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ISBN 978-85-07-02528-3

CODIGO DE BARRASA

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ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS

HISTÓRIA DA NORMALIZAÇÃO BRASILEIRA

São Paulo2011

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A849h

Associação Brasileira de Normas Técnicas

História da normalização brasileira / Associação Brasileira de

Normas Técnicas. – Rio de Janeiro: ABNT, 2011.

112 p. : il.color. ; 29,7cm.

ISBN 978-85-07-02528-3

1. História da normalização - Brasil. 2. Normalização técnica

I. Título

CDU:006.91(81)

Impresso no Brasil / Printed in BrazilProibida a reprodução total ou parcial.

Todos os direitos reservados

Copyright© 2011. Associação Brasileira de Normas Técnicas

Depósito Legal na Biblioteca Nacional, conformeDecreto n. 1825 de 20 de dezembro de 1907

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José Luciano Dias

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Anormalizaçãoétecnologiaconsolidada,quenospermiteconfiarereproduzirinfinitasvezes

determinadoprocedimento,sejanaáreaindustrial,sejanocampodeserviços,ouemprogramasde

gestão,commínimaspossibilidadesdeerrar,entreoutrosaspectosaltamentepositivos.

Justamenteporisso,anormalizaçãoéfascinante.Elaborarumanormatécnicaécompartilhar

conhecimento,promoveracompetitividade,projetaraexcelênciaesuasmelhoresconsequênciasnos

planoseconômico,socialeambiental.

Como Foro Nacional de Normalização, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)

dedica-se,desde1940,adisseminarmetodologiasconsagradaseprocessosinovadores,estabelecendo

umaespéciedeponteparaodesenvolvimentotecnológicodeorganizaçõesdetodososperfis.

Desafios, crises e, principalmente, grandes conquistas pontuam a trajetória da ABNT e

constituem,fundamentalmente,ahistóriadanormalizaçãoemnossopaís.Comcerteza,essahistória

merecesercontada.

Pedro Buzatto Costa

Presidente do Conselho Deliberativo da ABNT

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Como é possível produzir um objeto?Comosabemosfazeralgo,sejaummachadoouuma faca de sílex, um avião ou um tecido, umtijoloouumcircuitoparaumcomputador?Sejapara uso pessoal, seja para uma troca econômica, nãobasta,paracomeçar,queapenasumhomemsaibaproduzirtaisobjetos.Tambémnãoadiantaque ele seja capaz de fazê-lo apenas uma vez.Oprodutodo trabalhohumanoéoprodutodasociedade humana, e saber fazer alguma coisasignifica que muitos homens, no presente e nofuturo, em qualquer lugar, em qualquer tempo, tambémprecisamsercapazesdefazer. Narealidade,oconhecimentoteóricoouprático,desprovidodosmeiosparasuaconservaçãoe transmissão, pouco significa em si mesmo. Otrabalhohumano se tornamaterial pormeiodeprocedimentos, regras, instruções,modelos, quepodem ser repetidos, ensinados e aprendidos.Sem essa condição fundamental – a expressãodoconhecimentoemregrascompreensíveispelooutro–acivilizaçãomaterialnãotemcondiçõesde se reproduzir.Ensinareaprendera criar sãoatosquerequeremumalinguagemcomum. Associedadeshumanassempredispuseramde instrumentose instituiçõescapazesdeatendera essa exigência. Tão naturais e corriqueiroseram, contudo, os veículos da transmissão desseconhecimento,queraramenteseusregistrosforamsalvosdapassagemdotempo.Outrasvezes,eleseram tão preciosos que pereceram, silenciosamente, cercadospelosegredodaprofissão,guardadosnosarquivosdoRei. Em determinado momento, contudo,na história do Ocidente, certos procedimentosprodutivos,antesrotineirosoutriviais,limitadosaumaatividadeeconômicaouaumadeterminadaregiãogeográfica,alcançaramumnovopatamar.Aescalasocialdosempreendimentoshumanos,nocampodabatalhaenaeconomia,tornouevidentesos ganhos em eficiência oferecidos pela melhororganização do “saber fazer”. O que antes eraregulado pelo hábito ou costume começou a serimpressoemlivrosetransmitidoaoutroanônimo.

A manufatura moderna difere do artesanato individual primeiramente pelas diferenças nas técnicas demensuração.Namanufatura, as partes são construídas em conformidade com dimensões ou outras características físicas como definidas em um desenho ou especificação. Instrumentos de medida calibrados segundo padrões de referência são necessários para assegurar o cumprimento dos requisitos necessários. Um artesão individual pode construir seu produto por ajuste ou adequação com uma parte correspondente ou segundo o desejo de seu consumidor. Normas não são necessárias e frequentementenenhuminstrumentodemediçãoé preciso, uma vez que as características podem ser determinadas por ajustes e não por medidas. Um fabricante pode operar um conjunto de normas satisfatórias apenas para ele, mas se ele compra componentes de outros ou distribui seus produtos em competição com outros, ou para ser usado em conjunção com outros ou com garantia de que cumprirá certos requisitos de desempenho, então normasdeuso geral sãonecessárias. (ASTIN,A.V., “Significance of the National Bureau of Standards for

Industrial Progress”.InRECK,1956,p.50).

A partir desta transformação, a norma técnica, em seu sentido moderno, começava anascer.Primeiro,naturalmente,porestímulodiretodoEstado;depois,pelasexigênciascrescentesdamanufaturaindustrial.Permitindoaconstruçãodemarinhas de guerra e de armamentos em série,ou oferecendo simplesmente maior confiançana aquisição e no uso de produtos industriais, o “como fazer”, no sentido técnico da expressão,começavaaserpublicado,divulgadoepreservadodeformasistemática. Assim, imposta pelos governos aos seusfornecedores ou resultado do mero entendimento de engenheiros, cientistas e empreendedores, anormalizaçãotécnicaavançaráporséculos,graçasaosimpulsossucessivosdainternacionalizaçãodocomércioedaproduçãoedasvagasdeinovaçãotecnológica.Maistarde,terãoseupesopróprioasnovas exigências da proteção ao consumidor, àsaúdehumanaeaomeioambiente. Nesse sentido, a norma técnica traz a marcadaculturaedaeconomiacapazdecriá-la.

Introdução

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OndeoEstadocomandavaasrelaçõeseconômicase sociais, direta será sua influência sobre suaprodução e organização. Onde o conhecimentotecnológico foi disseminado por universidades eempresasprivadas,elenascerádemúltiplasfontes.Porfim,quandoospaísesordenaremsuasrelaçõesemumcenáriodepaz,anormatécnicaemergirá. Compreender a trajetória da NormaBrasileira, portanto, exige o exame de muitosdetalhes:aspráticassociaisqueregemaabsorçãoe a transmissão do conhecimento, os diferentesestágiosdacivilizaçãomaterial,asrelaçõesentreasociedadeeoEstado,opapelsocialdocientistaedointelectual,doartíficeedoengenheiro. Este exame oferece, com facilidade,seus marcos históricos mais importantes, como aconstituiçãodossistemasprodutivospré-industriais,aadaptaçãodaculturaeuropeia,aemergênciacomonação independente, a formação da comunidade científica,a industrialização,asvárias correntesdeabsorçãodetecnologiaeoconvencimentodaselitesgovernantes. Por fim, a criação e a trajetória daAssociaçãoBrasileiradeNormasTécnicas(ABNT).Nãoédifícildocumentarcadaumdessespassos. Maisrelevantedoqueoregistrohistórico,será ampliar a compreensão da ideia da normalização no Brasil. Afinal, a norma técnicatem amesma relevância que uma sociedade ouculturaatribuiaoconhecimento,àsuapreservaçãoeàsuatransmissão.Umestudocomessedesenhotemcomoobjeto,naverdade,asliçõesquepodemseraprendidas,asliçõesqueficarãoparaofuturo. Este livro conta essa história e busca essacompreensão.O primeiro capítulo examinará

aspectos gerais da cultura material humana e doregistro das técnicas de produção dos objetos.O segundo capítulo trata da cultura material da sociedadebrasileira. Em seguida, uma perspectiva global éretomada no terceiro capítulo, que trata das relações entre a normalização e o processoindustrial,doconflitoentreosdiversos“modosde fazer” em uma sociedade em transformação e daorganizaçãosocialdanorma. Oquarto capítulo retornaà industrializaçãobrasileiraeaoseuimpactosobreo“saberfazer”.AsuarelaçãocomoEstado,comasorganizaçõessociaisecomasformasdacomunidadecientíficaeprofissional.TratadosurgimentodaconsciênciadanormalizaçãoentreasprofissõestécnicasedaNormaBrasileiranocontextodoprojetoestataldeVargas–acriaçãodaAssociaçãoBrasileiradeNormasTécnicas. Oquintocapítulotratadasrelaçõesentrea ABNT e a industrialização brasileira. Examinaos reflexos da modernização do consumo e dasubstituiçãode importaçõeseproduzumabrevehistória técnico-científica das primeiras normasoficiais. Por fim, o sexto capítulo examina aevoluçãodaABNTeosreflexosdanormalizaçãointernacional no Brasil e seu papel na crise do modelo de industrialização na década de 1980. Estuda a emergência da democracia, doconsumidormodernoedasquestõesambientais.Trata dos desafios contemporâneos para acomunidadecientíficaeparaaorganizaçãooficialda normalização e da expansão contínua docampodanormatécnica.

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Jean-BaptistedeGribeauval.Tabledesconstructionsdesprincipauxattirailsdel’artillerie.Paris,1792.Modelodeforjadecampanha.

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Antes do século XIX, um registrohistórico preciso das tecnologias empregadaspelassociedadeshumanaséraro.Omerocursodo tempo, as guerras e as revoluções políticasfizeramdesaparecerprédios,documentos,objetose bibliotecas. O próprio progresso tecnológicocontribuiu para apagar o passado. O modernotriunfaeoobsoletoeatrasadoperecem.Quandoosenciclopedistasfrancesesdecidiram,nofinaldoséculoXVIII,publicarvolumesevolumescontendodescriçõesdetalhadasdastécnicasprodutivasdeseutempo,a iniciativafoiconsideradaousadaepotencialmenterevolucionária. Na prática, os marcos deixados pelacivilização são sobreviventes e, quase sempre, acompreensão precisa de como foram produzidos exige pesquisa paciente e incerta. O ritmo damudança social e econômica nos últimos dois séculos tornou o passado ainda menos transparente emtermosculturaisetambémmateriais. Osavançosnoregistrodoconhecimentopormeiodaimprensaeacomplexidadecrescentedaproduçãomaterialdeveriam,aprincípio,alteraresse cenário, mas outros fatores entraram, então, emcena. Para começar, apenas em períodosexcepcionais da história o conhecimento foiconsiderado um bem público à disposição detodos.Alémdisso,ousodoconhecimentoexigeocomando da linguagem escrita, outro bem escasso aolongodosséculos.Porfim,acomplexidadedaproduçãomaterial, por sua vez, oferece apenasa oportunidade para a guarda de segredos

profissionaisecorporativos;nãoéumacondiçãonecessária. Por conta disso, por vários séculos,a aquisiçãode novas técnicas ocorreu pormeioda imigração, captura ou contratação, entre as pessoasqueasdominavam. A cod i f i cação do conhec imen totecnológico, por razões de ordemprática e porconsiderações de lucro e de segurança, semprefoiaexceçãonas sociedadeshumanasenãoaregra.Nãohárazão,portanto,parasurpresacomarelativaopacidadedopassado. Trata-se de uma questão que vai alémdamera relaçãoentreoprogressodaciênciaeodesenvolvimentodastécnicasprodutivas.Umarelação cujo sucesso, aliás, depende de grande número de fatores, desde a situação social dos cientistas até asmodalidades de financiamentodas atividades econômicas. No caso presente,o focodo interesse está noprópriomecanismodetransmissãodoconhecimentotecnológico,nalínguaemqueestáexpresso,nocírculoeditorialquepodealcançarounosrecursosgráficosquepodemobilizar. Nesse campo específico, não se tratade saber se um resultado experimental podeser reproduzido, mas se um determinado equipamento, construção ou procedimento pode serrepetidodeformacorretaeeficaz.Oscélebresdesenhos de Leonardo da Vinci, por exemplo,possueminestimávelvalorartísticoedenotamumaimpressionante imaginação mecânica, mas nemsempredispunhamdemateriaisou instrumentosparasuamaterializaçãoconcretaemseutempo.

Governo e conhecimento técnico

Capítulo 1

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GeorgeAgricola.DeReMetallica.LivroVIII.Especificaçõesparaaconstruçãodemoinhosdeágua.

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O desenho das especificações O primeiro exemplo de uma exposiçãodetalhada e coerente de um ramo tecnológicocapaz,pelaprecisãodesuasespecificaçõesedosdesenhos de equipamentos, de ser reproduzidoporterceirostalvezsejaaobradeGeorgeAgricola,De Re Metallica (1556). Humanistaeprofessordegregoaosvinteanos,Agricola(1494-1555)passouaoestudodamedicina, física e química na Universidade deLeipzigeobteve,naItália,seutítulodedoutorem1526. Em seu retorno à Alemanha, residiu noscentros mineiros Joachimstal e Chemnitz, ondesuas pesquisas e seus conhecimentos o levaramà posição de burgomestre, mas sua carreira foiinterrompida pelas turbulências da Reforma.Agricolapermaneceucatólico,abandonouavidapúblicaerecolheu-seaosestudos,cujofrutomaisbrilhanteéapublicaçãopóstumadeseutratadosobremineraçãoemineralogia. Trata-se de uma coletânea sistemáticade informações,masseu interesseprincipalestána exposição das aplicações de forçamotriz àsoperaçõesdemineraçãoeaobombeamentodeáguaearnasminas.Moinhosdeventoedeáguaestão devidamente apresentados em gravuras,com as especificações necessárias para suaconstrução e uso no trabalho de transporte dematerial,naretiradadeágua,naventilaçãodostúneisetc.(WOLFF,1968,p.506). De Re Metallica é tão precisa na sua capacidade de transmitir informações técnicasque, por vários séculos, em regiõesmineiras doVelhoedoNovoMundo,seusexemplaresfizeramparte do cotidiano de mineradores e autoridades governamentais, merecendo as mais variadastraduções ao longo de seguidos séculos. Suascentenas de ilustrações são célebres por suaqualidadeartísticaetécnicaetiveramumimpactoduradourosobreodesenhodosequipamentosdeexploraçãomineral. A ideia de uma exposição publicadae precisa de procedimentos tecnológicos teriaseguidores, nem sempre isentos, contudo, de um usomais livreda imaginaçãoemenosatentosànecessidadedereproduzirsuaconstrução.

Por exemplo, Theâtre des Instruments Mathématiques et Mécaniches(1579),deJacquesBesson, professor de matemática em Orleans, trazia umaextensacoleçãodeinstrumentos,máquinas,bombaseequipamentosmilitares.Boapartedelesutilizavaoprincípioda rosca edoparafuso, emumevidenteempréstimodasideiasdeLeonardodaVinci.Traduzidoemváriaslínguasecomváriasedições,oTheâtre resisteaumexamecríticodesuasmáquinas.(Id.,Ibid.,p.538).

Por sua vez, o volume Le Diverse et Artificiose Machine del Capitano Agostino Ramelli nem sempre é mecanicamente correto em suas aplicações, mas certamente teve êxitocomo publicação e como modelo. Ramelli,um engenheiromilitar que serviu a Carlos V ea Henrique III de França, teve seu engenhosotratadopublicadoemParis, em1588, trazendoexplicações tanto em francês como em italianopara195desenhosdasmaisvariadasmáquinas,quasesempreusandorodasd’águacomogeradordeforçamotriz.

O sucesso editorial não escondia, contudo, o aspecto mais delicado desses experimentospioneirosnoregistroenatransmissãodetecnologias.Nemchegavaaserasugestãoeventualde ideiasoriginais não testadas na prática, mas a inclusão de componentes que requeriam uma manufatura precisasemqueseusdesenhosfossemapresentadoscomespecificações de dimensão emateriais. EraessecuidadoquetornavaaabordagempráticadeAgricola,querecolhiaesistematizavaequipamentosem uso, muito mais útil como registro do que progressotécnico.

De todo modo, é evidente a decadênciana descrição de máquinas e engenhos nasdécadasqueseseguiramàpublicaçãodeRamelli.Muitasobrasforampublicadascomdescriçõesdemoinhos, pontes suspensas, bombas d’água etc.,mascomumaatençãocadavezmenoraodesenhoeàprecisãodasespecificações.Apenasnasegundametade do século XVIII, às portas da RevoluçãoIndustrial, voltariam a ser publicados materiaissemelhantesàsobrasdeAgricola1.

1 Esta é a opinião de Wolff (p. 540-541), que cita uma série de publicações situadas entre 1617 e 1734, quase sempre mera compilação de material antigo.

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Será necessária uma conjunção muitoespecialdedoiselementosparaalteraressecenário.Emprimeirolugar,aestabilidadepolíticaoferecidapelas instituições estatais modernas, capazes decoordenarvários tiposde informaçãoe interessespormeiodesua legislação.Emsegundo lugar,ainfluênciagradualdoconhecimentocientíficosobreosprocessosprodutivos.Aomesmotempoemqueaumentavasuaeficáciaeconômica,reduziaograude segredo, intencional ou não, quer cercava o“saberfazer”. Nãoéprecisomuitoesforço,porexemplo,para detectar maior interesse pela fixação deprocedimentos produtivos por meios legais nocaso da metalurgia de metais preciosos e sua posterior cunhagem. Afinal, era preciso garantira continuidade da produção, o cumprimento dasprerrogativas reaise, semprequepossível,centralizar o controle sobre o processo de cunhagem.(MAJER,Jirí,“DevelopmentofQualityControlinMining,Metallurgy,andCoinageintheCzechLands”.InJURAN,1995,p.259). Alémdosmetaispreciosos,váriosoutrosbensdealtovalorunitáriodespertaramointeressedo Estado moderno, motivando a criação demanufaturasdesuapropriedade.Tecidosdeluxo,armasespeciais,relógios,instrumentoscientíficoseobjetosdearteatraíram,emváriascircunstânciasnacionais, o interesse estatal, seja pelo rendimento financeiro, seja pela facilidade de controlar umprocesso produtivo de alta complexidade. Suacomercializaçãoregular,contudo,exigiaqualidadee,porviadeconsequência,procedimentosparaotreinamento da mão de obra e para a uniformização dosprocessosprodutivos. Os tapetes Gobelin representam um exemplofamoso,masacriaçãodeobjetosdeartecom o uso das pietre dure sob o Grão Ducado daToscanatalvezsejaocasomaisemblemáticode uma manufatura complexa e praticamenteextinta2.O trabalho de composição com rochasentalhadas teve início para a construção doMausoléudosMédicinaSacristiaNovadaigrejadeSãoLourençoesuaboarecepçãolevouoGrão

DuquedaToscana,FerdinandoI(1549-1609),aorganizarumnovo ramodeartesanatode luxo.Seria, assim, fundadaumaManufaturaReal, noiníciodoséculoXVII,paraaproduçãodeobjetosdecoradoscompedrassemipreciosasentalhadas. Em qualquer desses casos, porém, anatureza do produto e as características de sua produção faziam do artesão o personagem central detodooprocesso.Suahabilidade,conhecimentoe experiência eram a verdadeira substância dequalquer esforço de padronização. No fundo,o sucesso do empreendimento econômico, por maiorquefosseoempenhodoEstado,continuavaa depender de fatores imponderáveis como areprodução da mão de obra ou da qualidade do processo de aprendizado. Por fim, variáveiseconômicas, como a escala da produção e as flutuações do gosto ou mesmo da renda deseus consumidores, selaram seu destino. Com oadventodaRevoluçãoIndustrial, foramreduzidasà condição de artesanato de luxo, sem qualquerinfluênciasobreoprogressotécnico.

Navios e armas Um exemplo muito mais importante deconjugação do interesse do Estado com o usomais consistente da uniformização de processos é oferecidopelaproduçãodeequipamentosmilitares.Nesse caso, a utilidade do registro documental de procedimentoscompensavaosseusriscoseaescalada produção tendia a reduzir o peso do artesão individual. Afinal, se as tecnologias civis podiamser desenvolvidas por mero interesse econômicoprivado, as armas de fogo, sua construção,produçãoeusona terra enomarapresentavamuma complexidade que apenas a interferênciadiretadopoderpolíticopoderiadarconta. É importante ressaltar que o objeto dessa discussãonãoéa construçãode canhões especiaisou armas pessoais de grande qualidade. Artesãospoderiam facilmente cumprir essa tarefa sem mobilizar maisdoqueopróprioconhecimentoeexperiência.O problema era de outra natureza: organizar umaprodução numerosa e uniforme para abastecer

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2 Em 1662, os ateliês da família Gobelin, de prestígio secular na produção de tecidos e tapeçaria de alta qualidade, foram adquiridos pelo ministro das Finanças de Luís XIV, Jean Baptiste Colbert, e transformados em uma manufatura real. De operação irregular desde então, a Manufacture Nationale des Gobelins existe até hoje sob administração do Estado francês. (YOUNG, 1930, p. 639).

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GeorgeAgricola.DeReMetallica.LivroIX.Especificaçõesparaaconstruçãodefoles.

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grandes contingentes de forças armadas e oferecer um desempenhoconfiávelnocampodebatalha,quandooperadoporsimplessoldadosoumarinheiros. Na produção tradicional de canhões,porexemplo,aschapasdemetalganhavamsuaforma por meio da ação física de martelos, sendo posteriormentesoldadasparaformarumtubo.Ometal era aquecido e esfriado por várias vezes,mas sempre restava o problemada estabilidadeda costura do tubo (DUNAUD, Michel, “Howthe French Arms IndustryMasteredQuality”. InJURAN,1995,p.417).Arigor,nãoeranecessárioo conhecimento científico da metalurgia paraproduzirumaarmautilizável:bastavaoacúmulodeexperiênciasbem-sucedidasdeumartesão.Porquasedoisséculos,mestresartilheirosdominaramesse ramo, transmitindo seu conhecimento degeraçãoemgeração. AsnecessidadesdoEstadomodernonãoseriam, entretanto, atendidas pelo trabalho deartesãosdedicados,mas limitadosemnúmero.Ocontrole sobreaproduçãodearmasenaviosdeguerra ofereceu, assim, a oportunidade para uma primeiraformadecodificaçãodosprocedimentosprodutivos e dos materiais empregados. Assimocorreu no estabelecimento dos arsenais de marinha da República de Veneza (CONTERIO,AnnalisaeVILLA,Francescoda,“TheArsenaleoftheVenetianRepublic”.InJURAN,1995,p.301). É desnecessário se estender sobre a importância da construção naval para o bem-estar econômico e militar da cidade italiana, que passou a controlar boa parte do comércio do Mediterrâneo a partir do século XII. Mantendolinhas regulares de comércio com centros tãodistantes como Constantinopla, o Cairo e as cidadesdeFlandreseda Inglaterra,aRepúblicade Veneza encomendava a construção de até20 navios por ano em meados do século XV,cuja dimensão podia chegar a 3 mil toneladas(LUZZATO,1954). Até então a construção naval eraconduzida por meio da contratação de estaleiros privados, cabendo aoArsenale di Stato apenas a responsabilidade pelo armazenamento de

materiais, guarda e manutenção dos navios.Na segunda metade do século XV, contudo, oArsenale assumiu outras funções, encarregando-se,emnomedaRepública,portodososaspectosda construção de navios, incluindo armas,equipamentosdenavegaçãoeprovisões.Tornou-se rapidamente uma das atividades centrais detodaaeconomiadeVeneza(LANE,1978). SeédifícildataraorigemdoArsenale, é certo que seu apogeu ocorreu nas primeiras décadas do século XVI, quando no curso daguerra contrao ImpérioOtomanoaRepúblicadeVenezapodiaequiparmaisde100galeras.Um quarto dessas naus poderia ser abrigado em docassecas.AfábricadecordasdoArsenale era um dos maiores edifícios da cidade e a principal doca (Darsena Nuovissima, inaugurada em 1473) podia receber, ao final do séculoXVIII,70 galeras, a nave de guerra veneziana porexcelência. Nãoseriaexageroafirmarqueo Arsenale foi a primeira grande empresa estatal moderna, operandodeformacontínuaecomsuasinstalaçõesdistribuídas espacialmente em função tanto do processo de produção como de imperativos desegurança. Procedimentos específicos foramadotadosparacontrolarodesperdícioeosnaviossem uso eram desmantelados cuidadosamente, com a recuperação dos materiais empregados (CONTERIO, Annalisa e VILLA, Francesco da,op.cit.,1995,p.308). AintegraçãodasatividadesdoArsenale era completa:alémdaconstruçãonavalpropriamentedita, em suas instalações havia uma fábrica decordas,umafundiçãodecanhões,docassecasemolhadas,depósitosdearmasemunições,áreasde teste para armamento, depósitos demadeirae fábricas de remos. Os projetistas dos naviosdispunham,inclusive,deescritóriospróprios. O Arsenale também abastecia com material emãodeobratodososdemaisestaleirosvenezianos,no mar Tirreno e no Egeu. A especialização damão de obra era cuidadosamente administrada, comgrandesganhosemeficiência.Em1570,paraumacontraofensivana ilhadeChipre,oArsenale

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construiu cem galeras no espaço de apenas dois meses. Em 1573, durante uma visita diplomáticadoreiHenriqueIIIdaFrança,umagalerateriasidomontadaemcercadeduashoras. Nenhumadessasproezasseriapossívelsemumanotávelestruturaadministrativa,segmentadaparaaproduçãodearmas,naviose insumos,ousemprocedimentoscontábeisdetalhados.Tambémeram necessários controles estritos da qualidade e da exploração de matérias-primas estratégicas,como a madeira, o treinamento constante da mão de obra e o registro da informação associada ao processoprodutivo(Id.,Ibid.,p.323). Nãodevesermotivodesurpresa,portanto,que as atividades do Arsenale estimulassem importantes esforços de normalização. Mesmomantida ainda no quadro tradicional da produção artesã, a construção naval veneziana registrouavanços na uniformização do uso das peças demadeiraedeváriostiposdeequipamento. Se os troncos usados para a definiçãodo cascodonavio possuíssemdimensões aindavariáveis, asdemaispeças,usadaspara comporo resto donavio, eram cortadas e armazenadasem tamanhos e formas predefinidas. O maiorprogresso na normalização foi registrado, contudo, na produção de equipamentos e de seuscomponentes:remos,velas, lemes,mastros,arcabuzes, mosquetes, artilharia em geral. Como passar dos anos, o Arsenale uniformizou sua produção de tal modo que podia ser rapidamente transferidadeumaembarcaçãoàoutra. Essaexperiênciaproduziu,naturalmente,umvastoacervodematerial técnico,distribuídoentre publicações, manuscritos e documentos,quehojeconstituempartepreciosadoArquivodeEstadodeVeneza. Como vários outros empreendimentoshumanos, a decadência do Arsenale teve suasraízes no seu próprio sucesso. Seu imenso eeficiente aparato administrativo foi montado emtorno dos procedimentos tradicionais da produção denaviosesobreahabilidadedosmestresartesãos.A padronização de componentes e equipamentos

nãoescondiaofatodequecadanaviocontinuavaa ter dimensões próprias e de que não haviaseparação entre o desenho e a construçãodosnavios. Procedimentos científicos ainda nãohaviamchegadoaocoraçãodoprocessoprodutivoeVenezaseriainexoravelmentesuperadapelanovaabordagemparaaconstruçãonavalnaInglaterrae,emmenormedida,naHolanda. Outroexemplo importantedarelaçãoentreasnecessidadesmilitaresdoEstadoabsolutistaeasprimeirasexperiênciasdeuniformizaçãodeprocessoseprodutoséaexperiênciavividapelasforçasarmadasda França. Decretos de Luís XIV reorganizando aMarinhaeseusarsenais,editadosem15deabrilde1689, fixavam os procedimentos necessários paragarantiraqualidadedafundiçãodoscanhõesedasmatérias-primas empregadas, regras para rejeitar peças defeituosas e para assegurar a fabricação dos equipamentos nos pesos e calibres especificados(DUNAUD,Michel,“HowtheFrenchArmsIndustryMasteredQuality”.InJURAN,1995,p.419-420). No reinado de Luís XV, a reforma daMarinhadeGuerrafrancesa,iniciadaem1765,darianovospassosparagarantiraeficáciadaconstruçãonaval. Foram nomeados engenheiros para asupervisãodotrabalhodosestaleiroseoficiaisdaartilhariaparaexaminaraqualidadedaproduçãodasfábricasdearmas.ODuquedeChoiseul,entãoministro da Guerra, elaborou um plano completo de equipamento militar, com metas de recrutamento, ecriouumcorpodeengenheiros.Aproduçãodenavios foi racionalizada e uniformizada. Haveriamodelospredefinidoscom74,80ou110canhões,todos construídos compeças intercambiáveis nosestaleirosdoreinodeBrest,RocheforteToulon. O processo de uniformização foi a seguir estendido a outros ramos das forças militares e o engenheiro Jean-BaptisteWacquette deGribeauval(1715-1789) foi o primeiro responsável pelo usodosconceitosdetipodearmaede intercâmbiodepartes. Tornou-se possível, após 1767, adotar umaespecificaçãocompletaparatodoomaterialdeusomilitarcompradopeloEstado,dasarmasdeusonaartilhariaaténaviosdeguerra(Id.,Ibid.,p.423).

