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GÊNERO, TRABALHO RURAL E PLURIATIVIDADE CAROLINA BRAZ DE CASTILHO E SILVA 1 SERGIO SCHNEIDER 2 1 Cientista Social e Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia/UFRGS. Bolsista CNPq. Contato: [email protected] 2 Doutor em Sociologia (UFRGS/Université Paris X) e Pós-Doutor pela Cardiff University. Professor do Departamento de Sociologia e do PPG em Sociologia da UFRGS. Coordenador do PPG em Desenvolvimento Rural da UFRGS. Pesquisador do CNPq (Bolsa Produtividade em Pesquisa). Contato: [email protected] In: SCOTT, Parry; CORDEIRO; Rosineide e MENEZES, Marilda (Org.) Gênero e Geração em Contextos Rurais. Florianópolis/SC, Ed. Mulheres, 2010, pg. 183-207

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  • GNERO, TRABALHO RURAL E PLURIATIVIDADE

    CAROLINA BRAZ DE CASTILHO E SILVA1 SERGIO SCHNEIDER2

    1 Cientista Social e Mestranda do Programa de Ps-Graduao em Sociologia/UFRGS. Bolsista CNPq. Contato:

    [email protected]

    2 Doutor em Sociologia (UFRGS/Universit Paris X) e Ps-Doutor pela Cardiff University. Professor do

    Departamento de Sociologia e do PPG em Sociologia da UFRGS. Coordenador do PPG em Desenvolvimento Rural da UFRGS. Pesquisador do CNPq (Bolsa Produtividade em Pesquisa). Contato: [email protected]

    In: SCOTT, Parry; CORDEIRO; Rosineide e MENEZES, Marilda (Org.) Gnero e Gerao em Contextos Rurais. Florianpolis/SC, Ed.

    Mulheres, 2010, pg. 183-207

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    Introduo Tornou-se recorrente a afirmao de que a agricultura familiar brasileira responsvel por cerca de 38% do valor bruto da produo de alimentos do pas, representa em torno de 10% do PIB agrcola, corresponde a 85% dos estabelecimentos agropecurios e responde por quase 77% dos postos de trabalho na agricultura. Contudo, ainda pouco conhecida a parcela destas propores que se refere contribuio das mulheres nas unidades familiares de produo. Alm disso, em face do acelerado processo de migrao, causado por diversos fatores e que atinge os jovens rurais em geral, mas de modo especial as moas, a questo da persistncia do carter familiar destas unidades emerge como um tema central a ser debatido no desenvolvimento rural brasileiro.

    Boa parte dos estudos sobre mulheres rurais realizados no Brasil sempre tendeu a consider-las a partir de seu lugar dentro da unidade de produo, focalizando sua condio de

    trabalhadoras no remuneradas e com baixa valorizao. Ainda que esses estudos tenham revelado aspectos relevantes relacionados situao de desigualdade das mulheres, como a sua

    importncia nas atividades agrcolas e seu papel na reproduo social das famlias rurais, permanecem lacunas quanto a situaes opostas e alternativas a essa desigualdade.

    As formas de insero das mulheres no mercado de trabalho em atividades no-agrcolas e fora da propriedade familiar, bem como suas conseqncias e efeitos sobre a unidade produtiva e

    o grupo domstico ainda no foram devidamente exploradas. A literatura mais recente j demonstrou que a pluriatividade definida pela combinao entre o trabalho agrcola e as atividades fora da propriedade no representa um fenmeno inteiramente novo, uma vez que sabido que os agricultores sempre mantiveram a combinao em mltiplas ocupaes

    (SCHNEIDER, 2003). Contudo, o que antes era uma situao temporria e transitria, agora parece assumir feies estveis e duradouras, indicando-se inclusive uma tendncia ao crescimento de pessoas e famlias que residem no meio rural e se ocupam exclusivamente em

    atividades no-agrcolas, deixando at mesmo de ser pluriativas. Na realidade, as transformaes nas formas de ocupao e nas relaes de trabalho no meio rural so a expresso das mudanas mais gerais que afetam o mundo do trabalho e da produo na sociedade em que vivemos.

    Por esta razo, torna-se importante saber como as mudanas nas relaes de trabalho e de

    produo afetam a sociabilidade e a organizao social das famlias rurais. Ainda so raros os estudos sobre as alteraes nas posies de poder e nos papis sociais que afetam homens e

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    mulheres, jovens e adultos no meio rural. Por isto, acredita-se que as cincias sociais, sobretudo a sociologia, tm a um terreno frtil a ser explorado em relao s temticas femininas e das relaes de gnero, que em outros contextos j foram amplamente debatidas. Os pesquisadores que se dedicaram a compreender os efeitos da pluriatividade nas

    famlias de agricultores j demonstraram que ela capaz de aumentar, estabilizar e diversificar a renda, ocupar a mo-de-obra excedente da propriedade, estimular os mercados locais e contribuir com a permanncia da populao no meio rural. Mas ainda pouco se sabe sobre os efeitos da pluriatividade nas relaes entre homens-maridos e mulheres-esposas. Neste sentido, a hiptese

    que guia este trabalho baseia-se na assertiva de que a participao da mulher em atividades no-agrcolas (que lhe geram acessos a renda individual) contribui para alterar os papis sociais de gnero, alm de favorecer a permanncia da mulher no meio rural.

    O trabalho tem como objetivo analisar as possveis influncias da prtica da pluriatividade sobre as famlias rurais tomando como referncia emprica dois municpios do Rio Grande do Sul, que so Veranpolis e Trs Palmeiras. Pretende-se ainda verificar se a pluriatividade

    contribuiu para modificar as relaes de gnero e se afeta a permanncia feminina no meio rural. Os resultados aqui apresentados so fruto do trabalho de vrios anos de pesquisa com

    agricultores familiares do Rio Grande do Sul, realizados em diferentes regies, em reas de produo de gros (soja e trigo no caso de Trs Palmeiras) e outras de produo diversificada (fruticultura, produo de animais frangos e sunos em sistemas de integrao, em Veranpolis). O artigo est organizado em quatro partes. Na primeira discute-se o lugar da mulher na sociedade e a diviso do trabalho. Na segunda aborda-se a pluriatividade e a agricultura familiar. A terceira parte corresponde anlise dos dados e dos municpios de estudo.

