86270166 Vida de Galileu Bertolt Brecht

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Gesammelte Werke, Suhrkamp Verlag, Frankfurt am Main. Ttulos dos originais em alemo: Die Gewehre der Frau Carrar, 1957 Suhrkamp Verlag, Frankfurt am Main. Leben des Galilei, 1955, Suhrkamp Verlag, Frankfurt am Main. Mutter Courage and ihre Kinder, 1949, Suhrkamp Verlag, Frankfurt am Main. Coordenao Geral: Christine Roehrig - Fernando Peixoto Capa: Isabel Carballo Copyde sk: Bliana Antoniolli Reviso: Vania Lucia Amato Victor Enrique Pizarro Editorao Ele trnica: Graphium Publicidade e Editora Ltda. ndice Dados de catalogao na Publicao Internacional (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Br asil) Brecht, Bertolt, 1898-1956. Teatro completo, em 12 volumes / Bertolt Brecht. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1991. (Coleo teatro ; v. 9 - 14) Traduo de: Bertolt Brech t: Gesammelte Werke in 20 Bnden. Publicados v. 1-6 1. Teatro alemo I. Ttulo. II Srie . 90-1020 CDD - 832.91 Os fuzis da Senhora Carrar Vida de Galileu.................... Me Coragem e seus filhos ndices para catlogo sistemtico: 1. Sculo 20: Teatro : Literatura alem 832.91 2. Teatro: Sculo 20: Literatura alem 83 2.91 Direitos adquridos pela EDITORA PAZ E TERRA S/A Rua do Triunfo, 177 01212 So Paulo, SP Tel.: (011) 223-6522 que se reserva a propriedade desta traduo Impresso no Brasil / Printed in Brazil 1999Vida de Galileu Leben des Galilei Escrita em 1938-1939 Traduo: Roberto SchwarzPERSONAGENS Galileu Galilei Andrea Sarti Dona Sarti, governanta de Galileu e me de Andrea Lud ovico Marshj, moo de famlia rica Procurador da Universidade de Pdua, Senhor Priuli Sagredo, amigo de Galileu Virgnia, filha de Galileu Federzoni, operrio polidor de lentes, colaborador de Galileu O Doge Conselheiros Cosmo O O O de Mdici, Gro-Duque de Florena Mestre-Sala Telogo Filsofo O Matemtico A Dama de Companhia Mais Velha A Dama de Companhia Mais Nova Lacaio do Gro-Duque Duas Freiras Dois Soldados A Velha Um Prelado Gordo Dois Estudiosos Dois Monges Dois Astrnomos Um Monge, muito estpido O Cardeal Muito Velho Padre Cristvo Clvio, astrnomo O Pequeno Monge Colaboradora: M. Steffin. O Cardeal InquisidorCardeal Barberini, mais tarde Papa Urbano VIII Cardeal Bellarmino Dois Secretrios Eclesisticos Duas Jovens Senhoras Filippo Mucio, um estudioso Senhor Gaffone, re itor da Universidade de Pisa O Jogral A Mulher do Jogral Vanni, um fundidor 1 GALILEU GALILEI, PROFESSOR DE MATEMTICA EM PDUA, QUER DEMONSTRAR O NOVO SISTEMA CO PERNICANO DO UNIVERSO O fogo no rabo da idia pegou No ano de mil seiscentos e nove: O cientista Galileu por a + b calculou Que o Sol no se mexe. Que a Terra se move. Um Funcionrio Um Alto Funcionrio Um Indivduo Um Monge Um Campons Um Guarda-Fronteira Um Escrivo Homens, Mulheres e Crianas Quarto de estudo de Galileu, em Pdua; o aspecto pobre. de manh. O menino Andrea, f ilho da governanta, traz um copo de leite e um po. Galileu lavando o trax, fungando alegre Ponha o leite na mesa, mas no feche os livros. Seu Galileu, minha me disse que se ns no pagarmos o leiteiro ele vai dar um crculo e m volta de nossa casa e no vai mais deixar o leite. Est errado, Andrea; ele descrev e um crculo. Andrea Galileu Andrea Como o senhor quiser, seu Galileu. Se ns no pagarmos, ele descreve um crculo. J o ofi cial de justia, o seu Cambione, vem reto pra cima de ns, escolhendo qual percurso entre dois pontos? O mais curto. Galileu Andrea rindo Galileu Certo. Veja o que eu trouxe para voc, ali atrs dos mapas astronmicos. Andrea pesca atrs dos mapas, de onde tira um grande modelo do sistema ptolomaico, feito de mad eira. Andrea O que isso?Bertolt Brecht Galileu - Vida de Galileu 57 um astrolbio; mostra como as estrelas se movem volta da Terra, segundo a opinio do s antigos. E como ? Andrea Galileu Vamos investigar, e comear pelo comeo: a descrio. No meio tem uma pedra pequena. Ter ra. Andrea Galileu a Andrea Galileu Por fora tem cascas, uma por cima da outra. Quantas? Oito. Andrea Galileu So as esferas de cristal. Tem bolinhas pregadas nas cascas. - As estrelas. Tem ba ndeirinhas, com palavras pintadas. Que palavras? Nomes de estrelas. Quais? embai xo a Lua, o que est escrito. Mais em cima Andrea Galileu Andrea Galileu Andrea Galileu Andrea - A bola o Sol. Galileu - E agora faa mover o Sol. bonito. Mas ns estamos fechados l no Andrea move as esferas meio. Galileu se enxugando - , foi o que eu tambm senti, quando vi essa coisa pela primeira vez. H mais gente que sente assim. Joga a toalha a Andrea par a que ele lhe esfregue as costas. Muros e cascas, tudo parado! H dois mil anos a humanidade acredita que o Sol e as estrelas do cu giram em torno dela. O papa, os cardeais, os prncipes, os sbios, capites, comerciantes, peixeiras e crianas de esco la, todos achando que esto imveis nessa bola de cristal. Mas agora ns vamos sair, A ndrea, para uma grande viagem. Porque o tempo antigo acabou, e comeou um tempo no vo. J faz cem anos que a humanidade est esperando alguma coisa. As cidades so es tre itas, e as cabeas tambm. Superstio e peste. Mas veja o que se diz agora: se as coisa s so assim, assim no ficam. Tudo se move, meu amigo. Gosto de pensar que os navios tenham sido o comeo . Desde que h memria, eles vinham se arrastando ao longo da co sta, mas, de repente, deixaram a costa e exploraram os mares todos. Em nosso vel ho continente nasceu um boato: existem conti nentes novos. E agora que os nossosbarcos navegaram at l, a risada nos continentes geral. O que se diz que o grande m ar temvel uma lagoa pequena. E surgiu um grande gosto pela pesquisa da causa de t odas as coisas: saber por que cai a pedra, seasoltamos, e como ela sobe, se a jo gamos para cima. No h dia em que no se descubra alguma coisa. At os velhos e os surd os puxam conversa para saber das ltimas novidades. J se descobriu muita coisa, mas h mais coisas ainda que podero ser descobertas. De modo que tambm as novas geraes tm o que fazer. Em Siena, quando moo, vi uma discusso de cinco minutos sobre a melhor maneira de mover blocos de granito; em seguida, os pedreiros abandonaram uma tcn ica milenar e adotaram uma disposio muito mais inteligente das cordas. Naquele lug ar e naquele minuto fiquei sabendo: o tempo antigo passou, e agora um tempo novo . Logo a humanidade ter uma idia clara de sua casa, do corpo celeste que ela habit a. O que est nos livros antigos no lhe basta mais. Pois onde a f teve mil anos de a ssento, sentou-se agora a dvida. Todo mundo diz: , est nos livros mas ns quere mos ve r com nossos olhos.58 Bertolt Brecht Vida de Galileu Galileu . AndreaNo. 59 As verdades mais consagradas so tratadas sem cerimnia; o que era indubitvel agora p osto em dvida. Em conseqn cia, formou-se um vento que levanta as tnicas brocadas dos prncipes e prelados, e pe mostra pernas gordas e pernas de palito, pernas como as nossas pernas. Mostrou-se que os cus estavam vazios, o que causou uma alegre garg alhada. Mas as guas da Terra fazem girar as novas rocas, e nos estaleiros, nas ma nufaturas de cordame e de velame, quinhen tas mos se movem em conjunto, organizada s de maneira nova. Predigo que a astronomia ser comentada nos mercados, ainda em tempos de nossa vida. Mesmo os filhos das peixeiras querero ir escola. Pois os ha bitantes de nossas cidades, sequiosos de tudo que novo, gostaro de uma astronomia nova, em que tambm a Terra se mova. O que constava que as estrelas esto presas a uma esfera de cristal para que no caiam. Agora juntamos coragem, e deixamos que f lutuem livremente, sem amarras, e elas esto em grande viagem, como as nossas cara velas, sem amarras e em grande viagem. E a Terra rola alegremente em volta do So l, e as mercadoras de peixe, os comerciantes, os prncipes e os cardeais, e mesmo o papa, rolam com ela. Uma noite bastou para que o universo perdesse o seu ponto central; na manh seguinte, tinha uma infinidade deles. De modo que agora o centr o pode ser qualquer um, ou nenhum. Subitamente h muito lugar. Nossos navios viaja m longe. As nossas estrelas giram no espao longnquo, e mesmo no jogo de xadrez, a torre agora atravessa o tabuleiro de lado a lado. Como diz o poeta: manh dos incios !.... Andrea Por que o senhor quer que eu entenda? muito difcil, e eu ainda no fiz onze anos, v ou fazer em outubro. Mas eu quero que tambm voc entenda. para que se entendam essa s coisas que eu trabalho e compro livros caros em lugar de pagar o leiteiro. Galileu Andrea Mas eu vejo que o Sol de noite no est onde estava de manh. Quer dizer que ele no pod e estar parado! Nunca e jamais. Galileu Voc v! O que que voc v? Voc no v nada! Voc arregala os olhos, e arregalar os olho . Galileu pe a bacia de ferro no centro do quarto. Bem, isto o Sol. Sente-se a. An drea se senta na nica cadeira; Galileu est de p, atrs dele. Onde est o Sol, direita o u esquerda? Andrea esquerda. Galileu Andrea Galileu Como fazer para ele passar para a direita? O senhor carrega a bacia para a direi ta, claro. E no tem outro jeito? Levanta Andrea e a cadeira do cho, faz meia-volta com ele. A gora, onde que o Sol est? Andrea direita. Galileu Andrea Galileu Andrea manh dos incios!... sopro do vento Que vem de terras novas! O senhor devia beber o seu leite, porque daqui a pouco chega gente. Galileu E ele se moveu? Ele, no. O que que se moveu? Eu. Seu burro! A cadeira! Voc acabou entendendo o que eu lhe expliquei ontem? Andrea O qu? Aquela histria do Quiprnico e da rotao? Galileu berrando Errado!60 Andrea Galileu Bertolt Brecht Vida de Galileu 61 Mas eu com ela! Claro. A cadeira a Terra. Voc est em cima dela. Voltando-se para Andrea Alguma coisa ontem ns sempre compreendemos, hein? AndreaEu Dona Sarti que entrou para fazer a cama e assistiu cena Seu Galileu, o que o senhor est faze ndo com o meu menino? Galileu (Eu o estou ensinando a ver. Dona Sarti .Andrea Dona Sarti falei s para ela se espantar. Mas ela mesma, assim, e no assim. Faz eu tinha cado, e isso um fato. Porque da ficava provado que, se s, se eu te demonstrei... Arrastando o menino pelo quarto? Galileu Andrea Deixa, mame. Voc no entende desse assunto. no est certo. O senhor virou a cadeira em volta d um movimento com o brao, de cima para baixo. Seno Por que o senhor no virou a cadeira para a frente? ela virasse assim, eu caa da Terra. Isso que . Ma Ah, ? Mas voc entende, isso? Est um moo a fora, ele quer aulas particulares. Muito b m vestido, e trouxe uma carta de recomendao. Entrega a carta. Com o senhor, o meu Andrea ainda acaba dizendo que dois mais dois so cinco. Ele confunde tudo o que o senhor diz. Ontem noite ele me provou que a Terra d volta no Sol. Est convencido de que isso fi calculado por um tal Quipmico. Galileu, o Quiprnico no calculou? Diga a ela o senhor mesmo! Mas verdade mesmo que o senhor ensina essas bobagens? Dep ois ele vai e fala essas coisas na escola, e os padres vm me procurar, porque ele fica dizendo coisas que so contra a religio. O senhor devia ter vergonha, senhor Galileu! Mas esta noite eu descobri que toda noite eu ficaria pendurado de cabea para baix o, se a Terra virasse como o senhor diz. E isso um fato. Isto a Terra. Galileu pega uma ma na mesa Bom. AndreaAh, no, seu Galileu, no venha com