara que participem, ainda que seja ouvindo, em intercmbios entre asmais brilhantes mentes; oferta de experincias com "coisas belas".

    Desta forma, cultiva-se um elitismo que expressa total desprezopor tudo que possa implicar reviso de pressupostos e crenas que tmfundamentado a formao acadmico-cientfica. Em outras palavras,h recusa em avaliar as bases ideolgicas e tericas, fortementeenraizadas no sculo das luzes, com que se construram saberes sobreos outros e sobre o mundo. Tal atitude no permite aceitao de novase diversas possibilidades de olhar os outros e o mundo, mas impede devislumbrar a importncia e a necessidade tanto da reconstruo deconhecimentos como da elaborao de novos sobre grupos e pessoas,construdos cientfica e socialmente como diferentes (Silva, Silvrio,2001, p. 53).

    Ribeiro (1999, p. 240), em estudo sobre democratizao da uni-versidade, destaca que a competncia que os estudos superiores devemgarantir "no pode ser vista como uma entidade abstrata, autnoma edesvinculada de interesses que definem saberes, disciplinas, contedos,mtodos, instrumentos, discursos", os quais legitimam a universidade

  • 48 |

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    como democrtica ou a impem "como relao de fora, silenciando pro-jetos acadmicos que vm das camadas subalternas tradicionalmente ex-cludas da academia." Alerta-nos Marlene Ribeiro para o fato de que aconstruo de competncias acadmicas legtimas, no quadro de uma so-ciedade excludente, racista, discriminatria, que diz projetar ser justa, in-clui experincias de ruptura com o modelo tradicional de universidade.

    Assim sendo, a presena numericamente significativa de jovensdas classes e grupos at ento impedidos de freqentar os bancos uni-versitrios, deve levar a que as ideologias, teorias e metodologias quesustentam e do andamento produo de conhecimentos sejam ques-tionadas e, em decorrncia, as atividades acadmicas e cientficas se-jam redimensionadas. Dizendo de outra maneira, instituies de ensi-no superior que reconhecem a diversidade social e econmica da po-pulao brasileira, sua pluralidade cultural e racial e as avaliam comoinjustas, ao reservar vagas para negros, projetam ser socialmente jus-tas, e para tanto tm de ampliar seu campo de viso e de produo doconhecimento.

    Uma instituio, que se disponha a implantar plano de aesafirmativas para a populao negra, no pode encar-lo como "prote-o a desvalidos", segundo pretendem alguns. preciso que um planocom tais metas incentive a compreenso dos valores da diversidadesocial, cultural, racial e, nestes valores, busque apoio para orientar suasaes educativa, de formao de profissionais e de responsvel peloavano das cincias. Sem dvida, a universidade, ao prever e executarmedidas visando incluso de grupos at ento deixados margem,inclui-se na sociedade, passa a dela fazer parte e assume compromissocom ela, j que deixa de atender unicamente aos interesses de um ni-co segmento at ento privilegiado.

    Segundo o American Council on Education (1999, p. 16-17),malgrado as crticas dos que apontam as dificuldades para medi-lo,iniciativas acadmicas que admitem e reconhecem a diversidade soci-al, cultural e tnico-racial afetam positivamente tanto as minorias quantoas maiorias nos campi. Verifica-se impacto positivo nas atitudes e sen-timentos dos estudantes, nas relaes que se mantm entre os diferen-tes grupos, notadamente nas relaes inter-raciais. As oportunidadesde interagir em atividades que permitem desenvolvimento cognitivopromovem satisfao, envolvimento e crescimento acadmico. Em al-guns casos, inclusive comprometimento destes alunos, no sentido departicipar das lutas pela boa qualidade material e de ensino das esco-las pblicas de ensino fundamental e mdio, a fim de que seus egres-sos venham a adquirir competncias e desenvolver capacidadesrequeridas para cursar o ensino superior.