    Por fim, apresentam-se as consideraes finais a que conduzem essas anlises3.

    O lugar da mulher na diviso sexual do trabalho Conforme Tnia Santos (2002), existem identidades sexuais e identidades de gnero na

    sociedade. A identidade sexual definida pelas classificaes de heterossexualidade, homossexualidade e bissexualidade e refere-se s caractersticas fsicas, enquanto a identidade de

    3 As informaes analisadas neste artigo fazem parte do banco de dados do projeto de pesquisa Agricultura Familiar,

    Desenvolvimento Local e Pluriatividade no Rio Grande do Sul, posteriormente apropriado pelo projeto Emprego e Renda no Meio Rural, sob coordenao de Sergio Schneider e com participao de Carolina Castilho e Silva, como bolsista de pesquisa (PIBIC/UFRGS).

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    gnero definida pelas categorias de masculino e feminino, e refere-se s relaes entre essas categorias; uma elaborao cultural sobre os sexos. A noo de gnero se relaciona com a cultura, sendo formadora e formada por ela, ou seja, a forma como a sociedade lida com as diferenas entre os sexos. Nesta concepo, as diferenas entre comportamentos de homens e mulheres so resultantes da ao da cultura dominante sobre as representaes e comportamentos de homens e mulheres (SANTOS, 2002, p. 41). Assim, o conceito de gnero questiona o que dado como natural e biolgico, demonstrando que o papel da mulher na sociedade pode ser alterado com benefcios para o todo.

    Muitas mudanas relacionadas com o papel feminino na sociedade esto ligadas insero da mulher no mercado e valorizao das atividades domsticas enquanto trabalho.

    Nesse sentido, a pluriatividade ganha importncia no meio rural ao possibilitar uma alternativa atividade agrcola (especialmente para jovens e mulheres) que proporciona maior valorizao do trabalho realizado, maior autonomia e maior socializao quando exercida fora da propriedade.

    Sobre a posio da mulher na sociedade, toma-se como base o estudo de Pierre Bourdieu

    (2005) no qual afirma ser a dominao masculina resultante daquilo que define como violncia simblica, ou seja, uma violncia exercida atravs de vias simblicas, como a comunicao e o conhecimento e que por isso no percebida sequer pelas suas vtimas (BOURDIEU, 2005, p. 9).

    A diviso sexual se mostra como natural, at inevitvel. Ela est objetivada nas coisas, no mundo social e incorporada nos corpos e habitus, funcionando como sistemas de percepo, pensamento e ao. Isso porque existe uma concordncia entre estruturas objetivas e cognitivas que leva a uma referncia ao mundo que apaga as condies sociais que a torna possvel, legitimando o arbitrrio, como se fosse natural (BOURDIEU, 2005, p. 17).

    Para Bourdieu, a socializao, que se d por meio dos ensinamentos sobre formas de vestir, pensar, agir masculina e feminina, leva a crer que as regras arbitrrias ligadas aos corpos so naturais (portanto, no questionveis), naturalizando, assim, a diviso sexual. Portanto, a ordem social ratifica, por vias simblicas, a dominao masculina sobre a qual esto aliceradas a diviso social do trabalho e a estrutura do tempo e espao, reservando s mulheres o espao domstico, da casa (BOURDIEU, 2005, p.18). Segundo o autor, a sociedade que forma a diferena entre os sexos biolgicos, de acordo com uma viso mtica do mundo, enraizada na

    relao arbitrria de dominao de homens sobre mulheres, que tambm se manifesta na realidade da ordem social atravs da diviso do trabalho (BOURDIEU, 2005).

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    Segundo Lorena Holzmann (2006), nesta diviso, a produo de valores de uso direcionados para a famlia e as atividades de reproduo da espcie e do cuidado com crianas, velhos e incapazes, foram consideradas atribuies femininas, restringindo a atuao feminina esfera privada. Por outro lado, a produo social e o comando da sociedade, ou seja, atividades realizadas no espao pblico, ficavam ao encargo dos homens (HOLZMANN, 2006).

    Mesmo com a separao entre o espao domstico e o espao de trabalho, e apesar da grande utilizao da mo-de-obra feminina durante a formao da sociedade industrial, permaneceu a idia de que as tarefas relativas s mulheres eram as reprodutivas, no mbito

    domstico. E hoje, no obstante a insero das mulheres no mercado de trabalho, a diviso sexual perdura, atravs da separao entre setores apropriados aos homens e s mulheres (idem, 2006).

    Na agricultura, estudos demonstraram (DESER CEMTR/PR, 1996) que o trabalho familiar ainda mantm desigualdades de gnero, privilegiando o homem-marido enquanto chefe

    de famlia e da propriedade. As mulheres devem cuidar da casa e das atividades de reproduo familiar, ou seja, cultivo de horta e ervas medicinais, pequenas criaes, assim como a atividade leiteira. Os homens devem cuidar das atividades produtivas, ou seja, voltadas para o mercado, enquanto consideram que as mulheres apenas ajudam, o que reflete a desvalorizao do trabalho feminino pela sociedade, j que as tarefas domsticas no geram renda monetria.

    Conforme Anita Brumer (1996), o Relatrio de 1988 da Secretaria da Comisso Feminina da Comisso das Comunidades Europias mostra que o trabalho feminino nas unidades produtivas entendido como uma obrigao natural que tem a mulher de ajudar seu cnjuge, pois a atividade profissional e a vida familiar so desenvolvidas no mesmo local e as relaes entre os casais so tanto de cnjuges como de colaboradores (BRUMER, 1996, p. 41).

