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7/25/2019 88. O poder de controle empresarial, suas potencialidades e limitaoes na ordem jurdica - o caso das correspond
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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE MINAS GERAISFaculdade Mineira de Direito
Programa de Ps-Graduao em Direito
O PODER DE CONTROLE EMPRESARIAL: suas
potencialidades e limitaes na ordem jurdica -
o caso das correspondncias eletrnicas
Tatiana Bhering Serradas Bon de Sousa Roxo
Belo Horizonte2009
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Tatiana Bhering Serradas Bon de Sousa Roxo
O PODER DE CONTROLE EMPRESARIAL: suaspotencialidades e limitaes na ordem jurdica - o
caso das correspondncias eletrnicas
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao da Faculdade Mineira de Direito daPontifcia Universidade Catlica de MinasGerais, como requisito parcial para obtenodo ttulo de Mestre em Direito do Trabalho.
Orientador: Prof. Dr. Maurcio Godinho Delgado
Belo Horizonte
2009
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FICHA CATALOGRFICAElaborada pela Biblioteca da Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais
Roxo, Tatiana Bhering Serradas Bon de SousaR887p O poder de controle empresarial: suas potencialidades e limitaes na ordem
jurdica: o caso das correspondncias eletrnicas / Tatiana Bhering Serradas Bonde Sousa Roxo. Belo Horizonte, 2009.
187f.Orientador: Maurcio Godinho DelgadoDissertao (Mestrado) Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais.
Programa de Ps-Graduao em Direito.
1. Princpio da dignidade da pessoa humana. 2. Direitos fundamentais. 3.Intimidade. 4. Direito privacidade. 5. Poder (Cincias sociais). 6. Mensagenseletrnicas - Controle. I. Delgado, Maurcio Godinho. II. Pontifcia UniversidadeCatlica de Minas Gerais. Programa de Ps-Graduao em Direito. III. Ttulo.
CDU: 331.1
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Tatiana Bhering Serradas Bon de Sousa Roxo
O PODER DE CONTROLE EMPRESARIAL: suas potencialidades e limitaesna ordem jurdica - o caso das correspondncias eletrnicas
Dissertao defendida e aprovada com mdiafinal igual a 100 (cem) pontos, como requisitopara a obteno do ttulo de Mestre em Direito,rea de concentrao Direito do Trabalho, junto
Faculdade Mineira de Direito PontifciaUniversidade Catlica de Minas Gerais.
__________________________________________________________
Prof. Doutor Maurcio Godinho Delgado (Orientador) PUC MINAS
__________________________________________________________
Prof. Doutor Jos Roberto Freire Pimenta PUC MINAS
__________________________________________________________
Prof. Doutor Manuel Galdino da Paixo Jnior UFMG
Belo Horizonte, 2009.
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Ao meu pai, Jos Luis
Por ser exemplo de pai, amigo e excelente
profissional, que sempre me inspirou e me
ensina lies valiosas todos os dias. Pelo
imenso carinho e amor.
minha me Etelvina Maria
Por ser a minha incentivadora, sempreacreditando nos meus sonhos e me
ajudando a concretiz-los, com muito amor.
Ao Fabrcio
Pela compreensoe pelo companheirismo.
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AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Maurcio Godinho Delgado, pelas aulas ministradas na
graduao que a mim despertaram o interesse pela rea trabalhista e pela
atividade acadmica, que culminaram em meu ingresso no Mestrado. Por ter me
aceitado como orientanda, e incentivado-me em todos os momentos. Pela
dedicada orientao.
Aos funcionrios do Mestrado, pela pacincia e dedicao, sempre prontos
a atender os meus anseios.
Aos professores da PUC Minas, especialmente ao Professor Jos Roberto
Freire Pimenta, pelas aulas fascinantes e enriquecedoras; ao Professor Luiz
Otvio Linhares Renault, pelas lies que nos encorajam a acreditar em um
Direito do Trabalho mais humano; ao Professor Mrcio Tulio Viana, pela viso
social e entusiasta do direito trabalhista, que enriquece as aulas.
Aos colegas do Mestrado, por compartilharem a passagem pela Academia
e, em especial, Mirella Muniz, amiga que ganhei ao ingressar no Mestrado, que
continua me acompanhando em todos os momentos e, apoiando-me,
incondicionalmente, nesta caminhada.
s amigas da PUC MINAS pelo incentivo, carinho e, principalmente, pela
pacincia.
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RESUMO
A presente dissertao tem como objetivo principal analisar a fiscalizao das
correspondncias eletrnicas, luz do princpio da dignidade da pessoa humana,
dos direitos intimidade e privacidade, bem como, das prerrogativas
empresariais. A princpio, ser analisada a dignidade da pessoa humana; a sua
evoluo histrica e conceitual; o seu contedo; o seu tratamento como norma
fundamental; a incidncia da dignidade nas relaes particulares, e o seu
tratamento no mbito constitucional e trabalhista. Em seguida, ser analisada a
evoluo dos direitos de personalidade, em especial a intimidade e a privacidade,
e a proteo dada s correspondncias eletrnicas ao longo das constituiesbrasileiras. Reconhece-se a aplicao dos direitos fundamentais s relaes
particulares, em especial as trabalhistas, atravs da horizontalizao dos direitos
fundamentais. Feito isto, mister ressaltar a caracterizao do poder de controle
empresarial, suas caractersticas e prerrogativas, bem como, as limitaes que
encontra no ordenamento jurdico. Com o intuito de sopesar os direitos em conflito
diante da fiscalizao dos e-mails, a resoluo de casos concretos ser objeto de
apreciao. Diante do estudo realizado, afirma-se que a fiscalizao deve ser feitade forma razovel, obedecendo a determinadas limitaes, sendo respeitado,
primeiramente, o princpio da dignidade da pessoa humana.
Palavras-chave: Princpio da Dignidade da Pessoa Humana. Direitos
fundamentais. Intimidade. Privacidade. Poder de controle empresarial.
Correspondncias eletrnicas.
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LISTA DE ABREVIATURAS
Art. Artigo
Cap. Captulo
Ed.
Inc.
Edio
Inciso
N. Nmero
P. Pgina
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LISTA DE SIGLAS
ADPF Arguio de Descumprimento de Preceito Fundamental
CCB Cdigo Civil Brasileiro
CPC
CR/88
CUT
Cdigo de Processo Civil
Constituio da Repblica de 1988
Central nica dos Trabalhadores
DJMG
HSBC
Dirio da Justia de Minas Gerais
HongKong and Shanghai Banking Corporation
NCC Novo Cdigo Civil
OIT Organizao Internacional do Trabalho
ONU Organizao das Naes Unidas
RIP Regulamentation of Investigatory Power
STF Supremo Tribunal Federal
TRT Tribunal Regional do Trabalho
TST
UNESCO
Tribunal Superior do Trabalho
Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e
a Cultura
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SUMRIO
1. INTRODUO..............................................................................................
2. A PESSOA HUMANA E A TUTELA DE SUA DIGNIDADE: MBITO
CONSTITUCIONAL E MBITO JUSTRABALHISTA......................................
11
16
2.1 Evoluo da dignidade da pessoa humana...........................................
2.2 Dignidade da pessoa humana: contedo...............................................
2.3 A dignidade da pessoa humana como norma fundamental.................
2.4 A incidncia da dignidade da pessoa humana nas relaes
particulares......................................................................................................
2.5 mbito constitucional e mbito justrabalhista....................................
16
27
40
51
54
3. DIREITOS DA PERSONALIDADE (INTIMIDADE E PRIVACIDADE) NA
SEARA LABORAL........................................................................................... 60
3.1 Direitos de personalidade traos evolutivos....................................... 60
3.2 Intimidade e privacidade: origem histrica e tratamento jurdico...... 72
3.3 A tutela jurisdicional das correspondncias nas constituies
brasileiras........................................................................................................ 91
3.4 A tutela jurisdicional da intimidade e da privacidade dos
trabalhadores.................................................................................................. 93
3.5 A horizontalizao dos direitos fundamentais...................................... 101
4. PODER FISCALIZATRIO EMPRESARIAL: SUAS POTENCIALIDADES
E LIMITAES NA ORDEM JURDICA.......................................................... 1154.1 Poder fiscalizatrio empresarial: caracterizao................................... 115
4.2 Potencialidades e prerrogativas do Poder fiscalizatrio
empresarial....................................................................................................... 126
4.3 Limitaes do Poder fiscalizatrio empresarial..................................... 129
4.4 Protees trabalhistas e prerrogativas empresariais a coliso dos
direitos fundamentais..................................................................................... 137
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5. A COMUNICAO PESSOAL E PROFISSIONAL DO TRABALHADOR
NA EMPRESA: ADEQUAO JURDICA ENTRE AS PROTEES
CONSTITUCIONAIS E LEGAIS PESSOA HUMANA EM CONFRONTO
COM AS PRERROGATIVAS EMPRESARIAIS O CASO DAS
CORRESPONDNCIAS ELETRNICAS........................................................ 150
5.1 A nova fiscalizao............................................................................... 150
5.2 Correspondncia eletrnica: repercusses jurdicas........................... 153
5.3 Anlise de situaes concretas.............................................................. 157
5.4 Formas de adequao: como solucionar o conflito?............................
6. CONCLUSO...............................................................................................
REFERNCIAS.................................................................................................
162
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1. INTRODUO
O desenvolvimento tecnolgico que vem acontecendo nos ltimos
tempos est mudando as relaes entre os homens e, nessa percepo,
encaixam-se as relaes de trabalho, que sofrem modificaes diante dessa
nova realidade. A partir da, surgem novas questes que ainda no esto
pacificadas, como o caso do poder de controle que o empregador pode
exercer sobre as correspondncias eletrnicas de seus empregados. A
pesquisa contribuiu para mostrar a importncia da dignidade da pessoa
humana, da intimidade e da privacidade dos empregados e os limites que
devem ser impostos ao poder de controle dos empregadores.A desenfreada globalizao e a constante evoluo tecnolgica pela
qual a sociedade passa modificaram, e continuam modificando
significativamente as relaes sociais, principalmente as trabalhistas. O direito
no evolui com a mesma rapidez que as novas ferramentas tecnolgicas de
trabalho so inseridas no ambiente laboral. O direito evolui a partir do momento
em que a sociedade apresenta novas situaes, novos conflitos, aos
operadores do direito. A partir da, a doutrina instigada a produzir e ajurisprudncia comea a se solidificar em determinada direo.
possvel resolver conflitos que ainda no foram regulados pelo
ordenamento jurdico atravs de normas e princpios j existentes, que
abrangem situaes diversas. A Constituio da Repblica de 1988 instituiu um
Estado Democrtico de Direito, pautado principalmente na valorizao da
dignidade da pessoa humana.