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Esse esforço de normalização esteveassociado, inclusive, ao uso de uma metrologia:todososfornecedoresdeveriamobedeceraousodochamado “pé real”. Gribeauval elaborou tambémformas de ensaio de material, como um teste padrão aplicado aos eixos de ferro utilizados em veículosparausomilitar.Osensaiospodiamserdestrutivos(quando um peso era feito para pender do eixo),conduzidos por amostragem (dez por vez de cadaloteproduzido)e,semprequepossível,realizadosdeformapública. Gribeauval não chegou a ver o resultadofinaldesuaobra,esuaTable des constructions des principaux attirails de l’artillerie foi publicada apenas em1792.Emjunhode1794,emplenaRevoluçãoFrancesa,umaleiaprovadapeloComitêdeSalvaçãoPúblicacriavaum laboratório de precisão, núcleo do futuroLaboratórioCentraldoExércitofrancês. Obrilhoeaoriginalidadedessesesforçosnão devem, portanto, ocultar seus limites. A

competiçãoeconômicaemilitarentreosEstadoseuropeus certamente levou a progressos emmatéria de organização produtiva e os ganhosoferecidos pela padronização de procedimentos e insumos foram corretamente identificados. OinvestimentopolíticoeadministrativodaRepúblicadeVenezaemseuArsenaleéomelhorindicadorde seu impacto sobre a política de segurança do Estado. Sua disseminação pelos demais setoresprodutivos,contudo,foisemprelimitadaenãoserevelavacapazdealterar,porsimesma,onúcleodo processo produtivo. O exercício do poder decompradoEstadoconseguiaobterumfornecimentodeinsumoseequipamentosdemelhorqualidade,masessasatividadessobreviviamcomomerasilhasdemaioreficiência.Paramudaressecenário,erapreciso mudar o próprio processo produtivo, eapenasatransformaçãoeconômicadaRevoluçãoIndustrialseriacapazdefazê-lo.

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DesenhodeconstruçãodosistemadecanhõesdeGribeauval

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Jean-BaptisteVaquettedeGribeauval

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JoãoFranciscoMuzzi.DafelizeprontareedificaçãodaigrejadoantigorecolhimentodeNossaSenhoradoPorto.Óleosobretela.1789.

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Se os limites das primeiras experiênciaseuropeias com a padronização de equipamentos, navios e armamentos são bem reconhecidos, amera sugestão de um estudo da normalização no Brasilcolonialpodesoarexagerada.Aescalaeanaturezadasatividadeseconômicasindicariamaprevalênciadetécnicasherdadasetransmitidaspelocostume, em um espaço econômico caracterizado pelaproduçãolocaleartesanal,específicadecadaterritório geográfico. A prevalência do trabalhoescravo, por fim, completaria a condenação desuatecnologiaaoseunívelmaiselementar. Esta avaliação é correta para boa partedos tempos coloniais e para a maior parte do territóriosobcontroleportuguês.Avidamaterialdesuasvilasedesuascidadespermaneceria,porumlongotempo,limitadaaomínimopelobaixonívelderendadapopulação,porsuadensidaderarefeitaepelasdificuldadesdeimportaçãodebensde consumo, materiais e equipamentos. É bemconhecidoodespojamentodascasasbrasileiras,tal comodescritas pelos relatos dos viajantes.Apróprianaturezaprovisóriadapresençanacolôniaseria uma boa razão para o baixo interesse emacumularmesmobenscomomóveiseutensíliosdomésticos (ALGRANTI, LeilaMezan, “Famíliasevidadoméstica”. InSOUZA,LauradeMelloe(org.),1997,p.110-111). Entretanto,assimqueoníveldaatividadeeconômica permitisse o crescimento da renda disponível,talpanoramaseriaalteradoeahistóriadas técnicas produtivas abandonaria o roteiro

simples do primeiro século da colonização.Nãopode ser outra a explicação, por sinal, para acrescente imigração de artesãos de todo o tipo para acolônia.Comesseshomens,vinhamastécnicaseoconhecimentoeuropeu,pormaissimplesquefossem. Além disso, a falta de acesso ao mercado de produtosmanufaturadoseuropeusdeterminavaqueumaboapartedosobjetosemumaresidênciafosseproduzidaalimesmo.Emcertoscasos,comonodosprodutostêxteis,tecidosdealgodão,roupasdecamaemesa,tapeteseitensdedecoração,eraevidentementenecessária a transmissão de certas técnicas, por sinal dominadas pelasmulheres e trazidas dametrópole(Id.,Ibid.,p.121-122).Otearparafazerredeseraumitemcomumnosinventárioscoloniais. Para um olhar moderno, a produçãodoméstica de têxteis pode ser apenas umacuriosidade, quando comparada aos produtos manufaturados. Essa distância, contudo, eramenosevidenteduzentosoutrezentosanosatrás. Por sua vez, é certo que a preservaçãode “modos de fazer” tradicionais, por conta da mera necessidade de produzir domesticamente, mantevevivas,porexemplo,técnicasdeproduçãoindígena.Éocasodafabricaçãodecerâmicaseoutros utensílios para guardar alimentos, cestarias etrançados,redes,vassouraseesteiras. Finalmente, tal como na Europa, nãodemorou muito tempo até que a produção doméstica, organizada de acordo com técnicas tradicionais, alcançasseoscircuitoscomerciaisregionais:

Brasil: das técnicas coloniais à sociedade industrial

Capítulo 2

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Emboravoltadasparaasnecessidadesdomésticas, algumas regiões se especializaram na tecelagem eseuprodutopassouaserexportadoparaoutras localidades, como as cobertas fabricadas pelos habitantes de Minas Novas, no início do século XIX [...]. Já sobre o trabalho com as rendas, foi observado que mulheres de todas as origens ocupavam-se em fazê-las para adornar redes, lençóis e demais panos caseiros. A fim de tornar os tecidos mais atraentes, usavam-se algumas técnicas de tinturaria caseira, aproveitando-se o pauBrasileoanileutilizando-seaurinaparafixar

acor.(Id.,Ibid.,p.148).

A ausência de instituições formais deensino, como universidades e escolas, tambémnãodevesermotivoparasubestimaradensidadedofluxodeinformações,inclusivesobretécnicasprodutivas, nos tempos coloniais. Tal como aproduçãodeváriostiposdebens,ainstruçãoeraumassuntoprivado,domésticoeinformal,masquebempodiaevoluir,porexemplo,nocontextodasrelações artesão-professor-aprendiz (VILLALTA,LuizCarlos,“Oquesefalaeoqueselê:Língua,instruçãoeleitura”.InSOUZA,LauradeMelloe(org.),1997,p.357).Foidestemodoquepartedaelitecolonialteveacessoàinstrução,assimcomocertamente a grande maioria de seus artistas, arquitetos, construtores, médicos e boticários.Seu funcionamento, seu potencial, suas formasespecíficasparaaconservaçãoe transmissãodoconhecimento são desconhecidos, mas podemser contemplados de relance nas biografias depersonagens como Antônio Francisco Lisboa, oAleijadinho(VASCONCELLOS,1979),ouMestreValentim(CARVALHO,1999). O que realmente faltava à sociedadecolonialeramosmeiosemesmoasrazõesmateriaisparaoregistrohistórico-documentaldastécnicasempregadasporconjuntodeatividadesprodutivasquefoisendoampliadoaolongodosanos.Nemmesmo o acesso aos livros era completamentevedado. Bibliotecas, privadas e públicas, eramrarasatéoséculoXIX,masnãohaviarazão,porexemplo,paracensuraeclesiásticaou real sobrelivrosquetratavamdeofíciosmecânicos.Villaltanãoentraemdetalhessobreoconteúdodevárias

bibliotecas inventariadas entre os séculosXVII eXVIII,mas nota que não é raro encontrar livrossobrematemáticaouciênciasnaturais(VILLALTA,LuizCarlos,op.cit.,p.364-365).

Um empreendimento oficial Naturalmente, o Brasil colonial, sem universidades,vivendosobvigilânciaestritaemmatéria de publicações e isolado do comérciomundial, estava longe de ser um ambientepropício para a difusão do conhecimentocientífico,mas,nessetempo,poucoslugaresnomundoeram.Seumerocrescimentoeconômico,contudo,apartirdadescobertadoouroemMinasGerais, gerava pressões inevitáveis sobre seussistemas produtivos. Era preciso construir maisprédios oficiais e igrejas, abastecer mais casascom móveis e utensílios de metal, vestir maispessoas,mesasecamas.Tudoissoempregandoum repertório limitado de tecnologias, passadode geração em geração, sem poder contar com o usogeneralizadodaescrita. Assim, quando se olha a tela de JoãoFranciscoMuzzi,A feliz e pronta reedificação da Igreja do Antigo Recolhimento de Nossa Senhora do Parto(1789),hojeumapeçadosMuseusCastroMaya,épossívelseencantarcomarepresentaçãodoMestreValentim,umhomemnegro,apresentandoaplantadaconstruçãoaD.LuísdeVasconcellos.Esse era um dos homens que dominavam oconhecimentotécnicodeengenhariaearquiteturanos últimos anos e, por sua condição social, não é motivodesurpresaquerestetãopoucainformaçãosobretalconhecimento. Pode-se,ainda,perguntardeondesaíram,antes da introdução da máquina a vapor, aspranchas de madeira cuidadosamente cortadas,empilhadas, apresentadas em poucos tamanhosdefinidos, ou quem teria construído as carroçasrigorosamente iguais que transportavam osmateriaisdeconstrução. Duas considerações ajudam, portanto, amodificar parcialmente um julgamento rigorosodastécnicasemusonasociedadecolonial.

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Stradanus,Novareperta(1580).Engenhodeaçúcar.

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Desde logo se deve notar a proximidadedeorigementreograndeestaleirovenezianoeoempreendimento português no Brasil: sua diretarelaçãocomoEstadomoderno.OtransplantedacivilizaçãoeuropeiaparaaAmérica,sobretudonocasoibérico,nãoéoresultadodolivretrânsitodepessoas e objetos, mas de um processo controlado peloEstado,paraaobtençãodecertosobjetivoseconômicosepolíticos. Além disso, desde a instalação da produção de açúcar no Brasil não se pode classificar suaeconomiacomoelementardopontodevistatécnico.Mesmodeixandodeladoaespeculaçãosobreograudepadronizaçãodosequipamentos,construçõesemateriais utilizadosnos engenhos (GAMA, Ruy,“HistóriadatécnicanoBrasilcolonial”.InVARGAS(org.), 1994b,p.61-62). é evidentequeaspectostécnicoscruciaisparaaatividade,comoousodaenergia hidráulica, requeriam uma construçãoinformadadosequipamentosusadospelosmoinhos(GAMA,1983). A documentação técnica e iconográficaexaminada pelo professor Ruy Gama ofereceperspectivasoriginaissobreatecnologiaenvolvidanaatividadeeconômicamaisimportantenostrêsséculosdacolonização.Oengenhodeaçúcardasgravurashistóricasestálongedeser,paracomeçar,oresultadodeummeroacúmulodeexperiênciasempíricaslocais.Trata-sedeumprodutodiretodaadaptaçãodetecnologiasestabilizadasháséculos,comoosmoinhosutilizadosnamineraçãoeousodaforçamotrizdaágua. Apesquisacientíficasobreomelhordesenhopara uma roda d’água data demeados do séculoXVIII e este desenho é decisivo para o melhoraproveitamentodaenergia(DAUMAS,1996,p.11).Naverdade,comomostraGama,mesmoemumambiente colonial, o uso da roda d’água podiaser objeto de estudo e aperfeiçoamento. Trata-se aqui do notável experimento conduzido peloprofessorportuguêsedonodeengenho,ManuelJacintoSampaiodeMello,quepretendiausarummecanismo similar a uma turbina para acionar uma rodad’água. Seu livro sobre a reformada

produçãodeaçúcar foipublicadonaBahia, em1816(GAMA,Ruy,op.cit.,p.58). Além disso, a padronização de moendas, das rodas de água e dos tachos revela-se umresultadoinevitáveldaintensadivisãodetrabalhona produção de açúcar. As várias etapas, damoagem à cura, exigiam articulação especial ecadaumadelascriavaoportunidadesespecíficasde aperfeiçoamento e uniformização, dos rolos das moendasàs formasdoaçúcar.Esseprocessodepadronização chegaria gradualmente atémesmoàsplantasdeseusprédios,comodesenvolvimentodeumaarquiteturafuncionalcaracterística. Nãoseriaexageroafirmarqueoengenhoevoluiunadireçãodeumainstalaçãofabrile,assim,também da padronização de seus equipamentos, processoseinstalações. O engenho chegou mesmo a tocar nafronteira da tecnologia de seu tempo em pelo menos duas áreas relevantes: o uso da energiamecânicapelasrodasd’águaeagestãodaenergiacaloríficausadapelosfornosetachos. Dessa forma,àestagnação técnicadamanufatura corresponderia um desconhecimento, mesmo a nívelcientífico,dosaspectosfísicosequímicosdas transformações a que se submetia a cana-de-açúcar e seu caldo. Isso pode ser uma parte da verdade, mas não serve para explicar a estagnação técnica nas colônias, pois foi exatamente nelas que as máquinas dos moinhos de cereais e de minérios foram adaptadas e aperfeiçoadas para seu novo uso. E não apenas máquinas,masaprópriadivisãodotrabalho,que antecedeu o emprego das máquinas especificamenteaperfeiçoadasparaaproduçãodo açúcar, desceu a níveis pouco comuns para o séculoXVI.Damesmamaneira,aarquiteturados engenhos já, pelo menos no século XVII, havia atingido soluções indiscutivelmente adequadas. (GAMA,1983,p.311).

Pormenosilustradaquefosseasociedadecolonial em termos de difusão do conhecimentocientíficoepormaisdispersaque fosseaprópriaatividade produtiva no território, as exigênciaseconômicas dos mercados internacionais e a gestão deumprocessocomplexo,paraostermosdaépoca,

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bastavamparainduzirumalentauniformizaçãodeequipamentos,plantaseprocessos. As inovações técnicas mais importantes foram a especialização dos utensílios de manufatura (das tachas, por exemplo), o crescimento modular do conjuntodoengenho(multiplicaçãodasmoendas e dos jogos de tachas – já assinalados nas descriçõesdaiconografiadoséculoXVII)e,ainda que tardiamente, a adoção dos fornos de tipo inglês e o uso do bagaço como combustível. (Id.,Ibid.,p.315).

Um panorama mais complexo tambémemerge da análise das técnicas construtivas.Edificaçõesoficiaiscomoigrejaseprédiospúblicos,instalações militares, grandes estradas, pontes emesmo a construção naval, quando construídasnasociedadecolonial,refletiamdecisõesetécnicasestabelecidaspelametrópole.AntesdeexistiremnoBrasil,eramdescritosemdecretoseplanosoficiais,sendo repetidos em todas as localidades que a conveniênciapolítica exigisse.A facematerial dasociedade colonial, sua organização urbanística e seusformatosarquitetônicosparecemsemelhantesemtodasaspartesdoBrasiledomundoportuguêsnãoapenasporacasoouporsuapobrezarelativa,maspelocomandodominantedoEstado. Essetraçodeorigemeraaindaagravadoporoutroaspectodasociedadecolonial:avirtualausência das comunidades responsáveis pelo“saber fazer” na metrópole. As corporações deofício e o aprendizado tradicional por meio da relação entre artesão e aprendiz não eram realidade sociaispreexistentes,mastambéminstaladasporumadeterminaçãodoEstado. Uma primeira área de interesse para a padronização de técnicas e procedimentos, portanto,seriaaprópriaarquiteturacolonial,frutoda interseção de tecnologias construtivas bemdeterminadas, da adaptação de materiais obtidos localmente e das condições sociais do trabalho.Aquele conjunto foi definidode formamagistralporRuyGamacomoas“técnicasdofazercidades,casasecoisas”.(Id.,Ibid.,p.51). Naturalmente, das três áreas da atividadede construção civil na Colônia3, apenas as obras

realizadas para a administração justificam maioratenção.Nessecaso,aintervençãodopoderpúblicocriouascondiçõeseaescalaparaauniformizaçãodeprédioseoutrasinstalações,ondedevemserincluídasasigrejasdemaiorporteeasfortalezasmilitares. Assim, os conjuntos arquitetônicos coloniais noBrasil,emseupróprioformato,apontamparaauniformização.Compostospelacasadecâmaraecadeia,pelaigrejaouconventoe,eventualmente,por um palácio destinado a uma autoridade, eles têmsuasplantastrazidasdeLisboaoudeRoma,nocasodasigrejas.Suasnormasconstrutivas,porfim,sãogarantidaspelaexecução,acargodospoucosarquitetosreligiososemilitaresaserviçodaCoroa.

Uma visão notável do ponto a que chegava aregularidade dos procedimentos construtivos éoferecida, de relance, por um relatório de FreiBernardo de São Bento, um dos arquitetosresponsáveis pela edificação domosteiro de SãoBento, no Rio de Janeiro4. Para os elementosarquitetônicosmaisdelicados,queexigissemtécnicaoumaterial específico,aspedrasvinham inteiras,nas formas necessárias, devidamente produzidasna Metrópole. A padronização das plantas e

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3 A tipologia é fixada por Júlio Roberto Katinsky, no artigo “Sistemas construtivos coloniais”. (VARGAS (org.), 1994b, p. 68). São analisados os sistemas construtivos dedicados às instalações produtivas, às atividades administrativas e à sociedade em geral.4 A referência oferecida por Katinsky sobre o relatório é a obra de Dom Clemente da Silva Nigra, “Construtores e artistas do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro”. Salvador, Tipografia Beneditina, 1950. (VARGAS (org.), 1994b).

Poroutrolado,eissoéespecialmentesignificativo,porvoltadosanos1730-40éemitidapeloreiumasériedecartasdefundaçãodenovasvilasnoBrasil.Aimportânciadessesdocumentostemsidorealçadaportodososquelidamcomahistóriadourbanismoneste período e não é necessário insistir nesse aspecto. No entanto, continuam de certo modopor esclarecer as circunstâncias precisas de suaredação.QuestionaraconjunturadesuaelaboraçãoobrigariaareveropapeldaintelligentsialigadaaD.JoãoV, incluindo naturalmenteAzevedo Fortes eoutrosengenheiros,assimcomoaoPadreManuelde Campos e os padresmatemáticos. [...] O queestáemcausaéacriaçãodecidadescujodesenhoéestudadoapriorinasváriasescalas.Istoé,desdea concretização formal do núcleo em si, de que são dasinstruçõesprecisasnacartadefundação,atéaestruturaçãodoterritório,paraoquesuafunçãodecapitaladministrativaépensada.(ARAÚJO,Renata,“Com régua e compasso: Lisboa, os engenheirosmilitareseodesenhodoBrasil”.InARAÚJO,AnaCristinaetalii(org.),2007,p.484).

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“Parecersobrecarrinhosdemão”.RevistadoClubedeEngenharia.1887.

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materiais era de tal ordem que toda a cantaria de umaigrejapoderiavirdePortugal,sendomontadanoBrasil.ComonotaKatinsky,éocasodaIgrejade Nossa Senhora da Conceição da Praia, emSalvador(KATINSKY,JúlioRoberto,op.cit,p.80). A razão do procedimento era simples.Os aspectos construtivos que exigiam umnível tecnológico e confiabilidade um poucomaior, como o uso de ferramentas metálicas ou materiais adequados para uma fundação ou pilastras, não poderiam ficar a cargo dos trabalhadores coloniais, distantesdaspráticascorporativasde transmissãodoconhecimentotécnico. O próprio governo metropolitanoprocurava garantir que essas exigênciasfossem cumpridas. Na própria reconstruçãode Lisboa, após o terremoto de 1755, oprocedimento se tornou explícito e oficial:

É curioso notar que enquanto os procedimentos de maior custo e alguma complexidadeficavamreservados,noBrasil,paraosaspectosconstrutivos fundamentaisproduzidosnaMetrópole,todoorestodadecoraçãodeumaigrejaeraresponsabilidadedosartesãoslocais.Liberadosdemaioresobrigaçõestécnicas,podiamentãoexibirsuacriatividadenaseleçãodemateriaisencontradosna colônia, como madeiras ou pedra-sabão, e na definição de modelos estéticos. Katinsky observaque o surgimento de uma comunidade crescente de artesãos, operando nas margens de um sistema construtivo administrado pela Metrópole, constitui

umaboaexplicaçãoparaaemergênciadeumartistacomoAntônioFranciscoLisboa,oAleijadinho. A padronização de plantas e materiais da arquitetura governamental na Colônia, sejaciviloureligiosa,podesermaisvisívelereguladapelossistemasoficiaisdegestãodoconhecimentotécnico,masaatividadedeconstrução,mesmoemambientesnãoindustriais,pedeuniformização.Noterritóriobrasileiro,adifusãoregulardetécnicasdeconstrução de menor custo, mas bem delineadas, comoopauapiqueouataipadepilão,justificaseuestudopormeiodeconceitodesistemaconstrutivo(KATINSKY,JúlioRoberto,op.cit.,p.81). Os limites do “saber fazer” em um ambiente colonial são, contudo, bem delimitados, e o caso da metalurgia oferece um contraponto interessante.Nessecampo,semprehouveinteresseoficial em conter a expansão da atividade, porrazões econômicas e de segurança, e mesmoaMetrópole não tinhamuito o que oferecer emmatériatecnológica. Sejacomofor,acriaçãodos“engenhosdeferro”torna-seesporádicaapartirdoséculoXVII,primeironaformadefundiçõese,maistarde,comprocessos tradicionais de forja, sempre em resposta àsnecessidadesmaisprementesdeutensíliosdeferroouaço,emregiõescujademandanãoeraatendidapelo comércio português. Jamais conseguiram,entretanto, sustentabilidade econômica, mantendo-seemníveismínimosdedesenvolvimentotécnico.Tambémnãoselivraramdosciclosdeintervençãodo governometropolitano, que nunca se decidiuse proibia ou permitia a atividade metalúrgicana colônia (LANDGRAF, F., TSHIPTSCHIN, A.eGOLDENSTEIN,H.,“Notassobreahistóriadametalurgia no Brasil (1500-1850)”. In VARGAS(org.),1994,p.107). ComatransferênciadaMetrópoleparaoBrasil,oproblemadaintervençãodogovernofoisuperadoeD.JoãoVIpatrocinouomodelodasFábricasReais,instaladasemSãoJoãodoIpanema(1810) enoMorrodoPilar (1812).Engenheirosestrangeiros foram contratados para a gestão dos empreendimentos, mas a incerteza tecnológica,que também não havia sido ainda resolvida naEuropa,terminouselandoodestinodeambos.

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Mas sabemos tambémqueaconstrução,que searrastouem dificuldades econômicas naturais, mas sem jamais,ao longo de cem anos, perder rumo e responsabilidade em problemas de acertos de terrenos entre proprietários, teve uma característica inovada, para satisfazer custos eurgências, que foi de pré-fabricação de elementos e suaestandardização.Pedrasemadeiramentos,tijoloseferraria,azulejos também, de rodapés, tudo isso era transportado para os locais de seu emprego sistematizado [...]. Maisseguros,assim,desuaspessoasebens,oslisboetasdeviamafazer-seaumanovamaneiradehabitar–emprédiosdesérie, por igualdade de projeto, e circulando em suas ruasretilíneas,comnovasutilizaçõesdeespaçoetempo,porissomesmo. (FRANÇA, JoséAugusto, “Mutaçõespombalinasou o pombalismo como mutação”. In ARAÚJO, AnaCristinaetalii(org.),2007,p.17).

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Apenas na década de 1850, em outraconjuntura técnica, a metalurgia seria realmente incorporadaàeconomiabrasileira.Tãolimitadafoiadifusãodastécnicaseexperiênciasdoperíodocolonialqueseuregistrohistórico,emmaterialpublicadooudocumental,éescasso,incertoe,porvezes,dependemesmodeumtrabalhoarqueológico.

O trem e a estrada de rodagem Uma conexão realmente moderna entreconhecimento técnico e atividade industrial seriaformadanoBrasilapenascomodesenvolvimentodo transporte ferroviário. Surgiram, então, asprimeiras condições para uma maior consciênciada importância da normalização de processos emateriais. Apósumafasedeincertezas,marcadaporverdadeirosexperimentosempresariais,asferrovias,apartirdemeadosdoséculoXIX,seapresentavamcomo a solução perfeita para os seculares problemas decomunicaçãoetransportenointeriorbrasileiro.O marco histórico relevante foi a construção daEstradadeFerrodePetrópolis(1852-1854),seguidapelainiciativainglesadeligarascidadesdeSantoseJundiaí.Nãosetrata,aqui,decontarnovamenteahistóriadotransporteferroviárionoBrasil,objetodeumaextensaproduçãobibliográfica.Dopontodevistaquenos interessa,basta registrarque suaexpansãonoBrasilcriavatrêsdomíniosrelevantesparaaconsciênciadanormalização. O primeiro deles, naturalmente, foi a questão tecnológicatradicionaldasbitolas(PUFFERT,2009),o caso clássico de disputa econômica em torno de normas técnicas. O Brasil não escapou nem dasconsequênciasdadiversidadedebitolas–oisolamentodos sistemas construídos de forma independente - nemdaobservaçãoconscientedoproblema(SOUZA,AntônioFranciscodePaula,1876). O segundo foi o investimento necessárioem obras de engenharia – as chamadas “obrasdearte”-comopontesetúneis.Pelaprimeiravez,engenheiros brasileiros sentiram a necessidadeprática do conhecimento científico da natureza edo comportamento dos materiais de construção nacionaiseestrangeiros.Deinício,pelaimportação

generalizadadepontesde ferro;mais tarde,pelousocrescentedoconcretoarmado. Por fim, houve a necessidade de criar ainfraestrutura para a manutenção das estradas de ferro, das vias e de seus equipamentos. Foramestabelecidas no Brasil oficinas metalúrgicasrelativamente sofisticadas, que deveriam sercapazesdeproduzirereparartrilhos,estruturasdepontes,máquinas, rodasdemetaletc.Dealgummodo, os engenheiros brasileiros começavam aenvolver-se com atividades – a construção civile ametalurgia dematerial ferroviário – que, naInglaterra, estiveram na origem das primeirasformasinstitucionaisdenormalização. Na verdade, a conexão entre o prestígiocrescente da profissão de engenharia e oordenamentodavidaeconômicasocialpodiaseestenderemdireçõessurpreendentes,mesmoemuma sociedade pré-industrial, mesmo em uma economiaaindaescravocrata. Em8deoutubrode1887,umparecerdoClube de Engenharia respondia à demanda deuma“EmpresaAmbulanteDoméstica”,quepedia

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Carrosdealuguelcomquatrorodas,em1887.Acervo:BMMA/SMC,SAN/DIM/DPH/SMC

AspectodoLargodaSé,porvoltade1910.Acervo:SAN/DIM/DPH/SMCAspectodoLargodaSé,porvoltade1910.

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umexametécnicodediferentestiposdecarrinhosde mão que seriam oferecidos ao serviço domercadoambulante.Nadamenosquedez tiposdecarrinhosdemãoforamlevadosàconsideraçãodosengenheiros. São carrinhos para tração braçal, assentos sobre um só eixo fixo, que tem em suas extremidades duas rodas móveis de 50 a 70 centímetros de diâmetro,osdoisvaraispormeiodosquaissedará o impulso servem de apoio àmesa e ligam-se ao eixopormeiodemolascurvas,havendonocentro de cada varal um descanso de ferro, destinado a dar-lhe posição horizontal, quando os carrinhos estiverem em repouso. (Revista do Clube de Engenharia,nº10,outubrode1887,p.100-103).

Apartirdessaestruturabásica,asdimensõesdosvárioscompartimentosesuadisposiçãoseriamadaptadas às mercadorias vendidas. Quandodestinados à venda de produtos frescos, comoverduras e carnes, eles seriam perfeitamenteventilados,alémdecontarcomdepósitosparagelo,semcontatodireto comasmercadorias.Quandodestinados à venda de doce, pão, objetos dearmarinhoecigarros, teriamportasenvidraçadas.Os carrinhos para cigarros teriam também umcompartimentoparaexporosbilhetesdeloteria. Emseuparecer,osengenheirosafirmamqueoscarrinhosnãorepresentavamnenhumainvenção,masreconhecemquesuaconstruçãofoibemestudadaerecomendamsuaadoçãopelomercadoambulante: Melhor acondicionadosos gênerosque tiveremde serlevadosaoconsumidor,facilitando-seaomesmo tempo o serviço de transporte, está claro que considerado do ponto de vista higiênico lucrará a população. (Revista do Clube de Engenharia, nº10,outubrode1887).

