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A DOUTRINA DAS ÚLTIMAS COISAS

ESCATOLOGIA INDIVIDUAL

Capítulo Introdutório.

A Escatologia na Filosofia e na Religião.

1. A QUESTÃO DA ESCATOLOGIA É UMA QUESTÃO NATURAL. Alguma doutrina

das últimas coisas não é coisa peculiar à religião cristã. Onde quer que as pessoas tenham

refletido seriamente sobre a vida humana, seja no indivíduo, seja na raça, não inquiriram

apenas donde ela surgiu e como veio a ser o que é, mas também para onde está

destinada. Elas levantaram a questão, Qual é o fim ou o destino final do indivíduo, e qual a

meta rumo à qual a raça humana está se movendo? O homem perece na morte, ou entra

noutro estado de existência, quer de bem-aventurança, quer de infortúnio? As gerações

dos homens virão e passarão, numa sucessão interminável e finalmente sucumbirão no

esquecimento, ou a raça dos filhos dos homens e toda a criação estarão a mover-se para

algum telos divino, para um fim que lhe foi designado por Deus? E se a raça humana está

se movendo para alguma condição final, ideal, as gerações que vêm e passam participarão

disso de algum modo, e, se for assim, como participarão? Ou servirão elas apenas como

uma passagem que leva ao grandioso clímax? Naturalmente, só os que crêem que, assim

como a história do mundo teve um princípio, também terá um fim, podem falar de uma

consumação e podem ter uma doutrina da escatologia.

2. A QUESTÃO DA ESCATOLOGIA NA FILOSOFIA. A questão do destino final do

indivíduo e da raça ocuparam importante lugar nas especulações dos filósofos. Platão

ensinava a imortalidade da alma, isto é, sua existência continuada após a morte, e esta

doutrina persistiu como um importante dogma da filosofia até à época presente. Spinoza

não teve lugar para ela em seu sistema panteísta, mas Wolff e Leibnitz a defenderam com

toda sorte de argumentos. Kant dava ênfase à insustentabilidade desses argumentos, mas,

não obstante, conservou a doutrina da imortalidade como um postulado da razão prática. A

filosofia idealista do século dezenove a rejeitou. De fato, como diz Haering, “O panteísmo

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de todos os tipos limita-se a um definido modo de contemplação, e não leva a nenhuma

realidade ‘última’”. Os filósofos não refletiam somente sobre o futuro do indivíduo; também

pensavam profundamente no futuro do mundo. Os estóicos falavam de sucessivos ciclos

de mundos, e os budistas, de eras de mundos, em cada uma das quais um novo mundo

aparece e volta a desaparecer. Até mesmo Kant especulava sobre o nascimento e a morte

dos mundos.

3. A QUESTÃO DA ESCATOLOGIA NA RELIGIÃO. Contudo, é especialmente na

religião que encontramos concepções escatológicas. Mesmo as religiões falsas, tanto as

mais primitivas como as mais evoluídas, têm sua escatologia. O budismo tem o seu

nirvana, o maometanismo o seu paraíso sensual, e os índios americanos os seus felizes

campos de caça. A crença na permanente existência da alma aparece em toda parte e sob

diversas formas. Diz J. T. Addison: “A crença em que a alma do homem sobrevive à sua

morte, tão perto está de ser universal que não temos nenhum registro confiável de alguma

tribo, nação ou religião em que ela não esteja em destaque”.1 Pode manifestar-se na

convicção de que os mortos continuam pairando nos arredores e por perto, no culto aos

antepassados, na busca de comunicação com os mortos, na concepção de um mundo

subterrâneo habitado pelos mortos, ou na idéia da transmigração das almas; mas, numa ou

noutra forma, está sempre presente. Nessas religiões, porém tudo é vago e incerto. É

somente na religião cristã que a doutrina das últimas coisas recebe maior precisão e traz

consigo uma segurança que só pode ser divina. Naturalmente, os que não se contentam

em descansar sua fé exclusivamente na Palavra de Deus, mas a fazem depender da

experiência e das produções da consciência cristã, estão em grande desvantagem aqui.

Embora possam experimentar um despertamento espiritual, a iluminação divina, o

arrependimento e a conversão, e possam observar os frutos da graça em suas vidas, não

podem experimentar nem ver as realidades do mundo futuro. Terão que aceitar o

testemunho de Deus a respeito delas, ou que continuar andando às apalpadelas no escuro.

Se não desejam construir a casa da sua esperança em vagas e indeterminadas aspirações,

terão que retornar ao firme fundamento da Palavra de Deus.

B. A Escatologia na História da Igreja Cristã

Falando em termos gerais, pode-se dizer que o cristianismo nunca olvidou as gloriosas

predições concernentes ao seu futuro do cristão individual. Nem o cristão individual nem a

1 Life Beyond Death, p.3.

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igreja puderam deixar de pensar nelas e de nelas achar consolação. Às vezes, porém, a

igreja, subjugada pelas preocupações da vida ou enredada em seus prazeres pouco

pensou no futuro. Além disso, sucedeu repetidamente que ora pensava mais num elemento

particular da sua esperança futura, ora noutro. Nas épocas de apostasia, a esperança

cristã às vezes ficava obscurecida e incerta, mas nunca se extinguiu completamente. Ao

mesmo tempo, deve-se dizer que jamais houve um período da história da igreja em que a

escatologia fosse o centro do pensamento cristão. Os outros loci ou pontos da dogmática

tiveram desenvolvimento, mas não se pode dizer isto da escatologia. Pode-se distinguir

três períodos na história do pensamento escatológico.

1. DA ERA APOSTÓLICA AO INÍCIO DO QUINTO SÉCULO. Já no primeiro período, a

igreja estava perfeitamente cônscia dos elementos distintos da esperança cristã, como, por

exemplo, que a morte física não é ainda a morte eterna, que as almas dos mortos

continuam vivendo, que Cristo virá outra vez, que haverá uma bendita ressurreição do povo

de Deus, que esta será seguida por um julgamento geral no qual a condenação eterna será

pronunciada contra os ímpios, mas o fiéis serão recompensados com as glórias eternas do

céu. Mas estes elementos eram simplesmente visto como outras tantas partes separadas

da esperança futura, e ainda não tinham sido elaboradas dogmaticamente. Embora fossem

bem compreendidos os vários elementos, não se via claramente a sua interrelação. A

princípio, parecia que a escatologia estava no caminho certo para se tornar o centro da

elaboração da doutrina cristã, pois nos dois primeiros séculos o quiliasma era muito

proeminente, conquanto não tão proeminente como alguns gostariam de fazer-nos

acreditar. Todavia, como veio a ser, a escatologia não se desenvolveu neste período.

2. DO INÍCIO DO QUINTO SÉCULO À REFORMA. Sob a direção do Espírito Santo, a

atenção da igreja voltou-se do futuro para o presente, e o quiliasma aos poucos foi sendo

esquecido. Especialmente sob a influência de Orígenes e Agostinho, conceitos

antiquiliásticos se tornaram dominantes na igreja. Mas embora estes conceitos fossem

considerados ortodoxos, não foram ponderados exaustivamente, nem desenvolvidos

sistematicamente. Havia uma crença geral na vida após a morte, mas volta do Senhor, na

ressurreição dos mortos, no juízo final e no reino da glória, mas muito pouca reflexão sobre

o modo de sua ocorrência. A idéia de um reino material e temporal abriu caminho para as

da vida eterna e da salvação futura. Com o transcorrer do tempo, a igreja foi colocada no

centro das atenções, a igreja hierárquica foi identificada com o reino de Deus. Ganhou

terreno a idéia de que fora dessa igreja não há salvação, e a de que a igreja determina o

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adequado treinamento pedagógico para o futuro. Muita atenção foi dada ao estado

intermediário e, particularmente, à doutrina do purgatório. Em conexão com isto, a

mediação da igreja foi trazida para o primeiro plano – as doutrinas da missa, das orações

pelos mortos e das indulgências. Como um protesto contra este eclesiasticismo, o

quiliasma apareceu em várias seitas. Em parte, isto constituiu uma reação de natureza

pietista contra o externalismo e a mundaneidade da igreja.

3. DA REFORMA AOS DIAS ATUAIS. O pensamento da Reforma centralizou-se

primariamente em torno da idéia da aplicação e apropriação da salvação, e procurava

desenvolver a escatologia segundo este ponto de vista. Muitos dos antigos teólogos

reformados (calvinistas) trataram dela apenas como um adjunto da soteriologia, focalizando

a glorificação dos crentes. Conseqüentemente, só uma parte da escatologia foi estudada e

levada a uma maior desenvolvimento. A Reforma adotou o que a Igreja eterna, e pôs de

lado a crassa forma de quiliasma que apareceu nas seitas anabatistas. Em sua oposição a

Roma, também refletiu bastante sobre o estado intermediário e rejeitou os diversos dogmas

desenvolvidos pela Igreja Católica Romana fizeram muito pelo desenvolvimento da

escatologia. No pietismo o quiliasma reapareceu. O racionalismo do século dezoito

conservou da escatologia apenas a simples idéia duma imortalidade incolor, da mera

sobrevivência da alma após a morte. Sob a influência da filosofia da evolução, com sua

idéia de um progresso interminável, aquela doutrina se tornou, se não obsoleta, ao menos

obsolescente. A teologia”liberal” ignorou inteiramente os ensinos escatológicos de Jesus e

deu toda a ênfase aos Seus preceitos éticos. Como resultado, ela não tem uma escatologia

que mereça este nome. O interesse pelo mundo além abriu alas para o interesse pelas

coisas deste mundo; a bendita esperança da vida eterna foi substituída pela esperança

social de um reino de Deus exclusivamente deste mundo; e a anterior segurança quanto à

ressurreição dos mortos e à glória futura, foi suplantado pela vaga confiança em que Deus

pode ter em depósito coisas ainda melhores para o homem do que as bênçãos que ele

desfruta agora. Diz Gerald Birney Smith: “Em nenhuma esfera as mudanças de

pensamento foram mais marcantes que na parte da teologia que trata da vida futura. Onde

os teólogos continuavam falando pormenorizadamente a respeito das ‘últimas coisas’,

agora eles expõem em termos algo gerais a barata base para uma confiança otimista na

continuação da vida além da morte física.”2 Contudo, há no presente alguns sinais de uma

mudança para melhor. Uma nova onda de premilenismo apareceu, e este não se limita às

2 A Guide to the Study of the Christian Religion, p. 538.

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seitas, mas também achou entrada nalgumas das igrejas dos nossos dias, e os seus

defensores propõem uma filosofia cristã da história, baseada particularmente no estudo de

Daniel e Apocalipse, e ajuda a fixar mais uma vez a atenção no final dos séculos. Weiss e

Schweitzer chamaram a atenção para o fato de que os ensinos escatológicos de Jesus

foram muito mais importantes, em Seu esquema de pensamento, do que os Seus ensinos

éticos, os quais representam, afinal de contas, apenas uma “Interimsethik” (“ética do

ínterim”). E Karl Barth também salienta o elemento escatológico da revelação divina.

C. Relação da Escatologia com o Restante da Dogmáti ca.

1. CONCEPÇÕES ERRÔNEAS QUE OBSCURECEM ESTA RELAÇÃO. Quando

Kliefoth escreveu sua Escatologia (Eschatologie), queixou-se do fato de que até então

nunca aparecera um compreensivo e adequado tratado de escatologia de maneira

completa; e depois chamou a atenção para o fato de que nas obras dogmáticas aparece

muitas vezes, não como uma das principais divisões e uniforme em relação a estas, mas

apenas como um apêndice fragmentário e tratado com negligência, enquanto que algumas

das suas questões são discutidas noutros loci isto é, noutras partes. Havia boas razões

para as suas reclamações. Em geral se pode dizer que, mesmo agora, a escatologia é o

menos desenvolvido de todos os loci da dogmática. Além disso, com freqüência se lhe dá

um lugar muito subordinado no tratamento sistemático da teologia. Coccejus (Cocceio)

cometeu o erro de dispor o conjunto global da dogmática segundo o esquema das alianças,

e assim a tratou como um estudo histórico, e não como uma apresentação sistemática de

todas as verdades da religião cristã. Nesse esquema, a escatologia só poderia aparecer

como “finale” da história, e de modo nenhum como um dos elementos constitutivos de um

sistema de verdade. Uma discussão histórica das ultimas coisas pode fazer parte da

historia revelationis (história da revelação), mas, como tal, não pode ser apresentada como

parte integrante da dogmática. A dogmática não é uma ciência descritiva, e, sim, normativa,

na qual visamos à verdade absoluta, e não a uma simples verdade histórica. Os teólogos

reformados (calvinistas) em geral viam este ponto com muita clareza, e, portanto, discutiam

as últimas coisas de maneira sistemática. Todavia, nem sempre lhe fizeram justiça como

uma das principais divisões da dogmática, mas lhe deram um lugar subordinado num dos

outros loci. Vários deles a concebiam como tratando apenas da glorificação dos santos ou

da consumação do governo de Cristo, e a introduziam na conclusão da sua discussão da

soteriologia objetiva e subjetiva. O resultado foi que algumas partes da escatologia

receberam a devida ênfase, ao passo que outras partes foram pouco menos que

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negligenciadas. Nalguns casos, o conteúdo da escatologia foi repartido entre diferentes

loci. Outro erro, que alguns cometeram, é que perderam de vista o caráter teológico da

escatologia. Não podemos subscrever a seguinte declaração de Pohle (católico romano)

em sua obra sobre A Escatologia, ou a Doutrina Católica das Últimas Coisas (Eschatology,

or the Catholic of the Last Things): “A escatologia é antropológica e cosmológica, antes que

teológica: pois, embora trate Deus como o Consumador e Juiz Universal, estritamente

falando, o seu assunto é o universo criado, isto é, o homem e o cosmos”.3 Se a escatologia

não fosse teologia, não teria lugar próprio na dogmática.

2. O CONCEITO CORRETO DESTA RELAÇÃO. Estranhamente, o mesmo escritor

católico romano diz: “A escatologia é a coroa e o selo da teologia dogmática”, o que está

perfeitamente certo. É o único lócus ou ponto da teologia no qual todos os outros loci

chegam a um ponto culminante, a uma conclusão final. O doutor Kuyper assinala

corretamente que cada um dos outros loci deixa alguma questão sem resolver, a que a

escatologia deve dar uma resposta. Na teologia propriamente dita a questão é sobre como

Deus é final e perfeitamente glorificado na obra das Suas mãos, e como se realiza

plenamente o conselho de Deus; na antropologia, a questão sobre como a ruinosa

influência do pecado é dominada completamente; na cristologia, a questão sobre como a

obra de Cristo é coroada com a vitória perfeita; na soteriologia, a questão sobre como a

obra do Espírito Santo por fim resulta na completa redenção e glorificação do povo de

Deus; e na eclesiologia, a questão da apoteose final da igreja. Todas essas questões

devem encontrar em sua resposta no derradeiro lócus da dogmática, fazendo deste o

verdadeiro selo da teologia dogmática. Haering atesta o mesmo fato, quando diz: “De fato,

ela (a escatologia) derrama calara luz sobre cada segmento doutrinário particular. A

universalidade do plano divino de salvação, a comunhão pessoal com um Deus pessoal

asseverada sem reserva, a significação permanente do Redentor sustentada, o perdão do

pecado entendido como unido à vitória sobre o poder do pecado – sobre estes pontos a

escatologia deve tirar toda dúvida, mesmo quando exposições indefinidas, feitas nas partes

anteriores, não possam ser logo reconhecidas como tais. Tampouco é difícil descobrir a

razão disto. Na doutrina das últimas coisas, a comunhão entre Deus e o homem é exposta

como completada, e, daí, a idéia de nossa religião, o princípio cristão, é apresentado em

sua pureza; não, porém, como uma simples idéia no sentido de um ideal jamais

concretizado completamente, mas como uma realidade perfeita – e é evidente, que

3 P. 1.

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dificuldades estão implícitas nisso! Portanto, dever-se-á no fim, na apresentação da

escatologia, senão mais cedo, que a realidade desta comunhão com Deus recebeu o que

lhe é devido irrestritamente.”4

D. O Nome “Escatologia”.

Vários nomes têm sido aplicados ao último lócus da dogmática, dos quais o mais

comum é de novissimis (das últimas coisas) ou escatologia. Kuyper emprega a expressão

consummatione saeculi (da consumação dos séculos). O nome “escatologia” baseia-se nas

passagens da Escritura que falam sobre “os últimos dias” (eschatai hemerai), Is 2.2; Mq

4.1, os “últimos tempos” (eschatos ton chronon), 1 Pe 1.20, e “a última hora” (eschate

hora), 1 Jo 2.18. É verdade que estas expressões às vezes se referem a toda a

dispensação do Novo Testamento, mas mesmo assim incorporam uma idéia escatológica.

A profecia do Velho Testamento distingue somente dois períodos, quais sejam, “esta era”

(olam hazzeh, gr. Aion houtos), e “a era vindoura” (olam habba’, gr. Aion mellon). Visto que

os profetas descrevem a vinda do Messias e o fim do mundo como coincidentes, os

“últimos dias” são os dias imediatamente anteriores à vinda do Messias e ao fim do mundo.

Em parte alguma eles traçam uma clara linha de distinção entre uma primeira e uma

segunda vinda do Messias. No Novo Testamento, porém, é mais que evidente que a vinda

do Messias é dupla, e que a era messiânica inclui dois estágios, a presente era messiânica

e a consumação futura. Conseqüentemente, a dispensação do Novo Testamento pode ser

considerada sob dois aspectos diferentes. Se se fixar a atenção na vinda futura do Senhor,

e se tudo que a precede for considerado pertencente a “esta era”, se considerará que os

crentes neotestamentários estão vivendo nas vésperas desse importante evento – a volta

do Senhor em glória e a consumação final. Se, por outro lado, a atenção for centralizada na

primeira vinda de Cristo, será natural considerar os crentes desta dispensação como já

vivendo na era futura, embora somente em princípio. Esta descrição da condição deles não

é incomum no Novo Testamento. O reino de Deus já está presente, a vida eterna já se

realizou em princípio, o Espírito é o penhor das primícias da herança celestial, e os crentes

já estão sentados nos lugares celestiais com Cristo. Mas, conquanto algumas das

realidades escatológicas sejam assim projetadas para o presente, não se realizarão

plenamente, até ao tempo da consumação futura. E quando falamos de “escatologia”,

temos em mente mais particularmente os fatos e eventos que estão relacionados com a

4 The Christian Faith, p. 831.

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segunda vinda de Cristo e que marcarão o fim da presente dispensação e penetrarão nas

glórias eternas do futuro.

E. Conteúdo da Escatologia: Escatologia Geral e Ind ividual.

1. ESCATOLOGIA GERAL. O nome “escatologia” chama a tenção para o ato de que a

história do mundo e da raça humana finalmente chegará à sua consumação. Não é um

processo indefinido e infindável, mas uma história que se move em direção a um fim

determinado. Segundo a Escritura, esse fim virá com uma tremenda crise, e os fatos e

eventos associados a esta crise compõem o conteúdo da escatologia. Estritamente

falando, também determinam os seus limites. Mas, uma vez que outros elementos podem

ser incluídos sob o título geral, é costume falar da série de eventos ligados ao retorno de

Jesus Cristo e ao fim do mundo como constituindo a escatologia geral – uma escatologia

que diz respeito a todos os homens. Os assuntos que requerem consideração nesta divisão

são o retorno de Cristo, a ressurreição geral, o juízo final, a consumação do Reino e a

condição final dos justos e os ímpios.

2. ESCATOLOGIA INDIVIDUAL. Além dessa escatologia geral, há também uma

escatologia individual, que deve ser levada em consideração. Os eventos citados podem

constituir a escatologia completa, no sentido estrito da palavra; todavia, não podemos fazer

justiça a isto sem mostrar como as gerações que morreram participarão nos eventos finais.

Para o indivíduo, o fim da presente existência vem com a morte, que o transfere

completamente da era presente para a futura. Na medida em que é removido da presente

era, com o seu desenvolvimento histórico, é introduzido na era futura, que é a eternidade.

Na mesma medida em que há uma mudança de localidade, há também uma mudança de

era. As coisas referentes à condição do indivíduo, entre a sua morte e a ressurreição geral,

pertencem à escatologia pessoal ou individual. A morte física, a imortalidade da alma e a

condição intermediária requerem discussão aqui. O estudo destes assuntos atenderão ao

propósito de relacionar a condição dos que morrem antes da parousia com a consumação

final.

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I. Morte Física

A idéia escriturística da morte inclui a morte física, a morte espiritual e a morte eterna.

Naturalmente, a morte física e a espiritual são discutidas em conexão com a doutrina do

pecado, e a morte eterna é considerada mais particularmente na escatologia geral. Por

essa razão, uma discussão da morte em qualquer sentido da palavra poderia parecer fora

de lugar na escatologia individual. Todavia, dificilmente se poderia deixar totalmente fora de

consideração, ao se fazer a tentativa de relacionar as gerações passadas com a

consumação final.

A. Natureza da Morte Física.

A Bíblia contém algumas indicações instrutivas quanto à natureza da morte física. Fala

desta de várias maneiras. Em Mt 10.28 e Lc 12.4, fala-se dela como a morte do corpo, em

distinção da morte da alma (psyche). Ali o corpo é considerado como um organismo vivo, e

a psyche é evidentemente o pneuma do homem, o elemento espiritual que constitui o

princípio da sua vida natural. Este conceito da morte natural também está subjacente à

linguagem de Pedro em 1 Pe 3.14-18. Noutras passagens é descrita como o término da

psyche, isto é, da vida animal, ou como a perda desta., Mt 2.20; Mc3.4; Lc 6.9; 14.26; Jo

12.25; 13.37, 38; At 15.26; 20.24, e outras passagens.5 E, finalmente, também é descrita

como separação de corpo e alma, Ec 12.7 (comp. Gn 2.7); Tg 2.26, idéia também básica

em passagens como Jo 19.30; At 7.59; Fp 1.23. Cf. também o emprego de êxodos

(“partida”) em Lc 9.31; 2 Pe 1.15, 16.

Em vista disso tudo, pode-se dizer que, de acordo com a Escritura, a morte física é o

término da vida física pela separação de corpo e alma. Jamais uma aniquilação, apesar de

algumas seitas descreverem a morte dos ímpios como tal. Deus não aniquila coisa alguma

de Sua criação. A morte não é uma cessação da existência, mas uma disjunção das

relações naturais da vida. A vida e a morte não são antagônicas entre si como ocorre com

a existência e a não existência, mas são mutuamente opostas somente como diferentes

modos de existência. É deveras impossível dizer exatamente o que é a morte. Falamos

dela como a cessação da vida física, mas então surge imediatamente a pergunta: O que é

precisamente a vida? E não temos resposta. Não sabemos o que é a morte em sua

essência, mas a conhecemos somente em suas relações e ações. E a experiência nos

5 Cf. Bavinck, Bijb. En Rel. Psych, p. 34.

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ensina que, onde estas são separadas e cessam, a morte entra. A morte é um rompimento

das relações naturais da vida. Pode-se dizer que o pecado é per se (por si mesmo) morte,

porque representa um rompimento das relações vitais do homem, criado à imagem de

Deus, com o seu Criador. Significa a perda dessa imagem e, conseqüentemente, perturba

todas as relações da vida. Este rompimento também se dá na separação de corpo e alma,

chamada morte física.

B. Relação Entre o Pecado e a Morte.

Os pelagianos e os socinianos ensinam que o homem foi criado mortal, não meramente

no sentido de que ele poderia cair presa da morte, mas no sentido de que ele, em virtude

da sua criação, estava sob a lei da morte, e, no transcurso do tempo, estava destinado a

morrer. Isto significa que Adão não era somente suscetível de morte, mas estava realmente

sujeito à morte antes de cair. Os defensores deste conceito eram movidos primariamente

pelo desejo de fugir da prova do pecado original extraída do sofrimento e morte das

crianças. A ciência dos dias atuais parece dar apoio a essa posição acentuando o fato de

que a morte é lei da matéria organizada, visto que esta traz consigo a semente da

decadência e da dissolução. Alguns dos chamados pais primitivos da igreja e alguns

teólogos mais recentes, como Warbuton e Laidlaw, assumem a posição de que Adão de

fato foi criado mortal, isto é, sujeito à lei da dissolução mas que, no caso dele, a lei só foi

efetiva porque ele pecou. Se tivesse comprovado a sua obediência, teria sido exaltado a

um estado de imortalidade. Seu pecado não produziu nenhuma mudança em seu ser

constitucional, nesse aspecto, mas, sob a sentença de Deus, fê-lo sujeito à lei da morte e o

privou da dádiva da imortalidade, que poderia ter tido sem experimentar a morte.

Naturalmente, neste conceito a entrada fatual da morte continua tendo caráter penal. É

um conceito que encaixaria muito bem na posição supralapsária, mas não é exigido por

esta. Na realidade, essa teoria procura apenas enquadrar os fatos revelados na Palavra de

Deus nos pronunciamentos da ciência, mas mesmo estes não a consideram imperativa.

Suponhamos que a ciência provasse conclusivamente que a morte reinava no mundo

vegetal e animal antes da entrada do pecado; mesmo então não se seguiria

necessariamente que ela também prevalecia no mundo dos seres racionais e morais. E

ainda que ficasse estabelecido sem sombra de dúvida que todos os organismos físicos, os

humanos inclusive, trazem dentro de si as sementes da dissolução, isto ainda não provaria

que o homem não foi uma exceção à regra, antes da Queda. Diremos nós que o absoluto

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poder de Deus, pelo qual o universo foi criado, não era suficiente para manter o homem

com vida indefinidamente? Além disso devemos ter em mente os seguintes dados da

Escritura: (1) O homem foi criado à imagem de Deus, e isto, em vista das perfeitas

condições em que a imagem de Deus existiu originariamente, por certo exclui a

possibilidade de que trouxesse consigo as sementes da dissolução e da mortalidade. (2) A

morte física não é apresentada na Escritura como resultado natural da continuidade da

condição original do homem, devido ao seu fracasso em não conseguir subir às alturas da

imortalidade pelo caminho da obediência; mas, sim, como resultado da sua morte

espiritual, Rm 6.23; 5.21; 1 Co 15.56; Tg 1.15. (3) As expressões bíblicas certamente

indicam a morte como uma coisa introduzida no mundo da humanidade pelo pecado, e

como uma punição positiva pelo pecado, Gn 2.17; 3.19; m 5.12, 17; 6.23; 1 Co 15.21; Tg

1.15. (4) A morte não é descrita como algo natural na vida do homem, mera falha de um

ideal, e sim assaz decisivamente como algo alheio e hostil à vida humana: é uma

expressão da ira divina, Sl 90.7, 11, um julgamento, Rm 1.32, uma condenação, Rm 5.16 e

uma maldição, Gl 3.13, e enche os corações dos filhos dos homens de temor e tremor,

justamente porque é tida como uma coisa antinatural.

Tudo isso não significa, porém, que não poderia ter havido morte nalgum sentido da

palavra no mundo da criação inferior, independentemente do pecado, mas, mesmo ali, é

evidente que a entrada do pecado trouxe um cativeiro de corrupção que era estranho à

criatura, Rm 8.20-22. Por estrita justiça, Deus poderia ter imposto a morte ao homem no

mais completo sentido da palavra imediatamente após a sua transgressão, Gn 2.17. Mas,

por Sua graça comum, restringiu a operação do pecado e da morte, e, por Sua graça

especial em Cristo Jesus, venceu estas forças hostis, Rm 5.17; 1 Co 15.45; 2 Tm 1.10; Hb

2.14; Ap 1.18; 20.14. A morte realiza agora plenamente a sua obra só nas vidas que

recusam a libertação do seu jugo, libertação oferecida em Cristo Jesus. Os que crêem em

Cristo estão livres do poder da morte, foram restaurados à comunhão com Deus, e foram

revestidos de uma vida sem fim, Jo 3.36; 6.40; Rm 5.17-21; 8.23; 1 Co 15.26, 51-57; Ap

20.14; 21.3, 4.

C. Significado da Morte dos Crentes.

A Bíblia fala da morte física como punição, como “o salário do pecado”. Dado, porém,

que os crentes estão justificados e não estão mais na obrigação de prestar qualquer

satisfação penal, surge naturalmente a questão: Por que eles têm que morrer? É mais que

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evidente que, quanto a eles, o elemento penal e retirado da morte. Não se acham mais sob

a lei, quer como exigência da aliança das obras, quer como poder condenatório, visto

haverem obtido completo perdão por todos os seus pecados. Cristo se fez maldição por

eles, e, assim, removeu a pena do pecado. Mas, se é assim, por que Deus ainda julga

necessário faze-los passar pela dolorosa experiência da morte? Por que simplesmente não

os transfere de uma vez para o céu? Não se pode dizer que a destruição do corpo é

absolutamente essencial para uma perfeita santificação, uma vez que isso é contraditado

pelos exemplos de Enoque e Elias. Tampouco é satisfatório dizer que a morte liberta o

crente dos males e sofrimentos da presente vida e dos estorvos do pó, livrando o espírito

do grosseiro e carnal corpo atual. Deus poderia também realizar esta libertação por uma

transformação súbita, como a que os santos vivos experimentarão por ocasião da parousia.

É evidente que a morte dos crentes deve ser considerada como a culminação dos

corretivos que Deus ordenou para a santificação do Seu povo. Conquanto a morte, em si

mesma, continue sendo um verdadeiro mal natural para os filhos de Deus, uma coisa

antinatural que, como tal, é temida por eles, na economia da graça se faz subserviente ao

seu progresso espiritual e aos melhores interesses do reino de Deus. A própria idéia da

morte, as aflições que cercam a morte, o sentimento de que as doenças são prenúncios da

morte, e a consciência da aproximação da morte – tudo isso tem um efeito benéfico sobre o

povo de Deus. Serve para humilhar os orgulhosos, para mortificar a carnalidade, para

refrear o mundanismo e para fomentar a mentalidade espiritual. Na união mística com o

seu Senhor, os crentes são levados a participar das experiências de Cristo. Justamente

como Ele entrou em Sua glória pelo caminho dos sofrimentos e morte, eles também só

podem tomar posse da sua herança eterna por meio da santificação. Muitas vezes a morte

é a prova suprema do vigor da fé que há neles, e com freqüência provoca extraordinárias

manifestações da consciência de vitória precisamente na hora da derrota aparente, 1 Pe

4.12, 13. Ela completa a santificação das almas dos crentes, de sorte que eles passam

imediatamente a ser “espíritos dos justos aperfeiçoados”, Hb 12.23; Ap 21.27. Para os

crentes, a morte não é o fim, mas o inicio de uma vida perfeita. Eles adentram a morte com

a certeza de que o seu aguilhão já foi retirado, 1 Co 15.55, e de que ela é para eles a porta

do céu. Eles dormem em Jesus, 1 Ts 4.14 (Almeida, Rev. e Corrigida; cf. também Ap

14.13), e sabem que até os seus corpos serão finalmente arrebatados do poder da morte,

para estarem para sempre com o Senhor, Rm 8.11; 1 Ts 4.16, 17. Disse Jesus: “Quem crê

em mim, ainda que morra, viverá” (Jo 11.25). E Paulo tinha a bem-aventurada consciência

de que, para ele, o viver é Cristo, e o morrer era lucro. Daí, pôde ele entoar com jubilosas

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notas, no fim de sua carreira: “Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé.