A dignidade da pessoa humana ir permear o estudo do captulo 2devido importncia da sua aplicao em diversas situaes, de forma a
garantir o cumprimento da Carta Magna.
Nesse captulo ser feita uma breve exposio acerca da evoluo do
princpio da dignidade da pessoa humana, no s da aplicabilidade como da
progressiva normatizao desse princpio, principalmente nas Constituies
Brasileiras.
Ser analisada a evoluo da dignidade da pessoa humana no
pensamento ocidental, passando pelos conceitos dados ao longo da evoluo
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da sociedade. O iderio cristo, ponto de partida para a identificao da
dignidade da pessoa humana, ser abordado, bem como o seu tratamento no
Cristianismo.
A contribuio do pensamento iluminista do Sculo XVII para a
introduo da racionalidade humana ser analisada, da mesma forma que a
considervel contribuio de Kant, atravs de seus imperativos categricos.
Ser destacada a introduo da dignidade da pessoa humana nos
diplomas normativos. Aps a barbrie acontecida na Segunda Guerra Mundial,
as constituies democrticas passam a incluir a proteo dignidade da
pessoa humana em seus textos, contribuindo de forma significativa para a
evoluo da sua proteo e valorizao.A Carta Magna de 1988 promulgada instituindo um Estado
Democrtico de Direito e alando a dignidade da pessoa humana a
fundamento, princpio e objetivo da ordem democrtica atual. Neste momento o
Brasil evolui significativamente em relao proteo aos direitos
fundamentais.
Ainda no captulo 2, ser analisado o contedo da dignidade da pessoa
humana atravs da contribuio de diversos autores que debatem o tema. Serressaltada a importncia de existir um contedo minimamente definido, para
que exista uma maior efetividade na sua aplicao, sob pena da dignidade da
pessoa humana ser tutelada apenas como uma regra moral.
Ser objeto do estudo o tratamento da dignidade da pessoa humana
como norma fundamental, bem como sua condio como norma jurdica,
atuando, principalmente, como princpio jurdico basilar de todo o ordenamento
jurdico.Passa-se, ento, a tratar da incidncia da dignidade da pessoa humana
nas relaes particulares, sendo concentrado o estudo na possibilidade de
relativizao dos direitos fundamentais e na aplicao da ponderao s
situaes concretas. Ser evidenciado o fato de que, nas relaes particulares,
nem sempre se depara com seres iguais, ao revs, na maioria das vezes se
encontram seres desiguais, como o caso das relaes laborais.
Posteriormente, trata-se da aplicao da dignidade da pessoa humana
no mbito constitucional e no mbito justrabalhista. Ser estudada a incidncia
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do princpio da dignidade da pessoa humana nas relaes laborais, bem como,
as normas que garantem a sua proteo nesta rea.
Ser demonstrado que o empresariado deve respeitar a dignidade da
pessoa humana dos trabalhadores, uma vez que os mesmos no se despem
desta caracterstica ao celebrar o contrato de trabalho, sendo certo que a
dignidade inerente ao ser humano, alm de ser irrenuncivel.
No captulo 3, sero analisados os direitos de personalidade,
principalmente a intimidade e a privacidade, bem como, a proteo das
correspondncias eletrnicas nas constituies brasileiras. A priori ser
destacada a evoluo dos direitos de personalidade, passando anlise da
evoluo histrico-jurdica da intimidade e da privacidade.Uma das formas mais primitivas de proteo intimidade a proteo
s correspondncias, no s atravs de leis, como atravs das constituies,
conforme restar evidenciado no decorrer do captulo 3.
A tutela da intimidade e da privacidade dos trabalhadores ser objeto de
estudo, bem como a sua importncia dentro do contexto da relao de
emprego, em que os empregados encontram-se em situao desigual e
hipossuficiente em relao aos empregadores e s novas formas fiscalizatriascolocadas disposio da sociedade.
Por fim, ser abordada a horizontalizao dos direitos fundamentais,
teoria de extrema importncia para o presente estudo, que surgiu no ano de
1961, na Alemanha. Insta destacar a teoria da eficcia imediata, a teoria da
eficcia mediata e a teoria dos deveres de proteo do estado. Alexy concilia
as teorias supracitadas e contribui para a incidncia dos direitos fundamentais
nas relaes particulares, conforme ser demonstrado. Sero destacadoselementos que contriburam para a incidncia dos direitos fundamentais nas
relaes particulares, quais sejam: a transio do Estado Liberal para o Estado
Social; a constatao de que o poder no fenmeno exclusivo do Estado,
mas tambm da sociedade; e o reconhecimento da dimenso objetiva dos
direitos fundamentais.
No captulo seguinte, ser estudado o Poder de controle empresarial,
elemento de extrema importncia para a anlise das situaes de coliso entre
este poder e os direitos fundamentais dos trabalhadores. At que ponto o
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exerccio desse poder pode ser feito sem agredir as limitaes que a ordem
jurdica impe-lhe, de forma a respeitar os princpios da dignidade humana, da
intimidade e da privacidade de seus empregados.
O Poder fiscalizatrio das empresas permite que estas exeram um
Poder de controle sobre os seus empregados. Esse poder dotado de
potencialidades, mas tambm, encontra limitaes impostas pela ordem
jurdica e pelos princpios norteadores do Direito do Trabalho assim como do
Direito Constitucional. Ser analisado de que forma o empregador pode
fiscalizar o empregado, sem agredir-lhe a dignidade da pessoa humana e
invadir a sua privacidade, especialmente, no caso das correspondncias
eletrnicas.Primeiramente ser feita uma anlise do fenmeno do poder, passando
ao estudo do poder empresarial e, posteriormente, ao estudo do poder
fiscalizatrio especificamente. A partir da, sero estudadas as potencialidades
e prerrogativas encontradas na ordem jurdica, que legitimam o exerccio do
Poder de controle dos empregadores. Para tanto, sero analisadas normas
constitucionais que legitimam a prerrogativa dos empregadores de organizar,
dirigir e fiscalizar a atividade empresria.As limitaes a este poder tambm sero objeto de estudo, sendo
debatido que tais limites, de certa forma, legitimam o poder de controle, uma
vez que afastam uma eventual arbitrariedade no seu exerccio. Limites estes
que sero encontrados em normas constitucionais, trabalhistas e, at mesmo,
em regulamentos criados pelos prprios empresrios.
Por fim, o captulo 4 passar a cuidar das colises decorrentes das
protees trabalhistas e das prerrogativas empresariais. Quando o exerccio dopoder de controle empresarial encontra limitaes nos direitos fundamentais
dos trabalhadores, ocorre uma coliso de direitos fundamentais. Como ser
constatado, tais casos devero ser analisados luz do princpio da
proporcionalidade, sendo utilizada a tcnica da ponderao.
No captulo 5, as novas formas de fiscalizao introduzidas com os
avanos tecnolgicos pelos quais a sociedade vem passando sero objeto de
estudo. As correspondncias eletrnicas, instrumento inserido nas relaes
laborais e, atualmente, principal meio de comunicao dentro das empresas,
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sero estudadas. As diferenciaes existentes nesta nova forma de
comunicao e suas repercusses no ordenamento jurdico sero objeto de
debate e contribuiro para a anlise das situaes concretas que ser feita a
posteriori.
Com o intuito de analisar as respostas que tm sido dadas sociedade
no que diz respeito fiscalizao das correspondncias eletrnicas, sero
analisados casos concretos, de forma a esclarecer qual a linha dos
operadores de direito e quais fundamentos vm sendo utilizados para embasar
as decises.
Finalmente, sero estudadas formas de adequao propostas por
diversos autores entre o poder de controle e a preservao da intimidade e daprivacidade dos trabalhadores.
O tema escolhido controvertido, ou seja, no existe ainda uma soluo
pacfica e amplamente aceita nos tribunais, os julgados acerca do tema so
recentes, at mesmo por ser uma questo nova. Assim, as correntes
doutrinrias procuram expor solues com justificativas plausveis, uma vez
que no existem normas na legislao brasileira que tratem especificamente da
violao dos e-mailsnas relaes de trabalho.O objetivo do presente trabalho estabelecer de que forma poder ser
realizada a fiscalizao das correspondncias eletrnicas, sem que a
intimidade e a privacidade dos trabalhadores sejam violadas, sendo respeitado
o princpio da dignidade da pessoa humana princpio supremo do
ordenamento jurdico brasileiro.
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2. A PESSOA HUMANA E A TUTELA DE SUA DIGNIDADE: MBITO
CONSTITUCIONAL E MBITO JUSTRABALHISTA
A princpio, ser analisada a evoluo da dignidade da pessoa humana,
sendo esclarecido, na medida do possvel, o seu contedo, bem como a sua
positivao como norma fundamental, chegando, finalmente, ao seu tratamento
no ordenamento jurdico constitucional e trabalhista.
2.1 Evoluo da dignidade da pessoa humana
O princpio da dignidade da pessoa humana de extrema importncia
no ordenamento jurdico brasileiro, sendo considerado o princpio que limita e,
de certa forma, regula todas as relaes existentes na sociedade,
principalmente a relao trabalhista. Ressalta-se, assim, a sua evoluo no
pensamento ocidental.O conceito da dignidade humana, analisado sob o prisma do valor
intrnseco da pessoa humana, iniciou-se, como prope Ingo Sarlet1, no
pensamento clssico e no iderio cristo. O autor afirma que, tanto no Antigo
como no Novo testamento, so encontradas referncias que revelam que o ser
humano foi criado imagem e semelhana de Deus. De tal premissa o
cristianismo extraiu a seguinte consequncia: o ser humano dotado de um
valor intrnseco e deve ser respeitado, no pode ser tratado como mero objeto2
.O ser humano no deve ser considerado um meio para obter um fim, mas sim,
um fim em si mesmo.