    O estudo do DESER (CEMTR/PR,1996, p. 23, 24) mostra que no Sul do Brasil so as mulheres que realizam boa parte do trabalho na produo de leite, mas de forma geral elas no tm poder de deciso, no recebem a remunerao, no tratam com agentes externos (venda, assistncia tcnica...) nem participam de comisses sindicais e assemblias. A organizao social predominante designa ao sexo masculino a organizao do trabalho agrcola e a representao da propriedade no espao pblico, enquanto designa ao sexo feminino a garantia da reproduo da famlia, no reconhecendo as mulheres enquanto produtoras (DESER CEMTR/PR, 1996 p.67). Este estudo mostra que na produo leiteira, tida como uma atividade feminina na agricultura, os homens s atuam a partir do momento em que essa possibilita maiores

    [P1] Comentrio: no usar em texto

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    rendimentos financeiros (ou seja, ganha um status de produo para mercado). O trabalho das mulheres tende a ser superior ao dos homens, pois elas atuam na lavoura, apesar das suas atividades domsticas, nas quais, raramente recebem auxlio masculino (DESER CEMTR/PR,1996, p. 89). No entanto, tende-se a valorizar mais o trabalho dos filhos do que de filhas e esposas, e a nota de comercializao e pagamento so em nome do marido, bem como ele que recebe crdito e assistncia tcnica, mesmo para a atividade leiteira.

    Esta desvalorizao do trabalho da mulher e as dificuldades encontradas no Sul e no restante do Brasil esto presentes em outras partes do mundo. Na Holanda, por exemplo, as

    desigualdades se repetiam em meados dos anos de 1990. Segundo Anjo Geluk-Geluk (1994), o trabalho feminino na propriedade s se torna reconhecido quando h uma parceria formal de

    trabalho entre homens e mulheres, e mesmo quando isso ocorre, raramente so elas que tomam as decises e gerenciam a propriedade.

    De forma geral, as possibilidades de emprego e renda, fora da propriedade, no se conciliavam com os cuidados com a famlia. Mulheres que se inseriam no mercado de trabalho

    abandonavam a atividade quando nascia seu primeiro filho. Nesse contexto, a falta de creches e transporte escolar para as crianas rurais, dificultava a insero da mulher em atividades fora da propriedade, reafirmando seu lugar na famlia (GELUK-GELUK, 1994).

    A prpria seguridade social e a cobrana de impostos, baseada numa noo de famlia

    onde h um provedor e um responsvel pelos cuidados com a famlia, dificultavam a parceria no trabalho na propriedade e contribuam para manter a diviso sexual do trabalho. Por no ter renda, a posio social da mulher, seus direitos e deveres so derivados da posio do marido, que tm os direitos de segurana social estendidos para toda a famlia (GELUK-GELUK, 1994). Outra situao apontada por algumas pesquisas sobre feminizao da agricultura. Em relao a Portugal, Isabel Rodrigo (1986) mostra que a feminizao est relacionada com a emigrao e a industrializao que afastam os homens do trabalho na propriedade, em contextos

    onde a pluriatividade favorece a mo-de-obra masculina. Assim, mulheres passam a assumir integralmente a propriedade, aumentando sua carga de trabalho, sobretudo quando os filhos j esto em idade escolar, j que as funes de me so prioritrias (RODRIGO, 1986).

    Para Carmen Diana Deere (2006), a feminizao da agricultura deriva da necessidade de diversificao dos meios de manuteno familiares, a qual aumenta a insero em atividades no-agrcolas, de forma varivel para homens e mulheres conforme a composio e ciclo familiares e

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    a dinmica e natureza dos mercados. A partir de 1970, na Amrica Latina, a diversificao de estratgias de sustento tem sido uma das tendncias dominantes no meio rural, aumentando a participao econmica das mulheres e sua insero em atividades no-agrcolas.

    A autora afirma que h uma tendncia a que mulheres figurem como chefes de famlia,

    devido migrao masculina e/ou ao seu emprego fora da propriedade, mas tambm pelas separaes, divrcios e pela opo de permanecer solteira, influenciadas pelas oportunidades de gerar ingressos (DEERE, 2006). No entanto, a tendncia no a mesma para o Sul do Brasil.

    Estudos comparativos sobre as caractersticas e a qualidade de vida das famlias

    agricultoras monoativas e pluriativas no Rio Grande do Sul (SCHNEIDER et. al, 2006) demonstraram que a pluriatividade contribui para a reproduo das famlias e sua permanncia na

    agricultura, mesmo no promovendo grandes mudanas nos padres de habitao, consumo, entre outros. O mesmo estudo permitiu verificar a inexistncia de pessoas nas posies de filhas

    nas famlias monoativas de Veranpolis, indicando sua migrao, motivando o presente estudo. Segundo o IBGE, no ano de 2000, a diviso da populao brasileira era de 49,22% para homens e 50,78% para mulheres, indicando que a falta de mulheres no meio rural de Veranpolis no pode ser explicada por fatores biolgicos, mas pelas relaes sociais estabelecidas, das quais destaca a forma de herana, que privilegia os filhos homens (CARNEIRO, 2001). A herana no meio rural se baseia na tradio, em detrimento das leis, e visa a

    manuteno da propriedade, j que as divises podem torn-la insuficiente para o sustento familiar. Mas outra questo relevante nos dias atuais o desinteresse pela sucesso da terra, devido a diversos fatores entre os quais a penosidade do trabalho e o pouco rendimento obtido.

    Conforme Maria Jos Carneiro (2001), em regies de colonizao alem e italiana, a sucesso da terra obedece ao princpio do trabalho, no qual, somente quem trabalha na terra tem direito a ela. Buscava-se dar aos filhos homens, sobretudo ao herdeiro, um lote de terra para manter famlia e s mulheres um dote e um enxoval, j que com o casamento, passaria a fazer parte do grupo familiar do marido, sendo ele o responsvel pelo seu sustento e dos seus filhos.

    Alm da obrigao do marido em ser o responsvel pela famlia, desobrigando a herana para as mulheres, o trabalho realizado na propriedade, considerado ajuda, no legitimava, sequer para elas mesmas, o recebimento de parcela da herana, reforando as formas tradicionais

    de organizao das famlias e a dependncia em relao aos homens (pai, marido, ou filho). Mesmo quando as mulheres tenham maior participao em atividades ligadas produo,

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    como nas agroindstrias, seu trabalho no notado e provoca conflitos. Segundo Valdete Boni (2006), em estudo sobre agroindstrias rurais, o descontentamento das mulheres com a situao vivida evidenciado atravs de movimentos sociais femininos, como o Movimento das Mulheres Agricultoras (MMA), que englobam questes de gnero, alm das agrcolas.