esses exemplos. Assim o senhor sempre se sai bem. Vo c quem sabe. Galileu pondo a ma no lugar outra vez Andrea AndreaSeu Dona Sarti Com exemplos a gente sempre leva a melhor, sendo esperto. Mas eu no posso carrega r a minha me na cadeira como o senhor me carrega. O senhor est vendo que o exemplo ruim. E se a ma for a Terra, o que acontece? No acontece nada. no quer saber.Galileu ri Voc Andrea Galileu tomando caf Dona Sarti, com base em nossas pesquisas e depois de intensa disputa, Andrea e eu fizemos descobertas que no podemos mais ocultar ao mundo. Comeou um t empo novo, uma grande era, em que viver ser um prazer. Sei. Espero que nesse tempo novo a gente possa pagar o leiteiro. Apontando a car ta de recomendao. O senhor me faa o favor, e no mande embora esse tambm. Eu estou pen sando na conta do leiteiro. Sai. vai, me deixe ao menos acabar o meu leite! Pegue a ma de novo. Como que noite eu no fico pendurado de cabea para baixo? isto Terra, e voc est aqui. Tira uma lasca de um toro de lenha e finca na ma. E agora a T erra gira. E agora eu estou de cabea para baixo. Por qu? Olhe com ateno. A cabea, ond e est? embaixo. GalileuBom, Dona Sarti Andrea Galileu Andrea mostrando Aqui, GalileuO Galileu rindo Vai, qu? Gira em sentido contrrio, at a primeira posio.62 Bertolt Brecht Vida de Galileu Galileu 63A cabea no est no mesmo lugar? Os ps no esto mais no cho? Quando eu viro, voc acaso f assim? Tira e inverte a lasca. Andrea E na Holanda o senhor ouviu dizer que na Itlia, por exemplo, aconteo eu? Ludovico No. E por que que eu no percebo que virou? E como minha me deseja que eu me oriente um pouco nas cincias... Aulas particulare s: dez escudos por ms. Muito bem, senhor. GalileuPorque voc vai junto. Voc e o ar que est em cima de voc e tudo o que est sobre a esfera. E p or que parece que o Sol que sai do lugar? Galileu Ludovico Galileu Andrea Galileu Quais so os seus interesses? Cavalos. gira novamente a ma com o graveto Debaixo de voc, voc v a Terra, sempre igual, que fi ca embaixo e para voc no se move. Mas agora, olhe para cima. Agora a lmpada que est em cima da sua cabea. Mas agora, se eu giro, agora o que que est sobre a sua cabea e portanto no alto? Ludovico Galileu Hum... Eu no tenho cabea para as cincias, senhor Galileu. Ludovico Galileu Andrea acompanha o giro A lareira. Galileu Andrea Galileu Andrea Hum. Nesse caso, so quinze escudos por ms. Muito bem, senhor Galileu. E a lmpada onde est? Embaixo. Ta. Ludovico Galileu As aulas sero de manh cedo. Vai ser sua custa, Andrea, no vai sobrar tempo. Voc ente nde, voc no paga. J estou saindo. Posso levar a ma? Essa boa; ela vai ficar de boca aberta. Entra Ludovico Marsili, moo rico. Galileu Andrea Galileu Leve. Andrea sai. Ludovico Isto aqui parece a casa da sogra. Bom-dia, meu senhor. O meu nome Ludovico Marsi li. O senhor vai precisar de pacincia comigo. Principal mente porque nas cincias tu do diferente do que manda o bom senso. O senhor veja, por exemplo, aquele tubo e stranho que esto vendendo em Amsterd. Eu examinei com cuidado. Um canudo de couro verde e duas lentes uma assim representa uma lente cncavae uma assimrepresenta uma lente convexa. Ouvi dizer que uma aumenta e a outra diminui. Qualquer pessoa raz ovel pensaria que se compensam. Errado. O tubo aumenta as coisas cinco vezes. Iss o a cincia. O que que o tubo aumenta cinco vezes? Ludovico Galileu examinando a sua carta de recomendaoO senhor esteve na Holanda? Onde ouvi falar muito do senhor. Ludovico Galileu Ludovico A sua famlia tem propriedades na Campanha? Minha me queria que eu me arejasse um pouco, visse o que acontece pelo mundo, etc . Galileu 64 Ludovico Galileu Bertolt Brecht Vida de Galileu 65 Torres de igrejas, pombas; tudo o que esteja longe. O senhor mesmo viu essas coisas aumentadas? Sim, senhor. Ludovico GalileuE o tubo tinha duas lentes? Galileufaz um esboo nopapel. Era assim? Ludovico faz um gesto que sim. De quando essa inveno?ganhar mil escudos. Infelizmente, o meu parecer no ser favorvel. O senhor sabe que os cursos de matemtica no garantem freqncia universidade. A matemtica, por assim dize r, no uma arte alimentcia. No que a Repblica no a tenha na mais alta conta. Embora no seja to necessria como a filosofia, nem to til quanto a teologia, aos conhecedores e la proporciona infinito prazer! Galileu mexendo em seus papis Meu caro amigo, com quinhen tos escudos eu no vivo. Mas, senhor Galileu, o senhor tem duas horas de aula, duas vezes por semana. O s eu extraordinrio prestgio lhe traz quantos alunos quiser, gente que pode pagar aul as particulares. O senhor no tem alunos particulares? Ludovico Quando sa da Holanda acho que no tinha mais que uns dias, ao menos de venda. Procuradorquase amvel E por que que precisa ser a fsica e no a criao de cavalos? Entra Dona Sa ti, sem que Galileu perceba. Galileu Ludovico GalileuTenho, Minha me acha que um pouco de cincia necessrio. Hoje todo mundo toma o seu vinho co m cincia, o senhor sabe. O senhor podia escolher uma lngua morta ou teologia. mais fcil. VDonaSarti. Bem, no s veremos tera-feira de manh. Ludovico sai. Galileu Gai.ii.eii No precisa me olhar desse jeito. Eu vou dar as aulas. Dona Saril S porque voc me viu a tempo. O Procurador da universidade est a fora. demais! Eu ensino e ensino, e quando que estudo? Homem de Deus, eu no sei tudo, c omo os senhores da Faculdade de Filosofia. Eu sou estpido. Eli no entendo nada de nada. De modo que necessito preencher os buracos do meu saber. E quando que tenh o tempo? Quando que fao pesquisa? Meu senhor, a minha cincia ainda tem fome de saber! Sobre os maiores problemas ns ainda no temos nada que seja mais do que hiptese. Mas ns exigimos provas. E como eu vou fazer progresso, se para sListentar a minh a casa sou forado a me dedicar a qLialquer imbecil, desde que tenha dinheiro, enf iar na cabea dele que as paralelas se encontram no infinito? Gat.h.f.it Faa-o entrar, que esse importante. Podem ser quinhen tos escudos. Da eu no preciso de alunos. Dona Sarti faz entrar o Procurador. Galileu aproveita para acabar de se vestir e rabiscar nmeros num papel. me empreste meio escudo. Entrega a Dona Sarti a moeda que o Procurador havia pescado em sua bolsa. Dona Sarti, m ande Andrea ao oculista para comprar duas lentes; as medidas esto aqui. Dona Sart i sai com o papel. GalileuBom-dia, ProcuradorEu Em todo caso, o senhor no esquea que a Repblica talvez no pague tanto quanto certos prncipes, mas garante a liberdade de pesquisa. Ns em Pdua admitimos at mesmo alunos protestantes. E lhes damos o diploma de doutor. Quan do provaramprovaram, senhor G alileuque Cremonini dizia coisas contra a religio, ns no s no o entregamos Inquisio o aumentamos o salrio dele. At na Holanda se sabe qLie Veneza a Repblica onde a Inq uisio no manda. E isso tem um certo valor para o senhor, que astrnomo, que trabalha numa disciplina em que h muito tempo a doutrina da Igreja no encontra mais o devid o respeito! Procurador vim tratar do seu pedido de aumento; o senhor quer68 Galileu uma besteira. Procurador Bertolt Brecht Andrea Galileu Vida de Galileu 69 Mas so a verdade. O senhor chama de besteira uma coisa que encantou e espantou os cidados mais emin entes e rendeu dinheiro vista. Eu ouvi dizer que o prprio marechal Stefano Gritti capaz de tirar uma raiz quadrada com o seu instrumento! fato, milagroso! Em tod o caso, o senhor me fez pensar. Talvez eu tenha alguma coisa do gnero que lhe int eressa. ? Seria a soluo. Levanta-se. Galileu, ns sabemos que o senhor um grande home m. Grande, mas insatisfeito, se me permite dizer. Sou, sou insatisfeito, mais um a razo para vocs me pagarem melhor, se fossem mais inteligentes! Pois a minha insa tisfao comigo mesmo. Mas, em vez disso, vocs fazem tudo para que eu fique insatisfe ito com vocs. verdade, meus senhores de Veneza, que eu gosto de usar o meu engenh o no seu famoso arsenal, nos estaleiro e na fundio de canhes. O arsenal pe questes mi nha cincia, que a levariam mais adiante, mas vocs no me do tempo de especular. Vocs a marram a boca ao boi que est trabalhando. Eu tenho quarenta e seis anos e no fiz n ada que me satisfizesse. Nesse caso, eu no vou incomod-lo mais. Mas proibiram. E nesse caso tem mais. Ns, fsicos, ainda no conseguimos provar o que julgamos certo. Mesmo a dou trina do grande Copmico ainda no est provada. Ela apena s uma hiptese. Me passe as lentes. O meio escudo no deu. Deixei o meu casaco de pe nhor. GalileuDe Andrea Procurador Galileu Voc vai passar o inverno sem casaco? Pausa. Galileu arruma as lentes sobr e a folha em que est o esboo. Andrea Galileu O que uma hiptese? Galileu quando uma coisa nos parece provvel, sem que tenha mos os fatos. Veja a Felcia, l em baixo, na frente do cesteiro, com a criana no peito. uma hiptese que ela d leite cr iana e que no seja o contrrio; uma hiptese enquanto eu no puder ir l, ver de perto e emonstrar. Diante das estrelas, ns somos como vermes de olhos turvos, que vem muit o pouco. As velhas doutrinas, aceitas durante mil anos, esto condena das; h mais ma deira na escora do que no prdio enorme que ela sustenta. Muitas leis que explicam pouco, enquanto a hiptese nova tem poucas leis que explicam muito. Mas o senhor provou tudo para mim. Procurador Andrea Galileu Galileu Obrigado. O Procurador sai. Galileu fica sozinho por alguns instantes e comea a t rabalhar. Andrea entra correndo. Galileu trabalhando Por No. Eu s mostrei que seria possvel. Voc compreende, a hiptese muito bonita e no h que a desminta. Eu tambm quero ser fsico, senhor Galileu. que voc no comeu a ma? Andrea Andrea pra ela ver que ela gira. Galileu Andrea Galileu GalileuAcredito, Andrea, oua aqui, no fale aos outros de nossas idias. Por qu? Porque as autoridades proibiram. considerando a infinidade de questes que resta esclarecer em nosso campo. Galileu foi at a janela, e olhou atravs das lentes. O seu interesse moderado. Andrea, d um a olhada. Andrea Virgem Maria, chegou tudo perto. O sino do campanrio, pertinho. D para ler at as le tras de cobre: Gratia Dei.70 Galileu Bertolt Brecht Vida de Galileu Sagredo 71 Isso vai nos render quinhentos escudos. Meu velho, voc vai pagar o aougue. Galileu , vai dar dinheiro para eles. Inclina-se outra vez. GALILEU GALILEI ENTREGA UMA NOVA INVENO REPBLICA DE VENEZA Um grande homem no grande por igual. Mais vale comer bem que comer mal. Esta a hi stria mais que clara Do telescpio de Galileu, Que ele inventou que inventara. sobe tribuna Excelncia, venerveis Conselheiros! Os caracteres venezianos iro cobrir mais uma das pginas gloriosas do grande livro das artes. Aplauso corts. Um sbio de renome mundial vos entrega aqui, e somente avs, um tubo de grande interesse come rcial, para que o fabriqueis e o lanceis no mercado como melhor vos aprouver. Ap lauso mais vigoroso. Procurador Conselheiros, sua frente o doge. Ao lado, Sagredo, amigo de Galileu, e Virginia Galilei, moa de quinze anos; ela segura uma almofada de veludo, sobre a qual est u ma luneta de uns sessenta centmetros, metida num estojo de couro carmesim. Galile u est sobre uma tribuna. Atrs dele, a armao para o telescpio, ao cuidado de Federzoni , o operrio polidor de lentes. Galileu Excelncia, venerveis Conselheiros. Como