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8 Mudan¸ cas de estado Benoit Paul Emile Clapeyron (1799-1864) ısico e engenheiro francˆ es nascido em Paris, que deixou uma vasta obra no dom´ ınio da constru¸ ao de vias de comunica¸ ao (estradas e pontes) e de locomotivas. Frequentou a ´ Ecole Polytechnique e a ´ Ecole des Mines em Paris, e em 1820 aceitou um convite do czar Alexandre I da R´ ussia para participar na forma¸ ao de engenheiros russos e para liderar projectos de obras p´ ublicas. Regressou a Fran¸ ca em 1830, onde se tornou professor da ´ Ecole des Mineurs em St ´ Etienne, e lhe foi dada a lideran¸ ca de um projecto de constru¸ ao da linha de caminho de ferro entre Paris e St Germain. Tornou-se tamb´ em especialista no projecto de locomotivas a vapor, e em 1834 publica um trabalho onde apresenta a formula¸ ao matem´ atica do ciclo de Carnot. Em 1844 foi nomeado professor da ´ Ecole des Ponts et Chauss´ ees e em 1848 foi eleito membro da Academia das Ciˆ encias de Paris. 127

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8 Mudancas de estado

Benoit Paul Emile Clapeyron (1799-1864)

Fısico e engenheiro frances nascido em Paris, que deixou uma vasta obrano domınio da construcao de vias de comunicacao (estradas e pontes) e delocomotivas. Frequentou a Ecole Polytechnique e a Ecole des Mines emParis, e em 1820 aceitou um convite do czar Alexandre I da Russia paraparticipar na formacao de engenheiros russos e para liderar projectos deobras publicas. Regressou a Franca em 1830, onde se tornou professor daEcole des Mineurs em St Etienne, e lhe foi dada a lideranca de um projecto deconstrucao da linha de caminho de ferro entre Paris e St Germain. Tornou-setambem especialista no projecto de locomotivas a vapor, e em 1834 publicaum trabalho onde apresenta a formulacao matematica do ciclo de Carnot.Em 1844 foi nomeado professor da Ecole des Ponts et Chaussees e em 1848foi eleito membro da Academia das Ciencias de Paris.

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8.1 Introducao

Qualquer substancia pura pode existir em tres estados fısicos diferentes(solido, lıquido ou gasoso), cada um deles caracterizado por propriedadesfısicas e quımicas bem especıficas.

Uma substancia pura e um sistema formado por uma unica especiequımica, elementar ou composta. As substancias elementares sao con-stituıdas por atomos de um mesmo elemento, nas suas diferentes variedadesalotropicas25. Sao exemplos de substancias elementares o argon (Ar), ohidrogenio (H2), o oxigenio (O2), o azoto (N2), e a grafite. As substanciascompostas sao constituıdas por varios tipos de atomos em proporcoes bemdefinidas (podendo ser representadas por uma formula quımica), os quais sopodem ser separados mediante reaccoes quımicas. Sao exemplos de subs-tancias compostas a agua (H2O), o sal (cloreto de sodio, NaCl), o dioxido decarbono (CO2), o acido clorıdrico (HCl), e o hidroxido de zinco (Zn(OH)2).

Quando se combinam duas ou mais substancias puras, sem que ocorrauma reaccao quımica entre elas, obtem-se uma mistura. Os componentes deuma mistura mantem a sua identidade e propriedades, podendo separar-sepor meios fısicos usuais: destilacao, dissolucao, separacao magnetica, sus-pensao, filtracao, decantacao ou centrifugacao. As misturas podem ser ho-mogeneas (por exemplo, solucoes) ou heterogeneas (por exemplo, coloides ousupensoes), em funcao da aparencia uniforme ou nao uniforme que apresen-tam. Sao exemplos de misturas homogeneas o ar seco (constituıdo por cercade 80% de N2 e 20% de O2), a agua salgada, uma mistura de agua e alcool,e o chocolate (mistura de acucar e cacau). As misturas de agua e oleo ou desal e acucar sao heterogeneas.

Cada estado de uma substancia pura ou de uma mistura pode apresentardiversas fases, isto e diversas partes homogeneas caracterizadas pelas mesmaspropriedades fısicas e quımicas. Normalmente, uma substancia pura ou umamistura de substancias puras nos estados lıquido ou gasoso formam uma unicafase26. No entanto, os corpos no estado solido podem apresentar diversas fases(sob forma de variedades alotropicas). Um exemplo classico deste facto e o

25A alotropia e a propriedade que possuem determinados elementos de formar estruturasmoleculares diferentes ou com propriedades distintas, no mesmo estado fısico. Por exem-plo, o oxigenio atmosferico (O2) e o ozono (O3) sao variedades alotropicas do oxigenio(O); o fosforo vermelho e o fosforo branco (P4) sao variedades alotropicas do fosforo (P);a grafite, o diamante e o fulereno (C60) sao variedades alotropicas do carbono (C).

26Refira-se o caso excepcional do helio que pode apresentar duas fases lıquidas diferentes:HeI e HeII.

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granito, constituıdo por tres fases: mica, quartzo e feldspato.Neste capıtulo estudaremos apenas estados da materia associados a

substancias puras, isto e constituıdas por uma unica fase. Quando umasubstancia pura realiza uma transformacao entre dois estados de equilıbrio,atraves de trocas de energia com o exterior (sob a forma de calor e/ou tra-balho), assiste-se por vezes a uma modificacao importante das suas pro-priedades fısicas, mecanicas, opticas, electricas, etc. Diz-se entao que o sis-tema sofreu uma mudanca de estado.