    O trabalho das mulheres nas agroindstrias de grande importncia, porm no reconhecido como produtivo, e sim como uma extenso das atividades do lar, visto que para melhor gerenciar as atividades domsticas, elas costumam realizar o trabalho das agroindstrias dentro de casa. Alm disso, os rendimentos so administrados pelo chefe da famlia, perpetuando

    as relaes patriarcais e a forma de interao de homens e mulheres na sociedade (BONI, 2006). Na Espanha, por exemplo, a permanncia feminina deve ser garantida atravs da

    qualidade de vida de mulheres e moas, visando reproduo da atividade, j que o descontentamento feminino apontado como gerador da masculinizao e do celibato masculino

    forado, ameaando a reproduo da agricultura familiar (BONI, 2006). Neste pas, os homens s passam a contribuir com os trabalhos domsticos a partir de sua aposentadoria. J as mulheres se

    dedicam mais s tarefas do lar, conciliando com o trabalho externo, quando os filhos so pequenos, voltando para o mercado de trabalho aps o crescimento das crianas (BONI, 2006).

    Neste sentido, possvel perceber que h indicaes consistentes justificando a importncia de se estudar a situao da mulher e as relaes de gnero no meio rural. De certo

    modo, as perspectivas declaradamente feministas, que visam conscientizao das mulheres acerca da situao de dominao e alteraes nos padres das relaes homemmulher, tomam esta realidade como ponto de partida. O movimento feminista permitiu que a questo de gnero se tornasse um conceito analtico, concebido em perspectiva relacional (entre homem e mulher) por volta dos anos 1980, substituindo os estudos sobre a mulher e as explicaes biolgicas, baseadas nas caractersticas fsicas e cerebrais dos dois sexos.

    Entretanto, sem desprezar as diferenas biolgicas entre os tipos mdios femininos e

    masculinos, a perspectiva de gnero parece ultrapassar os limites biolgicos ao conceber homens e mulheres a partir de papis sociais historicamente construdos, destacando que os papis sociais tambm podem moldar os tipos biolgicos. Dessa forma, as relaes de gnero passam a ser aquelas estabelecidas entre os papis sociais de homens e mulheres.

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    Neste trabalho a anlise refere-se somente s mulheres e abarca sua caracterizao, visando dar nfase ao tipo de atividade desenvolvida pelas famlias as quais pertencem, buscando diferenas e semelhanas.

    Agricultura familiar e pluriatividade no Rio Grande do Sul

    De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclio (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), a populao rural economicamente ativa (PEA Rural) ocupada em trabalhos no-agrcolas tem aumentado nos ltimos anos, chegando a somar 304 mil pessoas em 2004 contra os 873 mil ocupados em atividades agrcolas. Conforme Carneiro (2006), com as novas dinmicas do meio rural, emerge a discusso sobre atividades no-agrcolas e pluriatividade no Brasil. Neste debate, o trabalho no-agrcola interpretado pela alterao do perfil socioeconmico no campo, como se algumas sociedades

    fossem anteriormente exclusivamente agrrias, ou interpretado como se tais atividades estivessem sempre presentes, contribuindo para a manuteno das famlias e da atividade agrcola, sem concorrer com ela (CARNEIRO, 2006).

    Os trabalhos de Sergio Schneider (2006) mostram, no entanto, que a ocupao em atividades no-agrcola no necessariamente significa que a famlia ou a unidade produtiva seja pluriativa. Segundo este autor, pluriativas so as famlias que adotam como estratgia de reproduo social a combinao de atividades agrcolas e no-agrcolas, sendo que uma famlia ou unidade familiar pode ser definida como pluriativa quando pelos menos um de seus membros,

    ainda que de forma parcial, combina o trabalho na agricultura com outra ocupao no-agrcola. Dessa forma, famlias monoativas ou exclusivamente agrcolas so aquelas que fazem uso

    somente de atividades agrcolas para sua reproduo social, enquanto as pluriativas combinam uma ou mais ocupao no-agrcola com a agricultura.

    O trabalho de Leonardo Koppe (2005, p. 60) mostrou que a pluriatividade tem importncia social e econmica no meio rural gacho tanto para famlias de estratos de renda elevados como para famlias com estratos mais baixos e que sua presena maior entre as

    famlias cujos membros possuem escolaridade mais elevada. J Flvio Sacco dos Anjos e Ndia Caldas (2006) mostraram que o recurso a pluriatividade ganha importncia enquanto forma de resistncia, especialmente naquelas unidades familiares em que os rendimentos e capacidade de

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    produo so limitados. Este trabalho mostrou que o tamanho da propriedade um fator limitante da produo e conseqentemente da renda agrcola.

    Outros estudos mostraram (Schneider et. al 2006) que as famlias monoativas apresentam cerca de 5% a mais de rea total e cultivvel do que as famlias pluriativas. Alm disso as famlias pluriativas tendem a ter maior nmero de membros em relao s famlias monoativas. Famlias maiores, com menor quantidade de rea cultivvel, fazendo uso da moto-mecanizao acentuada, geram um excedente de mo-de-obra que dever migrar ou procurar outra ocupao. No Rio Grande do Sul, a pluriatividade corresponde a 44,1% das famlias, sendo que em

    Veranpolis esse ndice chega a 59,3% das famlias, enquanto em Trs Palmeiras chega somente a 28,8%. Com isso, os membros que praticam a pluriatividade contribuem para o aumento da

    renda familiar, para o bem-estar familiar e para a manuteno da atividade agrcola. Se avaliarmos a composio das rendas dos municpios, temos que em Trs Palmeiras

    onde a pluriatividade no muito freqente, a renda no agrcola de 6,6% e a renda agrcola corresponde a 72,9% do total das famlias (o restante correspondendo a transferncias sociais e outras rendas). No caso de Veranpolis, a renda no-agrcola de 21,1% e a agrcola de 54,5%, demonstrando uma maior diversificao, que contribui para a reproduo social das famlias.