Osengenheirosadvertemaindaqueumamunicipalidade interessada em uma boa situação sanitáriadevesepreocuparcomasoluçãooferecidapelos carrinhos.Nomínimo, eles serviriampara“acabar com os repugnantes balaios e tabuleiros” (RevistadoClubedeEngenharia,nº10,outubrode 1887), pouco próprios a uma cidade como o Rio de Janeiro, como “foros de civilizada”. O parecer é assinado por Feliciano Mendes de

Mesquita Barros, Frederico Augusto Liberalli eFredericoAugustodeVasconcellos. A história da normalização brasileiracomeçaria, contudo, a ser contada quando, nas primeiras décadas do século XX, o interesse das elites brasileiras no transporte ferroviário foi substituídopeloentusiasmocomoautomóvelecomacivilizaçãourbanacriadapelaestradaderodagem. Não é por acaso, assim, que se vê oengenheiro Antônio Francisco de Paula Souza(1843-1927)naorigemdoquepodeserconsideradaa primeira instituição de pesquisa tecnológica doBrasil: o Gabinete de Resistência de Materiais daEscolaPolitécnica,formalmentecriadoem18995. Emtornodessainstituição,seriamformadososlaçosentreengenheiroseuropeus,promotoresdousodoconcretoarmadonaconstruçãociviledapesquisatecnológicaaplicadanoBrasil (VASCONCELLOS,AugustoCarlosde,“HistóriadoconcretoarmadonoBrasil”.InVARGAS(org.),1994a). A participação estrangeira começa pela chegada ao Brasil, em 1903, do professorWilhelm Fischer, da Eidgenossische Technische Hochschule,deZurique,paradirigiroGabineteeacompanhara instalaçãodeseusequipamentos.Dois anos depois, o Grêmio Politécnico jápublicavaumManualdeResistênciadeMateriais.Aofinal dadécada, asprimeiras construçõesdeprédios e pontes em concreto armado, com o uso de cálculos científicos e testes de materiais, sãoregistradas no Brasil6. A expansãodousodo concreto armadotambémcontoucomodiretointeressedeescritóriosestrangeirosnomercadodeconstruçãobrasileiro.O engenheiro francês François Hennbique éativo desde a primeira década do século XX, ea famosa firma alemã do pioneiro dos estudoscientíficossobreconcreto,GustavAdolphWayss,operavanoBrasil,deformaindireta,desde1913e,oficialmente,desde1924. A importância e o pioneirismo do uso doconcreto armado no Brasil proporcionaram uma extensalistaderecordenaconstruçãodeestruturas,

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5 Antônio Francisco de Paula Sousa (1843-1917), filho do senador Francisco de Paula Sousa e Melo, primeiro-ministro durante o Império, teve uma brilhante carreira técnica e política. Estudou engenharia na Suíça e na Alemanha e voltou ao Brasil em 1871 para se tornar um dos maiores especialistas em transporte ferroviário. Republicano, foi eleito deputado estadual em 1892 e presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo. Foi criador da Escola Politécnica de São Paulo. Foi também ministro dos Transportes do governo Floriano Peixoto, em 1893.6 Há uma longa disputa por primazia nesse campo, mas é certa a notícia da construção de uma ponte em concreto armado sobre o rio Maracanã, no Rio de Janeiro, em 1908, e de um prédio com a mesma técnica na Rua Direita, em São Paulo, em 1909. (VASCONCELLOS, Augusto Carlos de, op.cit., p. 93).

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NB-1–CálculoeExecuçãodeObrasdeConcretoArmado,publicada em 1940

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incluindoamarquisedatribunadesóciosdoJockeyClubedoRiodeJaneiro(1926);oedifícioMartinelli,emSãoPaulo(construídoentre1925e1929),àépocao maior prédio em concreto armado do mundo em área;eocélebreedifício“ANoite”,noRiodeJaneiro,construído entre 1928 e 1931 como o mais alto edifíciodeconcretonomundo(VASCONCELLOS,AugustoCarlosde,“HistóriadoconcretoarmadonoBrasil”.InVARGAS(org.),1994a,p.81-82.) Nenhumaobra,contudo,representamaisomomentovividopelaengenhariabrasileiranessemomentodoqueaferroviaMairinque-Santos,cujaconstruçãofoidirigidapeloengenheiroHumbertoFonsecaapartirde1927. [Fonseca]lutouduranteanosatéconseguirimpor o uso do concreto armado, considerado por muitos engenheiros do Brasil e da Europa como material inadequado para ferrovias por causa da fissuração e do carregamento repetitivo. Adificuldadede justificativa era enormepor falta de experiência estrangeira, por falta de conhecimento tecnológico e principalmente pelo interessedos ingleses de venderem seusperfis de aço. (VASCONCELLOS, Augusto Carlos de “História do concreto armado no Brasil”. InVARGAS(org.),1994a,p.106).

As vantagens econômicas eram bemparticulares. Todo o material de construção serianacional;aspontesdeconcretodeumaestrada,ao

contrário das pontes de aço, podiam ser construídas em qualquer ordem e o transporte dos materiais podiaserfeitodeformabemmaissimples.Osperfismetálicos também não podiam ser uniformizados, porque precisavam ser adequados ao traçado,enquanto as pontes de concreto podiam ser feitas na formademódulos. O pioneirismo do esforço no mundo e sua escala no Brasil dependeram, naturalmente, de pesquisa realizada no próprio país, sobre ousodocimentoesobrearesistênciadosmateriaisempregados. Não admira, portanto, que aintensidade das atividades do Gabinete levasse àsua transformação no Laboratório de Ensaios deMateriais,em1926,sobadireçãodoengenheiroAryTorres.EmseuBoletimnº1,oLaboratóriopublicariajustamente um trabalho de Torres, Dosagem deConcretos,comoregistraVasconcellos: Constituiumaobrahistórica,servindodebase

paratudoomaisquesefizessenoBrasileatéhoje

ainda é utilizada para ministrar aos alunos as

primeirasnoçõesdedosagem(Id.,Ibid.,p.93).

Como será visto à frente, a combinaçãoentre as atividades deAry Torres e o triunfo datecnologia do concreto armado no Brasil está na raiz da criação da Associação Brasileira de Normas Técnicas(ABNT).

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O avanço da ciência e a expansão docomérciomundialsãocondiçõesnecessáriasparaa institucionalização da elaboração de normas técnicas, mas não bastam, por si mesmos, para iniciar esse processo. Foi necessário que asrelaçõeseconômicasentreasnaçõesenvolvessemprodutosdemaiorsofisticaçãoeconteúdotécnicopara que emergisse a necessidade de compatibilizar diversas estruturas tecnológicas e sociais. Nosentidoprópriodotermo,nãohánormatécnicaantesdarevolução industrialeda formaçãodosmercados mundiais desses novos produtos. Odesenvolvimento dessas novas tecnologias datadasúltimasdécadasdoséculoXIX7. Em vários setores da economia, haviapressões para a harmonização de processos eprodutos, canalizadas pelo comércio e pelo consumo, masoelementodecisivoseriaodesenvolvimentodasiderurgiaedousodaenergiaelétricanaEuropae nos Estados Unidos. Estes setores tornaramindispensável a normalização. Na prática, mesmoquando as normas técnicas não são essenciais para a conexão entre os processos tecnológicos, elasdefinemostermosdacompetiçãoeconômicae,porconsequência,apróprianaturezadainovação8. A normalização, em escala mundial, de produtos ou processos representava, contudo,um problema de ação coletiva. As empresasprecisavam estar convencidas de que colheriamganhoseconômicosconcretosparadedicarrecursoshumanos, tempo e dinheiro à elaboração denormas.Taisganhosdeveriamsuperar,inclusive,os custos de uma maior regulamentação que seria

imposta,deformavoluntáriaoucompulsória,aosprocessosprodutivos. Emcondiçõesideais,éfácilsugerirqueoEstado seria o melhor instrumento para superaresteproblemadeaçãocoletiva.AofinaldoséculoXIX, contudo, a intervenção dos governos nodomíniodaeconomiaestavalongedeserobjetodeconsensoentrelíderespolíticoseempresariais.Nãoparecia simples imaginar com que procedimentos legais poderiam ser contidas as pressões dacompetiçãoeconômica.Sobcertaperspectiva,umempreendimento dessa natureza assumia os traços demaisumautopiasocialdefimdeséculo. Além disso, sempre havia faltado podere interesse aos Estados para impor normascompulsórias.“Oprocessoécustosoecomplexodemais para estar ao alcance de legislaturas ou burocracias” (MURPHY e YATES, 2009, p. 9).Emcontrapartida,muitosatoressociaisprivados,como associações, técnicos, consumidores,empresasetc.,têmgrandeinteressenafixaçãodenormas e poderiam se dispor a sustentar os custos daaçãocoletivanecessáriaparaqueimaretapasqueomercadolevariamuitotempoparacumprirporsimesmo. Mesmo que engenheiros e empresasresolvessemoproblemadeaçãocoletiva,haviaoutrodilemaigualmentesério.Anormalizaçãointernacionalteria de se manter alinhada com o processo demudança tecnológica.No ritmo intensocomqueoconhecimento científico transformava a produçãoindustrial ao final do século XIX, era evidente apossibilidade de que normas envelhecessem com

7 Normalização, tal como defi nida pelo Vocabulário Geral da ABNT, é uma atividade que estabelece, em relação a problemas existentes ou potenciais, prescrições destinadas à utilização comum e repetitiva com vistas à obtenção do grau ótimo de ordem, em um dado contexto. Em particular, a atividade consiste nos processos de elaboração, difusão e implementação de normas. A normalização proporciona importantes benefícios, melhorando a adequação dos produtos, processos e serviços às fi nalidades para as quais foram concebidos, contribuindo para evitar barreiras comerciais e facilitando a cooperação tecnológica.8 Murphy e Yates retiram o conceito de um artigo de Jean-Daniel Merlet, “Normalisation, réglementation, innovation dans la construction: opposition ou complémentarité”?. Annales des Ponts et Chaussées, 95(2000), p. 20-27.

A ideia de normalização

Capítulo 3

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rapidez, sem compensar os custos de elaboração e adaptação. Simples escolhas tecnológicas, comoo tipo de corrente elétrica usada na distribuição de energia,podiamtervastasimplicaçõesfinanceiras9. Terminouprevalecendo,deformacuriosa,aatraçãodesuaintençãoutópicaeinternacionalista.Anormalização,emseuaspectoformal,revelou-seapenas um dos campos de uniformização necessários para o funcionamento da economia mundial na segunda metade do século XIX, um esforço quese estendia dos padrões demedida às transaçõesbancárias e à administração pública (MURPHY,1994,p.56-62).Emrespostaaessaintençãoutópica,nãofaltavanemmesmocertoespíritoevangélicoàsassociaçõesdeengenheirosengajadasnosprimeirosesforços de racionalização da produção e que, mais tarde, seriam também estendidos àmodernizaçãoda administração pública10. A primeira experiência de normalizaçãointernacional foi, assim, conduzida como um esforço de cooperação voluntária, construídoa partir de uma fronteira tecnológica em plenaexpansão: o uso da eletricidade, uma indústrianovaedealtoconteúdocientífico.Suasexigênciasespecíficasdecoordenaçãoestãonaraizdacriaçãoda International Electrotechnical Commission (IEC).Umnúcleolimitadodecientistas,deengenheirose também de líderes empresariais foi capaz de estabelecer um mínimo de cooperação para o estabelecimento de normas técnicas, sem a necessidadedeenvolvergovernoseprometendoganhoseconômicosimediatos. Ao fim do Congresso Internacional deEletricidade, realizado em 1904, em St. Louis,nos EstadosUnidos, delegados de vários paísesaprovaramapropostadecooperaçãotécnicaentretodasasorganizaçõesdeengenheirosecientistascomvistasàuniformizaçãodostermostécnicosedas características de equipamentos e instrumentos elétricos.EsterelatórioéconsideradoopontodepartidaparaaconstituiçãodaIEC,cujasedefoiestabelecidaem1906,emLondres11.

O congresso de fundação da IEC foirealizado no Hotel Cecil, em Londres, nos dias26e27dejunhode1906,sobapresidênciadeAlexanderSiemens.OReport of preliminary meeting informa que os trabalhos da entidade seriamconduzidos por meio de correspondência entreseus membros e estariam sob a responsabilidade de um secretário-geral. A entidade deveria estaraberta à participação de todas as nações, e norelatório preliminar há um pedido de desculpasaos governos do México e da Argentina, quenão foram informados corretamente sobre o Congresso.OBrasilnãoémencionado. As regras iniciais da conferência forampropostas pela Bristish Institution of Electrical Engineers, sempre com o espírito de garantir a maiorliberdadepossívelàsinstituiçõesnacionais.A organização alemã de engenheiros, por sinal,chegouapedirqueosgovernosfossemdeixadosde fora das atividades da Comissão. Cada paísdeveria contribuir de forma igualitária para aorganização e, naturalmente, ter direito a votoscomomesmopeso.Um subcomitê foi formadopara ajustar as regras propostas pela associação britânica de engenheiros elétricos e, no diaseguinte,apresentouconsideraçõesimportantes. Os temas então discutidos haveriam deconstituiraslinhasfundamentaisdetodaahistóriainstitucionaldanormalização:asrelaçõescomosetorprivadoecomosgovernos,oritmodaproduçãodenormas,asregrasparasuaelaboraçãoeamelhororganizaçãodaentidadedenormalização. Os delegados decidiram, por exemplo,que os interesses empresariais deveriam estarrepresentados nos comitês nacionais, mas,caso um país não possuísse um comitê próprio,os representantes deveriam ser indicados pelogoverno.Umasociedadetécnicasópoderiaindicarrepresentantes após três anos de existência e opoderdevotodecadapaís(eomododeregistrá-los)deveriaconstarnosestatutos. Das matérias regimentais, os delegados logo passaram a observações mais substantivas

9 É o caso da “batalha” entre os sistemas de provisão de energia elétrica por corrente alternada ou por corrente contínua nos Estados Unidos, encerrada na década de 1890, com a vitória do sistema da Westinghouse, por corrente alternada. Tal vitória, contudo, foi obtida não pela conquista de um lado pelo outro, mas por uma “notável resolução da controvérsia técnica e organizacional”. (HUGHES, 1995, p. 106-107).10 No Brasil, esse movimento chegaria após a Revolução de 1930 na forma dos projetos de reforma administrativa do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), e não é por acaso que as mesmas personalidades estavam envolvidas nas reformas de Vargas e no início da normalização no Brasil. (MURPHY e YATES, 2009, p. 13).11 Nove países atenderam ao chamado original para a constituição da IEC, por meio de suas organizações nacionais de engenheiros elétricos: Estados Unidos, França, Itália, Canadá, Alemanha, Império Austro-Húngaro, Dinamarca, Suécia e Noruega. Por ocasião da conferência de 1906, a lista passou a incluir a Bélgica, a Holanda, o Japão, a Suíça e a Espanha. As informações relevantes podem ser encontradas no site da instituição: www.iec.ch.

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acercadoprocessodenormalização.Osdelegadosda França, por seu lado, ponderaram que, em seupaís,nãohaviaaindaconsensoemtornodamatériaequeaIECdeveriaavançarcomcautelaesemmuitodetalhamentoemsuaspropostasdeuniformização. Os ingleses retrucaram que essaera a mesma posição em seu país, mas que, com o progresso da normalização e com os ganhoseconômicos envolvidos, a indústria passou aapoiarcomliberalidadeotrabalho. NadiscussãodaRegranº3,odelegadobelga levantou outro ponto importante: aobrigatoriedade de incorporar representantes das empresasnasentidadesnacionais.OdelegadodoCanadá observou, então, que havia, por vezes,divergênciasentreosrepresentantesdasempresas,que sustentavamfinanceiramente o processodenormalização,eassociedadestécnicas.CasoestasúltimasindicassemtodososdelegadosàIEC,eletemiapelosucessodoempreendimento. Quanto aos procedimentos para aelaboraçãodasnormas,aRegranº5estabeleceuque as decisões publicadas pela organizaçãoteriam de ser aprovadas por unanimidade ecadapaís teria apenasumvoto.AsdecisõesdaComissão,naturalmente,teriamdeserratificadasemcadapaís.Casonãoofossem,opaísperderiaodireitodeparticipardasdecisõessobreamatéria. OstrabalhosdaIECseriamconduzidosporumconselho,compostopelopresidentedaorganização,pelospresidentesdasinstituiçõesnacionais e por seus delegados, sendo registrados por um secretário honorário. OcoroneleengenheiroinglêsRookesCromptonfoi escolhido como primeiro secretáriohonorário, e Lord Kelvin foi eleito primeiropresidentedaIEC. O uso da regra da unanimidade para suas decisõessugeriaaadoçãodoformatodoscomitêstécnicosparaaconduçãodesuasatividades.Taiscomitêspermitiamqueosespecialistasdiscutissemosassuntoscomtodaaliberdadeetempopossívelpara a produção do consenso. Em seguida, asinstâncias superiores da Comissão produziam

apenas uma decisão política. Em 1914, estavamem funcionamento quatro comitês:Nomenclatura,Símbolos, Especificações de Máquinas Elétricas eGeradores.Otrabalhoenvolviaoestabelecimentodelistasdetermosedefinições,símbolosparagrandezase unidades físicas; estabelecimento de padrões deresistênciaparacobre,alémdeespecificaçõesparaturbinashidráulicaseparatransformadores12. É importante também registrar que a presençadominantedasnaçõeseuropeiasedosEstados Unidos completava a lista de requisitospara o bom funcionamento da normalização por meio de comitês. Seu peso político-econômicogarantia a eficácia das normas produzidas porconsenso,enquantomantinhasuaopçãoderetirar-se do processo, caso seus interesses mais diretos fossemameaçados(FARRELeSALONER,1988,p.235-252).Écrucialressaltar,nesseponto,queaIECnãohaviasidoconstituídaporumtratadointernacional,comforçadelei,nemdispunhadeinstrumentosdefiscalizaçãooupunição. Onúmerodecomitêstécnicoscontinuouacrescer e, no início da década de 1920, ao menos uma dezena estava em operação. Além de seuimpacto sobre a indústria, a Comissão teria um papeldecisivonadefiniçãodasunidadeselétricas,de campo e fluxo magnético, completada nadécadade1930.Essetrabalhotevefundamentalimportância para a consolidação de um sistemacompleto de medidas físicas. Na verdade, estetrabalhoestánabasedoatualSistemaInternacionaldeMedidas(SI).AComissão tambémpublicariaa primeira edição do Vocabulário EletrotécnicoInternacional,oferecendoversõesemseisidiomaspara os termos técnicos usados pela indústria e pelaacademia. O sucesso institucional e prático da Comissão serviu como modelo, após a SegundaGuerra Mundial, para a ampliação do processointernacional de normalização. Após a criaçãoda International Organization for Standardization (ISO),asededaIECfoitransferidaparaGenebra,naSuíça,em1948.Desdeentão,ocampodesuasatividadespassaporampliaçãoconstante13.

12 A IEC conta, segundo a versão mais atual de seu site, com 113 Comitês Técnicos e mais 35 Comitês Técnicos conjuntos com a ISO. A organização compreende 51 países membros e outros 16 países associados.13 Entre 1948 e 1980, o número de Comitês Técnicos passou de 34 para 80 e, a cada ciclo de desenvolvimento tecnológico, a IEC é chamada a estender suas atividades, que hoje incluem estudos sobre células combustíveis, impacto das radiações sobre a vida humana, sobre a aviação comercial etc.

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LordKelvin

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Os organismos nacionais de normalização

A produção e o consumo de energia

elétrica não foram, naturalmente, os únicos setores da economia a colher benefícios do processo denormalização.Namedidaemquea contribuiçãodecientistasetécnicosparaosprocessosprodutivosaumentava, também crescia a percepção dosganhosgeraisparatodaasociedade.Talpercepçãoterminava,emseguida,contribuindopara reduzirospreconceitosliberaiseestimularoenvolvimentodosestadosnacionaiscomanormalização.

Reino Unido ComofoipossívelpercebernadiscussãosobreaIEC,oprocessodenormalizaçãonoReinoUnidoteveiníciocomotrabalhodesociedadestécnicas,compostasporengenheirosearquitetosquebuscavaminicialmentereduzirasvariedadesdemateriaisdeconstrução,comooferroeoaço.O British Standards Institution (BSI)nasceuem1901,comoumaentidadeprivada,operandodeacordocomosprincípiosdaautorregulação. Foi o engenheiroSir JohnWolfe-Barry,autordoprojetodapontedaTorredeLondres,que propôs, naquele ano, à Instituição dosEngenheiros Civis, a formação de um comitêparaelaboraranormalizaçãodeperfisdeaçoede ferro.Em26deabrilde1901, foi realizadoo primeiro encontro do comitê de Normas deEngenharia,querapidamentereduziuonúmerodetamanhosdeperfisdeaçode175para113.Doisanosdepois,começariamaserdesenvolvidosas “Marcas de Normas Britânicas”, comespecificaçõesparaváriostiposdeprodutos14. Os benefícios econômicos produzidos por sua atividadenãotardaram,contudo,achamaratençãodaindústriabritânicaetambémdogoverno.Em1929,foireconhecidoostatusoficialdaentidade,pormeiodaconcessãodeumacartapatenteàentãodenominadaBritish Engineering Standards Association (Associação BritânicadasNormasdeEngenharia)15.

Estados Unidos NosEstadosUnidos,ainstituiçãoresponsávelpela normalização teve e mantém uma matrizestritamente privada. A criação, em 1918, doAmerican National Standards Institute (ANSI)16 resultoudeumprocessodecooperaçãoentreváriasentidades:oAmerican Institute of Electrical Engineers (AIEE,InstitutoAmericanodeEngenheirosElétricos),a American Society of Mechanical Engineers(ASME,SociedadeAmericanadeEngenheirosMecânicos),oentão American Institute of Minning and Metallurgical Engineers (AIME, InstitutoAmericanodeMineraçãoeMetalurgia) eaAmerican Society for Testing and Materials (ASTM, SociedadeAmericana de EnsaiodeMateriais).Seuobjetivooficialeraestabelecerumcorpo imparcial para coordenar o desenvolvimentodenormas,aprovarnormasnacionaisconsensuaisereduziraconfusãoemtornodesuaaceitação(ANSI,2008,p.3).Apesardocaráterprivadodainiciativa,os Departamentos do Comércio, da Marinha e daGuerraforamconvidadosaparticipardainiciativanacondiçãodefundadores. A associação assumiu o formato original de um mero Comitê Americano de Normas deEngenharia (American Engineering Standards Committee,AESC),comumambiciosoprogramae poucomais do que isso. Seu primeiro diretorfoioengenheiroCliffordB.LePage,cedidopelaAssociação de Engenheiros Mecânicos, e seuorçamento inicial não chegava a 6 mil dólares.O funcionamento daAESCobedecia, assim, aoconhecido padrão associativo norte-americanoparaaarticulaçãodeinteressesprivadosepúblicosnodomínioeconômico. Sua primeira norma, sobre conexõespara tubos, seria aprovada ainda em 1919 e,no ano seguinte, a organização assumiria a responsabilidade pela coordenação de códigosnacionaisdesegurança.Em1921,seriaaprovadauma Norma Americana de Segurança para aproteçãodetrabalhadoresindustriais,sendologoseguidapornormasnacionaisparaaengenhariaelétrica,mecânicaedeminas,assimcomoparaa

14 As informações constam no site da entidade: www.bsigroup.15 A despeito de variações organizacionais, o BSI funciona hoje de acordo com o modelo comum à maioria dos organismos de normalização. Seu trabalho é realizado por variados comitês técnicos, encarregados de estudar as propostas de normalização, ouvir os interesses industriais e formular o plano de normalização e de uma área especializada em tecnologia da informação, responsável pela difusão das normas. Segundo os dados mais recentes, quase duas mil normas são produzidas anualmente pela entidade.16 Tal denominação foi assumida apenas em 1969.

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construçãodeprédioseestradasderodagem.Como crescimento de suas atividades, foi necessáriomudaroformatodecomitêe,em1928,nasceuaAmerican Standards Association(ASA,AssociaçãoAmericanadeNormas). É importante também ressaltar o quanto esse crescimento dependeu da promoção de normasdesegurançanotrabalhoenasresidências.EmumademocraciacomoosEstadosUnidos,erauma resposta social e política para o problema dos acidentesdetrabalhoeumreflexodoaumentodatecnologiausadanosequipamentosparaolar. Não é surpresa, contudo, que o maior impulso paraanormalizaçãoindustrialtenhasidoproduzidopela IIGuerraMundial.Acriaçãodenormasparao aumento da eficiência das indústrias militaresadquiriu outra escala após 1941 e, gradualmente,as Normas Americanas de Guerra foram cobrindo todososcamposdaproduçãoindustrial. Sua evolução não alterou seu caráterfundamental. A princípio, o ANSI não desenvolvediretamente as normas, mas funciona como uma entidade credenciadora dos responsáveis pela suaelaboração.Naprática,elecomandaagestãodeumsistemaderegistrodenormaseservecomoforoparaoestabelecimentodepolíticassetoriaisdenormalização. Apesardisso,sejacomoAESC,sejacomoASA ou ANSI, a entidade foi credenciada comorepresentantedosEstadosUnidosnosesforçosdenormalização internacional, desde a formação da IECatéacriaçãodaISO.Mesmotendoumcarátervoluntário,asnormasdoANSIpodemtambémseradotadas pelo governo norte-americano quandoexiste o entendimento de que é necessário umdeterminado tipo de regulamentação17.

Alemanha Na Alemanha, a I GuerraMundial foi oeventodecisivoparaquea indústriaaceitasseoprocessodenormalização.Aaquisiçãodematerialbélicopelogovernofacilitouaimposiçãoderegras,e a primeira iniciativa, em termos históricos, foiprecisamentenaproduçãoparaaartilharia.UmComitêdeNormasparaaengenhariamecânica

(Normenausschuss der Deutschen Industrie,NADI)foicriadoaindaem1917,emBerlim,eprimeiranormafoipublicadaem1918. A associação resistiu à transição políticadeterminada pela derrota militar e, em 1926, aexpansão de suas atividades por vários setoreseconômicos exigiu uma primeira mudançaorganizacional. Foi então criado um Comitê deNormas Alemãs e teve início a publicação desuasespecificaçõessobumasiglaquesetornariacélebre–DIN(Deutsche Industrienorm, ou norma industrialalemã).Foifundadaumacasaeditorialem 1924, a Beuth Verlag, para a publicação e difusãodesuasnormas. As turbulências políticas do nazismo eda IIGuerraMundial tornaramaoficializaçãodesuasatividadesumaquestãomenor,e foi lentaarecuperação do status do Deutsches Institut für Normung (DIN) após a nova derrota militar. Ocomando aliado permitiu a retomada de seus trabalhos em 1946, e o Instituto foi aceito pelaISO em 1951. Apenas em 1975, contudo, ogoverno alemão reconheceria sua posição comoorganização nacional, com a responsabilidade exclusivapelarepresentaçãodopaísementidadesinternacionais. Apesardesuanaturezaprivada,oinstitutoalemão, ao contrário de seu congênere norte-americano, sempre conduziu diretamente o processo de elaboração das normas, utilizando especialistas contratados e comitês abertos à participação deempresas privadas, de entidades de defesa dosconsumidores,dosórgãosdogovernoetc.

França Na França, o trabalho de normalizaçãotomou caminhos familiares, começando, napassagem para o século XX, pelo setor de energia elétrica e pelos produtores de equipamentos para o transporteferroviário.Oimpulsodecisivo,porém,veiocomosplanosderecuperaçãoeconômicaapósaIGuerraMundial.Ascomprasdematerialbélicopermitiram ao governo uniformizar os produtossiderúrgicosemateriaisdeconstruçãoe,emjunho

17 No plano externo, a influência dos Estados Unidos sobre a normalização internacional é exercida através do ANSI, pelo exercício do direito a voto no International Accreditation Forum (IAF), na ISO, no Pacific Area Standards Congress (PASC), na Comissão Pan-Americana de Normas Técnicas (COPANT) e na representação do país junto à International Electrotechnical Commission. No âmbito da ISO, o ANSI é um dos cinco membros permanentes do Conselho da ISO e um dos quatro membros permanentes do Technical Management Board (TMB). Segundo as informações coletadas por Pedro Paulo Almeida Silva (2003), o ANSI participa de 78% dos Comitês Técnicos da ISO e 91% dos Comitês Técnicos da IEC, tendo a direção de 16% dos primeiros e de 17% dos segundos. Além disso, o ANSI administra um sistema de informações contendo normas consensuais dos Estados Unidos e de muitos outros países - a National Resource for Global Standards –, não sendo difícil perceber o esforço de influir, por esse meio, no desenvolvimento da normalização internacional.

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de 1918, oMinistério do Comércio estabeleceuuma Comissão Permanente de Normalização(CPS).AvinculaçãocomoEstadoerabemmaisevidente: dos 24 membros da Comissão, noveeramindicadospelosministérios. Contandocom22subcomissões,cadaumaresponsávelporrelatóriosespecíficos,produzidosnoprazodealgunsmeses,aCPStinhacomopresidenteopróprioministrodoComércio,eseus trabalhoseramcoordenadospormaisdoisvice-presidentesedoissecretários.Mesmoregistrandohabitualmenteapenas as normas em uso, a Comissão produziu 80relatóriosentre1918e1924e,noconjunto,30normas foram oficialmente publicadas, cobrindonovasáreas,comoaconstruçãocivilenaval. As dificuldades orçamentárias e decomunicaçãoentreassubcomissõespesaramsobreseusprimeirosanosdefuncionamento.Otrabalhodos especialistas não era remunerado e boa parte do setor privado continuava a desconfiar dasintençõesdogovernofrancês.Semmaiorapoio,aComissãofoiextintaemjunhode1924. A pressão pela retomada, dessa vez, veiodo exterior. A criação da Federação InternacionaldasAssociaçõesdeNormalização,em1926,levouas entidades setoriais do setor elétrico a se unirem acomissõessimilaresdosetorsiderúrgicoparacriarfinalmenteumaassociaçãoprivadaenãolucrativa:a Association Française de Normalisation(AFNOR). Sema presença do governo e contandocommaiorautonomia,aAFNORtransformou-seem um sucesso em curto espaço de tempo, apoiada emgrandesempresas.Ogovernofrancêsdecidiu,então, participar do esforço privado, recriandoa CPS, mas sob um novo estatuto, fixado em1930,compoderesparasancionarasdecisõesdaAFNOR,quereceberaaatribuiçãodecentralizartodooprocessodenormalizaçãonaFrança. Complicaçõesburocráticas continuaramaafetar as relações entre governo e setor privado,masacapacidadedetrabalhodaAFNORrevelou-sebemsuperior.Em1936,onúmerodenormaspublicadasestavapertode400;noiníciodadécadade1940,passavade1400(LHOSTE,1943).