O diagrama da figura 8.1 apresenta e classifica as seis mudancas de estadoque podem ocorrer entre os tres estados de um sistema27.

Figure 8.1: Diagrama das mudancas de estado de um sistema

Note-se que o termo sistema tem sido utilizado ate aqui para designar,numa situacao de equilıbrio, as partes homogeneas do Universo, caracte-rizadas por uma distribuicao uniforme de parametros (p, T , N ,...). Nestecapıtulo generaliza-se este termo, apelidando tambem de sistema o conjuntode dois estados fısicos diferentes de uma dada substancia, os quais se podemdesignar por subsistemas 1 e 2. Para este novo conceito de sistema, a situacao

27O termo condensacao e por vezes substituıdo por liquefacao. Nessa altura, pretende-se normalmente distinguir entre as mudancas de estado lıquido-gasoso que ocorrem deforma espontanea (a pressoes proximas da atmosferica), devido a variacoes de temperatura(evaporacao / condensacao), e aquelas que sao provocadas atraves de diferencas de pressaoimpostas sobre o sistema (vaporizacao / liquefacao).

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de equilıbrio e normalmente caracterizada por

p1 = p2

T1 = T2

N1 6= N2 .

Esta questao sera novamente abordada e aprofundada a proposito doestudo da termodinamica dos sistemas abertos.

8.2 Diagrama do ponto triplo

O estudo experimental das mudancas de estado faz-se muitas vezes recor-rendo a um grafico (p,T ) que apresenta as zonas de pressao e temperaturaonde podem existir cada um dos estados do sistema. Este grafico designa-se por diagrama do ponto triplo, e tem o aspecto geral que se mostra nafigura 8.2.

Figure 8.2: Diagrama do ponto triplo para um sistema generico

As tres curvas deste diagrama designam-se como

I - Curva de sublimacao

Esta curva refere-se ao equilıbrio entre os estados solido e gasoso.

II - Curva de saturacao

Esta curva refere-se ao equilıbrio entre os estados lıquido e gasoso.

III - Curva de fusao

Esta curva refere-se ao equilıbrio entre os estados solido e lıquido.

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Os dois pontos caracterısticos deste diagrama designam-se como

Y - Ponto triplo

O ponto triplo Y (que da o nome ao diagrama) e o ponto em quecoexistem os tres estados do sistema: solido, lıquido e gasoso.

C - Ponto crıtico

O ponto crıtico C e o ponto do diagrama a partir do qual deixa de haveruma diferenca nıtida entre os estados lıquido e gasoso do sistema. Nazona (p,T ) para alem do ponto crıtico diremos que o sistema se encontranum estado fluido. Assim, qualquer mudanca de estado do sistema quese realize contornando o ponto crıtico C (ver curva Transf na figura 8.2),nao permite a observacao simultanea dos seus estados lıquido e gasoso,na medida em que as propriedades fısicas e quımicas do sistema (quepermitem distinguir estes estados) variam de forma contınua durantea transformacao.

Observando o diagrama do ponto triplo, verificamos que a altas pressoese baixas temperaturas domina o estado solido (muito organizado), en-quanto que a baixas pressoes e a altas temperaturas domina o estadogasoso (pouco organizado). Se associarmos a pressao a medida do grau decompressao dos sistemas, e a temperatura a medida da energia cinetica dassuas partıculas constituintes, entao as observacoes anteriores entendem-sefacilmente.

Nos solidos, a energia interna esta em geral equipartida entre a energiapotencial media das ligacoes intermoleculares e a energia cinetica media dassuas moleculas, levando a estruturas organizadas (baixa entropia) em redescristalinas.

Nos gases, a energia interna e quase exclusivamente do tipo cinetico namedida em que as forcas de interaccao entre as moleculas sao, em geral,pouco intensas. Isto conduz a inexistencia de estruturas organizadas (ele-vada entropia) no estado gasoso.

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8.3 Equilıbrio entre dois estados de um sistema puro

A mudanca de estado de um sistema puro e, em geral, uma transformacaoisotermica e isobarica, durante a qual ocorre uma transferencia demateria entre os dois estados do sistema.

Assim, o potencial termodinamico mais adequado ao estudo das mu-dancas de estado e a energia livre de Gibbs G(T, p,Ni), dependente dasvariaveis temperatura T , pressao p, e numero de partıculas de cada um dosestados Ni (i = 1, 2).

Considere-se entao um sistema S com um numero total de partıculasN , constituıdo por dois subsistemas S1 e S2 (correspondentes aos dois es-tados coexistentes de S), os quais se encontram em equilıbrio termico emecanico, podendo trocar partıculas entre si.

A energia livre de Gibbs G do sistema pode escrever-se como a soma dasenergia livres de Gibbs Gi de cada um dos subsistemas i = 1, 2

G = G1 + G2 = m1g1 + m2g2 = N1Mg1 + N2Mg2 ,

onde

mi - massa total do subsistema i;

Ni - numero de partıculas do subsistema i;

M = mi/Ni - massa de cada partıcula do sistema;

gi ≡ Gi/mi - energia livre massica de Gibbs do subsistema i, com unidades[gi] = J Kg−1 (SI).