Já agora a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, reto juiz, me dará naquele

dia; e não somente a mim, mas também a todos quantos amam a sua vinda”, 2 Tm 4.7, 8.

QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. Qual a idéia fundamental da concepção bíblica

da morte? 2. A morte é apenas resultado natural do pecado, ou é uma positiva punição

pelo pecado? 3. Se é punição, como se pode provar isto pela Escritura? 4. Em que sentido

o homem, como foi criado por Deus, era mortal? Em que sentido era imortal? 5. Como se

pode reprovar a posição dos pelagianos? 6. Em que sentido a morte realmente deixou de

ser morte para os crentes? 7. A que propósito a morte atende em suas vidas? 8. Quando

se põe fim total ao poder da morte para eles?

BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA: Dick, Lect. On Theol., p. 426-433; Dabney, Syst.

and Polemic Theol., p. 817-821; Litton, Introd. to Dogm. Theol., p. 536-540; Pieper, Christl.

Dogm. III, p. 569-573; Schmid, Dogm. Theol. of the Ev. Luth. Church, p. 626-631; Pope,

Chr. Theol. III, p. 371-376; Valentine, Chr. Theol. II, p. 389-391; Hovey, Eschatology, p. 13-

22; Dahle, Life After Death, p. 24-58; Kennedy, St. Paul’s Conception of the Last Things, p.

103-157; Strong, Syst. Theol., p. 982, 983; Pohle-Preuss, Eschatology, p. 5-17.

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II. A Imortalidade da Alma

No capítulo anterior foi assinalado que a morte física é a separação de corpo e alma, e

marca o fim da nossa presente existência física. Necessariamente envolve e resulta na

decomposição do corpo. Marca o fim da nossa presente vida e o fim do “corpo natural”.

Mas agora surge a questão: Que acontece com a alma? A morte física dá fim à sua vida,

ou ela continuará a existir e a viver após a morte? Sempre foi firme convicção da igreja de

Jesus Cristo que a alma continua a viver depois da sua separação do corpo. Esta doutrina

da imortalidade da alma requer breve consideração nesta altura.

A. Diferentes Conotações do Termo “Imortalidade”.

Numa discussão da doutrina da imortalidade, deve-se ter em mente que o termo

“imortalidade” nem sempre é empregado no mesmo sentido. São indispensáveis certas

distinções para evitar confusão.

1. No sentido mais absoluto da palavra, só se atribui imortalidade a Deus. Paulo fala

dele em 1 Tm 6.15, 16 como o “bendito e único Soberano, o Rei dos reis e Senhor dos

senhores: o único que possui imortalidade”. Isto não significa que nenhuma de Suas

criaturas seja imortal nalgum sentido da palavra. Entendida naquele sentido irrestrito, esta

palavra de Paulo ensinaria também que os anjos não são imortais, e certamente não é esta

a intenção do apostolo. O sentido evidente da sua afirmação é que Deus é o único ser que

possui imortalidade “como uma qualidade original, eterna e necessária”. Seja qual for a

imortalidade que se possa atribuir a quaisquer criaturas suas, é dependente da vontade

divina, é-lhes conferida, e, portanto, teve um começo. Deus, por outro lado, é

necessariamente livre de todas as limitações temporais.

2. A imortalidade, no sentido de uma existência continuada ou sem fim, também é

atribuída a todos os espíritos, a alma humana inclusive. Uma das doutrinas da religião ou

filosofia natural é que, quando o corpo é dissolvido, a alma não comparte a sua dissolução,

mas retém a sua identidade como um ser individual. Esta idéia da imortalidade da alma

está em perfeita harmonia com o que a Bíblia ensina acerca do homem, mas a Bíblia, a

religião e a teologia não estão interessadas primariamente nesta imortalidade puramente

quantitativa e incolor – a pura e simples existência contínua da alma.

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3. Ainda, o termo “imortalidade” é empregado na linguagem teológica para designar o

estado do homem no qual ele está inteiramente livre das sementes da decadência e da

morte. Neste sentido da palavra, o homem era imortal antes da Queda. Esse estado

evidentemente não excluía a possibilidade do homem se tornar sujeito à morte. Embora o

homem, no estado de retidão, não estivesse sujeito à morte, estava propenso a essa

sujeição. Era inteiramente possível que, mediante o pecado, ele se tornasse sujeito à lei da

morte; e o fato é que ele caiu vítima dele.

4. Finalmente, a palavra “imortalidade” designa, especialmente na linguagem

escatológica, o estado do homem no qual ele é impérvio à morte e não tem a mínima

possibilidade de se tornar sua presa. Neste supremo sentido da palavra, o homem não era

imortal em virtude da sua criação, apesar de ter sido criado à imagem de Deus. Esta

imortalidade seria o resultado, se Adão tivesse cumprido a condição da aliança das obras,

mas agora só pode resultar da obra de redenção, quando se completar na consumação.

B. Testemunho da Revelação Geral Quanto à Imortalid ade da Alma.

A pergunta de Jó, “Morrendo o homem porventura tornará a viver?” (Jó 14.14) é de

interesse perene. E com ela sempre se repete a pergunta se os mortos voltarão a viver. A

resposta a essa indagação sempre foi afirmativa. Conquanto os evolucionistas não possam

admitir que a fé na imortalidade da alma é uma qualidade original do homem, não se pode

negar que esta fé é pouco menos que universal e se encontra até nas formas inferiores de

religião. Sob a influência do materialismo, muitos se inclinam a duvidar, e até a negar a

vida futura do homem. Todavia, esta atitude negativa não é a que prevalece. Num recente

simpósio sobre “imortalidade”, que inclui as idéias de cerca de cem homens

representativos, as opiniões são praticamente unânimes em favor de uma vida futura. Os

argumentos históricos e filosóficos em prol da imortalidade da alma não são absolutamente

conclusivos, mas certamente são testemunhos importantes da existência continuada,

pessoal e consciente do homem. São os seguintes:

1. ARGUMENTO HISTÓRICO. O consensus gentium (consenso dos povos) é tão forte

com relação à imortalidade da alma, como com referencia à existência de Deus. Sempre

houve eruditos descrentes que negavam a existência permanente do homem, mas em

geral se pode dizer que a crença na imortalidade da alma se acha em todas as raças e

nações, não importa seu estágio de civilização. Vê-se que uma noção tão comum só pode

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ser considerada como um instinto natural ou como algo envolvido na própria constituição

da natureza humana.

2. ARGUMENTO METAFÍSICO. Este argumento se baseia na simplicidade (ontológica)

da alma humana, e desta se infere a sua indissolubilidade. Na morte a matéria se dissolve

em suas partes. Mas a alma, como uma entidade espiritual, não se compõe de várias

partes, e, portanto, é incapaz de divisão ou dissolução. Conseqüentemente, a

decomposição do corpo não leva consigo a destruição da alma. Mesmo quando aquele

perece, esta permanece intacta. Este argumento é muito antigo, e já utilizado por Platão.

3. ARGUMENTO TEOLÓGICO. A impressão que se tem é que os seres humanos são

dotados de capacidades quase infinitas que nunca se desenvolvem plenamente nesta vida.

É como se, na maioria, os homens mal tenham começado a realizar algumas das grandes

coisas às quais aspiram. Há idéias que não se concretizam, apetites e desejos não

satisfeitos nesta existência, anseios e aspirações frustrados. Pois bem, argumenta-se que

Deus não teria conferido aos homens essas habilidades e talentos só para faze-los

fracassar em suas realizações, não teria dado aos corações esses desejos e aspirações só

para decepciona-los. Ele deve ter providenciado uma existência futura, na qual a vida

humana alcançara fruição real.

4. ARGUMENTO MORAL. A consciência humana atesta a existência de um

Governante do universo que exerce justiça. Todavia, as exigências da justiça não são

satisfeitas na presente vida. Há uma distribuição desigual e aparentemente injusta do bem

e do mal. Muitas vezes os ímpios prosperam, aumentam suas riquezas, e gozam

abundantemente dos prazeres da vida, enquanto que, freqüentemente, os justos vivem na

pobreza, enfrentam penosos e humilhantes contratempos e padecem muitas aflições. Daí,

deverá haver um futuro estado de existência no qual a justiça reinará suprema e as

desigualdades do presente serão retificadas.

C. Testemunho da Revelação Especial Quanto à Imorta lidade da Alma.

As provas históricas e filosóficas da sobrevivência da alma não são absolutamente

demonstrativas e, portanto, a ninguém compelem à crença. Para maior segurança nesta

matéria, pe necessário dirigir os olhos da fé para a Escritura. Aqui também devemos firmar-

nos na voz da autoridade. Ora, a posição da Escritura com respeito a esta questão pode, a

princípio, parecer um tanto dúbia. Ela fala de Deus como o único que tem imortalidade (1

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Tm 6.15), e nunca afirma isso a respeito do homem. Não há nenhuma menção explícita da

imortalidade da alma, e muito menos qualquer tentativa de provar isso de maneira formal.

Daí, os russelitas ou os da aurora do milênio freqüentemente desafiam os teólogos a

indicarem uma única passagem em que a Bíblia ensine que a alma do homem é imortal.

Mas, mesmo que a Bíblia não afirme explicitamente que a alma do homem é imortal, e não

procure provar isso de maneira formal, como tampouco procura apresentar prova formal da

existência de Deus, não significa que a Escritura o negue ou o contradite ou o ignore. Ela

pressupõe claramente em muitas passagens que o homem continua sua existência

consciente após a morte. De fato, ela trata da verdade da imortalidade do homem de modo

muito parecido ao modo como trata de existência de Deus, isto é, ela a pressupõe como

um postulado incontestável.

1. A DOUTRINA DA IMORTALIDADE NO VELHO TESTAMENTO. Repetidamente se

assevera que o Velho Testamento, particularmente o Pentateuco, não ensina, de modo

nenhum, a imortalidade da alma. Ora, é mais que certo que essa grande verdade é

revelada com menor clareza no Velho Testamento que no Novo; mas os fatos a respeito

não autorizam a asserção de que ela está completamente ausente do Velho Testamento. É

um fato bem conhecido e geralmente reconhecido que a revelação de Deus na Escritura é

progressiva e aumenta gradativamente em clareza; e é evidente que a doutrina da

imortalidade, no sentido de uma vida eterna e bem-aventurada, só poderia ser revelada em

todos os seus aspectos depois da ressurreição de Jesus Cristo, que “trouxe à luz a vida e a

imortalidade” 2 Tm 1.10. Mas, embora tudo isso seja verdade, não se pode negar que o

Velho Testamento dá a entender a existência continuada e consciente do homem, quer no

sentido de uma pura imortalidade ou sobrevivência da alma, quer no de uma bem-

aventurada vida futura. Isso está implícito:

a. Em sua doutrina de Deus e do homem. As próprias raízes da esperança de Israel

quanto à imortalidade estavam e sua crença em Deus como o seu Criador e Redentor, o

Deus da Aliança, que nunca falharia com ele. Ele era para os israelitas o Deus vivo, eterno

e fiel, em cuja comunhão eles encontravam alegria, vida, paz e perfeita satisfação. Teriam

eles palpitado por Ele como palpitaram, ter-se-iam confiado a Ele completamente, na vida e

na morte, e O teriam exaltado em seus cânticos como sua porção para sempre, se

achassem que tudo que Ele lhes oferecia era apenas uma breve fração de tempo? Como

poderiam auferir real consolo da redenção prometida por Deus, se considerassem a morte

como o fim de sua existência? Além disso, o Velho Testamento descreve o homem como

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criado à imagem de Deus, criado para a vida, e não para a mortalidade. Em distinção dos

animais irracionais, ele possui uma vida que transcende o tempo e já contém em si uma

garantia de imortalidade. Foi criado para comunhão com Deus, é pouco menor do que os

anjos, e Deus pôs a eternidade no seu coração, Ec 3.11.

b. Em sua doutrina do sheol. O Velho Testamento nos ensina que os mortos descem

ao sheol. A discussão desta doutrina pertence ao capítulo subseqüente. Mas, seja qual for

a interpretação válida do sheol veterotestamentário, e o que quer que se possa dizer da

condição dos que descem para esse lugar, certamente este é descrito como um estado de

existência mais ou menos consciente, embora não de bem-aventurança. O homem só entra

no estado de perfeita bem-aventurança se libertado do sheol. Nesta libertação chegamos

ao verdadeiro âmago da esperança veterotestamentária de uma imortalidade bem-

aventurada. Isso é ensinado claramente em diversas passagens, como Sl 16.10; 49.14, 15.

c. Em suas freqüentes advertências contra a consulta aos mortos ou a “espíritos

familiares” (segundo a versão utilizada pelo Autor, em todas as passagens abaixo citadas),

isto é, pessoas que podiam invocar os espíritos dos mortos e comunicar as suas

mensagens aos consulentes, Lv 19.31; 20.27; Dt 18.11; Is 8.19; 29.4. Não diz a Escritura

que é impossível consultar os mortos, mas, antes, parece pressupor a possibilidade,

condenando a prática.*

d. Em seus ensinamentos a respeito da ressurreição dos mortos. Esta doutrina não é

ensinada explicitamente nos livros mais antigos do Velho Testamento. Contudo, Cristo

assinala que ela foi ensinada implicitamente na declaração, “Eu sou o Deus de Abraão, o

Deus de Isaque e o Deus de Jacó”, Mt 22.32, cf. Êx 3.6, e repreende os judeus por não

compreenderem as Escrituras sobre este ponto. Alem disso, a doutrina da ressurreição é

ensinada explicitamente em passagens como Jó 19.23-27; Sl 16.9-11, 17.15; 49.15; 73.24;

Is 26.19; Dn 12.2.

e. Em certas passagens notáveis do Velho Testamento, que falam da alegria do crente

em comunhão com Deus depois da morte. Estas são, no mais importante, idênticas às

* Note-se, porém, que o fato de se proibir a prática não equivale a reconhecer a sua realidade. Quando Deus ordena, “Não terás outros deuses”, não está afirmando que existem outros deuses reais. Por isso mesmo Berkof não fala em termos categóricos, dogmáticos. Nota do tradutor.

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passagens citadas no item anterior, quais sejam Jó 19.25-27; Sl 16.9-11; 17.15; 73.23, 24,

26. elas exalam a confiante expectação de venturas na presença de Jeová.**

2. A DOUTRINA DA IMORTALIDADE NO NOVO TESTAMENTO. No Novo

Testamento, depois que Cristo trouxe à luz a vida e a imortalidade, naturalmente as provas

de multiplicam. Outra vez as passagens que as contêm podem ser divididas em várias

classes como referentes:

a. À sobrevivência da alma. Ensina-se claramente uma existência continuada dos

justos e dos ímpios. Que as almas dos crentes sobreviverão, vê-se de passagens como Mt

10.28; Lc 23.43; Jo 11.25, 26; 14.3; 2 Co 5.1; e várias outras passagens evidenciam muito

bem que se pode dizer a mesma coisa das almas dos ímpios, Mt 11.21-24; 12.41; Rm 2.5-

11; 2 Co 5.10.

b. À ressurreição pela qual o corpo também é levado a participar da existência futura.

Para os crente, a ressurreição significa a redenção do corpo e a entrada na perfeita vida de

comunhão com Deus, na plena bem-aventurança da imortalidade. Esta ressurreição é

ensinada em Lc 20.35, 36; Jo 5.25-29; 1 Co 15; 1 Ts 4.16; Fp 3.21, e noutras passagens.

Para os ímpios, a ressurreição também significará uma renovada e continuada existência

do corpo, mas isto dificilmente poderá chamar-se vida. A Escritura a denomina morte

eterna. A ressurreição dos ímpios é mencionada em Jo 5.29; At 24.15; Ap 20.12-15.

c. À vida bem-aventurada dos crentes, na comunhão com Deus. Há numerosas

passagens no Novo Testamento que acentuam o fato de que a imortalidade dos crentes

não é uma simples existência sem fim, mas uma encantadora vida de felicidade na

comunhão com Deus e com Jesus Cristo, a pela fruição da vida que é implantada na alma

enquanto ainda na terra. Dá-se clara ênfase a isso em passagens como Mt 13.43; 25.34;

Rm 2.7, 10; 1 Co 15.49; Fp 3.21; 2 Tm 4.8; Ap 21.4; 22.3, 4.

D. Objeções à Doutrina da Imortalidade Pessoal e Se us Modernos Substitutos.

1. A PRINCIPAL OBJEÇÃO. A crença na imortalidade da alma sofreu declínio por

algum tempo, sob a influencia de uma filosofia materialista. O principal argumento contra

ela foi forjado nas oficinas da psicologia fisiológica, e corre mais ou menos como segue: A

** Observem-se as expressões relacionadas com a morte de Abraão, Isaque e Jacó (Gn 25.8, 9; 35.29; 49.33 e 50.13). Depois de morrerem e antes de serem sepultados, foram reunidos ao seu povo. Haverá necessidade de expressão mais vívida da certeza da vida após a morte, na comunhão com outros do mesmo povo? Nota do tradutor.

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mente ou a alma não tem existência substancial independente, mas é simples produto ou

função da atividade cerebral. O cérebro humano é a causa produtora dos fenômenos

mentais, exatamente como o fígado é a causa produtora da bílis. A função não pode

persistir quando o órgão decai. Quando o cérebro deixa de agir, o fluxo da vida mental

pára.

2. SUBSTITUTOS DA DOUTRINA DA IMORTALIDADE PESSOAL. O desejo de

imortalidade está implantado tão profundamente na alma humana que, mesmo os que

aceitam os ditames de uma filosofia materialista, procuram algum tipo de substituto para a

rejeitada noção da imortalidade pessoal da alma. Sua esperança quanto ao futuro assume

uma das seguintes formas:

a. Imortalidade racial. Há os que se consolam com a idéia de que o individuo

continuará a viver nesta terra em sua posteridade, em seus filhos e netos, até gerações

intermináveis. O individuo busca compensação para a sua falta de esperança numa

imortalidade pessoal na noção de que ele contribui com sua parte para a vida da raça e

continuará vivendo nela. Mas a idéia de que o homem continua a viver em sua progênie,

seja qual for a porção de verdade que contenha, dificilmente poderá servir de substituto da

doutrina da imortalidade pessoal. Certamente não faz justiça aos dados da Escritura, e não

satisfaz aos anseios mais profundos do coração humano.

b. Imortalidade de comemoração. De acordo com o positivismo, esta é a única

imortalidade que devemos desejar e buscar. Cada qual deve ter em vista fazer alguma

coisa para estabelecer um nome para si mesmo e que passe para os anais da história. Se

o fizer, continuará a viver nos corações e mentes de uma posteridade agradecida. Isso

também fica aquém da imortalidade pessoal que a Escritura nos leva a esperar. Além

disso, é uma imortalidade da qual uns poucos participam. Os nomes da maioria dos

homens não ficam registrados nas páginas da história, e muitos dos que estão registrados

nas páginas da história, e muitos dos que estão registrados logo são esquecidos. E numa

grande extensão se pode dizer que os melhores e os piores participam igualmente dela.

c. Imortalidade de influencia. Esta se relaciona de perto com a imediatamente anterior.

Se o homem deixar sua marca na vida e realizar alguma coisa de valor duradouro, sua

influencia continuará por muito tempo depois de sua partida. Jesus e Paulo, Agostinho e

Tomaz de Aquino, Lutero e Calvino – todos eles estão bem vivos na influencia que até hoje

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exercem. Embora isto seja perfeitamente verdadeiro, esta imortalidade de influencia é

apenas um pobre substituto da imortalidade pessoal. Todas as objeções levantadas contra

a imortalidade de comemoração aplicam também a este caso.

3. RECUPERAÇÃO DA FÉ NA IMORTALIDADE. No presente, a interpretação

materialista do universo está dando caminho a uma interpretação mais espiritual: e o

resultado é que a fé na imortalidade pessoal voltou a obter apoio. Embora o doutor William

James subscreva a fórmula, “O pensamento é uma função do cérebro”, nega que isto nos

force logicamente a descrer da doutrina da imortalidade. Ele sustenta que esta conclusão

dos cientistas se baseia na equivocada noção de que a função da qual aquela fórmula fala

é necessariamente uma função produtiva, e assinala que também pode ser uma função

permissiva ou transmissiva. O cérebro pode simplesmente transmitir, e na transmissão da

cor, o pensamento, justamente como um vidro colorido, um prisma ou uma lente refratária,

pode transmitir luz e ao mesmo tempo pode determinar sua cor e direção. A luz existe

independentemente do vidro ou da lente; assim também o pensamento existe

independentemente do cérebro. James chega à conclusão de que, pela estrita lógica, é

possível crer na imortalidade. Alguns evolucionistas agora baseiam a doutrina da

imortalidade condicional na luta pela existência. E cientistas como William James, Sir Oliver

Lodge e James H. Hyslop, atribuem grande significação às supostas comunicações com os

mortos. Com base nos fenômenos psíquicos, o primeiro inclinou-se a crer na imortalidade,

enquanto que os outros dois a abraçaram como um fato estabelecido.

QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. A doutrina da imortalidade se acha no

Pentateuco? 2. Que explica a relativa escassez de provas em seu favor no Velho

Testamento? 3. Em que Platão baseou sua crença na imortalidade da alma? 4. Como Kant

julgava os argumentos naturais comumente usados em prol da doutrina da imortalidade? 5.

Há algum lugar para a crença na imortalidade pessoal, quer no materialismo, quer no

panteísmo? 6. Por que a doutrina da “imortalidade social”, assim chamada, não satisfaz? 7.

A imortalidade da alma, no sentido filosófico, é a mesma coisa que a vida eterna? 8. Como

devemos julgar as supostas comunicações espíritas com os mortos?

BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA: Bavinck, Geref. Dogm. IV, p. 645-655; Kuyper,

Dict. Dogm., De Consummatione Saeculi, p. 3-24; Hodge, Syst., Theol. III, p. 713-730;

Dabney, Syst. and Polem. Theol., p. 817-823; Dick, Lect. On Theol., Lectures LXXX, LXXXI;

Litton, Introd. to Dogm. Theol., p. 535-548; Heagle, Do the Dead Still Live?; Dahl, Life After

Page 23: 95454815 Escatologia Louis B

Death, p. 59-84; Salmond. Christian Doctrine of Immortality, cf. Índice; Mackintosh,

Immortality and the Future, p. 164-179; Brown, The Christian Hope, cf. Índice; Randall, The

New Light on Immortality; Macintosh, Theology as an Empirical Science, p. 72-80; Althaus,

Die Letzten Dinge, p. 1-76; A.G. James, Personal Immortality, p. 19-52; Rimmer, The

Evidences for Immortality; Lawton, The Drama of Life After Death; Addison, Life Beyond

Death, p. 3-132.

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III. O Estado Intermediário

A. Conceito Bíblico de Estado Intermediário.

1. DESCRIÇÃO BÍBLICA DOS CRENTES ENTRE A MORTE E A RESSURREIÇÃO. A

posição usual das igrejas reformadas (calvinistas) é que as almas dos crentes,

imediatamente após a morte, ingressam nas glórias do céu. Em resposta à pergunta, “Que

consolo te dá a ressurreição do corpo?”, o Catecismo de Heidelberg diz: “Que minha alma,

após esta vida, não somente é levada de imediato a Cristo, sua Cabeça, mas também que

este meu corpo, ressuscitado pelo poder de Cristo, se unirá de novo à minha alma e virá a

ser como o corpo glorioso de Cristo”.6 A Confissão de Westminster fala com o mesmo

espírito quando afirma que, na morte, “As almas dos justos, sendo então aperfeiçoadas na

santidade, são recebidas no mais alto dos céus, onde vêem a face de Deus em luz e glória,

esperando a plena redenção dos seus corpos”.7 De modo similar, a Segunda Confissão

Helvética declara: “Cremos que os fiéis, depois da morte física, vão diretamente para

Cristo”.8 Vê-se que este conceito encontra ampla justificação na Escritura, e é bom tomar

nota disto, visto que durante o ultimo quarto do século* alguns teólogos reformados

(calvinistas) assumiram a posição de que os crentes, ao morrerem, entram num lugar

intermediário e ali permanecem até o dia da ressurreição.

Todavia, a Bíblia ensina que a alma do crente, quando separada do corpo, entra na

presença de Cristo. Diz Paulo, “estamos em plena confiança, preferindo deixar o corpo e

habitar com o Senhor”, 2 Co 5.8. Aos filipenses ele escreve que o tem “o desejo de partir e

estar com Cristo”, Fp 1.23. E Jesus deu ao malfeitor arrependido a jubilosa certeza, “Hoje

estarás comigo no paraíso”, Lc 23.43. E estar com Cristo é também estar no céu. À luz de

2 Co 12.3, 4, “paraíso” só pode ser um designativo do céu. Além disso, Paulo afirma que,

“se a nossa casa terrestre deste tabernáculo se desfizer, temos da parte de Deus um

edifício, casa não feita por mãos, eterna, nos céus”, 2 Co 5.1. E o escritor de Hebreus

anima os corações dos seus leitores com este pensamento, entre outros, que eles

chegaram “à universal assembléia e igreja dos primogênitos arrolados nos céus”, Hb 12.22,

23. Que o estado futuro dos crentes, após a morte, merece muito maior preferência,

comparado com o estado presente, vê-se claramente nas asserções de Paulo em 2 Co 5.8

6 Perg. 57. 7 Cap. XXXII, I. 8 Cap. XXVI. * Segundo quarto deste século. Nota do tradutor.

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e Fp 1.23, acima citadas. É um estado no qual os crentes estão verdadeiramente vivos e

plenamente conscientes, Lc 16.19-31; 1 Ts 5.10; um estado de repouso e felicidade sem

fim, Ap 14.13.

2. DESCRIÇÃO BÍBLICA DO ESTADO DOS ÍMPIOS ENTRE A MORTE E A

RESSURREIÇÃO. Diz a Confissão de Westminster que as almas dos ímpios, após a

morte, “soa lançadas no inferno, onde ficarão, em tormentos e em trevas espessas,

reservadas para o juízo do grande dia final”. Ademais, acrescenta: “Além destes dois

lugares (céu e inferno) destinados às almas separadas de seus respectivos corpos, as

Escrituras não reconhecem nenhum outro lugar”.9 E a Segunda Confissão Helvética

prossegue, depois da citação acima feita: “De modo semelhante, cremos que os incrédulos

são precipitados no inferno, do qual não há retorno aberto para os ímpios, pois coisa

alguma que os que vivem façam”.10 A única passagem que realmente pode ser focalizada

aqui é a parábola do rico e Lázaro, em Lucas 16, onde hades denota inferno, o lugar de

tormento eterno. O rico achou-se no lugar de tormento; sua condição é descrita como fixa

para sempre; e ele estava cônscio da sua condição miserável, procurou lenitivo para a dor

que estava sentindo, e mostrou desejo de que os seus irmãos fossem advertidos, para que

evitassem semelhante condenação. Em acréscimo a essa prova direta, há também uma

prova mediante dedução. Se os justos entram em seu estado eterno imediatamente, a

pressuposição é que isso é igualmente verdadeiro quanto aos ímpios também. Deixamos

fora de consideração aqui um par de passagens, de interpretação incerta, a saber, 1 Pe

3.19 e 2 Pe 2.9.

B. A Doutrina do Estado Intermediário na História.

Nos primeiros anos da igreja cristã pouco se pensou num estado intermediário. A idéia

de que Jesus logo voltaria como Juiz fazia o intervalo parecer pouco importante. O

problema do estado intermediário surgiu quando se evidenciou que Jesus não voltaria de

imediato. O verdadeiro problema que incomodava os chamados pais primitivos era sobre

como conciliar o juízo e a retribuição na morte com o juízo geral e a retribuição após a

ressurreição. Atribuir demasiada importância àqueles parecia privar estes da sua

significação, e vice-versa. Não havia unanimidade entre os chamados pais primitivos da

igreja, mas a maioria deles procurava resolver a dificuldade supondo um estado distinto e

9 Cap. XXXII. 10 Cap. XXVI.

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intermediário entre a morte e a ressurreição. Diz Addison: “Durante muitos séculos, foi

geralmente aceita a conclusão geral de que num hades subterrâneo os justos gozam certa

medida de recompensa, não igual ao seu futuro céu, e os ímpios sofrem certo grau de

punição, não igual ao seu futuro inferno. Assim, o estado intermediário era uma versão

ligeiramente reduzida da retribuição ultima”.11 Este conceito foi defendido, embora com

algumas variantes, por homens como Justino Mártir, Irineu, Tertuliano, Novaciano,

Orígenes, Gregório de Nyssa, Ambrósio e Agostinho. Na escola Alexandrina, a idéia do

estado intermediário cedeu passo à de uma gradual purificação da alma, isto é, no

transcurso do tempo, preparou o caminho para a doutrina católica romana do purgatório.

Havia, porém, alguns que apoiavam a idéia de que, na morte, as almas dos justos

entravam imediatamente no céu; entre eles estavam Gregório de Nazianzo, Eusébio e

Gregório, o Grande.

Na Idade Média a doutrina de um estado intermediário foi conservada, e, em conexão

com ela, a Igreja Católica Romana desenvolveu a doutrina do purgatório. A opinião

dominante era que o inferno recebia imediatamente as almas dos ímpios, mas que

somente as dos justos que estivessem livres de toda mácula do pecado eram admitidos

imediatamente na bem-aventurança do céu, para desfrutarem o visio Dei (visão de Deus).

Os mártires eram geralmente contados entre os poucos favorecidos. Os que precisavam de

ulterior purificação eram, segundo o conceito predominante, detidos no purgatório por um

menor ou maior período de tempo, conforme o exigisse o grau de pecado restante, e eram

purgados do pecado por meio de um fogo purificador. Outra idéia, que também se

desenvolveu em conexão com a noção do estado intermediário, era a do limbus patrum

(limbo dos pais), onde os santos do Velho Testamento ficaram retidos até à ressurreição de

Cristo. Os Reformadores, sem exceção, rejeitaram a doutrina do purgatório, e também toda

a idéia de um real estado intermediário, que levava consigo a idéia de um lugar

intermediário. Eles sustentavam que os que morriam no Senhor ingressavam

imediatamente na bem-aventurança do céu, ao passo que os que morriam em seus

pecados desciam imediatamente para o inferno. Contudo, alguns teólogos do período da

Reforma admitiam uma diferença de grau entre a felicidade dos primeiros e o julgamento

dos últimos, antes do juízo final, e sua felicidade e punição finais, depois do grande

tribunal. Entre os socinianos e ao anabatistas houve alguns que reviveram a antiga

doutrina, sustentada por alguns da Igreja Primitiva, de que a alma do homem dorme desde

11 Life Beyond Death, p. 202.

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a hora da morte até à ressurreição. Calvino escreveu um tratado para combater essa idéia.

A mesma noção é defendida por algumas seitas adventistas e pelos da aurora do milênio.

Durante o século dezenove, vários teólogos, principalmente na Inglaterra, na Suíça e na

Alemanha, abraçaram a idéia de que o estado intermediário é um estado de nova prova (ou

de segunda oportunidade) para os que não aceitam a Cristo nesta vida. Este conceito é

defendido por alguns até aos dias atuais, e é uma das doutrinas favoritas dos

universalistas.