Segundo Maria Celina Bodin de Moraes, o desenvolvimento da
dignidade da pessoa humana no iderio cristo baseou-se em dois
fundamentos:
1
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais naConstituio Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed. 6, 2008, p.30.2SARLET, 2008, p. 30.
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o homem um ser originado por Deus para ser o centro da criao;como ser amado por Deus, foi salvo de sua natureza originria,atravs da noo de liberdade de escolha, que o tonra capaz detomar decises contra o seu desejo natural.3
Helder Martinez afirma que a dignidade da pessoa humana:
[...] surge com a derrogao das leis de Talio e outros legisladoresda Antiguidade, pelos preceitos trazidos a lume pelo cristianismo, nasmximas uniformizadoras do bem proceder, que ditam o amar aoprximo como a si mesmo e o fazer ao prximo todo o bem quegostareis que vos fizessem e no lhe fazer o mal que no gostareisque vos fosse feito.4
Com o advento do Cristianismo, pela primeira vez o homem passou aser valorizado de forma individual, e a salvao, pela primeira vez, no s era
individual, como dependia de uma deciso pessoal5.
A tradio do pensamento cristo enfatiza que cada homem relaciona-se
com um Deus, que tambm pessoa6, assim, chega-se concepo do ser
humano como um ser distintivo, uma vez que dotado de conscincia e razo.
Na Encclica Rerum Novarum, de 1891, Leo XIII j funda seus
ensinamentos na necessidade de respeito dignidade do homem,
evidenciando como uns dos princpios relativos a tal mxima os princpios
referentes dignidade do trabalhador7. Leo XIII alia ao sentido de valorizao
do homem, a valorizao do trabalho, chegando, assim, valorizao do
homem enquanto ser trabalhador.
No pensamento filosfico e poltico da antiguidade clssica, a dignidade
dizia respeito ao grau de reconhecimento perante aos demais membros da
comunidade e posio social ocupada pelo indivduo8. Nessa poca havia a
3MORAES, Maria Celina Bodin de. O conceito de dignidade humana: substrato axiolgico econtedo normativos, in SARLET, Ingo Wolfgang. Constituio, direitos fundamentais edireito privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 113.4DAL COL, Helder Martinez. O princpio da dignidade da pessoa humana, o direito ao trabalhoe a preveno da infortunstica. So Paulo: Revista de Direito do Trabalho, n. 111, jul./set.2003, p. 235.5 BARCELLOS, Ana Paula de. Normatividade dos princpios e o princpio da dignidade dapessoa humana na constituio de 1988. Rio de Janeiro: Revista de Direito Administrativo,Ed. Renovar n. 221, jul./ago./set. 2000, p. 160.6 GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. O princpio constitucional da dignidade da pessoahumana e a flexibilizao da legislao trabalhista. So Paulo: Revista de Direito
Constitucional e Internacional, v. 11, n. 44, jul./set. 2003, p. 94.7GOMES, 2003, p. 118.8SARLET, 2008, p. 30.
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gradao da dignidade: o sujeito era mais ou menos digno que as demais
pessoas de sua convivncia.
Os gregos no conheciam a dignidade da pessoa singular. Contudo,
Aristteles exaltava o homem, quando perfeito, como o melhor ser de todos os
animais, mas, quando afastado do direito e da justia, como o pior de todos9.
J no pensamento estico, a dignidade era vista de forma diversa, a
dignidade era tida como a qualidade que, por ser inerente ao ser humano,
distinguia-o das demais criaturas, no sentido de que todos os seres humanos
so dotados da mesma dignidade10. Esta noo encontra-se ligada idia de
liberdade pessoal dos indivduos, sendo o homem um ser livre e responsvel, e
tambm idia de que todos os seres humanos, no que diz com a suanatureza, so iguais em dignidade11.
Dinaura Godinho Gomes assinala que, para os esticos, o homem
conduzia a sua vida segundo as leis da natureza, uma vez que fazia parte da
natureza csmica e seguia os ditames da razo12. Os esticos propunham que
existia uma lei comum na natureza baseada na razo, e que tal lei era vlida
universalmente, em todo o cosmo13.
Ccero, um dos principais expoentes do estoicismo, defendia a idia deque a mente e a razo do ser humano inteligente eram o padro que iria medir
a justia e a injustia, e acreditava ser a justia inerente ao ser humano14.
Como ressalta Dinaura Godinho Gomes, a idia de justia dos esticos
acabou por influenciar os movimentos contrrios discriminao, inclusive
escravido. Segundo a autora,
Estavam convencidos os filsofos esticos de que os homens soessencialmente iguais, razo por que as discriminaes entre eles,por conta do sexo, classe, raa ou nacionalidade eram injustas econtrrias lei da natureza. Tal idia de igualdade foi transplantadano terreno da filosofia poltica e na jurisprudncia do Imprio Romano,o que, gradualmente, determinou mudanas no que concerne sconcepes referentes escravido.15
9GOMES, 2003, p. 94.SARLET, 2008, p. 30.
SARLET, 2008, p. 30.
12GOMES, 2003, p. 94.13
GOMES, 2003, p. 94.14GOMES, 2003, p. 94.15GOMES, 2003, p. 94.
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Logo na primeira fase do cristianismo, o Papa So Leo Magno contribui
para a evoluo da dignidade da pessoa humana, como ensina Sarlet, com a
seguinte idia:
[...] os seres humanos possuem dignidade pelo fato de que Deus oscriou sua imagem e semelhana, e que, ao tornar-se homem,dignificou a natureza humana, alm de revigorar a relao entre oHomem e Deus mediante a voluntria crucificao de Jesus Cristo16.
Anicio Manlio Severino Bocio, no perodo inicial da Idade Mdia,
elaborou um conceito novo de pessoa que acabou por influenciar a noo
moderna de dignidade da pessoa humana. Bocio definiu a pessoa como
substncia individual de natureza racional17. So Toms de Aquino foi
influenciado por Bocio e chegou a utilizar o termo dignitas humana18.
No perodo da Renascena, o italiano Giovanni Pico della Mirandola, um
dos mais notveis representantes do renascentismo, exaltou a racionalidade
como qualidade essencial e peculiar do ser humano, e advogou ser esta a
qualidade que lhe possibilita construir de forma livre e independente sua
prpria existncia e seu prprio destino19. O discurso de Giovanni, chamado
Oratio de Hominis Dignitate, foi considerado um marco do renascimento
humanista, datado de 1486, poca em que o italiano era um jovem com apenas
23 anos20.
Como ensina Sarlet, o jovem italiano Giovanni, ao justificar a
superioridade do homem em relao aos demais seres, afirmou que,
[...] sendo criatura de Deus, ao homem (diversamente dos demaisseres, de natureza bem definida e plenamente regulada pelas leisdivinas) foi outorgada uma natureza indefinida, para que fosse seuprprio rbitro, soberano e artfice, dotado da capacidade de ser eobter aquilo que ele prprio quer e deseja.21
16SARLET, 2008, p. 31.17BOCIO apud SARLET, 2008, p.31.18SARLET, 2008, p. 32.19
SARLET, 2008, p. 32.20MORAES, 2006, p. 114.21SARLET, 2008, p. 32.
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A noo encontrada no Antigo e no Novo testamento22 foi afirmada por
Toms de Aquino, que acentuou a idia de que o ser humano existe em funo
da sua vontade, exaltando a capacidade de autodeterminao da natureza
humana. So Toms de Aquino, influenciado pelas idias de Aristteles e
Ccero, propunha que o homem, por sua vontade constante, d a cada um
aquilo que lhe pertence23.
So Toms de Aquino entendia que, pela justia distributiva, cada um
vai receber aquilo que lhe devido, diante da sua posio pessoal na
comunidade, coisas diversas so proporcionadas a pessoas diversas, na
proporo de sua dignidade pessoal24. Dinaura Godinho Gomes destaca, ainda
na concepo tomista, a alteridade e o dever como propriedades essenciais dajustia, existindo a exigncia de um dever: ser justo prestar o devido a
algum25.
Ingo Sarlet ressalta a importante contribuio do espanhol Francisco de
Vitria para a construo da noo da dignidade da pessoa humana. Segundo
Sarlet, no sculo XVI, o espanhol sustentou, relativamente ao processo de
aniquilao, explorao e escravizao dos habitantes ndios e baseado no
pensamento estico e cristo,
[...] que os indgenas, em funo do direito natural e de sua naturezahumana eram em princpio livres e iguais, devendo ser respeitadoscomo sujeitos de direitos, proprietrios e na condio de signatriosdos contratos firmados com a coroa espanhola.26
No sculo XVII, com o movimento iluminista, a religiosidade deixou de
ser o centro do sistema de pensamento, e foi substituda pelo prprio homem,
assim, inicia-se um pensamento centrado na racionalidade humana. SegundoAna Paula de Barcellos, esta mudana de paradigma resultou no fato de que:
O desenvolvimento terico do humanismo acabara por redundar emum conjunto de consequncias relevantes para o desenvolvimento daidia de dignidade humana, como a preocupao com os direitos
22Referente noo de que o homem foi feito imagem e semelhana de Deus, anteriormentedestacada.23GOMES, 2003, p. 95.24
GOMES, 2003, p. 95.25GOMES, 2003, p. 95.26SARLET, 2008, p. 32.
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individuais do homem e o exerccio democrtico do poder. Comefeito, a regra majoritria era a frmula capaz de realizar a igualdadeessencial de cada homem no mbito da delibrao poltica.27
O pensamento de Immanuel Kant, nos sculos XVII e XVIII, perodo emque houve um processo de racionalizao, deve ser destacado. Com a
concepo kantiana da dignidade da pessoa humana, os traos religosos foram
abandonados sem, contudo, desconsiderar a profunda influncia do
pensamento cristo, principalmente a acepo desenvolvida por So Toms
de Aquino e Bocio.