A expressao anterior permite por em evidencia a dependencia funcional daenergia livre de Gibbs no numero de partıculas de cada um dos estados dosistema28

G(T, p,N1, N2) = G1(T, p,N1) + G2(T, p,N2)

= N1Mg1(T, p) + N2Mg2(T, p) .

O diferencial exacto de G, para uma transformacao a pressao e tempera-tura constantes, escreve-se entao

dG =

(∂G

∂N1

)dN1 +

(∂G

∂N2

)dN2 = Mg1dN1 + Mg2dN2 ,

28Na realidade G = G(T, p, N1), uma vez que N2 = N − N1 e N = conste (para umsistema S fechado).

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e comoN1 + N2 = N = conste ⇒ dN1 = −dN2 ,

vemdG = M(g1 − g2)dN1 . (8.1)

Se o sistema se encontrar em equilıbrio entre os dois estados 1 e 2

dG = 0⇒ g1(T, p) = g2(T, p) . (8.2)

Esta relacao de igualdade entre as energias livre massicas de Gibbs de doisestados em equilıbrio, conduz as leis p = p(T ) das diferentes curvas de subli-macao, saturacao e fusao.

8.3.1 Evolucao de um sistema aberto a pressao e temperaturaconstantes

Considere-se um sistema aberto (em repouso) que realiza uma transforma-cao a pressao p e temperatura T constantes, correspondentes a uma evolucaoem equilıbrio mecanico e termico com o exterior.

O Primeiro Princıpio da Termodinamica permite escrever{dU = δW + δQδW = −pdV (equilıbrio mecanico com o exterior)

⇒ δQ = dU + pdV .

O Segundo Princıpio da Termodinamica permite escrever{dSUniverso = dS + dSex ≥ 0

dSex =−δQT (equilıbrio termico com o exterior)

⇒ δQ ≤ TdS .

Combinando os resultados anteriores obtem-se

dU + pdV − TdS ≤ 0

e como a transformacao ocorre para p=conste e T=conste

dU + d(pV )− d(TS) = d[U + pV − TS] = dG ≤ 0 . (8.3)

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Como o sistema e aberto, podendo trocar partıculas com o exterior, odiferencial exacto da energia livre de Gibbs escreve-se (ver capıtulo 7)

dG = −SdT + V dp +∑

i

µidNi ≤ 0 ,

e para uma transformacao a p=conste e T=conste

dG =∑

i

µidNi ≤ 0 . (8.4)

A situacao de equilıbrio, correspondente ao final da evolucao do sistema,ocorre quando {

dS = 0 (S maximo)dG = 0 [G mınimo, ver equacao (8.4)] .

A energia livre de Gibbs desempenha assim o papel de uma energia potencialtermodinamica, a qual permite estudar o sentido da evolucao de um sistemadurante uma mudanca de estado.

No caso de um sistema fechado S, constituıdo por dois subsistemasabertos S1 e S2 (os quais trocam partıculas entre si), a condicao de evolucaoescreve-se [ver equacao (8.4)]

dG = µ1dN1 + µ2dN2 ≤ 0 ,

e comoN1 + N2 = N = conste ⇒ dN1 = −dN2 ,

vemdG = (µ1 − µ2)dN1 ≤ 0 .

A verificacao da condicao anterior permite estabelecer um sentido deevolucao da transformacao, dependente da relacao de ordem entre os po-tenciais quımicos. Tem-se assim que

µ1 > µ2 ⇒ dN1 < 0 (diminui o numero de partıculas de S1)(mudanca de estado 1→ 2)

µ1 < µ2 ⇒ dN1 > 0 (aumenta o numero de partıculas de S1)(mudanca de estado 2→ 1),

concluindo-se que as partıculas do sistema migram no sentido do subsistemacom menor potencial quımico.

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A condicao de equilıbrio corresponde naturalmente a igualdade dospotenciais quımicos

dG = 0⇒ µ1 = µ2 .

Os resultados anteriores podem ser reescritos em termos das energiaslivres massicas de Gibbs, combinando as equacoes (8.1) e (8.3) para obter

dG = M(g1 − g2)dN1 ≤ 0 .

A semelhanca do que se fez anteriormente tem-se{g1 > g2 ⇒ dN1 < 0 (mudanca de estado 1→ 2)g1 < g2 ⇒ dN1 > 0 (mudanca de estado 2→ 1),

concluindo-se que o subsistema mais estavel e aquele que possui umamenor energia livre massica de Gibbs.

Alem disso, confirma-se que a condicao de equilıbrio corresponde aigualdade das energias livres massicas de Gibbs

dG = 0⇒ g1 = g2 .

8.3.2 Mudancas de estado de primeira ordem

Como se viu, a condicao de equilıbrio entre dois estados 1 e 2 de um sistemae dada pela equacao (8.2)

g1(T, p) = g2(T, p) ,

a qual corresponde a continuidade da energia massica de Gibbs.Neste capıtulo estudaremos apenas mudancas de estado de primeira

ordem, caracterizadas por uma descontinuidade das primeiras deriva-das da energia livre massica de Gibbs29:(

∂g

∂T

)p

e

(∂g

∂p

)T

.

Recorde-se que (ver capıtulo 7)(∂G

∂T

)p

= −S ⇒(

∂g

∂T

)p

= −s(∂G

∂p

)T

= V ⇒(

∂g

∂p

)T

= v ,

29As mudancas de estado de ordem superior caracterizam-se por uma continuidade dasprimeiras derivadas da energia livre massica de Gibbs.