C. A Construção Moderna da Doutrina do Sheol-Hades.

1. EXPOSIÇÃO DA DOUTRINA. Há diversas representações da concepção bíblica do

sheol-hades na teologia atual, e é deveras impossível considerar cada uma delas

separadamente. Predomina no presente a idéia de que a concepção veterotestamentária

do sheol, à qual se supõe que a do hades do Novo Testamento corresponde, foi copiada da

noção gentílica do mundo subterrâneo. Afirma-se que, de acordo com o Velho Testamento,

tanto os fiéis como os ímpios, ao morrerem, entram na lúgubre morada das sombras, na

terra do esquecimento, onde estão condenados a uma existência que não passa de um

fantasioso reflexo da vida na terra. O mundo subterrâneo não é, em si mesmo, um lugar de

recompensa, nem de punição. Não está dividido em diferentes compartimentos para os

bons e os maus, mas é uma região sem distinções morais. É um lugar de consciências

enfraquecidas e sonolenta inatividade, onde a vida perdeu os seus interesses e a alegria

da vida se transformou em tristeza. Alguns são de opinião que o Velho Testamento

apresenta o sheol como habitação permanente de todos os homens, enquanto outros

acham que ele oferece uma esperança de fuga aos fiéis. Ocasionalmente encontramos

uma apresentação um tanto diversa da concepção veterotestamentária, na qual o sheol e

descrito como dividido em dois compartimentos, quais sejam, o paraíso e a geena, aquele

contendo todos os judeus, ou unicamente aqueles que observaram fielmente a lei, e esta

abrangendo os gentios. Os judeus serão libertados do sheol quando da vinda do Messias,

enquanto que os gentios permanecerão para sempre na habitação das trevas. A

contraparte neotestamentária dessa concepção do sheol acha-se em sua descrição do

hades. Não se afirma apenas que os hebreus agasalhavam a noção desse mundo

subterrâneo, nem que os escritores bíblicos ocasionalmente se acomodavam formalmente,

em suas exposições, aos conceitos dos gentios, a respeito dos quais falavam; mas, sim,

que este é o conceito escriturístico do estado intermediário.

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2. CRÍTICA DESSA APRESENTAÇÃO MODERNA. No abstrato é possível,

naturalmente, que a idéia dessa localidade separada, que não é céu nem inferno, na qual

os mortos são reunidos e onde permanecem, ou permanentemente, ou até que ocorra

alguma ressurreição comunal, fosse mais ou menos corrente no pensamento popular

hebraico, e pode ter dado surgimento a algumas descrições figuradas do estado dos

mortos; mas, dificilmente isso pode ser considerado, pelos que crêem na inspiração

plenária da Bíblia, como um elemento dos ensinos positivos da Escritura, desde que

contradiz francamente a apresentação escriturística segundo a qual os justos entram

imediatamente na glória, e os ímpios descem imediatamente para um lugar de punição

eterna. Além disso, podem ser feitas as seguintes considerações contra essa idéia:

a. Surge a questão sobre se o conceito do sheol-hades, tão geralmente considerado

agora como escriturístico, é fiel aos fatos ou não. Se foi fiel aos fatos na ocasião em que os

livros da Bíblia foram escritos, mas não é mais fiel aos fatos atuais, levanta-se

naturalmente a questão, Que foi que produziu a diferença? E se não foi fiel aos fatos, mas

era um conceito decididamente falso – e esta é a opinião dominante – surge logo o

problema de como essa idéia errônea pôde ser protegida e sancionada, e até ensinada

positivamente pelos escritores inspirados da Escritura. O problema não é abrandado pela

consideração, feita por alguns, de que a inspiração da Escritura não leva consigo a

segurança de que os santos do Velho Testamento estavam certos quando diziam que,

quando morrem, os homens entram num lugar subterrâneo, porque não somente esses

santos, mas também os escritores inspirados da Escritura empregavam linguagem que, em

si mesma e independentemente doutros ensinos claros da Escritura, podia ser interpretada

dessa maneira, Nm 16.30; Sl 49.15, 16; 88.3; 89.48; Ec 9.10; Is 5.14; Os 13.14. Esses

escritores inspirados laboravam em erro quando falaram que tanto os justos como os

ímpios desciam para o sheol? Pode-se dizer que houve um desenvolvimento da revelação

a respeito do destino do homem, e não temos motivos para duvidar de que neste ponto,

como em muitos outros, aquilo era obscuro, aos poucos foi ganhando definição e clareza;

mas certamente isto não significa que o verdadeiro resultou do desenvolvimento do falso.

Como poderia? O Espírito Santo consideraria válido que o homem recebesse primeiro

impressões falsas o obtivesse noções errôneas e depois, com o transcorrer do tempo, as

trocasse por uma percepção correta da condição dos mortos?

b. Se, conforme a exposição bíblica, o sheol-hades é um lugar neutro, sem distinções

morais, sem bem-aventurança por um lado, mas também sem positivo sofrimento por outro,

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lugar ao qual todos descem igualmente, como pode o Velho Testamento falar da descida

dos ímpios ao sheol em termos de advertência, como o faz em diversas passagens, como

Jó 21.13; Sl 9.17; Pv 5.5; 7.27; 9.18; 5.24; 23.4? Como pode a Bíblia falar da ira de Deus

ardendo ali, Dt 32.22, e empregar o termo sheol como sinônimo de abaddon, isto é

destruição, Jó 26.6; Pv 15.11; 27.20? Este termo é um forte, aplicado ao anjo do abismo

em Ap 9.11. Alguns procuram escapar desta dificuldade concedendo o caráter neutro de

sheol e supondo que este era concebido como um mundo subterrâneo com duas divisões,

chamadas no Novo Testamento paraíso e geena, aquele sendo a habitação destinada aos

justos, e esta, aos ímpios; mas essa tentativa só pode resultar em desapontamento; pois o

Velho Testamento não contém nenhum vestígio de tal divisão, conquanto fale do sheol

como um lugar de punição para os ímpios. Além disso, o Novo Testamento identifica

claramente o paraíso como o céu em 2 Co 12.2, 4. E, finalmente, se hades é o designativo

neotestamentário de sheol, e tudo converge para isto, em que fica a condenação especial

de Cafarnaum, Mt 11.23, e como pode ele ser retratado como um lugar de tormento, Lc

16.23? Alguém poderia estar inclinado a dizer que as ameaças contidas nalgumas das

passagens mencionadas se referem a uma rápida descida ao sheol, mas não há indicação

dito o texto em nenhum lugar, exceto em Jó 21.13, onde a afirmação disto é explícita.

c. Se uma descida ao sheol fosse a sombria perspectiva do futuro, não somente dos

ímpios mas também dos justos como poderíamos explicar as expressões de jubilosa

expectativa, ou de alegria em face da morte, como as que vemos em Nm 23.10; Sl 1.9, 11;

17.15; 49.15; 73.24, 26; Is 25.8 (comp. 1 Co 15.54)? A expressão do Sl 49.15 pode ser

interpretada no sentido de que Deus livrará o poeta do sheol ou do poder do sheol.

Observe-se também o que o escritor de Hebreus diz dos heróis da fé veterotestamentários,

em Hb 11.13-16. Naturalmente, o Novo Testamento fala muitas vezes da jubilosa

perspectiva que os crentes têm do futuro, e ensina sobre a sua felicidade consciente no

estado desencarnado, Lc 16.23, 25; 23.43; At 7.59; 2 Co 5.1, 6, 8; Fp 1.21,23; 1 Ts 5.10;

Ef3.14, 15 (“família... no céu”, não no “hades”); Ap. 6.9, 11; 14.13. Em 2 Co 12.2, 4

“paraíso” é empregado como sinônimo de “terceiro céu”. Em conexão com esta clara

apresentação dada pelo Novo Testamento, tem-se sugerido que os crentes

neotestamentários são mais privilegiados que os veterotestamentários por terem acesso

imediato à bem-aventurança do céu. Mas bem se pode perguntar: Qual a base para se

pressupor essa diferença?

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d. Se a palavra sheol sempre denota a sombra região na qual descem os mortos, e

nunca tem outro significado, então o Velho Testamento, enquanto tem uma palavra para

indicar o céu como a bendita habitação de Deus e dos santos anjos, não tem uma palavra

referente ao inferno, o lugar de destruição e de castigo eterno. Mas é somente com base

no pressuposto de que nalgumas passagens sheol designa um lugar de punição para onde

os ímpios vão, em distinção dos justos, que as advertências anotadas no item (b) têm

alguma razão de ser. De fato, sheol às vezes é contrastado com shamayim (céus), como

em Jó 11.8; Sl 139.8; Am 9.2. A Escritura fala também do sheol mais profundo ou inferior

em Dt 32.22. A mesma expressão se acha também no Sl 86.13, mas é evidente que nesta

passagem é empregada figuradamente.

e. Finalmente, deve-se notar que havia diferenças de opinião entre os eruditos quanto

ao sujeito exato da descida ao sheol e, de alguma forma obscura, continua a sua existência

num mundo de sombras, onde as relações da vida ainda refletem as da terra. Esta

descrição parece estar em maior harmonia com as afirmações da Escritura, Gn 37.35; Jó

7.9; 14.13; 21.13; Sl 139.8; Ec 9.10. Há alguns que assinalam o fato de que o corpo está

incluído. Há perigo de que as “cãs” de Jacó sejam baixadas ao sheol, Gn 42.38; 44.29, 31;

Samuel é visto subir como um ancião envolto numa capa, 1 Sm 28.14; e as “cãs” de Simei

deverão ser baixadas ao sheol, 1 Rs 2.6,9. Mas, se o sheol é um lugar para onde vão todos

os mortos, corpo e alma, o que então é posto no túmulo, que se supõe ser outro lugar?

Esta dificuldade é evitada por aqueles eruditos que afirmam que somente as almas descem

ao sheol, mas dificilmente se pode dizer que isso está em harmonia com as descrições do

Velho Testamento. É verdade que há umas poucas passagens que falam de almas indo

para o sheol ou estando lá, Sl 16.10; 30.3; 86.13; 89.48; Pv 23.14, mas é um fato bem

conhecido que em hebraico a palavra nephesh (alma), com o sufixo pronominal, é muitas

vezes equivalente ao pronome pessoal, principalmente na linguagem poética. Alguns

teólogos conservadores adotaram esta elaboração da apresentação veterotestamentária, e

encontraram nela um ponto de apoio para a sua idéia de que as almas dos homens estão

nalgum lugar intermediário (todavia, um lugar com distinções morais e divisões separadas),

até o dia da ressurreição.

3. INTERPRETAÇÃO DE SHEOL-HADES AQUI SUGERIDA. De maneira nenhuma é

fácil interpretar estes termos, e, ao sugerir uma interpretação, não queremos dar a

impressão de que estamos falando com absoluta segurança. Um estudo indutivo das

passagens nas quais se encontram, logo dissipa a noção de que os termos sheol e hades

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são empregados sempre no mesmo sentido e em todos os casos podem ser traduzidos

pela mesma palavra, seja mundo inferior, estado dos mortos, sepultura ou inferno. Isso

também se reflete claramente nas várias traduções da Bíblia. A Versão de Holland traduz o

termo sheol por sepultura nalgumas passagens, e por inferno noutras. A Versão do Rei

Tiago, ou Versão Autorizada (King James ou Authorized Version) emprega três palavras

para a sua tradução, a saber, sepultura, inferno e cova (grave, hell e pit). Os revisores

ingleses, deveras incoerentemente, conservaram sepultura ou cova no texto dos livros

históricos, colocando sheol na margem. Mantiveram somente em Is 14. Os revisores

americanos evitaram a dificuldade simplesmente mantendo os vocábulos originais sheol e

hades em sua tradução.* Embora tenha alcançado ampla circulação a opinião de que o

sheol é simplesmente o mundo inferior ao qual os homens descem, de modo nenhum esta

idéia é unânime. Alguns dos eruditos mais antigos identificavam o sheol com a sepultura;

há outros que o consideram como o lugar onde são retidas as almas dos mortos; e ainda

outros, dentre os quais podemos mencionar Shedd, Vos, Aalders e De Bondt, afirmam que

a palavra sheol nem sempre tem o mesmo sentido. Parece-nos que esta ultima opinião

merece preferência, e que se pode dizer o seguinte, a respeito dos seus diferentes

sentidos:

a. Nem sempre as palavras sheol e hades denotam uma localidade, na Escritura, mas

muitas vezes são empregadas num sentido abstrato, para designar o estado de morte, o

estado de separação de corpo e alma. Com freqüência, este estado é concebido

localmente como constituindo os domínios da morte, e às vezes é retratado como uma

fortaleza guarnecida de portas que somente quem lhes possui as chaves pode fechar e

abrir, Mt 16.18; Ap. 1.18. Com toda a probabilidade, esta descrição local se baseia numa

generalização da idéia do sepulcro, ao qual o homem desce quando entra no estado de

morte. Desde que tanto os crentes como os descrentes, ao término da sua vida, entram no

estado de morte, bem se pode dizer, figuradamente, que eles estão, sem distinção, no

sheol ou no hades. Estão igualmente no estado de morte. O paralelismo demonstra

claramente o que se quer dizer numa passagem como 1 Sm 2.6: “O Senhor é o que tira a

vida, e a dá; faz descer à sepultura (ao sheol), e faz subir”. CF. também Jó 14.13, 14;

17.13, 14; Sl 89.48; Os 13.14, e várias outras passagens. Evidentemente, a palavra hades

* É o que faz a Tradução Brasileira. A Versão de Almeida, Revista e Atualizada no Brasil, emprega várias palavras para traduzir sheol, como sepultura (Jó 7.9), morte (Sl 16.10), cova (Sl 30.3a), abismo (Sl 139.8), além (Ec 9.10), inferno (Dt 32.22; Sl 116.3). Na Edição Revista e Corrigida, nas passagens dadas nesta nota como exemplos, aparecem as seguintes palavras, respectivamente: sepultura, inferno, sepultura, Seol, sepultura e inferno. Nota do tradutor.

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é empregada mais de uma vez no sentido não local de estado dos mortos no Novo

Testamento, At 2.27, 31; Ap. 6.8; 20.28. Nestas duas ultimas passagens temos uma

personificação. Visto que os termos podem denotar o estado de morte, não é necessário

provar que nunca se referem a algo concernente igualmente aos justos e aos ímpios, mas

somente que não denotam um lugar onde as almas de uns e de outros são reunidas. De

Bondt chama a atenção para o fato de que em muitas passagens o termo sheol é

empregado no sentido abstrato de morte, poder da morte e perigo da morte.

b. Quando sheol e hades designam uma localidade no sentido literal da palavra,

referem-se, ou àquilo que geralmente denominamos inferno, ou à sepultura. A descida ao

sheol é apresentada como uma ameaça de perigo e como um castigo para os ímpios, Sl

9.17; 49.14; 55.15; Pv 15.11; 15.24; Lc 16.23 (hades). A advertência e a ameaça contidas

nestas passagens ficarão completamente anuladas, se se conhecer sheol como um lugar

neutro para onde todos vão. Destas passagens também se infere que não pode ser

considerado como um lugar de duas divisões. A idéia de um tal sheol dividido é copiada da

concepção gentílica do mundo subterrâneo e não encontra suporte na Escritura. É somente

do sheol como estado de morte que podemos falar que tem duas divisões, mas então

falamos figuradamente. Mesmo o Velho Testamento atesta que os que morrem no Senhor

entram num gozo mais completo das bênçãos da salvação e, portanto, não descem a

nenhum mundo subterrâneo, no sentido literal da palavra, Nm 23.5, 10; Sl 16.11; 17.15;

73.24; Pv 14.32. Enoque e Elias foram levados para cima, e não desceram a algum mundo

inferior, Hb 11.5 e segtes. Ademais, sheol, não meramente como um estado, mas também

como um lugar, é considerado como estando na mais estreita relação com a morte. Se a

concepção bíblica da morte for compreendida em sua significação profunda, em sua

significação espiritual, prontamente se verá que o sheol não pode ser a morada das almas

dos que morrem no Senhor, Pv 5.5; 15.11; 27.20.

Há também diversas passagens nas quais sheol e hades parecem designar a

sepultura. Nem sempre é fácil determinar, porém, se as palavras se referem à sepultura ou

ao estado dos mortos. As seguintes passagens são algumas das que entram em

consideração aqui: Gn 37.25; 42.38; 44.29; 29.31; 1 Rs 2.6, 9; Jó 14.13; 17.13; 21.13; Sl

6.5; 88.3; Ec 9.10. Mas, embora o nome sheol também seja empregado para sepultura, não

se segue necessariamente que este é o sentido original da palavra, do qual o seu emprego

para designar o inferno é copiado. Com toda a probabilidade, a verdade é o oposto. A

sepultura é chamada sheol porque simboliza a ida para baixo, que é relacionada com a

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idéia de destruição. Quanto aos crentes, o simbolismo bíblico é mudado pela própria

Escritura. Paulo afirma que eles são sepultados quando morrem, como uma semente é

semeada na terra, da qual brota uma vida nova, mais abundante, mais gloriosa.

No Velho Testamento a palavra sheol é utilizada mais freqüentemente no sentido de

sepultura e menos no de inferno, enquanto que no uso correspondente de hades no Novo

Testamento dá-se o contrário.

D. A Doutrina Católica Romana a Respeito do Domicil io da Alma Depois da Morte.

1. PURGATÓRIO. De acordo com a igreja de Roma, as almas dos que são

perfeitamente puros por ocasião da morte são imediatamente admitidos no céu ou na visão

beatífica de Deus, Mt 25.46; Fp 1.23; mas os que não se acham perfeitamente purificados,

que ainda levam sobre si a culpa de pecados veniais e não sofreram o castigo temporal

devido aos seus pecados – e esta é a condição da maioria dos fiéis quando morrem – têm

que se submeter a um processo de purificação, antes de poderem entrar nas supremas

alegrias e bem-aventurança do céu. Em vez de entrarem imediatamente no céu, entram no

purgatório.

O purgatório não é um lugar de prova (ou de segunda oportunidade), mas de

purificação e de preparação para as almas dos crentes que têm a segurança de uma

entrada final no céu, mas ainda não estão prontas para apossar-se da felicidade da visão

beatífica. Durante a estada dessas almas no purgatório, elas sofrem a dor da perda, isto é,

a angústia resultante do fato de que estão excluídas da bendita visão de Deus, e também

padecem “castigo dos sentidos”, isto é, sofrem dores positivas, que afligem a alma. A

extensão da sua permanência no purgatório não pode ser determinada de antemão. A

duração, como também a intensidade dos seus sofrimentos, variam de acordo com o grau

de purificação ainda necessitado. Elas podem ser abreviadas e aliviadas pelas orações e

boas obras dos fiéis na terra, e especialmente pelo sacrifício da missa. É possível que

alguém fique no purgatório até ao dia do juízo final. Supõe-se que o papa tem jurisdição

sobre o purgatório. É sua prerrogativa peculiar conceder indulgências, abrandar os

sofrimentos purgatoriais e até acabar com eles.

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O principal apoio para esta doutrina acha-se em 2 Macabeus 12.42-45, e, portanto,

num livro não reconhecido como canônico pelos protestantes.* Mas esta passagem prova

demais, isto é, mais do que os próprios católicos romanos podem admitir coerentemente, a

saber, a possível libertação do purgatório, de soldados que tinham morrido no pecado

mortal da idolatria.

Também se supõe que certas passagens favorecem essa doutrina, como Is 4.4; Mq

7.8; Zc 9.11; Ml 3.2, 3; Mt 12.32; 1 Co 3.13-15; 15.29. Contudo, é mais que evidente que

essas passagens só podem ser levadas a dar suporte à doutrina do purgatório mediante

uma exegese forçada. A doutrina não acha suporte nenhum na Escritura, e, além disso,

firma-se em várias premissas falsas, tais como: (a) que devemos acrescentar algo à obra

realizada por Cristo; (b) que as nossas boas obras são meritórias no sentido estrito da

palavra; (c) que podemos realizar obras de supererrogação, obras que excedem o que o

dever manda; e (d) que o poder das chaves, que a igreja detém, é absoluto, num sentido

judicial. Segundo esse poder, a igreja pode encurtar, suavizar e até mesmo terminar os

sofrimentos do purgatório.

2. O LIMBUS PATRUM. A palavra latina limbus (orla, borda) era empregada na Idade

Média para denotar dois lugares na orla ou na borda do inferno, a saber, o limbus patrum

(dos pais) e o limbus infantum (das crianças). Aquele era o lugar onde, segundo os ensinos

de Roma, as almas dos santos do Velho Testamento ficaram detidos, num estado de

expectativa, até a ressurreição do Senhor dentre os mortos. Supõe-se que, após Sua morte

na cruz, Cristo desceu ao lugar de habitação dos pais para livra-los do seu confinamento

temporário e levá-los em triunfo para o céu. Esta é a interpretação católica romana da

descida de Cristo ao hades. O hades é considerado como o lugar de habitação dos

espíritos dos mortos, tendo duas divisões, uma para os justos e a outra para os ímpios. A

divisão habitada pelos espíritos dos justos era o limbus patrum, que os judeus conheciam

como seio de Abraão, Lc 16.23, e paraíso, Lc 23.43. Afirma-se que o céu não foi aberto

para nenhum homem, enquanto Cristo não realizou a propiciação pelo pecado do mundo.

3. O LIMBUS INFANTUM. Este é o lugar de habitação das almas de todas as crianças

não batizadas, independentemente de sua descendência, que de pagãos, quer de cristãos.

De acordo com a Igreja Católica Romana, as crianças não batizadas não podem ser * Igualmente não reconhecido pelos católicos romanos até à época do Concílio de Trento, que o declarou de igual autoridade à dos livros canônicos (juntamente com outros livros apócrifos) – e isso três décadas após a eclosão da Reforma Protestante do Século XVI. Nota do tradutor.

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admitidas no céu, não podem entrar no reino de Deus, Jo 3.5. Sempre houve natural

repugnância, porém, pela idéia de que essas crianças devem ser torturadas no inferno, e

os teólogos católicos romanos procuraram um meio de escapar da dificuldade. Alguns

achavam que tais crianças talvez sejam salvas pela fé dos pais, e outros, que Deus pode

comissionar os anjos para batiza-las. Mas a opinião predominante é que, embora excluídas

do céu, é-lhes destinado um lugar situado nas bordas do inferno, aonde não chegam as

chamas terríveis. Elas permanecem nesse lugar para sempre, sem nenhuma esperança de

livramento. A igreja de Roma jamais definiu a doutrina do limbus infantum, e as opiniões

dos teólogos variam quanto às precisas condições das crianças ali confinadas. Todavia

prevalece a opinião de que elas não sofrem nenhuma punição positiva, nenhuma “dor dos

sentidos”, mas simplesmente estão excluídas das bênçãos do céu. Elas conhecem e amam

a Deus pelo uso das suas faculdades naturais, e gozam completa felicidade natural.

E. O Estado da Alma Depois da Morte, Um Estado de E xistência Consciente.

1. O ENSINO DA ESCRITURA SOBRE ESTE PONTO. Tem-se levantado a questão

dobre se, após a morte, a alma continua ativamente consciente e é capaz de ação racional

e religiosa. Por vezes isso tem sido negado, sobre a base geral de que a alma, em sua

atividade consciente, depende do cérebro e, portanto, não pode continuar a funcionar

quando o cérebro é destruído. Mas, como já foi assinalado anteriormente (III.D), a validade

desse argumento pode ser posta em dúvida. “Ele se baseia”, para usar as palavras de

Dahle, “no erro de confundir o operário com a sua máquina”. Do fato de que a consciência

humana, na presente vida, transmite os seus efeitos pelo cérebro, não se segue

necessariamente que não possa agir de nenhum outro modo. Ao argumentarmos a favor

da existência consciente da alma depois da morte, não nos apoiamos nos fenômenos do

espiritismo dos dias atuais, e nem mesmo dependemos de argumentos filosóficos, embora

estes não sejam destituídos de força. Buscamos nossas provas na Palavra de Deus, e

particularmente no Novo Testamento. O rico e Lázaro participam de uma conversação, Lc

16.19-31. Paulo descreve o estado desencarnado como “habitar com o Senhor”, e como

uma coisa preferível à vida presente, 2 Co 5.6-9; Fp 1.23. Decerto que dificilmente ele

falaria dessa maneira acerca de uma existência inconsciente, que seria uma virtual não

existência. Em Hb 12.23 se diz que os crentes têm chegado “aos espíritos dos justos

aperfeiçoados”, o que certamente implica sua existência consciente. Além disso, os

espíritos debaixo do altar clamam por vingança contra os perseguidores da igreja, Ap 6.9, e

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se afirma que as almas dos mártires reinam com Cristo, Ap 20.4. Esta verdade da

existência consciente da alma depois da morte tem sido negada em mais de uma forma.

2. A DOUTRINA DO SONO DA ALMA (PSICOPANIQUIA).

a. Exposição da doutrina. Esta é uma das formas em que a existência consciente da

alma depois da morte é negada. Ela afirma que, depois da morte, a alma continua a existir

como um ser espiritual individual, mas num estado de repouso inconsciente. Eusébio faz

menção de uma pequena seita da Arábia que tinha esse conceito. Durante a Idade Média

havia bem poucos dos chamados psicopaniquianos, e na época da Reforma esse erro era

defendido por alguns anabatistas. Calvino chegou a escrever um tratado contra eles,

intitulado Psychopanychia. No século dezenove esta doutrina era propugnada por alguns

dos irvingitas* da Inglaterra, e nos nossos dias é uma das doutrinas favoritas dos russelitas

ou dos sectários da aurora do milênio nos Estados Unidos. Segundo estes últimos, o corpo

e a alma descem à sepultura, a alma num estado de sono que de fato equivale a um

estado de não existência. O que é chamado ressurreição, na realidade é uma nova criação.

Durante o milênio os ímpios terão uma segunda oportunidade, mas, se eles não mostrarem

um assinalado melhoramento durante os cem primeiros anos, serão aniquilados. Se nesse

período evidenciarem alguma correção da vida, continuarão em prova, mas somente para

acabar na aniquilação, se permanecerem impenitentes. Não existe inferno, não existe

nenhum lugar de tormento eterno. A doutrina do sono da alma parece exercer peculiar

fascínio sobre os que acham difícil acreditar na continuidade da vida consciente fora do

organismo corpóreo.

b. Suposta base bíblica desta doutrina. A prova escriturística desta doutrina acha-se

especialmente no seguinte: (1) Muitas vezes a Escritura descreve a morte como um sono,

Mt 9.24; At 7.60; 1 Co 15.51; 1 Ts 4.13. Este sono, dizem, não pode ser sono do corpo, e,

portanto, só pode ser sono da alma. (2) Certas passagens da Escritura ensinam que os

mortos estão inconscientes, Sl 6.5; 30.9; 115.17; 146.4; Ec 9.10; Is 38.18, 19. Isto vai

contra a idéia de que a alma continua sua existência consciente. (3) A Bíblia ensina que os

destinos dos homens serão determinados por um julgamento final e que haverá surpresa

para alguns. Conseqüentemente, é impossível imaginar que a alma entra em seu destino

imediatamente após a morte, Mt 7.22, 23; 25.37-39, 44; Jo 5.29; 2 Co 5.10; Ap 20.12, 13.

* Seguidores de Edward Irving (1792-1834), teólogo escocês, exonerado do ministério presbiteriano em 1830 por questões doutrinárias, e fundador da Santa Igreja Católica Apostólica. Nota do tradutor.

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(4) nenhum dos que ressuscitaram dentre os mortos jamais deu algum relato das suas

experiências. Pode-se entender melhor isso com a suposição de que as almas estavam

inconscientes, em seu estado desencarnado.

c. Consideração dos argumentos apresentados. Os argumentos supra mencionados

podem ser respondidos como segue, na ordem em que foram expostos: (1) Deve-se notar

que a Bíblia nunca diz que a alma cai no sono, nem que o corpo cai no sono, mas somente

que a pessoa que morre o faz. E esta descrição escriturística baseia-se simplesmente na

similaridade existente entre um corpo e um corpo dormente. Não é improvável que a

Escritura empregue esta expressão eufemística a fim de lembrar aos crentes a consoladora

esperança da ressurreição. Além disso, a morte é um rompimento com a vida do mundo

que nos rodeia e, neste sentido, é sono, é repouso. Finalmente, não devemos esquecer

que a Bíblia retrata os crentes como desfrutando vida consciente na comunhão com Deus e

com Jesus imediatamente após a morte, Lc 16.19-31; 23.43; At 7.59; 2 Co 5.8; Fp 1.23; Ap

6.9; 7.9; 20.4. (2) As passagens que parecem ensinar que os mortos estão inconscientes

visam claramente a salientar o fato de que , no estado de morte, o homem não pode mais

tomar parte nas atividades do presente mundo. Diz Hovey: “A obra do artista é

interrompida, a voz do cantor é silenciada, o cetro do rei cai. O corpo volta ao pó, e o louvor

de Deus neste mundo cessa para sempre”. (3) às vezes se faz descrição como se o

destino eterno do homem dependesse de um julgamento no ultimo dia, mas evidentemente

isso é um engano. O dia do juízo não é necessário para chegar-se a uma decisão a

respeito da recompensa ou da punição de cada homem, mas somente para o solene

anúncio da sentença, e para a revelação da justiça de Deus na presença dos homens e

dos anjos. A surpresa evidenciada por algumas passagens tem que ver com a base sobre

a qual o julgamento repousa, e não com o julgamento propriamente dito. (4) É verdade que

não lemos que algum dos que ressuscitaram dentre os mortos alguma vez tenha contado

as experiências pelas quais passou entre a sua morte e a sua ressurreição. Mas este é um

simples argumento extraído do silêncio, argumento completamente sem valor neste caso,

desde que a Bíblia ensina claramente a existência consciente dos mortos. Todavia, pode

muito bem ser que as pessoas se mantivessem caladas acerca das experiências, mas isto

pode ser prontamente explicado partindo-se do pressuposto de que não lhes foi permitido

falar delas, ou que não podiam relatá-las com linguagem humana. Cf. 2 Co 12.4.

3. AS DOUTRINAS DO EXTINCIONISMO E DA IMORTALIDADE CONDICIONAL.

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a. Exposição destas doutrinas. De acordo com estas doutrinas, não há existência

consciente, se é que há alguma existência, dos ímpios após a morte. Ambas estão unidas

em sua concepção do estado dos ímpios após a morte, mas divergem num par de pontos

fundamentais. O extincionismo ensina que o homem foi criado imortal, mas que a alma,

que continua em pecado, está privada, por um ato positivo de Deus, do dom da

imortalidade e, finalmente, é destruída, ou (segundo alguns), para sempre é despojada da

consciência, o que equivale praticamente a ser reduzida à não existência. Por outro lado,

segundo a doutrina da imortalidade condicional, a imortalidade não é um dote natural da

alma, mas um dom de Deus em Cristo aos que crêem. A alma que não aceita a Cristo,

finalmente deixa de existir, ou perde toda a consciência. Alguns dos defensores destas

doutrinas ensinam uma duração limitada de sofrimentos conscientes para os ímpios na vida

futura, e, assim, conservam algo da idéia de punição positiva.

b. Estas doutrinas na história. A doutrina do extincionismo foi ensinada por Arnóbio e

pelos primeiros socinianos, como também pelos filósofos Locke e Hobbes, mas não foi

popular em sua forma originária. No século anterior ao nosso, porém, a antiga idéia da

aniquilação foi revivida com algumas modificações, com o nome de imortalidade

condicional, e em sua nova forma encontrou considerável apoio. Foi defendida por E.