Em 1938, um decreto fixou as condiçõespara a transferência de recursos governamentaispara entidades de normalização e foram criados mecanismos para iniciar o processo de normalização sempre que um tema de interesse estatal não fosse objetodeatividadedasentidadesprivadas.Noanoseguinte,aAFNOReraautorizadaaconcederamarcaNF,deconformidadeàsnormas.OgovernodeVichy,tolerado pela ocupação alemã, iniciou um processo decentralizaçãodanormalização,chamando-aparaa órbita doEstado em1941,mas o status quo foi restauradoapós1945. Nãoexiste,portanto,noconjuntodasnaçõesindustrializadas um modelo único de relacionamento entresetorprivadoeEstadoparaaelaboraçãodenormas técnicas, aindaque suahistória passeporfasessemelhantes.Omovimentopelanormalização,tal como emergiu no Reino Unido, pôde serconsiderado o fruto de uma iniciativa espontâneade engenheiros e empresas, mas logo a seguirseu sucesso passa a depender de uma articulação internacional e, em pouco tempo, o Estado lheemprestoualgumaformadechancelaoficial. Aatividadeindustrialcertamenteestánasuaraiz,masum impulsodecisivopodeserproduzidoporconflitosbélicose,naturalmente,porexigênciasinduzidaspelosgovernos.Comorevelaaexperiênciados Estados Unidos, até mesmo a mera pressãopor regulação social em uma democracia pode ser responsávelpeloavançodanormalização.Porfim,suas implicações internacionais são imediatamenteevidentes. Naverdade,bastouummínimoacúmulodenormas industriais nacionais para que se tornasse inevitávelumauniformizaçãoemescalaglobal.Oquadro de cooperação oferecido pela estrutura da IECjánãoerasuficienteeentãofoicriadaemNovaIorque,noanode1926,aInternational Federation of the National Standardizing Associations (ISA),geridaapartirdaSuíça,congregandobasicamenteospaísesdetradiçãométricadaEuropa. A experiência histórica da ISA reflete,em larga medida, o ambiente de pioneirismo e engajamento pessoal de engenheiros e

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SededaISO,emGenebra

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técnicos nas atividades de normalização18. Suamínima estrutura era gerida, na prática, por seu presidente, o engenheiro suíço Huber-Ruf, comaajudadesuafamília.Juntos,eleselaboravam,traduziam e reproduziam os documentos técnicos cuja consolidação estava a seu cargo.A eclosão da II Guerra Mundial, naturalmente,interrompeuasatividadesdaISA,masoespíritode uma colaboração internacional e a forma de organizaçãoemcomitêsdeixaramraízes.

ISO: a norma internacional no pós-Guerra Novamente, um conflito bélico e anecessidade de cooperação internacional, durante e depois do confronto no campo de batalha,criariamascondiçõesideaisparaoprogressodanormalização. No caso específico da II GuerraMundial, essas condições seriamampliadaspeladisposição dos Aliados em reconstruir a ordem política e econômica internacional emumnovopatamardecooperação. Entreoselementosdesseambientefavorávelassumiam lugar de destaque tanto a experiênciaacumulada nos esforços de mobilização das economias nacionais, como as possibilidades criadas pelareconstruçãosocialeeconômicadaEuropa: A guerra havia sublinhado a necessidade demaior normalizaçãointernacional.Deacordocomarevista Economist (edição de 3 de março de 1945), a diferençaentreasnormasbritânicaseamerica na s para roscas de parafusos havia acrescentado no mínimo25milhõesde librasaoscustosdoconflito. (MURPHYeYATES,2009,p.17,traduçãonossa).

A normalização internacional começou a ser reconstruída no United Nations Standards Coordinating Committee (UNSCC, Comitê dasNaçõesUnidasparaaCoordenaçãodeNormas).Estabelecido em 1944, com sede em Londres,poriniciativadosEstadosUnidos,Grã-BretanhaeCanadá,oComitêlogoagregariaospaísesliberadosna Europa, unindo, a partir de então, países detradiçãometrológicadiversa.Porsinal,oUNSCCcomeçouafuncionarjustamentenosescritóriosdaInternational Electrotechnical Commission (IEC)19. O passo seguinte foi a realização da conferência internacional que fixaria as bases

para a criação da International Organization for Standardization (ISO). Realizada entre 14 e 26de outubro de 1946, a conferência fez parte doamploconjuntodeiniciativasdereconstruçãodacooperação internacional, que incluía, entre outras, acriaçãodoFundoMonetárioInternacional(1944)edoBancoMundial,bemcomoaassinaturadoTratadoGeraldeTarifaseComércio(GATT).

Em decorrência da conferência de 1946,a ISA foi formalmente dissolvida, sendo entãoconstituídosaassembleiageraleoconselhoprovisóriodaISO.Aslínguasoficiaisdanovainstituiçãoseriamo francês, o inglês e o russo. Seu financiamentoseriaprovidoporcontribuiçõesnacionaisdefinidasde forma ponderada, de acordo com a população eaimportânciaeconômica.DaantigaISArestariaacidade-sede:Genebra,naSuíça.

A ISOcomeçoua funcionaroficialmentenodia23de fevereirode1947,datadaadesãodo 15º signatário do acordo, a Dinamarca. Onúmerodecomitêstécnicosfoifixadoem67,porumaconferênciaposterior, realizadaemParis, eo primeiro secretário-geral, Henry St. Leger, foieleitoemjunho20.

Além do Conselho, como órgão dirigente,haveriatambémumaconferênciaanualdosmembros.Ela seria responsável pela eleição do presidente ede dois vice-presidentes, bem como pela indicaçãodosdemais18membrosdoConselho.Estes seriamrotativos,masdemodoquesempreumdosgrandesorganismos nacionais de normalização nele tivesseassento. O Conselho indicava ainda um tesoureiroeumsecretário-geral,queéoverdadeirogerentedaorganização.Haveriaváriosgruposecomitêsad hoc de assessoramentotécnico,alémdecomitêspermanentesde finanças e estratégia. A agenda de trabalhos,contudo, seria definida por um Comitê de GestãoTécnica (Technical Management Board,TMB).

Em seus primeiros anos de existência,a ISO limitou-se a cumprir seu espírito original,editando Recomendações que representavamapenas a consolidação, no plano internacional, de normas elaboradas no plano nacional. Oentendimento tácito era de que apenas depois de tal

18 O livro “Friendship among equals”, disponível para consulta no site da ISO, descreve os primeiros anos de funcionamento da organização, fazendo uso extensivo de entrevistas com dirigentes e técnicos.19 Há um nome por trás de todas essas iniciativas, o do engenheiro inglês Charles Le Maistre. Envolvido com a IEC desde 1907, ele também teve papel importante na conferência de Nova Iorque, em 1926, que levou à criação da ISA e assumiu a secretaria-geral da UNSCC. (MURPHY e YATES, 2009, p. 16).20 A definição do relatório do comitê de seleção é curiosa: “Henry St. Leger é um norte-americano com muitas conexões francesas, ampla experiência diplomática e um perfeito conhecimento do inglês e francês”. (Id., Ibid., p. 25).

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consolidaçãoseriabuscadaumainfluênciamaiorsobre as entidades nacionais de normalização.A receptividade do setor privado também nãoera muito elevada e, quando a ISO completousua primeira década de existência, somente 57Recomendaçõeshaviamsidopublicadas. Naverdade,areconstruçãodaseconomiaseuropeias gerou menos demanda por normalização doqueoprevisto.Nesseponto,avariável-chavepara a mudança do cenário foi o comércio internacional. Quando suas taxas de expansãomudaramdepatamar,otrabalhodaorganizaçãotevedemudardeescala.Enquantonosanos1950apenas uma centena de Recomendações seriapublicada, a década seguinte produziria cerca de 1.400documentostécnicos,sendomarcadapelocrescimentodeorçamentosepessoaldaISO. Questões pessoais também tiveram seupapelnessesprimeirosanos.HenrySt.LegernãoeraumapersonalidadefácilenãomantinhaboasrelaçõescomadireçãodaIEC.Emváriossentidos,suasaídadasecretaria-geral,em1965,marcariaopontodepartidarealdaISO.OprimeirosucessordeSt.Leger,Sharpston,umengenheirobritânicocomcarreiraemfirmasdeseupaís instaladasnoBrasil, permaneceu apenas dois anos no cargo.Apenas a indicação do norueguês Ollen Sturenabririafinalmenteocaminhoparanovostemposnaorganização.AISO,então,abandonariaapequenacasadecampoondefuncionavaparaocuparumandarinteirodeumedifícioemGenebra. Não demorou muito até que a demandamaior por Normas Internacionaissetransformasse em problemas organizacionais.Várias propostas de mudança nos estatutos eprocedimentos emergiram a partir da Assembleia Geral de 1964, e um comitê de organização,criado em 1966 pela direção geral, afinal deuinício ao processo de reforma. As propostasforamlevadasaoConselhodaISOem1968e,em junhodomesmoano,umnovoSecretário-Geralfoiindicado,osuecoOllenSturen21. É assim que Murphy e Yates dividema história da ISO. No primeiro período, que

se estende da fundação, em 1947, até 1964, aatividadedenormalizaçãoesteveconcentradaemalgunspoucospaísesdesenvolvidos,enquantoaISOacumulavaexperiênciaecapacidadetécnica.AsegundafasetrouxeamarcadagestãoStureneseestendeuaté1986.FoinesseperíodoqueaISOsetornourealmenteumainstituiçãodecisivaparaaregulaçãodosmercadosmundiais.De1987emdiante,aorganizaçãopassouaenfrentarodesafiopolítico e técnico de expandir constantemente oescopo de suas atividades (MURPHY eYATES,2009,p.18-23). Com Sturen na secretaria-geral, aprimeira tarefa a ser cumprida foi restabelecer as conexões com as demais organizaçõesinternacionais que compunham o sistemadas Nações Unidas. Em vários campos, comoalimentos ou pesquisa científica, essa conexãoeranecessária.Completadoesseprimeiroesforçodiplomático,oobjetivoeraampliaraparticipaçãodospaísesnostrabalhosdaorganização.Anovadireçãopassouaviajarmais,visitandoaÁsiaeaAméricaebuscandoreduzirapreponderânciaeuropeianaISO.Paraestimularoprocessodeadesão,umprogramaespecíficodeajudaparapaísesemdesenvolvimentofoicriado. A decisão mais importante, porém, viria em 1971, com a mudança de definiçãodos documentos elaborados pela ISO. Com aexpansãodocomércio internacional,asempresasmultinacionais, os organismos nacionais de normalização e as autoridades governamentaispediam regras realmente efetivas, e o trabalhotécnicoda instituiçãodeixoude serpublicadonoformato de meras Recomendações, passandoa assumir o formato de Normas Internacionais(International Standards)(Id.,Ibid.,p.60). Oficialmente, a edição de umaNormaInternacional começa por uma decisão do Technical Management Board, que detém a autoridade para instituirumComitêTécnico(Technical Committee, TC),comumadenominaçãoprópriaeumprogramade trabalho. Seguia-se, assim, o procedimentoadotado pelas entidades nacionais de normalização,

21 Sturen foi diretor do Instituto de Normalização da Suécia a partir de 1957 e secretário-geral da ISO entre 1967 e 1986. Para quem gosta de comparações com a situação do Brasil, ao assumir o posto, Sturen descobriu que a Secretaria-Geral sequer tinha recursos para pagar salários, inclusive o dele.

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e o mais antigo deles, o TC 1, sobre roscas de parafusos, incorporou estudos conduzidos antes mesmodaexistênciadaISO. Hoje,seucomitêmaisativo,oJTC1,sobretecnologiadeinformação,trabalhaemconjuntocomaIECejápublicoumaisdeduasmilnormas(MURPHYeYATES,2009,p.29-30).DeacordocomasregrasdaISO,énecessáriooapoiodecincopaísesmembrosparaaoficializaçãodoestudodeumanovanorma. Tomada esta decisão, deve ser formadoumGrupodeTrabalho,noâmbitodeumcomitêoudeumsubcomitê,comaresponsabilidadepelaelaboração de um documento inicial, o Working Draft. A partir desse material, a tarefa é transferida aoComitêTécnico,queconduzaconsultaaocorpodepaísesmembros,ofereceumnovodocumentotécnico (o Commitee Draft)eprovidenciaoregistrodavotação.AofimdesseprocessoéentãopublicadaumanovaNormaInternacional. O procedimento parece simples, mas, no contexto emqueopera,marcadopelacompetiçãoeconômica entre empresas e países, sua aceitação e eficáciasãonotáveis. O consenso necessário para a criação de umaNormaInternacionalpodeserdefinido,deformaampla,comoaconcordância“dosqueseimportamcom uma decisão, apoiada pela apatia dos que não se importam” (Id., Ibid., p. 30) e permite umbalanço sutilqueevita tantoasdistorçõesda regrada maioria, como as possibilidades de veto queseriamcriadasporumaexigênciadeunanimidade.Concretamente, dois terços dos membros de umcomitêprecisamaprovaranovanormaeaomenosumquartonãodeveseopor.Amaiorpartedotrabalhoéfinanciadapelasempresasinteressadasepelasassociaçõesnacionais;a imensamaioriadopessoalespecializadoqueseencarregadasdiscussõesedaelaboraçãodasnormastambéméprovidaporelas. O modelo consensual de elaboração das Normas Internacionais funciona, em primeirolugar, pelo tipo de pressão criada sobre empresas e organizações nacionais: a existência de algumanorma é sempremelhor que a ausência denormasou de umanormaparticular, que não disponha doconsenso dos atores relevantes. Em segundo lugar,

porque os organismos nacionais de normalização e, emdecorrência,a ISO, terminamservindodepontodeencontroparaaspessoascapazesdeconvencerosatoresrelevantes–governoseempresas-dequealgumanormaénecessáriaequeeladeveserestabelecidaporconsenso.Nesseplano,trata-sedeumlegítimocasodeexercíciodeliderança(CALVERT,1992). As transformações impostaspelamudançadepatamardasatividadesdaISOeramvisíveisparainúmeros engenheiros brasileiros, que percorriama Europa em visitas técnicas a laboratórios einstituições de pesquisa. O Dr. Alberto Pereirade Castro, no curso de uma dessas viagens,organizadapelaOrganizaçãodasNaçõesUnidasparaoDesenvolvimento Industrial (United Nations Industrial Development Organization, UNIDO),em 1971, compareceu à reunião do Conselhoda ISO no final de setembro, na condição derepresentantedaABNT(CASTRO,1971). Emseurelatório,apresentadoaoInstitutodePesquisasTecnológicas(IPT),PereiradeCastroinformava, em primeiro lugar, sobre o início dapublicaçãodasNormasInternacionaisenãomaisdemerasRecomendações.Anotava,emseguida,o interesse que os países europeus (França, Grã-Bretanha, Alemanha e Suécia) demonstravampelotemaporcontadasimplificaçãodaexportaçãode produtos industriais, da iminente ampliação do Mercado Comum, das pressões criadas pelasinstituições internacionais responsáveis pelaliberalização do comércio e, naturalmente, pela crescente preocupação com o efeito econômico das chamadasbarreirastécnicas. Castro registrou ainda a clara manifestação da influênciadasnaçõesdesenvolvidas:apenascincopaíses (Grã-Bretanha, França, Estados Unidos, AlemanhaeSuécia) controlavama secretaria executivadedoisterçosdoscomitês técnicos,umcenárioquemereciaatençãodoBrasil, diantedametada ISOdepassarde4mil a12milNormas Internacionais.PereiradeCastroapresentouumalistadosComitêsTécnicosquepoderiamafetardiretamenteasexportaçõesbrasileiras. AmelhorrazãoparapromoveraparticipaçãodoBrasilnanormalizaçãointernacionalvinhadescritacomimensaclareza:

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Porque a norma técnica é uma das maneiras mais eficientes de transferência de tecnologia.Enão só a norma, como todo o custoso trabalho de coleta de elementos e de justificativas necessáriasparaatingi-la.(CASTRO,1971,p.21).

Alémdesseganhoimportanteeimediato,a normalização internacional oferecia também, paraospaísesemdesenvolvimento,umcaminhomais curto para organizar sua própria estruturade normas (de empresas, nacionais, regionais e internacionais): Este problema é particularmente grave para os países em desenvolvimento porque, para eles, dificilmenteaelaboraçãodenormassefaráemuma velocidadeigualàdasnormasinternacionais,istoé, as normas nacionais não funcionarão como precursorasnasnegociaçõesparaoestabelecimento das normas internacionais. Será, portanto, necessáriodefinir,comopartedapolítica industrial de cada um desses países, o que se espera alcançar com uma norma nacional própria: se uma complementação às normas internacionais, no sentido da normalização de produtos ou classes deprodutosdeusorestritonomercadointerno;se umasuplementaçãoàsmesmasnormasinternacionais visando melhor aplicação interna; ou, mesmo, se um certo grau de protecionismo comrelaçãoaprodutoslocais.(Id.,Ibid.,p.22).

Porfim,haviaaquestão,consideradademédioprazo,relativaàconexãoentreasnormaseaqualidade. Em qualquer caso, Pereira de Castroalertava que a ISOera a primeira a recomendarumamelhorarticulaçãoentregovernoseentidadesnacionais de normalização. Nos países emdesenvolvimento, esse imperativoeraaindamaisurgente,pois cabiaaoEstadoa responsabilidadepelapolíticaindustrial,pelapolíticadeexportaçãoe também pela legislação sobre a qualidade dos produtos.Porfim: O aparecimento das normas internacionais, elaboradas longe do país, está criando a necessidade de outros mecanismos de vigilância para que o país seja alertado a tempo, antes que se estabeleça uma norma contrária aos seus interesses.(Id.,Ibid.,p.22).

No mundo real, o elenco de fatores que presidemaelaboraçãodeumaNormaInternacional

jáseestendeparaalémdalistadePereiradeCastro.Nenhuma norma é proposta sem o apoio ou aconcordânciadeinteressespolíticoseeconômicosbem definidos, quase sempre localizados nomundodesenvolvido.Alémdisso,qualquernormaprecisa demonstrar tecnicamente sua relevânciaeconômica, social ou mesmo ambiental e, nesses campos,dificilmenteasescolhassãoneutras. Ainfluênciatécnicaeeconômicadasnaçõesdesenvolvidas sofre, por sua vez, o contrapesonaturaldosvotosdasnaçõesemdesenvolvimento,enenhumaNorma Internacionaléviável semaomenos uma discussão ampla de todos os pontos devista.Éevidente,contudo,queessadiscussãoserá conduzidaem tornodeparâmetros técnicos,easnaçõesemdesenvolvimento,paraconquistarinfluênciareal,precisamsehabilitarparatanto. As implicaçõespolíticasdaelaboraçãodeNormas Internacionais também são ampliadaspelosnovoscamposdeatuaçãodaISO. Na década de 1970, teve início apreocupação com normas ambientais e foram criados dois Comitês Técnicos específicos –Qualidade do Ar e Qualidade da Água –, logoseguidos pelo Comitê de Energia Solar (1980).NormasInternacionaisparaocontroledaqualidadecomeçaramaserdiscutidasnoanode1978,eumComitêsobregestãodaqualidadefoiincorporadoàestruturadaISO. De todo modo, os problemas de ação coletiva para a produção de normas em escalainternacional foram resolvidos pelo equilíbrioentre interesses econômicos e uma ampla base depaísesmembros.Estabelecidaessaequação,aescolhadomelhorformatoorganizacionaldaISOnãochegavaarepresentarumdesafio.Aatividadedenormalizaçãonãoexigiaoscaroslaboratóriosda pesquisa científica básica, característicosdas instituições metrológicas, nem extensasburocracias, como as organizações de naturezaeconômica,comooFMIouoBancoMundial. Na prática, continuava sendo umfórum de intercâmbio de informações técnicas,administrado por uma secretaria executiva.

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Jamais envolveu custos ponderáveis para seusassociados. A continuidade de sua operaçãorequeriaapenascondiçõespolíticaseeconômicasfavoráveis, como a ausência de conflitos maisgravesentreasgrandespotênciaseocrescimentoconstantedocomércio internacional.Apartirdecerto momento, a demanda por normalização foi quase automática, um reflexo da complexidadedasrelaçõeseconômicasentreasnações. Sucesso, contudo, gera sucesso, e oproblemadeaçãocoletivanaelaboraçãodeNormas

Internacionaiscomeçouaviverumatransformaçãorelevante.Quando todospercebiamasvantagenseconômicasdanormalização,empresasegovernosnão precisavam mais ser induzidos a participar,masnasciao riscodequeoavançodoprocessode normalização produzisse benefícios desiguais paraasnaçõesoudeque seu formatonão fosseo mais adequado para um ambiente de mudança tecnológica acelerada. No início da década de1980,ojogodaNormaInternacionalencontrava-senessepatamar.

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ReuniãodefundaçãodaABNT,noInstitutoNacionaldeTecnologia

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Odesenvolvimentodotransporteferroviário no Brasil havia criado ao menos ascondições para que a normalização seguisse umpadrãosimilaraoinglês:umesforçodeuniformizaçãodo material siderúrgico usado em locomotivas,vagões e pontes. Uma trajetória que poderia serreforçadaporummaiorempenhodogovernooudo setorprivadonaproduçãodomésticade ferroeaço.Nadadissoocorreu.Nasprimeirasdécadasdo século XX, a civilização do concreto armado,daestradade rodagemedoautomóvel capturoua imaginação de governantes, empresários eengenheiros.Outrocaminhoseriatraçado. No Brasil, a criação de uma organização nacional de normalização terminou ligada ao desenvolvimentodaconstruçãocivileaumdomíniotécnicobemespecífico-ousodoconcretoarmado.Demaneiraatésurpreendente,osengenheiroscivisbrasileirostiveramcondiçõesdeavançardemodopioneiro em termos mundiais e puderam perceber, de forma imediata e relativamente autônoma, asnecessidadeseopotencialdanormalização.

Concreto e norma técnica Emtermoscronológicos,a tecnologiadoconcreto armado é relativamente posterior aousodoferroedoaçoemgrandesconstruções.Aprimeira patente relacionada ao uso do concreto armadofoiconcedidaem1867aofrancêsJosephMonier(1823-1906),sendo,assim,tardiaquandocomparada a outras técnicas de construção de maiorescala.Este,porsinal,nemeraseuobjetivoinicial. O concreto armado foi empregado

originalmente na construção de reservatórios deáguaepassoupormaiordesenvolvimentoapenasnosanosfinaisdoséculoXIX. Seu emprego generalizado enfrentavaobstáculosponderáveis.Tratava-sedeummaterialcompostoehaviapoucosestudoscientíficossobreseu comportamento físico-químico. Seu uso naconstrução de pontes ou prédios permaneceu dependentedaexperiênciapessoaldeengenheirose mestres de obras por bastante tempo, e apenas em meados da década de 1890 essa situação começou a ser corrigida, como resultado de pesquisaexperimental(KIRBY,1990,p.476-477).FoinosEstadosUnidosqueaspontesdeconcreto,pelaprimeiravez,deixaramseuusoornamental,comonosparquesdeSãoFrancisco,parasuportartráfegopesadoemzonasindustriais. Dopontodevistabrasileiro,oempregodoconcretoarmadotinhagrandeatraçãoeconômica:ele reduzia o uso de materiais siderúrgicos na construção em um país que mal produzia ferro ou aço.Emtermosacadêmicos,aengenharianacionaltinhaligaçõesmaisdensascomaEuropa,ondeatecnologiadoconcretoarmadodesenvolvia-secommais rapidez. Por fim, a experimentação com oconcretorevelou,desdesuaorigem,aimportânciadas condições ambientais e da natureza dosmateriais empregados. Nas condições tropicaisbrasileiras,essarealidadecriavaexigênciasnovasparaosmeiostécnicos. Assim,foipossível,noCapítulo2,descrevercomo o uso crescente do concreto armado no Brasilconduziudiretamenteàcriação,em1926,do

A criação da ABNT

Capítulo 4

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OsdelegadosdeMatoGrosso,BahiaeMinasGeraisforamaoRiodeJaneiroparaaprovarapropostadecriaçãodeumaEntidadeNacionaldeNormalização

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GabinetedeEnsaiodeMateriaisdaEscolaPolitécnica deSãoPaulo.Destepontoemdiante,éahistóriadoGabinete,sobadireçãodoengenheiroAryFredericoTorres,queconduziráàcriaçãodaABNT. O primeiro propósito do laboratório foiocupar-se dos ensaios de materiais requeridos pela tecnologiadoconcretoarmado,masseustrabalhosdepesquisalogodemandariamotratamentocientíficodamedidaeacriaçãodepadrõesparaosmaisvariadostiposdematerialdeconstrução.OGabineteestánaorigem, portanto, não apenas da normalização, mas damodernametrologiabrasileira. A biografia do engenheiro Ary Torres,por sinal, reflete de forma exemplar as variadasconexõesentreapesquisatecnológica,aatividadeempresarialeanormalizaçãobrasileira. Ary Torres nasceu em Porto Alegre, em1º de outubro de 1900, e começou sua vidaescolar no Ginásio Júlio de Castilhos, naquelacidade. Em 1914, mudou-se para São Paulo,onde completou seus estudos no Colégio Anglo-Brasileiro,em1917,e formou-seemengenhariacivilpelaEscolaPolitécnicadaatualUniversidadedeSãoPaulo(USP),em1923,semprepremiadopordesempenhoescolar. A promoção da excelência pela EscolaPolitécnica envolvia a previsão de estudos noexteriore,entreosprêmiosrecebidosporTorres,houveumaviagemàEuropa, iniciadaem1925,para realizar um extenso programa de visitas alaboratórios de pesquisa na França, Alemanha,Áustria,Itália,BélgicaeSuíça.EmZurique,TorreschegouatrabalharcomoassistentenoLaboratórioFederaldeEnsaiodeMateriais. Foiorelatóriodessaviagem,apresentadoaoConselhodaEscolaPolitécnicadeSãoPaulo,quelevouàcriaçãodoGabinetedeResistênciaeEnsaios,doqualTorressetornoudiretor.Noanoseguinte,pordeterminaçãodogovernodoestadodeSãoPaulo, viajouàEuropaparaadquirir osequipamentosdofuturoLaboratóriodeEnsaiodeMateriais(LEM)daPolitécnica22. Neste ponto, contudo, a transformação econômica vivida pela sociedade brasileira

coincidiucomsuatransformaçãopolítica.Ocursonormal da sucessão presidencial de 1929 foi interrompido pela Revolução de 1930, e o novoregimeadotouumavisãocompletamentediferentedopapeldoEstadonapromoçãodocrescimentoeconômico e, por consequência, na produção edifusão do conhecimento científico. O estado deSãoPaulo,queassumiraadianteiranapromoçãododesenvolvimento tecnológicoem favorde suabase industrial, teria um competidor de peso no governofederal.Aconturbadarelaçãopolíticaentreo estado e a União ao longo da década de 1930 teria seu paralelo no âmbito das políticas oficiaispara a tecnologia, mas Ary Torres gradualmenteocupariaoespaçodeconciliaçãopossível. Assim, se o estado de São Paulo, pormeio da Escola Politécnica, havia começadoseu envolvimento com a normalização comouma resposta aos desafios da construção civil,o governo federal iniciava seu movimentopelo campo da reforma administrativa. Poucassemanas após a chegada de Getúlio Vargas aopoder, foi publicado o Decreto nº 19.512, de20 de dezembro de 1930, dispondo sobre uma comissão responsável pelos padrões e normas aserem adotados pelos fornecedores de produtos e serviçosnecessáriosaogovernofederal.Aindaemjaneirode1931,umasériedetextoslegaisdariaforma a uma Comissão Central de Compras, que deveriacentralizarascomprasdogovernoeimportaisnormasepadrões.(WAHRLICH,1983). A origem dessas ideias estava,naturalmente, nos esforços de reforma e modernizaçãodaadministraçãopúblicanosEstadosUnidos,ochamado“movimentopelaeficiência”,liderado pelo engenheiroHerbertHoover (1874-1964). Secretário do Comércio em duas gestõespresidenciais (1921-1928) e eleito presidente dos EstadosUnidosem1929,Hooversustentavaquegovernoesociedadesdeveriamseraperfeiçoadosporsoluçõestécnicas,queeliminariamdesperdíciose gerariam mais riquezas. Hoover patrocinou acriaçãodeescolasdenegócioseadministraçãoeeratambémumentusiastadanormalização.