professor de matemtica na vossa Universidad e de Pdua, e como diretor de vosso Grande Arsenal, aqui em Veneza, considero que a nobre tarefa docente, que me foi confiada, no a minha nica misso. Procuro tambm pr oporcionar vantagens excepcio nais Repblica Veneziana, atravs de invenes com aplica ica. Com alegria profunda e toda a humildade devida, estou em condies de apresenta r e entregar-vos hoje um instrumento inteiramente novo, o meu tubo tico, o telesc p io, construdo em vosso famosssimo Grande Arsenal, segun do os princpios mximos da cinc ia e do cristianismo, fruto de dezessete anos de paciente pesquisa de seu dedica do servidor. Galileu desce da tribuna e vai postar-se ao lado de Sagredo. Palmas . Galileu se curva. Galileu baixinho, a Sagredo continuandoE tereis refletido, senhores, que em caso de guerra este instrumento p ermitir que reconheamos, duas horas antes que o inimigo nos reconhea, a espcie e o nm ero das suas embarcaes, de modo que, sabedores de sua fora, decidiremos pela perseg uio, pela luta ou pela fuga? Aplauso fortssimo. E agora, Excelncia, venerveis Conselh eiros, o senhor Galileu vos pede que aceiteis este instrumento de sua inveno, esta prova de sua intuio, das mos de sua encantadora filha. Msica. Virginia avana, faz um a reverncia e entrega a luneta ao Procurador, que a entrega a Federzoni. Federzon i monta o instrumento no trip e ajusta as lentes. O Doge e os Conselheiros sobem tribuna e olham atravs do tubo. Procurador Galileubaixinho muita palhaada para se agentar at o fim. Esses a pensam que esto ganhando u brinquedo lucrativo, mas muito mais. Ontem eu apontei o tubo para a Lua. O que foi que voc viu? Ela no tem luz prpria. O qu? vendo a fortaleza de Santa Rosita, senhor Galileu. Sagredo Galileu Sagredo Tempo perdido! ConselheiroEstou72 Bertolt Brecht Vida de Galileu Procurador 73 Naquela barca ali esto almoando. peixe frito. Estou com fome. Galileu Senhor Galileu, Sua Excelncia, o Doge. O Doge aperta a mo de Galileu. verdade, os quinhentos! Vossa Excelncia est satisfeita? o que lhe digo. A astronomia parou h mil anos porque no havia telescpio. Senhor Gal ileu! Galileu DogeEm Conselheiro Sagredo nossa Repblica, infelizmente, s damos alguma coisa aos sbios quando h pretexto para os nossos senadores. Mas, se no fosse assim, onde ficaria o estmulo, o senhor no ac ha, Galileu? Ele est falando com voc. Procurador Conselheiro Com esse negcio a gente v bem demais. Eu vou proibir o mulherio l em casa de tomar banho no telhado. Voc sabe do que feita a Via Lctea? No. Eu sei. Galileu Sagredo Galileu Doge sorrindo Precisamos de pretextos. O Doge e o Procurador conduzem Galileu em direo dos Conse lheiros, que logo o cercam. Virginia e Ludovico saem devagar. Eu me sa bem? Achei perfeito. Virgnia Conselheiro Uma coisa dessas, senhor Galileu, vale bem dez escu dos. Galileu faz uma curvatur a. Papai, Ludovico quer cumprimentlo. Ludovico Virgnia Mas o que foi? Nada. Um estojo verde talvez no fosse pior. Virgnia trazendo Ludovico Ludovico Virgnia Ludovico vexado Galileu Meus cumprimentos, senhor. Eu acho que esto todos satisfeitos com papai. Eu melhorei o aparelho. Ludovico Ludovico Perfeitamente. O senhor fez um estojo vermelho. Na Holanda era verde. E eu acho que estou comeando a entender alguma coisa de cincia. Gat.it.ku vira-separa SagredoEu me pergunto at se com esse troo eu no vou provar uma certa doutrina. Sagredo 3 10 DE JANEIRO DE 1610. SERVINDO-SE DO TELESCPIO, GALILEU DESCOBRE FENMENOS CELESTE S QUE CONFIR MAM O SISTEMA COPERNICANO. ADVERTIDO POR SEU AMIGO DAS POSSVEIS CONSE QNCIAS DE SUA PESQUI SA, GALILEU AFIRMA A SUA F NA RAZO HUMANA Dez de janeiro de mil seiscentos e dez: Galileu Galilei via que o cu no existia. No seja inconveniente. seus quinhentos escudos esto garantidos, Galileu. ProcuradorOs Galileu sem dar-lhe ateno claro que desconfio de concluses precipitadas. O Doge, um homem gordo e modesto, aproxima-se de Galileu e tenta falar-lhe, com dignidade.74 Bertolt Brecht Vida de Galileu Sagredo 75 Quarto de estudos de Galileu, em Pdua. Noite. Galileu e Sagredo, metidos em gross os capotes, olham pelo telescpio Sagredo No, isso absurdo. Como pode a Terra emitir luz, com suas montanhas, suas guas e ma tas, e sendo um corpo frio? olhando pelo telescpio, a meia voz Os bordos do cres cente esto irregulares, dentea dos e rugosos. Na parte escura, perto da faixa luminosa, h pontos de luz. Vo apare cendo, um depois do outro. A partir deles a luz se espraia, ocupa superf cies semp re maiores, onde conflui com a parte luminosa principal. E como se explicam esses pontos luminosos? No pode ser. Pode, so montanhas. Numa e strela? GalileuDo mesmo modo que a Lua. Porque as duas so iluminadas pelo Sol e por isso que elas b rilham. O que a Lua para ns, ns somos para a Lua. Ela nos v ora como crescente, ora como semicrculo, ora como Terra cheia e ora no nos v. Portanto no h diferena entre Lu a e Terra? Pelo visto, no. Sagredo Galileu Sagredo Galileu Sagredo Galileu No faz dez anos que, em Roma, um homem subia fogueira. Chamava-se Giordano Bruno e afirmava exatamente isso. Claro. E agora estamos vendo. No pare de olhar, Sagre do. O que voc v que no h diferena entre cu e terra. Hoje, dez de janeiro de 1610, a h manidade registra em seu dirio: aboliu-se o cu. Sagredo Galileu Galileu Montanhas enormes. Os cimos so dourados pelo sol nascente, enquanto a noite cobre os abismos em volta. Voc est vendo a luz baixar dos picos mais altos ao vale. Mas isso contradiz a astronomia inteira de dois mil anos. Sagredo Galileu Sagredo terrvel. GalileuE . O que voc est vendo homem nenhum viu, alm de mim. Voc o segundo. a Lua no pode se ma Terra, com montanhas e vales, assim como a Terra no pode ser uma estrela. Lua pode ser uma Terra com montanhas e vales e a Terra pode ser uma estrela. Um corp o celeste qualquer, um entre milhares. Olhe outra vez. A parte escura da Lua int eiramente escura? No, olhando bem eu vejo uma luz fraca, cinzenta. Essa luz o que ? ainda descobri outra coisa, quem sabe se mais espantosa.SagredoMas Dona Sarti de fora O Procurador. Entra o Procurador, agitado. Procurador GalileuA O senhor perdoe a hora. Seria um favor se eu pudesse falar ao senhor em particul ar. Priuli, tudo o que eu posso ouvir, o senhor Sagredo tambm pode. GalileuPrezado Sagredo Galileu ProcuradorMas talvez no lhe seja agradvel que esse senhor oua o que aconteceu. lamentvel, uma cois a inteiramente incr vel. Por isso no, que o senhor Sagredo est habituado a ver o inc rvel em minha companhia. Eu lamento, lamento. Apontando o telescpio. Ei-lo, Galileu Sagredo ? Galileu da Terra. Procurador 76 Bertolt Brecht Vida de Galileu 77 o objeto extraordinrio. O senhor pode jogar fora esse objeto, que d no mesmo. No se rve para nada, absolutamente nada. Sagredo que andava para baixo epara cima, inquietoMas como? Procurador teceles elogiam a sua mquina. Como que eu podia esperar uma coisa dessas? Galileu O senhor sabe que este seu invento, este seu fruto de dezessete anos de pesquisa pode ser comprado em qualquer esquina da Itlia por um par de escudos? E que a fa bricao holandesa? No porto, neste instante, h um cargueiro holands, descarregando qu inhentos telescpios. No diga! Eu no entendo a sua calma, meu senhor. Mais devagar, Priuli. As rotas martimas continuam longas, arriscadas e caras. Fal ta uma espcie de relgio seguro no cu. Uma baliza para a navegao. Pois bem, eu tenho r azes para supor que certas estrelas, de movimento muito regular, podem ser acompa nhadas pelo telescpio. Com mapas novos, meu caro, a marinha poderia economizar mi lhes de escudos. Procurador Gat.ii.f.u Procurador Sagredo Mas de que o senhor est falando? Permita-me contar que nestes dias, e por meio de ste instrumento, o senhor Galileu fez descobertas inteiramente revolucionrias a r espeito do mundo das estrelas. D uma olhada, Priuli. Deixe disso. J lhe dei muito ouvido. Em troca de minha boa vontade, o senhor me f ez de palhao para a cidade inteira. Eu vou passar histria como o procurador que ca iu no conto do telescpio. O senhor tem por que rir, agarrou os seus quinhentos es cudos, mas eu lhe digo uma coisa, e um homem honesto quem diz: esse mundo me d noj o! Sai, batendo a porta. Assim furioso, ele chega a ser simptico. Voc ouviu? Um mu ndo no qual no se pode fazer negcios d nojo. Voc sabia desse instrumento holands? Galileu Galileu rindo Procurador Sagredo Galileu O senhor que vai me permitir, pois a mim me basta a descoberta que fiz quando ar ranjei a duplicao do salrio de Galileu, em troca desse trambolho. Foi por mero acas o que os senhores do Conselho, quando olhavam pelo telescpio, achando que garanti am Repblica um instrumento que s se produziria aqui, no viram na esquina, sete veze s ampliado, um vendedor ambulante vendendo este mesmo telescpio pelo preo de um po com manteiga. Galileu d uma risada sonora. Sagredo Meu caro senhor Priuli, talvez eu no saiba julgar o valor desse instrumento para o comrcio, mas o seu valor para a filosofia to imenso que... a filosofia! O senhor Galileu matemtico, o que ele tem que mexer com a filosofia? Senhor Galileu, o senhor inventor de uma bomba de gua muito til cidade, e o sistema de irrigao que o sen hor projetou funciona. Tambm os claro que sim, de ouvir falar. Mas o aparelho que eu constru para esses bolhas do Conselho muito melhor. Como que eu posso trabalhar com o oficial de Justia na sa la? E Virginia logo, logo, precisa de um dote, ela no inteligente. Depois, eu gos to de comprar livros, e no so s livros de fsica, e gosto de comida decente. Quando c omo bem que me vm as melhores idias. Que tempos miserveis! Eles me pagam menos que ao cocheiro que lhes transporta os barris de vinho. Quatro feixes de lenha por d uas aulas de matemtica. Agora eu agarrei quinhentos escudos, mas no d para pagar as dvidas, algumas de vinte anos. Cinco anos de sossego para as minhas pesquisas, e eu provaria tudo! Quero que voc veja mais outra coisa. ProcuradorPara Sagredo hesita, antes de voltar ao telescpio O que eu sinto quase como medo, Galileu. mostrar uma das nebulosas brancas e brilhantes da GalileuVou lhe78 Bertolt Brecht Vida de Galileu Sagredo 79 Via Lctea. Me diga do que ela feita! Sagredo Galileu Calma, voc pensa depressa demais! So estrelas, incontveis. GalileuQue depressa nada! Acorda, rapaz! O que voc est vendo nunca ningum viu. Eles tinham razo . Quem, os copemicanos? S na constelao de rion so quinhentas estrelas fixas. So os muitos mundos, os incontv outros mundos, as estrelas distantes de que falava o queimado-vivo. Ele no chego u a v-las, as estrelas que esperava! Mas, mesmo que esta Terra seja uma estrela, h muita distncia at as afirmaes de Coprnico, de que ela gira em volta do Sol. No h es la no cu que tenha outra girando sua volta. Mas em tomo da Terra gira sempre a Lu a. duvido, Sagredo. Desde anteontem eu duvido. Olhe J piter acerta o telescpio junt o dele esto quatro estrelas menores, que s se vem pelo telescpio. Eu as vi na segund afeira, mas no fiz muito caso da sua posio. Ontem, olhei outra vez. Jurava que toda s as quatro tinham mudado de lugar. Eu tomei nota. Esto diferentes outra vez. O q ue isso? Se eu vi quatro. Agitado. Olhe voc! Eu vejo