Em 1788, com a Crtica da Razo Prtica, Kant reconstruiu a moralidade
em novas bases, criou o imperativo categrico, que deve valeruniversalmente, para toda e qualquer ao moral28. O imperativo categrico de
Kant se traduz na seguinte sentena: Age de tal modo que a mxima de tua
vontade possa sempre valer simultaneamente como um princpio para uma
legislao geral29. O imperativo categrico de Kant orientado pelo valor
supremo da dignidade da pessoa humana.
Kant ressaltou que o ser humano no poderia ser tratado como um mero
instrumento, objeto, o homem um fim em si mesmo30. Sua concepo de
dignidade considera a autonomia tica do ser humano como o fundamento da
dignidade do homem. Ainda,
[...] Kant sinala que a autonomia da vontade, entendida como afaculdade de determinar a si mesmo e agir em conformidade com arepresentao de certas leis, um atributo apenas encontrado nosseres racionais, constituindo-se no fundamento da dignidade danatureza humana.31
Immanuel Kant afirma que quando uma coisa tem um preo, ela pode
ser substituda por outra coisa que contenha um preo equivalente, isso
acontece no reino dos fins. Entretanto, quando uma coisa no tem preo, mas
27BARCELLOS, 2000, p. 160.28MORAES, 2006, p. 115.29
MORAES, 2006, p. 115.30Idia j destacada pelo cristianismo.31SARLET, 2008, p. 33.
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est acima do preo e no pode ser substituda, no possui equivalente, ela
tem dignidade32. Neste sentido, Kant destaca que:
Aquilo que se relaciona s inclinaes e s necessidades gerais dohomem tem um preo de mercado; (...) mas aquilo que constitui acondio necessria pela qual alguma coisa possa ser um fim em simesma, no tem um valor relativo, ou um preo, mas um valorintrnseco, que a dignidade.33(grifos nossos)
Para Kant, o Direito e o Estado devero estar organizados em benefcio
dos indivduos e necessrio que exista uma separao dos poderes, alm de
uma generalizao do princpio da legalidade como forma de assegurar aos
homens a liberdade de perseguirem seus projetos individuais34
.Assim, possvel afirmar que Kant considera o homem universalmente
em funo de sua autonomia, como um fim em si mesmo, nunca como um
intrumento para atingir determinado fim, que possui valor inestimvel e
inaprecivel. Othon de Azevedo Lopes destaca como desdobramentos ticos e
morais da proposta de Kant as seguintes proposies:
[...] 1) a impossibilidade de se coisificar o homem, relativizando-o oumensurando-o; 2) a indisponibilidade de tal condio; 3) atransformao do ser humano em meio quando seus direitosfundamentais so violados; 4) a necessidade de se promover ahumanidade como um fim em si mesma; 5) a constituio de umacomunho de fins para a promoo da felicadade do indivduo; e 6) aafirmao da dignidade da pessoa humana como um princpiosupremo.35(grifos nossos)
A doutrina nacional e internacional fundamenta e conceitua a dignidade
da pessoa humana atualmente com base no pensamento kantiano. Tal
pensamento est sujeito crtica de conter um antropocentrismo exacerbado,uma vez que leva em considerao apenas os seres racionais. Entretanto,
atualmente, cada vez mais fala-se em proteo aos demais seres vivos, ao
meio ambiente, a todos os recursos naturais, assim, pode-se falar em uma
32SARLET, 2008, p. 34.33 KANT, Immanuel apud LOPES, Othon de Azevedo. Dignidade da pessoa humana eresponsabilidade civil. Rio de Janeiro: Revista de Direito Administrativo, Ed. Renovar, n. 238,
out./dez. 2004, p. 209.34BARCELLOS, 2000, p. 161.35LOPES, 2004, p. 211.
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dimenso ecolgica da dignidade da pessoa humana36. Tema este que no
ser objeto do presente trabalho.
O desenvolvimento do pensamento kantiano incentivou bastante a
produo jurdica. Entretanto, existiram diversos contrapontos, dentre eles, o
desenvolvido por Hegel. Expoente do idealismo filosfico alemo do sculo
XIX, Hegel sustentava que a dignidade no nasce com o ser humano, mas que
o ser humano torna-se digno, no momento em que assume sua condio de
cidado37.
Hegel prope que a dignidade advm de um reconhecimento,
especificamente no fato de que cada um deve ser pessoa, ser racional, e
respeitar os demais como pessoas, seres racionais38. A despeito de possuirpontos em comum com o pensamento de Kant, a acepo proposta por Hegel
afasta da dignidade da pessoa humana as qualidades inerentes a todos os
seres humanos, alm de no utilizar como principal pressuposto a
racionalidade39.
A evoluo da dignidade da pessoa humana foi tratada por diversas
acepes: desde o pensamento jusnaturalista, passando pela acepo crist e
humanista e, finalmente, pelo pensamento kantiano, continuando adesenvolver-se at os tempos atuais.
Uma das primeiras e mais importantes referncias feitas ao princpio da
dignidade da pessoa humana, na qualidade de princpio jurdico, consta da
Declarao Universal dos Direitos do Homem, de 10.12.1948, aprovada pela
Assemblia Geral da ONU realizada em Paris, onde a dignidade aparece como
base da liberdade, da justia e da paz40. A Declarao trata da dignidade em
seu prembulo, em seu artigo primeiro, e, j em seu artigo XXIII, a dignidadeda pessoa humana vinculada ao trabalho.
Influenciado pela Declarao Universal dos Direitos do Homem, o
primeiro diploma a se manifestar sobre a dignidade da pessoa humana, foi a
Lei Fundamental de Bonn, de 23 de maio de 1949, tambm influenciada pela
36SARLET, 2008, p. 35.37SARLET, 2008, p. 38.38
SARLET, 2008, p. 38.39SARLET, 2008, p. 39.40DELGADO, 2004, p. 14.
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Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado, de 26 de agosto de 178941.
Na Lei Fundamental de Bonn a dignidade da pessoa humana foi tratada da
seguinte maneira: A dignidade do homem intangvel. Os poderes pblicos
esto obrigados a respeit-la e proteg-la (art. 1.1)42.
Ingo Sarlet, citado por Felipe Kersten e Alessandra Mistrongue, afirma
que somente possvel falar em incorporao dos direitos do homem ordem
constitucional com a positivao dos direitos fundamentais na Declarao
Universal dos Direitos do Homem e do Cidado de 178943.
Um momento marcante para a evoluo da dignidade da pessoa
humana foi o final da Segunda Guerra Mundial. Todo o horror acontecido, a
completa perda da noo da dignidade da pessoa humana, chocou e, de certaforma, transtornou todas as convices que aparentemente eram universais.
Como ressalta Ana Paula de Barcellos, a terrvel facilidade com que milhares
de pessoas (...) abraaram a idia de que o extermnio puro e simples de seres
humanos podia consistir em uma poltica vlida de governo ainda choca44.
A reao a tais acontecimentos acabou por contribuir muito para a
evoluo da dignidade da pessoa humana. Neste sentido, Ana Paula de
Barcellos afirma que:
A reao barbrie do nazismo e dos fascismos em geral levou, nops-guerra, consagrao da dignidade da pessoa humana no planointernacional e interno como valor mximo dos ordenamentosjurdicos e princpio orientador da atuao estatal e dos organismosinternacionais. Mais importante que isso, talvez, foi, e , apreocupao com a realizao efetiva e generalizada dessadignidade essencial.45(grifos nossos)
Depois da Segunda Guerra Mundial, a dignidade da pessoa humana
passa a fazer parte do ncleo basilar de diversas constituies democrticas:
Constituio da Alemanha de 1949; Constituio Portuguesa de 1976;
41 NOBRE JNIOR, Edilson Pereira. Direito brasileiro e o princpio da dignidade da pessoahumana. Rio de Janeiro: Revista de Direito Administrativo, Ed. Renovar n. 219, jan./fev./mar.2000, p. 238.42NOBRE JNIOR, 2000, p. 238.43SARLET, Ingo Wolfgang apud KERSTEN, Felipe de Oliveira; e MISTRONGUE, AlessandraLoyola. A invaso de privacidade: a violao de e-mails nas relaes de trabalho luz daordem jurdico-constitucional brasileira. So Paulo: Revista LTr, Legislao do Trabalho, Ano
68, mar. 2004, p. 312.44BARCELLOS, 2000, p. 161.45BARCELLOS, 2000, p. 162.
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Constituio Espanhola de 197846. Nestas constituies, a dignidade da
pessoa humana foi tratada como fundamento da ordem social e poltica de
seus respectivos Estados.
A primeira constituio brasileira a tratar da dignidade foi a Constituio
de 1946 que apenas a relacionou ao trabalho, assegurando a todos trabalho
que possibilite existncia digna47. As Constituies de 1967 e 1969
mantiveram a dignidade da pessoa humana apenas com relao ao trabalho.
A partir da Constituio da Repblica de 1988 a dignidade da pessoa
humana comeou a receber um tratamento completamente diverso, sendo
alada ao ncleo do sistema constitucional, e passando a ser princpio
fundamental de todo o sistema jurdico48.Ao longo do texto constitucional a dignidade da pessoa humana
mencionada diversas vezes, sendo tratada como princpio fundamental;
objetivo da Repblica Federativa do Brasil; alm de ser ressaltada nos ttulos
que tratam da Ordem Econmica, Ordem Social, dentre outros. Como
pontua Maurcio Godinho Delgado, a Constituio de 1988 coloca a dignidade
da pessoa humana como: fundamento da vida no Pas, princpio jurdico
inspirador e normativo, e, ainda, fim, objetivo de toda a ordem jurdica49
.A Carta de Direitos Fundamentais da Unio Europia, assinada em
dezembro de 2000, em Nice, tutela a dignidade da pessoa humana em seu
primeiro artigo: A dignidade da pessoa humana inviolvel. Deve ser
respeitada e protegida, alm de dedicar o seu Captulo I ao assunto50.
A partir do momento em que a dignidade da pessoa humana foi
assegurada em diversos ordenamentos jurdicos, surgiu um esforo por parte
da doutrina para assegurar a realizao prtica das Constituies51
. Aconcepo que at ento vigorava era a de tratar as normas constitucionais
como programas indicativos para o legislador.