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onde s representa a entropia massica e v o volume especıfico do sistema.A evolucao, em funcao da temperatura, da energia livre massica de Gibbs

de um sistema e da sua entropia massica, durante uma mudanca de estadode primeira ordem, podem representar-se esquematicamente tal como se fazna figura 8.3, a qual ilustra a continuidade de g e a descontinuidade da suaderivada em ordem a T .

Figure 8.3: Evolucao esquematica de g e s numa mudanca de estado deprimeira ordem

Em geral, numa mudanca de estado, ocorrem tambem descontinuidadesnas derivadas de ordem superior da energia livre de Gibbs (ver capıtulo 7):

cp = T

(∂S

∂T

)p

= −T

(∂2G

∂T 2

)p

k = − 1

V

(∂V

∂p

)T

= − 1

V

(∂2G

∂p2

)T

β =1

V

(∂V

∂T

)p

=1

V

(∂2G

∂T∂p

)p,T

.

Em conclusao, uma mudanca de estado de primeira ordem esta associadaa uma descontinuidade das seguintes variaveis termodinamicas do sistema:

• Entropia, S

• Volume, V

• Capacidade calorıfica a pressao constante, cp

• Coeficiente de compressibilidade isotermica, k

• Coeficiente de expansao volumica, β.

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8.3.3 A equacao de Clausius-Clapeyron

Viu-se anteriormente que o lugar geometrico dos pontos de coordenadas(p,T ), que obedecem a equacao (8.2)

g1(T, p) = g2(T, p) ,

representa uma curva de equilıbrio entre estados, ao longo da qual os estados1 e 2 podem coexistir em equilıbrio. Como se ve na figura 8.4, a linha g1 = g2

Figure 8.4: Curva de equilıbrio entre os estados 1 e 2 de um sistema

divide o plano (p, T ) em duas regioes: a regiao onde o estado 1 e mais estavel(caracterizada pela condicao g1 < g2), e a regiao onde o estado 2 e maisestavel (caracterizada pela condicao g2 < g1).

A equacao (diferencial) que descreve a linha g1 = g2, de equilıbrio entreestados, pode ser obtida escrevendo as condicoes de equilıbrio da energia livremassica para dois pontos A e B dessa linha, infinitesimalmente proximos.

Para o ponto A(T, p) tem-se

g1(T, p) = g2(T, p) , (8.5)

enquanto que para o ponto B(T + dT, p + dp) se verifica

g1(T + dT, p + dp) = g2(T + dT, p + dp) . (8.6)

Como, por outro lado,{g1(T + dT, p + dp) = g1(T, p) + dg1

g2(T + dt, p + dp) = g2(T, p) + dg2, (8.7)

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conclui-se, das equacoes (8.5)-(8.7), que

dg1 = dg2 . (8.8)

Ora

dg =

(∂g

∂T

)p

dT +

(∂g

∂p

)T

dp = −sdT + vdp , (8.9)

e portanto, conjugando as equacoes (8.8) e (8.9), pode escrever-se

dg1 = dg2 ⇒ −s1dT + v1dp = −s2dT + v2dp ,

ou aindadp

dT=

s2 − s1

v2 − v1

=∆s12

∆v12

=∆S12

∆V12

. (8.10)

A condicao (8.10) designa-se habitualmente por equacao de Clausius-Clapeyron. Esta equacao relaciona o declive da curva de equilıbrio entreestados no ponto A com as variacoes de entropia e volume de uma substanciaque ”cruza a curva” nesse ponto, isto e, de uma substancia que muda deestado a temperatura e pressao de A.

Como (ver capıtulo 7)

dH = TdS + V dp ,

conclui-se que a entalpia de mudanca de estado entre 1 e 2, a p e T constantes,e dada por

∆H12 = T∆S12 . (8.11)

Combinando (8.10) com (8.11), obtem-se a seguinte forma alternativapara a equacao de Clausius-Clapeyron

dp

dT=

∆H12

T∆V12

. (8.12)

A entalpia de mudanca de estado pode tambem relacionar-se com o calorlatente (massico) necessario para provocar, de forma reversıvel, a transicaoentre os estados 1 e 2 de uma unidade massa do sistema

λ12 =Qrev

12

m=

T∆S12

m=

∆H12

m, (8.13)

onde m = m1 + m2 representa a massa total do sistema.

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A equacao de Clausius-Clayperon pode finalmente escrever-se na suaforma mais usual, combinando (8.12) com (8.13)

dp

dT=

mλ12

T∆V12

. (8.14)

Aplicaremos agora a equacao de Clausius-Clapeyron ao estudo mais de-talhado das curvas de saturacao e de fusao de um sistema.

a) Curva de saturacao

Conforme foi anteriormente referido, a curva de saturacao de um sis-tema e a linha de equilıbrio entre os estados lıquido e gasoso dessesistema, a qual tem origem no seu ponto triplo Y terminando no seuponto crıtico C.

Como se tem: {Vgas > Vlıquido ⇒ ∆Vlg > 0Sgas > Slıquido ⇒ ∆Hlg > 0 ,

conclui-se quedp

dT

∣∣∣∣lg

> 0 ,

o que equivale a dizer que o declive da curva de saturacao e semprepositivo.

Este facto e facilmente demonstrado atraves de alguns exemplos davida quotidiana.