  • |49

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    importante ter claro, quando a universidade brasileira se pro-pe a adotar um plano de aes afirmativas, que no se encontra to-somente buscando corrigir os erros de 500 anos de colonialismo, escra-vido, extermnio de povos indgenas e negros, de tentativas de extinode suas concepes, crenas, atitudes, conhecimentos mais peculiares.Est, isto sim, reconhecendo que, apesar dos pesares, muitos deles noforam extintos e precisam ser valorizados, reconhecidos no como ex-ticos, mas como indispensveis para o fortalecimento poltico dessesgrupos, bem como poltico e acadmico da universidade.

    Ao tocar na estrutura das desigualdades, objetivando promovereqidade entre negros, ndios, brancos e amarelos nos bancos univer-sitrios, reescreve-se a maneira de pensar, de produzir conhecimento,de ser universidade no Brasil. J no cabem, pois, meras medidas vi-sando mover os ditos inferiores para uma pretensa melhor situao,tendo como modelo os que se classificam como superiores.

    Necessrias se fazem prticas educativas assim como as investi-gaes que reflitam, conforme indica Tillman (2002, p. 361) para ocampo da educao, prticas e valores prprios das experincias hist-ricas passadas e contemporneas dos descendentes de africanos. Maisainda, que adotem paradigma que enfatize tanto sua cultura como oscaminhos que lhe so peculiares para produo de conhecimentos, e,alm do mais, comprometam-se com o fortalecimento da comunidadenegra.

    Neste sentido, busca-se descolonizar as cincias, retomando vi-ses de mundo, contedos e metodologias de que a cincia ocidentalse apropriou, acumulou e a partir deles criou os seus prprios, deixan-do de mencionar aqueles. So pouco difundidas as bases africanas,rabes, chinesas, entre outras, a partir das quais foram gerados os fun-damentos das cincias e filosofias atuais. Como bem sublinha Ramahi(2001, p. 594), a racionalidade cartesiana funda a lgica europia e,esta, o empreendimento cientfico eurocntrico que esconde o quantoherdou das grandes civilizaes da frica, sia e das Amricas.

    Ao decidir-se por tal, a universidade admite que "a importnciado reconhecimento hoje universalmente aceita tanto no plano ntimoou individual quanto no plano social." Entende que "no primeiro casoexiste a conscincia de como nossa identidade pode ser bem ou malformada no curso de nossas relaes com outros significantes" e que,no segundo caso, temos de contar com aes polticas ininterruptas dereconhecimento igualitrio (Silvrio, 2001, p. 91).

    Inscreve-se, pois, a universidade, no que Constant (2000, p. 88-89) designa como "revoluo multicultural" que marca evoluo aindavacilante de "saber viver no singular" em direo a um "saber viver noplural". Trata-se de processo de construo de "democracia

  • 50 |

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    multicultural" cuja preocupao permanente ao lado do reconhecimentodas particularidades culturais se situa na maior justia social. "Quererviver no plural", enfatiza o referido autor, citando Amin Maalouf, "im-plica duas exigncias de igual importncia: um dever de reciprocida-de, de um lado; uma obrigao de eqidade, de outro" (Idem, p. 90).

    Neste rumo, dispe-se, a universidade, no a considerar as dife-renas raciais, a pluralidade cultural como um fim em si, mas comouma forma de assumir a responsabilidade de educar para novas rela-es raciais e sociais, de produzir conhecimentos apartados de umanica viso de mundo, de cincia, como um processo poltico de nego-ciao que projeta uma sociedade justa.

    Qual, ento, a importncia da igualdade racial para a produodo conhecimento?

    Se a diversidade tnico-racial e a pluralidade das formas de vi-ver e de pensar a vida, o mundo, as relaes entre as pessoas, entre elase o ambiente em que vivem, est tornando-se realmente central naspreocupaes e objetivos da universidade, h que se buscar e/ou criarteorias que ajudem a abordar perspectivas distintas, que permitam fa-zer a crtica daquelas que desconsideram ou eliminam as diferenas.