White, J. B. Heard, pelos prebendados Constable e Row, na Inglaterra, por Richard Rothe

na Alemanha, por A. Sabatier em França, por E. Petavel e Ch. Secretan na Suíça, e por C.

F. Hudson, W. R. Huntingon, L.C. Baker e L.W. Bacon em nosso país (Estados Unidos da

América), e, portanto, merece atenção especial. Nem todos colocam a doutrina na mesma

forma, mas todos concordam na posição fundamental de que o homem não é imortal em

virtude da sua constituição original, mas é feito imortal por um ato ou dom especial da

graça. No que se refere aos ímpios, alguns afirmam que eles conservam mera existência,

embora com total perda da consciência, enquanto outros asseveram que eles perecem

completamente, como os animais, conquanto isto possa ocorrer depois de períodos mais

longos ou mais curtos de sofrimento.

c. Argumentos aduzidos em favor desta doutrina. Acha-se suporte para esta doutrina,

em parte na linguagem de alguns dos chamados pais primitivos da igreja, que parece

também nalgumas das mais recentes teorias da ciência, que negam que haja alguma prova

científica da imortalidade da alma. Contudo, o principal suporte para ela é procurado na

Escritura. O que se diz é que a Bíblia: (1) ensina que somente Deus é inerentemente

imortal, 1 Tm 6.16; (2) nunca fala da imortalidade da alma em geral, mas apresenta a

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imortalidade como um dom de Deus aos que estão em Cristo Jesus, Jo 10.27, 28; 17.3; Rm

2.7; 6.22, 23; Gl 6.8; e (3) ameaça os pecadores com a “morte” e com “destruição”,

afirmando que eles “perecerão”, termos que devem ser entendidos no sentido de que os

descrentes serão reduzidos à não existência, Mt 7.13; 10.28; Jo 3.16; Rm 6.23; 8.13; 2 Ts

1.9.

d. Consideração destes argumentos. Não se pode dizer que os argumentos em favor

desta doutrina são conclusivos. A linguagem dos chamados pais primitivos da igreja nem

sempre é exata e coerente, e admite outra interpretação. E, no geral, o pensamento

especulativo dos séculos tem sido favorável à doutrina da imortalidade da alma, ao passo

que a ciência não tem sucesso ao reprová-la. Os argumentos escriturísticos podem ser

respondidos em ordem, como segue: (1) Deus é de fato o único ser que tem imortalidade

inerente. A imortalidade do homem é derivada, mas isto não é o mesmo que dizer que ele

não a possui em virtude da sua criação. (2) No segundo argumento, a mera imortalidade ou

existência continuada da alma é confundida com a vida eterna, quando esta constitui um

conceito muito mais rico. A vida eterna é, na verdade, dom de Deus em Jesus Cristo, dom

que os ímpios não recebem, mas isto não significa que eles não continuarão existindo. (3)

O último argumento pressupõe arbitrariamente que os termos “morte”, “destruição” e

“perecer” denotam uma redução à não existência. Só o literalismo mais cru pode afirmar

isto, e, neste caso, unicamente em conexão com algumas das passagens citadas pelos

defensores desta teoria.

e. Argumentos contra esta doutrina. A doutrina da imortalidade condicional é

claramente contraditada pela Escritura onde esta ensina: (1) que os pecadores, como os

santos, continuarão a existir para sempre, Ec 12.7; Mt 25.46; Rm 2.8-10; Ap 14.11; 20.10;

(2) que os ímpios sofrerão punição eterna, o que significa que estarão para sempre

cônscios de uma dor que reconhecerão como seu justo prêmio, e, portanto, não serão

aniquilados, cf. as passagens recém-mencionadas; e (3) que haverá graus na punição dos

ímpios, enquanto que a extinção do ser ou da consciência não admite graus, mas constitui

uma punição igual para todos, Lc 12.47, 48; Rm 2.12

As seguintes ponderações também são decididamente opostas a esta doutrina

particular: (1) A aniquilação seria contrária a toda analogia. Deus não aniquila a Sua obra,

por mais que possa mudar-lhe a forma. A idéia bíblica da morte não tem nada em comum

com a aniquilação ou extinção. A vida e a morte são opostos exatos na Escritura. Se a

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morte significasse a continuação destes; mas o fato é que significa muito mais que isso, cf.

Rm 8.6; 1 Tm 4.8; 1 Jo 3.14. O termo tem uma conotação espiritual, o mesmo acontecendo

com a palavra morte. O homem está espiritualmente morto antes de cair presa da morte

física, mas isso não envolve perda do ser ou da consciência, Ef 2.1, 2; 1 Tm 5.6; Cl 2.13;

Ap 3.1. (2) Dificilmente se pode dizer que a aniquilação é uma punição, desde que esta

implica consciência de sofrimento e demérito, ao passo que, quando termina a existência,

cessa também a consciência. Poder-se-ia dizer, no máximo, que o medo da aniquilação é

uma punição, mas esta punição não seria proporcional à transgressão. E, naturalmente, o

medo do homem que nunca teve dentro de si a centelha da imortalidade, jamais será igual

ao daquele que tem a eternidade em seu coração, Ec 3.11. (3) Muitas vezes sucede que as

pessoas consideram a extinção do ser e da consciência uma coisa muito desejável, quando

se cansam da vida. Para elas, essa punição seria na realidade uma bênção.

F. O Estado Intermediário não é um Estado de Provaç ão ou Prova Posterior.

1. EXPOSIÇÃO DA DOUTRINA. A teoria da “segunda prova”, assim chamada,

encontrou considerável apoio no mundo teológico do século dezenove. Ela é defendida

além de doutros, por Mueller, Dorner e Nitzsch na Alemanha, por Godet e Gretillat na

Suíça, por Maurício, Farrar e Plumptre na Inglaterra, e por Newman Smythe, Munger, Cox,

Jukes e vários outros teólogos de Andover nos Estados Unidos. Essa teoria pretende que a

salvação mediante Cristo é possível no estado intermediário para certas classes de

pessoas, ou talvez para todas; e que é oferecida nos mesmos termos como no presente, a

saber, a fé em Cristo como Salvador. Cristo é dado a conhecer a todos os que ainda

necessitam dele para a salvação, e todos são instados a aceita-lo. Ninguém é condenado

sem ser submetido a esta prova, e só são condenados os que resistem a esta oferta da

graça. O estado eterno do homem não será fixado irrevogavelmente enquanto não chegar

o dia do juízo. A decisão tomada entre a morte e a ressurreição decidirá se a pessoa será

salva ou não. O principio fundamental sobre o qual repousa essa teoria é que nenhum

homem perecerá sem receber o oferecimento de uma oportunidade favorável para

conhecer e aceitar a Jesus. O homem só é condenado por sua obstinada recusa a aceitar a

salvação oferecida em Jesus Cristo. Contudo, as opiniões diferem quanto às pessoas às

quais a graça divina oferecerá a oportunidade de aceitar a Cristo no estado intermediário. A

opinião geral é que certamente será estendida a todas as crianças falecidas na infância e

aos pagãos adultos que nesta vida não ouviram falar de Cristo. A maioria sustenta que será

concedida até mesmo aos que, tendo vivido em terras cristãs, na presente vida nunca

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consideraram apropriadamente as reivindicações de Cristo. Há, ainda, grande diversidade

de opiniões quanto à instrumentalidade e aos métodos pelos quais essa obra salvadora

será levada a efeito no futuro. Além disso, enquanto alguns alimentam as maiores

esperanças quanto aos resultados dessa ora, outros são menos entusiasmados em suas

expectativas.

2. FUNDAMENTO EM QUE SE BASEIA ESTA DOUTRINA. Essa teoria se funda, em

parte, em considerações gerais daquilo que se poderia esperar do amor e da justiça de

Deus, e num desejo facilmente compreensível de dar à obra da graça de Cristo Jesus

amplitude tão inclusiva quanto possível, e não nalgum sólido alicerce escriturístico. Sua

principal base bíblica acha-se em 1 Pe 3.19 e 4.6, com o entendimento de que estas

passagens ensinam que Cristo, no período compreendido entre a Sua morte e a Sua

ressurreição, pregou aos espíritos no hades. Mas estas passagens dão um fundamento

assaz precário, visto que permitem uma interpretação completamente diferente.12 E

mesmo que estas passagens ensinassem que Cristo de fato foi ao mundo subterrâneo para

pregar, Seu oferecimento de salvação se estenderia somente aos que tinham morrido

antes da Sua crucificação. Eles se referem também a passagens que, em sua opinião,

apresentam a incredulidade como a única base para a condenação, tais como, Jo 3.18, 36;

Mc 16.15, 16; Rm 10.9-12; Ef 4.18; 2 Pe 2.3, 4; 1 Jo 4.3. Mas estas passagens só provam

que a fé em Cristo é o único meio de salvação, o que de modo nenhum equivale a provar

que uma consciente rejeição de Cristo é a única base da condenação. A incredulidade é,

sem dúvida, um grande pecado, pecado que sobressai em proeminente destaque nas vidas

daqueles a quem Cristo é pregado, mas não é a única forma de revolta contra Deus, nem a

única base da condenação. Os homens já estão sob condenação quando Cristo lhes é

oferecido. Outras passagens, como Mt 13.31, 32; 1 Co 14.24-28; Fp 2.9-11, são igualmente

inconclusivas. Algumas delas provam demais e, portanto, nada provam.

3. ARGUMENTOS CONTRA ESTA DOUTRINA. As seguintes considerações podem

ser dirigidas contra essa teoria: (a) A Escritura descreve o estado dos descrentes após a

morte como um estado fixo. A passagem mais importante a considerar aqui é Lc 16.19-31.

Outras passagens são Ec 11.3 (de interpretação incerta); Jo 8,21, 24; 2 Pe 2.4, 9; Jd 7.13

(comp. 1 Pe 3.19). (b) Invariavelmente descreve também o juízo final vindouro como

determinado pelas coisas feitas na carne, e nunca fala dele como de algum modo

12 Cf. especialmente Hovey, Eschatology, p. 97-113, e Vos, artigo “Eschatology of the New Testament”, na International Standard Bible Encyclopaedia.

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dependente do ocorrido no estado intermediário, Mt 7.22, 23; 10.32, 33; 25.34-46; Lc 12.47,

48; 2 Co 5.9, 10; Gl 6.7,8; 2 Ts 1.8; Hb 9.27. (c) o principio fundamental dessa teoria,

segundo o qual unicamente a consciente rejeição de Cristo e Seu Evangelho leva os

homens a perecerem, é antibíblico. O homem está perdido por natureza, e mesmo o peado

original, bem como os pecados atuais, o torna digno de condenação. A rejeição de Cristo é,

indubitavelmente, um grande pecado, mas nunca é apresentada como o único pecado que

leva à destruição do pecador. (d) A Escritura nos ensina que os gentios perecem, Rm 1.32;

2.12; Ap. 21.8. Não há na Escritura nenhuma evidencia em que possamos basear a

esperança de que gentios adultos, ou mesmo crianças gentílicas que não chegaram aos

anos da discrição, serão salvos. (e) A teoria da prova futura leva à extinção de todo o fervor

missionário. Se os gentios podem decidir quanto à aceitação de Cristo no futuro, isso só

pode resultar num juízo mais rápido e maior para muitos, se são postos ante a escolha

agora. Por que não deixa-los na ignorância pelo Maximo de tempo possível?

QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. É sustentável a posição de que o sheol-hades

sempre designa um mundo subterrâneo para onde vão todos os mortos? 2. Por que é

objetável a crença em que a Bíblia, em suas afirmações sobre o sheol e hades,

simplesmente reflete as noções populares da época? 3. Devemos supor que, por ocasião

da morte, os justos e os ímpios entram nalguma habitação temporária e provisória, e não

imediatamente em seu destino eterno? 4. Em que sentido o estado intermediário é apenas

transitivo? 5. Como surgiu a noção do purgatório? 6. Como os católicos romanos

concebem o fogo purgatorial? 7. Esse fogo é meramente purificador, ou também penal? 8.

Que bom elemento alguns luteranos vêem na doutrina do purgatório? 9. Que mescla de

heresias encontramos na seita conhecida como “aurora do milênio”? 10. O estado

intermediário, de acordo com a Escritura, representa um terceiro aion entre o aion houtos e

o aion ho mellon? 11. a ênfase escriturística ao presente como “o dia da salvação” está em

harmonia com a doutrina de uma prova futura?

BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA: Bavinck, Geref. Dogm. , p. 655-711; Kuyper, Dict.

Dogm., De Consummatione Saeculi, p. 25-116; Vos, Geref. Dogm. V, Eschatologie, p. 3-14;

Hodge, Syst., Theol. III, p. 713-770; Shedd, Dogm. Theol. II, p. 591-640; Dabney, Syst. and

Polem. Theol., p. 823-829; Litton, Introd. to Dogm. Theol., p. 548-569; Valentine, Chr.

Theol. II, p. 392-407; Pieper, Christ. Dogm. III, p. 574-578; Miley, Syst. Theol. II, p. 430-439;

Wilmers, Handbook of the Chr. Rel., p. 385-391; Schaff, Our Father’s Faith and Ours, p.

412-431; Row, Future Retribution, p. 348-404; Shedd, Doctrine of Endless Punishment, p.

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19-117; King, Future Retribution; Morris, Is There Salvation After Death?; Hovey,

Eschatology, p. 79-144; Dahle, Life After Death, p. 118-227; Salmond, Chr. Doct. Of

Immortality, cf. Índice; Mackintosh, Immortality and the Future, p. 195-228; Addison, Life

Beyond Death, p. 200-214; De Bondt, Wat Leert Het Oude Testament Aangaande Her

Leven Na Dit Leven?, p. 40-129; Kliefoth, Christl. Eschatologie, p. 32-126.

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ESCATOLOGIA GERAL

I. A Segunda Vinda de Cristo

Enquanto os profetas não distinguem claramente uma dupla vinda de Cristo, o próprio

Senhor e os apóstolos deixam mais que claro que à primeira vinda seguir-se-á uma

segunda. Jesus se referiu ao Seu retorno mais de uma vez, para o fim do Seu retorno mais

de uma vez, para o fim do Seu ministério público, Mt 24.30; 25.19, 31; 26.64; Jo 14.3. Ao

tempo da Sua ascensão, anjos apontaram para o Seu regresso, At 3.20, 21; Fp 3.20; 1 Ts

4.15, 16; 2 Ts 1.7, 10; Tt 2.13; Hb 9.28.

Vários termos são empregados para denotar este grande evento, dos quais os

seguintes são os mais importantes: (1) apocalypsus (desvendamento, revelação), que

indica a remoção daquilo que agora obstrui a nossa visão de Cristo, 1 Co 1.7; 2 Ts 1.7; 1

Pe 1.7, 13; 4.13; (2) epiphaneia (aparecimento, manifestação), termo referente à vinda de

Cristo, saindo Ele de um substrato oculto com as ticas bênçãos da salvação, 2 Ts 2.8; 1 Tm

6.14; 2 Tm 4.1, 8; Tt 2.13; e (3) parousia (literalmente, presença), que assinala a vinda que

precede a presença ou que resulta na presença, Mt 24.3, 27, 37; 1 Co 15.23; 1 Ts 2.19;

3.13; 4.15; 5.23; 2 Ts 2.1-9; Tg 5.7, 8; 2 Pe 1.16; 3,4, 12; 1 Jo 2.28.

A. A segunda Vinda, um Evento Único.

Os dispensacionalistas dos dias atuais distinguem duas vindas futuras de Cristo,

embora às vezes procurem preservar a unidade da idéia da segunda vinda falando dela

como dois aspectos daquele grande evento. Mas, desde que as duas são, na realidade,

apresentadas como dois eventos diferentes, separados por um período de vários anos,

cada qual com seu propósito, dificilmente poderão ser consideradas como um evento

único. A primeira é a paurosia, ou simplesmente “a vinda”, e resulta no arrebatamento dos

santos, às vezes descrito como um arrebatamento secreto. Esta vinda é iminente, isto é,

pode ocorrer a qualquer momento, visto que não há eventos preditos que devam preceder

sua ocorrência. A opinião dominante é que, nesse tempo, Cristo não descerá à terra, mas

permanecerá nas alturas. Os que morrem no Senhor ressuscitarão dos mortos, os santos

vivos serão transfigurados, e juntos recolhidos para encontrar-se com o Senhor nos ares.

Daí, esta vinda é também denominada “vinda para os Seus santos”, 1 Ts 4.15, 16. Seguir-

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se-á um intervalo de sete anos, durante o qual o mundo será evangelizado, Mt 24.14, Israel

se converterá, Rm 11.26, ocorrerá a grande tribulação, Mt 24.21,22, e o anticristo ou

homem do pecado será revelado, 2 Ts 2.8-10.

Depois destes eventos, haverá outra vinda do Senhor com os seus santos, 1 Ts 3.13,

chamada “revelação” ou “dia do Senhor”, no qual Ele descerá à terra. Esta vinda não pode

ser iminente, porque terá que ser precedida por diversos eventos preditos. Quando desta

vinda, Cristo julgará as nações existentes, Mt 25.31-46, e introduzirá o reino milenar.

Assim, temos duas vindas distintas do Senhor, separadas por um período de sete anos,

das quais, uma é iminente e a outra não, uma é seguida pela glorificação dos santos, e a

outra pelo julgamento das nações e pelo estabelecimento do reino. Esta elaboração da

doutrina da segunda vinda é muito conveniente para os dispensacionalistas, visto que os

habilita a defender a idéia de que a vinda do Senhor é iminente, mas não tem base na

Escritura e traz implicações antibíblicas. Em 2 Ts 2.1. 2., 8 as expressões parousia e “dia

do Senhor” são empregadas uma pela outra, e de acordo com 2 Ts 1.7-10, a revelação

mencionada no versículo 7 não se ajusta sincronicamente à parousia de que fala o

versículo 10. Mt 24.19-31 apresenta a vinda do Senhor por ocasião da qual os eleitos serão

reunidos como sucedendo imediatamente após a grande tribulação mencionada no

contexto, ao passo que, de acordo com a teoria em foco, deverá ocorrer antes da

tribulação. E, finalmente, segundo esta teoria, a igreja não passará pela grande tribulação,

que é apresentada em Mt 24.4-26 em sincronia com a grande apostasia, mas a descrição

bíblica em Mt 24.22; Lc 21.36; 2 Ts 2.3; 1 Tm 4.1-3; 2 Tm 3.1-5; Ap 7.14 é completamente

diferente. Com base na Escritura, deve-se afirmar que a segunda vinda do Senhor será um

único evento. Felizmente, alguns premilenistas não concordam com esta doutrina de uma

dupla segunda vinda de Cristo, e se referem a ela dizendo que é uma novidade sem

fundamento. Diz Frost: “Não é um fato sabido em geral, e, não obstante, é incontestável

que a doutrina da ressurreição e do arrebatamento anteriores à tribulação é uma

interpretação moderna – sou tentado a dizer, uma invenção moderna”.13 De acordo com o

citado autor, ela tem sua origem nos dias de Irving e Darby. Outro premilenista, a saber,

Alexander Reese, apresenta um argumento muito forte contra toda esta idéia em sua obra

sobre O Impendente Advento de Cristo (The Approaching Advent of Christ).

B. Os grandiosos Eventos que Precederão a Parousia.

13 The Second Coming of Christ, p. 203.

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De acordo com a Escritura, importantes eventos deverão ocorrer antes do retorno do

Senhor, e, portanto, não se lhe pode chamar iminente. À luz da Escritura, não de pode

afirmar que não há eventos preditos que ainda não devam acontecer antes da segunda

vinda. Como se poderia esperar em vista do que foi dito na seção anterior, Frost, a

despeito do seu dispensacionalismo, rejeita a doutrina da iminência. Ele prefere falar da

vinda de Cristo como “impendente”. Acha-se apoio para a doutrina da iminência da volta de

Cristo nas declarações bíblicas de que Cristo virá “dentro de pouco tempo”, Hb 10.37; ou

“sem demora”, Ap 22.7; nas exortações para que vigiemos e esperemos por Sua vinda, Mt

24.42; 25.13; Ap 16.15; e no fato de que a Escritura condena a pessoa que diz, “Meu

Senhor demora-se” (ou, “retarda a sua vinda”), Mt 24.48. De fato Jesus ensinava que a Sua

vinda estava próxima, porém isto não é o mesmo que ensinar que era iminente.

Em primeiro lugar, deve-se ter em mente que, ao falar de Sua vinda, Ele nem sempre

está pensando na vinda escatológica. Às vezes Ele se refere à Sua vinda em poder

espiritual no dia de Pentecoste; às vezes à Sua vinda em julgamento, na destruição de

Jerusalém. Em segundo lugar, Ele e os apóstolos nos ensinam que terão que ocorrer

vários eventos importantes antes do Seu retorno físico no ultimo dia, Mt 24.5-14, 21, 22,

29-31; 2 Ts 2.2-4. Portanto, Cristo não poderia descrever com muita propriedade a Sua

vinda como iminente. Também é evidente que, quando Ele falava da Sua vinda como

próxima, não tencionava retrata-la como imediatamente às portas. Na parábola dos

talentos Ele ensina que o senhor dos servos voltou para ajustar contas com eles “depois de

muito tempo”, Mt 25.19. e a parábola dos talentos foi contada justamente com o propósito

de corrigir a noção de “que o reino de Deus havia de manifestar-se imediatamente”, Lc

19.11. Na parábola das dez virgens se faz referência à demora do noivo – “tardando o

noivo”, Mt 25.5. Isso está em harmonia com o que Paulo diz em 2 Ts 2.2. Pedro predisse

surgiriam escarnecedores dizendo: “Onde está a promessa da sua vinda?” (ou, na versão

utilizada pelo Autor, “onde está o dia da sua vinda?”). E ensina os seus leitores a

compreenderem as predições da proximidade da segunda vinda conforme o ponto de vista

divino, segundo o qual um dia é como mil anos, e mil anos como um dia, 2 Pe 3.3-9.

Ensinar que Jesus considerava a segunda vinda como imediatamente às portas seria dizer

que Ele errou, visto que já se passaram quase dois mil anos desde aquele tempo.

Agora, pode-se levantar a questão: Como então podemos ser concitados a velar pela

vinda? Jesus nos ensina em Mt 24.32, 33 a vigiar por Sua vinda pelos sinais: “quando

virdes todas estas cousas, sabei que está próximo, às portas”. Além disso, não precisamos

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interpretar a exortação à vigilância como uma exortação a esquadrinhar os céus em busca

de sinais imediatos do aparecimento do Senhor. Antes, devemos ver nela uma

admoestação para estarmos despertos, alerta, preparados, ativos na realização da obra do

Senhor, para não sermos surpreendidos por repentina calamidade. Os seguintes eventos

grandiosos devem preceder a vinda do Senhor.

1. O CHAMAMENTO DOS GENTIOS. Várias passagens do Novo testamento

assinalam o fato de que o Evangelho do Reino deverá ser pregado a todas as nações

antes da volta do Senhor, Mt 24.14; Mc 13.10; Rm 11.25. Muitas passagens atestam que

os gentios entrarão no Reino em grande número, durante a nova dispensação, Mt 8.11;

13.31, 32; Lc 2.32; At 15.14; Rm 9.24-26; Ef 2.11-20, e outras passagens. Mas os textos

acima indicados referem-se claramente à evangelização de todas as nações como a meta

da história. Ora, dificilmente funcionará dizer que o Evangelho já foi proclamado entre todos

os povos, nem tampouco que os labores de um único missionário em cada uma das

nações do mundo preenchem todos os requisitos da afirmação de Jesus. Por outro lado, é

igualmente impossível sustentar que as palavras do Salvador requerem a pregação do

Evangelho a todos os indivíduos das diferentes nações do mundo. Contudo, eles exigem

que essas nações, como nações, sejam completamente evangelizadas, de modo que o

Evangelho se torne um poder na vida do povo, um sinal que reclama decisão. Deve ser

pregado a elas para testemunho, para poder-se dizer que lhes foi dada uma oportunidade

para se decidirem pró ou contra Cristo e Seu reino. Essas palavras implicam claramente

que a grande comissão deve ser levada a cabo em todas as nações do mundo, a fim de se

fazerem discípulos de todas as nações, isto é, dentre o povo de todas as nações. Todavia,

elas não justificam a expectação de que todas as nações, de maneira total e completa,

aceitarão o Evangelho, mas somente que se encontrarão adeptos em todas as nações e,

assim, essa proclamação servirá de instrumento para chegar-se à plenitude dos gentios.

No final dos tempos será possível dizer que a todas as nações foi dado conhecer o

Evangelho, e o Evangelho testificará contra as nações que não o aceitaram.

Do que acima foi dito se compreenderá prontamente que muitos dispensacionalistas

têm um conceito muito diferente desta matéria. Não acreditam que a evangelização do

mundo precisa ser, nem que será completada antes da parousia, que é iminente. De

acordo com eles, ela realmente começará naquela ocasião. Eles assinalam que o

Evangelho indicado em Mt 24.14 não é o Evangelho da graça de Deus em Jesus Cristo,

mas o Evangelho do Reino, que é completamente diferente, as boas novas de que o Reino

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mais uma vez está às portas. Depois que a igreja for removida deste cenário terreno, e com

ela retirar-se o Espírito Santo que nela habita – o que realmente significa, após terem sido

restauradas as condições do Velho Testamento – só então o Evangelho com o qual Jesus

começou o seu ministério tornará a ser pregado. A princípio será pregado pelos que foram

convertidos pelo própria remoção da igreja, e mais tarde, talvez por Israel convertido e um

mensageiro especial,14 ou, particularmente durante a grande tribulação, pelo

remanescente fiel de Israel.15 Essa pregação será maravilhosamente eficaz, muitíssimo

mais eficaz que a pregação do Evangelho da graça de Deus. Será durante esse período

que os 144.000 e a grande multidão que ninguém poderá contar, de Ap 7, se converterão.

E dessa maneira se cumprirá a predição de Jesus registrada em Mt 24.14. Devemos

lembrar que esta formulação os premilenistas mais antigos não aceitavam, e mesmo agora

é rejeitada por alguns dos premilenistas atuais, e, certamente, não se recomenda a nós. A

distinção entre um duplo Evangelho e uma dupla vinda do Senhor é insustentável. O

Evangelho da graça de Deus em Jesus Cristo é o único Evangelho que salva e que dá

entrada no reino de Deus. E é absolutamente contrário à história da revelação, que um

regresso às condições do Velho Testamento, incluída a ausência da igreja e do Espírito

santo que nela habita, seja mais eficaz que a pregação do Evangelho da graça de Deus em

Jesus Cristo e do que o dom do Espírito Santo.

2. CONVERSÃO DO PLEROMA DE ISRAEL. Tanto o Velho Testamento como o Novo

falam de uma futura conversão de Israel, Zc 12.10; 13.1; 2 Co 3.15, 16, e Rm 11.25-29

parece relacionar isto com o fim dos tempos. Os premilenistas têm explorado este

ensinamento escriturístico para os seus propósitos particulares. Eles afirmam que haverá

uma restauração e uma conversão nacionais de Israel, que a nação judaica será

restabelecida na Terra Santa, e que isso terá lugar imediatamente antes ou durante o reino

milenar de Jesus Cristo. É muito duvidoso, porém, que a Escritura dê base para a

expectação de que Israel, nesses tempos finais, será restabelecido como nação,* e, como

nação, se converterá ao Senhor. Algumas profecias parecem predizer isso, mas elas

devem ser lidas à luz do Novo Testamento. O Novo Testamento justifica a expectação de

uma futura restauração e conversão de Israel? Isto não é ensinado, nem sequer 14 Blackstone, Jesus is Coming, p. 233. 15 Scofield’s Bible, p. 1033, 1036; Rogers, The End from the Beginning, p. 144; Feinberg, Premillennialism or Amilleannialism, p. 134, 135. * A primeira edição da Teologia Sistemática de L. Berkhof data de agosto de 1938. Dez anos depois de Israel foi restabelecido na Palestina, sem que se tenha estabelecido o reino milenar nos termos apregoados pelos premilenistas em foco. E continua de pé a questão sobre se as profecias bíblicas prometem a conversão de Israel como nação. Nota do tradutor.

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implicitamente, em passagens como Mt 19.28 e Lc 21.24, freqüentemente citadas em seu

favor.

O Senhor falou com muita clareza da oposição dos judeus ao espírito do Seu reino, e

da certeza de que eles, que num sentido podiam ser chamados filhos do Reino, perderiam

o seu lugar nele, Mt 8.11, 12; 21.28-46; 22.1-14; Lc 13.6-9. Ele informa os judeus ímpios

que o Reino será tirado deles e dado a uma nação que produz frutos dignos do Reino, Mt

21.43. E mesmo quando fala das diversas formas de corrupção que, com o correr do

tempo, se insinuariam na igreja, das dificuldades que ela enfrentaria, e da apostasia que

finalmente lhe sobreviria, Ele não dá a entender nenhuma prospectiva restauração e

conversão do povo judeu. Este silêncio de Jesus é muito significativo. Ora, pode-se pensar

que Rm 11.11-32 certamente ensina a futura conversão da nação de Israel. Muitos

comentadores adotam esta idéia, mas mesmo que a corrupção dela está sujeita a

considerável dúvida. Nos capítulos 9-11 o apóstolo discute a questão sobre como as

promessas de Deus a Israel podem ser conciliadas com a rejeição da maior parte de Israel.

Primeiramente, ele assinala nos capítulos 9 e 10 que a promessa se aplica, não a Israel

segundo a carne, mas ao Israel espiritual; e, em segundo lugar, que Deus ainda tem os

seus eleitos no seio de Israel, que ainda há nele um remanescente conforme a eleição da

graça, 11.1-10. E mesmo o endurecimento da maior parte de Israel ainda não é o

derradeiro fim para Deus, mas, antes, um meio em Suas mão para levar a salvação aos

gentios, a fim de que estes, por sua vez, pelo gozo das bênçãos da salvação, provoquem a

inveja de Israel. O endurecimento de Israel sempre será parcial, pois, através dos

sucessivos séculos, sempre haverá alguns que aceitam o Senhor. Deus continuará

reunindo os Seus eleitos remanescentes dos judeus durante toda a nova dispensação, até

à plenitude (pleroma, isto é, o número total dos eleitos) dos gentios, e, assim (desta

maneira), todo o Israel (seu pleroma, isto é, o número total dos verdadeiros israelitas) será

salvo. “Todo o Israel” deve entender-se como um designativo, não da nação toda, mas do

número total dos eleitos, do povo da antiga aliança. Os premilenistas tomam o versículo 26

no sentido de que, após Deus ter completado o Seu propósito com os gentios, a nação de

Israel será salva. Mas, no início da sua discussão do assunto, disse o apóstolo que as

promessas eram para o Israel espiritual; não há evidência de mudança do pensamento na

seção intermediária, de sorte que esta viria como uma surpresa em 11.26; e o advérbio

houtos não pode significar “depois disso”, mas unicamente “desta maneira” (“assim”). Com

a plenitude dos gentios se entraria também na plenitude de Israel.