• Os alimentos cozem mais depressa numa panela de pressao, porquea temperatura de ebulicao da agua que os constitui aumenta mono-tonamente com a pressao no interior da panela.

• E possıvel provocar a ebulicao de agua a uma temperatura inferiora 1000C. Para tal, encha-se um balao fechado com agua lıquida a

uma temperatura T<∼ 1000C, em equilıbrio com o seu vapor. Se

se provocar a condensacao de parte do vapor de agua que existeno interior do balao, colocando sobre este um pano frio molhado,a diminuicao da tensao de vapor que daı resulta faz com que aagua comece a ferver (a uma temperatura inferior a 1000C).

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E possıvel obter uma expressao analıtica para a curva de saturacao,realizando varias aproximacoes sobre a equacao de Clausius-Clapey-ron (8.14):

• Desprezar o volume do estado lıquido face ao do estado gasoso,Vl � Vg;

• Admitir que o gas e perfeito, isto e que obedece a equacao deestado pVg = nRT ;

• Supor que a entalpia de mudanca de estado obedece a lei

∆Hlg = mλlg −B(T − 373) ≡ mh0 −BT ,

com

h0 ≡ λlg +373B

m.

Quando se adoptam as aproximacoes anteriores, a equacao (8.14) es-creve-se

dp

dT

∣∣∣∣lg

' mh0 −BT

TnRT

p

⇒ dp

p=

[mh0

nRT 2 −B

nRT

]dT

e finalmente

ln p = −mh0

nRT− B

nRln T + conste .

A expressao anterior pode ser genericamente escrita como

logp

p0

= C1 −C2

T− C3 log T ,

e designa-se habitualmente por formula de Dupre-Bertrand. Nesta ex-pressao, p0 = 1 bar, log representa o logaritmo decimal e Ci (i = 1− 3)sao constantes que se podem ajustar empiricamente.

Para a agua, no intervalo de temperaturas Tε[273, 473] K, obtem-se(para T em K)

C1 = 17, 443C2 = 2795 (SI)C3 = 3, 868 (SI) .

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b) Curva de fusao

Conforme foi anteriormente referido, a curva de fusao de um sistema ea linha de equilıbrio entre os estados solido e lıquido desse sistema, aqual tem origem no seu ponto triplo Y nao tendo limite superior.

Para esta mudanca de estado, tem-se sempre

Slıquido > Ssolido ⇒ ∆Hsl > 0 .

Por outro lado, a fusao e acompanhada de uma dilatacao para a maio-ria das substancias, pelo que

Vlıquido > Vsolido ⇒ ∆Vsl > 0 ,

concluindo-se que essas substancias tem uma curva de fusao com declivepositivo, isto e

dp

dT

∣∣∣∣sl

> 0 .

No entanto, para a agua, o bismuto, o antimonio, o germanio e o silıcioa fusao e acompanhada de uma contraccao, isto e

Vlıquido < Vsolido ⇒ ∆Vsl < 0 ,

concluindo-se quedp

dT

∣∣∣∣sl

< 0 ,

o que equivale a dizer que estas substancias tem uma curva de fusaocom declive negativo (ver figura 8.5).

Analisemos o caso particular da agua, que tem ponto crıtico com co-ordenadas {

TC = 374 0CpC = 218 atm ,

e ponto triplo com coordenadas{TY = 0, 01 0CpY = 613 Pa .

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Figure 8.5: Diagrama do ponto triplo para substancias semelhantes a agua

E sabido que, em geral, a fusao de uma dada substancia e acompanhadade uma dilatacao (aumento de volume), isto e de uma diminuicao dasua densidade. Deste modo, os solidos sao em geral mais densos queos lıquidos. Tal e facil de compreender se se pensar que a energiafornecida ao aquecer um solido vai servir para quebrar as suas ligacoesintermoleculares, dando mais liberdade de movimento as moleculas queo constituem. No entanto, a agua comporta-se de forma diferente!

A temperaturas bastante acima do ponto de fusao, a agua lıquidacomporta-se como um ”lıquido normal” cuja densidade aumenta coma diminuicao de temperatura. No entanto, para temperaturas maisproximas da do seu ponto de fusao, a densidade da agua passa porum maximo (na vizinhanca dos 40C), e a partir daı decresce a me-dida que a temperatura diminui (ver figura 8.6). A densidade volta adiminuir apos a solidificacao da agua lıquida: a densidade do gelo e917, 0 Kg m−3 e a da agua lıquida e 999, 8 Kg m−3.

Este comportamento da agua tem a ver com a estrutura hexagonalmuito aberta do gelo, associada a uma ligacao covalente dipolardesignada por pontes de hidrogenio, a qual conduz a menores densidadespara o gelo. Depois da fusao, a agua lıquida mantem a ”memoria”dessa estrutura menos densa ate 4oC, temperatura a partir da qual oseu comportamento passa a ser o de um ”lıquido normal”.

Sao bem conhecidas varias consequencias desta propriedade da agua:

• A agua, ao congelar, pode fazer rebentar canalizacoes ou uma

142

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Figure 8.6: Densidade da agua em funcao da sua temperatura

garrafa fechada no congelador do frigorıfico.

• O gelo funde se se aumentar a pressao realizada sobre ele. Azona fundida volta a solidificar, desde que se diminuam as forcasexercidas sobre o sistema (soldadura autogenica).

• Os cubos de gelo flutuam dentro de um copo com agua lıquida.