    Os rendimentos da pluriatividade no tm o mesmo carter familiar indivisvel, como os da atividade agrcola na UP, gerenciados geralmente pelo responsvel, chefe da famlia. Assim,

    concebe-se que essa prtica pelas mulheres pode alterar as relaes de poder no meio rural, ao gerar autonomia financeira, alm de ser uma forma de evitar as migraes em busca de emprego.

    O conjunto dos dados composto por informaes de quatro municpios, escolhidos de acordo com as caractersticas apresentadas e a quantidade de estabelecimentos agropecurios.

    So eles: Salvador das Misses (caracterizado pela produo de soja, milho e mandioca, alm da pecuria leiteira e sunos) Morro Redondo (destacando-se a produo de milho, batata inglesa, fumo, cebola, alm de criao de animais), Veranpolis (no qual se destacam a fruticultura e a criao de animais) e Trs Palmeiras (cujas principais culturas so soja, milho, mandioca, aliadas a produo de leite e de sunos). Para este trabalho foram selecionados apenas dois municpios no conjunto de dados, visando a comparao entre duas realidades distintas: Veranpolis (microrregio de Caxias do Sul) e Trs Palmeiras (microrregio de Frederico Westphalen), que apresentam o maior e o menor ndice de pluriatividade e de desenvolvimento econmico, respectivamente.

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    Do total de estabelecimentos em cada municpio, cerca de 10 a 15% compuseram a amostra, seguindo o mtodo de amostragem sistemtica por comunidade/localidade. Os dados foram obtidos atravs da aplicao de 59 questionrios semi-estruturados em cada municpio, totalizando 118 famlias. No entanto, a quantidade de indivduos e de mulheres que as compem

    no a mesma, portanto, as anlises so em termos percentuais.

    As variveis analisadas so a quantidade de mulheres e homens (dados gerais) e de filhas e filhos, composio das rendas, a posio que as mulheres ocupam nas famlias, idade, estado civil, escolaridade e tipo de trabalho desenvolvido (integral ou parcial; dentro ou fora da propriedade), de acordo com o tipo de atividade das famlias4.

    A microrregio de Caxias do Sul (ou Serra Gacha) uma regio de colonizao italiana bastante desenvolvida, que preserva traos da sua formao colonial e agrcola. Por volta de 1950, com o deslocamento da produo de cereais para o Planalto Mdio e Meridional do estado, a regio passou por mudanas na agricultura e logo se especializou em uva, vinho, batata-inglesa, ma e alho. Melhoraram as condies de moradia e as instalaes nas propriedades rurais e, em

    Veranpolis, houve um favorecimento da economia, que estimulou o comrcio e a indstria. A indstria e o comrcio tornaram-se meios de obter o sustento das famlias e passaram a

    receber recursos gerados pela agricultura colonial. Entre 1960 e 1990, o sistema colonial, baseado na venda do excedente, abriu espao para um modelo produtivo voltado para a especializao de

    culturas e uso de insumos industriais, uma agricultura dependente do mercado. Os jovens e os agricultores mais pobres, sem perspectiva de fazer parte do processo de especializao, formaram a mo-de-obra excedente que se descolou para o mercado de trabalho no-agrcola local.

    A diferena entre Veranpolis e demais regies onde ocorreram processos de alterao da

    base tecnolgica agrcola foi o contexto local permitir a absoro da mo-de-obra internamente. O municpio, criado em 1885, apresenta uma economia local bastante desenvolvida e o 14 lugar no ndice de Desenvolvimento Socioeconmico (Idese)5. Segundo dados da Fundao de Economia e Estatstica (FEE), em 2000, a taxa de analfabetismo era de 4,55% e a expectativa de vida ao nascer era de 75,51 anos. J em 2003, o PIB per capita ficava em R$ 20.776.

    Por outro lado, a microrregio de Frederico Westphalen (ou Alto Uruguai), uma das

    4 Ressalta-se que pela opo de utilizao de mtodos da estatstica descritiva, as anlises referem-se a amostra

    utilizada neste estudo. 5 O Idese o ndice utilizado pela Fundao de Economia e Estatstica do Rio Grande do Sul FEE, com base no

    ndice de Desenvolvimento Humano (IDH), e que analisa educao, renda, saneamento e domiclios, e sade.

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    regies mais deprimidas economicamente do estado. Possui grande diversidade cultural e tnica, misturando elementos da colonizao italiana e alem com outros da cultura indgena e cabocla.

    Aqui, mudanas na agricultura ocorreram a partir da dcada de 1970, com a consolidao do chamado binmio trigo-soja, fundado na modernizao da base tecnolgica da agricultura. O processo de modernizao privilegiou as monoculturas, tornando a regio dependente de culturas exigentes de capitais (como a soja, o milho, o trigo e o leite) e esvaziou as zonas rurais.

    No local h uma grande diferenciao social entre os agricultores familiares, pois enquanto algumas famlias foram acumulando capital (atravs de mquinas e equipamentos agrcolas), a maioria delas sofreu um empobrecimento, passando a depender com mais intensidade das transferncias sociais (penses, por exemplo). Nestas ltimas famlias, a migrao tornou-se uma maneira de livrar-se da excluso sofrida no campo.

    O municpio que a representa, Trs Palmeiras, criado em 1988, aparece entre os ltimos lugares (406 lugar) no Idese dos municpios gachos. Em 2000, segundo a FEE, a taxa de analfabetismo era de 14,74%. A expectativa de vida ao nascer para o mesmo ano era de 73,42

    anos. No ano de 2003, o PIB per capita era de R$ 11.016.