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3. A GRANDE APOSTASIA E A GRANDE TRIBULAÇÃO. Estas duas podem ser

mencionadas juntas, porque estão entrelaçadas no discurso escatológico de Jesus, Mt

24.9-12, 21-24; Mc 13.9-22; Lc 21.22-24. As palavras de Jesus indubitavelmente

encontraram cumprimento parcial nos dias que precederam a destruição de Jerusalém,

mas é evidente que terão cumprimento maior no futuro, numa tribulação que sobrepujará

tudo quanto já foi experimentado, Mt 24.21; Mc 13.19. Paulo também fala da grande

apostasia em 2 Ts 2.3; 1 Tm 4.1; 2 Tm 3.1-5. Ele já via algo desse espírito de apostasia em

seus próprios dias, mas se vê claramente que ele quer calcar em seus leitores que essa

apostasia assumirá proporções muito maiores nos últimos dias.

Aqui, de novo, os dispensacionalistas dos dias presentes divergem de nós. Eles não

consideram a grande tribulação como precursora da vinda de Jesus (paousia), mas

acreditam que se dará em seguida à “vinda” e que, portanto, a igreja não passará pela

grande tribulação. O que supõem é que a igreja será “arrebatada” para estar com o Senhor,

antes de sobrevir a tribulação, com todos os seus terrores, aos habitantes da terra. Eles

preferem falar da grande tribulação como “o dia da aflição de Jacó”, visto que será um dia

de grande angústia para Israel, e não para a Igreja. Mas os fundamentos que eles aduzem

para este conceito não são muito convincentes. Alguns deles extraem toda força que

podem da sua própria noção preconcebida de uma dupla segunda vinda de Cristo, e,

portanto, não tem nenhum sentido para os que estão convictos de que não há prova dessa

dupla vinda na Escritura.

Jesus, por certo, menciona a grande tribulação como um dos sinais da Sua vinda e do

fim do mundo, Mt 24.3. É dessa vinda (parousia) que Ele está falando através de todo esse

capítulo, como se pode ver pelo emprego repetido da palavra paurosia, versículos 3,37, 39.

É simplesmente razoável supor que Ele está falando da mesma vinda no versículo 29,

vinda que se seguirá imediatamente à tribulação. Essa tribulação afetará os eleitos

também: correrão perigo de extraviar-se, Mt 24.24; por amor deles esses dias serão

abreviados, versículo 22; serão reunidos dos quatro cantos do mundo por ocasião da vinda

do Filho do homem, vers. 31; e serão encorajados a erguer as cabeças quando virem

acontecer essas coisas, visto estar próxima a sua redenção, Lc 21.28. Não há base para

limitar esses eleitos de Israel, como fazem os premilenistas. Paulo descreve claramente a

grande apostasia como anterior à segunda vinda, 2 Ts 2.3, e lembra a Timóteo o fato de

que tempos difíceis sobrevirão nos últimos dias, 1 Tm 4.1, 2; 2 Tm 3.1-5. Em Ap 7.13, 14

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se diz que os santos no céu saíram da grande tribulação, e em Ap 6.9 vemos esses santos

orando por seus irmãos que ainda estavam sofrendo perseguição.16

4. A FUTURA REVELAÇÃO DO ANTICRISTO. O termo antichristos só se encontra nas

epístolas de João, a saber, em 1 Jo 2.18, 22; 4.3; 2 Jo 7. No que se refere à forma da

palavra, ela pode descrever (a) alguém que toma o lugar de Cristo, neste caso, “anti” é

entendido no sentido de “em lugar de”; ou (b) alguém que, embora assumindo a aparência

de Cristo, opõe-se a Ele; neste caso, “anti” é empregado no sentido de “contra”. Este último

está em maior harmonia com o contexto em que ocorre a palavra. Pelo fato de João

empregar o singular em 2.18 sem artigo, fica evidente que o termo “anticristo” já era

considerado um nome técnico. É incerto se, ao usar o singular, João tinha em mente um

Anticristo superior ou supremo, do qual os outros a que se refere eram apenas precursores,

ou se simplesmente quis personificar o princípio incorporado em diversos anticristos, o

princípio do mal militando contra o reino de Deus. É evidente que o anticristo representa

um certo princípio, 1 Jo 4.3. Se tivermos isto em mente, perceberemos que, embora João

tenha sido o primeiro a empregar o termo “anticristo”, o princípio ou espírito indicado por

esse termo é claramente mencionado em escritos anteriores. Assim como há na Escritura

um desenvolvimento claramente assinalado no delineamento de Cristo e do reino de Deus,

também há uma revelação progressiva do anticristo. As representações diferem, mas vão

se tornando cada vez mais definidas, conforme avança a revelação de Deus.

Na maioria dos profetas do Velho Testamento vemos o princípio da injustiça operando

nas nações ímpias que se mostram hostis para com Israel e são julgadas por Deus. Na

profecia de Daniel vemos algo mais específico. A linguagem ali empregada forneceu muitas

características da descrição que Paulo faz do homem do pecado em 2 Tessalonicenses.

Daniel vê o ímpio, iníquo, encarnado no “pequeno chifre”, Dn 7.8, 23-26, e o descreve com

muita clareza em 11.35 e segtes. Ali, nem mesmo o elemento pessoal está faltando,

conquanto não seja inteiramente certo que o profeta está pensando nalgum rei particular, a

saber, em Antíoco Epifânio, como um tipo de Anticristo. Naturalmente, a vinda de Cristo

revela esse princípio em sua forma especificamente anticristã, e Jesus o descreve como

encarnado em várias pessoas. Ele fala dos pseudoprophetai e dos pseudichristoi, que

tomam posição contra Ele e contra o Seu reino, Mt 7.15; 24.5, 24; Mc 13.21, 22; Lc 17.23.

16 Para mais ampla defesa da posição de que a igreja passará pela tribulação, remetemos o leitor às obras de dois premilenistas, quais sejam, Frost, The Second Coming of Christ, p. 202-227; Reese, The Approaching Advent of Christ, p. 199-224.

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Com o fim de corrigir o conceito errôneo dos tessalonicenses, Paulo chama a atenção para

o fato de que o dia de Cristo não pode vir “sem que primeiro venha a apostasia, e seja

revelado o homem da iniqüidade, o filho da perdição”. Ele descreve esse homem do

pecado como aquele que “se opõe e se levanta contra tudo que se chama Deus, ou objeto

de culto, a ponto de assentar-se no santuário de Deus, ostentando-se como se fosse o

próprio Deus”, 2 Ts 2.3, 4. Esta descrição nos lembra Dn 11.36 e segtes., e claramente

aponta para o Anticristo. Não há boa razão para duvidar da identidade do homem da

iniqüidade (ou do pecado) de que fala Paulo, com o Anticristo mencionado por João. O

apóstolo Paulo vê “o ministério da iniqüidade” já em ação, mas garante aos seus leitores

que o homem da iniqüidade não poderá vir enquanto não for afastado do caminho aquilo ou

“aquele que” o detém. Quando esse obstáculo, seja este qual for (há várias interpretações),

for retirado, aparecerá o homem do pecado “segundo a eficácia de Satanás, com todo

poder, e sinais e prodígios da mentira”, versículos 7-9. Nesse capítulo o elemento pessoal

é pressuposto do começo ao fim. O Livro de Apocalipse encontra o princípio ou poder

anticristão nas duas bestas que saíram do mar e da terra, Ap. 13. Geralmente se pensa

que a primeira se refere a governos, poderes políticos, ou a algum império mundial; a

segunda, embora não com a mesma unanimidade, à religião falsa, à falsa profecia e à falsa

ciência, particularmente às duas primeiras. A este princípio oponente, ou de oposição, João

chama finalmente Anticristo, em suas epístolas.

Historicamente, há diferentes opiniões a respeito do Anticristo. Na igreja antiga, muitos

afirmavam que o Anticristo seria um judeu com a pretensão de ser o Messias e governando

em Jerusalém. Muitos comentadores são de opinião que Paulo e outros pensavam,

equivocadamente, que um imperador romano seria o Anticristo, e, de que, evidentemente,

João tinha Nero em mente, ao escrever Ap 13.18, visto que as letras das palavras

hebraicas para “imperador Nero” equivalem exatamente a 666, em Ap 13.18. Desde os

tempos da Reforma, muitos, entre os quais também eruditos reformados (calvinistas),

consideravam a Roma papal e, nalguns casos, até mesmo algum papa em particular, como

Anti-Cristo. E, na verdade, o papado revela várias características do Anticristo, como este

vem descrito na Escritura. Todavia, dificilmente poderíamos identifica-lo com o Anticristo. É

melhor dizer que há elementos do Anticristo no papado. Positivamente, só podemos dizer:

(a) que o espírito anticristão já estava em ação nos dias de Paulo e de João, segundo o

próprio testemunho deles; (b) que ele alcançará o seu poder supremo nas proximidades do

fim do mundo; (c) que Daniel retrata a sua faceta política, Paulo a eclesiástica, e João, em

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Apocalipse, retrata ambas as facetas: ambas podem ser revelações sucessivas do poder

anticristão; (d) que, provavelmente, esse poder afinal se concentrará num só indivíduo,

vindo a ser a encarnação da iniqüidade.

A questão do caráter pessoal do Anticristo ainda está sujeita a debate. Alguns afirmam

que as expressões “anticristo”, “homem da iniqüidade” (ou “do pecado”), “o filho da

perdição”, e as figuras de Daniel e de Apocalipse são apenas descrições do princípio ímpio

e anticristão, que se manifesta na oposição do mundo a Deus e a Seu reino, através de

toda a história desse reino, oposição ora mais fraca, ora mais forte, mas ainda mais forte

nas proximidades do fim dos tempos. Eles não estão em busca de nenhum Anticristo

pessoal. Outros acham que é contrário à Escritura falar do Anticristo meramente como um

poder abstrato. Estes sustentam que tal interpretação não faz justiça aos dados da

Escritura, que não somente fala de um espírito abstrato, mas também de pessoas reais.

Segundo eles, “Anticristo” é um conceito coletivo, o designativo de uma sucessão de

pessoas a manifestar um espírito ímpio ou anticristão, tais como os imperadores romanos

que perseguiram a igreja e os papas que se engajaram numa similar obra de perseguição.

Mesmo estes não pensam num Anticristo pessoal que será em si mesmo a concentração

de toda a iniqüidade. Contudo, a opinião mais geral no seio da igreja é que, em última

análise, o termo “Anticristo” denota uma pessoa escatológica, que será a encarnação de

toda a iniqüidade e, portanto, representa um espírito que sempre está presente no mundo,

ora mais, ora menos, e que tem diversos precursores ou tipos na história. Este conceito

prevaleceu na Igreja Primitiva e, ao que parece, é o conceito escriturístico. Pode-se dizer o

seguinte, em seu favor: (a) O esboço do Anticristo em Dn 11 é mais ou menos pessoal, e

pode referir-se a uma pessoa definida como um tipo de Anticristo. (b) Paulo fala do

Anticristo como “o homem da iniqüidade” e como “o filho da perdição”. Devido ao peculiar

emprego hebraico dos termos “homem” e “filho”, estas expressões , em si mesmas, podem

não ser conclusivas, mas o contexto favorece a idéia de pessoa. Ele se levanta contra,

ostenta-se como se fora Deus, tem uma revelação definida, é o iníquo, e assim por diante.

(c) Embora João fale de muitos anticristos como já presentes, fala também do Anticristo no

singular, como alguém que ainda virá no futuro, 1 Jo 2.18. (d) Mesmo no Livro de

Apocalipse, onde a apresentação é grandemente simbólica, não falta o elemento pessoal,

como por exemplo, em Ap 19.20, que fala do Anticristo e seu subordinado como sendo

lançados no lago de fogo. E (e), desde que Cristo é uma pessoa, é simplesmente natural

entender que o Anticristo também será uma pessoa.

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5. SINAIS E PRODÍGIOS. A Bíblia fala de vários sinais que precederão o fim do mundo

e a vinda de Cristo. Ela menciona (a) guerras e rumores de guerras, fomes e terremotos

em diversos lugares, coisas descritas como o princípio das dores de parto, sendo que o

parto é, por assim dizer, o renascimento do universo por ocasião da vinda de Cristo; (b) a

vinda de falsos profetas, que levarão muitos a desviar-se, e de falsos Cristos, que exibirão

grandes sinais e prodígios para desencaminhar, se possível, até os eleitos; e (c) terríveis

portentos nos céus, envolvendo o sol, a lua e as estrelas, quando os poderes dos céus

serão abalados, Mt 24.29, 30; Mc 13.24, 25; Lc 21.25,26. Dado que alguns desses sinais

são tais que ocorrem repetidamente na ordem natural dos acontecimentos, surge

naturalmente a questão sobre como poderão ser reconhecidos como sinais especiais do

fim. Geralmente se chama a atenção para o fato de que eles serão diferentes das

ocorrências anteriores em intensidade e extensão. Mas, por certo, isso não satisfaz

inteiramente porque os que vêem esses sinais nunca poderão saber, se não houver outras

indicações, se aos sinais que estão testemunhando não se seguirão outros sinais

parecidos, de ainda maior extensão e intensidade. Portanto, deve-se chamar a atenção

para o fato de que, ao se aproximar o fim, haverá uma extraordinária conjunção de todos

esses sinais, e de que as ocorrências naturais serão acompanhadas por fenômenos

sobrenaturais, Lc 21.25,26. Disse Jesus: “quando virdes todas estas cousas, sabei que

está próximo, às portas”. Mt 24.33.

C. A Parousia ou a Segunda Vinda Propriamente Dita.

Imediatamente após os portentos recém-mencionados, “aparecerá no céu o sinal do

Filho do Homem ... e verão o Filho do homem vindo sobre as nuvens do céu”, Mt 24.30.

Com relação a isto, os seguintes pontos devem ser observados.

1. DATA DA SEGUNDA VINDA. Não se sabe a ocasião exata da vinda do Senhor, Mt

24.36, e todas as tentativas dos homens para determinar a data exata evidenciaram-se

errôneas. A única coisa que se pode dizer com certeza, com base na Escritura, é que

Cristo voltará no fim do mundo. Os discípulos perguntaram ao Senhor: “que sinal haverá da

tua vinda e da consumação do século”?, Mt 24.3. Eles ligaram os dois fatos, e de nenhum

modo o Senhor deu a entender que isso é um erro, mas, ao contrário, admitiu em Seu

discurso que está certo. Cristo apresenta os dois fatos em sincronia, em Mt 24.29-31, 35-

44; comp. Mt 13.39, 40. Paulo e Pedro também falam dos dois como coincidentes, 1 Co

15.23, 24; 2 Pe 3.4-10. Um estudo dos concomitantes da segunda vinda leva ao mesmo

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resultado. A ressurreição dos santos será um dos concomitantes 1 Co 15.23; 1 Ts 4.16, e

Jesus nos assegura que Ele os ressuscitará no ultimo dia, Jo 6.39, 30, 44, 54. De acordo

com Thayer, Cremer-Koegel, Walker, Salmond, Zahn e outros, isto só pode significar o dia

da consumação – o fim do mundo. Outro dos seus concomitantes será o julgamento do

mundo, Mt 25.31-46, particularmente, também, o julgamento dos ímpios, 2 Ts 1.7-10, que

os premilenistas colocam no fim do mundo. E, finalmente, junto com a segunda vinda

ocorrerá a restauração de todas as coisas, At 3.20,21.

A forte expressão “restauração de todas as cousas” é forte demais para referir-se a

algo menos que o perfeito restabelecimento do estado de coisas anterior à queda do

homem. Ela indica o restabelecimento de todas as coisas à sua condição antiga, e isto não

se verá no milênio dos premilenistas. Até o pecado e a morte continuarão a destruir as

suas vítimas durante aquele período.17 Como foi assinalado acima, várias coisas terão que

ocorrer antes do retorno do Senhor. Deve-se ter isto em mente ao se fazer a leitura das

passagens que falam da vinda do Senhor ou dos últimos dias como próximos, Mt 16.28;

24.34; Hb 10.25; Tg 5.9; 1 Pe 4.5; 1 Jo 2.18. Elas encontram sua explicação, em parte no

fato de que, considerada na perspectiva de Deus, para quem um dia é como mil anos, e mil

anos como um dia, a vinda sempre está próxima; em parte, na apresentação que a Bíblia

faz dos tempos do Novo testamento como constituindo os últimos dias ou os últimos

tempos; em parte, no fato de que o Senhor, ao falar da Sua vinda, nem sempre tem em

mente o Seu regresso físico no fim dos tempos, mas pode referir-se à Sua vinda no Espírito

Santo; e em parte, no característico escorço profético, em que não se faz clara distinção

entre a vinda próxima do Senhor, na destruição de Jerusalém, e Sua vinda final, para julgar

o mundo. Várias seitas muitas vezes têm feito para fixar a data exata da segunda vinda,

mas essas tentativas sempre são enganosas. Jesus disse explicitamente: “Mas a respeito

daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos dos céus, nem o Filho, senão somente o

Pai”, Mt 24.36. A declaração a respeito do Filho provavelmente significa que este

conhecimento não estava incluído na revelação que Ele, na qualidade de Mediador, tinha

que realizar.

2. O MODO DA SEGUNDA VINDA. Os seguintes pontos merecem ênfase aqui:

a. Será uma vinda pessoal. Isto se deduz da afirmação feita pelos anjos aos discípulos

no Monte da Ascensão: “Esse Jesus que dentre vós foi assunto ao céu, assim virá do modo

17 Cf. Thayer, Cremer-Koegel, Weiss, Bib. Theol. of the N.T., p. 194, nota.

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como o vistes subir”, At 1.11. A pessoa de Jesus os estava deixando, e a pessoa de Jesus

voltaria. No sistema do modernismo dos dias atuais não há lugar para um retorno pessoal

de Jesus Cristo. Douglas Clyde Macintosh vê o regresso de Cristo no “progressivo domínio

sobre os indivíduos e sobre a sociedade exercido pelos princípios morais e religiosos do

cristianismo, isto é, pelo Espírito de Cristo”.18 William Newton Clarke diz “Não se deve

esperar nenhum retorno visível de Cristo à terra, mas, sim, o longo e constante progresso

do Seu reino espiritual. ... Se nosso Senhor tão somente completar a vinda espiritual que

iniciou, não haverá necessidade de um advento visível para tornar perfeita a Sua glória na

terra”.19 Segundo William Adams Brown, “Não mediante uma catástrofe abrupta, poderá

ser, como na esperança cristã primitiva, mas pelo método mais lento e mais seguro da

conquista espiritual, o ideal de Jesus ainda obterá a aquiescência universal que Ele

merece, e o Seu espírito dominará o mundo. Esta é a verdade pela qual a doutrina do

segundo advento permanece de pé”.20 Walter Rauschenbusch e Sailer Mathews falam da

segunda vinda em termos similares. Estes e aqueles interpretam as vívidas descrições da

segunda vinda de Cristo como representações figuradas da idéia de que o espírito de

Cristo será uma crescente e penetrante influência na vida do mundo. Mas não se pode

negar que essas representações não fazem justiça às descrições que se acham em

passagens como At 1.11; 3.20, 21; Mt 24.44; 1 Co 15.22; Fp 3.20; Cl 3.4; 1 Ts 2.19; 3.13;

4.15-17; 2 Tm 4.8; Tt 2.13; Hb 9.28. Os próprios modernistas admitem isso quando dizem

que estas passagens representam o antigo modo judaico de pensar. Eles têm uma nova e

melhor luz sobre o assunto, mas é uma luz que se obscurece cada vez mais, em vista dos

acontecimentos mundiais dos presentes dias.

b. Será uma vinda física. Que a volta do Senhor será física se deduz de passagens

como At 1.11; 3.20, 21; Hb 9.28; Ap 1.7. Jesus voltará corporalmente á terra. Há alguns

que identificam a predita vinda do Senhor com a Sua vinda espiritual no dia de Pentecoste,

e entendem que a parousia significa a presença espiritual do Senhor na igreja. Segundo a

descrição que fazem, o Senhor voltou no Espírito Santo no dia de Pentecoste, e agora está

presente (daí parousia) na igreja.Dão ênfase especial ao fato de que a palavra parousia

significa presença.21 Ora, é mais que evidente que o Novo Testamento fala de uma vinda

espiritual de Cristo, Mt 16.28; Jo 14.18, 23; Ap 3.20; mas esta vinda, quer à igreja no dia de 18 Theology as na Empirical Science, p. 213. 19 Outline of Christian Theology, p. 444. 20 Christian Theology in Outline, p. 373. 21 Esta interpretação se acha na obra intitulada The Parousia of Christ, de Warren, e na J.M. Campbell, The Second Coming of Christ.

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Pentecoste, quer ao indivíduo em sua renovação espiritual, Gl 116, não pode ser

identificada com o que a Bíblia apresenta como a segunda vinda de Cristo. É verdade que

a palavra parousia significa presença, mas o doutor Vos demonstrou acertadamente que,

em seu emprego religioso e escatológico, também significa chegada, e que no Novo

Testamento a idéia de chegada ocupa o primeiro plano. Além disso, devemos ter em mente

que existem outros termos no Novo Testamento que servem para designar a segunda

vinda, a saber, apokalypsis, epiphaneia e phanerosis, cada um dos quais indica uma vinda

que se pode ver. E, finalmente, não devemos esquecer que as epístolas se referem

repetidamente à segunda vinda como um evento ainda futuro, Fp 3.20; 1 Ts 3.13; 4.15, 16;

2 Ts 1.7-10; Tt 2.13. isto não se enquadra na idéia de que a vinda já é um evento do

passado.

c. Será uma vinda visível. Isto se relaciona intimamente com o item anterior. Pode-se

dizer que, se a vinda do Senhor será física, também será visível. Isto parece seguir-se

como um fato lógico, mas os russelitas ou sectários da aurora do milênio não pensam

assim. Afirmam eles que o retorno de Cristo e a inauguração do milênio deram-se

invisivelmente em 1874, e que Cristo teria vindo com poder em 1914 com o propósito de

remover a igreja e derribar os reinos do mundo. Quando passou o ano de 1914 sem o

aparecimento de Cristo, eles buscaram um meio de escapar da dificuldade na conveniente

teoria de que Ele permaneceu oculto porque o povo não manifesta arrependimento

suficiente. Portanto, Cristo veio, e o fez invisivelmente. Todavia, a Escritura não nos deixa

em dúvida quanto à visibilidade da volta do Senhor. Numerosas passagens a atestam,

como Mt.24.30; 26.64; Mc 13.26; Lc 21.27; At 1.11; Cl 3.4; Tt 2.13; Hb 9.28; Ap 1.7.

d. Será uma vinda repentina. Embora de um lado a Bíblia ensine que a vinda do

Senhor será precedida por diversos sinais, ensina, de outro lado, que, de maneira

igualmente enfática, a vinda será repentina, será inesperada, tomando de surpresa o povo,

Mt 24.37-44; 25.1-12; Mc 13.33-37; 1 Ts 5.2, 3; Ap 3.3; 16.15. Isto não é contraditório, pois

os sinais preditos não são de molde a designar o tempo exato. Os profetas indicaram

certos sinais que precederiam a primeira vinda de Cristo e, contudo, Sua vinda tomou a

muitos de surpresa. A maioria do povo não deu atenção aos sinais, fossem estes quais

fossem. A Bíblia dá a entender que a medida da surpresa que haverá quando da vinda de

Cristo será na razão inversa à medida da vigilância das pessoas.

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e. Será uma vinda gloriosa e triunfal. A segunda vinda de Cristo, conquanto pessoal,

física e visível, será todavia muito diferente da Sua primeira vinda. Ele não voltará no corpo

da Sua humilhação, mas num corpo glorificado e com vestes reais, Hb 9.28. As nuvens do

céu serão Sua carruagem, Mt 24.30, os anjos Seu corpo de guarda, 2 Ts 1.7, os arcanjos

Seus arautos, 1 Ts 4.16, e os santos de Deus serão o Seu glorioso séqüito, 1 Ts 3.13; 2 Ts

1.10. Ele virá como Rei dos reis e Senhor dos Senhores, triunfante sobre todas as forças

do mal, havendo posto todos os Seus inimigos debaixo dos Seus pés, 1 Co 15.25; Ap

19.11-16.

3. O PROPÓSITO DA SEGUNDA VINDA. Cristo voltará no fim do mundo com o

propósito de introduzir a era vindoura, o estado eterno de coisas, e o fará inaugurando e

completando dois eventos formidáveis, quais sejam, a ressurreição dos mortos e o juízo

final, Mt 13.49, 50; 16.27; 24.3; 25.14-46; Lc 9.26; 19.15, 26, 27; Jo 5.25-29; At 17.31; Rm

2.3-16; 1 Co 4.5; 15.23; 2 Co 5.10; Fp 3.20, 21; 1 Ts 4.13-17; 2 Ts 1.7-10; 2.7, 8; 2 Tm 4.1,

8; 2 Pe 3.10-13; Jd 14, 15; Ap 20.11-15; 22.12. Na descrição da Escritura, como já foi dado

a ver no item anterior, o fim do mundo, o dia do Senhor, a ressurreição física dos mortos e

o juízo final coincidem. Esse grande ponto decisivo trará também a destruição de todos os

poderes malignos hostis ao reino de Deus, 2 Ts 2.8; Ap 20.14. Pode-se duvidar disto, caso

se leiam as passagens pertinentes doutra maneira, se Ap 20.1-6 não tivesse sido

estabelecido por alguns como o padrão pelo qual todo o restante do Novo Testamento

deve ser interpretado. De acordo com os premilenistas, a segunda vinda de Cristo atenderá

primariamente ao propósito de estabelecer o reino visível de Cristo e Seus santos na terra,

e de inaugurar o real dia da salvação para o mundo. Isto envolverá o arrebatamento, a

ressurreição dos justos, as bodas do Cordeiro, e os juízos sobre os inimigos de Deus. Mas

as outras ressurreições e os outros juízos se seguirão a diversos intervalos, e a ultima

ressurreição e o juízo final estarão separados da segunda vinda por mil anos. As objeções

a este conceito foram dadas acima, em parte, e em parte serão mencionadas nos capítulos

subseqüentes.

QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. Por que o termo parousia não pode ser

traduzido simplesmente por “presença” onde quer que se encontre? 2. Em que diferentes

sentidos a Bíblia fala da vinda de Cristo? 3. Como devemos interpretar Mt 16.28; 24.34? 4.

O discurso de Jesus registrado em Mt 24 fala de uma única vinda? 5. A doutrina da

restauração nacional dos judeus envolve necessariamente a doutrina do milênio? 6. Mt

23.39; Lc 13.35; 21.24; At 1.6, 7 ensinam tal restauração? 7. Em Dn 11.36 e segtes. Daniel

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se refere a Antíoco Epifânio como um tipo do Anticristo? 8. Como as bestas de Ap 13 se

relacionam com o Anticristo? 9. Deve-se identificar o homem do pecado, de que Paulo fala,

como o Anticristo? 10. Qual é o poder restringente mencionado em 2 Ts 2.6, 7? 11. Os

apóstolos ensinam que o Senhor poderia voltar durante a existência deles na terra? 12. O

Novo Testamento autoriza a idéia de que a frase “o fim” ou “o fim do mundo” significa

simplesmente “o fim da era”?

BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA: Bavinck, Geref. Dogm. IV, p. 712-753; Kuyper,

Dict. Dogm., De Consummatione Saeculi, p. 117-245; Vos, Geref. Dogm. V, Eschatologie,

p. 22,23; id., Pauline Eschatology, p. 72-135;Hodge, Syst., Theol. III, p. 790-836; Pieper,

Christ. Dogm. III, p. 579-584; Valentine, Chr. Theol. II, p. 407-411; Schmid, Doct. Theol. of

the Ev. Luth. Church,p. 645-657; Strong, Syst. Theol., p. 1003-1015; Pope, Chr. Theol. III,

p. 387-397; Hovey, Eschatology, p23-78; Kliefoth, Eschatologie, p. 126-147, 191-225;

Mackintosh, Immortality and the Future, p. 130-148; Kennedy, St. Paul’s Conceptions of the

Last Things, p. 158-193; Salmond, Chr. Doct. Of Immortality,p. 241-251; Snowden, The

Coming od the Lord, p. 123-171.

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II. Correntes Milenistas

Há alguns que relacionam com o advento de Cristo a idéia de um milênio, quer

imediatamente antes, quer imediatamente depois da segunda vida. Embora esta idéia não

seja parte integrante da teologia reformada (calvinista), não obstante merece consideração

aqui, visto haver-se tornado bem popular em muitos círculos. A teologia reformada não

pode permitir-se ignorar os generalizados conceitos milenistas dos dias atuais, mas deve

definir a sua posição com respeito a esses conceitos. Alguns que esperam um milênio no

futuro afirmam que o Senhor voltará antes do milênio e, portanto, são chamados

premilenistas; ao passo que outros acreditam que a Sua segunda vinda ocorrerá após o

milênio, e, daí, são conhecidos como posmilenistas. Numerosos são, porém, os que não

crêem que a Bíblia autoriza a expectação de um milênio, sendo costume falar deles como

amilenistas.

Como o nome indica, o conceito amilenista é puramente negativo. Afirma que não há

suficiente base para a expectação de um milênio e está firmemente convencido de que a

Bíblia favorece a idéia de que à presente dispensação do reino de Deus seguir-se-á

imediatamente o reino de Deus em sua forma consumada e eterna. Está ciente do fato de

que o reino de Jesus Cristo é apresentado como eterno, e não temporal, Is 9.7; Dn 7.14; Lc

1.33; Hb 1.8; 12.28; 2 Pe 1.11; Ap 11.15; e de que entrar no reino do futuro é entrar num

estado eterno, Mt 21.22, é entrar na vida, Mt. 18.8.9 (cf. o contexto anterior), e ser salvo,

Mc 10.25, 26. Alguns premilenistas dizem que o amilenismo é um conceito novo e uma das

novidades mais recentes, mas o certo é que isso não se harmoniza com o testemunho da

história. O nome é de fato novo, mas o conceito ao qual é aplicado é tão antigo como o

cristianismo. Teve pelo menos o mesmo numero de defensores que teve o quiliasma* entre

os chamados pais da igreja do segundo e do terceiro séculos, tidos como o apogeu do

quiliasma. Sempre foi o conceito mais amplamente aceito, é o único que vem expresso ou

implícito nas grandes confissões históricas da igreja , e sempre foi o conceito predominante

nos círculos reformados.

A. Premilenismo

* Caldas Aulete registra “quiliasma”, Aurélio, “quiliasmo”. O termo é derivado do grego “quilias”, mil, um milhar. Nota do tradutor.

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Visto que o premilenismo nem sempre assume a mesma forma, talvez seja bom indicar

resumidamente a forma geralmente assumida no passado (deixando de lado toda sorte de

aberrações), e depois prosseguir, dando uma descrição mais pormenorizada da teoria

premilenista predominante nos dias atuais.

1. O PREMILENISMO DO PASSADO. a idéia de Irineu pode ser dada como a que

reflete a melhor dos primeiros séculos cristãos. O mundo atual durará seis mil anos,

correspondentes aos seis dias da criação. Para o fim deste período, os sofrimentos e

perseguições dos fiéis aumentarão grandemente, até que, por fim, a encarnação de toda a

iniqüidade aparecerá na pessoa do Anticristo. Depois que ele tiver completado a sua obra

destruidora e se estabelecer atrevidamente no templo de Deus, Cristo aparecerá em glória

celestial e triunfará sobre todos os Seus inimigos. Isto será acompanhado pela ressurreição

física dos santos e pelo estabelecimento do reino de Deus na terra. O período de ventura

milenar, que portanto durará mil anos, corresponderá ao sétimo dia da criação – ao dia de

repouso. Jerusalém será reedificada, a terra dará seu fruto com rica abundância; e

prevalecerão a paz e a justiça. No fim dos mil anos, sobrevirá o juízo final, e aparecerá uma

nova criação, na qual os remidos viverão para sempre na presença de Deus.