22 De acordo com o Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro, no início da década de 1930, Ary Torres viveu períodos de atividade na iniciativa privada, no Rio Grande do Sul, mas retornou ao Laboratório para presidir sua transformação no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT).

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Naturalmente,nãoeraumaquestãotriviallevaràfrente,noBrasil,umconjuntodeaçõesqueexigiramais de uma década nos Estados Unidos pararegistrarprogressosrelevantes(BERLINCK,1938).Comooutras iniciativasdamesmanaturezanosprimeiros anos do governo Vargas, a ComissãoCentraldeComprasnãofuncionou. Extenso e ambicioso, o regulamento dacomissão exigiria para sua execução um vastocorpo de funcionários e especialistas, capazes de articularotrabalhodeelaborarnormasetambémo de harmonizá-las com a legislação nacional.“Por isso mesmo, por ser perfeito demais esseprograma, não foi nem atacado. A comissãonasceumorta.”(WAHRLICH,1983,p.51). Nesse relativovácuo,aconciliaçãoentrearealidadedapesquisatecnológicajáconduzidapelas instituições de ensino superior em SãoPaulocomoaparatoemprocessodecriaçãopelogoverno federaldaria,contudo,umnovopasso.O engenheiro Ary Torres seria novamente umafigura-chave. O governo federal moveu a primeirapeça com o Decreto de criação do Instituto deTecnologia, de 24 de maio de 1933, e com a edição da legislação complementar no ano seguinte23.Voltavam à tona os planos de racionalização daadministração pública, incluindo uma comissão de compraslimitadaaomaterialparaescritórios,mascomumaseçãotécnicadotadadeumlaboratóriodeensaios.Doisanosmaistarde,oDecretonº562,de 31 de dezembro de 1935, dispôs sobre umaComissão Permanente de Padronização, com aatribuição oficial de determinar todos os tipos dematerialusadosnosórgãospúblicos. Instaladaemmarçode1936,aComissãode cinco membros seria encarregada de incluir asvantagensdapadronizaçãoentreosprincípiosde uma organização racional da administração pública.Parachefiá-lafoiindicadooengenheiroJoãoCarlosVitale,entreseusmembros,estavamAbadieFariaRosa,AlbertoRibeirodeCerqueiraLima,umengenheirodoMinistériodaAgricultura,Viterbo de Carvalho, diretor da Imprensa

Nacional,eRafaelXavier,advogadoeestatísticodoMinistériodaAgricultura. A primeira preocupação da Comissão não foi, curiosamente, um produto industrial ou material de construção, mas o material impresso emusopelaprópriaadministraçãopública.Apósosestudosnecessários,oconhecidotamanhoalmaçofoifixadocomoformatofundamentaldomaterialde expediente. “Os envelopes, a timbragem e aqualidadedopapeltambémforamexaminadosepadronizados, de acordo com as disponibilidades domercadobrasileiro.”(VITAL,1938,p.39-42). AComissão,contudo,nãotevetempodeestender-se por outros campos, sendo superada por outra iniciativa demaior fôlego do governoVargas em matéria de reforma administrativa.Suasfunçõesforamabsorvidas,emjulhode1938,pelacriaçãodoDepartamentoAdministrativodoServiçoPúblico(DASP). O governo do estado de São Pauloacompanhou esses movimentos. Em respostaà criação do Instituto Nacional de Tecnologia(INT), ele transforma, em 1934, o LaboratóriodeEnsaiosdeMateriaisemInstitutodePesquisasTecnológicas(IPT),cujoprimeiropresidenteseráprecisamenteoengenheiroAryTorres. Enquantoogoverno federalnormalizavaseumaterialdeexpediente,aconexãodoIPTcomomundodoconcretoarmadonoBrasilampliava-se. Torres é também o primeiro presidente daAssociaçãoBrasileiradeCimentoPortland(ABCP),com sede no Rio de Janeiro, uma organizaçãoprivadacriadaem1936paraoestudodocimentoedesuasaplicações. AsrelaçõesdeTorrescomomundopolíticotambém se aprofundam: após a decretação doEstadoNovo,em1937,énomeadosecretáriodeViaçãoeObrasPúblicasdoEstadodeSãoPaulopelo interventor JoséJoaquimCardosodeMeloNeto(1937-1938). Elenãoficanisso:apósdeixarogovernoestadual, Torres retorna à direção da AssociaçãoBrasileira de Cimento Portland e assume umaposiçãode liderançadaprofissãodeengenheiro,

23 O Decreto nº 24.277, de 22 de maio de 1934, deu a nova denominação de Instituto Nacional de Tecnologia.

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sendo eleito primeiro secretário da Federação Brasileira de Engenheiros. Nessa condição, édesignado membro da Comissão Organizadora do Comitê Sul-Americano de Normas Técnicas.No espaço de poucos anos, Ary Torres passoua ocupar, então, todos os postos relevantes paracomandar o início do processo de normalização no Brasil.Aideia,comovimos,estavanoare,apartirdesseponto,osfatossãoconhecidos.

A ABNT A existência de normas e especificaçõesvariadas para o uso do concreto armado haviasido detectada pela Associação Brasileira de CimentoPortlandeprovocavadiscrepânciasnosensaioslevadosacabonoslaboratóriosnacionais(Histórico ABNT. Rio de Janeiro, 2006, p. 18),masnãobastavaamanifestaçãodanecessidadetécnica. Era preciso um movimento capaz derompera inérciae levarà frenteacoordenaçãodetodososinteresses.Nesteponto,surgiaoutrogrande personagem da normalização brasileira, oengenheiroPauloAcciolydeSá, jádiretordoLaboratóriodeEnsaiosdeMateriaisdo InstitutoNacionaldeTecnologia(INT). Em setembro de 1937, Paulo Sá toma ainiciativadeconvidarengenheirosetécnicosparaparticiparda1ªReuniãodeLaboratóriosdeEnsaiosdeMateriais,queseriacoordenadaporPauloSáe,naturalmente,porAryTorres.Tratava-se,contudo,de uma mera aposta e as centenas de convitesenviadosrevelavaaincertezaquantoaosucessodoempreendimento24.Nodiamarcado,cercade40especialistascompareceramàreuniãoe foientãoformulada a primeira proposta de constituição de umaEntidadeNacionaldeNormalização. As discussões prosseguiram,mas apenasna 2ª Reunião de Laboratórios de Ensaios,realizada em São Paulo, em abril de 1939, foiestabelecido o consenso em torno da criação de uma entidade permanente de normalização. Oformatofinalfoidecididoem28desetembrode1940, durante a sessão solene inaugural da 3ª ReuniãodeLaboratóriosNacionaisdeEnsaiosde

Materiais,jápresididapelolegítimorepresentantedo governo federal, o professor Ernesto Lopesda Fonseca Costa25,diretordo INT.Nos termosda célebre ata, seria então fundada a Associação BrasileiradeNormasTécnicas(ABNT). O evento teve lugar na sede do InstitutoNacionaldeTecnologia,naAvenidaVenezuela,nº82,noRiodeJaneiro.SeuprimeiropresidentefoioengenheiroAryTorres,queocupariaestaposiçãopormaisdeumadécada,até195326. OseventosquelevaramàcriaçãodaABNTsão objeto de uma reconstituição de cunho bempessoal,feitapeloDr.AlbertoPereiradeCastro(1915-2010),superintendenteporquase20anosdoInstitutode Pesquisas Tecnológicas (IPT). Trata-se de umapalestra comemorativa dos 30 anos da associação,mais tarde publicada em forma de artigo27. ParaPereiradeCastro(1971),suaprimeiraorigem estaria exposta no Boletim do Instituto deEngenharianº43,dedezembrode1928,quandoAryTorres,nacondiçãodediretordoLaboratóriode Ensaio de Materiais da Escola Politécnica,pedia a participação dos laboratórios tecnológicosno aperfeiçoamento dos chamados cadernos deespecificaçõesdemateriaisdeconstrução. As observações de Ary Torres no Boletimpermitem, na verdade, reviver as práticas daengenharia civil nas primeiras décadas do séculoXX.Asconcorrênciasparaasobrascivis,públicaseprivadas,porexemplo,sempretraziamaespecificaçãode que os materiais empregados seriam de primeira qualidade,umaafirmaçãoqueeleconsideravavazianaausênciadetestesdelaboratório.Apenasensaiosadequados poderiam fixar as características dosmateriais:“nãoétrabalhoquesepossaexecutaremumescritório,copiandoespecificaçõesestrangeiras”(CASTRO,1971). Em trecho particularmente incisivo,Torres lembra que tais especificações obedecemaparticularidadeshistóricasdecadapaís,refletemsuastradiçõestécnicase“escondemfrequentemente uma política comercial, tendente a eliminar produtos estrangeiros” (Id., Ibid.). O programa de açõessugerido para o Brasil se dividia em três partes:

24 Segundo o Boletim da ABNT de setembro de 2010, Volume 8, nº 97, p. 4, apenas quatro convidados teriam confirmado presença.25 A ata da sessão que aprovou os estatutos da ABNT menciona a presença, além de Fonseca Costa, de Paulo Sá, João Carlos Vital, Lelis Espartel, Francisco de Assis Basílio, Antônio Russel Raposo de Almeida e, na condição de relator geral, Maurício Joppert da Silva.26 Torres teve posteriormente uma longa carreira no mundo empresarial e na administração pública, tendo sido, inclusive, o primeiro presidente do BNDES, em 1952. Faleceu em 1973.27 O trabalho de Alberto Pereira de Castro foi publicado pelo IPT, em 1972, e mais tarde, em 1973, também foi publicado na Revista Brasileira de Tecnologia, Volume 4.

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AtadaSessãodefundaçãodaABNT

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(a) uma assimilação refletida dos procedimentosadotados no exterior; (b) ensaios repetidos dosmateriaisdisponíveisnomercado interno; (c)umprojetodeespecificaçãocuja redaçãodeveria serentregueaumaSociedadedeEnsaiodeMateriais. Esse procedimento, segundo Pereira deCastro, se tornou uma rotina no relacionamento entreoIPTeosgovernosestadualemunicipaldeSão Paulo. Torres entendia, contudo, que havianecessidade de uma coordenação nacional, e essa recomendação seria apresentada, em 1933, àdireçãodoslaboratóriosdeensaiosentãoexistentesnopaís,aindadeformaparticular. Deveriam ser realizadas reuniões anuaiscomumapautadediscussõesfixadaemfunçãodasnecessidadescorrentesedospontosdeconcordânciaformados pelo debate entre especialistas. Anormalização dos métodos de experimentaçãodeveriareduziradispersãodeesforçosepromoveraespecializaçãodoslaboratórios: Nessas reuniões periódicas, penso, devem tomar

parte não somente homens de laboratório, mas

tambémosrepresentantesdasrepartiçõestécnicas,

das estradas de ferro, das indústrias e outros

interessados”.(CASTRO,1971,p.4).

A sistematização desse trabalho deveriaestar a cargo de uma organização permanente e Torres sugeriu a constituição de uma Associação NacionalparaoEstudodosMateriais. De todo modo, mesmo depois da criação da entidade de normalização nacional, no formato deumaassociação,aABNTcontinuariaapromoverreuniõesanuaisdelaboratóriosdeensaios,deixandoclaraa suaorigem.O IPT tambémsó suspendeuseus trabalhos de normalização quando a ABNTganhoumaior impulso.PereiradeCastroobservaque “muitas dessas especificações e métodos deensaio regionais desenvolvidos pelo IPT serviramdebaseanormasdaABNT”.(Id.,Ibid.,p.5). É o caso justamente daquelas que são consideradas as primeiras Normas Técnicas Brasileiras:aNB-1–Cálculo e Execução de Obras de Concreto - e a MB-1 – Cimento Portland –

Determinação da Resistência à Compressão. Osdois documentos já vinham sendo utilizados pelaengenharia nacional, tendo sido elaborados aindano final dos anos 1930. O prestígio internacionalalcançadopelaNB-1seriaorgulhosamenteregistradopelos Boletins da ABNT nos anos seguintes (Boletim ABNT,setembrode2010,V.8,nº97,p.11). A aposta dos engenheiros brasileiros nodesenvolvimento da normalização em plena IIGuerraMundialeramuitosignificativa:umclarosinal da maturidade técnica de certos ramos da engenharianacionaledointeressedosgestoresdoEstadonamodernizaçãodaadministraçãopública.Nascircunstânciasdaépoca,contudo,continuavasendoapenasumaaposta: a economiamundialviviasobosrigoresdaguerra28 e a industrialização dopaísdavaseusprimeirospassos.Osengenheirosbrasileiros,naverdade,aindabuscavamresponder,damelhorformapossível,aodesenvolvimentodanormalização nas décadas de 1920 e 1930 nos paísesdaEuropaenosEstadosUnidos. Por sinal, quando se examina, naquelemesmo momento, a vertente menor da origemda normalização brasileira, que foi o esforço de modernização da administração pública sob Vargas, as dificuldades já antecipam um temafuturo:ousodascomprasdosgovernosedesuasempresas como estímulo para a normalização de produtoseparaodesenvolvimentodelaboratóriosdeensaios.AsseguidastentativasdemobilizaropoderdoEstadoparapromoverauniformizaçãodeprodutosentre1930e1945apenasconfirmamarepetiçãodeseusfracassos. Assim, em 1940, a Comissão Central de Compras foi transformada em Departamento Federal de Compras, com a responsabilidade de articular-se com serviços ou divisões de materialcriadosemtodososórgãosimportantesdogoverno.Oobjetivoeraodesempre:“reformarossistemasdecompras, capturados por determinados fornecedores ou desmoralizados pelos pedidos com urgência,quedispensavamsuasregras”(WAHRLICH,1983,p. 382-383). O Instituto Nacional de Tecnologiae os demais laboratórios de ensaio e análise do

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28 Em discurso, em setembro de 1940, na cerimônia de criação da ABNT, o Dr. Saturnino de Brito Filho, membro da Federação Brasileira de Engenheiros, destacava a importância da uniformização das normas em todo o mundo, afirmando que “da uniformização de métodos, do intercâmbio cultural e comercial advirão muitos benefícios para o nosso País”, exatamente quando a ordem mundial naufragava no caos da guerra e do comércio controlado por razões estratégicas.

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governoseguiamcomocolaboradoresdosistema,responsáveis pela verificação da qualidade dosmateriais e da obediência às especificações. ADivisão de Material do DASP devia fixar taisnormas,apartirdeestudosdoINT. O estado de guerra e as limitações para aimportação de vários materiais também levavamo governo federal a testar novosmecanismos. Em1943 foicriadoumConselhodeAdministraçãodoMaterial,noâmbitodoDASP,comomesmoobjetivode coordenar os órgãos de compra do ServiçoPúblico.Entreseus12membros,figuravaumúnicorepresentantedeumaentidadeprivada:aAssociaçãoBrasileira de Normas Técnicas. Era a estreia daorganização no processo de colaboração com o governo federal.Com reuniões quinzenais, o novoConselho“vematuandonosentidode removerosobstáculosqueimpedemofuncionamentoharmônicodosistemadomaterial.”(DASP,Relatório,1943). Naqueles primeiros anos da década de 1940,atémesmoumaaproximaçãocomosetorprivado foi buscada. Em 1942, o engenheiroEudoroBerlinckrecebiaamissãodedesenvolverum núcleo de normalização em São Paulo,certamentecontandocomaeficáciadesuaposiçãodeChefeNacionaldeComprasdoDASP. O fim da II Guerra Mundial e aredemocratização do país não contribuíram, contudo, paraodesenvolvimentodanormalizaçãobrasileira.A retomada do processo eleitoral certamente foi umavançopolíticoparaopaís,masas realidadesdo sistema partidário tiveram impacto negativoimediatosobreaprofissionalizaçãoeamodernizaçãoda administração pública. Os ministérios voltarama ser domínios exclusivos de partidos e liderançaspolíticas.DesapareceuacapacidadedecoordenaçãodoDASPeascomprasdoEstadovoltaramaoseuestadocaóticodesempre.

As primeiras décadas O fim das restrições criadas pela guerraabriunovoshorizontesemtermosdecrescimentoe industrialização para o Brasil e prometia, desse modo, um cenário bastante positivo para

a recém-criada Associação. É bem verdadeque essa industrialização seguia dependente do investimento estatal e, por conta de recorrentescrises cambiais, marcada por um notável graude fechamento comercial. Sem exposição àconcorrênciainternacionalegrandeimportadoradetecnologiaexterna,aeconomiabrasileiratambémapresentavaseuscontrapesosparaaatividadedenormalização. Sejacomofor,obalançodeoportunidadeseobstáculosrevelou-sefavorávelparaaABNT,eoiníciodesuasatividadesfoimarcadoporgrandeentusiasmodesuadireçãoefuncionários. AindasoboEstadoNovo,apublicaçãodenormasseguiaoprogramaoficialparaapromoçãodas chamadas matérias-primas nacionais, comoerao casodas especificaçõesdoóleode linhaçacru,dasnormasparaoensaiodeóleodelinhaçaeaclassificaçãodoóleobrutoesemirrefinadodecaroçodealgodão(1943).Eratambémocasodasespecificaçõesparaadeterminaçãode impurezasemóleosvegetais(1945)edasériedesetenormascom a especificação de corantes usados nafabricaçãodetintas.Tambémsãodesseperíodoasnormas que tratam de ensaios para a determinação dapresençadecertassubstânciasembebidascomocaféoumate.Apartirdofimdaguerra,contudo,esse panorama mudaria rapidamente. Ele podeser analisado com detalhes graças ao início dapublicação,emdezembrode1947,doBoletimdaABNT, destinado a um público amplo, que ia do empresariado ao mero consumidor29. Oprimeiroaspectoquechamaatençãoéa preocupação em destacar a repercussão social epolíticadasatividadesdaABNT.Nascidacomouma iniciativa de técnicos e administradores,abrigada sob a estrutura de um regime autoritário, a partir de meados dos anos 1940, a direção da Associação viajava pelo Brasil, realizando suasreuniões anuais em várias capitais. Cada umadessas reuniões se estendia em eventos políticos,comocomparecimentodegovernadoresdeestado,parlamentares e representantes do empresariado local. Cabia ao Boletim reportar a viagem de

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29 Na década de 1980, o Boletim transformou-se na Revista ABNT, já contendo publicidade e novo formato editorial, mas não sobreviveu por muito tempo. O Boletim então voltou a ser o instrumento de comunicação da entidade. Em 2001, o percurso foi invertido e o Boletim passou a ser publicado novamente em formato de revista.

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seusdirigentesapontosnotáveisde cadaestadovisitado,contribuindoparaadivulgaçãodoBrasilparaosbrasileiros. FoiocasodeumareportagemfotográficadecertaextensãocomqueoBoletimcelebrouarealizaçãodaSétimaReuniãoAnualdoConselhoDiretor, realizadaemSalvador, sobapresidênciadeAryTorresecomPauloSánaSecretaria-Geral:grandessalões,mesasfloridas,fotoscomemorativascom autoridades – tudo ao melhor estilo dojornalismosocialdofinaldosanos1940. As reuniões anuais do Conselho Diretorpodiam viajar pelo país, mas, naqueles anos, otrabalhotécnicodaABNTficavaacargodeseçõesespecializadas, divididas em grupos de estudosorganizados no Rio de Janeiro e São Paulo. Arelaçãodas17 seções especializadasofereciaumpanorama das atividades de normalização noperíodo:açúcareálcool;elementosdemáquinas;códigos de instalações hidráulicas; materialferroviário; produtos químicos industriais; solos;tecidos;códigosdeobras;couros;cacau;desenhotécnico; estruturas de madeira; módulos deconstrução;petróleo; vocabulários técnicos; óleosegordurasvegetais;esabão. Em termos quantitativos, o númeroseguinte do Boletim da ABNT, publicado em março de 1948, reportava a existência de umacervo com 50 especificações de produtos, 100métodosdeensaioe10modosdeexecução,deacordo com a terminologia seguida na época.O Boletim também passava a trazer, de formasistemática, uma relação das normas técnicas de outros países que estavam à disposição dosinteressadostantoemsuasede,noRiodeJaneiro,naAvenidaAlmiranteBarroso,nº54,15ºandar,como no escritório paulista, então funcionandonoInstitutodeEngenharia. OsnúmerosseguintesdoBoletimdeixaramevidente o esforço de atender às demandas dasociedade brasileira naquele final da década de1940.NoRiode Janeiro e emSãoPaulo, foramformados grupos de estudos sobre normas técnicas para a fabricação de elevadores, de materiais

elétricoscomotransformadores,fiosecabos,eparatécnicas de construção, como assentamento de tubos eestruturasdeaço. A pesquisa conduzida em 1948 sobre elevadores,porexemplo,registrouqueopesodospassageiros, para o cálculo da lotação, deveriaser fixado entre 70 kg e 75 kg, e que o fator desegurançadeveriavariarde7(elevadoresdecarga)a12(elevadoresdepassageiros)(BoletimABNT,nº5,setembrode1948).Sobainstigaçãodaentidadede normalização da Índia, foi iniciado o estudo de especificações para a mica. Havia também umaconexão variada com os projetos de saneamentourbano em curso no Brasil, por meio de estudos para normasdeprodutoscerâmicossanitários,instalaçõeshidráulicaseuminvestimentonaadoçãodecódigoespecífico, sugeridono7ºCongressoBrasileirodeHigiene(BoletimABNT,nº3,julhode1948). O Boletim também serviu comoinstrumento da primeira campanha de divulgaçãoe conscientização sobre a importância danormalização.Váriasmensagens,inseridasaolongode suas matérias, recomendavam às empresasassociadas que anunciassem a seus consumidores a obediênciadeseusprodutosàsnormasdaentidade.Osconsumidores,porsuavez,eramestimuladosaexigirprodutosqueutilizassemasnormas.Aomesmotempo,tinhainíciooestudosobreacriaçãodeumamarca de conformidade, inspirada diretamente no modelofrancês. Porfim,oBoletimeratambémuminstrumentode comunicação com o corpo funcional da ABNT e, emsetembrode1948,informava,porexemplo,quea instituição conseguira para seus empregados um descontode20%nasassinaturasdojornalFolhadaManhã(BoletimABNT,nº5,setembrode1948). Outro exemplo de uma atividade típicada ABNT nesse período foi o inquérito sobre a nomenclaturadomaterialferroviário.Mesmoamaissimplesconexãoentrevagõespodiareceberquaseumadezenadedenominaçõesdiferentes,apesardasuahistóriaquasesecularnoBrasil.Aofinalde1948,oBoletimregistravaaadesãodequaseumacentenadenovossócios.

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PrimeirasededaABNT,nofinaldadécadade1940.

Fonte:HistóriadasRuasdoRio-BrasilGerson-LacerdaEditores

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O alcance da instituição voltaria a serampliado no final da década.O Boletim de abrilde 1949 registrou dois acontecimentos importantes nahistóriadaABNT:aparticipaçãonacriaçãodoComitê Pan-Americano de Normas Técnicas e aelaboração do primeiro regulamento para a marca deconformidade. OComitê,instituídoem19dejulhode1949,faziapartedeumconjuntodeiniciativasdiplomáticascolocadas em marcha ainda durante a guerra,para a promoção de desenvolvimento econômicosob a égide do governo dos Estados Unidos, eofereceu à ABNT uma primeira experiência nocampoda normalização internacional. A propostade cooperação do governo dos Estados Unidosfoi apresentada em1945, pormeio daComissãoInteramericanadeFomento,epreviaaconvocaçãodeumaconferênciasobrenormastécnicas. A reunião foi realizada apenas em 1949 e o engenheiro uruguaio Molfino foi indicadopara presidir o comitê provisório que tomariaas providências para a criação do Comitê Pan-Americano de Normas Técnicas. Ary Torres, oautor original da ideia, declinou da posição em seu favor.SeteentidadesdenormalizaçãodasAméricasestavampresentes-Argentina,Brasil,Chile,EstadosUnidos,México,Peru eUruguai - e outros paísesenviaramdelegados -Cuba,Equador,Paraguai eVenezuela. A ABNT apresentou seu projeto para o Comitê, elaborado por meio de consultasrealizadas entre os institutos de tecnologia e as escolasdeengenharia,queterminousendoaceitoapósalgumasmodificaçõessugeridaspeloInstitutoUruguaio de Normas Técnicas30. Quanto à marca de conformidade, aelaboração de seu regulamento teve início emabril de 1949, por meio de uma ampla consulta às federaçõesdas indústrias doRiode Janeiro edeSãoPaulo,órgãospúblicoseváriasempresaslíderes em seus setores. Seu texto final foiredigidoporJoséTomazSayão,representantedaFederaçãodasIndústriasdoEstadodeSãoPaulo(Fiesp),eporEudoroBerlinck,chefedoescritório

da ABNT de São Paulo, prevendo a adoção deselosadesivos,umformatoespecíficodecontratocomasempresasinteressadasnacertificaçãoeumesquemadeinspeçãogeridopelaassociação. O momento parecia bastante promissor e o Boletim comemorava a boa recepçãointernacional das Normas Brasileiras sobre concretoarmado(BoletimABNT,nº8,setembrode1949),easistematizaçãodaclassificaçãodasNormasBrasileiras.Aprimeiranorma recebeuadenominação oficial de EB-1/1937 - uma dataanterioràcriaçãodaABNT. Na Oitava Reunião do ConselhoDeliberativo, realizadaemPortoAlegre,no iníciode1950,foramaprovadasseisNormasBrasileirasediscutidosoutros47ProjetosdeNormas.Entreas normas aprovadas, estava, por exemplo, umaEspecificaçãodetubosdeferrofundidocentrifugado–Métododeensaio.Deacordocomanumeraçãodos documentos em estudo, o número de Normas Brasileiras (NB) chegava a 20; o número deespecificações (EB), a 44; o númerodemétodos(MB), a 115; e de padrões brasileiros (PB), a 7,perfazendoumtotalde186documentos(BoletimABNT,nº9,abrilde1950).Aindanomesmoano,o Boletim informava que o governo federal, pormeiodeumdecreto,determinavaouso,emsuasatividades,dasnormasdaABNT,movimentoqueserialogoseguidopelosgovernosestaduais31. Quando é examinado o conjunto denormaspublicadasnoperíodo,háespecificaçõesrelativas a óleos vegetais (ensaios, teores deimpureza, características etc.) e tintas e corantes(azuldeultramar,zarcãoetc.)etambémaprodutosquímicos como álcool, carbonato de cálcio, terebintina etc. Produtos industriais relacionadosàsegurançadosconsumidorestambémsãoobjetodasnovasnormas.ANB-65,publicadaem1956,fixava as exigências para os tubos flexíveis deligaçãoparagásliquefeitodepetróleo(GLP). Acertificaçãodaconformidadedeextintoresdeincêndioteveinícionofinalde1951,cabendoà fábrica Contra receber os primeiros selos da ABNT.Asnormaspassaramaserpublicadasnos

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30 A principal polêmica estava na questão da responsabilidade de cada entidade nacional no financiamento das atividades do Comitê, resolvida pelo princípio da proporcionalidade. A primeira reunião do Comitê – hoje Comissão Pan-Americana de Normas Técnicas - seria realizada apenas no final de setembro de 1956, no Rio de Janeiro. Seu funcionamento efetivo começaria em 1960.31 O governo estadual de São Paulo tomaria a mesma decisão em 3 de setembro de 1951.

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Boletins.Sãodocumentosdeexcelentequalidadegráfica, como as normas para pregos (BoletimABNT,nº14,abrilde1952),para roscas (BoletimABNT,nº15,outubrode1952),aterminologiadematerialautomóvel(BoletimABNT,nº16,abrilde1953)eanormasobreapinturadecilindrosdegasescomprimidos(BoletimABNT,nº17,agostode1953).Emoutubrode1952,háoutroregistroimportanteno Boletim: a presença do engenheiro brasileiroAlbertoNevesnoConselhodaISO. A vitalidade da ABNT, sua presençainternacional emesmo as perspectivas financeirasfavoráveis criadas pela marca de conformidadedevemtersugerido,paraageraçãodeengenheirosque lançou a ideia da normalização duas décadas antes,asensaçãodedevercumprido.Outroshomensdeveriamcumpriramissãoderenovarhorizontese,em julhode1954, teria lugaraprimeira transiçãonapresidênciadaAssociação.AryTorres,alegandorazões pessoais, deixa o cargo, sendo substituídopor Mariano Jatahy Marcondes Ferraz. Naquelemomento,haviacercade300documentostécnicosem discussão, entre normas, ensaios e métodos (BoletimABNT,nº20,abrilde1955). Para entidades associativas, sobretudoas de caráter técnico, esse momento sempre é delicado.Osfundadores,queguardamnamemóriaaexperiênciadosanosmaisdifíceisecomandamarededeconexõesprofissionaisqueabremasportasdopoderpolíticoeempresarial,deixamacena.Asregras estatutárias precisam, então, funcionar por simesmas,produzirnovas lideranças, garantir aemergênciadetalentosesuperarosvíciosinternosdequalquerorganização. Nesse sentido, deve-se notar que a ABNTfoi beneficiada por uma transição lenta. Após agestão de Ary Torres, seu sucessor, o engenheiro eempresário Mariano Ferraz, também se manteve nocargoporváriosanos,entre1954e1959.Suaescolhajá refletia o interesse em uma maior conexão comosmeios empresariais de São Paulo32. O exame dadocumentação do período, contudo, já não revela amesmadiversificaçãodeiniciativas.