    A pluriatividade entre as mulheres do meio rural nos municpios de Veranpolis e Trs Palmeiras/RS

    Para Alexander Chayanov (1981), o objetivo da famlia trabalhadora rural no seria obter lucro, mas garantir a satisfao de suas necessidades, levando em considerao um equilbrio

    entre o consumo e a produo familiar. O autor destaca que duas caractersticas fundamentais da produo familiar so a ausncia de salrio para os trabalhadores do grupo familiar e a

    indistino da famlia como unidade produtiva e unidade de consumo. Segundo ele, o ponto de equilbrio interno dado pela composio da famlia (seu tamanho e quantidade de trabalhadores e no trabalhadores) e pela capacidade de trabalho que possui (grau de auto-explorao).

    A diviso sexual do trabalho e os papis sociais de homens e mulheres possuem grande importncia para a reproduo das famlias rurais. Carneiro (2001) afirma que o papel da mulher fundamental para a reproduo familiar por elas serem transmissoras de valores sociais.

    Ao se analisar a composio das famlias de agricultores por tipo de atividade, a diferena entre as quantidades de homens e mulheres no se torna muito reveladora. Na amostra de Veranpolis, as famlias pluriativas so compostas por 50,8% de homens e 49,2% de mulheres,

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    enquanto as famlias monoativas so compostas por 57,3% de homens e 42,7% de mulheres. Na amostra de Trs Palmeiras, nas famlias pluriativas se encontra 64,7% de homens e 35,3% de mulheres, enquanto nas famlias monoativas esses valores so 55,6% e 44,4% respectivamente.

    Na amostra, o municpio mais pluriativo (Veranpolis) no apresenta a mesma desigualdade entre quantidade de homens e mulheres quanto o menos pluriativo (Trs Palmeiras). Porm, entre as famlias monoativas do segundo que h menor disparidade entre essas porcentagens. Esta comparao revela uma tendncia dos dois municpios ao fenmeno da masculinizao, porm de forma diferenciada entre si, que precisa ser analisada tambm em

    funo dos contextos locais. Quando se trata somente dos indivduos que ocupam a posio de filhos e filhas (este

    grupo totalizando 100%), a presena de mulheres reduzida. Na amostra, em famlias pluriativas de Veranpolis os filhos so 61,3% e as filhas 38,7%, enquanto nas famlias monoativas no h filhas na amostra. Em Trs Palmeiras, encontramos 83,9% de filhos e 16,1% de filhas nas famlias pluriativas e nas monoativas encontramos 62,3% de filhos e 37,7% de filhas.

    Isso pode ser explicado pela maior quantidade de migraes no perodo da juventude, causada, em parte pela inexistncia de atividades alternativas agricultura, que absorva nas localidades a mo-de-obra excedente. Assim, em Trs Palmeiras, a quantidade de moas maior em famlias monoativas do que pluriativas, embora seja menor do que a quantidade dos rapazes.

    A Tabela 1 trata do tipo de trabalho desenvolvido pelas mulheres dentro e fora da unidade de produo. A porcentagem das que trabalham em tempo integral na unidade de produo (23,9% para famlias pluriativas e 40% para monoativas) em Veranpolis. Em Trs Palmeiras, este nmero reduzido (6,7% para famlias monoativas), sendo inexistente para famlias pluriativas (ver Tabela 1).

    As mulheres que trabalham em tempo parcial na UP juntamente com o trabalho domstico so tambm em nmero relevante em Veranpolis: 18,2% nas famlias pluriativas e 34,3% nas

    famlias monoativas, e em Trs Palmeiras constituem-se maioria: 65,2% entre as famlias pluriativas e 50,7% nas famlias monoativas.

    Na amostra selecionada, somente entre as famlias pluriativas de Veranpolis se encontra trabalho parcial fora e dentro da UP (3,4%). J o trabalho em tempo integral fora da unidade de produo ocorre em Veranpolis em maior intensidade: 20,5% das mulheres, enquanto em Trs Palmeiras corresponde somente a 4,3%. Nestas duas classificaes ficam excludas as famlias

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    monoativas, pois a monoatividade pressupe que no sejam praticadas atividades no-agrcolas (ver Tabela 1). Tabela 1: Tipo de trabalho das mulheres, por municpio e tipo de atividade familiar (%)

    Veranpolis Trs Palmeiras Tipo de trabalho desenvolvido (%) Pluriativas Monoativas Pluriativas Monoativas Tempo integral na UP 23,9 40,0 0,0 6,7Tempo parcial: fora e dentro da UP 3,4 0,0 0,0 0,0Trabalho parcial na UP + trabalho domstico 18,2 34,3 65,2 50,7Trabalho parcial na UP + Estudo 4,5 0,0 8,7 17,3Tempo integral fora da UP 20,5 0,0 4,3 0,0Somente trabalho domstico 4,5 8,6 13 6,7Somente estuda 10,2 0,0 8,7 5,3Criana menor de sete anos 5,7 8,6 0,0 6,7Idoso: apenas tempo-parcial na propriedade 8,0 5,7 0,0 5,3No trabalha por deficincia ou invalidez 1,1 2,9 0,0 1,3Total 100 100 100 100

    Fonte: Pesquisa AFDLP CNPq/UFRGS/UFPel 2003

    A menor quantidade de mulheres no meio rural no significa necessariamente que a mo-de-obra feminina no esteja sendo utilizada nas atividades agropecurias. Conforme visto, em Veranpolis h grande porcentagem de mulheres que exercem atividades somente na UP. Tambm mais comum que exeram atividades domsticas. S relevante a quantidade daquelas que praticam a pluriatividade em Veranpolis, o que leva a pensar que cabe aos homens

    a insero no mercado de trabalho exterior, como no caso citado pela autora. Ao direcionar o estudo paras mulheres que compem as famlias analisadas, percebe-se diferenas. Conforme a tabela 2, que separa as mulheres pela posio que ocupam no grupo familiar em relao ao respondente do questionrio (responsvel pela propriedade), percebe-se que dentre as famlias pluriativas de Veranpolis as maiores freqncias so de cnjuges (36%) e filhas (32,6%), seguido das netas (9%) (ver tabela 2).