46DELGADO, 2004, p. 15.47DELGADO, 2004, p. 15.48DELGADO, 2004, p. 15.49
DELGADO, 2004, p. 16.50MORAES, 2006, p. 117.51BARCELLOS, 2000, p. 162.
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Assim, j na segunda metade do sculo XX, surge um novo discurso
acerca das normas constitucionais: o discurso normativo52. Esse discurso
prope que as normas constitucionais possuem normatividade, so normas
jurdicas53,
[...] e como tais, dirigidas a toda sociedade, em especial ao PoderJudicirio e aos indivduos. Na concepo atual, portanto, as normasconstitucionais so normas jurdicas, isto : so imperativas, existempara realizar-se e esto disposio de todos os jurisdicionados.54
Ana Paula de Barcellos afirma que um dos poucos consensos tericos
que existem nos dias de hoje relacionado ao valor essencial do ser humano,
ressaltando o fato de que a dignidade da pessoa humana, o valor do homem
como um fim em si mesmo, hoje um axioma da civilizao ocidental, e talvez
a nica ideologia remanescente55.
Sarlet pontua que a dignidade da pessoa humana ocupa, at os dias de
hoje, um posicionamento central nas discusses e pesquisas filosficas,
jurdicas e polticas, principalmente nas diversas ordens constitucionais
existentes que pretendem constituir um Estado Democrtico de Direito56.
A dignidade da pessoa humana passou por uma evoluo ao longo dosanos, sendo valorizada cada vez mais, chegando ao ncleo das constituies
democrticas, o que ocorreu no Brasil com a Carta Magna de 1988. Entretanto,
a sua positivao no basta, preciso que o respeito dignidade seja
efetivado e, para que isso acontea, deve-se compreender qual o seu
contedo.
52BARCELLOS, 2000, p. 163.53 O tema no ser objeto de estudo, entretanto, cabe ressaltar que nem todas as normasconstitucionais podem ser consideradas normas jurdicas, in BARCELLOS, 2000, p. 163.54
BARCELLOS, 2000, p.163.55BARCELLOS, 2000, p. 159.56SARLET, 2008, p. 40.
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2.2 Dignidade da pessoa humana: contedo
A tarefa de conceituar a dignidade da pessoa humana , sem dvida
alguma, extremamente difcil de ser concretizada. O que pretende-se
aproximar-se dos principais elementos que integram a dignidade da pessoa
humana, alcanando o seu contedo da melhor forma possvel.
uma tarefa rdua precisar o conceito de dignidade da pessoa humana
de forma a abranger todos os seus efeitos, enquanto norma jurdica
fundamental. No toa Theodor Heuss referiu-se dignidade da pessoa
humana como tese no interpretada57. Os conceitos e palavras, geralmente,utilizados para definir a dignidade da pessoa humana, quase sempre so vagos
e imprecisos e, alm disso, a dignidade da pessoa humana no diz respeito a
um atributo especfico do ser humano, mas a uma caracterstica inerente a todo
ser humano.
Estabelecer as situaes concretas em que a dignidade violada
tarefa muito mais fcil do que construir um conceito jurdico-normativo
completo, para a dignidade da pessoa humana. Ao longo do tempo, ajurisprudncia e a doutrina construram conceitos basilares para definir a
dignidade da pessoa humana.
Ingo Sarlet afirma que o conceito da dignidade da pessoa humana no
poder ser construdo de maneira fixista, uma vez que:
[...] uma definio desta natureza no harmoniza com o pluralismo ea diversidade de valores que se manifestam nas sociedades
democrticas contemporneas, razo pela qual correto afirmar-se(tambm aqui) nos deparamos com um conceito em permanenteprocesso de construo e desenvolvimento58.
O processo de construo e desenvolvimento reclama aos rgos
estatais uma tarefa constante de concretizao da dignidade da pessoa
humana, de forma a sair do plano abstrato, garantindo o seu respeito e punindo
a sua violao. Assim, vo existir consequncias jurdicas, razo pela qual no
57SARLET, 2008, p. 41.58SARLET, 2008, p. 43.
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prescindvel a existncia de uma compreenso jurdica da dignidade humana,
por mais complicada que seja tal tarefa. No mesmo sentido, Sarlet afirma:
No entanto, quando se cuida de aferir a existncia de ofensas dignidade, no h como prescindir na esteira do que lecionaGonzlez Prez de uma clarificao quanto ao que se entende pordignidade da pessoa, justamente para que se possa constatar e, oque mais importante, coibir eventuais violaes.59
A dignidade irrenuncivel, inalienvel, inerente a todo ser humano e,
assim, no advm de um direito a uma prestao. Deve ser respeitada,
promovida, reconhecida, no podendo ser retirada, criada ou adquirida60.
Como ressalta Sarlet,
[...] a dignidade tida como intangvel pelo fato de que assim foidecidido, na medida e no sentido em que se decidiu, o que demonstracomo se pode chegar a resultados to dspares e at mesmoconflitantes entre si, na aplicao concreta da noo de dignidade dapessoa.61
Todos os seres humanos possuem dignidade, inclusive aqueles que
cometem atos infames, punveis, condenveis, no podem ter negada a
proteo e o respeito sua dignidade. Segundo Ingo Sarlet,
Assim, mesmo que se possa compreender a dignidade da pessoahumana na esteira do que lembra Jos Afonso da Silva comoforma de comportamento (admitindo-se, pois, atos dignos e indignos),ainda assim, exatamente por constituir no sentido aqui acolhido atributo intrnseco da pessoa humana (mas no propriamenteinerente sua natureza, como se fosse um atributo fsico!) eexpressar o seu valor absoluto, que a dignidade de todas aspessoas, mesmo daquelas que cometem as aes mais indignas e
infames, no poder ser objeto de desconsiderao.
62
Preceitua a Declarao Universal dos Direitos do Homem, de 1948, em
seu artigo 1, que todos os seres humanos nascem livres e iguais em
dignidade e direitos. Dotados de razo e conscincia, devem agir uns para com
os outros em esprito e fraternidade63.
59SARLET, 2008, p. 45.60SARLET, 2008, p. 44.61
SARLET, 2008, p. 45.62SARLET, 2008, p. 46.63SARLET, 2008, p. 46.
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A Declarao Universal influenciou o Tribunal Constitucional da Espanha
que, em relao dignidade, props que a dignidade um valor espiritual e
moral inerente pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminao
consciente e responsvel da prpria vida e que leva consigo a pretenso ao
respeito por parte dos demais64.
Sarlet cita o alemo Gnter Drig, para quem a dignidade da pessoa
humana consiste no fato de que:
[...]cada ser humano humano por fora de seu esprito, que odistingue da natureza impessoal e que o capacita para, com base emsua prpria deciso, tornar-se consciente de si mesmo, deautodeterminar sua conduta, bem como de formatar a sua existnciae o meio que o circunda.65
A matriz kantiana, que introduziu a noo de autonomia e o direito de
autodeterminao na concepo da dignidade da pessoa humana, continua
influenciando os doutrinadores modernos. Percebe-se tal influncia na
Declarao Universal, bem como nos ensinamentos de diversos doutrinadores,
como Gnter Drig.
Joaquim Jos Gomes Canotilho acolhe a idia do italiano Pico della
Mirandola ao tratar da dignidade da pessoa humana. Como afirma Sarlet, o
autor prope que o princpio material que subjaz noo de dignidade da
pessoa humana seria o princpio antrpico que acolhe a idia pr-moderna e
moderna da dignitas hominis (Pico della Mirandola), ou seja, do indivduo
conformador de si prprio e da sua vida, segundo o seu prprio projeto
espiritual66.
Sarlet ressalta que a autonomia discutida considerada em abstrato,
sendo esta a capacidade que cada um tem de realizar as suas escolhas, de
exercer a autodeterminao. Tal capacidade potencial, no depende da sua
realizao no caso concreto. Assim, o absolutamente incapaz, por exemplo,
possui a mesma dignidade que os seres plenamente capazes67.
64SARLET, 2008, p. 47.65
SARLET, 2008, p. 47.66SARLET, 2008, p. 4767SARLET, 2008, p. 47-48.
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Miguel Reale manifesta-se no sentido de que a dignidade da pessoa
humana um valor inerente natureza do homem, preexistente sua
normatizao, assim, a sua constitucionalizao exatamente a tomada de
conscincia da sua existncia como valor, uma projeo histrica do ser
humano como ser social68.
Existe corrente contrria idia de que a dignidade algo inerente
pessoa humana. Tal corrente prope que a dignidade possui uma dimenso
natural e cultural, que foi construda pela humanidade ao longo dos anos,
sendo fruto de muito trabalho69. A acepo proposta por esta corrente j havia
sido reconhecida pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, e tambm
encontrada em deciso do Tribunal Constitucional de Portugal70.Ingo Sarlet transcreve um trecho da deciso do Tribunal Constitucional
de Portugal que evidencia a adoo da dimenso histrico-cultural da
dignidade da pessoa humana:
[...] a idia de dignidade da pessoa humana, no seu contedoconcreto nas exigncias ou corolrios em que se desmultiplica no algo puramente apriorstico, mas que necessariamente tem queconcretizar-se histrico-culturalmente.71
Sarlet afirma que a dignidade da pessoa humana no tem um contedo
universal e fixo, no existe uma frmula especfica que a verdadeira, uma
vez que se encontra em processo de permanente construo, evoluo e at
mesmo repactuao72.
Acompanhando tal raciocnio, Sarlet cita o alemo Ernst Benda, cujo
pensamento no seguinte sentido: para que a dignidade no se transforme em
apelo tico, impe-se que seu contedo seja determinado no contexto dasituao concreta da conduta estatal e do comportamento de cada pessoa
humana73.
68REALE, Miguel apud GOMES, 2003, p. 98.69SARLET, 2008, p. 48.70SARLET, 2008, p. 48-49.71
SARLET, 2008, p. 49.72SARLET, 2008, p. 49.73SARLET, 2008, p. 49.
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Para Sarlet, a partir das consideraes feitas, possvel concluir que a
dignidade da pessoa humana possui duas funes: limite e tarefa, no s dos
poderes estatais, mas tambm da comunidade, de cada um dos indivduos74.