Os anos 1960 e a legislação de 1973 Nadécadaseguinte,asconexõespolíticasda presidência da ABNT continuaram em nívelelevado,comagestãodeÁlvarodeSouzaLima(1960-1966). Mineiro de Juiz de Fora, SouzaLima formou-se em engenharia em São Pauloe, no início da década de 1940, ocupou cargos de visibilidade na Coordenação da MobilizaçãoEconômica,entidadequeadministrouaeconomiadeguerranoBrasil. SouzaLimafoitambémsecretárioestadualdeViaçãoeObrasPúblicasnogovernoAdemardeBarros(1947-1951)eministrodeEstadodeViaçãoeObrasPúblicasnapresidênciadeVargas(1951-1953).Nosanos seguintes, continuouocupandoposições de relevo em empresas estatais e foidiretordoDepartamentoNacionaldeEstradasdeRodagem(DNER). Dopontodevistadaelaboraçãodenormas,atrajetóriaanteriortambémfoimantida.Asnormasrelativas a ensaios e especificações para óleosvegetais, tintasoucorantespraticamenteperderamrelevância,assimcomoasnormasrelativasabebidasealimentos.Nessesanos,asespecificaçõesrelativasaprodutosquímicoseindustriaisjárepresentavammaisde70%dosdocumentospublicados. Havianormas,porexemplo,paraagregadoslevesdeusoemalvenariaeemconcretoestrutural,paradesinfetantescombaseemfenóis,paraborrachadeusoemjuntaseengrenagenscilíndricas.Quantoàsnormassobreprodutosquímicos,odestaqueeraapresençadosderivadosdepetróleo,comafixaçãodeváriostiposdeensaiossobreGLP,assimcomoespecificaçõesparaarmazenamentoemanuseiodelíquidosinflamáveisecombustíveis.Tratava-sedeumreflexonaturaldaconsolidaçãodaindústriadepetróleonoBrasil,apósaconstruçãodasgrandesrefinariasdeCubatão (1955)eDuquedeCaxias(1960).APetrobraslogosetornariaumassociadofundamentaldaABNT. Até mesmo normas relativas a trabalhointelectual foram publicadas no período, como a de regras para a transliteração de caracteres cirílicosparaoalfabetolatino(1961).

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32 Ferraz fez parte da primeira diretoria da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), instalada em setembro de 1942, e foi presidente da instituição no biênio 1951-1952.

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Não há como passar ao largo, contudo,do período de tensão política e turbulênciaeconômicainiciadoapósarenúnciadopresidenteJânio Quadros, em 1961. Em termos práticos, aradicalização política sempre termina afetando as relaçõesentreosetorprivadoeogoverno,reduzindoasperspectivasdecrescimentoe,portanto,ointeresseematividadesqueexigemrecursosdasempresas,comoéocasodanormalização.Aemergênciadainflação,característicadesseperíodo,reduziaovalorrealdascontribuiçõesdosassociadoseaumentavasuainadimplência.Apublicaçãodenovasnormasmanteveumbomritmo,masarevoluçãode1964logo exigiria uma nova transição de poder naABNT.Onovopresidenteseriaumoficialmilitar,ogeneralArturLevy,eleitoparaumagestãodetrêsanos(1967-1969). Felizmente para a ABNT, Levy estavalongedeserapenasummilitar.Era tambémumapersonalidade política de certa influência, cujacarreira iniciou-secomaexpulsãodoExércitoem1922,porenvolvimentonasrevoltasmilitarescontrao presidenteArturBernardes. Levy formou-se emengenharianoInstitutoEletrotécnicoeMecânicodeItajubá(MG),em1925,e,apósaanistiapromulgadapelaRevoluçãode1930,voltouàcarreiramilitaresempreesteveenvolvidocomobrasdeengenharia,civise ferroviárias.Foinomeado representantedoMinistériodaGuerrajuntoaoConselhoNacionaldoPetróleo(CNP),em1945,echefedaComissãodeEstudodoOleodutoSantos-SãoPaulo-Campinas,doCNP,entre1946e1947.Ao longodotempo,ocupouvárioscargosderelevonosetorestataldepetróleo,sendopresidentedaPetrobrasentre1954e 1956 e superintendente do seu DepartamentoIndustrialentre1965e1967. O que poderia parecer uma influênciaindevida do regime militar em uma associaçãoprivada terminou representando um momentoimportantedesuahistória.AgestãodeArturLevymarcou, por exemplo, o primeiro envolvimentodiretodaPetrobrascomanormalizaçãobrasileira:elepraticamentesaiudoDepartamentoIndustrialdaestatalparaapresidênciadaABNT.

Emsuagestãotambémocorreuaprimeiramudança importantenasistemáticade trabalhosdaABNT, coma criaçãodosprimeirosComitêsBrasileiros,em1968.Eram17nototal,eaABNTadotava,afinal,omodelodosComitêsTécnicosSetoriaisdaISO. Oanode1968tambémfoimarcadopelatransferênciaparaumnovoendereçodoescritórioemSãoPaulo,quedurantemuitosanosfuncionouemumandaremprestadodoEdifícioBanespa.AsnovasinstalaçõesemSãoPauloeramlocalizadasnoprédiodaRuaMarquêsdeItu,88.AsededaABNTcontinuavanoRiodeJaneiro,masnovasdelegacias foram criadas nos estados de MinasGerais, Bahia, Rio Grande do Sul e no DistritoFederal. Nos primeiros anos da nova década, apresidênciadaABNTcontinuousobaresponsabilidadede personalidades de destaque nos meios políticos, comooengenheiroPlínioCantanhede,cujagestãose estendeu de 1970 a 197433. Nesse período,o Conselho Diretor da ABNT era composto, emprimeirolugar,portrêsrepresentantesdogoverno,indicados pelos ministérios do Planejamento, daIndústriaeComércioedoEstadoMaiordasForçasArmadas. Quanto aos sócios mantenedores, seusrepresentantes provinham de uma lista seleta deentidades estatais e privadas: a Federação dasIndústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), oBanco Nacional de Desenvolvimento Econômico(BNDE), a Companhia Energética de São Paulo(Cesp),aPetrobras,aLight,oSindicatodaIndústriaAutomobilística,aCompanhiaEnergéticadeMinasGerais(Cemig)eaCompanhiaSiderúrgicaPaulista(Cosipa). Os sócios coletivos indicados eram oCentroTecnológicodaAeronáutica,oSindicatodaConstruçãoCivileaEucatex(RelatóriodaDiretoria,ABNT,RiodeJaneiro,1970).Oenvolvimentocoma gestãodaABNT continuava sendouma funçãobuscada por organizações privadas e públicas deprestígio. No ano de 1970, entre os documentosaprovados com mais alta numeração, a NormaBrasileira170tratavadanumeraçãodeeletrodos

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33 Formado em engenharia em 1931, ainda jovem Cantanhede ocupou vários cargos de relevo no governo Vargas, como a presidência da Caixa de Aposentadoria e Pensões dos Estivadores e do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários (IAPI). Foi ainda presidente do Conselho Nacional do Petróleo (CNP), diretor do BNDES e diretor da Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa). Continuou sua carreira de destaque também sob o regime militar, sendo nomeado prefeito de Brasília (1964-1967) e, mais tarde, presidente da Companhia Siderúrgica Nacional (1974-1979).

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e da designação de válvulas eletrônicas. AnumeraçãodosMétodosBrasileiroschegavaa461(Identificação do conteúdo não fibroso de matérias têxteis)eaEspecificaçãoBrasileira240definiaascaracterísticasdasespumasflexíveisdepoliéster.ATerminologiaBrasileira57tratavadostiposdealumínioesuasligas,eaSimbologiaBrasileira7estabeleciaos sinais gráficosparaodesenhodecircuitoselétricos.Nãoésimplesatransformaçãodessas numerações específicas em um acervodenormas,mas elas sugeremumacervo globalpoucosuperioramildocumentos. Também sob a presidência de PlínioCantanhede, aABNT reportavaumaparticipaçãorelativamente intensa nos comitês da ISO. Osrelatóriosdesseperíodo trazemuma longa listadetécnicoseespecialistas responsáveispeladefiniçãodochamado“pontodevistadoBrasil”nosprojetosem debate nos Technical Committees. Em termos financeiros, as receitasprovenientesdaconcessãodemarcasdeconformidadejá representavam 54% do orçamento da ABNT,enquanto as contribuições regulares e especiaisperfaziam 42%. Nesse ponto, contudo, um sinalproblemáticocomeçavaasernotado:aconcentraçãodessasreceitasnacertificaçãodeapenasumproduto– extintores de incêndio -, que já alcançava 38empresas.Oficialmente, asdespesasdepessoalerammantidasempatamarperfeitamenteaceitável,representandocercade60%do total (RelatóriodaDiretoria,ABNT,RiodeJaneiro,1973). Ao longo desses anos, portanto, a ABNT nuncateveproblemadeacessoaoscentrosdedecisãopolíticadoEstadoepôdesemprecontar,emseusórgãosdedireção,comrepresentantesdasmaioresempresasbrasileiras.Comoentidadeprivada,sentiaos reflexos inevitáveis da conjuntura econômica,masdispunhadeporta-vozesimportantes,casofossenecessáriaaajudagovernamental.Seusproblemaseramdeoutranatureza.Talcomofoidocumentadono Capítulo 3, o rápido avanço da normalizaçãointernacional nos anos 1960, em termosquantitativosequalitativos,tornavainsuficiente,porcomparação,aproduçãodenormasnoBrasil.

Aprópriaestruturadaeconomiabrasileiranão ajudava. As empresas, protegidas dacompetição externa e contando com mercadoslimitados, não tinham razões práticas paraum envolvimento mais intenso no processode normalização. Nem mesmo a presença demultinacionaisalteravaessecenário.Nocasodaindústria automobilística, determinada empresa trazia suas próprias normas e fechava acordosespeciais de fornecimento com as indústrias de autopeças,àsquaiscabiaatarefadelidarcomamultiplicação de especificações para osmilharesde componentes de um automóvel. Apenas aglobalização eo carromundial vieramamenizaressatendência34. Uma alternativa evidente àquela alturaseria ampliar o envolvimento do Estado napromoçãododesenvolvimentotecnológicoe,pordecorrência,elevaronívelderecursoshumanosefinanceirosdedicadoànormalização.Aofinaldosanos1960,contudo,ogovernobrasileiroapenascomeçava a incorporar tal objetivo estratégico.Seria ainda necessário criar novos instrumentosparainfluirefetivamentenessecampo. De todo modo, a mudança no patamar da atividade daABNTno início dos anos 1970mereciauminteressanteregistropessoaldePereiradeCastro,quedestacava“afervilhanteatividadededezenasdecomissõestécnicasqueocupamemrodízioassalasdereuniãodaagênciadaABNTemSãoPaulo.”(CASTRO,1973,p.6). Ele notava também uma reduçãoda participação dos laboratórios e institutostecnológicosnaaçãodaABNT,mas, dessa vez,porrazõesbempositivas.Oesforçodecriaçãodenormas sobre materiais disponíveis no mercadointernohaviacompletadooseucursoecresciaaênfasenaelaboraçãodenormas interindustriais,que assumiam a forma de uma barganha entrefornecedoresecompradores.Nestecaso,contudo,aparticipaçãodotécnicocontinuavalimitadaaoesclarecimentodequestõesgeraisdetecnologia. Naquele início de década, Pereira deCastropreviaa recuperaçãoda importânciados

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34 Informação verbal obtida em entrevista concedida por Vitor Jardim, um engenheiro com longa carreira técnica e executiva na ABNT, em setembro de 2010.

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8ªReuniãoGeraldaABNT,em1950,noRioGrandedoSul

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laboratórios de ensaios para a normalizaçãonacional. Seria uma consequência natural dapreeminênciadoconsumidorindividualsobreosconsumidoresinstitucionaiseindustriais: Enãosóporquenamedidaemqueaspopulações se tornam mais educadas, elas passam a ser mais exigentes nas suas compras,mas também porque existe um interesse social ligado a uma boa aplicação dos orçamentos individuais, os quais, somados,correspondemaumarespeitávelparcela da despesa nacional. Portanto, um sistema de normasquepermitaacadaconsumidor individual uma escolha racional em cada uma de suas compras corresponderá a um efetivo progresso econômicoparaanação.(CASTRO,1973,p.7).

Nascondiçõesbrasileiras,PereiradeCastroprevia a necessidade de milhares de normas,incluindoaquelasrelativasamateriaisdeconstrução,objeto de aquisição individual no Brasil, e asnormas de desempenho do produto.Osmétodose instrumentos necessários para testar os produtos demandariam extensos programas de pesquisados laboratórios tecnológicos, além, naturalmente,deumprogramadecertificaçãodaconformidade,organizado em torno de um número de grandes instituiçõesdereferência. DeacordocomPereiradeCastro,umpapelimportantecaberiaaoorganismodenormalização: [ele] faz a gerência do programa de certificação, credencia laboratórios independentes e incentiva sua constituição, porém condiciona o credenciamento destes à permanente inspeção pelos laboratórios de referência.” (Id., Ibid.).

Mesmosendoinevitávelumaintervençãodogovernonaorganizaçãodessasatividades,Pereirade Castro sugeriu que a ABNT se adiantasse aos fatosecriasseumórgãoresponsávelpelasquestõesrelativasaosconsumidoresindividuais,umaespéciede “Conselho para Assuntos do Consumidor”,em que participassem entidades do comércio, fornecedores do Estado, empresas de serviçosbásicosetc.Haveriaanecessidadedefinanciamentooficialnafaseinicialdeimplantaçãodosistema,masoobjetivoseriaconquistaroautofinanciamento. Osprimeirosanosdadécadade1970,contudo, não foram muito diferentes do

panorama da década anterior. O número denormas publicadas atingiu um número mais elevado em 1972, com a publicação de maisde duas dezenas de documentos, mas a média global até o início do governo Geisel (1974-1979) não estava muito distante do patamarhistóricodaABNT.ObancodedadosdaABNTpassou a registrar normas relativas a espumasflexíveisdepoliéster(EB-240,1970),compostosvulcanizados de borracha (MB-565, 1970) eviscosímetros cinemáticos (EB-316, 1972). Noano seguinte, foram editadas normas relativasàdestilaçãodeprodutosdepetróleoapressõesreduzidas (MB-890) e à determinação dacorrosividadeemcombustíveisparaturbinasdeaviação(MB-453).Apenasem1973surgiuumsinalmais forte:nesteano,93normastécnicasforameditadasnoBrasilpelaABNT. Oanode1973revelou-seummarcopormotivosaindamaisrelevantes.ApósumperíododeestudoslegaisetécnicoslideradospeloMinistériodaIndústriaeComércioenosquaisopróprioPereirade Castro teve o seu papel, o governo federaldecidiu reformular completamente a legislação relativa à metrologia, normalização e qualidade.Em respostaàsnecessidades criadasporprojetosambiciosos,comoaexploraçãodepetróleonomar,acriaçãodaindústrianucleareaexpansãodosetorsiderúrgico,oEstadopromoveriauminvestimentoagressivonodesenvolvimentotecnológico. AofinaldogovernoMédici (1969-1973),oministroPratinideMoraisassinariaalegislaçãoprevendo a criação do Sistema Nacional deMetrologia, Normalização e Qualidade Industrial(Sinmetro). Sob sua égide, a pesquisa científicana área de metrologia no Brasil ganharia umainfraestrutura moderna, a adoção das técnicas de gestãodaqualidadepelosetorprivadoreceberiaoapoio necessário e a normalização seria incorporada aosobjetivosestratégicosdogoverno. A nova política integrada para as trêsáreas representava uma solução ambiciosa emtermos mundiais, mas não era difícil perceber uma dificuldade. Os laboratórios de metrologia

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seriamapenasmaisalgunsórgãosincorporadosàestruturadogovernoeoscustoscomconsultorese cursos sobre qualidade poderiam ser facilmente suportados por programas de fomento, mas a ABNT continuava sendouma entidade privada.Possuía estatutos próprios e suas regras defuncionamento, baseadas no consenso técnico, tinhampoucarelaçãocomospadrõesdedecisãodo setor público, baseados no princípio da autoridade. Asdificuldadesenfrentadaspelaoperaçãoprática do Sinmetro em sua primeira década deexistência serão examinadas mais à frente, mas

desde logo se deve registrar seu impacto diretosobre a ABNT. O governo brasileiro entendeu,sobretudoapartirde1974,queaexpansãodasatividades previstas no novo sistema exigia umaintervenção mais direta e resultados rápidos e,assim, passou a considerar o projeto de estatizar a própriaatividadedenormalização,sobocomandodireto do novo InstitutoNacional deMetrologia,NormalizaçãoeQualidadeIndustrial(Inmetro). Sintomaticamente,agestãodeLuizVerano35, entre os anos de 1975 e 1977,marcava o fimdoperíodo em que personalidades políticas de maior relevânciaocupavamapresidênciadaAssociação.

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35 Verano, mineiro de Itajubá, formou-se pelo Instituto Eletrotécnico e Mecânico (atual Escola Federal de Engenharia) e teve uma longa carreira no setor privado antes de assumir o cargo de diretor superintendente geral da Usiminas, sendo também o idealizador da Usiminas Mecânica S.A (Usimec) e seu primeiro presidente. Durante o governo de Aureliano Chaves em Minas Gerais, foi secretário estadual da Indústria, Comércio e Turismo e, em abril de 1975, foi nomeado prefeito de Belo Horizonte, cargo que ocupou até 1979. Além de presidente da ABNT, Verano foi também vice-presidente da Associação dos Exportadores Brasileiros e diretor da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG).

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Adecisão,tomadaem1973peloGovernoFederal, criando um sistema integrado para as políticas de metrologia, normalização e qualidade, alterou profundamente o ambiente institucional emqueaABNTviveraatéaquelemomento.Elamerece,portanto,umaanálisemaisextensa,capazderecobrirsuasmúltiplasdimensões. Paracomeçar,umaintervençãomaisdiretado Governo na promoção do desenvolvimentotecnológico representavao abandonodaposturaquase liberal mantida ao longo das décadas de 1950 e 1960, quando o crescimento industrialbrasileiroe,portanto,asdecisõessobretecnologiaeramdeixadasporcontadasempresas,públicaseprivadas.AABNTdaquelasdécadasera,aomesmotempo,umprodutoeumavítimadessaabordagemmaisliberaleprecisou,apartirde1973,responderaessamudança. A legislaçãode1973possuíaaindaoutraimplicaçãorelevanteparaaABNT.ElaindicavaqueoGovernoFederalnãoapostavaemumaarticulaçãonaturaleharmoniosaentreodesenvolvimentodametrologiacientífica,aatividadedenormalizaçãoe a difusão das técnicas da qualidade, tal como ocorreranasnaçõesindustrializadas. Na prática, esses três domínios sãoconceitualmentediversos e suaarticulaçãonaturaldepende de fatores institucionais e culturais complexos. Tal articulação requer, sobretudo, umrazoáveltempohistórico:entreoestabelecimentodaIECeafundaçãodaISOpassaram-seváriasdécadaseduasguerrasmundiais.Oquepareciaofrutodeummero exercício da racionalidade econômica e

organizacionalera,naverdade,oprodutoseculardemudançaseconômicasemescalaglobal.AcriaçãodoSistemaNacional deMetrologia,NormalizaçãoeQualidade Industrial (Sinmetro)mostrava que oGovernoFederal não ia esperar por esse frutodahistóriaequeriaaceleraroprocesso. O conceito de sistema, contudo, é enganoso.Apelaàexistênciadeumconjuntodeelementosorganizadosporumpropósitocomum,mas omite a informação mais relevante: qualserá a lógica da subordinação de suas peças. AABNT continuava a funcionar de acordo comas demoradas regras do consenso obtido entre atores sociais e econômicos que se aceitavamcomo relativamente iguais. O Sinmetro, emcontrapartida, parecia desenhado para emitirordens, uma impressão reforçada pelo momento políticovividopelopaís. Porfim,nocasoespecíficodanormalização,odiagnósticooficialeraparticularmentedelicado.Aquestãonãoeramaissaberseodesenvolvimentodanormalizaçãohaviasidoadequadonopassado,mas como o Brasil recuperaria seu atraso para aproveitar as oportunidades do futuro. No augedo regime militar, era natural apostar na solução representada pelas instituições governamentais epelavontadepolíticadoEstadonacional,umavezque omodelo adotado até aquelemomento – amobilizaçãodoesforçoprivado–falharajustamentepeloescassointeresseprivadonoassunto. Anovaequaçãobrasileiraseriaformada,assim, por um investimento substancial empesquisa científica e tecnológica, bem comopor

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Norma, Tecnologia e Indústria

Capítulo 5

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decisõesdepolítica econômicaque levassemasempresas a ativar o processo de normalização.Equaçõespolíticasesociaisnãotêm,obviamente,o mesmo rigor das equações matemáticas. Asolução adotada em 1973 viveria bons e mausmomentos, e o peso específico de cada um deseus elementos sofreria variações induzidaspeloambiente político e econômico. Para a ABNT,foramanosdedesafioseturbulências.

Autonomia tecnológica e normalização Os primeiros componentes do projeto oficial de autonomia tecnológica podem seratribuídos,naverdade,àreformadaadministraçãopública formulada ao final do governo CastelloBranco (1964-1967) e executada, de fato, pelogoverno Médici (1969-1974). O planejamentoe a execução das políticas públicas foramaperfeiçoados pela concessão de maior autonomia gerencialeindependênciafinanceira(DIAS,Joséde Nazaré Teixeira, 1968). Os problemas depessoaledeinvestimentodosinstitutosecentrosde pesquisa do Governo Federal, alguns delescomdécadasdeexistência,nãoseriamresolvidosdo dia para noite, mas ao menos foram criadas novasoportunidadesdeatuaçãopara cientistas,engenheirosegerentes. OInstitutoNacionaldeTecnologia(INT),umparceirohistóricodanormalizaçãobrasileira,ganhou um fundo próprio de financiamento eumprogramaatualizadodetrabalho.OInstitutoNacionaldaPropriedadeIndustrial(INPI)foicriadoem 1970, na gestão do ministro da Indústria eComércio,PratinideMorais,eoInstitutoNacionalde Pesos e Medidas (INPM) foi autorizado ainstituir,em1971,umgrupodetrabalhointernopara estudar os obstáculos ao desenvolvimentodanormalizaçãoedametrologianopaís. O relatório final expunha fatos bemconhecidos:asempresaseasociedadepossuíampouca informação sobre os benefícios econômicos da normalização, havia uma carência derecursoshumanosnosetorefaltavaaopaísumlaboratóriometrológicodealtonível.Nocampo

dametrologialegal,houveumaprimeiramençãoànecessidadede legislar sobreosequipamentose produtos que trouxessem riscos para a saúdeouparaasegurançapública.Oaspectoprincipaldo relatório, contudo, foi a recomendação deinstituirumnovoquadrolegalparaametrologiaea normalização no Brasil36. Sem a necessidade de negociar Projetosde Lei com o Congresso ou com a sociedade, oGoverno passou com rapidez da formulação àlegislação.Porsinal,antesmesmodaintegraçãodaspolíticas de metrologia, normalização e qualidade, aindaem1972,asatividadesdeplanejamentonaárea tecnológica foram atribuídas, no âmbito doMinistério da Indústria e Comércio, a um órgãocrucial para a história daABNTnaqueles anos, aSecretariadeTecnologiaIndustrial(STI). Seu primeiro titular, Luiz Correa da Silva,nãotinhaumavisãoideológicadesuamissão(1973).No seu entender, o problema real era o impacto das taxaselevadasdecrescimento sobrea importaçãodetecnologia.Asestimativasparaoiníciodadécadade 1970 apontavam para um déficit, gerado pordespesas com royalties e assistência técnica, de500 milhões de dólares. Para Correa da Silva,tratava-se de mudar essa situação, aproveitandoacomplexidadedoparque industrialbrasileiroeocrescimentodocomérciointernacional. Essa foi a origem do Plano Básico deDesenvolvimentoCientíficoeTecnológico(PBDCT),elaborado com ajuda daUNIDO e publicado em1973.OSistemaNacionaldeTecnologiapropostopelo plano tinha como linhas fundamentais odesenvolvimentodenovas tecnologias (naprática,energia nuclear) e de setores industriais intensivosem tecnologia (como eletrônica e aeronáutica, por exemplo),oestímuloàpesquisanasempresaspúblicaseprivadas,bemcomoaconsolidaçãodaestruturadepesquisatecnológicanaáreagovernamental.FoiaindaprevistoumSistemaNacionaldeInformaçãoCientíficaeTecnológica,comoresultadodaexpansãodasatividadesrelacionadasàpropriedadeindustrial,metrologia,normalizaçãoecertificaçãodequalidadeindustrial(PBDCT,1993,p.10).

36 Na verdade, o setor privado também começava a se mover. O processo de importação de tecnologia já havia superado sua fase mais fácil e processos produtivos mais complexos não podiam ser assimilados sem avanços em metrologia, normalização e qualidade. (DIAS, José Luciano, 2007, p. 108-109).

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O orçamento do Plano para o biênio1973-1974 chegava a 700milhões de dólares,em valores da época – uma soma bastanteelevada.Dessetotal,osprogramasdetecnologiaconduzidos pelo Ministério da Indústria eComércio receberiam quase 80 milhões dedólares. A STI seria a responsável pela gestãodosrecursosepelacoordenaçãodasinstituiçõesacargodosdiversosprogramas. Amudançalegalviriapormeiodasoluçãointegrada: a criaçãodoSinmetro.Publicada em11dedezembrode1973,aLeinº5.966atribuiuaoSistemaa“finalidadede formulareexecutara política nacional de metrologia, normalização industrialecertificaçãodequalidadedeprodutosindustriais”. Nasuacúpula,estavaoConselhoNacionaldeMetrologia,NormalizaçãoeQualidadeIndustrial(Conmetro), responsável pela elaboração dapolíticanacionalparaametrologia,peloestímuloànormalizaçãovoluntáriaepelafixaçãodecritérioseprocedimentosparaacertificaçãodaqualidadedemateriais eprodutos.Eleassumiaa formadeum grande colegiado de ministros e representantes do empresariado, cujo trabalho técnico seriaconduzidopormeiodecâmarassetoriais. Paraaexecuçãodaspolíticas,foicriadooInstitutoNacionaldeMetrologia,NormalizaçãoeQualidadeIndustrial(Inmetro),comfunçõesbemmaisextensasdoqueo INPM,queseriaextintoapósinstalaçãooficialdonovoórgão. O novo Instituto seria responsável nãoapenaspelaconduçãodeumverdadeiroprogramacientífico,emumcentrodepesquisaspróprio,mastambém deveria ser o agente governamental nofomento da normalização voluntária, consolidaros regulamentos técnicos e normas compulsóriaseditadas pelo governo, além de administrar oSistema Brasileiro de Certificação da Qualidade.

Nadahaviadesimilarnomundo,masaousadiasejustificavapelanecessidadedequeimaretapas37. Não se podia, entretanto, dizer que se tratava de voluntarismo doGoverno Federal.Oprojeto de autonomia tecnológica iniciado nadécadade1970eraperfeitamentecompatívelcomaestruturadeciênciaetecnologiaexistentenopaís.Havia experiência acumulada no financiamentodo ensino superior e da pesquisa básica pelo ConselhoNacionaldePesquisaCientífica(CNPq)e pela Coordenação de Aperfeiçoamento do PessoaldeNívelSuperior(Capes).AFinanciadoradeEstudoseProjetos(Finep)começavaaapoiara absorção de capacidade na área de consultoria e engenharia (DIAS, José Luciano, 1998a), eos cursos de pós-graduação estavam em plenocrescimento no país. Estava em vigor um planodedesenvolvimento científico e tecnológico, e oFundo Nacional de Desenvolvimento Científicoe Tecnológico (FNDCT) contava com recursosabundantes.Seusprincipaiselementospoderiamnão possuir a articulação ideal, mas o Brasil podia ser comparado favoravelmente com qualqueroutranaçãoemdesenvolvimento. Nem mesmo um regime autoritário está livre, contudo, de transições de poder,e oministro da Indústria e Comércio, Pratinide Morais, uma personalidade de convicçõesmais liberais, praticamente encerrou sua gestão com a publicação da nova lei. A gestão dasnovas instituições caberia a outras pessoase a outro ministro, o industrial nacionalista Severo Gomes. O que poderia ser apenasum sistema articulado, sob um administrador mais convencional, transformou-se em uminstrumento de ativismo governamental nagestão do escolhido por Severo Gomes paracomandaraSTIentreosanosde1974e1979:oengenheiroJoséWalterBautistaVidal38.