    J nas famlias monoativas, as cnjuges so a maioria das mulheres (60,5 %), seguidas pelas noras (13,2 %) juntamente com o grupo de avs e mes (13,2%). Aqui, parece que as noras substituem as filhas, que no aparecem na amostra. Em Trs Palmeiras, tanto entre as famlias pluriativas como entre as monoativas

    encontramos predominncia de cnjuges (66,7% e 48,6% respectivamente) e filhas (20,8% para pluriativas e 35,1% para monoativas). Vale ressaltar que, nos dois municpios, as mulheres que ocupam posio de responsvel no atingem 5% em cada grupo.

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    Tabela 2: Posio da mulher na famlia, por municpio e tipo de atividade familiar (%)

    Veranpolis (%) Trs Palmeiras (%) Posio ocupada Pluriativos Monoativos Pluriativos Monoativos Cnjuge 36,0 60,5 66,7 48,6 Filha 32,0 0,0 20,8 35,1 Neta 9,0 5,3 0,0 2,7 Nora 4,5 13,2 4,2 1,4 Irm 2,2 2,6 0,0 1,4 Me 4,5 13,2 4,2 9,5 Responsvel 2,2 0,0 4,2 1,4 Outras 9,0 5,3 0,0 0,0 Total 100 100 100 100

    Fonte: Pesquisa AFDLP CNPq/UFRGS/UFPel - 2003

    Observando-se as idades das mulheres que compem a amostra, de acordo com a Tabela 3, verifica-se que em Veranpolis elas ficam bastante distribudas entre as faixas etrias, sendo a que tem menor relevncia a faixa de 16 a 20 anos (7,9%) entre as famlias pluriativas. Ainda no municpio citado, entre as famlias monoativas as mulheres tendem a ter idades mais elevadas,

    sendo que as jovens de 16 a 20 anos so inexistentes e as crianas tm pouca representatividade (7,9%) (ver Tabela 3). Quanto ao municpio de Trs Palmeiras, tambm se percebe tendncia ao envelhecimento, sendo que as faixas etrias com maiores freqncias so as acima dos 40 anos, enquanto essa

    tendncia se reverte no caso das famlias monoativas com 28,4% das mulheres at 15 anos.

    Tabela 3: Idade das mulheres por municpio e tipo de atividade (%)

    Veranpolis (%) Trs Palmeiras (%) Idade Pluriativos Monoativos Pluriativos Monoativos At 15 anos 13,5 7,9 8,7 28,4 16 a 20 anos 7,9 0,0 8,7 9,9 21 a 30 anos 18,0 10,5 8,7 7,4 31 a 40 anos 11,2 5,3 13,0 12,3 41 a 50 anos 13,5 23,7 30,4 17,3 51 a 60 anos 18,0 21,1 17,4 12,3 61 ou mais anos 18,0 31,6 13,0 12,3 Total 100 100 100 100

    Fonte: Pesquisa AFDLP CNPq/UFRGS/UFPel 2003

    Quando se analisa o estado civil, percebe-se que, na amostra estudada, a maioria das mulheres que permanecem no meio rural so casadas. Entre as famlias pluriativas de

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    Veranpolis, elas so 57% e 83,8% no caso das monoativas. Em Trs Palmeiras, as mulheres casadas so 69,6% em famlias que realizam combinao de atividade e 53,3% para aquelas famlias exclusivamente agrcolas. Este nmero aumenta se considerarmos as vivas, que correspondem entre 5,4% e 9,3% em Veranpolis, e cerca de 8% para os dois casos de Trs Palmeiras (ver Tabela 4).

    Deve-se ressaltar que a anlise refere-se totalidade dos casos, ou seja, inclui meninas que ainda no possuem idade suficiente para casar e solteiras de idade mais avanada, que j no vislumbram essa possibilidade, entretanto, a quantidade de casadas e vivas maior em relao

    s outras. Estes dados reforam a percepo de que o casamento prende as mulheres no meio rural, enquanto as moas solteiras so livres para a migrao, sendo esta sua tendncia.

    Tabela 4: Estado civil das mulheres por municpio e tipo de atividade familiar (%)

    Veranpolis Trs Palmeiras Estado Civil Pluriativa Monoativa Pluriativa Monoativa Casada 57,0 83,8 69,6 53,3 Solteira 33,7 10,8 21,7 38,7 Viva 9,3 5,4 8,7 8,0 Total 100 100 100 100

    Fonte: Pesquisa AFDLP CNPq/UFRGS/UFPel 2003

    A Tabela 5 refere-se escolaridade das mulheres que compem a amostra analisada. Atravs dela, percebe-se que 12% das mulheres das famlias monoativas de Trs Palmeiras apenas lem e escrevem ou so completamente analfabetas, enquanto nas famlias pluriativas inexistente a presena de analfabetas. Por outro lado, em Veranpolis, a soma destas duas faixas

    fica em cerca de 5% para os dois casos (ver Tabela 5). Para todos os casos analisados a escolaridade de 1 a 4 srie do ensino fundamental

    (completo ou incompleto) a que predomina. Nela se inserem 38,9% das mulheres das famlias pluriativas de Veranpolis e 57,9% das famlias monoativas. Entre as famlias pluriativas de Trs Palmeiras esta faixa corresponde a 62,5% das mulheres e entre as monoativas, 44%. J as mulheres que possuem o Ensino Mdio (antigo Segundo Grau) completo ou incompleto so 13% nas famlias pluriativas de Veranpolis e apenas 2,6% entre as monoativas do municpio. No caso de Trs Palmeiras, h uma inverso, porm, a diferena entre um e outro tipo de famlia no to elevada: 8,4% para famlias pluriativas e 14,7% para monoativas.

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    A quantidade de mulheres que freqentaram faculdade relevante apenas entre famlias pluriativas de Veranpolis, sendo apenas 1,3% entre as famlias monoativas de Trs Palmeiras e inexistente nos demais casos. Ressalta-se que os cursos superiores no foram concludos. As crianas menores do que sete anos de idade, ou seja, sem idade escolar, representam 7,1% do total de mulheres das famlias pluriativas de Veranpolis, enquanto nas famlias de mesmo tipo em Trs Palmeiras, so inexistentes. Entre as famlias monoativas, para os dois municpios so equivalentes a 5,3% do total.