trs. Sagredo Galileu Sagredo E o outro! O mundo todo estava contra eles e eles tinham razo. Andrea que vai gos tar. Fora de si corre para a porta e grita Dona Sarti! Dona Sarti! Galileu,.voc p recisa se acalmar! Sagredo, voc precisa se animar! Dona Sarti! Sagredo Galileu Sagredo GalileuEu desvia o telescpio Voc quer parar de gritar como um louco? Galileu Voc quer parar de fazer cara de peix morto, quando a verdade foi descoberta? Sagredo Eu no estou fazendo cara de peixe morto, eu estou tremendo de medo de que seja me smo verdade. O qu? Sagredo Galileu Galileu A quarta onde est? Olhe as tabelas. Vamos calcular o movimentos que elas possam ter feito. Excitados, sentam-se e trabalham. O palco escurece, mas no horizonte c ontinua-se a ver Jpiter e seus satlites. Quando o palco clareia, ainda esto sentado s, usando capotes de inverno. Gat.ti.eu Sagredo Mas voc no tem um pouco de juzo? No percebe a situao em que fica se for verdade o que est vendo? Se voc andar por a gritando pelas feiras que a Terra uma estrela e que no o centro do universo?Est provado. A quarta s pode ter ido para trs de Jpiter, onde ela no vista. Est a um strela que tem outra girando sua volta. Mas, e a esfera de cristal, em que Jpiter est fixado? Galileu Sim senhor, e que no o universo enorme, com todas as suas estrelas, que gira em t orno de nossa Terra, que nfima o que alis era de se imaginar. Sagredo Galileu Sagredo E que, portanto, s existem estrelas! E Deus, onde que fica? O que voc quer dizer? Deus, onde que fica Deus? De fato, onde que ela ficou? Como pode Jpiter estar fixado, se h estrelas girando em sua volta? No h suporte no cu, no h ponto fixo no universo! outro sol! Galileu Sagredo 80 Gai.tif.tt Bertolt Brecht Vida de Galileu Galileu 81 em fria L no! Do mesmo jeito que ele no existe aqui na Terra, se houver habitantes d e l que queiram ach-lo aqui! E ento onde que ele fica? Isso inteiramente falso, uma calnia. Eu no entendo como voc possa amar a cincia, ac editando nisso. S o morto insensvel a um bom argumento! Como voc confunde a miservel esperteza deles com a razo! Sagredo Galileu Sagredo Eu sou telogo? Eu sou matemtico. SagredoAntes de tudo voc um homem, e eu pergunto: onde est Deus no seu sistema do mundo? Em ns, ou em lugar algum. mesma fala do queimado-vivo? Galileu Galileu Sagredo gritando A Galileu Sagredo A mesma fala do queimado-vivo! Por causa dela ele foi queimado! No faz dez anos! ele no tinha como provar! Porque ele s GalileuPorque afirmava! Dona Sarti! Sagredo Galileu, eu sempre o conheci como homem de juzo. Durante dezessete anos em Pdua, e durante trs anos em Pisa, pacientemente voc ensinou a centenas de alunos o sistem a de Ptolomeu, que adotado pela Igreja e confirmado pela Escritura, na qual a Ig reja repousa. Voc, na linha de Copmico, achava errado, mas ensinava assim mesmo. P orque eu no tinha provas. E voc acha que isso faz alguma diferena? Eu no estou falando da esperteza. Eu sei que na hora de vender o povo chama o bur ro de cavalo, e chama o cavalo de burro na hora de comprar. Essa a sua esperteza . A velhinha sabida, que d mais capim sua mula porque na manh seguinte vo viajar; o navegador que prov seu barco pensando na tempestade e na calmaria; a criana que b ota um bon se lhe provaram que pode chover, so esses a minha esperana. Eles usamaca bea. Sim senhor, eu acredito na fora suave da razo. A longo prazo, os homens no lhe resistem, no agentam. Ningum se cala indefinidamente Galileu deixa cair uma pedra d e sua mo se eu disser que a pedra que caiu no caiu. No h homem capaz disso. A seduo doargumento grande demais. Ela vence a maioria, todos, a longo prazo. Pensar um d os maiores prazeres da raa humana. senhor quer alguma coisa, seu Galileu? Dona Sarti entrando O Galileu Quero, quero Andrea. Andrea? Ele est na cama, dormindo. Galileu Dona Sarti Galileu Sagredo incrdulo Galileu Ser que ele no pode acordar? O senhor est precisando dele? Dona Sarti Faz toda a diferena. Veja aqui, Sagredo! Eu acredito no homem, e isto quer dizer que acredito na sua razo! Sem esta f eu no teria a fora de sair da cama pela manh. En to eu vou lhe dizer uma coisa: eu no acredito nela. Quarenta anos entre os homens me ensinaram, com constn cia, que eles no so acessveis razo. Voc mostra a eles a cau vermelha de um cometa, voc mete medo neles, e eles saem de casa e correm at acabar as pernas. Mas voc faz uma afirmao racional, prova com sete argumentos, e eles rie m na sua cara. Galileu para mostrar uma coisa, uma coisa de que ele vai gostar. Ele vai ver uma coisa q ue, fora ns, ningum viu, desde que a Terra existe. outra vez? Sagredo Dona Sarti esse tubo Galileu o meu tubo, Dona Sarti. E para isso eu vou acordar o menino no meio da noite? Dona Sarti 82 Bertolt Brecht Vida de Galileu Virgnia Galileu Virgnia 83 O senhor est bom da cabea? De noite ele precisa dormir. Mas nem por sonho eu vou a cordar o menino. Galileu Bom-dia, pai. Voc j est de p? De jeito nenhum? Dona Sarti De jeito nenhum. Galileu Vou missa das seis, com Dona Sarti. Ludovico tambm vai. Como foi a noite, pai? Cl ara. Posso olhar? Dona Sarti, ento a senhora mesma talvez me ajude. A senhora veja, h uma questo aqui , e ns no conseguimos chegar a um acordo, provavelmente porque lemos livros de mais . uma questo sobre o cu, uma questo a respeito das estrelas. a seguinte: o que mais provvel: que o grande gire em torno do pequeno, ou que o pequeno gire em torno d o grande? Galileu Virgnia Galileu Pra qu? Virginia no sabe o que responder. Isso no brinquedo. No, pai. Dona Sarti desconfiadaEu com o senhor nunca sei. O senhor est perguntando a srio, ou est fazend o troa comigo? perguntando a srio. Virginia Galileu Galileu Estou Dona Sarti Alm do mais, esse tubo uma decepo, voc vai ouvir isso em toda parte. Custa trs escud s a pela rua, j o tinham inventado na Holanda. Voc viu mais coisas novas no cu? Bom, a resposta fcil. Sou eu que trago a comida para o senhor ou o senhor que tra z para mim? a senhora que traz. Ontem estava queimada. Virginia Galileu Galileu Dona Sarti E por que queimou? Porque o senhor pediu os sapatos enquanto eu estava cozinhand o. No fui eu quem trouxe os sapatos? Galileu provvel. Dona Sarti Justamente. Porque pagar. o senhor quem estudou e pode Nada para voc. S umas manchinhas escuras no lado esquerdo de uma estrela grande pa ra as quais eu preciso dar um jeito de chamar a ateno. Galileufala a Sagredo,por c ima da cabea de sua filha. Acho que vou batiz-las de estrelas Medicias, em homenagem ao Gro-Duque de Florena. Fa lando sua filha Uma coisa que te interessa, Virginia: p ro vavelmente nos mudamos para Florena. Eu escrevi uma carta para l, vendo se o GroDuque me quer para matemtico da corte. Na corte? Virginia radiante Sagredo Galileu Estou vendo. De modo que no h dificuldade. Bons-dias, Dona Sarti. Sarti sai, dando risada. Galileu! Galileu E gente assim no havia de entender a verdade? Eles tm fome de verdade! O sino anun cia a missa das seis. Entra Virginia, de capote, carregando um lampio com quebravento. GalileuMeu caro, eu preciso de sossego. Eu preciso de provas. Eu quero comer carne. L me dis pensam de enfiar Ptolomeu na cabea de alunos particulares, e terei tempo, tempo, tempo, tempo, tempo! para elaborar as minhas provas, porque o que84 Bertolt Brecht Vida de Galileu Galileu 85tenho agora no basta. Isto aqui no nada. um msero fragmento de trabalho. No coisa c m que eu possa me apresentar ao mundo. Ainda no h prova alguma de que algum corpo celeste gire em tomo do Sol. Mas eu vou arranjar as provas, vou provar a todos, de Dona Sarti ao Papa. Meu nico medo que no me queiram na corte. Virgnia Galileu Querem, sim, meu pai, com as estrelas novas e tudo. Pois eu vou peg-los pela cabea e botar o olho deles no telescpio. Tambm os padres so gente, Sagredo. Tambm eles sucumbem seduo das provas. Copmico, no esquea disso, queri que eles acreditassem no clculo dele. Eu, eu quero apenas que eles acreditem nos prprios olhos. Quando a verdade fraca demais para se defender, ela precisa passa r ofensiva. Eu vou peg-los pela cabea e voufor-los a olhar por esse telescpio. Galil u, vejo voc num caminho terrvel. uma noite desgraada a noite em que o homem v a verd ade. de cegueira o momento em que ele acredita na razo da espcie humana. Quando di zemos que algum caminha lucidamente? Quando se trata de algum que caminha para a d esgraa. Os poderosos no podem deixar solto algum que saiba a verdade, mesmo que sej a sobre as estrelas mais distantes! Voc acha que o Papa vai ouvir a sua verdade, quando voc disser que ele errou, e que no vo ouvir que ele errou? Voc acha simplesme nte que ele abre o dirio e escreve uma nota: 10de janeiro de 1610aboliuse o cu? Voc no entende? Sair da Repblica, com a verdade no bolso, para entrar na ratoeira dos padres e dos prncipes, de telescpio na mo! Dentro da sua cincia voc desconfiado, mas quanto s circunstncias que possam favorecer o exerccio dela voc crdulo como uma crian . Voc no acredita em Aristteles, mas acredita no Gro-Duque de Florena. Ainda h pouco e u o olhava quando voc olhava as novas estrelas pelo telescpio, mas o que eu via er a voc de p, sobre um monte de lenha. E quando voc disse que acredita em provas, eu senti o cheiro de carne queimada. Eu amo a cincia, porm mais a voc, meu amigo. No v p ara Florena, Galileu! Vai para a missa. Virginia sai. Eu raramente escrevo a grandes personagens. Pass a uma carta a Sagredo. Voc acha que a carta est bem? Sagredo Galileu Sagredo l em voz alta o fim da carta que Galileu lhe entregou Pois a nada aspiro tanto com o estar mais prximo de vs, do sol nascente que iluminar o nosso tempo O Gro-Duque de Florena tem nove anos de idade. isso. Eu estou vendo que voc achou a carta servil. Eu me pergunto se ela no devia ser mais servil ainda, se no est muito formal, como se me faltasse a dedicao autntica . Uma carta comedida pode escrever quem confirma Aristteles, quem tenha esse mrito ; eu no posso. Um homem como eu s de cara no cho chega a uma posio passavelmente dign a. E voc sabe que eu desprezo pessoas que no tm o crebro necess rio para encher a barr iga. Dona Sarti e Virginia passam pelos dois, vo missa. Sagredo Galileu Sagredo Galileu Sagredo GalileuGalileu, no v para Florena. Por que no? Porque l os padres mandam. Na corte de Florena h sbios de grande reputao. Lacaios. Galileu Se eles me aceitarem, vou. A ltima pgina da carta aparece sobre uma cortin a. Se dei o nome egrgio da casa de Mediei s novas estrelas que descobri, no me escap ara que deuses e heris conquistam o cu estrelado para fixar a prpria glria, enquanto aqui, bem ao contrrio, o egrgio nome da casa de Mediei ir garantir vida imortal s e strelas. Eu, entretanto, que reputo grande honra ter nascido sdito de Vossa Altez a, me recomendo como um de vossos servidores mais fiis e dedicados. Pois a nada a spiro86 Bertolt Brecht Vida de Galileu 87 tanto como estar mais prximo de vs, do sol nascente que iluminar o nosso tempo. Gal ileu Galilei. Cosmo de Mediei, seguido pelo mestre-sala e por duas damas de companhia. Cosmo Eu quero ver o telescpio. 