Este ultimo fenomeno e muito importante do ponto de vista dabiologia aquatica, estando na base da existencia de vida marıtimanos polos. Nessas regioes frias a temperatura do ar provoca umarrefecimento da agua superfıcial que, ao atingir 40C, fica maisdensa descendo para regioes mais profundas. Assim, quando aagua superficial congela (tendo menor densidade), existe sempreagua lıquida (mais densa e a uma temperatura ligeiramente su-perior) nas zonas mais profundas do oceano, o que assegura amanutencao de vida.

143

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8.4 Diagrama (p, V , T ) das mudancas de estado

Se representarmos o estado de um sistema puro atraves de um ponto noespaco (p, V, T ) a tres dimensoes, obtem-se uma superfıcie caracterıstica dasmudancas de estado: o chamado diagrama (p, V, T ).

Figure 8.7: Diagrama (p,V ,T ) para um sistema generico

Este diagrama, esquematicamente representado na figura 8.7 para umsistema generico, encontra-se dividido em varias regioes.

• Regioes onde o sistema existe num unico estado: Solido (S), Lıquido(L), Gasoso (G) ou Fluido (F).

A regiao F ocorre acima da chamada isotermica crıtica, a qual passapelo ponto crıtico C.

• Regioes de equilıbrio entre distintos estados do sistema: S+L, L+G eS+G.

As superfıcies dessas regioes foram construıdas atraves de um conjuntode rectas paralelas ao eixo dos V , traduzindo condicoes p =conste eT =conste, tıpicas das mudancas de estado.

144

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Estas tres regioes tem uma fronteira comum: a chamada linha tripla,ao longo da qual coexistem em equilıbrio os tres estados da materia.

A projeccao da superfıcie caracterıstica (p, V , T ) no plano (p,T ) da origemao diagrama do ponto triplo, enquanto que as suas projeccoes no plano (p,V )dao origem ao chamado diagrama de isotermicas de Andrews.

8.4.1 Diagrama de isotermicas de Andrews

O diagrama de isotermicas de Andrews, que se representa na figura 8.8 paraa mudanca de estado lıquido-gas, e um grafico p = p(V ) a T =conste.

Figure 8.8: Diagrama de isotermicas de Andrews para a transicao lıquido-gas

Nesta figura

• C representa o ponto crıtico;

• a linha T = TC representa a isotermica crıtica;

• a linha a traco interrompido representa a curva de saturacao do sistema.

As isotermicas e a curva de saturacao do sistema definem varias regioesno diagrama, a saber:

• regiao Fluido: acima da isotermica T = TC ;

• regiao Lıquido: abaixo da isotermica T = TC e a esquerda da curva desaturacao;

145

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• regiao Gas: abaixo da isotermica T = TC e a direita da curva desaturacao.

• regiao Lıquido + Gas: debaixo da curva de saturacao. Note-se que,nessa zona de mudanca de estado, as isotermicas sao tambem isobaricas.

8.4.2 Diagrama de isobaricas (T , S)

A figura 8.9 representa um diagrama T = T (S) a p =conste, para a mudancade estado lıquido-gas.

Figure 8.9: Diagrama de isobaricas (T , S) para a transicao lıquido-gas

Nesta figura

• C representa o ponto crıtico;

• a linha p = pC representa a isobarica crıtica;

• a linha a traco interrompido representa a curva de saturacao do sistema.

Note-se que em geral Cp,lıquido > Cp,gas, o que justifica os menores declivesdas isobaricas na zona lıquido30.

Note-se ainda que, na zona de mudanca de estado debaixo da curva desaturacao, as isobaricas sao tambem isotermicas.

30Recorde-se que

dS ' nCpdT

T⇒ T ∝ exp

(S

Cp

).

146

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8.5 Grandezas extensivas de um sistema com dois es-tados em equılibro

Considere-se um sistema puro, constituıdo por dois estados (1 e 2) em equi-lıbrio. Admitamos que se provoca uma mudanca de estado entre 1 e 2,que se inicia com uma massa m do sistema no estado 1, caracterizado pelasgrandezas extensivas V1, U1, H1, S1, etc, a qual vai sendo gradualmentetransferida para o estado 2, caracterizado pelas grandezas extensivas V2, U2,H2, S2, etc.

O valor medio de qualquer grandeza extensiva do sistema sera obtidaa partir de uma soma, ponderada pelas massas, das respectivas grandezasextensivas massicas de cada um dos estados do sistema. Genericamente

B = m1b1 + m2b2 = (m−m2)b1 + m2b2 , (8.15)

onde B representa uma grandeza extensiva generica do sistema e bi (i = 1, 2)e a correspondente grandeza massica para o estado i de massa mi. Note-seque m = m1 + m2.

A equacao (8.15) pode escrever-se em termos massicos como

b = x1b1 + x2b2 = (1− x2)b1 + x2b2 , (8.16)

onde xi ≡ mi/m (i = 1, 2) representa a fraccao massica do sistema que seencontra no estado i.

A equacao (8.16) pode ser usada no calculo do diferencial exacto de b

db = x1db1 + x2db2 + b1dx1 + b2dx2

= x1db1 + x2db2 + (b2 − b1)dx2

= x1db1 + x2db2 + ∆b12dx2 , (8.17)

onde as tres parcelas da ultima expressao representam, respectivamente, avariacao de b devido ao estado 1, a variacao de b devido ao estado 2 e avariacao de b devido a mudanca de estado 1-2.