Em seus contornos gerais, esta descrição é típica dos conceitos escatológicos dos

primeiros séculos cristãos, por mais que possam diferir nalgumas minúcias. Durante todos

os séculos subseqüentes e no século dezenove, o pensamento milenista permaneceu o

mesmo, embora ocorrendo estranhas aberrações nalgumas seitas. Estudos continuados,

porém, levaram a maior desenvolvimento e a maior clareza na apresentação de algumas

das suas particularidades. As principais características do conceito comum podem ser

expostas mais ou menos como segue: O vindouro advento de Cristo ao mundo está

próximo, e será visível, pessoal e glorioso. Contudo, será precedido por certos

acontecimentos, tais como a evangelização de todas as nações, a conversão de Israel, a

grande apostasia e a grande tribulação, e a revelação do homem do pecado. Tempos

trevosos e penosos estão portanto reservados para a igreja, visto que ela terá que passar

pela grande tribulação. A segunda vinda será um evento grandioso, único, extraordinário e

glorioso, mas será acompanhado por vários outros, impostos à igreja, a Israel e ao mundo.

Os santos que já faleceram serão ressuscitados, e os que vivem serão transformados, e

juntos serão trasladados para encontrar-se com o Senhor em Sua vinda. O Anticristo e os

seus aliados perversos serão mortos; e Israel, o antigo povo de Deus, se arrependerá, será

salvo e será restabelecido na Terra Santa. Então o reino de Deus, predito pelos profetas,

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será estabelecido num mundo transformado. Os gentios se converterão a Deus, em grande

número, e serão incorporados no Reino. Prevalecerá em toda a terra uma condição de paz

e justiça. Depois de haver-se expirado o governo terreno de Cristo, os mortos restantes

ressurgirão; e esta ressurreição será seguida pelo juízo final e pela criação de novos céus

e nova terra. Falando em termos gerais, pode-se dizer que este é o tipo de premilenismo

defendido por homens como Mede, Bengel, Auberlen, Christlieb, Ebrard, Godet, Hofmann,

Lange, Stier, Van Osterzee, Van Andel, Alford, Andrews, Ellicott, Guinnes, Kellog, Zahn,

Moorehead, Newton, Trench e outros. Não esquecendo que estes homens divergem

nalguns pormenores.

2. O PREMILENISMO DA ATUALIDADE. No segundo quartel do século dezenove, foi

introduzida uma nova forma de premilenismo, sob a influência de Darby, Kelly, Trotter e

seus seguidores na Inglaterra e na América, um premilenismo entrelaçado com o

dispensacionalismo. Os novos conceitos foram popularizados em nosso país*

principalmente pela Bíblia de Scofield, e se disseminaram amplamente por meio de obras

de homens como Bullinger, F.W.Grant, Blackstone, Gray, Haldeman, os dois Gaebelein,

Brookes, Riley, Rogers e uma hoste doutros mais. Eles apresentam realmente uma nova

filosofia da história da redenção, na qual Israel desempenha o papel principal, e a igreja

não passa de um interlúdio. Seu princípio orientador os move a dividir a Bíblia em dois

livros, o Livro do Reino e o Livro da Igreja. Ao ler as suas descrições dos procedimentos de

Deus para com os homens, a gente se perde num desnorteante labirinto de alianças e

dispensações, sem o fio de Ariadne que ofereça direção segura. Sua tendência divisiva

também se revela em seu programa escatológico. Haverá duas segundas vindas, duas ou

três (se não quatro) ressurreições, e também três juízos. Além disso, haverá também dois

povos de Deus que, segundo alguns, estarão separados eternamente, Israel habitando na

terra, e a igreja no céu.

Os seguintes pontos darão uma idéia do esquema premilenista que goza a maior

popularidade hoje em dia:

a. Sua visão da história. Deus trata o mundo da humanidade no transcurso da história

com base em diversas alianças e conforme os princípios de sete dispensações diferentes.

Cada dispensação é distinta, e cada uma delas representa uma diferente prova para o

homem natural; e desde que o homem não consegue vencer nas sucessivas provas, cada

* No país do Autor (EUA), e também no do Tradutor (Brasil). Nota do tradutor.

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dispensação acaba num juízo. A teocracia de Israel, fundada no Monte Sinai, ocupa um

lugar especial na economia divina. Ela foi a forma inicial do reino de Deus ou do reino do

Messias, e teve a sua idade de outro nos dias de Davi e Salomão. Se seguisse o caminho

da obediência, poderia ter crescido em poder e glória, mas, em resultado da infidelidade do

povo, foi finalmente derrotado, e o povo foi levado para o exílio. Os profetas predisseram

essa derrota, mas também trouxeram mensagens de esperança e inspiraram a expectativa

de que nos dias do Messias Israel tornaria ao Senhor com vero arrependimento, o trono de

Davi seria restabelecido com inexcedível glória, e até os gentios participariam das bem-

aventuranças do reino futuro. Mas quando o Messias veio e se ofereceu para estabelecer o

Reino, os judeus deixaram de mostrar o requerido arrependimento. O resultado dói que o

Rei não estabeleceu o Reino, mas se retirou de Israel e foi para um país distante,

pospondo o estabelecimento do Reino, até o Seu regresso. Contudo, antes de deixar a

terra, fundou a igreja, que nada tem em comum com o Reino, e da qual os profetas nunca

falaram. A dispensação da lei abriu alas para a dispensação da graça de Deus. Durante

esta dispensação, a igreja se compõe de judeus e gentios, e forma o corpo de Cristo, que

agora participa dos Seus sofrimentos, mas chegará o tempo em que a noiva do Cordeiro

participará da Sua glória. Desta igreja Cristo não é Rei, mas a Cabeça divina. Tem ela a

gloriosa tarefa de pregar, não o Evangelho do reino,mas o Evangelho da livre graça de

Deus, em todas as nações do mundo, para juntar delas os eleitos e, por cima, ser um

testemunho ante elas. Este método se evidenciará um fracasso; não efetuará conversões

em grande escala. No fim desta dispensação, Cristo voltará subitamente e efetuará uma

conversão muito mais universal.

b. Sua escatologia. A volta de Cristo agora é iminente, isto é, Ele pode vir a qualquer

momento, pois não há eventos preditos que devam precede-la. Contudo, Sua vinda

consiste de dois eventos distintos, separado um do outro por um período de sete anos. O

primeiro deles será a parousia, quando Cristo aparecerá nos ares para encontrar-se com

os Seus santos. Todos os justos falecidos ressurgirão então, e os que estiverem vivos

serão transformados. Juntos serão arrebanhados nos ares, celebrarão as bodas do

Cordeiro e estarão para sempre com o Senhor. A trasladação dos santos vivos é chamada

“rapto” ou “arrebatamento”, às vezes, “arrebatamento secreto”. Enquanto Cristo e Sua

igreja estiverem ausentes da terra, e mesmo o Espírito presente nos crentes tiver partido

com a igreja, haverá um período de sete anos ou mais, com freqüência dividido em duas

partes, em que sucederão várias coisas. O Evangelho do reino tornará a ser pregado,

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principalmente, ao que parece, pelos remanescentes crentes dentre os judeus, e resultarão

conversões em larga escala, apesar de muitos continuarem a blasfemar contra Deus. O

Senhor retomará as Suas relações com Israel e, provavelmente, nesse tempo (embora

alguns digam que será mais tarde), este se converterá.

Na segunda metade desse período de sete anos, haverá um período de tribulação sem

igual e cuja duração ainda é assunto em discussão. O Anticristo será revelado e o frasco

da ira de Deus será derramado sobre a raça humana. No fim do período de sete anos, dar-

se-á a “revelação”, isto é, a vinda do Senhor, agora não para os Seus santos, mas com

eles. As nações existentes serão então julgadas (Mt 25.31), e as ovelhas serão apartadas

dos cabritos; os santos que morreram durante a grande tribulação serão ressuscitados; o

Anticristo será destruído; e Satanás será preso por mil anos. Será estabelecido então o

reino milenar, um reino concretamente visível, terrestre e material, reino dos judeus, a

restauração do reino teocrático, incluindo o restabelecimento da realeza davídica. Nesse

reino os santos reinarão com Cristo, os judeus serão os cidadãos naturais, e muitos gentios

serão cidadãos adotivos. O trono de Cristo será estabelecido em Jerusalém, que também

voltará a ser o local central de culto. O templo será reconstruído no Monte Sião, e o altar

exalará de novo o cheiro do sangue dos sacrifícios, sim, das ofertas pelos delitos e

pecados. E conquanto o pecado e a morte ainda reclamem suas vítimas, serão dias de

grande frutificação e prosperidade, quando a vida dos homens será prolongada e o deserto

florescerá como um roseiral. Nesse tempo o mundo se converterá rapidamente, segundo

alguns, pelo Evangelho, mas, segundo a maioria, por meios totalmente diferentes, tais

como a aparecimento pessoal de Cristo, a inveja provocada pela bem-aventurança dos

santos, e, acima de tudo, grandes e terríveis prejuízos. Após o milênio, Satanás será solto

por breve lapso de tempo, e as hordas de Gogue e Magogue juntarão forças contra a

cidade santa. Todavia, os inimigos serão devorados pelo fogo do céu, e Satanás será

lançado numa cova sem fundo, precedido pela besta e pelo falso profeta. Depois desse

curto período de tempo, os ímpios ressuscitarão e comparecerão a juízo, perante o grande

trono branco, Ap 20.11-15. e então haverá novos céus e nova terra.

c. Algumas variantes desta teoria. De modo algum os premilenistas estão todos de

acordo quanto às particularidades do seu esquema escatológico. Um estudo da sua

literatura revela grande variedade de opiniões. Há indefinição e incerteza sobre muitos

pontos, o que prova que a sua elaboração minuciosa é de valor muito duvidoso. Embora a

maioria dos premilenistas dos dias atuais creia num vindouro governo visível de Jesus

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Cristo, mesmo na atualidade alguns antecipam apenas um governo espiritual, e não têm

em vista uma presença física na terra. Conquanto os mil anos de Ap 20 sejam em geral

interpretados literalmente, há uma tendência, da parte de alguns para considera-los como

um período indefinido de maior ou menor duração. Alguns acham que os judeus se

converterão primeiro, de depois serão levados para a Palestina,* ao passo que outros são

de opinião que esta ordem será invertida. Há aqueles que crêem que os meios usados para

a conversão do mundo serão idênticos aos empregados agora, mas prevalece a opinião de

que esses meios serão substituídos por outros. Também há diferença de opiniões quanto

ao lugar em que os santos ressurretos vão habitar durante o seu reinado milenar com

Cristo, na terra ou no céu, ou em ambos. As opiniões diferem muito também com respeito à

continuidade da propagação da raça humana durante o milênio, ao grau de pecado que

prevalecerá nesse tempo, à vigência da morte e a muitos outros pontos.

3. OBJEÇÕES AO PREMILENISMO. Na discussão do segundo advento, o conceito

premilenista já foi submetido a pesquisas e críticas especiais, e os subseqüentes capítulos,

sobre a ressurreição e o juízo final, oferecerão outra ocasião mais para uma consideração

crítica da formulação premilenista desses eventos. Daí, as objeções levantadas neste

ponto serão de natureza mais geral, e, mesmo assim, só poderemos dar atenção a

algumas das mais importantes.

a. A teoria se baseia numa interpretação literal dos delineamentos proféticos do futuro

de Israel e do reino de Deus, o que é inteiramente insustentável. Isso tem sido

repetidamente assinalado em obras sobre profecia, como as de Fairbairn, Riehm e

Davidson, na esplêndida obra de David Brown sobre O Segundo Advento (The Second

Advent), no importante livro de Waldegrave sobre o Milenismo Neotestamentário (New

Testament Millennarianism), e nas obras do doutor Aalders, mais recentes, sobre Os

Profetas da Velha Aliança, e A Restauração de Israel Segundo o Velho Testamento (De

Profeten dês Ouden Verbonds, e Het Herstel van Israel Volgens het Oude Testament). O

último citado é dedicado inteiramente a um minucioso estudo exegético de todas as

passagens do Velho Testamento que, de algum modo, falam da futura restauração de

Israel. É um obra exaustiva, que merece estudo cuidadoso. Os premilenistas afirmam que

nada menos que uma interpretação e um cumprimento literais satisfarão as exigências

dessas previsões proféticas; mas os próprios livros dos profetas já contêm indicações que

* É bom lembrar que esta obra foi produzida antes de 1948, ano em que foi restabelecida a nação de Israel na Palestina. Nota do trdutor.

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apontam para um cumprimento espiritual, Is 54.13; 61.6; Jr 3.16; 31.31-34; Os 14.2; Mq

6.6-8. A alegação de que os nomes “Sião” e “Jerusalém” nunca são empregados noutro

sentido que no sentido literal de que o primeiro sempre denota uma montanha, e o segundo

uma cidade, é claramente contrária aos fatos. Há passagens nas quais ambos os nomes

são empregados para designar Israel, a igreja de Deus veterotestamentária, Is 49.14; 51.3;

52.1,2. E este emprego dos termos passa direto para o Novo testamento, Gl 4.26; Hb

12.22; Ap 3.12; 21.9. É notável que o Novo Testamento, que é cumprimento do Velho

Testamento, não contém nenhum tipo de indicação do restabelecimento da teocracia do

Velho Testamento por Jesus, nem tampouco uma única predição positiva e incontestável

da sua restauração, ao passo que contém abundantes indicações do cumprimento

espiritual das promessas feitas a Israel, Mt 21.43; At 2.29-36; 15.14-18; Rm 9.25, 26; Hb

8.8-13; 1 Pe 2.9; Ap 1.6; 5.10.

Para mais pormenores sobre a espiritualização que se vê na Escritura, pode-se

consultar a obra do doutros Wijngaarden sobre O Futuro do Reino (The Future of the

Kingdom). O Novo Testamento certamente não favorece o literalismo dos premilenistas.

Além disso, esse literalismo os larga em toda sorte de absurdidades, pois envolve a

restauração futura de todas as antigas condições históricas da vida de Israel: os grandes

poderes mundiais do Velho Testamento (egípcios, assírios e babilônicos) e as nações

vizinhas de Israel (moabitas, amonistas, edomitas e filisteus) deverão reaparecer em cena,

Is 11.14; Am 9.12; Jl 3.19; Mq 5.5, 6; Ap 18. O templo terá que ser reconstruído, Is 2.2; Mq

4.1,2; Zc 14.16-22; Ez 40-48, os filhos de Zadoque terão que servir de novo como

sacerdotes, Ez 44.15-41; 48.11-14, e até as ofertas pelos pecados e delitos terão que ser

levadas outra vez ao altar, não para comemoração, (como o querem alguns premilenistas),

mas para expiação, Ez 42.13; 43.18-27. E em acréscimo a isso tudo, a situação modificada

tornaria necessário a todas as nações visitarem Jerusalém anos após ano, para celebrar a

festa dos tabernáculos, Zc 14.16, e mesmo após a semana, para prestar culto a Jeová, Is

66.23.

b. A teoria da posposição, assim chamada, que constitui um elo de ligação no esquema

premilenista, é desprovida de toda base escriturística. Segundo ela, João e Jesus

proclamaram que o Reino, isto é, a teocracia judaica, estava às portas. Mas, porque os

judeus não se arrependeram e não creram, Jesus pospôs o seu estabelecimento até à Sua

segunda vinda. O pivô da mudança é colocado por Scofield em Mt 11.20, por outros em Mt

12, e por outros, mais tarde ainda. Antes desse ponto decisivo Jesus não se preocupava

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com os gentios, mas pregava o Evangelho do Reino a Israel; e depois disso Ele não pregou

mais o Reino, mas somente predizia a sua vinda futura e oferecia descanso aos cansados

de Israel e dos gentios. Mas não se pode afirmar que Jesus não se preocupava com os

gentios antes do suposto ponto decisivo, cf. Mt 8.5-13; Jo 4.1-42, nem que depois Ele

deixou de pregar o Reino, Mt 13; Lc 10.1-11. Não há absolutamente prova nenhuma de que

Jesus pregou dois evangelhos diferentes, primeiro o do Reino e depois o da graça de

Deus; à luz da Escritura, esta distinção é insustentável. Jesus nunca teve em mente o

restabelecimento da teocracia veterotestamentária, mas, sim, a introdução da realidade

espiritual da qual o reino do Velho Testamento era apenas um tipo, Mt 8.11, 12; 13.31-33;

21.43; Lc 17.21; Jo 3.3; 18.36, 37 (comp. Rm 14.17). Ele não pospôs a tarefa para a qual

tinha vindo ao mundo, mas de fato estabeleceu o Reino e se referiu a ele mais de uma vez

como uma realidade presente, Mt 11.12; 12.28; Lc 17.21; Jo 18.36, 37 (comp. Cl 1.13).

Toda essa teoria de posposição é uma ficção relativamente recente, e deveras passível

de objeção, porque destrói a unidade da Escritura e do povo de Deus de modo

injustificável. A Bíblia apresenta a relação entre o Velho e o Novo Testamento como a de

tipo e antítipo, de profecia e cumprimento; mas essa teoria sustenta que, embora fosse

propósito do Novo Testamento ser o cumprimento do Velho Testamento, veio realmente a

ser uma coisa inteiramente diferente. O Reino, isto é, a teocracia do Velho Testamento, foi

predito e não foi restaurado, e a igreja não foi predita mas foi estabelecida. Assim, os dois

ficam separados, e um deles vem a ser o livro do Reino, e o outro, com exceção dos

evangelhos, o livro da igreja. Além disso, temos dois povos de Deus, um natural, e o outro

espiritual, um terreno, e o outro celestial, como se Jesus não tivesse falado de “um rebanho

e um pastor”, Jo 10.16, e como se Paulo não tivesse dito que os gentios foram enxertados

na oliveira, Rm 11.17.

c. Essa teoria também está em flagrante oposição à descrição escriturística dos

grandes eventos do futuro, a saber, a ressurreição, o juízo final e o fim do mundo. Como se

mostrou anteriormente, a Bíblia apresenta esses grandes eventos como sincronizados. Não

há mais a leve indicação de que estão separados por mil anos, à exceção do que se vê em

Ap 20.4-6. Está patente que eles coincidem, Mt 13.37-43, 47-50 (separação do bem e do

mal no fim, “na consumação do século”, e não mil anos antes); 24.29-31; 25.31-46; Jo 5.25-

29; 1 Co 15.22-26; Fp 3.20, 21; 1 Ts 4.15, 16; Ap 20.11-15. Todos eles ocorrem quando da

vinda do Senhor, que é também o dia do Senhor. Em resposta a esta objeção, muitas

vezes os premilenistas insinuam que o dia do Senhor pode ter mil anos de duração, de

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maneira que a ressurreição dos santos e o juízo das nações têm lugar na manhã desse

longo dia, e a ressurreição dos ímpios e o juízo do grande trono branco ocorrem no

entardecer desse mesmo dia. Eles apelam para 2 Pe 3.8 “para com o Senhor, um dia é

como mil anos, e mil anos como um dia”. Mas, dificilmente isso poderá provar o ponto, pois

facilmente o feitiço poderia virar contra o feiticeiro aqui. Poder-se-ia usar a mesma

passagem para provar que os mil anos de Ap 20 são apenas um só dia.

d. Não há qualquer fundamento bíblico para o conceito premilenista de uma dupla ou

até tripla ou quádrupla ressurreição, como a sua teoria requer, nem para espalhar o juízo

final por um período de mil anos, dividindo-o em três juízos. É, para dizer o mínimo, muito

duvidoso que as palavras. “Esta é a primeira ressurreição”, em Ap 20.5, se refiram a uma

ressurreição física. O contexto não requer, e nem mesmo favorece esta idéia. O que

poderia favorecer a teoria de uma dupla ressurreição é o fato de que os apóstolos muitas

vezes falam unicamente da ressurreição dos crentes, e de modo nenhum se referem à dos

ímpios. Mas isto se deve ao fato de que eles estão escrevendo para as igrejas de Jesus

Cristo, aos contextos em que levantam o assunto da ressurreição, e ao fato de que

desejam dar ênfase ao seu aspecto soteriológico, 1 Co 15; 1 Ts 4.13-18. Outras passagens

falam claramente da ressurreição dos justos e dos ímpios num só fôlego, Dn 12.2; Jo 5.28,

29; At 24.15. Voltaremos a considerar esta matéria no próximo capitulo.

e. A teoria premilenista se enreda em todas as espécies de dificuldades insuperáveis,

com a sua doutrina do milênio. É impossível entender como uma parte da velha terra e da

humanidade pecadora poderá coexistir com uma parte da nova terra e de uma humanidade

já glorificada. Como poderão os santos em corpos glorificados ter comunhão com

pecadores na carne? Como poderão os santos glorificados viver nesta atmosfera

sobrecarregada de pecado e em cenário de morte e decadência? Como poderá o Senhor

da glória, o Cristo glorificado, estabelecer o Seu trono na terra enquanto esta não for

renovada? O capítulo vinte e um de Apocalipse nos informa que Deus e a igreja dos

remidos tomarão como seu lugar de habitação a terra depois que forem feitos novos céus e

nova terra; então, como se pode afirmar que Cristo e os santos habitarão ali mil anos antes

dessa renovação? Como poderão os santos e os pecadores na carne manter-se na

presença do Cristo glorificado, sabendo-se que mesmo Paulo e João foram completamente

esmagados pela visão dele. At 26.12-14; Ap. 1.17? Diz com verdade Beet: “Não podemos

conceber misturados no mesmo planeta uns que ainda terão que morrer e outros que já

passaram pela morte e não morrerão mais. Tal confusão da era atual com a era por vir é

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extremamente improvável”.22 E Brown exclama: “Que confuso estado de coisas é este!

Que detestável mistura de coisas totalmente incoerentes umas com as outras!”23

f. A única base escriturística para essa teoria é Ap 20.1-6, depois de se ter despejado

aí um conteúdo veterotestamentário. É uma base muito precária, por várias razões. (1) esta

passagem ocorre num livro eminentemente simbólico e é reconhecidamente muito obscura,

como se pode inferir das diferentes interpretações dela feitas. (2) A interpretação literal

desta passagem, como dada pelos premilenistas, leva a uma conceituação que não

encontra suporte em nenhum outro lugar da Escritura, mas é até contraditada pelo restante

do Novo Testamento. Esta é uma objeção fatal. Uma boa exegese requer que as

passagens obscuras da Escritura sejam lidas à luz doutras mais claras, e não vice-versa.

(3) Mesmo a interpretação literal dos prémilenistas não é coerentemente literal, pois

entende a corrente do versículo 1 e também, conseqüentemente, a prisão do versículo 2

figuradamente, muitas vezes concebe os mil anos como um longo mas indefinido período,

e transforma as almas do versículo 4 em santos ressurretos. (4) Estritamente falando, a

passagem não diz que as classes referidas (os santos mártires e os que não adoraram a

besta) ressuscitaram dos mortos, mas simplesmente que viveram e reinaram com Cristo. E

se declara que este viver e reinar com Cristo constitui a primeira ressurreição. (5) Não há

absolutamente nenhuma indicação nestes versículos de que Cristo e os Seus santos estão

exercendo governo na terra. À luz de passagens como Ap 4.4 e 6.9, é muito mais provável

que a cena se passa no céu. (6) Também merece nota que a passagem não faz menção

nenhuma da Palestina, de Jerusalém, do templo e dos judeus, os cidadãos naturais do

reino milenar. Não há nenhuma insinuação de que esses elementos estejam de algum

modo relacionados com este reinado de mil anos. Para uma interpretação minuciosa desta

passagem, do ponto de vista amilenista, remetemos o leitor a Kuyper, Bavinck, De Moor,

Dijk, Greydanus, Vos e Hendriksen.

B. Pós-Milenismo

A posição do pós-milenismo é completamente oposta à tomada pelo premilenismo,

respeitante à data da segunda vinda de Cristo. Ele afirma que o retorno de Cristo será

depois do milênio, que se pode esperar para durante e no fim da dispensação do

Evangelho. Imediatamente após, Cristo virá para introduzir a ordem eterna de coisas. Na

22 The Last Things, pg. 88. 23 The Second Advent, p. 384.

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discussão do pós-milenismo será necessário distinguir duas formas da teoria, uma das

quais espera que o milênio será realizado pela influência sobrenatural do Espírito Santo, e

a outra espera que ele advirá por um processo natural de evolução.

1. DIFERENTES FORMAS DE PÓS-MILENISMO.

a. A forma antiga.Durante os séculos dezesseis e dezessete, diversos teólogos

reformados (calvinistas) da Holanda ensinaram uma forma de quiliasma agora denominada

pós-milenismo. Entre eles havia homens bem conhecidos como Coccejus, Alting, os dois

Vitringa, d’Outrein, Witsius, Hoornbeek, Koelman e Brakel, alguns dos quais consideravam

o milênio como pertencente ao passado, outros o julgavam presente, e ainda outros o

buscavam no futuro. A maioria o esperava para as proximidades do fim do mundo,

imediatamente antes da segunda vinda de Cristo. Estes homens rejeitavam as duas idéias

diretoras dos premilenistas, quais sejam, que Cristo voltará fisicamente para reinar na terra

por mil anos, e que os santos serão ressuscitados por ocasião da Sua vinda, e então

reinarão com Ele no reino milenar. Embora suas exposições diferissem nalguns

pormenores, a idéia predominante era que o Evangelho, que se propagará gradativamente

pelo mundo todo, no fim se tornará imensuravelmente mais eficiente do que no presente, e

introduzirá um período de ricas bênçãos espirituais para a igreja de Jesus Cristo, uma

idade de ouro em que os judeus também compartirão as bênçãos do Evangelho de

maneira sem precedentes. Em anos mais recentes, um tipo desse pós-milenismo foi

defendido por D. Brown, J. Berg, J.H.Snowden, T.P.Stafford e A.H.Strong. Diz o ultimo

teólogo mencionado que o milênio será “um período dos últimos dias da igreja militante,

quando, sob a influência especial do Espírito Santo, o espírito dos mártires reaparecerá, a

verdadeira religião será grandemente revigorada e revivida, e os membros das igrejas de

Cristo tomarão tal consciência do seu poder em Cristo que, numa extensão jamais

conhecida antes, triunfarão sobre os poderes do mal dentro e fora”.24 A idade de outro da

igreja, segundo se diz, será seguida por um breve período de apostasia, um terrível conflito

entre as forças do bem e do mal, e pela ocorrência simultânea do advento de Cristo, da

ressurreição geral e do juízo final.

b. A forma recente. Grande parte do pós-milenismo dos dias atuais é de um tipo

inteiramente diverso, e tem muito pouco a ver com os ensinos da Escritura, exceto como

uma indicação histórica daquilo em que outrora o povo cria. O homem moderno tem pouca

24 Syst. Theol.,p. 1013.

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paciência com as esperanças milenísticas do passado, com sua completa dependência de

Deus. Ele não acredita que a nova era será introduzida pela pregação do Evangelho,

acompanhada pela obra do Espírito Santo; nem que será resultado de uma mudança

cataclísmica. De um lado, crê-se que a evolução trará aos poucos o milênio, e de outro

lado, que o próprio homem introduzirá a nova era, adotando uma política construtiva de

melhoramento do mundo. Diz Walter Rauschenbush: “Nosso principal interesse num

milênio é o desejo de uma ordem social em que o valor e a liberdade de todos os seres

humanos, mesmos do menor deles, sejam honrados e protegidos, em que a fraternidade

do homem seja expressa na posse comum dos recursos da sociedade; e em que o bem

espiritual da humanidade seja posto muito acima dos interesses de lucro privado de todos

os grupos materialistas. . . .Quanto ao modo pelo qual o ideal cristão da sociedade deverá

vir – devemos substituir a catástrofe pelo desenvolvimento”.25

Shirley Jackson case interroga: “Continuaremos buscando a Deus para introduzir uma

nova ordem por meios catastróficos, ou assumiremos a responsabilidade de produzir o

nosso próprio milênio, crendo que Deus está operando em nós e em nosso mundo o querer

e o fazer para o Seu beneplácito?” E ele mesmo dá a resposta, nos seguintes parágrafos:

“O curso da história exibe um longo processo de luta de evolução pelo qual a humanidade

como um todo eleva-se cada vez mais na escala da civilização e da consecução,

melhorando sua condição de quando em quando mediante sua maior habilidade e

engenho. Vista segundo a longa perspectiva das eras, a carreira do homem tem sido de

real ascensão. Em vez de piorar, vê-se que o mundo melhora constantemente. ...Desde

que a história e a ciência mostram que o melhoramento é sempre resultado de esforços de

realização, o homem acaba imaginando que os males ainda não vencidos haverão de ser

eliminados por estrênuos esforços e reforma gradual, e não pela intervenção catastrófica

da Divindade. ... As moléstias devem ser curadas ou evitadas pela habilidade do médico,

os males da sociedade devem ser remediados pela educação e pela legislação, e as

desgraças internacionais devem ser impedidas pelo estabelecimento de novos padrões e

novos métodos de tratamento medicinal, e não por uma aniquilação repentina”.26 Estas

citações são deverás características de uma grande parte do pós-milenismo dos nossos

dias, e não é de admirar que os premilenistas reajam contra ele.

25 A Theology for the Social Gospel, p. 224, 225. 26 The Millennial Hope, p. 229, 238, 239.

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2. OBJEÇÕES AO PÓS-MILENISMO. Há algumas sérias objeções à teoria pós-

milenista.

a. A idéia fundamental da doutrina segundo a qual o mundo inteiro será gradativamente

ganho para Cristo, a vida de todas as nações será transformada pelo Evangelho no

transcurso do tempo, a justiça e a paz reinarão supremas, e as bênçãos do Espírito serão

derramadas mais copiosamente que antes, de sorte que a igreja experimentará um período

de prosperidade sem par imediatamente antes da vinda do Senhor – não está em harmonia

com o retrato do fim do século que se vê na Escritura. Na verdade a Escritura ensina que o

Evangelho se espalhará pelo mundo todo e exercerá uma influencia benéfica, mas não nos

leva a esperar a conversão do mundo, nem nesta nem numa era vindoura. Ela salienta o

fato de que a época imediatamente anterior ao fim será uma época de grande apostasia,

de tribulação e perseguição, uma época em que a fé se esfriará a muitos, e em que os que

são leais a Cristo serão submetidos a cruéis sofrimentos, e nalguns casos até selarão com

seu sangue a sua confissão, Mt 24.6-14, 21, 22; Lc 18.8; 21.25-28; 2 Ts 2.3-12; 2 Tm 3.1-6;

Ap 13. Naturalmente os pós-milenistas não podem ignorar por completo o que se diz

acerca da apostasia e da tribulação que marcarão o fim da história, mas eles o subestimam

e o descrevem como se predissesse uma apostasia e uma tribulação em pequena escala,

que não afetarão o fluxo principal da vida religiosa. Sua expectação de uma gloriosa

condição da igreja no fim se baseia em passagens que contêm uma descrição figurada,

quer da dispensação do Evangelho como um todo, quer da perfeita ventura do reino

externo de Jesus Cristo.

b. A idéia correlata de que a presente era não acabará numa grande mudança

cataclísmica, mas passará numa transição quase imperceptível para a era vindoura, é

igualmente antibíblica. A Bíblia nos ensina de maneira muito explícita que uma catástrofe,

ou uma intervenção especial de Deus, dará cabo do governo de Satanás sobre a terra e

introduzirá o Reino que não poderá ser abalado, Mt 24.29-31, 35-44; Hb 12.26,27; 2 Pe

3.10-13. haverá uma crise, uma transformação tão grande, que pode ser chamada

“regeneração”, Mt 19.28. Assim como os crentes não se santificam progressivamente nesta

existência até estarem praticamente prontos para, sem muita mudança mais, entrar no céu,

o mundo também não será purificado gradativamente, aprontando-se deste modo para

entrar no estágio subseqüente. Justamente como os crentes ainda terão que submeter-se a

uma grande mudança a operar-se na morte, assim o mundo sofrerá uma tremenda

mudança quando chegar o fim. Haverá novos céus e nova terra, Ap 21.1.