Em relao dimenso dplice da dignidade limite e tarefa Sarlet,
seguindo a lio de Podlech, assevera que:
[...] na condio de limite da atividade dos poderes pblicos, adignidade necessariamente algo que pertence a cada um e que nopode ser pedido ou alienado, porquanto, deixando de existir, nohaveria mais limite a ser respeitado (este sendo o elemento fixo eimutvel da dignidade). Como tarefa (prestao) imposta ao Estado, adignidade da pessoa reclama que este guie as suas aes tanto nosentido de preservar a dignidade existente, quanto objetivando a
promoo da dignidade, especialmente criando condies quepossibilitem o pleno exerccio e fruio da dignidade, sendo portantodependente (a dignidade) da ordem comunitria, j que de seperquirir at que ponto possvel ao indivduo realizar, ele prprio,parcial ou totalmente, suas necessidades exis-tenciais bsicas ou senecessita, para tanto, do concurso do Estado ou da comunidade (esteseria, portanto, o elemento mutvel da dignidade), constatao estaque remete a uma conexo com o princpio da subsidiariedade, queassume uma funo relevante tambm neste contexto.75 (grifosnossos)
Considerando a dimenso dplice da dignidade da pessoa humana,
mais uma vez evidencia-se a importncia de uma definio do seu contedo
normativo-jurdico, e da imposio de consequncias jurdicas, no caso de
ofensa dignidade. O contedo no deve ser imutvel, ao contrrio, a
evoluo , extremamente, importante, mas deve assegurar a sua observncia
pelos membros da comunidade e pelo Estado.
Sarlet salienta que, reconhecer a dimenso cultural e prestacional da
dignidade no significa afirmar que a dignidade deve ser tratada como uma
prestao, pelo menos no:
[...] naquilo em que se sustenta ser a dignidade no um atributo ouvalor inato e intrnseco do ser humano, mas sim, eminentemente umacondio conquistada pela ao concreta de cada indivduo, nosendo tarefa dos direitos fundamentais assegurar a dignidade, massim, as condies para a realizao da prestao.76
74
SARLET, 2008, p. 49.75SARLET, 2008, p. 50.76SARLET, 2008, p. 50.
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Luhman, tido como principal representante desta corrente, acredita que
o indivduo alcana a sua dignidade a partir do momento que pratica uma
conduta autodeterminada e constri sua identidade com xito77.
Sarlet critica tal concepo e assevera que a mesma no corresponde
s exigncias do estado constitucional, uma vez que mesmo aquele indivduo
que nada presta para os outros, e at para si prprio, no deixa de ter a sua
dignidade, e no perde o direito de ter a sua dignidade respeitada e
protegida78. Como exemplo, pode-se citar o nascituro e o absolutamente
incapaz, ambos possuem dignidade e esta deve ser respeitada.
Alm disso, Sarlet entende que a tarefa do Estado em proteger o
processo de formao da personalidade restaria inviabilizada em se atribuindoesta proteo, apenas, ao resultado e expresso da construo da
identidade79. Tal pensamento acaba por colocar em risco a proteo jurdica
da dignidade da pessoa humana, o que aconteceria caso o indivduo no fosse
exitoso na construo da sua personalidade.
Na perspectiva j analisada, a dignidade da pessoa humana como limite
e tarefa do estado manifesta-se tanto na autonomia da pessoa humana, como
na necessidade de proteo e respeito da dignidade pelo estado e pelacomunidade. Na necessidade de proteo, a dignidade aparece com uma
perspectiva assistencial80 da pessoa humana, tal dimenso pode prevalecer
sobre a autonomia.
Esta concepo baseada na doutrina de Dworkin81, segundo a qual,
mesmo aqueles indivduos que no possuem capacidade plena, no tm
autonomia, possuem dignidade e devem receber proteo. Ou seja, possuem o
direito de serem tratados com dignidade.Dworkin prope que mesmo aquele indivduo que j perdeu a
conscincia de sua dignidade merece t-la protegida, considerada e
respeitada. Neste ponto, Dworkin baseia-se expressamente no pensamento
77LUHMAN apud SARLET, 2008, p. 51.78SARLET, 2008, p. 51.79
SARLET, 2008, p. 51.80SARLET, 2008, p. 51.81DWORKIN, Ronald apud SARLET, 2008, p. 52.
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kantiano: o homem deve ser tratado como um fim em si mesmo, jamais como
um objeto.
Sarlet assevera que Dworkin parte do seguinte pressuposto:
[...] de que a dignidade possui tanto uma voz ativa quanto uma vozpassiva e que ambas encontram-se conectadas, de tal sorte que no valor intrnseco (na santidade e inviolabilidade) da vida humana,de todo e qualquer ser humano, que encontramos a explicao para ofato de que mesmo aquele que j perdeu a conscincia da prpriadignidade merece t-la (sua dignidade) considerada e respeitada.82
Acerca do tratamento da dignidade da pessoa humana como um
conjunto de prestaes que garanta um mnimo existencial, Ingo Sarlet prope
que:
Alm disso, a noo de mnimo existencial, compreendida, por suavez, como abrangendo o conjunto de prestaes materiais queasseguram a cada indivduo uma vida com dignidade, quenecessariamente s poder ser uma vida saudvel, que correspondaa padres qualitativos mnimos, nos revela que a dignidade dapessoa atual como diretriz jurdico-material tanto para a definio doncleo essencial, quanto para a definio do que constitui a garantiado mnimo existencial, que, na esteira de farta doutrina, abrange bemmais do que a garantia de mera sobrevivncia fsica, no podendoser restringido, portanto, noo de um mnimo vital ou uma aoestritamente liberal de um mnimo suficiente para assegurar oexerccio das liberdades fundamentais.83(grifos nossos)
Em relao a uma dimenso estritamente individual e uma dimenso
social, Maurcio Godinho Delgado entende que a idia de dignidade est
relacionada com a afirmao social do indivduo, no sendo apenas a garantia
de elementos ligados estritamente personalidade do ser humano. O autor
prope que:
Tudo isso significa que a idia de dignidade no se reduz, hoje, auma dimenso estritamente particular, atada a valores imanentes personalidade e que no se projetam socialmente. Ao contrrio, o quese concebe inerente dignidade da pessoa humana tambm, aolado dessa dimenso estritamente privada de valores, a afirmao
82SARLET, 2008, p. 51-52.83SARLET, Ingo Wolfgang. A eficcia do direito fundamental segurana jurdica: dignidadeda pessoa humana, direitos fundamentais e proibio de retrocesso social no direito
constitucional brasileiro. So Paulo: Revista de Direito Constitucional e Internacional, v. 14,n. 57, 2006, p. 40.
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social do ser humano. A dignidade da pessoa fica, pois, lesada, casoela se encontre em uma situao de completa privao deinstrumentos de mnima afirmao social. Enquanto sernecessariamente integrante de uma comunidade, o indivduo temassegurado por esse princpio no apenas a intangibilidade de
valores individuais bsicos, como tambm um mnimo depossibilidade de afirmao no plano social circundante.84 (grifos doautor)
Na acepo proposta por Kant ressalta-se que, quando o homem presta
servio a outrem, de modo a ajudar um terceiro a alcanar determinada
finalidade, ele est sendo instrumentalizado85, entretanto, isso ocorre de
forma espontnea e sem a ocorrncia de degradao. Nesta hiptese, a sua
dignidade no est sendo ofendida.
Kant entende que o que no poder acontecer o uso arbitrrio e contra
a vontade do indivduo, de forma que ele se torne um objeto para alcanar
determinado fim. Sarlet assevera que no desempenho das funes sociais
existe uma sujeio entre os sujeitos, e o que a dignidade da pessoa humana
probe uma instrumentalizao arbitrria do outro. Assim, quando a pessoa
utilizada com o intuito de atingir determinado fim, possvel identificar que a
dignidade est sendo violada, caso o objetivo da conduta seja coisificar o
outro, trat-lo como mero objeto86.
A respeito da aparente releitura que est sendo feita do pensamento
kantiano, Sarlet cita Dieter Grimm, para quem:
[...] a dignidade, na condio de valor intrnseco do ser humano, gerapara o indivduo o direito de decidir de forma autnoma, sobre seusprojetos existenciais e felicidade e, mesmo onde esta autonomia lhefaltar ou no puder ser atualizada, ainda assim ser considerado erespeitado pela sua condio humana.87
Ressalta-se que apenas a dignidade da pessoa humana passvel de
respeito, ou seja, no considerada a dignidade em abstrato, mas sim a
dignidade da pessoa individualmente considerada. No possvel violar a
dignidade da pessoa em abstrato. Assim, deve ser feita uma diferenciao
84DELGADO, 2004, p. 16-17.85
SARLET, 2008, p. 52.86SARLET, 2008, p. 54.87GRIMM, Dieter apudSARLET, 2008, p. 54.
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entre a dignidade da pessoa e a dignidade humana, quando a ltima refere-se
humanidade como um todo88.
A Constituio da Repblica de 1988 referiu-se dignidade da pessoa
humana como fundamento da Repblica e do Estado Democrtico de Direito.
Assim, a ordem constitucional reconhece cada pessoa individualmente
considerada, evitando, desta forma, o sacrifcio da dignidade da pessoa
humana individual em prol da dignidade da pessoa humana como um todo,
considerada a humanidade89.
Entretanto, Sarlet pontua que no possvel desconsiderar uma
dimenso comunitria da dignidade de cada pessoa e de todas as pessoas,
justamente por serem todos iguais em dignidade e direitos (na iluminadafrmula da Declarao Universal de 1948)90 e, assim, todos conviverem em
sociedade, como uma comunidade.
Com relao a esta dimenso intersubjetiva da dignidade, Kant salienta
haver um dever de respeito entre os indivduos de determinada comunidade, o
filsofo props que:
verdade que a humanidade poderia subsistir se ningumcontribusse para a felicidade dos outros, contanto que tambm nolhes subtrasse nada intencionalmente; mas se cada qual se noesforasse por contribuir na medida das suas foras para o fim deseus semelhantes, isso seria apenas uma concordncia negativa eno positiva com a humanidade como um fim em si mesmo. Pois seum sujeito um fim em si mesmo, os seus fins tm de ser quantopossvel os meus, para aquela idia poder exercer em mim toda asua eficcia.91
Ainda a respeito da dimenso intersubjetiva da dignidade, Sarlet cita
Prez Luo, que segue o pensamento de Kant, entretanto, justifica-a partindoda relao do ser humano com os demais para o ser humano individualmente
considerado92.