37 A direção do INPM, por exemplo, era cética e tentou convencer o Secretário de Tecnologia Industrial a mudar de ideia. Não conseguiu. (Informação verbal obtida em depoimento de Armênio Lobo da Cunha Filho ao CPDOC/Inmetro, 1996).38 Nascido na Bahia, Bautista Vidal formou-se em engenharia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) em 1958 e estagiou no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) entre 1960 e 1961. Completou sua pós-graduação em energia nuclear na Universidade de Stanford e retornou ao Brasil em 1963, para participar da criação do Centro de Pesquisa Geofísica da Petrobras na Bahia e dirigir o Departamento de Física da UFBA. Sua visão particular sobre absorção de tecnologia consolidou-se justamente nos anos seguintes, quando acompanhou a instalação do Pólo Petroquímico de Camaçari, na condição de Secretário de Ciência e Tecnologia do governo Luís Vianna Filho (1966-1970). Naquela época, nós fundamos o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento (Ceped) e eu comecei a me ligar ao campo energético específico por meio da Petrobras, formando esse grupo de geofísicos que se radicou na Universidade em convênio com a Petrobras. Foi desde essa época, em 70, 71. Já havia Camaçari, já havia o centro industrial de Aratu, mas todos conduzidos sobre a égide de companhias estrangeiras, alemãs, japonesas, norte-americanas. E nós fomos para a Secretaria exatamente para nacionalizar, para transformar aquilo em uma ação efetiva da Petrobras. Porque era a Petrobras que conduzia o processo e tinha muito o espírito de trazer companhias do exterior para o Brasil, para se valer do conhecimento tecnológico, mas, na minha maneira de pensar, aquilo era um equívoco, porque, sem a tecnologia própri a, era muito difícil você construir indústrias competitivas, não é? Então, a minha ação na área tecnológica, de interação com as empresas, começou com a fundação desse centro de tecnologia industrial montado no Estado da Bahia, o Ceped. (Informação verbal obtida em depoimento de Armênio Lobo da Cunha Filho ao CPDOC/Inmetro, 1996).

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Havia a intenção declarada de intervirsobre o processo de aquisição de tecnologia por meio da análise dos projetos de investimentoapresentados pelas empresas privadas aoConselhodeDesenvolvimentoIndustrial (CDI)epela influênciadiretasobreasgrandesempresasestatais, as maiores compradoras de tecnologia no Brasil.APetrobras,aEletrobraseoutrasestataisdeveriamusarseupoderdecompraparaestimulara absorção e o desenvolvimento de tecnologiasnacionais. Os financiamentos e os incentivosfiscais à disposição do CDI seriam destinadospreferencialmente a empresas e projetos que transferissem tecnologia ao país, de acordo com asdiretrizesformuladaspelogoverno. Comamudançadegoverno,osrecursosdestinadosaodesenvolvimentotecnológicoforamtambém ampliados. O orçamento do II PBDCT(1974-1979) previa gastos de 500 milhões dedólaresapenascomosprogramasde tecnologiaindustrialentre1975-1977,maisdoqueodobrodosvaloresdoprimeiroplano. Nesse conjunto de recursos, o item de maiorpesoaindaera“desenvolvimentocientíficoe formaçãoderecursoshumanos”,rubricaondeestavam incluídos o financiamento dos centrosdepesquisa científica e os recursos dedicados àpós-graduação. A área de tecnologia industrial,contudo, vinha logo a seguir e deveria receber,quando computados os fundos especiais, um valoraproximadode167milhõesdedólaresnotriênio1975-1977,quase19%dototaldetodosos orçamentos39. Nos termos do II PBDCT, esses recursosdeveriam ser utilizados de acordo com três linhasbásicasdeação:consolidaçãoda infraestruturadatecnologia industrial; apoio à empresa nacional eaos setores industriais prioritários; e promoçãodousoconvenientedosrecursosdopaís. No caso específico da Secretaria deTecnologia Industrial, a ênfase recairia, além

de nos tradicionais projetos de equipamento de laboratórios e treinamento de pessoal, nosprojetos de normalização industrial e de criação de capacidadenasáreasdeinspeçãoecertificaçãodaqualidade. As áreas de maior interesse para a normalização industrial eram os produtos siderúrgicos, a construção naval, a indústria têxtil,os condutores elétricos, as máquinas-ferramenta, as tintas, os fios de algodão, as embalagens paraprodutosdeexportação,oscontêineresetc.(DIAS,JoséLuciano, 1998a, p. 176).Anormalizaçãodecontêineres,porsinal,representavaumcasoclássicodoimpactodaatividadesobreocomércioexterior,eainiciativabrasileirarepresentavaumalinhamentosignificativo com a normalização internacional(MURPHYeYATES,2009,p.50-62). É fácil concluir que um governo apenasnão seria suficiente para realizar tal programa.OINPI,porexemplo,passariaosanosseguintesconvivendo com complicações burocráticas emnadacompatíveiscomumaentidadedevotadaàinformaçãotecnológica40.Emoutroscasos,houvemesmoconflitosdenaturezaideológicaemtornodosobjetivosdecertosprogramas41. No âmbito do Sinmetro, o LaboratórioNacional de Metrologia (LNM), localizado emXerém, no estado do Rio de Janeiro, não seriacompletado, evidentemente,noperíododeumagestãopresidencial.Asobras civis foramapenasiniciadasem1975e,noiníciodadécadaseguinte,o LNM era ainda um conjunto de prédios delaboratórios desprovidos de equipamentos oupessoal. Quanto à normalização, as atividadesteriam de esperar pela efetiva instalação doConmetro,nosegundosemestrede1975.

Sob o regime militar A primeira resolução do Conmetro, publicada em 31 deoutubrode 1975, já representavacerta invasão nos domínios da normalização:

39 Os fundos especiais eram geridos pela Finep, pelo BNDE, pela Capes e pelo CNPq. Somados aos recursos orçamentários, totalizavam 900 milhões de dólares no triênio. (DIAS, José Luciano, 1998a, p. 175).40 O sucessor de Vidal na STI, José Israel Vargas, descreve: [...] o caso do INPI era a situação mais escandalosa. Os funcionários do INPI eram pagos contrarrecibo, eles não podiam ser contratados nem como CLT, nem casar, nem morrer. Eu fui tratar desse assunto com o todo poderoso ministro do Planejamento, porque todo o poder na área de tecnologia industrial havia sido transferido para mim pelo ministro Camilo Pena. Você tinha uma situação intolerável. Um instituto que, como o Banco Central, autorizava a transferência de recursos, aprovava ou não os contratos de tecnologia, e em geral carimbava, porque os grandes compradores de tecnologia eram as empresas estatais. Fui ao ministro do Planejamento. Ele me ofereceu, pondo à disposição do INPI, os engenheiros dos antigos Correios e Telégrafos que estavam à disposição do DASP. Eu disse: ‘não quero’. (Informação verbal obtida em entrevista concedida por José Israel Vargas, em janeiro de 2007). 41 Trata-se do conflito em torno do Centro de Informações Tecnológicas. (DIAS, José Luciano, 1998a, p. 115).

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determinavaqueoINPMteria30diasparadefiniras especificações relativas a embalagens para usodomésticodeprodutosinflamáveisnãoderivadosdopetróleo–aconhecidagarrafadeálcoolvendidaemsupermercados.Nenhumapalavra sobreaABNT.A Resolução nº 3, da mesma data, estabeleciaque Norma Brasileira era “toda e qualquer norma aprovada pelo Conmetro”. A norma voluntárianoBrasil deveria receber a chancelado governopara ser considerada como tal. A Resolução nº6, de 31 de dezembro, estabelecia uma novaclassificação dasNormas Brasileiras: NBR-1 (usocompulsório em todo o país); NBR-2 (normasreferendadas, para uso do setor público);NBR-3(normas voluntárias, registradas pelo Inmetro); eNBR-4(normasprobatórias,deusoexperimental,tambémregistradaspeloInmetro).Naturalmente,oINPMexerceriaasfunçõesexecutivasdoInmetroenquantoestenãofosseoficialmenteinstalado. AABNTfoitambémassuntodaResoluçãonº7,dedezembrode1975,queapenasidentificavaa entidade como parte do Sinmetro, autorizavao Inmetro a firmar convênios para estimular asatividadesdenormalizaçãovoluntáriaeaautorizarseufuncionamentocomoforodoSistemapara“aharmonizaçãodo interessepúblico,dasempresasindustriais e do consumidor de acordo com as diretrizesecritériosaprovadospeloConmetro”. Adefiniçãodessescritériosexigiriaaindaalgunsmeses.Eles foramexpostosnaResoluçãonº8,de1975,maspublicadosapenasem29deabrilde1976.Noestilolegislativocaracterísticodaépoca,eraumalongalistadecritériosediretrizes:

Harmonização das normas no plano nacional com a indispensável compatibilidade com os interesses nacionais; defesa da saúde e da segurançadousuário;fortalecimentodatecnologia nacional; utilização de tecnologia viável no país, proteçãodomeioambiente;utilização,sempreque possível e conveniente, de matérias-primas nacionais; atendimento à legislação metrológica; defesa do consumidor; representação dos interessesdosistemaprodutivo,dosconsumidores, dogovernoedosistemanacionaldeproduçãode tecnologia; existênciade consensonoâmbitodos

respectivos fóruns; estabelecimento de uma sadia competiçãodemercado;elevaçãodaeficiênciado sistemaprodutivonacional;harmonizaçãononível internacional dentro das condicionantes impostas pelos interesses nacionais, tendo em vista as benéficas consequências dessa política para o comércio exterior; e consideração, quando necessário, na análise das normas, dos aspectos

culturaisesocioeconômicosregionais.

Nãosatisfeitosemfixarnadamenosque14critérios diferentes para o registro de uma Norma, os autores da Resolução ainda promoveramuma distribuição precisa destes critérios pelos quatro tipos de Norma Brasileira previstos peloSinmetro42. Caberia ao INPM, por meio daResolução nº 10/1975, publicada em abril de1976,registrareclassificarasNormasBrasileirasdeacordocom tais critérios.Emumplanomaisoperacional, os projetos de normalização para os setoressiderúrgico,mecânico,naval,aeronáuticoeeletroeletrônicoforamdefinidosem1976. Diante dessas intenções impressionantes,resta apenas o comentário habitual: no Brasil,governos podem muito, mas não podem tudo.O Sinmetro dispunha de extenso aparato legal einstitucional, mas a mera autoridade política não bastavaparagarantirsuaoperaçãoeficaz. O caso mais evidente era a própriatransformaçãodoINPMemInmetro,queconsumiuváriosanosenãofoiconcluídanagestãodeBautistaVidal na Secretaria de Tecnologia Industrial.Para suprir essa deficiência, a responsabilidadeexecutiva pela área de normalização e qualidadeterminou transferidapara a própriaSecretaria.OcredenciamentodeentidadesjuntoaoSinmetrofoireguladoapenasemdezembrode1977e,somenteemjunhode1978,cincoanosapóssuacriação,oConmetroaprovariaaprimeiranormacompulsória,aNBR5929,relativaamotoresaálcool. No caso da normalização, vale a penaexaminar os consideranda da Resolução nº 5,publicada em 25 de outubro de 1976 – umnotável testemunho de modéstia governamentalnoBrasil.Otexto,assinadopeloministroSeveroGomes,reconheceoóbvio:eragrandeoacervo

42 Segundo a base de dados legislativos do Inmetro, essa Resolução só foi revogada em 1997.

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de normas existentes que não se enquadravamnadiretrizparaopreparodenormasaprovadaspelopróprioConmetro,eseuenquadramentonamesmadiretrizexigiagastoselevados. Oministro,então,resolvequeasnormasjá existentes seriam reconhecidas comoNormasBrasileirase,quandofossemregistradasnoINPM,teriam apenas uma página de rosto padronizada deacordocomonovosistema.Fixavaumprazoaté31dedezembrode1977paraaadequaçãodasnormasànovasistemática. Aessaaltura,asdificuldadesemharmonizaros dois sistemas de normas, um organizado hádécadaspelaABNTeoutropromovidopelanovalegislação,assumiamtraçoscuriosos.Comolembrao engenheiroVitor Jardim,um técnicode longatrajetórianaABNT,nãosefaziaideiadonúmerodenormas constantesnoacervoda instituiçãoecorria-se o risco, ao tornar compulsória a novanumeração patrocinada pelo Governo, de quenormasdiferentesrecebessemomesmonúmero.Asolução,aomesmotempoengenhosaeirônica,sugeridaporJardim,foicomeçaranovasériepelonúmero5000.Assimnãohaveria omenor riscodecoincidência43.Defato,notextodaResoluçãonº6,deoutubrode1976,constaonumeralcomopontodepartidadoregistronoInmetro. Nesteponto,éconvenientedeixarumpoucodeladoasdificuldadesdoGovernonomanejodoSinmetroeexaminarasituaçãointernadaprópriaABNT que, a julgar pela legislação analisada até aqui,poucaconfiançamereciadoGoverno. Este exame é muito facilitado por umrelatório internodaABNT,datadodeoutubrode1975eassinadopeloengenheiroJorgeCintra.EleapresentaumaanálisecríticadaAssociação.Faltava,por exemplo, espaço para biblioteca em umainstituição cuja missão era a guarda de documentos técnicos,enãohaviasequerumcatálogopublicadodasNormasBrasileirasemvigor. Também não havia critérios técnicosparaaadmissãodepessoal, inclusivenoqueserefere à documentação funcional, enquanto osetor de atendimento ao público era ocupado por auxiliaresdeescritório.Os salárioseramfixados

semqualquerrelaçãocomomercadodetrabalhoenãohaviacontroledoshoráriosdetrabalho.Nasdelegacias estaduais, existia uma centralizaçãoindevidadasatividadesno“chefedoescritório”efoiregistradoousodasinstalaçõesdaABNTparaatividadesparticulares. O orçamento da entidade era um caso àparte.SegundoCintra,eleeraexecutadodemodoinadequadoenãohaviacontabilidadeprofissionalouauditoriadosbalanços.Nãohaviatambémumsistema de arquivamento de informações sobreopassado,oqueajudaaexplicar aausênciadedadosfinanceirosnosrelatóriosdeatividadesmaisantigos.Porfim,nãoexistiaqualquercontrolesobreasituaçãodascontribuiçõesdossócios.Nãohaviacondiçõesdeafirmarnemqualeraonúmeroexatode sócios ativos, nem o estoque de publicaçõesde normas existente – um dos principais ativosfinanceirosdaABNT.Cintranãosefurtasequeramencionarassuspeitasdedesvios. Noqueserefereaotrabalhodeelaboraçãodenormastécnicas,orelatóriodeCintratambémeracontundente: Em conclusão, os trabalhos desenvolvidos atenderamplenamenteaosobjetivos,tantonoque tange à reestruturação, quanto ao início da dinâmica de elaboração de normas. Estas, entretanto,sósairãoemmaiornúmeronamedida em que houver convênios ou novos mecanismos que foram estabelecidos, o que depende de financiamentos muito superiores aos atualmente disponíveis. O apoio total a essa atividade por parte dessa Secretaria só será completo quando a ABNT estiver em condições financeiras de suportar todo aquele pessoal e alugar áreas adicionais para que todos os CB possam contar comsuaprópriasecretaria.(ABNT,Relatório,1975).

Olhandooassuntoemretrospecto,nãohá necessidade de um rigor excessivo com asituaçãoorganizacionaldaABNT.OpanoramaoferecidopelasinstituiçõesestataisdepesquisanãoeratãodiferenteenãosedeveperderdevistaqueaABNT,napassagemparaadécadade 1960, viveu uma transição administrativaimportante. As longas gestões dos primeirospresidentes - como Torres e Ferraz - foram substituídaspormandatosdemenorextensão,

43 Informação verbal obtida em entrevista concedida por Vitor Jardim, em setembro de 2010.

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o que contribuiu para a redução de algum controlegerencial. Além disso, a escolha de personalidadespolíticasdeperfilelevadoparaocomandodessetipode instituição certamente garante acesso ao poder, maspresidentescomesteperfil tambémnão têmmotivosparaencararseumandatonaABNTcomoumestágiodealta relevânciaparasuascarreiras.No iníciodadécadade1970,aABNTprecisavamaisdegestoreseficientes,comfoconainstituição,doquedelíderespolíticosouempresariais. De toda forma, esse era o espírito do processode reestruturaçãoexpostonoRelatóriodaDiretoriade1976, sobapresidênciadeLuizVerano e com a Secretaria-Geral a cargo deEpitácioCardosodeBrito. Haveriaumplanodeaçãoparaobiênio,prevendo um posicionamento formal perante aLei nº 5.966/1973 e o fortalecimento dos setoresprioritários definidos pelo Governo. O convênionecessárioparadarexecuçãoàResoluçãonº7/75do Conmetro foi efetivamente assinado e foraminiciadosospreparativosparaacriaçãodosComitêsBrasileirosdePlanejamento,deInstalaçõesNucleares,deSiderurgiaedeQuestõesdoConsumidor44. Quantoaosconvênios,consideradosfontespromissorasdefinanciamento,estavamemcursocontratoscomoInstitutoBrasileirodeSiderurgia,oInstitutoBrasileirodePetróleo,oBancoNacionalda Habitação (BNH), o Departamento Nacional de EstradasdeRodagem(DNER),comaprópriaSTI,comaEletrobras e comoorganismoalemãodenormalização, o Deutsches Institut für Normung. O Relatóriode1976aindapreviaa assinaturadeconvênioscomaSociedadeBrasileiradeEngenhariadeSegurançaecomaAssociaçãodeFabricantesdeMateriais para Saneamento.Os Relatórios de1976 e de 1977 também oferecem informaçõesimportantessobreaescaladeatividadesdaABNTnaqueleperíodo. OpessoaldaAssociaçãoerarelativamentemodesto:havia151funcionários,dosquais25comnívelsuperior.Osgastoscomsaláriosrepresentavamcerca de 50% das despesas totais, enquanto o

trabalhode elaboraçãodenormas consumiaumapercentagemrelativamentepequenadoorçamento:10,5%em1976e6,3%em1977. O número de reuniões realizadas pelosComitês Brasileiros chegou a cerca de 2.700noanode1977, comaparticipaçãodemaisde18 mil especialistas45. O número de consultastécnicasatingiu3.400e foramacrescentados349novos sócios à base da ABNT. Em 1976, porsinal, seria assinado o primeiro convênio com aSTI para o cumprimento dasmetas nacionais denormalização. O registro do número de normas publicadas nãoémuitoconfiávelnesseperíodo,masatendênciade crescimento é evidente, sobretudo após 1976,certamente graças à assinatura dos convêniosmencionados.Atabelaabaixoapresentaosnúmeroscompiladosapartirdosrelatóriosdeatividades:

Fonte:Relatóriosanuaisdeatividade.

Obiênio1976-1977registroucorretamenteosaltona importânciadosconvêniosdenormalizaçãocomo fonte de receita. Todos os grandes itens doorçamentodaABNTsofreramqueda:contribuições(de47%para33%),marcadeconformidade(20%para19%)evendadenormas(13%para11%),enquantoosconvêniosaumentaramde14%para31%. Haviasinaisdevitalidadetambémnaatividadede avaliação da conformidade. Em 1977, tambémocimentoPortlandeosfiltrosdear,óleoegasolinateriammarcas de conformidade ABNT.Vinham sejuntar a uma lista já extensa e relativamentediversificada: extintores de incêndio, portas

44 O Relatório dá a entender que a atividade dos Comitês Brasileiros era bastante desigual. No total de 19 Comitês, oito não teriam ainda aprovado qualquer norma. 45 Em termos comparativos, o ano de 2009 registrou cerca de três mil reuniões, com a participação de mais de 30 mil especialistas.

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corta-fogo, pó químico, postes de concretoarmadoetubosdeconcretosimplesearmado.NaqueleanofoiconcluídooenviodoacervodenormaspararegistronoInmetro.Noconjunto,oacervoera compostopor1.103normas,dasquais440doComitêBrasileirodeEletricidade(ABNT/CB-03) e 117 do Comitê Brasileiro deQuímica (ABNT/CB-10) (ABNT, Relatório daDiretoria,1977). Esses números, contudo, não comoviamaSTI. Para os documentos oficiais, os problemasda ABNT persistiam. A normalização brasileiracontinuava marcada pela falta de interesse e deestímuloparaasempresasprivadasparticiparem;pelaimposição, por empresas estatais, do uso de normas alemãsouamericanas;pelaresistênciadasprópriasempresas estatais em coordenar suas compras de tecnologiaetc.(DIAS,JoséLuciano,1998a,p.179-180).Oremédioerasimples:promoveraestatizaçãodanormalizaçãoe,pordecorrência,daABNT. Coube, assim, à gestão seguinte, entre1977 e 1978, presidida pelo general R1 ArthurNapoleão Montagna de Souza, comandar aresistênciaemsuasváriasfrentes(ABNT,Histórico.RiodeJaneiro,ABNT,2006,p.38-39).Primeiro,estabelecer um modelo estatizante para a produção e o registro das normas técnicas. Segundo,enfrentar a situação gerencial criada pelo corte dastransferênciasorçamentáriasparaainstituiçãoe pela suspensão dos recursos necessários até mesmoparahonraroscompromissosanuaiscomosorganismosinternacionaisdenormalização. ParasortedaABNT,ogeneralMontagnadeSouzanão era apenasummilitar da reservaocupando uma posição de relevância em umaorganização privada. Ele possuía também umaboaexperiênciaprofissionalemnormalização,queincluíaaresponsabilidadepelalinhademontagemde caminhões militares da General Motors46 e compreendia a necessidade de respeitar o modelo danormalizaçãovoluntária. Além disso, o presidente da ABNT era apenas o representante mais destacado das

Forças Armadas na entidade. Durante muitosanos, por exemplo, o Estado Maior das ForçasArmadas (EMFA) fez parte das organizações dogovernocomassentonoConselhodaABNT.Porfim, o sucesso da resistência foi devido a outrofato relativamente típico de várias organizaçõessociaissoboregimemilitar.Desde1968,tornou-secomumaindicaçãodeoficiaisreformadosdoExército para posições na ABNT. Engenheiros,técnicos e especialistas não apenas traziam uma valiosa contribuição técnica para a associação,mas também terminaram oferecendo proteção políticanocontextodeumgovernomilitar47. Como já foi mencionado, sem conseguir realizarseusplanos,asautoridadesdoMinistériodaIndústriaComérciodecidiramretaliar,suspendendoa transferência dos recursos destinados aopagamentodasanuidadesdevidasàIEC,àCOPANTeàISO.Oacúmulodessasdívidascriaria,nofuturo,sériosproblemasadministrativosparaaABNT. Com a aproximação do final do governoGeisel,oconflitoterminoucomumasilenciosavitóriadaABNT.OConmetropublicouafinalseucatálogodenormasem1978eadireçãodaSTI,nafasefinalde sua gestão, mudou o foco de suas prioridades, tal comodefinidasemseuRelatóriode1979. Os quatro projetos setoriais realmente relevanteseramaproduçãodequartzoindustrial;ofinanciamentodeprojetosnaárea farmacêutica;amineraçãoeoaproveitamentodonióbioeoseuêxitomaisevidente;eoprogramatecnológicodoetanol.Metrologia,normalizaçãoequalidadecontinuavamna condição de projetos para o futuro48. Para agravar a situação dos planosgovernamentais de autonomia tecnológica, o fim dagestão de Bautista Vidal na Secretaria de TecnologiaIndustrial coincidiu com a eclosão de nova criseeconômicamundial,comimpactodiretosobreoBrasil.Mal superadooprimeirochoquedopetróleo,onovopresidente, João Batista Figueiredo (1979-1985),precisouenfrentarumasubstantivaelevaçãodospreçosdocombustível,seguidaporumarecessãoglobalepelacrisedadívidaexternadospaísesemdesenvolvimento.

46 Montagna de Souza também foi o responsável pela edição da primeira Terminologia Brasileira da Indústria Automobilística. (Informação verbal obtida em entrevista concedida por Vitor Jardim, em setembro de 2010).47 Informação verbal obtida em entrevista concedida por Vitor Jardim, em setembro de 2010.48 O mundo real da administração pública brasileira tinha também seu peso específico: Devido às medidas oriundas do órgão responsável pela política de pessoal da administração direta e das autarquias, por quatro vezes teve a STI suas equipes técnicas desfeitas; efeitos semelhantes ocasionaram grandes prejuízos às atividades do INPI, INPM e INT, e não permitiram até o presente a implantação do Inmetro. Como decorrência dessa política de pessoal, foram dissolvidos na STI os grupos setoriais de bens de capital, metais não ferrosos, eletroeletrônicos, além da assessoria que cuidava da área internacional. (Ministério da Indústria e Comércio, 1979, p. 14).

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Do ponto de vista da área tecnológica,o novo ambiente econômico teve implicaçõesdramáticas. As restrições fiscais afetaram acapacidadedogovernodesustentarseusplanosde investimento e os projetos de modernizaçãodo setor público. Era tempo de cortar gastos e,sendo possível, demitir. A situação das contasexternastambémexigiacontrolesobregastosemdivisas, aomesmo tempo em que transformavaa conquista de mercados externos em objetivoestratégicodogoverno.Após1981,nalinguagemda época, exportar era o que importava. Nessecenário,aABNTteveumafunçãobemdiferente.

Em busca de uma política para a normalização NaSecretariadeTecnologiaIndustrial,daqual dependiam quase todas as políticas oficiaispara a normalização, amudança de governo foiimediatamente seguida por uma mudança de modelosedepessoas.Aintervençãogovernamentalpatrocinada por Bautista Vidal deixou uminestimável patrimônio de instituições, técnicos epropósitos49,massuanecessáriareconfiguraçãofoicomandadapelonovotitular,JoséIsraelVargas50. A primeira e óbvia mudança estava noorçamentodestinadoaosprogramastecnológicos.OIIIPlanoBásicodeDesenvolvimentoCientíficoe Tecnológico (1979-1985) trouxe a promessahabitualdemaiorautonomia,mastambémumaredução dos recursos orçamentários, bem inferiores aos valores da década de 1970. A segundaalteraçãorelevante,umarespostaóbviaàsituaçãodascontasexternas, foiaênfasenacapacitaçãopara as exportações e uma menção pioneira àbuscademaiorsatisfaçãodoconsumidor(DIAS,JoséLuciano,1998a,p.184-185). Foi quando começou então, de forma ainda reativa,amudançadomodelodedesenvolvimentobrasileiro, e anova equipedaSTI, dispondoderecursos em escala muito inferior, precisou dar outro uso aos instrumentos legais e institucionais criados

nadécadade1970.Apósumnecessárioexamedaviabilidadedosprojetosemcurso,IsraelVargasfixouas novas prioridades: desmontar a centralização epromoverocredenciamentodeentidadesnasáreasdenormalizaçãoequalidade, instalarefetivamenteoInmetroetransformaroLaboratórioNacionaldeMetrologia em uma instituição científica de fato.Novamente,asResoluçõesdoConmetroajudaramafixarosmarcoscronológicosmaisimportantes. A Resolução nº 3/1980, já assinada peloministro Camilo Penna, reconheceu a imediatatransformaçãodoINPMemInmetroe,emoutubrodomesmoano,novasregrasforamadotadasparafacilitar a ampliação dos sistemas de normalização e decertificaçãodaqualidade.AResoluçãonº9/1980,publicada em 19 de outubro, representou uma verdadeirareivindicaçãodaABNTcomoentidadede normalização. Seu texto autorizava o Inmetroa credenciá-la como “o foro nacional na área de normalização industrial” e determinava que, porcomumacordo,promovesseaadequaçãodesuaSecretariaExecutivaeareestruturaçãodosComitêsde Normalização51.AResoluçãodeterminavaaindaque Inmetro e a ABNT formulassem um PlanoQuadrienaldeNormalização. Paracumpriressesobjetivos,anovadireçãodaSTIassinouumprotocolode intençõescomaABNT (Informativo ABNT, setembro e outubrode1979),revertendoaposiçãonadaamigáveldaresoluçãode1977:eleexigiaumregistropréviodaABNTnoSinmetroefixavaprazosparaseuregistropara a solicitação de credenciamento como foro da área de normalização industrial52. NoâmbitoespecíficodaABNT,osucessor deMontagna,oengenheiroFranciscodeAssisBasílio(1978-1980), representou uma espécie de voltaàs raízes,pela indicaçãodeumnomedeprestígioprofissionalnaengenhariadoconcreto.NascidoemPortugal, mas engenheiro pela Politécnica do RiodeJaneiro,BasíliofoiumdossóciosfundadoresdoInstituto Brasileiro doConcreto e,mais tarde, seupresidente,entre1975e197753.

49 O balanço feito por Bautista Vidal tem cores fortes: “José Israel Vargas me substituiu na STI, mas destruiu tudo o que eu fiz. Era uma secretaria muito importante e perdeu status, perdeu programa. Todos os seus principais programas. Inclusive o Programa do Álcool. A secretaria foi afastada do Programa do Álcool, que ela criou [...].” (Informação verbal obtida em entrevista concedida por Bautista Vidal, em 16 de fevereiro de 2006).50 Químico por formação, Vargas também chega ao comando da Secretaria vindo da estrutura estadual de Ciência e Tecnologia, tendo sido o criador dessas instituições quando Secretário do governo Aureliano Chaves (1970-1974) em Minas Gerais. Após deixar o governo estadual, Vargas passou os anos seguintes estudando e pesquisando na Europa, mas retornou em 1979 para comandar a STI durante quase todo o governo Figueiredo. Tal como Bautista Vidal, Vargas continuou ativo politicamente e foi ministro da Ciência e Tecnologia do governo Itamar Franco e do governo Fernando Henrique Cardoso.51 O credenciamento foi efetivado apenas pela Resolução nº 14/1983.52 No fim das contas, a Resolução nº 14, de 30 de dezembro de 1983, suprimiu qualquer formalidade e credenciou a ABNT como Foro Nacional de Normalização.53 Basílio foi também diretor técnico da Companhia de Anilinas e Produtos Químicos e chefe do Laboratório de Ensaios de Materiais e Pesquisas Tecnológicas da Associação Brasileira de Cimento Portland.