4 GALILEU TROCOU A REPBLICA DE VENEZA PELA CORTE FLORENTINA, CUJOS SBIOS NO DO CRDITO S SUAS DESCOBERTAS FEITAS PELO TELESCPIO O Mestre-Sala Vossa Alteza h de ter pacincia, at que o senhor Galileu volte da universidade com o s outros senhores. Voltandosepara Dona Sarti.O senhor Galileu quer que os astrnomo s examinem as estrelas que ele descobriu e batizou de Medicias. Eles no acreditam no telescpio nem um pouco. Onde que est? Cosmo O que velho diz: fui, sou, serei assim. O que novo diz: caia fora o que ruim. L em cima, no quarto de estudo. O menino balana a cabea, olha a escada e, quando Do na Sarti faz que sim, sobe correndo. O Mestre-Sala Dona Sarti Casa de Galileu em Florena. Dona Sarti arruma o quarto de estudos de Galileu para a chegada dos estudantes. O seu filho Andra, sentado, arruma os mapas estelares. Desde que chegamos a esta decantada Florena os salamaleques e a puxao no param mais. A cidade inteira desfila diante desse canudo, e quem limpa o cho depois sou eu. E no vai adiantar nada! Se essas descobertas prestassem, os padres seriam os prim eiros a reconhecer. Eu passei quatro anos trabalhando em casa de monsenhor Filip po, e no acabei de limpar a biblioteca dele toda. Eram livros de couro at o teto, livros que no eram de poesia! O bom monsenhor tinha um quilo de hemorridas, de tan to ficar sentado por causa da cincia, e um homem assim no havia de saber? E essa g rande visita de hoje vai ser um fiasco, de modo que amanh, para variar, no tenho c oragem de olhar o leiteiro na cara. Eu que estava certa quando disse que ele dev ia preparar um bom jantar, oferecer um bom pedao de carneiro, antes de mostrar o telescpio. Mas no! Ela imita Galileu O que eu vou mostrar a eles melhor. Batem port , embaixo. Dona Sarti Dona Sarti um homem muito velhoAlteza! Volta-separa Dona Sarti A senhora acha necessrio subir ? Eu estou aqui s porque o preceptor est de cama. no vai acontecer nada ao jovem senhor. O meu menino est l em cima. Dona SartiDeixe,Cosmo entrando Boa-noite. Os meninos se inclinam cerimoniosamente. Pausa. Andrea volta ao seu trabalho. Andrea muito semelhante ao seuprefessor Isto aqui parece a casa da sogra. Muita visita? Mexem em tudo, arregalam o olho e no pescam nada. Cosmo Andrea Cosmo Eu entendo. esse o ...1 Aponta para o telescpio. esse. Mas no para botar o dedo. Andrea , Cosmo olha pela fresta da janela Meu Deus, o gro-duque j chegou. E Galileu ainda est na u niversidade! Desce a escada correndo, efaz entrar o Gro-Duque de Toscana, E isso, o que ? Aponta para o modelo do sistema de Ptolomeu.88 Andrea Cosmo Bertolt Brecht Vida de Galileu Cosmo 89 Esse o ptolomaico. Ele mostra o movimento do Sol, no ? Eu devolvo, mas voc devia ser um pouco mais educado, sabe? educado, voc um bobo, e d c, seno vai ter. Andrea o que dizem. Cosmo AndreaEducado, Cosmo senta-se numa cadeira e pe o meu professor est resfriado. inquieto e incerto, examina o capaz de resistir tentao, verdade assim. O que assim? modelo sobre as pernas Hoje eu sa mais cedo porque o gostoso este lugar. andando para baixo e para cima, outro menino com olhar desconfiado; finalmen te, in pesca um modelo copemicano que est detrs dos mapas Mas naTire a mo, viu? Comeam a brigar e logo rolam no cho. Voc vai ver como se trata um mo delo. Pede gua! Andrea Cosmo Andrea Andrea Partiu no meio. Voc est me torcendo a mo. Voc vai ver quem tem razo e quem no tem. Diz que ele gira, seno eu bato! No digo. Ai seu estpido! Voc vai aprender a ser bemeducado. Cosmo Andrea Cosmo apontando o modelo nas mos de Cosmo Dizem que assim, mas apontando para o seu ass im que . A Terra gira em tomo do Sol, o senhor compreende? Voc acha mesmo? Est provado. Andrea Estpido? Quem estpido? Lutam silenciosamente. Embaixo, entram Galileu e alguns pro fessores da universidade; atrs deles, Federzoni. Cosmo O Mestre-SalaMeus Andrea Cosmo senhores, um leve mal-estar impediu o precep tor de Sua Alteza, senhor Suri, de acompanhar Sua Alteza at aqui. Eu espero que no seja grave. No grave. Sua Alteza no v eio? No diga. Eu quero saber por que no me deixam mais ver o velho. Ontem ele ainda apa receu para o jantar. O senhor parece que no acredita, hein? O Telogo Andrea Cosmo Andrea O Mestre-Sala Como no? Acredito sim. Galileu desapontado O Mestre-SalaSua indicando subitamente o modelo sobre Cosmo D c, nem esse voc entende! Mas voc no precisa dos dois. D c, isso no brincadeira pra criana. os joelhos de Cosmo Andrea Alteza subiu. No se prendam, senhores. A corte est ansiosssima, esperando a opinio d a ilustre universidade a respeito do extraordinrio instrumento do senhor Galileu e das suas maravilhosas estrelas novas. Sobem. Os meninos, cados no cho, ficam qui etos. Ouviram o barulho. Cosmo Chegaram. Deixe eu levantar.90 Bertolt Brecht Vida de Galileu 91 Levantam depressa. Os Jpiter, as estrelas Medicias. Andreaenquanto sobem No, no, est tudo perfeitamente bem.A epidemia na cidade velha no de p ste, a Faculdade de Medicina excluiu essa hiptese. Com o frio que est fazendo, os miasmas no resistiriam. O pior desses casos sempre o pnico.No h nada alm de resfria , que so comuns nesta estao do ano.No h dvida possvel.Tudo perfeitamen te bem. Saud imeiro andar. Senhores Gat.it.ftt indicando a banqueta diante do telescpio favor sentar aqui. O Filsofo Muito obrigado, meu filho. Mas eu receio que isso tudo no seja to simples. Senhor Galileu, antes de aplicarmos o seu famoso telescpio, gostaramos de ter o prazer de uma disputa. Assunto: possvel que tais planetas existam? O Matemtico Uma disputa formal. Galileu Alteza, tenho a felicidade de trazer novas vossa presena e aos senhores de vossa u niversidade. Cosmo faz curvaturas muito formaispara todos os lados, tambm para An drea. Eu achava mais simples os senhores olharem pelo telesc pio para terem certeza. Aqu i, por favor. Andrea vendo no cho o modelo ptolomaico partido Parece que aqui h alguma coisa quebrada. Cosmo abaixa-se rapidamente e apanha o modelo, que entrega a Andrea com gesto co rts. Enquanto isso, disfarando, Galileu d sumio no outro modelo. O Telogo Galileu O MatemticoClaro, claro. O senhor naturalmente sabe que segun do a concepo dos antigos no possvel uma estrela que gire em volta de um centro que no seja a Terra, assim como no possvel um a estrela sem suporte no cu? Sei. Gauleu junto ao telescpio Como Vossa Alteza certamente sabe, j faz algum tempo que ns, ast rnomos, encontramos gran des dificuldades em nossos clculos. Ns nos baseamos num sis tema muito antigo, que est de acordo com a filosofia, mas infelizmente no parece e star de acordo com os fatos. Segundo esse velho sistema, o ptolomaico, supe-se qu e o movimento das estrelas seja muito complicado. O planeta Vnus, por exemplo, de screve um movimento, do tipo seguinte. Galileu desenha num quadro o trajeto epicc lico de Vnus, de acordo com a suposioptolomaica. Mas, mesmo admitindo esses movimen tos complicados, no somos capazes de calcular com preciso a posio futura das estrela s. No as encontra mos no lugar em que deveriam estar. E, alm disso, h movimentos no cu para os quais o sistema ptolomaico no tem explicao alguma. Parece-me que algumas estrelas pe quenas, descobertas por mim, descrevem esse tipo de movi mento volta d o planeta Jpiter. Se os senhores estiverem de acordo, poderamos comear examinando o s satlites de O FilsofoE mesmo sem considerar a possibilidade de tais estrelas, que ao nosso matemtico faz uma mesura em sua direo parece duvidosa, eu gostaria de perguntar com toda a modst ia e como filsofo: seriam necessrias tais estrelas? Aristotelis divini universum.. . Se for possvel, eu preferia que continussemos na lngua comum. O meu colega, o sen hor Federzoni, no entende o latim. Galileu O Filsofo importante que ele nos entenda? Galileu . O FilsofoO senhor me perdoe, pensei que ele fosse operrio, um polidor de lentes.92 Andrea Bertolt Brecht Vida de Galileu Federzoni 93 O senhor Federzoni polidor de lentes e um estudioso. O Filsofo Obrigado, meu filho. Se o senhor Federzoni insiste. Galileu O Filsofo O senhor acha que as estrelas Medicias esto pintadas nas lentes? O senhor est me ac usando de fraude? Sou eu quem insiste. Galileu O argumento perder em brilho, mas a casa sua. O universo do divino Aristteles, com as suas esferas misticamente musicais e as suas abbadas de cristal e os moviment os circulares de seus corpos e o ngulo oblquo do trajeto solar e os mistrios da tab ela dos satlites e a riqueza estelar do catlogo da calota austral e a arquitetura iluminada do globo celeste, forma uma construo de tal ordem e beleza, que deveramos hesitar muito antes de perturbar essa harmonia. Vossa Alteza no quer ver as impo ssveis e desnecessrias estrelas atravs deste telescpio? O Filsofo Mas de maneira alguma! Em presena de Sua Alteza O Matemtico O seu instrumento, no sei se o chamo de seu filho, ou de filho adotivo, extremame nte engenhoso, quanto a isso no h dvida! O Galileu estamos inteiramente convencidos, senhor Galileu, de que nem o senhor nem ningum ousaria dar o nome egrgio da casa reinante a uma estrela cuja existncia no estivess e acima de qualquer dvida. Todos se inclinam profundamente diante do Gro-Duque. FilsofoE O Matemtico No seria o caso de dizer que telescpio no qual se v o que no pode existir? O que o s enhor quer dizer? duvidoso um Cosmo pergunta s damas de companhiaAconteceu alguma coisa com as minhas estrelas? Galileu O MatemticoSeria to mais proveitoso, senhor Galileu, seosenhor nos desse as suas razes, as razes que o movem quando supe que na esfera mais alta do cu imutvel as estrelas possam mover -se e flutuar livremente. AMais Velhadas Damas ao gro-duqueNo aconteceu nada s estrelas de Vossa Alteza. O que estes senhores querem saber se elas existem, se elas existem de fato. Pausa. AMais Jovem Dizem que esse instrumento mostra at os dentes da Ursa Maior. Mostra tambm as part es do Touro. O Filsofo Razes, senhor Galileu, razes! GalileuAs Federzoni Galileu razes? Mas se os olhos e as minhas anotaes mostram o fenmeno? Meu senhor, a disputa est perdendo o sentido. houvesse a certeza de que o senhor no se irritaria mais ai nda, seria possvel dizer que o que est no seu tubo e o que est no cu so coisas difere ntes. impossvel exprimir esse pensamento de maneira mais corts. Meus senhores, vamos ou no vamos olhar? O MatemticoSe O Filsofo Claro, claro. O Matemtico Claro. Pausa. De repente, Andreafaz meia-volta e a passo rgido atraves sa o quarto inteiro para sair. D de encontro com a me, que o segura. Dona Sarti O Filsofo O que foi?94 Andrea Bertolt Brecht Vida de Galileu Federzoni 95 Eles so burros. Livra o brao e sai correndo. Aristteles no tinha telescpio! O Filsofo Pobre criana. O Mestre-SalaAlteza, O Matemtico claro que no, claro que no. O Filsofo meus senhores, peo recordar que em menos de uma hora ter incio o baile da corte. O Matemtico Enfim, que adianta estar sobre ovos? Mais cedo ou mais tarde, o senhor Galileu s e habituar aos fatos. A esfera de cristal seria furada pelos planetas de Jpiter. s implssimo. senhor no vai acreditar, mas no existem as esferas deenftico Se a inteno aqui de sujar Aristteles, uma autoridade aceita no s pela total de da cincia antiga como tambm pelos grandes padres da Igreja, quer me parecer supr fluo prosseguir nesta discusso. Eu recuso discusses que no tenham objetivo concreto . Para mim, chega. A verdade