88SARLET, 2008, p. 54.89SARLET, 2008, p. 55.90
SARLET, 2008, p. 55.91KANT apud SARLET, 2008, p. 55.92SARLET, 2008, p. 56.
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Para Sarlet, o que de fato importante nesta dimenso intersubjetiva da
dignidade da pessoa humana, pode ser destacado da lio de Gonalves
Loureiro. O autor Gonalves Loureiro acredita que:
[...] a dignidade da pessoa humana - no mbito de sua perspectivaintersubjetiva implica uma obrigao geral de respeito pela pessoa(pelo seu valor intrnseco como pessoa), traduzida num feixe dedeveres e direitos correlativos, de natureza no meramenteinstrumental, mas sim, relativos a um conjunto de bensindispensveis ao florescimento humano.93
A dignidade da pessoa humana, segundo Ingo Sarlet, somente faz
sentido no mbito da intersubjetividade e da pluralidade e, por isso, a ordem
jurdica deve proteg-la e respeit-la, de forma que todos recebam igual
tratamento por parte da sociedade e do Estado94.
A partir desta premissa, Sarlet afirma que se deparou com a dimenso
poltica da dignidade da pessoa humana, subjacente ao pensamento de Hanna
Ahrendt: a pluralidade pode ser considerada como a condio (e no apenas
como uma das condies) da ao humana e da poltica95.
No mesmo sentido, Jrgen Habermas considera que a dignidade da
pessoa humana, em um sentido moral e jurdico, est vinculada simetria das
relaes humanas, ou seja, a sua intangibilidade (o grifo do autor) resulta
justamente das relaes interpessoais marcadas pela recproca considerao e
respeito96. Alm disso, Habermas prope que o ser humano somente torna-se
indivduo e ser racional no espao pblico da comunidade da linguagem.
Logo, Sarlet salienta que, na esteira do pensamento de Hasso Hofmann,
[...] a dignidade necessariamente deve ser compreendida sobperspectiva relacional e comunicativa, constituindo uma categoria daco-humanidade de cada indivduo (...) de tal sorte que, na esteira dalio de Peter Harbele, a considerao e reconhecimento recprocoda dignidade no mbito da comunidade pode ser definida como umaespcie de ponte dogmtica, ligando os indivduos entre si.97
93GONALVES, Loureiro apud SARLET, 2008, p. 56.94SARLET, 2008, p. 57.95
SARLET, 2008, p. 57.96SARLET, 2008, p. 57.97SARLET, 2008, p. 57-58.
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Sarlet acredita que tais concepes contriburam para a superao de
uma concepo biolgica da dignidade humana e, ao mesmo tempo, permitiu a
existncia de uma qualidade comum entre todos os seres humanos a partir da
vinculao da igual dignidade de todas as pessoas98.
Outra acepo da dignidade a sua contextualizao histrico-cultural.
Sarlet indaga at que ponto a dignidade da pessoa humana estaria acima das
especificidades culturais99. Em certas comunidades, certos atos so justificados
por determinado trao cultural, entretanto, tal ato seria condenvel em outras
comunidades que no possuem aquela caracterstica cultural, por ser
considerado atentatrio dignidade da pessoa humana.
Mesmo que a dignidade da pessoa humana fosse considerada umconceito universal, existiriam traos distintos em seu tratamento e aplicao
nas diversas sociedades existentes. A avaliao do que seria atentatrio
dignidade certamente encontraria divergncias.
Nesta linha de pensamento, Dworkin prope que:
[...] a existncia de um direito das pessoas de no serem tratadas deforma indigna, refere que qualquer sociedade civilizada tem seus
prprios padres e convenes a respeito do que constitui estaindignidade, critrios que variam conforme o local e a poca.100
Um exemplo do conflito que existe entre as sociedades o fato de os
Estados Unidos, em muitos de seus estados, admitirem a pena de morte, e
discutirem serem inconstitucionais e ofensivas dignidade certas formas de
aplicar a pena, enquanto no Brasil a prpria pena de morte j considerada
uma violao dignidade101.
Depois de todo o exposto, conclui-se que a dignidade da pessoahumana deve ter um contedo minimamente definido e que acarrete
consequncias jurdicas, sob pena de se tornar apenas uma regra moral.
Entretanto, a exata definio do seu mbito de incidncia jurdica tambm no
parece ser possvel e nem mesmo aconselhvel. necessrio que se busque
98SARLET, 2008, p. 58.99
SARLET, 2008, p. 58.100DWORKIN, RonaldapudSARLET, 2008, p. 59.101SARLET, 2008, p. 58-59.
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uma definio que faa sentido e seja operacionalizada diante do caso
concreto.
Sarlet cita a frmula desenvolvida por Drig, na Alemanha, que prope
que a dignidade da pessoa humana seria considerada violada no momento em
que a pessoa fosse tratada como mero objeto para atingir determinado fim,
tratada como uma coisa, sempre que a pessoa venha a ser descaracterizada e
desconsiderada como sujeito de direitos102.
Tal concepo foi largamente utilizada pelo Tribunal Constitucional da
Alemanha. Entretanto, Sarlet critica este pensamento, uma vez que o mesmo
no define previamente o que deve ser protegido, mas protege atravs da
verificao da violao no caso concreto103.Ao longo do tempo, a proteo dignidade da pessoa humana foi
evoluindo e a doutrina e a jurisprudncia contriburam para o desenvolvimento
de uma maior proteo pela ordem jurdica da dignidade humana.
A Carta Magna de 1988, como visto, tratou a dignidade da pessoa
humana como princpio104, e, na condio de princpio, Maurcio Godinho
Delgado sustenta que:
O princpio da dignidade da pessoa humana traduz a idia de que ovalor central das sociedades, do Direito e do Estado contemporneos a pessoa humana, em sua singeleza, independentemente de seustatus econmico, social ou intelectual. O princpio defende acentralidade da ordem juspoltica e social em torno do ser humano,subordinadamente aos demais princpios, regras, medidas e condutasprticas.105
Assim, a respeito do contedo da dignidade da pessoa humana,
Maurcio Godinho pontua que a Constituio Federal de 1988 conferiu-lhe umstatusmultifuncional, mas combinando unitariamente todas as suas funes:
fundamento, princpio e objetivo106. Com isso, foi garantida dignidade da
pessoa humana uma amplitude de conceito, sendo ultrapassada uma viso
102DRIG apudSARLET, 2008, p. 61.103SARLET, 2008, p. 61.104
Alm de fundamento e objetivo da Repblica Federativa do Brasil, como visto.105DELGADO, 2004, p. 14.106DELGADO, 2004, p. 16.
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individualista em favor de uma dimenso social e comunitria de afirmao da
dignidade da pessoa humana107.
Posio interessante sobre a dignidade da pessoa humana a do
espanhol Joaqun Arce y Flrez Valds. Valds prope que o respeito
dignidade da pessoa humana se desdobra em quatro importantes
consequncias:
[...] a) igualdade de direitos entre todos os homens, uma vezintegrarem a sociedade como pessoas e no como cidados; b)garantia da independncia e autonomia do ser humano, de forma aobstar toda coao externa ao desenvolvimento de suapersonalidade, bem como toda atuao que implique na sua
degradao; c) observncia e proteo dos direitos inalienveis dohomem; d) no admissibilidade da negativa dos meios fundamentaispara o desenvolvimento de algum como pessoa ou a imposio decondies subumanas de vida.108(grifos nossos)
Sarlet formula uma proposta de conceituao jurdica da dignidade da
pessoa humana que abarca todas as suas dimenses. A proposta a seguinte:
Assim sendo, temos por dignidade da pessoa humana a qualidadeintrnseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz
merecedor do mesmo respeito e considerao por parte do Estado eda comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos edeveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo equalquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhegarantir as condies existenciais mnimas para uma vida saudvel,alm de propiciar e promover sua participao ativa e co-responsvelnos destinos da prpria existncia e da vida em comunho com osdemais seres humanos.109(grifos do autor)
Maurcio Godinho Delgado, no mesmo sentido, afirma que ao lado da
dimenso estritamente privada de valores, tambm inerente dignidade da
pessoa humana a afirmao social do ser humano110. justamente atravs do
trabalho, em especial do emprego, que ser possvel ao indivduo exercer a
sua afirmao social111. Maurcio Godinho esclarece que:
107DELGADO, 2004, p. 16.108FLREZ-VALDS apud NOBRE JNIOR, 2000, p. 240.109SARLET, 2008, p. 63.110
DELGADO, Maurcio Godinho. Direitos Fundamentais nas Relaes de Trabalho. SoPaulo: Revista LTr, Legislao do Trabalho, v. 70, jun. 2006a, p. 663.111DELGADO, 2006a, p. 663.
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A dignidade da pessoa fica, pois, lesada caso ela se encontre emuma situao de completa privao de instrumentos de mnimaafirmao social. Enquanto ser necessariamente integrante de umacomunidade, o indivduo tem assegurado por este princpio noapenas a intangibilidade de valores individuais bsicos, como
tambm um mnimo de possibilidade de afirmao no plano socialcircundante. Na medida desta afirmao social que desponta otrabalho, notadamente o trabalho regulado, em sua modalidade maiselaborada, o emprego.112(grifos do autor)
Seguindo os ensinamentos de Dinaura Godinho Gomes, possvel
afirmar que o Estado Democrtico de Direito no se sustenta sem o respeito
concreto dignidade da pessoa humana e, consequentemente, sem a
concretizao dos direitos fundamentais: sejam eles individuais ou coletivos113.
A dignidade da pessoa humana reclama a garantia da existncia decondies mnimas para a existncia humana, da liberdade e da autonomia,
bem como de todos os direitos fundamentais, enfim, de uma vida com
dignidade. Ou seja, deve ser respeitada em todas as duas dimenses.