Note-se que se a transformacao se realizar a T e p constantes, entaoas grandezas massicas de cada estado individual nao variam, podendo-seescrever

db = ∆b12dx2 . (8.18)

147

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A equacao (8.17) pode tambem escrever-se usando apenas a fraccao mas-sica x2, como

db = (1− x2)db1 + x2db2 + ∆b12dx2

= db1 + x2d(b2 − b1) + ∆b12dx2

= db1 + x2d(∆b12) + ∆b12dx2

= db1 + d(x2∆b12) . (8.19)

148

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8.6 Capacidades calorıficas numa mudanca de estado

A equacao geral de definicao de uma capacidade calorıfica tem a forma

cx ≡(

δQrev

∂T

)x

,

onde x representa qualquer parametro que seja mantido constante ao longodo caminho reversıvel utilizado na definicao da capacidade calorıfica.

Nesta seccao pretende definir-se uma capacidade calorıfica ao longo deuma curva de mudanca de estado (por exemplo, a curva de saturacaode mudanca de estado lıquido-gas31), a qual representaremos genericamentepor

csat ≡(

δQrev

dT

)sat

. (8.20)

Dado que ocorrem variacoes quer de pressao, quer de temperatura, querde volume ao longo de uma curva de equilıbrio entre estados, e imediatoconcluir que csat 6= cV =

(∂U∂T

)V

csat 6= cp =(

∂H∂T

)p

,

muito embora seja possıvel relacionar estas quantidades entre si.

8.6.1 Relacao entre csat e cV

Consideremos a entropia massica de um sistema, s = s(T, v), constituıdo pordois estados (1 e 2) em equilıbrio. Tem-se

ds =

(∂s

∂T

)v

dT +

(∂s

∂v

)T

dv

e portanto, ao longo da curva de equilıbrio entre 1 e 2,(ds

dT

)sat

=

(∂s

∂T

)v

+

(∂s

∂v

)T

(dv

dT

)sat

. (8.21)

Como (ver capıtulo 7)(

∂s∂T

)v

= cVmT(

∂s∂v

)T

=(

∂p∂T

)v

= α =βk

,

31O estudo aqui realizado e obviamente valido para qualquer outra mudanca de estado.

149

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onde m e a massa total do sistema, entao

csat

m≡ T

(ds

dT

)sat

=cV

m+

βT

k

(dv

dT

)sat

. (8.22)

Por outro lado, pode escrever-se para v(T, p) [cf. equacao (8.21)](dv

dT

)sat

=

(∂v

∂T

)p

+

(∂v

∂p

)T

(dp

dT

)sat

, (8.23)

e como (ver capıtulo 7) (

∂v∂T

)p

= βv(∂v∂p

)T

= −kv ,

entao (dv

dT

)sat

= βv − kv

(dp

dT

)sat

. (8.24)

Substituindo (8.24) em (8.22) tem-se

csat

m=

cV

m+

β2vT

k− βvT

(dp

dT

)sat

. (8.25)

Note-se que, na equacao (8.25), (dp/dT )sat representa o declive da curvap = p(T ) de equilıbrio entre os estados 1 e 2, dado pela equacao de Clausius-Clapeyron (8.12).

8.6.2 Relacao entre csat e (du/dT )sat

A equacao (8.25) pode ser escrita usando-se a relacao existente entre a ca-pacidade calorıfica a volume constante cV e a energia interna massica u(T, v).Por um lado tem-se [cf. equacao (8.21)](

du

dT

)sat

=

(∂u

∂T

)v

+

(∂u

∂v

)T

(dv

dT

)sat

, (8.26)

e como (ver capıtulo 7)(

∂u∂T

)v

= cVm(

∂u∂v

)T

= T(

∂p∂T

)v− p =

βTk− p ,

150

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vem [cf. equacao (8.22)](du

dT

)sat

=cV

m+

[βT

k− p

](dv

dT

)sat

=csat

m− p

(dv

dT

)sat

,

ou sejacsat

m=

(du

dT

)sat

+ p

(dv

dT

)sat

. (8.27)

8.6.3 Relacao entre csat e cp

A equacao (8.25) fornece uma relacao entre csat e cV , a qual pode ser conju-gada com a condicao (ver capıtulo 7)

cp − cV =β2V T

k=

β2vT

km

para obter uma relacao entre csat e cp

csat

m=

cp

m− βvT

(dp

dT

)sat

. (8.28)

8.6.4 Relacao entre csat e (dh/dT )sat

A equacao (8.28) pode ser escrita usando-se a relacao existente entre a ca-pacidade calorıfica a pressao constante cp e a entalpia massica h(T, p). Porum lado tem-se [cf. equacao (8.21)](

dh

dT

)sat

=

(∂h

∂T

)p

+

(∂h

∂p

)T

(dp

dT

)sat

, (8.29)

e como (ver capıtulo 7)(

∂h∂T

)p

=cpm(

∂h∂p

)T

= −T(

∂v∂T

)p+ v = −βvT + v ,

151

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vem [cf. equacao (8.28)](dh

dT

)sat

=cp

m+ [−βvT + v]

(dp

dT

)sat

=csat

m+ v

(dp

dT

)sat

,

ou sejacsat

m=

(dh

dT

)sat

− v

(dp

dT

)sat

. (8.30)

Note-se que a equacao (8.30) poderia ter sido directamente obtida a partirde (8.27), utilizando a relacao h = u+pv, entre a energia interna e a entalpiamassicas, e derivando-a em ordem a T ao longo da curva de equilıbrio entre1 e 2.