filha do tempo e no da autoridade. A nossa ignorncia infinita, vamos red uzi-la de um centmetro! De que vale serto esperto agora, agora que finalmente pode ramos ser ao menos um pouco menos estpidos! Eu tive a felicidade inimaginvel de enc ontrar um instrumento novo, que permite examinar mais de perto, no muito, uma fra nja do universo. Os senhores deveriam aproveitar. Alteza, minhas senhoras e meus senhores, o que eu me pergunto aonde iremos chegar. Pelo que eu entendo, como c ientistas no temos que perguntar aonde a verdade nos leva. Galileu FederzoniO cristal. O Filsofo Existem, qualquer manual ensina isso, meu rapaz. Federzoni Nesse caso, preciso escrever manuais novos. O O FilsofoAlteza, o meu ilustre colega e eu nos apoiamos em nada menos que a autoridade do divino Aristteles ele mesmo. FilsofoGalileu quase submisso Meus senhores, a f na autoridade de Aristteles uma coisa, e os fato s, que so tangveis, so outra. Os senhores dizem que segundo Aristteles h esferas de c ristal l no alto; que, portanto, h movimentos que no so possveis, porque as estrelas seriam obrigadas a quebrar as esferas. Mas e se os senhores puderem constatar es ses movimentos? Isso no indicaria aos senhores que essas esferas de cristal no exi stem? Meus senhores, eu lhes peo com toda a humildade que acreditem nos seus olho s. Meu caro Galileu, por mais antiquado que parea ao senhor, eu ainda tenho o hbito d e ler Aristteles, e lhe garanto que acredito nos meus olhos quando leio. Galileu O Filsofo furioso A verdade, senhor Galileu, pode levar a muitas partes! Alteza! Nestas noites, na Itlia inteira, h telescpios voltados para o cu. As luas de Jpiter no barateiam o leite. Mas nunca foram vistas, e agora existem. O homem da rua conclui que poderiam existir muitas outras coisas tambm, se ele olhasse melho r. Vossa Alteza deve confirm-lo! Se a Itlia est atenta, no por causa do movimento de algumas estrelas distantes, mas pela notcia de que as doutrinas ditas inabalveis esto abaladas, e qualquer um sabe que o nmero delas grande demais. Meus senhores, no vamos defender doutrinas abala das! So os professores que deveriam derrub-las. Galileu O Matemtico Galileu Eu me acostumei a ver como os senhores de todas as faculdades fecham os olhos a todos os fatos, fazendo de conta que no houve nada. Eu mostro as minhas observaes e eles sorriem, eu ofereo o meu telescpio para que vejam, e eles citam Aristteles. Federzoni O Filsofo Eu preferia que o seu ajudante no desse conselhos numa disputa cientfica.96 GalileuAlteza! Bertolt Brecht Vida de Galileu 97 O meu ofcio no Grande Arsenal de Veneza fazia que eu diariamente estivesse com de senhistas, construtores e ferramenteiros. No foi pouca coisa o que aprendi com es sa gente. Eles no tm leitura e confiam no testemunho de seus cinco sentidos; o tes temunho os leve para onde for, geralmente eles no tm medo. NEM A PESTE INTIMIDA GALILEU, QUE PROSSEGUE EM SUAS PESQUISAS a Quarto de estudos de Galileu, em Florena. madrugada. Galileu, com as suas anotaes, olha pelo telescpio. Entra Virginia, com uma bolsa de viagem. Galileu Virgnia O Filsofo Oh, oh! Galileu Como os nossos marinheiros, que h cem anos deixavam as nossas costas sem saber a que costas chegariam, se que existiam outras costas. Parece que hoje, para encon trar a sublime curiosidade que fez a glria verdadeira da velha Grcia, s indo aos es taleiros. Por tudo o que ouvimos aqui, eu no tenho dvida de que o senhor Galileu v ai fazer admiradores no estaleiro. Virginia! Aconteceu alguma coisa? O O O convento fechou, tivemos que voltar correndo. Em Arcetri apareceram cinco caso s de peste. Sarti! Filsofo Galileu chama VirginiaA estou desolado, mas esta conversao extra ordinariamente instrutiva se estendeu um p ouco demais. Sua Alteza precisa repousar um pouco antes do baile da corte. A um sinal seu, o gro-uque se inclina diante de Galileu. O squito se prepara rapidamente para partir. Mestre-SalaAlteza, rua do Mercado foi trancada esta noite. Na Cidade Velha dizem que h dois mortos, e trs doentes esto morrendo no hospital. Para variar esconderam tudo, at no ter mais jeito. O que voc est fazendo aqui? Galileu barra o caminho dogro-duque e oferece um prato de doces Uma rosquinha, Alteza? A mais velha das damas de companhia leva o gro-duque para fora. Dona Sarti Galileu Dona Sarti entrando Virginia a peste. Meu Deus! Vou arrumar as coisas. Senta-se. Dona Sarti Galileu correndo atrs deles Mas bastava que os senhores olhas sem pelo instrumento! O Mestre-SalaSuaAlteza no deixar de submeter essas afirmaes considerao de nosso maior astrnomo vivo, Padre Crist vo Clvio, astrnomo-chefe do Colgio Papal, em Roma. A senhora no vai arrumar nada. Pegue Virginia e Andrea! Eu vou buscar as minhas a notaes. Vai apressado at a sua mesa e cata ospapis desordenadamente. Dona Sarti vest e um capote em Andrea, que chegou correndo, e arranja um pouco de comida e roupa de cama. Entra um lacaio da corte. O Lacaio Por motivo da doena que reina, Sua Alteza abandonou a cidade em direo a Bolonha. In sistiu, entretanto, que tam bm o senhor Galileu tivesse oportunidade de salvar-se. A calea estar diante da porta em dois minutos.98 Dona Sarti Bertolt Brecht Vida de Galileu 99 a Virgnia e a AndreaVocs saiam j. Aqui, levem isso aqui. Andrea Galileu anda para baixo e para cima. Dona Sarti volta muito plida, sem a trouxa. Galileu Mas por qu? Se voc no disser por qu, eu no vou. O que a senhora est esperando? A senhora quer perder o carro com as crianas? Dona Sarti a peste, meu filho. Virgnia Dona Sarti Vamos esperar o meu pai. Seu Galileu, o senhor est pronto? J foram. Precisaram segurar Virginia. Em Bolonha cuidam das crianas. Mas quem dari a de comer ao senhor? Dona Sarti Galileu Gauleu embrulhando o telescpio na toalha de mesa Ponha Virginia e Andrea na calea. Eu vou num minuto. senhor, sem voc ns no vamos. Voc no vai acabar nunca, se for embrulhar os seus livros . O carro est a. Voc est maluca. Ficar na cidade para cozinhar!... Segura nas mos os seus mapas. A s enhora, Dona Sarti, no pense que estou doido. Eu no posso abandonar essas observaes. Tenho inimigos poderosos e preciso acumular provas para certas afirmaes. VirgniaNo Dona Sarti O senhor no precisa se desculpar. Mas razovel no . Dona Sarti GalileuVirginia, seja razovel. Se vocs no andam logo o cocheiro vai embora. A peste no brincadeira. b Diante da casa de Galileu, em Florena. Galileu sai porta e olha para a rua. Passam duas freiras. GalileuVirginia protestando, enquanto Dona Sarti a leva para fora com Andrea A senhora ajude a c arregar os livros, seno ele no vem. chama da porta Seu Galileu! O cocheiro diz que no espera. Dona Sarti, para mim talvez no seja o caso. Est tudo em desordem, a senhora sabe, observaes de trs meses, que vo para o lixo se eu no as continuar por mais uma ou duas noites. E a epidemia est em toda parte. Seu Galileu! Venha j comigo! Voc est maluco . Dona Sarti dirige-se a elas As irms sabem me dizer onde compro leite? Hoje cedo a mulher do leite no veio, e minha governanta desapareceu. Mercearia aberta, agora, s na cidade baixa. Galileu Uma Freira Outra Freira Dona Sarti GalileuA Dona Sarti O senhor saiu da de dentro? Galileu faz que sim. Essa aquela rua! A duas Freiras fazem o sinal da cruz, murmuram uma ave-maria e fogem. Passa um homem. senhora precisa ir com Virginia e Andrea. Eu vou depois. Daqui a uma hora no sai mais ningum daqui. Voc precisa vir! Ouve. Ele est saindo! Eu vou segur-lo. Sai. dirige-se a ele O senhor no o padeiro aqui de casa? O homem confirma. O senhor viu minha governanta? Ela deve ter sado ontem noite, hoje cedo ela no estava mais. O homem sacode a cabea. Galileu100 Bertolt Brecht Vida de Galileu 101 Em. frente, abre-se uma janela e aparece uma mulher. A MuLHER.gr/tenifo Corra, que essa casa est empestada! Galileu A Velha O senhor injusto. O que que eles vo fazer? Galileu A senhora est sozinha? A senhora sabe alguma coisa de minha governanta? A VelhaEstou. AMulherAsua governanta caiu prostrada, lnofimdarua. Ela devia estar sabendo. Foi por isso que saiu. Que descaso pelo seme lhante! Bate a janela violentamente. Crianas descem a rua. Quando vem Galileu, fogem gritando. Galileu se volta, e aparecem dois solda dos inteiramente encouraados. Os Soldados Meufilho me mandou um recado. GraasaDeus, ele soube ontem noite que havia gente m orrendo na rua e no voltou mais para casa. Essa noite, foram onze casas aqui no b airro. Estou com remorso de no ter mandado embora a minha governanta a tempo. Eu tinha um trabalho urgente, mas ela no tinha razo para ficar. Galileu Volte para dentro de casa! Usam lanas longas que empurram Galileupara dentro da c asa. Atravancam a porta atrs dele. A Galileu na janela Vocs sabem dizer o que aconteceu com a mulher? ns no podemos ir embora. Com quem ns amos ficar? O senhor no precisa ter remorso. Ela saiu hoje cedo, s sete , eu vi. Ela estava doente, tanto que fez uma volta grand e quando me viu na porta, apanhando o po. Acho que ela no queria que fechassem a s ua casa. Mas eles acabam descobrindo. Ouve-se um rudo de matracas. Que isso? Velha, Os Soldados Vai tudo para o confinamento. A Galileu reaparece na janela A rua inteira, a para baixo, est empestada. Por que vocs no tran cam? Os soldados fecham a rua com uma corda.Mulher mulher A Eles esto fazendo barulho para ver se afugentam os miasmas da peste. Galileu d uma gargalhada. Velha A Mas no assim, vocs esto fechando a minha casa! No fechem, aqui no h ningum doente! P m! Parem! Mas vocs no esto vendo? Meu marido est na cidade, ele no vai poder entrar! Seus animais! Ouvem-se os seus soluos e gritos dentro da casa. Os soldados saem. Noutra janela aparece uma velha. Galileu A Velha O senhor ainda capaz de rir! Um homem vem descendo a rua epercebe, pela corda, que a rua est fechada. GalileuOl, amigo! Eu estou trancando aqui, e no h o que comer. O homem j fugiu. Mas vocs no pode m deixar a gente morrer de fome! Ei! Ei! Alguma coisa deve estar queimando l para trs. Galileu A VelhaQuando h alarme de peste, eles no apagam mais o fogo. S pensam na peste. Tal pai, tal filho ! o sistema de governo deles. Eles cortam a gente como se fssemos o galho doente de uma figueira que no d mais fruto. A Velha GAT.11.Ktr Quem sabe eles trazem alguma coisa. Seno, o senhor espere at a noite que eu deixo um jarro de leite na sua porta, se o senhor no tiver medo.102 Galileu Bertolt Brecht Galileu Vida de Galileu 103 Ei! Ei! Mas eles tm que ouvir! De repente aparece Andrea ao p da corda, com a cara chorosa. Galileu Andrea Mas claro que, se eu no tivesse ficado, isso no teria acontecido. Agora eles vo ser obrigados a acreditar no senhor? Andrea! Como que voc est aqui? Andrea Galileu Eu j estive aqui de manh. Eu bati na porta, mas o senhor no abriu. Me disseram que. .. Mas voc no foi embora na calea? Galileu Andrea Fui. Mas eu fugi no caminho. Virginia continuou. Eu no posso entrar? Agora eu reuni todas as provas. Sabe, quando passar isso aqui, vou para Roma, e da eles vo ver. Dois homens, inteiramente encapotados, descem a rua. Trazem baldes e longas varas. Com as varas, entregam po a Galileu e velha, que esto na janela. A VelhaL do outro lado tem uma mulher com trs crianas. Levem