    Neste mbito, os problemas de pesquisa so construdos tendoem conta o contexto da diversidade, com nfase nas dimenses hist-ricas, identitrias, culturais, sociais, e de lutas dos grupos com que sevai ou que se vai pesquisar. E claro est que as questes de pesquisa seencontram fortemente vinculadas a este contexto. As investigaes porelas orientadas trataro de encontrar as melhores evidncias, apontan-do, entretanto, as limitaes que ainda se tem para produzir conheci-mentos na perspectiva da diversidade tnico-racial, da pluralidadecultural, da igualdade de direitos, da eqidade social.

    Pesquisas visando avaliar os planos de aes afirmativas,notadamente as metas polmicas como as cotas para negros nas univer-sidades, precisaro ser realizadas. Para tanto, haver que identificar in-terrogaes a responder a longo, curto e mdio prazos tais como: Quedimenses toma a excelncia acadmica, no quadro da igualdade racial?Que benefcios traz para formao de lideranas, para a competncia detrabalhar em conjunto, de negociar, a poltica de igualdade racial na uni-versidade? Qual o impacto da poltica da igualdade racial nas prticaspedaggicas e nos contedos de cursos em que a problemtica das dife-renas, em suas diferentes dimenses, diz diretamente respeito, tais como:Pedagogia, Psicologia, Medicina e outros da rea da sade? Qual a reper-cusso nos cursos de Arquitetura, ao estudar, por exemplo, problemasrelativos insolao, climatizao, das construes de taipa e outras dosquilombolas? Qual a influncia no convvio entre estudantes, professo-res e estudantes, funcionrios e estudantes, de diferentes grupos? Que

  • |51

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    intervenes, enquanto atividades de extenso universitria, precisamser desencadeadas nas comunidades, considerando a igualdade racial?

    H de se avaliar planos de aes afirmativas, na dimenso daigualdade racial, buscando, entre outras coisas, identificar se, nocampus, houve diminuio de discriminaes contra negros e outrosgrupos excludos dos direitos de todos os cidados; verificar se os re-cursos investidos trouxeram benefcios para os estudantes, para a pro-duo do conhecimento, e que tipo de benefcios; observar se a igual-dade racial no campus tem promovido substantivo avano na maneirade se examinar problemas sociais e de buscar solues; avaliar se osservios oferecidos tm atendido "a diversidade", se os da rea da sa-de, por exemplo, tm promovido atendimento especializado para alu-nos portadores de anemia falciforme, com problemas de presso alta,entre outros; observar se temticas raciais tm sido discutidas nocampus, em que mbito, com que objetivo, a que encaminhamentostm levado.

    Com isso, temos esforo para romper com a universidade queprega homogeneidade e superioridade de conhecimentos produzidosna Europa e nos Estados Unidos, que expurga a presena e a memriade conhecimentos de outras razes constitutivas de nossa sociedade.Estamos diante de compromisso com o discurso em prol da construode uma sociedade mais justa, ao se admitir e reconhecer poltica, cul-tural e academicamente a diversidade brasileira, ao corajosamenteabord-la a partir do que mais doloroso e difcil de ser tratado no seiode uma sociedade racista e que se quer democrtica, o da igualdaderacial.

    E, frise-se bem, que no se trata de com essas aes postular um"novo culturalismo", que, nos termos de Bauman (2003, p. 98-99), fun-ciona como o "velho racismo", ao tentar "aplacar os escrpulos moraise produzir a reconciliao com a desigualdade humana". Deste pontode vista, um programa de aes afirmativas, de modo especial no quetange meta de cotas para negros nas universidades, significa muitomais do que aumento de oportunidades de acesso ao ensino superior,significa tambm condies para realizar estudos com sucesso e, almdisso, reconhecimento e valorizao da cultura, histria e dos conheci-mentos produzidos pelos africanos de frica, assim como pelos dadispora (Gurin et al., 2002). Destaque-se tambm que isto requer cri-trios tico-crticos com os quais, no dizer de Arajo-Olivera (2002, p.120) ao discorrer sobre uma pedagogia da incluso, se possa questio-nar e desconstruir o sistema de excluses vigente e produzir uma novaordem social.