8.6.5 Relacao entre csat e as capacidades calorıficas c1 e c2

Nesta seccao procura-se obter uma relacao entre a capacidade calorıfica csat

do sistema e as capacidades calorıficas c1 e c2 de cada um dos seus estadossaturados 1 e 2, isto e as capacidades calorıficas de cada um dos estados 1 e2 em equilıbrio a uma pressao p e temperatura T , sobre a curva de saturacao(ver figura 8.10).

Figure 8.10: Estados saturados de um sistema lıquido-gas

152

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Estas capacidades calorıficas definem-se como [ver equacoes (8.20) e (8.22)]

csat ≡(

δQrev

dT

)sat

= T

(dS

dT

)sat

= mT

(ds

dT

)sat

(8.31)

c1 ≡(

δQrev

dT

)1

= mT

(ds

dT

)1

(8.32)

c2 ≡(

δQrev

dT

)2

= mT

(ds

dT

)2

. (8.33)

Fazendo uso das relacoes (8.31)-(8.33) na equacao (8.17), aplicada a en-tropia massica

ds = x1ds1 + x2ds2 + ∆s12dx2 ,

obtem-se

csat = x1c1 + x2c2 + ∆s12dx2

dTmT . (8.34)

8.6.6 Relacao entre csat e a entalpia de mudanca de estado

A relacao entre as variacoes de entropia e entalpia, numa mudanca de estadoa p e T constantes, pode ser facilmente obtida recordando que (ver capıtulo 7)

dh = Tds + vdp⇒ (dh)T,p = T (ds)T,p ,

donde se obtem

∆s12 =∆h12

T. (8.35)

As relacoes (8.31), (8.32) e (8.35) podem agora ser usadas na equacao(8.19), aplicada a entropia massica

ds = ds1 + d [x2∆s12] ,

obtendo-se

csat = c1 + mTd [x2 (∆h12/T )]

dT

= c1 + md [x2∆h12]

dT−mx2

∆h12

T. (8.36)

153

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8.6.7 Calor elementar trocado numa mudanca de estado

A equacao (8.34) pode ser utilizada para calcular o calor elementar δQ, tro-cado durante uma mudanca de estado. Com efeito, a partir de (8.34) podeescrever-se

csatdT = x1c1dT + x2c2dT + mT∆s12dx2

dTdT , (8.37)

ou sejaδQ = δQ1 + δQ2 + δQ12 ,

onde

δQ1 ≡ x1c1dT representa o calor elementar utilizado no aquecimento /arrefecimento do estado 1;

δQ2 ≡ x2c2dT representa o calor elementar utilizado no aquecimento /arrefecimento do estado 2;

δQ12 ≡ mT∆s12dx2 = m∆h12dx2 = mλ12dx2 representa o calor elementarutilizado na transicao 1-2.

8.6.8 Capacidades calorıficas de gases e lıquidos saturados

A equacao (8.28) pode escrever-se para a mudanca de estado lıquido-gas

csat

m=

cp

m− βvT

(dp

dT

)sat

,

e usando a equacao de Clausius-Clapeyron (8.12)

csat

m=

cp

m− βvT

∆hlg

T∆vlg

ou seja

csat = cp − βmv

vg − vl

∆hlg ' cp − βmv

vg

∆hlg ,

pois em geral tem-se vg � vl.

154

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• No caso de um gas (perfeito) saturado (ver capıtulo 7)

β =1

v

(∂v

∂T

)p

=1

T,

tendo-se

cg = cp −m∆hlg

T. (8.38)

Apliquemos este resultado ao vapor de agua a T ' 1000C, para o qual{ cpm = 1, 890 kJ K−1 kg−1

∆hlg

T = 6, 05 kJ K−1 kg−1 ,

pelo quecp

m<

∆hlg

T⇒ cg < 0 .

Este resultado e surpreendente: a capacidade calorıfica do vapor deagua saturado e negativa (!), isto e o aumento da temperatura dovapor deve ser acompanhado de uma extraccao de calor, a fim demanter o equilıbrio entre estados sobre a curva de saturacao lıquido-gas, garantindo o aumento simultaneo de pressao que acompanha oaumento de temperatura sobre essa curva.

A explicacao e que tanto T como p variam ao longo da curva desaturacao, e ambos afectam a entropia. Um aumento da temperaturafaz aumentar a entropia, enquanto o aumento simultaneo de pressao fazdiminuir a entropia. Quando este ultimo efeito se sobrepoe ao primeiro,a capacidade calorıfica torna-se negativa.

Por outras palavras, a libertacao de energia termica que acompanhao processo de transicao gas-lıquido (m∆hlg/T ) e superior a energiaconsumida na elevacao de temperatura do vapor saturado (cp), parauma variacao T = T (p) sobre a curva de saturacao.

Este resultado nao e geral, e depende do substancia considerada. Exis-tem sistemas para os quais cg e positivo (por exemplo o benzeno), oumesmo nulo (caso de alguns freons).

• No caso de um lıquido saturado

β =1

v

(∂v

∂T

)p

' 0 ,

155

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tendo-se [ver tambem equacoes (8.25) e (8.28)]

cl ' cp ' cv . (8.39)

No caso da agua lıquida a T ' 1000C,

cl

m' 4, 220 kJ K−1 kg−1 . (8.40)

156