    Tabela 5: Escolaridade das mulheres por municpio e tipo de atividade familiar (%)

    Veranpolis Trs Palmeiras Escolaridade (%) Pluriativas Monoativas Pluriativas Monoativas Analfabeto 3,5 2,6 0,0 5,3Apenas l e escreve 2,4 2,6 4,2 6,71 a 4 srie 38,9 57,9 62,5 44,05 a 8 srie 25,9 29,0 25,0 22,72 grau 13,0 2,6 8,4 14,7Nvel tcnico 0,0 0,0 0,0 0,0Nvel superior 9,4 0,0 0,0 1,3Criana sem idade escolar 7,1 5,3 0,0 5,3 100 100 100 100

    Fonte: Pesquisa AFDLP CNPq/UFRGS/UFPel 2003

    Consideraes finais

    Neste trabalho pretendemos estabelecer uma relao entre as caractersticas das mulheres

    das famlias rurais que compem a amostra e a prtica da pluriatividade, verificando tambm a quantidade homens e mulheres, em dois municpios do Rio Grande do Sul. As anlises indicaram que Veranpolis apresenta mais homens que mulheres entre os agricultores monoativos. No

    entanto, o menor nmero de mulheres em Trs Palmeiras entre as famlias pluriativas, o que

    no nos permite confirmar a hiptese de que quanto mais pluriatividade, mais mulheres no meio rural. Porm, de acordo com as demais anlises e consideraes feitas, no descartamos que esta

    hiptese se confirme a partir de novos estudos em outros contextos. A comparao entre filhos e filhas, que formam a amostra coletada, demonstra que o

    nmero de rapazes supera em muito o de moas, ou seja, h uma tendncia masculinizao, especialmente entre os jovens, que ameaa a continuidade da agricultura familiar. Isso pode ser explicado, ao menos em parte, atravs das demais anlises, avaliando posio das mulheres na

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    famlia, idade, estado civil, escolaridade e tipo de trabalho que desempenham, de acordo com o tipo de atividade da famlia qual pertence. A maioria das mulheres est na posio de cnjuge do responsvel pela unidade de produo. Chama a ateno que na nossa amostra, entre famlias monoativas de Veranpolis, as

    noras substituem as filhas, o que pode se explicar pela migrao e pela troca do grupo familiar pelo casamento. As mulheres figuram como responsveis pelas propriedades somente quando so vivas ou solteiras, no havendo homens na famlia, o que evidencia o peso da tradio patriarcal na composio familiar.

    Conforme a anlise da amostra, a tendncia dos municpios que as mulheres apresentem faixas etrias mais elevadas, acima dos 40 anos. A quantidade de jovens de idade entre 16 e 20 anos tende a ser menor que as mais jovens (at 15 anos). Este fato e a anlise do estado civil indicam que a migrao das mulheres ocorre durante a juventude, antes que formem famlia, e que o matrimnio fator de permanncia no meio rural, pois hoje ele no a nica perspectiva para as mulheres, que buscam tambm independncia financeira, e partem em busca de formao

    escolar, trabalho e realizao pessoal. Isso no significa que no exista expectativa quanto formao da vida conjugal.

    Entende-se que as jovens que no vislumbram tal possibilidade estejam priorizando realizaes individuais fora da unidade de produo, em detrimento da formao de famlia.

    Acerca da escolaridade, predomina um baixo nvel (1 a 4 srie do ensino fundamental) em nossa amostra, o diferencial que somente nas famlias pluriativas as mulheres chegam ao nvel superior, principalmente em Veranpolis.

    Sobre o trabalho realizado h indicaes de que os papis sociais femininos no se

    alteraram, pois so as mulheres que fazem o trabalho domstico, mesmo trabalhando na produo ou em outros locais. A amostra tambm demonstrou que so poucas as mulheres que exercem combinao de atividade, exceto em Veranpolis. Isto indica que mesmo em famlias pluriativas

    cabe s elas o espao privado, pois mesmo Veranpolis tendo 20,5% delas trabalhando somente fora da unidade, ainda tem 23,9% com atividades em tempo integral na UP.

    Os dados disponveis e as anlises no permitiram afirmar que haja relao entre pluriatividade e mudanas na relao homem-mulher, mas esta ainda uma questo a ser

    aprofundada. As alteraes nas relaes sociais so lentas e por isso a pluriatividade poder ainda contribuir para absorver mo-de-obra feminina, diminuindo a migrao. No entanto, deve-se

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    levar em conta o tipo de trabalho que as mulheres tm acesso, pois nem toda atividade atraente e tem remunerao satisfatria. Este trabalho indica maior tendncia migrao do que pluriatividade e novos estudos precisam demonstrar por qual razo.

    Um aspecto aqui revelado que a pluriatividade faz parte do processo de mudana no

    qual a mulher passa a deixar o espao domstico porm, sem seu abandono total e comea a integrar gradativamente o espao pblico (masculino).

    Se por um lado a jornada feminina dupla e portanto mais cansativa, por outro, ao diminuir o trabalho domstico feminino, lentamente, as tarefas do lar passam a ser realizadas

    tambm por homens, diminuindo as obrigaes femininas (BONI, 2006; DESER CEMTR/PR, 1996). Ou seja, embora sejam poucos os lares nos quais as tarefas domsticas so divididas, entende-se que o aumento do trabalho feminino fora de casa (e a conscincia de exercer atividade produtiva) pode aumentar a participao de esposos e filhos nas tarefas do lar.

    preciso explicitar que os resultados encontrados nem sempre corresponderam s expectativas do incio do trabalho, pois os dois municpios estudados apresentam contextos

    socioeconmicos e histricos muito diferenciados. Assim, em Trs Palmeiras encontram-se mais mulheres entre as famlias de agricultores monoativos do que entre pluriativos, o que pode ser explicado pelo contexto das regies estudadas.

    Como o municpio e as localidades prximas apresentam poucas possibilidades de

    insero no mercado de trabalho no-agrcola, a pluriatividade no um recurso freqente, e a migrao torna-se mais difcil, pois afastaria em muito indivduo e famlia (lembrando que o nmero de moas bastante jovens, que no podem migrar, maior nesse municpio).

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