    Negros na universidade, pois, tem de deixar de ser reivindica-o do Movimento Negro, para converter-se em comprometimento do

  • 52 |

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    poder pblico, compromisso das instituies de ensino, para que serepare o secular dficit de educao da populao negra, produzidopor organizao social excludente, discriminatria, racista. Compro-misso e comprometimento que exigem, como j vimos anteriormente,quebra do domnio intelectual, poltico, material, centrado numa ni-ca viso de mundo, de cincia, de cidadania de origem europia eestadunidense, requer dilogo entre estas vises e outras, como as deraiz africana, indgena, asitica.

    Para tanto, h que superar compreenso distorcida das relaessociais, particularmente das relaes tnico-raciais, e tambm das quese desencadeiam no interior da universidade, fomentadas pelo mito deque no Brasil viver-se-ia a experincia de uma democracia racial, deuma sociedade hegemnica. H que analisar e avaliar a organizaosocial vigente no decorrer de cinco sculos de nossa histria brasileira,assim como os resultados a que, com ela, se chegaram. A partir disso,encontrar formas e criar oportunidades de educao que garantam in-distintamente possibilidades iguais de formao para cidadania a to-dos os brasileiros.

    H que superar modos de pensar e de comportar-sediscriminatrios da parte de uns, submissos, revoltados ou acomoda-dos da parte de outros, assim como o entendimento de que alguns bra-sileiros, os descendentes de europeus, seriam portadores da culturamais completamente "civilizada", dos valores mais corretamente hu-manos, alm da crena de que todos os demais brasileiros, para se tor-narem corretamente "civilizados" deveriam, se no tornar-se iguais aeles, pelo menos imit-los da maneira mais prxima possvel.

    H que pensar a formao universitria como possibilidade deenfrentar, superar intolerncias, o que implica buscar meios de supri-mir desigualdades seculares. E como mostram estudos de Silva (2003a,2003b), os movimentos sociais, no caso particular deste trabalho, oMovimento Negro, tm de ser parceiros imprescindveis, uma vez queno interior de suas lutas formam adultos, jovens, crianas, para exer-cer a cidadania que busque garantir constituio da sociedade demo-crtica, capaz de combater discriminaes, racismo, de reconhecer,respeitar e valorizar a diversidade de experincias, as diferenas deviso de mundo, de acolher, negociar e articular interesses, necessida-des, desejos em objetivos comuns.

    Para finalizar, retornemos epgrafe "Eles foram arrancados deum povo. E no tinham como saber que seriam fundadores de outropovo, os africanos da dispora". Este novo povo, no Brasil os afro-bra-sileiros, est ainda lutando para ser aceito, reconhecido, valorizadocomo negros, descendentes de africanos. Na batalha contra a monstru-osidade de processos ditos civilizatrios com que tenta, h sculos,

  • |53

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    transformar-lhes em objetos exticos, seres humanos de categoria infe-rior, constituem-se pensadores, estudiosos cujo trabalho, sem fugir aorigor cientfico, recria-o e mostra que as provocaes e propostas trazidas"neste incio de conversa" no so meras intenes ou possibilidades,mas realidades que o I e II Congresso Brasileiro de Pesquisadores Ne-gros amplamente comprovaram (cf. Barbosa, Silva, Silvrio, 2003).

    Referncias bibliogrficas

    AMERICAN COUNCIL ON EDUCATION. Making the case forAffirmative Actions in Higher Education. Washington, 1999.

    ARAJO-OLIVEIRA, S. Stella. Paulo Freire, pedagogo crtico. Mxico:Universidade Pedaggica Nacional, 2002.

    BARBOSA, Lucia M. de A.; SILVA, Petronilha B. Gonalves e; SILVRIO,Valter Roberto (Org.). De preto a afro-descendente: trajetos da pesquisasobre relaes tnico-raciais no Brasil. So Carlos, EDUFSCar, 2003.

    BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurana no mundoatual. Rio de Janeiro, Zahar, 2003.

    BONAREPAUX, Christian. Conflict isralo-palestitnien: lniversitenrole. Le Monde de LEducation, Paris, n. 311, p. 19-21, fv. 2003.

    CONSTANT, Fred. Le multiculturalisme. Paris: Flammarion, 2000.

    GURIN, Patricia et al. Diversity and higher education: theory and impacton educational outcomes. Harvard Educational Review, Cambridge, v.72, n. 3, p. 293-329, 2002.

    JACCOUD, Luciana; BEGHIN, Nathalie. Desigualdades raciais no Bra-sil: um balano da interveno governamental. Braslia, Ipea, 2002.

    RAMAHI, Ghada Mustaf. Colonizing Science. In: STEINBERG, ShirleyR. (Org.). Multi/intercultural conversations. New York: Peter Lang, 2001.p. 593-608.

    RIBEIRO, Marlene. Universidade brasileira ps-moderna: democrati-zao X competncia. Manaus: Ed. Universidade do Amazonas, 1999.

  • 54 |

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    SCHAUB, Diana. Can liberal education survive liberal democracy? ThePublic Interest, Washington, n. 147, p. 45-60, 2002.

    SILVA, Petronilha B. Gobalves e. Citizenship and Education in Brazil.In: BANKS, James (Org.). Diversity and citizenship perspectives. SanFrancisco, Jossey-Bass: Wiley, 2003a. p. 230-258.

    ______. Movimientos sociales, ciudadana y educacin en Brasil. SoCarlos, 2003b. Conferncia proferida no Instituto de Ciencias de laEducacin da Universidad Autnoma del Estado de Morelos, emCuernavaca, Mxico.

    SILVA, Petronilha B. Gonalves e; SILVRIO, Valter. Direitos Humanose Questo Racial; anotaes para a construo da excelncia acadmi-ca. In: FELICIDADE, Norma (Org.). Caminhos da cidadania: um per-curso universitrio em prol dos direitos humanos. So Carlos,EDUFSCar, 2001. p. 51-62.

    SILVRIO, V. O multiculturalismo e o reconhecimento: mito e metfo-ra. Cultura Vozes, Petrpolis, v. 94, n. 1, p. 83-100, 2001.

    TILLMAN, Linda C. Culturally sensitive research approaches: anAfrican-american perspective. Educational Researcher, Washington, v.31, n. 9, p. 3-12, dec. 2002.

  • |55

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    O papel das aes afirmativasem contextos racializados:

    algumas anotaes sobreo debate brasileiroValter Roberto Silvrio

  • 56 |

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

  • |57

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    O intenso debate transnacional, em torno da categoria raa, si-tua-se no interior de um momento histrico, o ps-Segunda GuerraMundial, no qual o modo de olhar, refletir e conceber a questo socialpassou a sofrer profundas transformaes por influncia marcantedos movimentos sociais identitrios, no caso especfico as vrias or-ganizaes, em diferentes partes do globo, que lutavam e lutam con-tra o racismo.

    Tal influncia, no fundamental, pode ser resumida dennciapblica e s lutas sociais contra a discriminao racial e o racismoenquanto fatores geradores de desigualdades sociais. Os movimentossociais passaram a exigir medidas preventivas e compensatrias quecoibissem prticas discriminatrias e racistas.

    Nos vrios Estados nacionais observam-se, em funo de suasdistintas dinmicas sociais, variados ritmos no estabelecimento depolticas pblicas que operem transformaes efetivas na situao desegmentos populacionais discriminados e racializados negativamente.No entanto, o que chama a ateno que, se por um lado existe umreconhecimento quase que incondicional da necessidade deequacionamento do problema racial para o desenvolvimento de pro-cessos sociais que levem constituio de democracias mais efetivas,por outro lado, em relao s cincias sociais observa-se um profundodissenso em torno da validade cientfica, das conseqncias sociais e

  • 58 |

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    da utilidade poltica da categoria raa. A comear pelo uso da categoriacom aspas ou sem aspas.