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c. A idéia moderna de que a evolução natural e os esforços do homem no campo da

educação, da reforma social e da legislação produzirão gradativamente o reinado perfeito

do espírito cristão, entra em conflito com tudo quanto a palavra de Deus ensina sobre este

ponto. Não é a obra do homem, mas, sim, a de Deus que introduz o glorioso reino de Deus.

Este reino não pode ser estabelecido pelos meios naturais, mas somente por meios

sobrenaturais. É o reinado de Deus, estabelecido e reconhecido nos corações do Seu

povo, e este reinado jamais o podem tornar efetivos os meios puramente naturais. A

civilização sem a regeneração, sem uma transformação sobrenatural do coração, jamais

produzirá um milênio, um governo eficaz e glorioso de Jesus Cristo. Dá para ver que as

experiências do segundo quartel deste século devem ter imposto esta verdade ao homem

moderno. O tão decantado desenvolvimento do homem ainda não nos levou a vislumbrar o

milênio.

QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. Qual é a origem histórica do premilenismo? 2.

Foi ele de fato o conceito dominante no segundo e no terceiro séculos? 3. Qual foi o

conceito de Agostinho sobre o reino de Deus e o milênio? 4. O reino de Deus e a igreja são

distintos ou idênticos na Escritura? 5. Será aquele natural e nacional, e esta espiritual e

universal? 6. Lucas 14.14 e 20.35 ensinam uma ressurreição parcial? 7. Será que alguma

parte de Israel constitui uma parte da noiva de Cristo? 8. Estará completa a noiva, quando

Cristo voltar? 9. Os pós-milenistas são necessariamente evolucionistas? 10. A experiência

justifica o otimismo dos pós-milenistas, segundo o qual o mundo está ficando cada vez

melhor? 11. A Bíblia prediz progresso contínuo para o reino de Deus, até ao fim do mundo?

12. È necessário presumir uma transformação cataclísmica no fim?

BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA: Bavinck, Geref. Dogm. IV, p. 717-769; Kuyper,

Dict. Dogm., De Consummatione Saeculi, p. 237-279; Vos, Geref. Dogm. V, Eschatologie,

p. 36-40; id., Pauline Eschatology, p. 226-260;Hodge, Syst., Theol. III, p. 861-868; Warfield,

The Millennium and the Apocalypse in Biblical Studies, p. 643-664; Dahle, Life After Death,

p. 354-418; D. Brown, The Second Advent; Ch. Brown, The Hope of His Coming; Hoekstra,

Het Chiliasme; Rutgers, Premillennialism in America; Merril, Second Coming of Christ;

Eckman, When Christ Comes Again; Heagle, That Blessed Hope; Case, The Millennial

Hope; Rall, Modern Premillennialism and the Christian Hope; Fairbaim, The Prophetic of the

Jews (by Pieters); Berkhof, Premillennialisme; Riley, The Evolution of the Kingdom; Bultem,

Maranatha; Berkhof, De Wederkomst van Christus; Brookes, Maranatha; Haldeman, The

Coming od the Lord; Snowden, The Second Coming of the Lord; Blackstone, Jesus is

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The Thousand Years in Both Testaments; Silver, The Lord’s Return; Bullinger, How to Enjoy

the Bible; Waldegrave, New Testament Millenarianism; Feinberg, Premillennialism and

Amillennialism; Gaebelein, The Hope of the Ages; Hendriksen, More Than Conquerors;

Dijk, Het Rijk der Duizend Jaren; Aalders, Het Herstel van Israel Volgens het Oude

Testament; Mauro, The Gospel of the Kingdom, e The Hope of Israel; Frost, The second

Coming of Christ; Reese, The Approaching Advent of Christ; Wyngaarden, The Future of

the Kingdom.

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III. A Ressurreição dos Mortos

A discussão do segundo advento de Cristo leva naturalmente a uma consideração dos

seus concomitantes. O primeiro deles é a ressurreição dos mortos, ou, como às vezes se

lhe chama, “a ressurreição da carne”.

A. A Doutrina da Ressurreição na História.

No tempo de Jesus havia uma diferença de opiniões entre os judeus, a respeito da

ressurreição. Enquanto que os fariseus criam nela, os saduceus não criam, Mt 22.23; At

23.8. Quando Paulo falou a seu respeito em Atenas, enfrentou zombaria, At 17.32. Alguns

dos coríntios a negavam, 1 Co 15, e Himeneu e Fileto, considerando-a como algo

puramente espiritual, asseveravam que ela já era coisa pertencente à história, 2 Tm 2.18.

Celso, um dos mais antigos opositores do cristianismo, fazia especialmente desta doutrina

objeto de escárnio; e os gnósticos, que consideravam a matéria como inerentemente má,

naturalmente a rejeitavam. Orígenes defendeu a doutrina contra os gnósticos e contra

Celso, mas todavia, não acreditava que é o corpo depositado no túmulo que ressuscita. Ele

descrevia o corpo ressureto como um corpo, purificado e espiritualizado. Embora alguns

dos chamados pais cristãos primitivos compartilhassem o seu conceito, a maioria deles

acentuava a identidade do corpo atual com o da ressurreição. Já na sua Confissão

Apostólica, a igreja expressou a sua crença na ressurreição da carne (sarkos).

Agostinho a princípio estava inclinado a concordar com Orígenes, mas posteriormente

adotou o conceito predominante, embora não julgasse necessário crer que as atuais

diferenças de forma e estatura continuarão na vida por vir. Jerônimo insistia vigorosamente

na identidade do corpo atual com o futuro. O Oriente, representado por homens como os

dois Gregórios, Crisóstomo e João de Damasco, manifestava a tendência de adotar um

conceito mais espiritual da ressurreição do que o Ocidente. Os que acreditavam num

milênio futuro falavam de uma dupla ressurreição, a dos justos no princípio do reino

milenar, e a dos ímpios no fim dele. Durante a Idade Média, os escolásticos especulavam

muito sobre o corpo ressureto, mas as suas especulações são sumamente fantasiosas e

de pequeno valor. Principalmente Tomaz de Aquino parecia especialmente informado

sobre a natureza do corpo ressureto, e sobre a ordem e o modo da ressurreição. Os

teólogos do período da Reforma geralmente estavam de acordo em que o corpo da

ressurreição será idêntico ao atual. Todas as grandes confissões da igreja apresentam a

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ressurreição geral como simultânea com a segunda vinda de Cristo, o juízo final e o fim do

mundo. Elas não fazem separação entre quaisquer desses eventos, tais como entre a

ressurreição dos justos e a dos ímpios, e entre a vinda de Cristo e o fim do mundo, com um

período de mil anos. Por outro lado, os premilenistas insistem em tal separação. Sob a

influência do racionalismo e com o avanço das ciências físicas, acentuaram-se algumas

das dificuldades que pesavam sobre a doutrina da ressurreição, e, como resultado, o

“liberalismo” religioso moderno nega a ressurreição da carne e explica as descrições que

dela faz a Escritura como sendo uma representação figurada da idéia de que a

personalidade humana completa continuará a existir após a morte.

B. Prova Bíblica da Ressurreição.

1. NO VELHO TESTAMENTO. Às vezes se diz que o Velho Testamento nada sabe da

ressurreição dos mortos, ou só mostra algum conhecimento dela nos seus últimos livros. É

deveras comum a opinião de que Israel tomou por empréstimo dos persas a sua crença na

ressurreição. Diz Mackintosh: “Forte evidência existe em favor da hipótese de que a idéia

da ressurreição entrou na mente hebraica vinda da Pérsia”.27 Brown fala em tom algo

similar: “A doutrina da ressurreição individual aparece pela primeira vez em Israel depois do

cativeiro, e pode ser que se deva à influência persa”.28 Salmond também menciona essa

idéia, mas afirma que ela não é justificada suficientemente. Diz ele: “A doutrina

veterotestamentária de Deus é, de si mesma, suficiente para explicar toda a história da

concepção veterotestamentária de uma vida futura”.29 De Bondt chega à conclusão de que

não há um só povo, dentre aqueles com os quais Israel teve contato, que tivesse uma

doutrina da ressurreição que pudesse servir de modelo para a apresentação dela que era

corrente entre os israelitas; e de que a fé na ressurreição que acha expressão na religião

do Velho Testamento não se baseia nas religiões dos gentios, mas, sim, na revelação do

Deus de Israel.30 É verdade que não encontramos declarações claras a respeito da

ressurreição dos mortos antes do tempo dos profetas, embora Jesus fosse de parecer que

já estava implícita em Ex 3.6; cf. Mt 22.29-32, e o escritor de Hebreus dá a entender que

até mesmo os patriarcas anelavam à ressurreição dos mortos, Hb 11.10, 13-16, 19. O certo

é que não faltam provas de que havia uma crença na ressurreição muito antes do cativeiro.

Essa crença está implícita nas passagens que falam numa libertação do sheol, Sl 49.15; 27 Immortality and the Future, p. 34. 28 Christian Theology in Outline, p. 251, 252. 29 The Christian Doctrine of Immortality, p. 221, 222. 30 Wat Leert het Oude Testament Aangaande het Leven na dit Leven, p. 263, 264.

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73.24, 25; Pv 23.14. Ela encontra expressão na declaração de Jó 19.25-27. Sobretudo a

vemos ensinada claramente em Is 26.19 (passagem tardia, segundo os críticos), e em Dn

12.2, e provavelmente está implícita igualmente em Ez 37.1-14.

2. NO NOVO TESTAMENTO. Como se podia esperar, o Novo Testamento tem mais

que dizer sobre a ressurreição dos mortos do que o Velho Testamento, porque coloca o

clímax da revelação de Deus sobre este ponto na ressurreição de Jesus Cristo. Contra a

negação dos saduceus, Jesus argumenta em favor da ressurreição dos mortos com base

no Velho Testamento, Mt 22.23-33 e paralelas; cf. Ex 3.6. Além disso, Ele ensina essa

grande verdade com muita clareza em Jo 5.25-29; 6.39, 30, 44, 54; 11.24, 25; 14.3; 17.24.

A passagem clássica do Novo testamento para a doutrina da ressurreição é 1 Co 15.

Outras passagens importantes são: 1 Ts 4.13-16; 2 Co 5.1-10; Ap 20.4-6 (de interpretação

dúbia), e 20.13.

C. A Natureza da Ressurreição.

1. É OBRA DO DEUS TRIÚNO. A ressurreição é obra realizada pelo Deus triúno.

Nalguns casos se nos diz simplesmente que Deus ressuscita os mortos, sem se especificar

pessoa alguma, Mt 22.29; 2 Co 1.9. Mais particularmente, porém, a obra da ressurreição é

atribuída ao Filho, Jo 5.21, 25, 28, 29; 6.38-40, 44, 54; 1 Ts 4.16. Indiretamente, também é

apontada como obra realizada pelo Espírito Santo, Rm 8.11.

2. É RESSURREIÇÃO FÍSICA, OU CORPORAL. Nos dias de Paulo havia alguns que

consideravam a ressurreição como espiritual, 2 Tm 2.18. E nos dias atuais há muitos que

só acreditam numa ressurreição espiritual. Mas a Bíblia é muito explicita ao ensinar a

ressurreição do corpo. Cristo é chamado “primícias” da ressurreição, 1 Co 15.20, 23 e “o

primogênito de entre os mortos”. Cl 1.18; Ap 1.5. Isto implica que a ressurreição do povo de

Deus será semelhante à do seu celestial Senhor. Sua ressurreição foi corporal, e a dos

Seus será da mesma natureza. Além disso, também se diz que a ressurreição realizada por

Cristo inclui o corpo, Rm 8.23; 1 Co 6.13-20. Em Rm 8.11 se nos diz explicitamente que

Deus, por Seu Espírito, ressuscitará nossos corpos mortais. E evidentemente é o corpo que

está proeminentemente na mente do apóstolo em 1 Co 15; cf. especialmente os versículos

35-49.

Segundo a Escritura, haverá uma ressurreição do corpo, isto é, não uma criação

inteiramente nova, mas um corpo que será, num sentido fundamental, idêntico ao corpo

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atual. Deus não vai criar um novo corpo para cada ser humano, mas vai ressuscitar o

próprio corpo que foi depositado na terra. Sito se pode inferir apenas do termo

“ressurreição”, mas é declarado expressamente em Rm 8.11 e 1 Co 15.53, e ademais está

implícito na figura da semente semeada no solo, figura que o apostolo emprega em 1 Co

15.36-68. Além disso, Cristo, as primícias da ressurreição, prova conclusivamente a

identidade do Seu corpo aos Seus discípulos. Ao mesmo tempo, a Escritura deixa

perfeitamente evidente que o corpo passará por grande mudança. O corpo de Cristo ainda

não fora plenamente glorificado durante o período de transição entre a ressurreição e a

ascensão; contudo, já sofrera notável transformação. Paulo se refere à transformação que

terá lugar, quando diz que ao semearmos a semente, não semeamos o corpo que virá a

existir; não tencionamos retirar a mesma semente da terra. Todavia, esperamos colher uma

coisa que, no sentido fundamental, é idêntica à semente depositada no solo. Conquanto

haja uma certa identidade entre a semente semeada e as sementes que dela se

desenvolvem, todavia há também uma diferença notável. Nós seremos transformados, diz

o apóstolo, “porque é necessário que este corpo corruptível se revista da incorruptibilidade,

e que o corpo mortal se revista da imortalidade”. Também diz: “Semeia-se o corpo na

corrupção, ressuscita na incorrupção. Semeia-se em desonra, ressuscita em glória.

Semeia-se em fraqueza, ressuscita em poder. Semeia-se corpo natural, ressuscita corpo

espiritual”. Transformação não é incoerente com retenção da identidade. É-nos dito que,

mesmo agora, cada partícula dos nossos corpos muda a cada sete anos, mas, ao passar

por isso tudo, o corpo conserva a sua identidade. Haverá certa conexão física entre o corpo

antigo e o novo, mas não nos é revelada a natureza dessa conexão. Alguns teólogos falam

num germe remanescente do qual se desenvolve o novo corpo; outros dizem que o

princípio organizador do corpo permanece. Orígenes tinha algo dessa espécie em mente; a

mesma coisa Kuyper e Milligan. Se tivermos tudo isso em mente, a antiga objeção contra a

doutrina da ressurreição, a saber, que é impossível que um corpo ressuscite com as

mesmas partículas que o constituíam na ocasião de sua morte, visto que essas partículas

passam para outras formas de existência, e talvez para centenas de outros corpos, perde

completamente a sua força.

3. É RESSURREIÇÃO DOS JUSTOS E DOS ÍMPIOS. De acordo com Josefo, os

fariseus negavam a ressurreição dos ímpios.31 A doutrina do extincionismo e a da

imortalidade condicional, ambas as quais, ao menos nalgumas de suas formas, negam a

31 Ant. XVIII, 1, 2; Wars II, º14.

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ressurreição dos ímpios e ensinam a sua aniquilação, doutrina abraçada por muitos

teólogos, também encontrou guarida em seitas como o adventismo e a “aurora do milênio”.

Acreditam na extinção total dos ímpios. Às vezes se faz a asserção de que a Escritura não

ensina a ressurreição dos ímpios, mas isso é patentemente errôneo, Dn 12.2; Jo 5.28, 29;

At 24.15; Ap 20.13-15. Ao mesmo tempo, deve-se admitir que a ressurreição deles não

ocupa lugar proeminente na Escritura. Claramente se vê que o aspecto soteriológico da

ressurreição está em primeiro plano, e esta pertence unicamente aos justos. Estes, em

contraste com os ímpios, são os únicos que tirarão proveito da ressurreição.

4. É RESSURREIÇÃO DE IMPORTÂNCIA DESIGUAL PARA OS JUSTOS E PARA OS

INJUSTOS. Breckenridge cita 1 Co 15.22 para provar que a ressurreição de santos e de

pecadores foi adquirida por Cristo. Mas, dificilmente se pode negar que o segundo “todos”

nessa passagem só é geral no sentido de “todos os que estão em Cristo”. A ressurreição é

ali descrita como resultante de uma união vital com Cristo. Mas, certamente, só os crentes

estão nessa relação viva com Ele. A ressurreição dos ímpios não pode ser considerada

como uma bênção merecida pela obra mediatária de Cristo, embora esteja relacionada

indiretamente com ela. É um resultado necessário da posposição da execução da sentença

de morte dada ao homem, o que tornou possível a obra de redenção. A posposição

resultou na relativa separação entre a morte temporal e a morte eterna, e na existência de

um estado intermediário. Sob estas circunstâncias, é necessário ressuscitar os ímpios dos

mortos, a fim de que a morte, em sua máxima extensão e com todo o seu peso, lhes possa

ser imposta. Sua ressurreição não é um ato de redenção, mas, sim, de soberana justiça, da

parte de Deus. A ressurreição dos justos e dos injustos tem isto em comum – que em

ambos os casos os corpos e as almas são reunidas. Mas, no caso daqueles, isso resulta

na vida perfeita, ao passo que no caso destes, redunda na extrema penalidade da morte,

Jo 5.28, 29.

D. A Ocasião da Ressurreição.

1. O CONCEITO PREMILENISTA CONCERNENTE À OCASIÃO DA

RESSURREIÇÃO. É opinião comum entre os premilenistas que a ressurreição dos santos

estará separada da dos ímpios por um período de mil anos. Ao que parece, quase

consideram como verdade axiomática que essas duas classes não têm a mínima

possibilidade de ressurgir ao mesmo tempo. E não somente isso, mas o tipo de

premilenismo dominante hoje em dia, com a sua teoria de uma dupla segunda vinda de

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Cristo, sente necessidade de admitir uma terceira ressurreição. Todos os santos das

dispensações anteriores e da atual dispensação serão ressuscitados na paurosia, ou seja,

na vinda do Senhor. Os que ainda viverem nesse tempo serão transformados num instante,

num piscar de olhos. Mas nos sete anos que se seguirão à paurosia, muitos outros santos

morrerão, especialmente na grande tribulação. Estes também deverão ressuscitar, e a sua

ressurreição ocorrerá quando se der a revelação do dia do Senhor, sete anos após a

parousia. Mas, nem neste ponto os premilenistas podem parar. Desde que a ressurreição

que se dará no fim do mundo está reservada para os ímpios, terá que haver outra

ressurreição dos santos que morreram durante o milênio, a qual precederá a dos ímpios,

pois, segundo eles, santos e ímpios não podem ressuscitar ao mesmo tempo.

2. INDICAÇÕES ESCRITURÍSTICAS QUANTO À OCASIÃO DA RESSURREIÇÃO.

Segundo a Escritura, a ressurreição dos mortos coincidirá com a paurosia, com a revelação

do dia do Senhor e com o fim do mundo, e precederá imediatamente o juízo geral e final. A

Bíblia certamente não favorece as distinções premilenistas a respeito desta doutrina. Em

diversos lugares ela apresenta a ressurreição dos justos e a dos ímpios como

contemporâneas, Dn 12.2; Jo 5.28, 29; At 24.15; Ap 20.13-15. Todas essas passagens

falam da ressurreição como um único evento, e não contêm a mais ligeira indicação de que

a ressurreição dos justos e a dos ímpios estarão separadas por um período de mil anos.

Mas isto não é tudo que se pode dizer em favor da idéia de que ambas coincidem. Em

Jo 5.21-29 Jesus combina o pensamento sobre a ressurreição, incluindo a ressurreição dos

justos, com o pensamento sobre o juízo, incluindo o juízo dos ímpios. Alem disso, 2 Ts 1.7-

10 apresenta claramente a paurosia (versículo 10), a revelação (vers. 7) e o juízo dos

ímpios (vers. 8 e 9) como coincidentes. Se não for este caso, a língua terá perdido o seu

sentido. Ademais, a ressurreição dos crentes está ligada diretamente à segunda vinda do

Senhor em 1 Co 15.23; Fp 3.20, 21 e 1 Ts 4.16, mas também é apresentada como

ocorrendo no fim do mundo, Jo 6.39, 40, 44, 54, ou no último dia. Quer dizer que os crentes

serão ressuscitados no ultimo dia, e que o ultimo dia é também o dia da vinda do Senhor.

Sua ressurreição não precederá o fim por um período de mil anos. Felizmente, há vários

premilenistas que não aceitam a teoria de três ressurreições, mas que, não obstante,

apegam-se à doutrina de duas ressurreições.

3. CONSIDERAÇÃO DOS ARGUMENTOS A FAVOR DE DUAS RESSURREIÇÕES.

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a. Grande ênfase é dada ao fato de que a Escritura, apesar de geralmente falar da

ressurreição ton nekron, isto é, “dos mortos”, repetidamente se refere à ressurreição dos

crentes como uma ressurreição ek nekron, isto é, “saída dos mortos”. Os premilenistas

traduzem esta expressão por “dentre os mortos”, de modo que implica que muitos mortos

ainda permaneceriam no túmulo. Lightfoot também afirma que esta expressão se refere à

ressurreição dos crentes, mas Kennedy diz: “Não há absolutamente nenhuma prova a favor

desta asserção definida”. Também é esta a conclusão a que chega o doutor Vos, depois de

um cuidadoso estudo das passagens pertinentes. Em geral se pode dizer que a suposição

de que a expressão he anastasis ek nekron deve ser vertida para “a ressurreição dentre os

mortos” é inteiramente gratuita. Os léxicos clássicos desconhecem essa versão; e Kremer-

Koegel interpreta a expressão dando-lhe este sentido: “do estado dos mortos”, e esta

parece ser a interpretação mais natural. Deve-se notar que Paulo emprega as expressões

uma pela outra em 1 Co 15. Apesar de estar falando somente da ressurreição dos crentes,

é vidente que ele não procura salientar o fato de que esta é de caráter específico, pois

emprega a expressão mais geral repetidas vezes, 1 Co 15.12, 13, 21, 42.32

b. Os premilenistas recorrem também a certas expressões específicas, tais como

“superior ressurreição”, Hb 11.35, “ressurreição da vida”, Jo 5.29, “ressurreição dos justos”,

Lc 14.14, e “e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro”, 1 Ts 4.16 – todas as quais se

referem unicamente à ressurreição dos crentes. Essas expressões parecem colocar essa

ressurreição à parte, como algo diferente. Mas essas passagens provam apenas que a

Bíblia distingue entre a ressurreição dos justos e a dos ímpios, e não fornecem nenhuma

prova de que haverá duas ressurreições, separadas uma da outra por um período de mil

anos. A ressurreição do povo de Deus difere da dos incrédulos em seu princípio motriz, em

sua natureza essencial e em seu desfecho final, e, portanto, pode muito bem ser

apresentada como uma coisa distinta e como uma experiência muitíssimo mais desejável

do que a ressurreição dos ímpios. Aquela liberta os homens do poder da morte; esta não. A

despeito da sua ressurreição, os incrédulos permanecerão no estado de morte.

c. Um dos principais textos-prova dos premilenistas, a favor de duas ressurreições,

acha-se em 1 Co 15.22-24: “Porque assim como em Adão todos morrem, assim também

todos serão vivificados em Cristo. Cada um, porém, por sua própria ordem. Cristo, as

primícias; depois os que são de Cristo, na sua vinda. E então virá o fim, quando ele

32 Cf. também Waldegrave, New Testament Millenarianism, p. 575, 576.

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entregar o reino ao Deus e Pai...”. Nesta passagem eles vêem três estágios da

ressurreição indicados, quais sejam, (1) a ressurreição de Cristo; (2) a ressurreição dos

crentes; e (3) o fim (como eles o interpretam) da ressurreição, isto é, a ressurreição dos

ímpios. Silver faz uma colocação pitoresca: “Na ressurreição, Cristo e muitos santos que

ressurgiram em Jerusalém e ao redor dela aparecem como o primeiro grupo. Mais de 1900

anos depois, ‘os que são de Cristo, na sua vinda’ aparecerão como o segundo grupo. ‘E

então’ (mas não imediatamente), ‘virá o fim’ (vers. 24), o derradeiro e grande bloco de

gente, com um grupo de criaturas esquecidas, completando o cortejo”.33 É de se notar que

a idéia “não imediatamente” é introduzida no texto. O argumento é que, uma vez que epeita

(depois) do versículo 23 se refere a um tempo ao menos 1900 anos mais tarde, a palavra

eita (então) do versículo 24 se refere a um tempo 1000 anos mais tarde. Mas isto é mera

suposição, destituída de qualquer prova. As palavras epeita e eita significam de fato a

mesma coisa, mas nenhuma delas implica necessariamente a idéia de um longo período

intermediário. Observe-se o emprego de epeita em Lc 16.7 e Tg 4.14, e o de eita em Mc

8.25; Jo 13.5; 19.27; 20.27. Ambas as palavras podem ser utilizadas para indicar algo que

ocorrerá imediatamente, e para algo que só ocorrerá depois de algum tempo, de maneira

que é pura suposição pensar que a ressurreição dos crentes estará separada do fim por

um longo período de tempo. Outra suposição gratuita é a de que “o fim” significa “o fim da

ressurreição”. De acordo com a analogia da escritura, aquela expressão aponta para o fim

do mundo, a consumação, o tempo em que Cristo entregará o Reino ao pai e porá todos os

inimigos debaixo dos Seus pés. Este é o conceito adotado por comentadores como Alford,

Godet, Hodge, Bachmann, Findley, Robertson & Plummer, e Edwards.34

d. Outra passagem a que os premilenistas recorrem é 1 Ts 4.16, “Porquanto o Senhor

mesmo, dada a sua palavra de ordem, ouvida a voz do arcanjo, e ressoada a trombeta de

Deus, descerá dos céus, e os mortos ressuscitarão primeiro”. Disto eles inferem que

aqueles que não morrem em Cristo ressuscitarão em data posterior. Mas é mais que

evidente que não é essa a antítese que o apostolo tem em mente. A declaração

subseqüente não é, “depois os mortos que não estão em Cristo ressuscitarão”, mas “depois

nós, os vivos, os que ficarmos, seremos arrebatados juntamente com eles, entre nuvens,

pra o encontro do Senhor nos ares, e assim estaremos para sempre com o Senhor”.

33 The Lord’s Return, p. 230 34 Para mais ampla discussão desta questão toda, cf. Salmond, Christian Doctrine of Immortality, p. 414, 415; Milligan, The Ressurrection of the Dead, p. 64 e segtes.; Vos, Pauline Eschatology, p. 241 e segtes.

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Biederwolf admite isso francamente.35 Tanto nesta passagem como na anterior Paulo está

falando somente da ressurreição dos crentes; a dos ímpios não está em seu escopo, de

modo nenhum.

e. A passagem mais importante a que se referem os premilenistas é Ap 20.4-6: “... e

viveram e reinaram com Cristo durante mil anos. Os restantes dos mortos não reviveram

até que se completassem os mil anos. Esta é a primeira ressurreição”. Aqui os versículos 5

e 6 fazem menção de uma primeira ressurreição, e isto, é o que se diz, implica que haverá

uma segunda. Mas a suposição de que o escritor está falando de uma ressurreição

corporal é extremamente duvidosa. Evidentemente o cenário dos versículos 4 a 6 está no

céu, e não na terra. E os termos não sugerem uma ressurreição corporal. O vidente não

fala de pessoas ou corpos que foram ressuscitados, mas de almas que “viveram” e

“reinaram”. E ele denomina esse viver e reinar com Cristo “a primeira ressurreição”. O

doutor Vos opina que as palavras, “Esta (enfática) é a primeira ressurreição”, podem até

ser “uma assinalada desaprovação de uma interpretação mais realista (quiliástica) da

mesma frase”.36 Com toda a probabilidade, a expressão se refere à entrada das almas dos

santos na gloriosa condição de vida com Cristo na morte. A ausência da idéia de uma

dupla ressurreição bem pode fazer-nos hesitar em afirmar a sua presença nesta passagem

de um livro tão cheio de simbolismos, como o Apocalipse de João. Onde quer que a Bíblia

mencione juntas a ressurreição dos justos e a dos ímpios, como em Dn 12.2; Jo 5.28, 29;

At 24.15, inexiste a mais ligeira insinuação de que ambas estarão separadas uma da outra

por um período de mil anos. Por outro lado, ela ensina que a ressurreição terá lugar no

último dia, e imediatamente será seguida pelo juízo final, Mt 25.31, 32; Jo 5.27-29; 6.39,40,

44, 54; 11.24; Ap 20.11-15.

QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. a Confissão Apostólica fala da ressurreição do

corpo, ou da ressurreição da carne? 2. Como explicar a mudança de uma para a outra? 3.

Os premilenistas não têm que acrescentar outra ressurreição dos justos às que ocorrerão

na paurosia e na revelação, segundo eles? 4. Como os premilenistas elaboram um

argumento em favor de uma dupla ressurreição utilizando até Dn 12.2? 5. Como encontram

eles um argumento para isso em Fp 3.11? 6. Qual é o principal argumento dos “liberais”

modernos contra a doutrina de uma ressurreição física? 7. Que quer dizer Paulo quando

fala, em 1 Co 15.44, do corpo ressureto como um soma pneumatikon?

35 Millennium Bible, p. 472. 36 ISBE, Artigo Esch. Of the N.T.

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BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA: Bavinck, Geref. Dogm. IV, p. 755-758,770-777;

Kuyper, Dict. Dogm., De Consummatione Saeculi, p. 262-279; Vos, Geref. Dogm. V,

Eschatologie, p. 14-22; id., Pauline Eschatology, p136-225;Hodge, Syst., Theol. III, p. 837-

844; Dabney, Syst. and Polem. Theol., p. 829-841; Shedd, Dogm. Theol., p. 641-658;

Valentine, Chr. Theol. II, p. 414-420;Dahle, Life After Death, p. 358-418; Hovey,

Eschatology, p23-78; Mackintosh, Immortality and the Future, p. 164-179; Snowden, The

Coming of the Lord, p. 172-191; Salmond, Chr. Doct. Of Immortality, p. 262-272, 437-459;

Kennedy, St. Paul’s Conceptions of the Last Things, p. 222-281; Kliefoth, Eschatologie, p.

248-275; Brown, The Chr. Hope, p. 89-108; Milligan, The Ressurrection of the Dead, p. 61-

77.