qualquer coisa at l. GalileuMas A Velha No, no pode. Voc vai para o convento das ursulinas. Talvez a sua me tambm esteja l. j ui. Mas no cheguei perto dela, no deixaram. Ela est muito doente. Voc andou tudo iss o? Faz trs dias que voc viajou. AndreaEu eu no tenho o que beber. A casa est sem gua. Os dois do de ombros. Vocs voltam amanh? Homens com voz abafada pelo pano que traz sobre a boca Hoje ningum sabe o que ser amanh. Um dos Galileu Galileu AndreaEu levei muito tempo, no fique bravo comigo. Da primeira vez eles me pegaram. Se vocs voltarem, ser que me passam tambm um livrinho que eu preciso para o meu tra balho?O Homem Galileudesamparado Agora no chore mais. Descobri vrias coisas nesses dias. Voc quer que eu conte? Andrea faz que sim, soluando. Preste ateno, seno voc no entende. Voc lembra qu eu lhe mostrei o planeta Vnus? No preste ateno no barulho, isso no nada. Voc lembra? Voc sabe o que eu descobri? Ele como a Lua! Ele aparece como crescente e como hem isfrio, eu vi. O que voc acha disso? Eu lhe mostro tudo, com uma esfera e uma luz. Isso prova que tambm esse planeta no tem luz prpria. Ele descreve um crculo simples em volta do Sol, no extraordinrio? No h dvida, isso um fato. com um riso surdoQue diferena faz um livro numa hora dessas! Esse po j muita sorte. GalileuO menino ali, o meu aluno, vai trazer o livro, de modo que s me passar. Andrea, a t abela da rotao de Mercrio, que eu perdi. Voc vai escola e pega para mim? Os dois hom ens j passaram adiante. Andrea Pego, seu Galileu. Eu vou buscar. Sai. Tambm Galileu desaparece. A Velha sai da c asa em frente e deixa um jarro porta de Galileu. Andrea soluando Galileu baixo Eu no pedi que ela ficasse. Andrea se cala.104 Bertolt Brecht Vida de Galileu 105 Forma-se um bolo de padres que, entre gargalhadas, fazem como quem se agarra ao barco em meio da tempestade. 1616: O COLLEGIUM ROMANUM, INSTITUTO DE PESQUISA DO VATICANO, CONFIRMA AS DESCOB ERTAS DE GALILEU Viu-se o que raro se ver: Um professor que quer aprender. Clvio, servo de Deus, d eu Razo a Galileu. Um Segundo Monge Tomara que eu no caia em cima da Lua! Meus irmos, dizem que as montanhas lunares so horrivelmente pontudas! Firme o p no cho e agente. O Primeiro Estudioso O Primeiro Monge O Prelado E no olhem para baixo. Eu sofro de tontura. Salo do Collegium Romanum, em Roma. noite. Altos prelados, monges e estudiosos, f ormando grupos. Galileu fica parte, sozinho. Reina grande animao. Antes do comeo da cena, ouvem-se gargalhadas. Um Prelado GordoGordo//propositalmente em direo a Galileu No possvel, um tonto no Collegium Romanum randes risadas. Pela porta de trs, entram dois astrnomos do Collegium. Silncio. Um MongeVocs ainda esto estudando o caso? Isso um escnda Ns, no! segurando a barriga de tanto rir Burrice! burrice! Eu queria saber em que que as criaturas no acre ditam! lo! Um dos Astrnomos furioso Um Estudioso Por exemplo, em que Monsenhor sinta uma repug nncia invencvel pela boa mesa. Acredi tam, acreditam. S no acreditam no que razovel. Duvidam que exista o Diabo. Mas que a Terra role como um seixo na sarjeta, isso eles acreditam. Sancta simplicitas! O Segundo AstrnomoAonde O Prelado Gordo vamos parar? Eu no entendo Clvio... Se fssemos acreditar em tudo que se disse neste s ltimos cinqenta anos! No ano de 1572, na esfera mais alta, na oitava, na esfera das estrelas fixas, apareceu uma estrela nova, possivel mente mais radiosa e maio r que as suas vizinhas. Passa-se um ano e meio, ela desaparece, e no resta nada. razo para duvidar da durao eterna do cu imutvel? ns afrouxamos, eles ainda pem abaixonosso cu estrelado. Um Monge fazendo de conta Ui, a Terra est virando muito, estou tonto. O senhor permite que me segure no senhor, professor? Faz como se vacilasse e se dependura num erudit o. entrando no jogo A terrinha amiga hoje est inteira mente bbada. Dependura-se num terceiro. Segurem, segurem! Ns vamos cair do estribo! Eu estou dizendo para segurar! Vnus j e st toda torta. Socorro! Metade da bunda dela j desapareceu! O FilsofoSe O Primeiro AstrnomoAonde O Erudito O Monge viemos parar! Cinco anos mais tarde, o dinamarqus Tycho Brahe definiu a rbita de u m cometa. Comeava em cima da Lua, e furava, uma a uma, as esferas de cristal, os suportes materiais do movimento dos corpos celes tes! O cometa no encontra resistnc ia, nem a sua luz desviada. Ser razo para duvidar das esferas? Est fora de questo. C omo pode Cristvo Clvio, o maior astrnomo da Itlia e da Igreja, levar a srio uma coisa dessas? O O Filsofo Segundo Estudioso106 Bertolt Brecht Vida de Galileu 107 O Prelado Gordo Um escndalo! O O Primeiro Astrnomo O Primeiro Estudioso dirigindo-se a GalileuUma coisa sua caiu no cho, senhor Galileu. que tirara o seu seixo do bolso e estivera brincando com ele, at que finalmente casse, abaixa-se pa ra levant-lo Para cima, Monsenhor, caiu para cima. No pode, mas leva! Ele entrou l dentro e no tira o olho daquele tubo do inferno! Galileu Segundo AstrnomoPrincipiisobstalTudo comeou porque numa poro de clculos a durao do ano solar, a data dos eclips s do Sol e da Lua, a posio dos corpos celestes ns temos utilizado as tabelas de Copr nico, que um herege. Eu pergunto o que melhor: ver o eclipse da Lua com trs dias de atraso ou no ver a salvao eterna jamais! Muito Magro avana com uma Bblia aberta, apontando o dedo fanaticamente para uma pa ssagem A Escritura o que diz? Sol, pra quieto sobre Gibeo; e tu, Lua, sobre o vale de Ajalo. Como pode o Sol parar quieto, se ele no se move, conforme afirmam esses h ereges? Ser mentira da Escritura? O Prelado Gordo faz meia volta Impudente. Entra um CardealMuito Velho, sustentad o por um Monge. Respei tosamente, os outros abrem alas. O Cajrdeal Um Monge Um MongeO Primeiro Astrnomo No, e por isso que ns vamos embora. O Existem fenmenos que emba aam a as tronomia; mas ser necessrio que o homem compreenda tudo? Os dois saem. Segundo Astrnomo Monge Muito Gordo Murro Velho Ainda esto l dentro? Ser que eles no sabem liquidar essas ninharias mais depressa? Eu suponho que esse tal Clvio entenda de astronomia! Dizem que o tal d e Galileu transferiu o homem do centro do universo para algum lugar na periferia . Est claro, portanto, que ele um inimigo da humanidade! E deve ser tratado de ac ordo. O homem a coroa da criao, qualquer criana sabe disso, a criatura mais sublime e querida de Deus. E Deus ia pegar uma tal obra-prima, um tal esforo, para botar numa estrelinha secundria, rolando por a? Ele ia mandar seu filho para um lugar d esses? Como pode haver gente perversa a ponto de acreditar nesses escravos da ar itmtica! Uma criatura de Deus tolera uma coisa dessas? O Prelado Gordo a meia voz O homem est aqui na sala. OCardeal Muito Velho O A ptria do gnero humano, para eles, no difere de uma estrela errante. O homem, os b ichos, as plantas e o reino mineral, tudo eles enfiam na mesma carroa, tocada em crculos pelos cus vazios. Terra e cu, para eles, no existem mais. A Terra, porque um a estrela do cu, e o cu, porque composto de Terras. No h mais diferena entre o alto e o baixo, entre o eterno e o perecvel. Que ns perecemos, sabemos bem. Mas o que el es dizem que tambm o cu perece. O Sol, a Lua, as estrelas e ns, todos vivemos sobre a Terra, o que sempre se disse, e o que est escrito; mas, de acordo com esses a, tambm a Terra uma estrela. S existem estrelas! Ainda vir o dia em que eles diro: nem homens nem animais existem, o prprio homem um animal, s existem animais! dirigindo-se a Galileu Ah, o senhor? O senhor sabe, eu no estou mais enxergando b em, mas uma coisa eu sempre enxergo: o senhor e aquele homem que ns queimamos com o era o nome dele? , os senhores se parecem muitssimo. O Monge Vossa Eminncia no deve se irritar. O mdico... O Cardeal Muito Velho livra-se do Monge efala a GalileuO senhor quer aviltar a Terra, embora viva nela e lhe deva tudo. O senhor est emporcalhando a sua prpria habitao! Mas no pense que eu vou tolerar. Empurra o Monge, e d passadas orgulhosas para l e para c. Eu no sou um a coisa qualquer, numa estrelazinha qualquer, girando por a, ningum sabe at quan108 Bertolt Brecht Vida de Galileu O Porteiro responde tambm cochichando 109 do. Eu piso em tetra firme, com passo seguro, ela est em repouso, o centro do uni verso, eu estou no centro, e o olho do Criador repousa em mim, somente em mim. O s astros e o Sol majestoso giram em tomo de mim, fixados em oito esferas de cris tal; foram criados para iluminar a minha cercania, e tambm para me iluminar a mim , para que Deus me veja. visvel, portanto, e irrefutvel, que tudo depende de mim, o homem, o esforo de Deus, a criatura central, a imagem de Deus, imperecvel e ... Cai prostrado. O Monge Eminncia, o esforo foi demasiado. Nesse instante abre-se a porta dos fundos e entra o grande Clvio, frente de seus astrnomos. Atravessa a sal a rpida e silenciosa mente, sem olharpara os lados, ejprximo da sada, sem deterse, fa la a um monge. Clvio Ele est certo. Sai, acompanhado pelos astrnomos; a porta fica aberta atrs dele s. O silncio mortal. O Cardeal Muito Velho volta a si. Sua Eminncia o Cardeal Inquisidor. O Astrnomo conduz o Cardeal Inquisidor at o tele scpio. MAS A INQUISIO PE A DOUTRINA DE COPRNICO NO NDEX (5 DE MARO DE l6l6) Roma, a cardinalcia, Da delcia e do bom vinho, Festeja o sbio Galileu. Faz-lhe um c onvite, D-lhe um palpite... zinho. O Cardeal Muito Velho O que houve? Tomaram uma deciso? Ningum ousa lhe dar a notcia . O Monge Eminncia, vamos acompanh-lo a sua casa. Sustentado por alguns, o velho sai . Todos abandonam a sala, transtornados. Um Pequeno Monge, da comisso de inqurito, pra quando passa por Galileu. Casa do Cardeal Bellarmino, em Roma. O baile j est em meio. No vestbulo, onde dois secretrios eclesisticos jogam xadrez e tomam notas sobre os convidados, Galileu re cebido com aplauso por um pequeno grupo de senhoras e senhores mascarados. Galil eu vem acompanhado de Virginia e de seu noivo, Ludovico Marsili. Virgnia Eu no vou danar com nenhum outro, Ludovico. A ala do seu vestido est solta. Ludovico Galileu O Pequeno Monge furtivamente Senhor Galileu, o Padre Clvio, quando saa, disse: Agora a vez dos telog os, eles que dem um jeito de recompor o cu! . O senhor venceu. Sai. Gai.ilf.itprocura det-lo Ela quem venceu! No fui eu, foi a razo que venceu! O Peque no Monge j desapareceu. Tambm Galileu vai saindo. No limiar encontra um prelado de grande estatura, o Cardeal Inquisidor, acompanhado de um astrnomo. Galileu faz u ma mesura; antes de sair, faz uma pergunta cochichada ao porteiro. Tua veste em desalinho, Tas, No a recomponhas. Outro tumulto mais fundo Respira nos meus e noutros olhos tambm. As luzes e os murmrios da sala lembram Aos convivas a noite que murmura no parque.Virgnia Veja o meu corao. Est batendo. Galileu pe a mo no colo dela Virgnia Eu quero estar linda.110 Bertolt Brecht Vida de Galileu Primeiro Secretrio 111 Gat.ti.fiI bom, seno eles voltam a duvidar que ela gira. Ludovico E de fato ela no gira. Galileu ri. Em Roma, s se fala no senhor. Desta noite em di ante, falaro de sua filha. O primeiro carnaval depois dos anos da peste. Todas as grandes famlias da Itlia es to representadas. Os Orsini, os Villani, os Nuccolli, os Soldianeri, os