    No nvel cientfico, convencionou-se que s possvel refern-cia a "raas" em termos emic que se "referem a sistemas lgicos nosquais distines fenomnicas ou 'coisas' so elaboradas a partir de dis-criminaes e contrastes que so significantes, reais, acurados, fazemsentido e so julgados apropriados pelos prprios atores". Ao contr-rio, as categorias etic "dependem de distines fenomnicas julgadaspertinentes por uma comunidade de observadores cientficos" (Harriset al., 1993, p. 460; Guimares, 2002, p. 53, nota n. 26).

    Assim, para Gilroy, por exemplo, "raa" a nica categoria pos-svel de auto-identificao para pessoas cujos pleitos legais, oposicio-nistas e mesmo democrticos tm necessariamente de ser construdossobre identidades e solidariedades forjadas a grande custo, a partir decategorias que lhes foram impostas pelos seus opressores" (Gilroy, 1998,p. 842, traduo de Guimares, 2002, p. 49). "Tal reconhecimento leva-ria, como levou, a um compromisso liberal democrtico de empregar-se "raas" entre aspas, para denotar o seu carter de construo social"(Guimares, 2002, p. 49).

    Este mesmo autor, no entanto, tem argumentado que "todo dis-curso que recria "raas" seria anacrnico e por meio da construo de"um humanismo alternativo", ps-moderno, capaz de repensar critica-mente o caminho da modernidade, o que, para Gilroy, significa superara "raa" e a noo correlata de "relaes raciais", para desfazer o racis-mo no dia-a-dia das relaes humanas em direo a construo de uma"humanidade planetria" (Gilroy, 2000, p. 356; Azevedo, 2002, p. 146;Guimares, 2002, p. 49-50).

    O que se pode depreender, ao menos provisoriamente, que nomundo contemporneo o significado de raa tem crescido na mesmaproporo de sua negao enquanto uma categoria que nos permiteextrair algum tipo de inteligibilidade no interior de processos sociaisentre grupos, classes e comunidades de uma dada sociedade.

    Com raras excees,1 raa contemporaneamente tem sido en-tendida enquanto um constructio social, no se referindo a qual-quer categoria biolgica. Por exemplo, os termos branco e negro2

    que, aparentemente, podem nos levar a uma certa "essencializao

    1 Veja, por exemplo, o livro The bell curve, que recentemente reintroduziu uma viso biologizada deraa, com objetivos explcitos de interferir nos investimentos do governo norte-americano desti-nados aos programas de ao afirmativa, especialmente os destinados aos negros.

    2 Jacques DAdesky define negro como sendo "todo o indivduo de origem ou ascendncia africanasuscetvel de ser discriminado por no corresponder, total ou parcialmente, aos cnones ociden-tais, e cuja projeo de uma imagem inferior ou depreciada representa uma negao de reconheci-mento igualitrio, bem como a denegao de valor de uma identidade de grupo e de uma heranacultural e uma herana histrica que geram a excluso e a opresso" (DAdesky, 2001, p. 34).

  • |59

    Educao e Aes Afirmativas|entre a injustia simblica e a injustia econmica

    racial por meio da cor" so normalmente apreendidos numa din-mica de interao que os submete a um campo ideolgico constitu-do de esteretipos, de preconceitos que apresentam a imagem donegro inferiorizada em relao do branco (D'Adesky, 2001, p. 34).Para este autor, a longa histria de constituio deste campo ideol-gico no mundo ocidental tem causado que as populaes de ascen-dncia ou origem africana encontrem-se permanentementesubjugadas a um cnone esttico ocidental helnico, que o reflexode uma cultura hegemnica que estabelece fronteiras entre o feio eo bonito, o desejvel e o indesejvel, o valorizado e o desvalorizado(DAdesky, 2001).

    , precisamente, no campo dos val