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IV. O Juízo Final

Outro importante concomitante da volta de Cristo é o juízo final, que será de natureza

geral. O Senhor voltará justamente com o propósito de julgar os vivos e de consignar a

cada indivíduo o seu destino eterno.

A. A Doutrina do Juízo Final na História.

Desde os mais primitivos tempos da era cristã, a doutrina de um juízo geral e final

esteve ligada à da ressurreição dos mortos. A opinião geral era que os mortos

ressuscitariam para serem julgados segundo as obras praticadas enquanto no corpo. Como

solene advertência, dava-se ênfase à certeza desse juízo. Esta doutrina já´fazia parte do

conteúdo da Confissão Apostólica: “Donde virá para julgar os vivos e os mortos”. A idéia

predominante era que esse juízo seria acompanhado pela destruição do mundo. De modo

geral, os chamados pais primitivos da igreja não especulavam muito acerca da natureza do

juízo final, embora Tertuliano constitua uma exceção. Agostinho procurou interpretar

algumas das declarações figuradas da Escritura a respeito do juízo. Na Idade Média, os

escolásticos discutiram o assunto com maiores minúcias. Eles também acreditavam que a

ressurreição dos mortos seria seguida imediatamente pelo juízo geral, e que este marcaria

o fim dos tempos para o homem. O juízo será geral no sentido de que todas as criaturas

racionais comparecerão nele, e de que trará uma revelação geral dos feitos de cada um,

tanto dos bons como dos maus. Cristo será o Juiz, embora outros estejam associados a

Ele no julgamento; não, porém, como juizes no sentido estrito da palavra. Imediatamente

após o juízo, haverá uma conflagração universal. Deixamos de mencionar algumas outras

particularidades aqui.

Os Reformadores compartiam essa idéia, em geral, mas pouco ou nada acrescentaram

ao conceito predominante. O mesmo conceito se acha em todas as confissões

protestantes, as quais afirmam explicitamente que haverá um dia de juízo no fim do mundo,

mas não entram em detalhes. Tem sido esse o conceito oficial das igrejas até os dias

atuais. Isto não significa que não houve outros conceitos que achassem expressão. Kant

inferiu do imperativo categórico a existência de um Juiz supremo que aplicaria a justiça a

todos os erros numa vida futura. Schelling, com o seu famoso dito, “A história do mundo é o

julgamento do mundo”, evidentemente considerava o juízo apenas como um processo

imanente atual. Alguns não estavam inclinados a admitir a constituição moral do universo,

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não acreditavam que a história se move rumo a uma terminação moral, e, assim, negavam

o juízo futuro. A esta idéia foi dada uma formulação filosófica por Von Hartmann. Na

teologia “liberal” moderna, com sua ênfase ao fato de que Deus é imanente em todos os

processos da história, é forte a tendência para considerar o juízo primária, senão

exclusivamente, como um processo imanente atual. Diz Beckwith: “Em Seu procedimento

(de Deus) para com os homens, nada se susta, não há suspensão de nenhum atributo do

Seu ser. O juízo não é, pois, mais verdadeiramente futuro do que presente. Na medida em

que Deus é o seu autor, é tão constante e perpétuo como a Sua ação na vida humana.

Pospor o juízo para uma hora publica e futura é ter um falso conceito da justiça, como se

esta estivesse dormente ou suspensa, totalmente presa a condições externas. Ao contrário,

a esfera da justiça deve ser procurada, não fora, primeiro, mas dentro, na vida interior, no

mundo da consciência”.37 Os dispensacionalistas crêem de todo o coração no juízo futuro,

mas falam em juízos, no plural. Segundo eles, haverá um juízo na parousia, outro na

revelação de Cristo, e ainda outro no fim do mundo.

B. Natureza do Juízo Final.

O juízo final do qual a Bíblia fala não pode ser considerado como um processo

espiritual invisível e infindável, idêntico à providência de Deus na história. Isto não equivale

a negar o fato de que há um julgamento providencial de Deus nas vicissitudes de

indivíduos e nações, embora nem sempre se reconheçam como tais. A Bíblia nos ensina

claramente que, ainda na presente vida, Deus visita o mal com castigos e recompensa o

bem com bênçãos, e que estes castigos e recompensas são positivos nalguns casos, mas

noutros aparecem como resultados providenciais naturais do mal cometido ou do bem

praticado, Dt 9.5; Sl 9.16; 37.28; 59.13; Pv 11.5; 14.11; Is 32.16,17; Lm 5.7. A consciência

humana também atesta este fato. Mas também é manifesto na Escritura que os juízos de

Deus no presente não são finais. Às vezes o mal prossegue sem a devida punição, e o

bem nem sempre sé recompensado nesta existência com as bênçãos prometidas. Os

ímpios dos dias de Malaquias tiveram a coragem de gritar: “Onde está o Deus do juízo?”,

Ml 2.17. A queixa que se ouvia naqueles dias era; “Inútil é servir a Deus; que nos

aproveitou termos cuidado em guardar os seus preceitos, e em andar de luto diante do

Senhor dos Exércitos? Ora, pois, nós reputamos por felizes os soberbos; também os que

cometem impiedade prosperam, sim, eles tentam ao Senhor e escapam”, Ml 3.14, 15. Jó e

37 Realities of Christian Theology, p. 362, 363.

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seus amigos lutaram com o problema dos sofrimentos dos justos, e a mesma coisa fez

Asafe no Salmo 73. A Bíblia nos ensina a ter os olhos postos no futuro, no juízo final, vendo

neste a resposta decisiva de Deus para todas essas interrogações, a solução de todos

esses problemas e a remoção de todas as discrepâncias aparentes da era atual, Mt 25.31-

46; Jo 5.27-29; At 25.24; Rm 2.5-11; Hb 9.27; 10.27; 2 Pe 3.7; Ap 20.11-15. Estas

passagens não se referem a um processo, mas, sim a um evento bem definido do fim dos

tempos. Ele é descrito como acompanhado por outros eventos históricos, tais como a vinda

de Jesus Cristo, a ressurreição dos mortos e a renovação de céus e terra.

C. Conceitos Errôneos a Respeito do Juízo.

1. JUÍZO PURAMENTE METAFÓRICO. De acordo com Schleiermacher e muitos

outros eruditos alemães, as descrições bíblicas do juízo final devem ser entendidas como

indicações simbólicas do fato de que o mundo e a igreja finalmente se separarão. Esta

explicação serve para fazer evaporar toda a idéia de um julgamento forense quanto à

determinação pública do estado final do homem. É uma explicação que certamente não faz

justiça às vigorosas afirmações da escritura a respeito do juízo final, de que será uma

declaração formal, publica e final.

2. JUÍZO EXCLUSIVAMENTE IMANENTE. A máxima de Schelling, de que “a história

do mundo é o julgamento do mundo”, sem dúvida contém um elemento de verdade. Como

acima foi assinalado, há manifestações da justiça retributiva de Deus na história das

nações e dos indivíduos. As recompensas e os castigos podem ser de caráter positivo, ou

podem ser o resultado do bem ou do mal praticado. Mas quando muitos eruditos “liberais”

afirmam que o julgamento divino é totalmente imanente e é inteiramente determinado pela

ordem moral do mundo, certamente não fazem justiça às apresentações da Escritura. A

idéia que eles têm do juízo como “agindo por si mesmo” faz de Deus um ser ocioso, que

apenas vê e aprova a distribuição de recompensas e castigos. Destrói completamente a

idéia do juízo como um evento externo e visível a ocorrer nalgum tempo definido do futuro.

Além disso, esse conceito não pode satisfazer os anseios do coração humano pela justiça

perfeita. Os juízos históricos são sempre e somente parciais, e às vezes são aos homens a

impressão de serem disfarces da justiça. Sempre houve e ainda há ocasião para a

perplexidade de Jó e de Asafe.

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3. O JUÍZO NÃO SERÁ UM SÓ EVENTO. Os premilenistas dos nossos dias falam de

três diferentes juízos futuros. Eles distinguem: (a) Um juízo para os santos ressurretos e

para os santos vivos, quando da parousia ou da vinda do Senhor, para vindicação pública

dos santos, para dar recompensa a cada um segundo as suas obras e para determinar os

seus respectivos lugares no reino milenar vindouro. (b) Um juízo por ocasião da revelação

de Cristo (no dia do senhor), imediatamente após a grande tribulação, no qual, conforme o

conceito predominante, as nações gentílicas serão julgadas como nações, de acordo com a

atitude que elas assumiram para com o evangelizante remanescente de Israel (os irmãos

menores do Senhor). A entrada dessas nações no reino dependerá do resultado do

julgamento. Este é o juízo mencionado em Mt 25.31-46. estará separado do anterior por um

período de sete anos. (c) Um julgamento dos ímpios mortos, perante o grande trono branco

descrito em Ap 20.11-15. Os mortos serão julgados segundo as suas obras, e estas

determinarão o grau da punição que eles receberão. Este juízo ocorrerá mais de mil anos

depois do juízo das nações.

Devemos notar, porém, que a Bíblia sempre fala do juízo futuro com um só evento. Ela

nos ensina a aguardar, não dias, mas o dia do juízo, Jo 5.28, 29; At 17.31; 2 Pe 3.7,

também chamado “aquele dia”, Mt 7.22; 2 Tm 4.8, e “o dia da ira e da revelação do justo

juízo de Deus”, Rm 2.5. Os premilenistas sentem a força deste argumento, pois replicam

que esse pode ser um dia de mil anos. Além disso, há passagens da escritura que

evidenciam abundantemente que os justos e os ímpios comparecerão juntos no juízo para

uma separação final, Mt 7.22, 23; 25.31-46; Rm 2.5-7; Ap 11.18; 20.11-15. Ademais, deve-

se notar que o julgamento dos ímpios é descrito como um concomitante da parousia e

também da revelação, 2 Ts 1.7-10; 2 Pe 3.4-7. E, finalmente, deve-se ter em mente que

Deus não julga as nações como nações quando estão em jogo questões eternas, mas

somente indivíduos; e que uma separação final dos justos e dos ímpios não tem a menor

possibilidade de ser feita antes do fim do mundo. É difícil ver como alguém pode fazer uma

interpretação tolerável e coerente de Mt 25.31-46, a não ser partindo do pressuposto de

que o juízo a que o texto se refere é o juízo universal de todos os homens, e de que estes

serão julgados, não como nações, mas como indivíduos. Até Meyer e Alford, eles próprios

premilenistas, consideram que esta é a única explanação sustentável.

4. O JUÍZO FINAL É DESNECESSÁRIO. Alguns consideram inteiramente

desnecessário o juízo final, porque o destino de cada ser humano é determinado na hora

da sua morte. Se um homem dormir firmado em Jesus, estará salvo; se morrer em seus

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pecados, estará perdido. Desde que a questão está resolvida, não é necessário fazer-se

mais um inquérito judicial, e, portanto, um juízo final é completamente supérfluo. Mas a

certeza do juízo futuro não depende da nossa concepção de sua necessidade. Deus nos

ensina claramente em Sua palavra que haverá um juízo final, e isto põe fim à questão para

todos os que reconhecem a Bíblia como o padrão final da fé. Além disso, o pressuposto

subjacente, do qual procede o argumento, a saber, que o juízo final tem o propósito de

definir qual seria o estado futuro do homem, é inteiramente errôneo. Seu propósito é, antes,

expor diante de todas as criaturas racionais a glória declarativa de Deus num ato formal e

forense que, por um lado, engrandecerá a Sua santidade e justiça, e, por outro lado,

engrandecerá a Sua graça e misericórdia. Ademais, devemos ter em mente que o juízo do

ultimo dia será diferente daquele que ocorre na morte de cada indivíduo em mais de um

aspecto. Não será secreto, mas público; não terá referência a um só individuo, mas a todos

os homens.

D. O Juiz e os Seus Assistentes

Naturalmente, o juízo final, como todas as opera ad extra (obras externas) de Deus, é

obra realizada pelo trino Deus, mas a Escritura a atribui particularmente a Cristo. Cristo, em

Sua capacidade mediatária, será o futuro Juiz, Mt 25.31, 32; Jo 5.27; At 10.42; 17.31; Fp

2.10; 2 Tm 4.1. Passagens como Mt 28.18; Jo 5.27; Fp 2.9, 10, tornam mais que evidente

que a honra de julgar os vivos e os mortos foi conferida a Cristo como Mediador como

recompensa por Sua obra expiatória e como parte de Sua exaltação. Esta pode ser

considerada como uma das honras culminantes da Sua realeza. Também em Sua

capacidade de Juiz, Cristo está salvando o Seu povo de forma suprema: Completará a

redenção deles, justificá-los-á publicamente, e removerá as últimas conseqüências do

pecado. De passagens como Mt 13.41, 42; 24.31; 25.31, pode-se inferir que os anjos O

assistirão nesta grande obra. Evidentemente, os santos, nalgum sentido, vão assentar-se e

julgar com Cristo, Sl 149.5-9; 1 Co 6.2, 3; Ap 20.4. É difícil dizer o que isto envolve. Tem-se

interpretado no sentido de que os santos condenarão por sua fé o mundo, assim como os

ninivitas teriam condenado as cidades incrédulas dos dias de Jesus. Ou que eles

meramente estarão presentes ao julgamento presidido por Cristo. Mas o argumento de

Paulo em 1 Co 6.2, 3 parece exigir mais do que isso, pois nenhuma das duas

interpretações sugeridas provariam que os coríntios eram capazes de julgar as questões

surgidas na igreja. Embora não se possa esperar que os santos conheçam todos os que

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haverão de comparecer no juízo e distribuam as penas impostas, todavia, terão alguma

parte ativa no juízo de Cristo, embora seja impossível dizer precisamente o que será isso.

E. As Partes que Serão Julgadas

A Escritura contém claras indicações de pelo menos duas partes serão julgadas. É

mais evidente que os anjos decaídos comparecerão perante o tribunal de Deus, Mt 8.29; 1

Co 6.3; 2 Pe 2.4; Jd 6. Satanás e seus demônios verão sua ruína final no dia do juízo.

Também se vê com toda a clareza que todos os indivíduos da raça humana terão que

comparecer às barras da justiça, Sl 50.4-6; Ec 12.14; Mt 12.36, 37; 25.32; Rm 14.10; 2 Co

5.10; Ap 20.12. Estas passagens certamente não dão lugar ao conceito dos pelagianos e

dos que seguem sua esteira, de que o juízo final se limitará aos que gozam os privilégios

do Evangelho. Tampouco favorecem a idéia daqueles sectários que afirmam que os justos

não serão chamados a juízo. Quando Jesus diz, em Jo 5.24, “Em verdade, em verdade vos

digo: Quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna, não

entra em juízo, mas passou da morte para a vida”, claramente quer dizer, como se vê do

contexto, que o crente não entrará em juízo condenatório. Às vezes, porém, se objeta que

os pecados dos crentes, pecados perdoados, certamente não serão trazidos a público

naquele dia; mas a Escritura nos leva à certeza de que o serão, embora, naturalmente,

sejam revelados como pecados perdoados. Os homens serão julgados por “toda palavra

frívola”, Mt 12.36, e pelos “segredos dos homens”, Rm 2.16; 1 Co 4.5, e não há a mínima

indicação de isto se restringirá aos ímpios. Além disso, passagens como Mt 13.30, 40-43,

49; 25.14-23, 34-40, 46 evidenciam que os justos comparecerão ao tribunal de Cristo. Mais

difícil é decidir se os anjos bons serão submetidos ao juízo final em algum sentido. O

doutor Bavinck mostra-se inclinado a inferir de 1 Co 6.3 que serão; mas esta passagem

não prova o ponto. Poderia fazê-lo se a palavra angelous fosse precedida pelo artigo, o que

não acontece. Lemos simplesmente: “Não sabeis que havemos de julgar os próprios

anjos...?” (no original grego, sem artigo). Dada a incerteza ligada a esta questão, é melhor

silenciar a respeito. Mais ainda quando nos lembramos de que os anjos sé são

apresentados como ministros de Cristo em conexão com a obra de julgamento, Mt 13.30,

41; 25.31; 2 Ts 1.7, 8.

F. A Ocasião do Juízo.

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Conquanto não se possa determinar em termos absolutos a ocasião do juízo futuro,

pode ser fixada relativamente, isto é, com relação a outros eventos escatológicos. É

evidente que será no fim do presente mundo, pois será um julgamento sobre toda a vida de

todos os homens, Mt 13.40-43; 2 Pe 3.7. Além disso, será concomitante com a vinda

(parousia) de Jesus Cristo, Mt 25.19-46; 2 Ts 1.7-10; 2 Pe 3.9, 10, e se seguirá

imediatamente à ressurreição dos mortos, Dn 12.2; Jo 5.28, 29; Ap 20.12, 13. A questão

sobre se o juízo precederá imediatamente a renovação de céus e terra, ou se será

coincidente com ela, ou se será imediatamente após, não pode ser resolvida

conclusivamente com base na Escritura. Ap 20.11 parece indicar que a transformação do

universo se dará ao iniciar-se o juízo; 2 Pe 3.7, que ambos ocorrerão sincronicamente; e

Ap 21.1, que a renovação dos céus e da terra será em seguida ai juízo. Só podemos falar

deles, de maneira geral, como concomitantes.

É igualmente impossível determinar a exata duração do juízo: A Escritura fala em “o dia

do juízo”, Mt 7.22; 2 Ts 1.10; 2 Tm 1.12, e “o dia da ira”, Rm 2.5; Ap 11.8. Não precisamos

inferir destas passagens e doutras semelhantes que será precisamente um dia de vinte e

quatro horas, dado que a palavra “dia” também é empregada num sentido mais indefinido

na Escritura. Por outro lado, porém, a interpretação feita por alguns premilenistas, de que

se trata de um designativo de todo o período milenar, não pode ser considerada plausível.

Quando a palavra “dia” é empregada para denotar um período, denota em geral um

período totalmente caracterizado por alguma peculiaridade extraordinária, normalmente

indicada pelo genitivo que acompanha a palavra. Assim, “o dia da aflição” é o período

totalmente caracterizado por aflições, e “o dia da salvação” é o período em sua inteireza

notório por sua proeminente manifestação do favor ou graça de Deus. E certamente não se

pode dizer que o período milenar dos premilenistas, embora acabando num juízo, é

totalmente um período de julgamento. É, antes, um período de alegria, retidão e paz. A

característica proeminente desse período, certamente não é de julgamento.

G. O Padrão do Juízo.

O padrão pelo qual os santos e os pecadores serão julgados, evidentemente será a

vontade revelada de Deus. Esta não é a mesma para todos. Alguns têm sido mais

privilegiados que outros, e isto naturalmente aumenta a sua responsabilidade, Mt 11.21-24;

Rm 2.12-16. Isto não significa que haverá diferentes condições de salvação para diferentes

classes de gente. Para todos os que comparecerão ao juízo, a entrada no céu, ou a

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exclusão dele, dependerá da questão se estão revestidos da justiça de Jesus Cristo. Mas

haverá diferentes graus, tanto de ventura no céu como de castigo no inferno. E esses graus

serão determinados pelo que é feito enquanto na carne, Mt 11.22, 24; Lc 12.47, 48; 20.47;

Dn 12.3; 2 Co 9.6. Os gentios serão julgados segundo a lei da natureza, escrita nos seus

corações, os israelitas da antiga dispensação segundo a revelação do Velho testamento, e

somente segundo esta, e os que gozaram a luz do Evangelho, além da luz da natureza e

da revelação do velho Testamento, serão julgados de conformidade com a maior luz que

receberam. Deus dará a cada um o que lhe é devido.

H. As Diferentes Partes do Juízo.

Aqui devemos distinguir:

1. A COGNITIO CAUSAE (O CONHECIMENTO DA CAUSA). Deus tomará

conhecimento do estado de coisas, da vida passada completa do homem, incluindo-se até

os pensamentos e os intentos secretos do coração. Isso é descrito simbolicamente na

Escritura como a abertura dos livros, Dn 7.10; Ap 20.12. Os fiéis dos dias de Malaquias

falavam de um memorial escrito diante do senhor, Ml 3.16. É uma descrição figurada

acrescentada para completar a idéia do juízo. Geralmente o juiz tem o livro da lei e o

registro daqueles que compareceram perante ele. Com toda a probabilidade, a figura neste

caso se refere simplesmente à onisciência de Deus. Alguns falam do livro da Palavra de

deus como do livro dos estatutos, e do memorial como o livro da predestinação, o registro

privado de Deus. Mas é muito duvidoso que devamos particularizar os pontos dessa

maneira.

2. A SENTENTIAE PROMULGATIO (A PROMULGAÇÃO DA SENTENÇA). Haverá

promulgação da sentença. O dia do juízo é o dia da ira e da revelação do justo juízo de

Deus, Rm 2.5. Tudo terá que ser revelado ante o tribunal do Juiz supremo, 2 Co 5.10. O

senso de justiça exige isto. A sentença pronunciada sobre cada pessoa não será secreta,

não será conhecida apenas pela pessoa, mas será proclamada publicamente, de maneira

que pelo menos aqueles que de algum modo estão envolvidos a conhecerão. Assim, a

justiça e a graça de Deus refulgirão em todo o seu esplendor.

3. A SENTENTIAE EXECUTIO (A EXECUÇÃO DA SENTENÇA). A sentença dos justos

comunicará bem-aventurança eterna, e a dos ímpios, miséria eterna. O Juiz dividirá a

humanidade em duas partes, como o pastor separa dos cabritos as ovelhas, Mt 25.32 e

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segtes. Em vista do que se dirá sobre o seu estado final no próximo capítulo, não é preciso

acrescentar nada mais aqui.

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V. O Estado Final

O juízo final determinará o estado final dos que comparecerão perante o tribunal, e a

esse estado os levará.

A. O Estado Final dos Ímpios.

Há especialmente três pontos que requerem consideração aqui:

1. O LUGAR PARA O QUAL OS ÍMPIOS SERÃO ENVIADOS. Na teologia dos dias

atuais há uma evidente tendência, nalguns círculos, de eliminar a idéia de punição eterna.

Os extincionistas, que ainda estão representados em seitas como o adventismo e a “aurora

do milênio”, e os defensores da imortalidade condicional, negam a existência perpétua dos

ímpios e, com isso, tornam desnecessário um lugar de punição eterna. Na teologia “liberal”

moderna, a palavra “inferno” é geralmente considerada como um designativo figurado de

uma condição puramente subjetiva, na qual os homens podem achar-se mesmo enquanto

na terra, e a qual pode tornar-se permanente no futuro.

Mas essas interpretações certamente não fazem justiça aos dados da escritura. Não

pode haver dúvida razoável quanto ao fato de que a Bíblia ensina a existência permanente

dos ímpios, Mt 24.5; 25.30, 46; Lc 16.19-31. Além disso, em conexão com o tema do

“inferno”, a Bíblia emprega expressões indicativas de lugar o tempo todo. Ela dá ao lugar

de tormento o nome de geena, nome derivado do hebraico ge (terra, ou vale) e hinnom ou

beney hinnom, isto é, Hinnom ou filhos de Hinnom. Este nome foi aplicado originariamente

a um vale sito a sudoeste de Jerusalém. Era o lugar em que os ímpios idólatras

sacrificavam seus filhos a Moloque, fazendo-os passar pelo fogo. Daí era considerado

impuro e, em tempos mais recentes, era denominado “vale de tophet” (escarro), como uma

região completamente desprezada. Fogueiras ardiam ali constantemente, para consumir o

lixo de Jerusalém. Como resultado, veio a ser um símbolo do lugar de tormento eterno. Mt

18.9 fala de tem geenan tou pyros, a geena de fogo, e esta expressão forte é empregada

como um sinônimo de to pyr to aionion, o fogo eterno, que aparece no versículo anterior. A

Bíblia fala também de uma “fornalha acesa”, Mt 13.42, e de um “lago de fogo” (ou “do

fogo”), Ap 20.14, 15, que se contrasta com o “mar de vidro, semelhante ao cristal”, Ap 4.6.

Os termos “prisão”, 1 Pe 3.19, “abismo”, Lc 8.31 e “tártaro”, 2 Pe 2.4 (margem), também

são empregados. A Escritura se refere aos excluídos do céu dizendo que estão fora (nas

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trevas exteriores) e que são lançados no inferno. A descrição registrada em Lc 16.19-31 é,

por certo, inteiramente descritiva de lugar.

2. O ESTADO NO QUAL CONTINUARÃO SUA EXISTÊNCIA. É impossível determinar

precisamente o que constituirá a punição eterna dos ímpios, e nos convém falar mui

cautelosamente sobre o assunto. Positivamente se pode dizer que consistirá em (a)

ausência total do favor de deus; (b) uma interminável perturbação da vida, resultante do

domínio completo do pecado; (c) dores e sofrimentos positivos no corpo e na alma; e (d)

castigos subjetivos, como agonias da consciência, angústia, desespero, choro e ranger de

dentes, Mt 8.12; 13.50; Mc 9.43, 44, 47, 48; Lc 16.23, 28; Ap 14.10; 21.8. Evidentemente,

haverá graus na punição dos ímpios. Isto se deduz de passagens como Mt 11.22, 24; Lc

12.47, 48; 20.17. Sua punição será proporcional ao seu pecado contra a luz que

receberam. Mas, não obstante, será punição eterna para todos eles. Esta verdade é

exposta claramente na Escritura, Mt 18.8; 2 Ts 1.9; Ap 14.11; 20.10. Alguns negam que

haverá fogo literal, porque este não poderia afetar espíritos como satanás e seus

demônios. Mas, como podemos sabe-lo? Nosso corpo certamente age em nossa alma de

algum modo misterioso. Haverá alguma punição positiva correspondente aos nossos

corpos. É indubitavelmente certo, porém, que uma grande parte da linguagem referente ao

céu e ao inferno deve ser entendida figuradamente.

3. DURAÇÃO DA SUA PUNIÇÃO. Contudo, a questão da eternidade da punição futura

mercê consideração mais especial, por ser freqüentemente negada. Dizem que as palavras

empregadas na escritura para “sempiterno” e “eterno” podem denotar simplesmente uma

“era” ou uma “dispensação”, ou algum outro longo período de tempo. Ora, não se pode

negar que são empregadas desse modo nalgumas passagens, mas isto não prova que

sempre tenham este sentido limitado. Não é este o sentido literal desses termos. Sempre

que são empregados assim, o são empregados figuradamente, e, nesses casos, o seu uso

figurado é geralmente esclarecido pelo contexto. Além disso, há razões positivas para se

pensar que essas palavras não têm aquele sentido limitado nas passagens a que nos

referimos. (a) Em Mt 25.46 a mesma palavra descreve a duração, tanto da bem-

aventurança dos santos como da penalidade dos ímpios. Se esta não for, propriamente

falando, interminável, tampouco o será aquela; e, todavia, muitos dos que duvidam da

punição eterna, não duvidam da felicidade eterna. (b) São empregadas outras expressões

que não podem ser postas de lado pela consideração mencionada acima. O fogo do inferno

é chamado “fogo inextinguível”, Mc 9.43; e dos ímpios se diz que “não lhes morre o verme”,

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Mc 9.48. Além disso, o abismo que separará santos e pecadores no futuro é descrito como

fixo e intransponível, Lc 16.26.

B. O Estado Final dos Justos.

1. A NOVA CRIAÇÃO. O estado final dos crentes será precedido pelo passamento do

presente mundo e pelo surgimento de uma nova criação. Mt 19.28 fala da “regeneração” e

At 3.21, da “restauração de todas as cousas”. Em Hb 12.27 lemos: “Ora, esta palavra:

Ainda uma vez por todas, significa a remoção dessas cousas abaladas (céus e terra), como

tinham sido feitas, para que as cousas que não são abaladas (o reino de Deus)

permaneçam”. Diz Pedro: “Nós, porém, segundo a sua promessa, esperamos novos céus e

nova terra, nos quais habita justiça”, 2 Pe 3.13, cf. vers. 12; e João teve uma visão dessa

nova criação, Ap 21.1. Somente depois que a nova criação estiver estabelecida é que a

nova Jerusalém descerá dos céus, da parte de Deus, o tabernáculo de Deus será montado

entre os homens e os justos adentrarão o seu gozo eterno. Muitas vezes é levantada a

questão sobre se essa criação será inteiramente nova ou se será uma renovação da

presente criação. Os teólogos luteranos apóiam fortemente a primeira posição acima,

recorrendo a 2 Pe 3.7-13; Ap 20.11 e 21.1, ao passo que os teólogos reformados

(calvinistas) preferem a segunda idéia, para a qual encontram apoio em Sl 102.26,27 (Hb

1.10-12) e Hb 12.26-28.

2. A HABITAÇÃO ETERNA DOS JUSTOS. Muitos concebem também o céu como uma

condição subjetiva, que os homens podem desfrutar no presente e que, seguindo a justiça,

naturalmente se tornará permanente no futuro. Mas aqui também se deve dizer que a

Escritura apresenta o céu como um lugar. Cristo ascendeu ao céu, o que só pode significar

que ele foi de um lugar para outro. O céu descrito como a casa de nosso Pai, onde há

muitas mansões, Jo 14.1, e esta descrição dificilmente seria válida para uma condição.

Além disso, diz a Escritura que os crentes estão dentro, enquanto que os incrédulos estão

fora, Mt 22.12, 13; 25.10-12. A Escritura nos dá motivos para acreditarmos que os justos

herdarão, não somente o céu, mas a nova criação inteira, Mt 5.5; Ap 21.1-3.

3. A NATUREZA DA SUA RECOMPENSA. A recompensa dos justos é descrita como

vida eterna, sito é, não apenas uma vida sem fim, mas a vida em toda a sua plenitude, sem

nenhuma das imperfeições e dos distúrbios da presente vida, Mt 25.46; Rm 2.7. A plenitude

dessa vida é desfrutada na comunhão com Deus, o que é realmente a essência da vida

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eterna, Ap 21.3. Eles verão a Deus em Jesus Cristo face a face, encontrarão plena

satisfação nele, alegrar-se-ão nele e O glorificarão. Contudo, não devemos pensar que as

alegrias do céu são exclusivamente espirituais. Haverá alguma coisa correspondente ao

corpo. Haverá reconhecimento e relações sociais num plano elevado. Também é evidente

na Escritura que haverá graus na bem-aventurança do céu, Dn 12.3; 2 Co 9.6. Nossas

boas obras serão a medida da recompensa que receberemos pela graça, embora elas não

a mereçam. Apesar disso, porém, a alegria de cada indivíduo será perfeita e completa.

QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. Por que o senso moral da humanidade exige

um juízo futuro? 2. A quais precursores históricos do juízo final a Escritura se refere? 3.

Onde se realizará o juízo final? 4. Que encorajamento há para os crentes no fato de que

Cristo será o Juiz? 5. A expressão segundo a qual aquele que crê no Filho “não entrará em

condenação” (ou “não entra em juízo”), Jo 5.24, não prova que os crentes não serão

julgados? 6. Segundo a Escritura, que obras entrarão em consideração no juízo final? 7. Se

todos os crentes herdam a vida eterna, em que sentido a sua recompensa será

determinada por suas obras? 8. O propósito do juízo é dar a Deus um melhor

conhecimento dos homens? 9. Qual o seu propósito? 10. Os homens se perderão

definitivamente só pelo pecado de rejeitar conscientemente a Cristo?

BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA: Bavinck, Geref. Dogm. IV, p. 777-815; Kuyper,

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