2.3 A dignidade da pessoa humana como norma fundamental
A Constituio da Repblica de 1988 alou a dignidade da pessoa
humana a fundamento do Estado Democrtico de Direito e criou um ttulo
prprio para os princpios fundamentais. Alm disso, tratou da dignidade da
pessoa humana em diversos dispositivos ao longo do seu texto.
Sarlet afirma que, mediante tais disposies,
[...] o Constituinte deixou transparecer de forma clara e inequvoca asua inteno de outorgar aos princpios fundamentais a qualidade denormas embasadoras e informativas de toda a ordem constitucional,inclusive (e especialmente) das normas definidoras de direitos egarantias fundamentais, que igualmente integram (juntamente com osprincpios fundamentais) aquilo que se pode e neste ponto parece
112DELGADO, 2006a, p. 663.113 GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. A constitucionalizao do direito do trabalho:
interpretao e aplicao das normas trabalhistas para a efetiva inter-relao dos interesseseconmicos com respeito dignidade da pessoa humana. Revista de Direito Constitucionale Internacional, So Paulo, v.15, n.58, jan./mar.2007, p. 20.
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haver consenso denominar de ncleo essencial da nossaConstituio formal e material.114
Considera-se que tal previso aconteceu tardiamente, entretanto,
somente no decorrer do sculo XX, aps a Segunda Guerra Mundial, com a
consagrao da dignidade da pessoa humana na Declarao dos Direitos do
Homem de 1948, as constituies democrticas comearam a prever a
dignidade da pessoa humana em seu texto.
possvel afirmar que o princpio da dignidade da pessoa humana foi
alado ao status de norma fundamental no ordenamento jurdico brasileiro, com
a Carta Magna de 1988, em seu artigo 1, inciso III.
A respeito da atitude do Constituinte de 1988, Sarlet afirma que:
Inspirando-se - neste particular especialmente noconstitucionalismo lusitano e hispnico, o Constituinte de 1988preferiu no incluir a dignidade da pessoa humana no rol dos direitose garantias fundamentais, guindando-a, pela primeira vez consoante j reiteradamente frisado condio de princpio (evalor) fundamental (artigo 1, inciso III).115
O reconhecimento da dignidade da pessoa humana pela ordem jurdica
extremamente importante, principalmente como norma fundamental, uma vez
que contribui para a sua efetiva realizao, e impe determinadas
consequncias jurdicas.
Sarlet, seguindo a linha de pensamento de Alexy, afirma que o
dispositivo no se confunde com a norma que a contm, nem com os direitos
outorgados pela norma, uma vez que cada direito fundamental pressupe uma
norma jusfundamental que o reconhea116.
Nesta esteira, com relao dignidade da pessoa humana, Sarlet
prope que:
[...] verifica-se que o dispositivo constitucional (texto) no qual seencontra enunciada a dignidade da pessoa humana (no caso, o artigo1, inciso III, da Constituio de 1988), contm no apenas mais deuma norma, mas que esta(s), para alm de seu enquadramento nacondio de princpio (e valor) fundamental, (so) tambm
114
SARLET, 2008, p. 65.115SARLET, 2008, p. 71.116SARLET, 2008, p. 72.
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fundamento de posies jurdico-subjetivas, isto , norma(s)definidora(s) de direito e garantias, mas tambm de deveresfundamentais.117
Ainda segundo Sarlet, os direitos fundamentais encontram seufundamento na dignidade da pessoa humana e, alm disso, do prprio princpio
da dignidade da pessoa humana devem ser deduzidos direitos fundamentais
autnomos que, assim, sero normas fundamentais118.
Desde logo, ressalta-se que o ordenamento jurdico no concede a
dignidade da pessoa humana, uma vez que a dignidade inerente ao ser
humano, no existe um direito dignidade. O ordenamento jurdico deve
promover e proteger a dignidade da pessoa humana. Assim, possvel falarem direito existncia digna, por exemplo.
A positivao da dignidade da pessoa humana no artigo 1, inciso III, da
Constituio da Repblica de 1988, alou a dignidade da pessoa humana ao
status de norma jurdica, carregada de eficcia, e atribuiu-lhe a condio de
valor jurdico fundamental da comunidade119.
Sarlet, ao referir-se dignidade da pessoa humana, na qualidade de
princpio e valor fundamental, cita Judith Martins-Costa, que prope que, nesta
qualidade, a dignidade constitui valor fonte que anima e justifica a prpria
existncia de um ordenamento jurdico120. A partir de tal contribuio, pode-se
dizer que o princpio da dignidade da pessoa humana, para muitos autores,
considerado o princpio de maior hierarquia do ordenamento jurdico.
O doutrinador Ingo Sarlet segue a linha de pensamento de Robert Alexy,
trata a dignidade da pessoa humana como princpio e, atribui-lhe valor
fundamental, adotando a classificao das normas jurdicas em princpios e
regras. A ttulo de esclarecimento acerca da sua posio, afirma que:
importante que se deixa devidamente consignada a nossa posioem prol do carter jurdico-normativo da dignidade da pessoa humanae, portanto, do reconhecimento de sua plena eficcia na nossa ordemconstitucional, onde nunca demais repisar foi guindada
117SARLET, 2008, p. 72-73.118
SARLET, 2008, p. 73.119BENDA, Ernesto apud SARLET, 2008, p. 74.120MARTINS-COSTA apud SARLET, 2008, p. 74.
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condio de princpio (e, portanto, sempre valor) fundamental donosso Estado Democrtico de Direito.121
Sarlet assevera que, ao reconhecer a feio de princpio dignidade da
pessoa humana, o seu papel como valor fundamental de toda a ordem jurdica
no afastado e, alm disso, aumenta a sua pretenso de efetividade122 e
eficcia123. Prope, tambm, que o princpio da dignidade da pessoa humana
na sua posio de norma jurdica, no extrapola a sua dimenso principiolgica
para possuir a feio de regra jurdica, seguindo a linha de Alexy124.
Assim, Sarlet considera que a dignidade, como princpio, atua como um
mandado de otimizao, sendo que a aplicao dever ser feita na maior
medida possvel, e luz do caso concreto; diferentemente das regras que
contm prescries imperativas. Acerca da estrutura da dignidade, Sarlet
manifesta-se:
Ainda no que diz com a dupla estrutura (princpio e regra) dadignidade, verifica-se que, para Alexy, o contedo da regra dadignidade da pessoa decorre apenas a partir do processo deponderao que se opera no nvel do princpio da dignidade, quandocotejado com outros princpios, de tal sorte que absoluta a regra (
qual, nesta dimenso, se poder aplicar a lgica do tudo ou nada),mas jamais o princpio.125
Existem inmeras crticas ao pensamento de Alexy: Sarlet destaca a
crtica feita por Ferreira dos Santos, que prope que a dignidade da pessoa
humana absoluta, assim, sempre dever prevalecer sobre os outros
princpios em discusso126. A doutrina germnica tambm critica Alexy,
propondo que o princpio da dignidade da pessoa humana no passvel de
relativizao, no admitindo uma ponderao, sob a justificativa de que uma
121SARLET, 2008, p. 75.122 Sobre a efetividade da tutela jurisdicional trabalhista, tema que no ser aprofundado nopresente trabalho, recomenda-se consultar: PIMENTA, Jos Roberto Freire. Tutelas deUrgncia no Processo do Trabalho: O Potencial Transformador das Relaes Trabalhistas dasReformas do CPC Brasileiro. In: PIMENTA, Jos Roberto Freire, et all (Coord.). DIREITODOTRABALHO:Crise, Evoluo e Perspectivas. So Paulo: LTR, 2004.123SARLET, 2008, p. 75.124
SARLET, 2008, p. 76.125SARLET, 2008, p. 76.126SARLET, 2008, p. 76-77.
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eventual ponderao ir interferir na definio do prprio contedo da
dignidade127.
A respeito das crticas tecidas, Sarlet sabiamente afasta a possibilidade
de reconhecimento de um princpio absoluto, pelo menos pela prpria noo de
princpios adotada por Alexy e, alm disso, prope que:
[...] resta a evidncia, amplamente comprovada na prtica, de que oprincpio da dignidade da pessoa humana pode ser realizado emdiversos graus, isto sem falar na necessidade de se resolvereventuais tenses entre a dignidade de diversas pessoas, pontosobre o qual voltaremos a nos manifestar, ou mesmo da possvelexistncia de um conflito entre o direito vida e dignidade,envolvendo um mesmo sujeito (titular) de direitos.128
Alexy, citado por Sarlet, debate o discurso que defende o carter
absoluto do princpio da dignidade da pessoa humana, e prope que muitas
vezes esta linha de pensamento adotada, pois,
[...] a compreensvel impresso de que se cuida de um princpioabsoluto reluta tanto do fato de que coexistem, em verdade, duasespcies de normas da dignidade da pessoa (princpio e regra)quanto da circunstncia de que existe uma srie de condies nas
quais o princpio da dignidade da pessoa humana, com elevadamargem de certeza, assume precedncia em face dos demaisprincpios.129
importante salientar que, ao defender que o princpio da dignidade da
pessoa humana no absoluto, Alexy no pretende dizer que este poder ser
violado, tal argumento no poder ser utilizado de forma a justificar ofensas
dignidade130. Mesmo prevalecendo sobre os demais princpios do ordenamento
constitucional, a dignidade da pessoa humana, em certos casos, ser
relativizada, de forma a garantir o respeito prpria dignidade.
Alexy, ao utilizar a ponderao na aplicao do princpio da dignidade da
pessoa humana, considera a existncia de um mnimo que deve ser
respeitado, sob pena de violao da dignidade da pessoa humana. Assim,
pondera a aplicao da dignidade da pessoa humana com outras trs idias:
127SARLET, 2008, p. 77.128
SARLET, 2008, p. 77.129ALEXY apud SARLET, 2008, p. 77-78.130SARLET, 2008, p. 78.
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separao dos poderes, competncia do legislador democrtico e direitos de
terceiro. O autor conclui que:
[...] estes trs pontos restringem o princpio da dignidade mas apenasem determinada medida, restando como contedo normativo doprincpio, que o autor inclusive considera transformar-se em regra, ummnimo essencial para a existncia humana que pode ser exigido