Cane, os Lecchi, os Estensi, os Colombini... que em Roma, na primavera, fcil ser belo. Mesmo eu devo estar um Adnis, um pouco e ncorpado. Aos Secret rios. Fiquei de esperar o senhor cardeal aqui. Ao casal Entre m, vo se divertir! Antes de passarem ao salo, pelo fundo, Virginia volta correndo. VirgniaPai, GalileuDizem Secretrio interrompe Suas Eminncias os Cardeais Bellarmino e Barberini. Entram o C ardeal Bellarmino e o Cardeal Barberini. Diante do rosto,presas num basto, trazem mscaras depomba e de cordei ro. Segundo Barberini o cabeleireiro da Via Del Trionfo me atendeu assim que eu entrei; ele me passou na frente de quatro senhoras. Ele reconheceu o teu nome! Sai. apontando Galileu com o indicador Nasce o Sol, e pese o Sol, e volta ao lugar onde nasceu. o que diz Salomo; e o que diz Galileu? Galileu aos secretrios que esto jogando xadrez Mas vocs ainda esto jogando xadrez pela regra velha? muito limitado. Na regra nova, as peas correm o tabuleiro todo. A torre an da assim mostra , o bispo assim e a rainha assim e assim. mais espaoso e obriga a planificar. ser, mas no corresponde modstia dos nossos salrios. Os nossos saltos nunca passam d isso faz um pe queno movimento. Gauleu Quando eu era deste tamanho indica com a mo Eminncia, ao andar de barco, eu gritav a que a praia ia embora. Hoje sei que a praia estava parada, e que o movimento e ra do barco. Barberini O SecretrioPode Pelo contrrio, meu caro, pelo contrrio! A melhor bota eles pagam a quem d o maior p asso. preciso acompanhar os tempos, meus senhores. preciso abandonar as costas, ir para alto-mar! O Cardeal Muito Velho da cena anterior atravessa o palco, sust entado pelo seu monge. Percebe Galileu, passa por ele, e depois, incerto, voltase para cumpriment-lo. Galileu toma as sento. Do salo de baile, cantado por meninos , ouve-se o comeo de um poema famoso sobre a fuga do tempo. Com o tempo, que tudo desbarata, Teus olhos deixaro de ser estrelas; Vers murchar no rosto as faces bel as E as tranas douro converter-se em prata. Galileu Galileu Muito, muito esperto. O que ns vemos, Bellarmino, isto , o movimento do cu estrelad o, pode bem estar errado, vide barco e praia. J o que est certo, isto , o movimento da Terra, este ns no podemos perceber! bem achado. Mas as luas de Jpiter so duras d e roer para os nossos astrnomos. Infeliz mente eu, noutros tempos, tambm li um pouc o de astronomia, Bellarmino. Isso pega pior que sarna. marchar com os tempos, Barberini. Se os mapas celestes, que dependem de uma hipte se nova, facilitam a vida de nossos navegantes, eles que usem os mapas. O que no s desagrada so doutrinas que tomam errada a Escritura. Ele sada algum na sala do ba ile. Galileu BellarminoVamos A Escritura. Quem retiver o gro, ser amaldioado pelo povo. Provrbios de Salomo. sbi condem a sabedoria. Provrbios de Salomo. BarberiniOs Galileu Roma. Grande gala? No havendo bois, a manjedoura permanece limpa, mas pela fora do boi a colheita abun dante.112 BarberiniMelhor Bertolt Brecht Vida de Galileu 113 o que governa o seu esprito, do que o que toma uma cidade. Galileu volta, o que se v somente falsidade, crime e fraqueza. A verdade onde est? Galileu irritado Eu Barberini Aquele cujo esprito cede, apodrecer at os ossos. Pausa. No alta a voz da verdade? obre brasas sem queimar os seus ps? Bem-vindo a Roma, amigo Galileu. O senhor conh ece as origens da cidade? Conta a lenda que dois meninos foram guardados e amame ntados por uma loba. Desse dia em diante, todas as crianas foram obrigadas a paga r-lhe pelo leite. Ela, em compensao, providencia prazeres, celestes e terrenos; de sde conversaes com o meu erudito amigo Bellarmino, at a companhia de trs ou quatro d amas de reputao internaci onal. O senhor me permite apresent-las? Conduz Galileu par a trs, para mostrar-lhe o salo de baile. Galileu segue, relutante. No? Ele insiste numa entrevista sria. Muito bem. O senhor est bem certo, meu caro Galileu, de que vocs astrnomos no esto querendo simplesmente tornar mais confortvel a sua astronomia? Conduz Galileu para a frente. Vocs pensam em crculos ou elipses, em velocidades u nifor mes, movimentos simples que esto de acordo com o seu crebro. Mas se aprouvess e a Deus que as estrelas andassem assim? Desenha no ar um trajeto muito enredado , com velocidade irregular. O que sobraria de seus clculos? Eminncia, se Deus cons trusse o mundo assim repete o movimento de Barberini Ele construiria ojiosso crebr o assim tambm repete o mesmo movimento de modo que reconheceramos esse mesmo movim ento como o mais sim ples. Eu acredito na razo. Eu considero a razo insuficiente. E le no responde. educado demais para dizer que a minha razo que insufici ente. Ri e volta ao parapeito. A razo, meu amigo, no tem muito alcance. nossa acredito na razo. BarberiniAndar aos Secretrios Vocs no tomem nota de nada, isto uma tertlia cientfica entre amigos. Bellarmino O senhor pense um pouco. Para dar sentido a um mundo desses obviamente abominvel quanto esforo, quanto estudo no gastaram os padres da Igreja e tantos outros depoi s deles! O senhor pense na brutalidade dos donos da terra, que mandam tocar os s eus camponeses a chicote pelos cam pos, e pense na estupidez desses pobres seminu s que em troca lhes beijam os ps. E uma vergonha. Na minha viagem para c eu vi... Galileu Bellarmino Barberini Ns atribumos a um Ser Supremo a responsabilidade pelo sentido desses fatos que no l ogramos compreender e que constituem a vida dissemos que havia uma certa finalid ade nessas coisas, que isso tudo obedecia a um grande plano. Ainda assim, o soss ego nunca foi completo; e agora vem o senhor e diz que o Ser Supremo entendeu mal o movimento dos cus, que o senhor entendeu bem. Isso prudente? Galileu tomando impulso para uma explicao Eu sou um filho devoto da Igreja... Gat.it.fu BarberiniPessoa incorrigvel. Ele quer provar, com toda a candura, que, em matria de astronomia, De us escreve asneiras! Deus ento no estudou astronomia como convinha, antes de redig ir a Sagrada Escritura? Caro amigo! Mesmo ao senhor, no lhe parece provvel que o C riador saiba mais que a sua criatura a respeito da criao? Bellarmino Barberini Galileu Bellarmino Mas, meus senhores, afinal, se o homem decifra mal o movimento das estrelas, pod e errar tambm quando decifra a Bblia!114 Bellarmino Bertolt Brecht Vida de Galileu 115 Mas, meu senhor, afinal, decifrar a Bblia da compe tncia dos telogos da Santa Igreja , ou no? Galileu no responde. O senhor v, o senhor acaba no respondendo. Faz um sina l aos Secretrios. Senhor Galileu, o Santo Ofcio decidiu esta noite que a doutrina de Coprnico, segundo a qual o Sol o centro do universo, e imvel, enquanto a Terra mvel, e no o centro do universo, tola, absurda e hertica na f. Eu tenho a incumbncia de pedir ao senhor que abjure essa opinio. Ao Primeiro Secretrio Repita isso. Sua Eminncia o Cardeal Bellarmino ao menci onado Galileu Galilei: o Santo Ofcio decidiu que a doutrina de Coprnico, segundo a qual o Sol o centro do universo, e imvel, e nquanto a Terra mvel, enoocentro do universo, tola, absurda e hertica na f. Eu tenho a incumbncia de pedir ao senhor que abjure essa opinio. Bellarmino outro convidado, no salo de baile. Mesmo a mencionada doutrina, o senhor livre de lidar com ela, em forma de hiptese matemtica. A cincia filha legtima e muito amada da Igreja, senhor Galileu. Nenhum de ns acredita seriamente que o senhor queira s olapar a confiana na Igreja. Galileu agressivo BarberiniPois A confiana se perde quando muito exigida. Primeiro Secretriosim. D uma gargalhada epalmadinhas no ombro de Galileu; depois, olha-o bem nos ol hos, e sua voz no hostil. O senhor no ponha fora a criana com a gua do banho, amigo Galileu. Ns tambm no pusemos. Ns precisa mos do senhor mais que o senhor de ns. Eu es ou ansioso por apresentar o maior matemtico da Itlia ao comissrio do Santo Ofcio, qu e tem grande estima pelo senhor. Bellarmino Galileu O que quer dizer isso? Do salo de baile vem uma nova estrofe do poema, ca ntada por meninos: Guarda para o seu tempo os desenganos, Gozemos agora, enquant o dura, J que dura to pouco a flor dos anos. Barberinipede silncio a Galileu enquan to no termina a can o. Eles ouvem. Galileu Barberini tomando o outro brao de Galileu Ao que ele volta a se transformar em cordeiro. Al is, o caro amigo tambm deveria usar um disfarce, por exemplo o de doutor bem-pensa nte. a minha mscara que hoje me permite um pouco de liberdade. Num carnaval destes , pode acontecer que eu murmure: se Deus no existisse, seria preciso invent-lo. Be m, vamos repor as nossas mscaras. Mas o pobre Galileu no tem nenhuma. Tomam o brao de Galileu e vo para o salo. Voc pegou a ltima frase? Mas, e os fatos? Pelo que eu entendi, os astrnomos do Collegium Romanum aceitaram as minhas observaes. Primeiro Secretrio Segundo SecretrioBellarmino Com expresses do mais profundo reconhecimento e fazem grande honra ao senhor. Mas , os satlites de Jpiter, as fases de Vnus... Santa Congregao decidiu sem levar em con ta esses Galileu Estou escrevendo. Os dois escrevem com apli cao. Voc pegou quando ele disse que acre ditava na razo? Entra o Cardeal Inquisidor. Inquisidor Primeiro BellarminoA Houve a entrevista? detalhes. Galileu Bellarmino Isto quer dizer que o futuro da pesquisa cientfica... Est em perfeita segurana, senhor Galileu. E isto em conformidade com o pensamento da Igreja, segundo o qual no podemos saber, mas podemos pesquisar. Cumprimenta um Secretrio mecanicamente Primeiro chegou o senhor Galileu com a sua filha. Ela aca ba de ficar noiva do senhor... O Inquisidor faz um gesto para que passem adiante . Em se guida o senhor Galileu nos informou da nova maneira de jogar xadrez, na q ual as peas correm o tabuleiro de ponta a ponta, contra todas as regras do jogo.116 Inquisidor repete o gesto O Bertolt Brecht Vida de Galileu 117 protocolo. Um Secretrio lhe entrega o protocolo. O Cardeal toma assento para pass ar os olhos no documento. Duas jovens senhoras masca radas atravessam o palco, e fazem mesura diante do Cardeal. Uma Quem ? Outra O Cardeal Inquisidor. Elas saem de risinhos. Entra Virginia, olhando volta como quem procura. Inquisidor de seu canto Ento, Virgnia minha filha? mundialmente acatado, o senhor seu pai, um grande homem, um dos maiores. Bom, de sde os tempos de Ptolomeu, um sbio da Antiguidade, at o dia de hoje, calculava-se que a criao inteiraa esfera de cristal, portanto, em cujo centro est aTerra mediria perto de vinte mil dimetros terrestres. um bonito espao, mas pouco, muito pouco, p ara os inovadores. Segun do estes, parece que a extenso do espao imensa; a distncia da Terra ao Sol, que sempre nos pareceu respeitvel, tida por coisa to mnima, compar ada com a distncia entre a nossa pobre Terra e as estrelas fixas da ltima esfera, to mnima que no vale a pena lev-la em conta nos clculos! E depois dizem que os inovad ores no gastam grande. Virginia ri. O Inquisidor ri tambm. Inquisidor um pouco assustada, pois no o havia visto Oh, Emi nncia! O Inquisidor estende-lhe a mo direita, sem levantar os olhos. Ela se aproxima, ajoelha e lhe beija o anel. Inquisidor Uma noite esplndida! A senhora aceite as minhas felicitaes pelo seu noivado. O s