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AAssociaçãocomeçavaarespirardenovo.Nofinalde1979,foianunciadaaintençãoderetomarapublicação,em1980,doBoletimTécnico,após12anosde interrupção.OCentrodeDocumentaçãoe Biblioteca, outra iniciativa proposta pelareestruturação de 1975, também foi efetivamenteinstalado (ABNT,Relatório daDiretoria, 1979).Aindústria continuava demandando seus serviçose,em1979,onúmerodefirmasqueutilizavamamarcadeconformidadeABNTjáseaproximavadeduascentenas,emaisumproduto foiagregadoàlista:pisosdevinilamianto. O abandono do modelo estatal permitiu rapidamenteumaelevaçãonopatamardeproduçãode normas. Ela se estabilizaria em torno de 350normas publicadas por ano para chegar, ao fimdosanos1980,avaloressuperioresa600normaspor ano54.De fato,osprimeirosanosdadécadade1980foramderelativaabundânciaderecursos,e o vice-presidente, Aureliano Chaves, em seusperíodosde interinidadecomochefedegoverno,foidecisivoparaliberarrecursosorçamentáriosemmomentosdifíceis. NoâmbitodaABNT,osesforçosestiveramvoltadosparaareconquistadeespaçoinstitucional.OsegundopresidentenesseperíodofoioengenheiroHélioMartinsdeOliveira(1981-1982),queocuparacargosdedireçãonasassociaçõesdeengenheirose também a posição de secretário municipal de São Paulo, na gestão do prefeito Olavo Setúbal(1975-1979). Seus sucessores também seriampersonalidadesdeexpressãonosmeiospolíticoseempresariais,comoSérgioQuintella(1983-1984)55 eMauroThibau(1987-1988)56. O retorno à democracia em 1985,associadoaorecrudescimentodainflação,marcouo início de uma época mais difícil57. Os efeitos

dessacombinaçãosãobemconhecidosejátinhamsidovistosnopassado:altarotatividadenospostosgovernamentais, descontinuidade administrativa,dificuldades para a transferência de recursosgovernamentaiseerosãodabasedesóciosedasreceitas.AABNTmal começava a resolver seusproblemasinternos,quandoumanovaturbulênciaaatingiu.Naverdade,aescolhadeQuintellaparaapresidênciadaABNTjárepresentavaumesforçoparapromoverumaassociaçãomaissólidacomosetorprivadoeconquistarcredibilidadeparaumareformainstitucionalmaisprofunda. Apesar de todos os esforços, contudo, os problemasdegestãoherdadosdopassadonãoeramdefácilsolução.Asituaçãoorçamentáriatornou-sedelicadaporcontadeaçõestrabalhistasedecréditosnãoreconhecidospeloGovernoFederal.Tambémnão era fácil controlar a operação dos ComitêsBrasileirosapósanosdevirtualindependência. Detodomodo,anovaequipedaSTIteveomérito inegáveldeconquistarumanova fontederecursosparaofinanciamentodeseusprojetose,pordecorrência,paraaáreadenormalização.Graças à busca por vezes desesperada deempréstimos externos pelo Governo Federal,surgiu a possibilidade de um contrato com o Banco Mundial,deacordocomumapropostaoficialdoCNPq,apresentadaemdezembrode1981. Originalmente, tratava-se de um projetode financiamento para o ProgramaNacional deQuímica(Pronaq),masfoisendoampliadopelasdemandas das demais instituições de fomentobrasileiras.Emnovembrode1982,apósavisitadeumamissãodoBanco,aSecretariadeTecnologiaIndustrial incluiriacomosuademandaespecíficaprojetos na área de metrologia, normalização e qualidade industrial58.

54 Pedro Paulo Almeida Silva (2003) nota, entretanto, que mesmo esse nível elevado, em comparação ao passado, estava ainda longe do desempenho de países como Espanha ou Portugal, que editaram mais de 1.100 normas/ano, entre 1992 e 2002, contra as 363 do Brasil.55 O engenheiro Sérgio Quintella teve uma ampla carreira no setor público e privado no Brasil. Foi vice-presidente da Montreal Engenharia (1965-1991), membro do Conselho de Administração da Sulzer (1976-1979), membro do Conselho de Administração da CAEMI (1979-1983), Presidente da Internacional de Engenharia (1979-1990), membro do Conselho de Administração de Refrescos do Brasil S.A (1980-1985) e Presidente da Companhia do Jarí (1982-1983). Foi também diretor do BNDES entre 1975 e 1980 e do Conselho Monetário Nacional entre 1985 a 1990; foi Presidente do TCE entre 1993 a 2005. É engenheiro pela PUC e economista pela UFRJ. Atualmente é vice-presidente da FGV e membro do Conselho de Administração da Petrobras.56 Mauro Thibau formou-se na Escola Nacional de Engenharia, no Rio de Janeiro, e começou sua carreira pública em 1950, quando se tornou engenheiro assistente da Comissão do Vale do São Francisco (CVSF). Participou dos planos de eletrificação do estado de Minas Gerais e da primeira diretoria das Centrais Elétricas de Minas Gerais S.A. (Cemig). Sob o governo militar, foi ministro das Minas e Energia (1964-1967). A partir de então, manteve uma ativa carreira no setor privado como engenheiro e consultor. Lançou sua biografia, Mauro Thibau – Trajetória de um ministro, em 1997.57 Informação verbal obtida em entrevista concedida por Vitor Jardim, em setembro de 2010.58 Segundo Vargas: Aí eu levantei o problema de que não existia ciência experimental digna de fé no Brasil. Porque não existia metrologia, não existia qualidade, porque não se podia confiar nas medidas realizadas pela ciência brasileira. Não tinha padrão. Nessa altura, eu já tinha aprendido que o Ozires Silva, que estava construindo a Bandeirantes, pedia dinheiro à STI para levar medidores e calibrá-los no NIST. Nós não tínhamos capacidade de calibração aqui. Se ele não fizesse isso, não tinha como certificar, e você não voa no mundo sem a autorização da FAA. (Informação verbal obtida em entrevista concedida por José Israel Vargas, em janeiro de 2007).

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Com a garantia de recursos, tornou-se possívelumamudançadecultura.Deummodeloemqueasorganizaçõesgovernamentaisvigiavamoumesmoexecutavamatividadeseserviçostípicosdo setor privado, passava-se a outro mundo,onde o papel doEstado era apenas estimular esupervisionaro funcionamentode laboratórioseempresasprivadas. Noâmbitodaatividadedenormalização,o impactodas operações doPADCTedanovaabordagem na aplicação da legislação de 1973foi profundo. Houve uma verdadeira mudançade escala na publicação das normas, que ainda flutuavam em torno de poucas centenas aolongo dos anos 1970. Na segunda metade dadécada seguinte, a média de normas publicadas anualmentesituava-seemtornode600.Osdadospodemserconferidosnatabelaabaixo.

Fonte:RelatóriosdeatividadesdaABNT.

Da mesma maneira, a atividade dosComitêsBrasileirosatingiupatamaressimilaresaosregistradosnosdiasatuais.Em1989,foramcercadecincomilreuniões,envolvendomaisde32milespecialistas.

Fonte:RelatóriosdeatividadesdaABNT.

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Os detalhes da elaboração e gestão doProgramadeApoioaoDesenvolvimentoCientíficoe Tecnológico (PADCT) podem ser conferidos emoutrasfontes(DIAS,JoséLuciano,2007,p.127).Comrelaçãoespecificamenteàatividadedenormalizaçãono Brasil, é relevante notar a emergência de umaprimeirapolíticagovernamental integrada,masnãocentralizada,comumagestãorelativamenteprotegidadas conhecidas agruras da administração públicabrasileira. Ela assumiria a curiosa denominaçãodeTecnologiaIndustrialBásica(TIB): OnomeTIBémeramenteumnomefantasia [...]. A STI ficou com um programa que recebeu, do Vargas, o nome de Tecnologia Industrial Básica, porque como o grupo era ciência, tecnologia e educação, ele não podia ser uma tecnologia industrial. Então, como forma de viabilizar o programa, ele queria juntar a parte de metrologia, normalização, qualidade, propriedade, marcas, patentes, esse negócio todo. O mínimo que as empresas precisariam ter estruturado em termos de tecnologiaparapoderenfrentaromercado.Então, surgiu o nome de tecnologia industrial básica. (Informaçãoverbalobtidaementrevistaconcedida porHugoTúlioRodrigues,emfevereirode2006).

Segundo José Israel Vargas, era quasepropaganda. Tratava-se de convencer o setorprodutivodequehaviaumaespécieparticulardetecnologia,queseaplicavaaosprocessosprodutivosem geral59. Apesar de toda a turbulência políticae econômica vivida peloBrasil no curso de seuperíododevigência,oPADCTterminariasendofinanciadopornadamenosquetrêsempréstimossucessivosobtidosjuntoaoBancoMundial,emumarranjo que seria estendido até 199860.Comseusrecursos foramatendidososobjetivosprincipais:equipar o Laboratório Nacional de Metrologia,criar centros de informação tecnológica, facilitaro acesso a informações técnicas sobre normase patentes, promover a difusão das técnicas daqualidade no Brasil e financiar estudos sobre oimpactoeconômicodastecnologiasbásicas.

59 Informação verbal obtida em entrevista concedida por José Israel Vargas, em janeiro de 2007.60 Na verdade, fontes alternativas foram sendo mobilizadas ao longo dos anos, como as oferecidas pelo Programa RHAE (capacitação de recursos humanos para atividades estratégicas), pelo Programa de Apoio à Competitividade e Difusão Tecnológica do CNPq e do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Entre 1985 e 2001, os recursos despendidos chegaram a cerca de U$ 60 milhões. (SOUZA, Reinaldo Ferraz et alii, “Tecnologia Industrial Básica”. In Tecnologia Industrial Básica – Trajetória, Tendências e Desafios no Brasil, p. 33).

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Naturalmente, nem tudo eram flores. Acrise fiscal característica do governo José Sarney(1985-1990)começouaafetar,nofinaldogoverno,até mesmo a contrapartida orçamentária brasileira dos recursosobtidospormeiodoPADCT,masogolpe decisivo viria da reforma administrativa dogovernoFernandoCollordeMello(1990-1992).OMinistériodaIndústriaeComérciofoiincorporadopelo Ministério da Economia e foi extinta aSecretariadeTecnologiaIndustrial.ApromessadeestabilizaçãodoPlanoCruzadoacabouajudandooBancoMundialaaprovarumnovoempréstimoparaumprogramadecincoanos,assinadoemfevereirode 1991,mas toda a estrutura governamental deciência e tecnologia e seus programas sofreramduramentenosprimeirosanosdécadade1990. Aretomadadainflação,somadaàcrisepolíticadoimpeachmentdopresidenteCollor,consumiriaváriosanosdeumasoluçãoestável.Enquantoisso,asboasalternativasformuladas pelo próprio governo Collor demandavamtempoparaquepudessemproduzirseusfrutos. Empréstimosexternospodemajudarnoiníciodecertasiniciativas,comofoiocasodanormalizaçãonoâmbitodoProgramaTIB,masnãohácomosustentá-losindefinidamente.Parasobreviveraotestedotempo,aspolíticasdeVargasesuaequipeprecisavamdespertarointeresseprivadonacional.Ofuturodanormalizaçãoestavabemdesenhado,masoutrascondiçõessociaiseeconômicasprecisavamsercumpridas. Sem controle da inflação, por exemplo,a sensação de instabilidade econômica fazia do investimento em tecnologia a última preocupaçãodo empresariado. A mesma inflação, associada aproblemas nas contas externas, fornecia tambémumaenormeproteçãoàeconomiabrasileiracontraacompetiçãoexterna.Semcompetição,osconceitosdecredenciamentoecertificaçãoperdemboapartede sua utilidade prática. Desaparece também oefeito indutorqueo comércio internacional exercesobre o processo de normalização. Finalmente,os surtos de instabilidade política e a politização da administração61 recomendavam a adoção denovosformatos,umaconexãomaisprotegidaentregoverno,sociedadeeagenteseconômicos.

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ORelatóriodeatividadesdaABNTnobiênio1989-1990refleteaambiguidadeeadramaticidadedo momento. De um lado, seu texto reconhece acrise no “modelo de desenvolvimento industrial”,representandoumaexcepcionaloportunidadeparaaorganização;deoutro,anotaquenodia8deagostode1990,poucosmesesdepoisdobloqueiodosdepósitosbancáriospeloPlanoCruzado,adiretoriadaABNTrecebeu da Assembleia Geral o direito de alienação patrimonial. Nos primeiros anos do governo Collor deMello,aprioridadenúmeroumera,defato,sobreviver,eaoengenheiroHenriqueSilveiradeAlmeida(1989-1992), empresário e professor de engenharia deproduçãodaEscolaPolitécnicadeSãoPaulo,cabia,comopresidentedaABNT,cumpriressatarefa.Nofimdascontas,preferiu-seavançarcomamodernização.Foipossíveladquirir,comrecursoscongeladosemumleilãodeativosdaUnião,osandaresdaatual sedenoRiodeJaneiro,naRuaTrezedeMaio,nº13.Umsistema de orçamento e de processamento eletrônico dafolhadepagamentofoiadotadoeacriaçãodeumplanodecargosesaláriosdeveriaimpedir,nofuturo,osurgimentodenovasquestõestrabalhistas. Os tempos eram difíceis, mas a instituição continuava a dar provas de vitalidade. Foramaprovadas 1.285 novas normas técnicas no biênio1989-1990 e foi completada a adaptação da ISO9000aoambientebrasileiro.Foi tambémcriadooComitê Brasileiro de Segurança contra Incêndio(ABNT/CB-24) e mais 850 normas foram levadaspararegistronoInmetro.UmsubprogramaespecíficodoPADCT, aprovado em1984para a criação deumSistema deNormas e Regulamentos Técnicos,trouxe recursos para a organização de uma redede informações e contratação de pessoal. Comoprova final de sua sobrevivência, aABNT realizouo I Congresso Internacional de Normalização eQualidade,umeventodeboarepercussãoepresençadeespecialistasestrangeiros. A essa altura, também se manifestava olado positivo do governo Collor. Confrontado pelanecessidadedeapresentarumanovaretóricaparaseusesforços de reforma econômica, ele tornou o conceito

61 O Ministério da Ciência e Tecnologia teve uma história movimentada ao longo do governo Sarney, como reflexo da recriação constante do gabinete presidencial em função da busca de apoio político no Congresso. Como Ministério, ele foi criado logo em março de 1985. Em janeiro de 1989, uma Medida Provisória o extinguiu, criando o Ministério do Desenvolvimento Industrial, Ciência e Tecnologia. Ainda em novembro do mesmo ano, a pasta foi restabelecida para ser extinta novamente em abril de 1990 pela reforma de Collor, que a transformou em uma Secretaria ligada à Presidência da República.

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EdifícioemqueestáinstaladaasededaABNT,noRiodeJaneiro.

ABNTemSãoPaulo:em2005,aidentidaderesgatada.

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daqualidadevisívelparaaopiniãopúblicabrasileira,chamando os automóveis brasileiros de carroças eoferecendo uma visão alternativa sobre o que, noBrasil,seconsideravaumapolíticaindustrial. Na área comercial, foi promovida umaabertura unilateral que criou muitos problemas para o setor industrial,masacabou sendo irreversível napromoçãodemaiorcompetitividade.Noespaçodepoucosmeses,as ideiasdoprogramaTIB, lançadasdezanosantes,passaramdeexperimentosàcondiçãodeumanecessidadeeconômicabemconcreta. Em consequência, a ABNT começou a serintegradaaonascenteesforçodogovernobrasileiroemfavordosprogramasdaqualidade.AindanogovernoCollor,aCasaCivildecidiufinanciarofuncionamentodos Comitês Brasileiros de Normalização62 e a reestruturaçãodosistemadecertificaçãofoiiniciadano ano seguinte, que também marcou um recorde no registrodenormaspeloInmetro:1.459. A ABNT acabou convocada a participarna elaboração do novomodelo de normalização, jáem linhacomaspolíticasdaqualidade,econseguiurecursosparaorganizaroIICongressoInternacionaldeNormalização.Foitambémcriado,em1991,umComitêBrasileiroquemarcariaahistóriadanormalizaçãonoBrasil:odaQualidade(ABNT/CB-25). Emmeados de 1992, o governo Collor deMellopareciacondenadopoliticamente,enquantosuapolíticaindustrialedecomérciointernacionalrevelavaseupotencial promissorparaaABNT.Dopontodevista institucional, portanto, a questão não eramaissobrevivere,sim,enfrentar,deumavezportodas,odesafiodagestão,umamaldiçãoquepareciacondenaraorganizaçãodesdeofinaldedécadade1970. Um relatório especial, preparado em1993, pelo engenheiro Cláudio Mariano, secretário

executivonagestãodopresidentedaABNT,AntônioMárcioAvellar(1993-1995),examinoualgunsdessesdilemas63.Osbenefíciosdonovomodelodepolíticaeconômica não se faziam ainda sentir, mas seus efeitos colateraiserambemclaros. O trabalho de certificação da ABNT,por exemplo, havia entrado em crise, pois suacontinuidade dependia do credenciamento pelo Inmetro,eestecredenciamentoexigiamodernizaçãodaspráticaseprocedimentos.Alémdisso,aABNTnão tinha mais o monopólio da avaliação daconformidade e antigos clientes, como a Associação BrasileiradeCimentoPortland(ABCP)eosprodutoresdeequipamentocontraincêndio,passaramaexigirarevisãodecontratosecustos. O fim do monopólio da certificação daconformidade também revelara outra deficiênciahistórica: a falta de investimento na divulgação dasatividades e funções da ABNT. Por fim, de nadaadiantava mais um plano emergencial de corte degastosecaptaçãodecontribuições, comooadotadoem1993, seoGovernoFederalnãocumprisse seuscompromissoscomatransferênciaderecursos. As oportunidades existiam, mas a ABNTprecisava de uma fonte sólida de financiamento,inclusive governamental, de uma gestão moderna ede capacitação para enfrentar a competição e falar àsociedadebrasileira,nosentidoamplodessaexpressão. SegundooengenheiroVitorJardim,oanode1993podetermarcadoopontomaisbaixodatrajetóriada ABNT. Daí em diante, começaria um processolento de recuperação, garantido inicialmente por um empréstimodaFinepepelarenegociaçãodasdívidascomoInstitutoNacionaldoSeguroSocial(INSS),masodesafiodagestãocontinuariavivoparaaABNTatéofinaldoséculoXX64.

62 Informação verbal obtida em entrevista concedida por Reinaldo Dias Ferraz de Souza, em agosto de 2010.63 Avellar teve uma longa carreira na Comgás, chegando a superintendente e, por meio de um amplo entendimento entre governo e setor privado, terminou indicado pela Fiesp para a direção da ABNT.64 Informação verbal obtida em entrevista concedida por Vitor Jardim, em setembro de 2010.

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Enquantoanormalizaçãobrasileira viviaodesafiodeadaptar-seàmudançanomodelodedesenvolvimentobrasileiro,noplanointernacionala globalização aumentava sua pressão sobre ossistemas nacionais de pesquisa tecnológica. Empraticamente todos os países desenvolvidos, asentidades de metrologia e de normalização e as políticasparaaqualidadeviviamummomentoderedefiniçãodemissõesedenovasconexõescomosgovernoseasempresasprivadas. No papel, o Brasil parecia preparado paraessemomento.A ideiadeumconjuntodeserviços tecnológicos descritos como básicosestava consolidada e aceita pelas autoridadesgovernamentais e pelo setor privado, sendoperfeitamente compatível com o ambienteeconômico mundial65. Além disso, por maisincerto que fosse o futuro, era certo que o modelo de intervençãoestatal, previstoparaoSinmetroem1973,nãofuncionara.Anormalização,emseuformato original, privado e consensual, adotadonos anos 1940, conseguira sobreviver. Quandoos projetos de reforma econômica e abertura comercial se consolidaram politicamente, graças aoPlanoReal,em1994,aformulaçãoescolhidaparaatecnologiaindustrialbásicaestavanolugarcertoenahoracerta. Oproblema,dopontodevistadaABNT,équenãobastavaestarnolugarcertoedojeitocerto. A prosperidade econômica do mundodesenvolvido nas últimas décadas do séculoXX, gerada pela globalização e fortalecida pela consolidação da democracia em escala mundial,

redobrava suas exigências sobre a normalizaçãointernacional.NoBrasil, contudo,aquestãorealera se tais demandas serviriam para forçar amodernização da ABNT ou se terminariam apenas realçandooatrasorelativodopaís.

Traços do novo cenário No campo específico da normalização, omarcomaisimportantedonovocenárioeconômicoe tecnológico talvez tenha sido o Acordo sobreBarreiras Técnicas ao Comércio (Technical Barriers to Trade,TBT),aprovadoem1995.Suaassinaturafez parte do processo de transição entre as rodadas do Tratado sobre Tarifas e Comércio (GATT), responsáveis pela liberalização comercial após aIIGuerraMundial epela criaçãodaOrganizaçãoMundialdoComércio(OMC).Oconjuntoderegrase instituições do comércio internacional mudara,incorporandoumanovaênfasenanormalização. Otratadosobrebarreirastécnicasmarcavaoreconhecimentooficialdaimportânciaeconômicada profusão de normas e regulamentos técnicos em todoomundoedeseu impactosobreavidadasempresasedassociedades.Nãohaviacomorecuarna busca da qualidade e da proteção do consumidor edomeio ambiente,mas essabusca tinha custoseconômicoseafetavaastrocascomerciais. De um lado, normas e regulamentos técnicos funcionam como proteção para as economias nacionais e, na falta de tarifas, como instrumentos de política comercial(WILSONeOTSUKI,2004).Deoutrolado,nãoétrivial,paraosgovernosnacionais,administraressa proteção. Além dos dilemas tecnológicos

65 Reinaldo Ferraz, em comunicação pessoal ao autor deste livro, lembra ainda que o caráter sistêmico estava apontado, na verdade, desde a confi guração do Sistema de Tecnologia Industrial da década de 1970, que também incluía organizações responsáveis pelas políticas de propriedade intelectual e transferência de tecnologia.

A ABNT e a norma contemporânea

Capítulo 6

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envolvidos no desenho dos regulamentos e suasimplicaçõesestratégicas,ameraquestãodocontextotemporaldaaçãogovernamentalérelevante. A imposição de uma determinada tecnologia ou especificação, expressa em um regulamentotécnicocomforça legal,podenão levaremcontaaevidência científica definitiva e condenar todo umsetoreconômicoaumdesempenhoinferiorouforçaraadoçãodeumatecnologiamenoseficiente.Váriosexemploshistóricossãoconhecidosevãodesdeousoagrícola de pesticidas, regulado pelo Departamento deAgricultura dosEstadosUnidos, até a tecnologiadosreatoresnuclearesparausocivil(CABRAL,LuíseKRETSCHMER,Tobias,“Standardsbattlesandpublicpolicy”.InGREENSTEINeSTANGO,2007,p.336). NoqueserefereaoBrasil,eravisível,desdea década de 1970, que as empresas dos países emdesenvolvimento tinham dificuldades para cumpriras exigências impostas por normas e regulamentostécnicoseparagarantiracessoaosmercadoseuropeus.No fim das contas, desistiam de exportar. Obter acertificação de conformidade – a garantia de queumprodutoobedeceàs especificações legais - éumprocessocaro,eaobediênciaàsnormasvoluntáriasécondiçãonecessáriaparaosucessodasvendasexternas(MASKUS, K.E., WILSON, J.S. e OTSUKI, T., “An empiricalframeworkforanalyzingtechnicalregulationsand trade”. InMASKUSeWILSON,2001). [...] De fato, a certificação, por ser de terceira parte,comoscustosdasauditoriaseasperiódicas reavaliações,parafinsdemanutençãodascertificações, éconsideradaumcomponentecarodoprocesso.Isso vez por outra leva à discussão sobre outras modalidadesdeAvaliaçãodaConformidademenos onerosas, como, por exemplo, a Declaração do Fornecedor,antesconhecidacomocertificaçãode primeiraparte,umequívocotécnico.Defato,ouso daDeclaraçãodoFornecedoréalgomaiscomplexo do que parece, não desobrigando o fabricante de recorreralaboratórios,segundoomodeloaquese referir. Na Europa são oitomodelos, conforme a naturezadoproduto.Entretanto,aspré-condições para o uso dessa modalidade, a meu ver, são: justiça e leis que funcionem, consumidor informado econcorrênciaatenta.Levantamentosmaisrecentes indicam que mesmo na Europa há um número expressivo da não conformidade com o uso da SDoC (Supplier declaration of conformity) [...]. (Informaçãoverbalobtidaementrevistaconcedida porReinaldoFerraz,emjaneirode2007).

O problema era reconhecido nos artigosoriginais do GATT sobre regulamentos técnicos e normas,masseuestudoavançoucomlentidãoe,apenasem1979,aofinaldaRodadadeTóquio,houveumprimeiroacordoemtornodoassunto.OAcordodaOrganizaçãoMundialdoComércioveio, também, para fortalecer e esclarecer essasprovisões. O TBT reconhece o direito dos paísessignatários de estabelecer garantias necessárias para a proteção de sua economia ou de sua população,massobumcritérioderazoabilidade.Regulamentosenormastécnicasnãopodem,porexemplo, constituir barreiras desnecessárias aocomércio. Sua elaboração deve ter como focoos processos e não os produtos. Há um artigorelacionandoascondiçõesquepodemjustificaraimposição de regulamento ou norma técnica, e o mesmoprincípiogeralaplica-seàcertificaçãodeconformidade.Porfim,existemtambémcláusulasqueimpedemadiscriminaçãodepaíses. De todo modo, a relevância dessasdisposições pode ser medida pelo aumento dasdisputas na Organização Mundial do Comércio(OMC), tanto em torno do TBT, quanto de seucorrelatoparaquestõessanitáriasefitossanitárias,ochamadoAcordoSPS.Nessecenário,atradicionaldisputa em torno do custo econômico de tarifas ou subsídios é substituída pela contestação de normas e regulamentos, e a resolução desses conflitosexigeaapresentaçãodeevidênciasbemmaissofisticadassobreoimpactodessasbarreiras(MASKUS, Id., Ibid., p. 11).Comoasnormas eregulamentos técnicos cobrem tambémquestõesrelativasàdefesadasaúdeedomeioambiente,atémesmoaspectoscientíficosprecisamserdiscutidosnocursodasdisputasentrenações. Paracomplicaressecenário,arepetiçãodeestudossetoriaisrelativosatodotipodetecnologia,comimpactosvariadossobreaeconomiaglobal,vem confirmando uma avaliação antiga: não éfácil estabelecer com precisão a inter-relação entre umdeterminadopadrãotecnológico,seumercadoconsumidor e a rede de fornecedores e produtores quedeledependem.Emumcasobemconhecido,dos navegadores na internet, não foi suficiente

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paraoNetscapeassegurarsuasobrevivêncianemo pioneirismo, nem também a conquista rápida de umafraçãodominantedomercado.Nãosesabia,naverdade,nemqualseriaarealdimensãodessemercado(BRESNAHAN,TimothyeYIN,Pai-Ling,“Standardsettinginmarkets:thebrowserwar”.InGREENSTEINeSTANGO,2007,Capítulo1). O estabelecimento ou não de evidênciaempírica acerca do impacto econômico de normas e de regulamentos afeta a negociação dos acordos de reconhecimentomútuo (MRA) e das normasvoluntáriassobreocomérciointernacional. De acordo com a melhor teoria, normascorrigem falhas de mercado na provisão deinformação, e sua difusão deveria aumentar aeficiência global. Normas, contudo, não geramcomponentes diretos do preço, como tarifas e quotas, sendodifícilquantificarseuefeitoespecíficosobreaoperação dos mercados. Paradoxalmente, não seconsegue definir precisamente seu impacto, maspersisteavisãodequenormaspodemimporcustos,estabelecer regras excessivas e prejudicarmais osfornecedores estrangeiros que os nacionais66. Normas e regulamentos técnicos não afetam astransaçõescomerciaisdamesmamaneiracomotarifas ou quotas e seus efeitos dependem também da estrutura dos mercados, de sua interação com outras normas e regulamentos e do estágio de cada cadeia produtiva afetada. Como ficou registradoem capítulo anterior, normas e regulamentos não são produzidos por entidades neutras, mas por organizaçõesnacionaisquerefletemumdeterminadosistema político. Na prática, existem verdadeirascamadas de normas nacionais e internacionais, cada uma refletindo um momento particular decada economia e sociedade, em termos políticos e tecnológicos(NADVIeWÄLTRING,2002). Por fim, existe ainda a incerteza emtorno do balanço ideal entre a necessidade de normalização e o imperativo de manter abertosos canais da inovação, ou entre a regulaçãogovernamental e a livre competição. Em umambiente dessa natureza, persistem razões paraassumir que o formato corrente da normalização voluntária ainda representa a melhor solução

para esses dilemas, mesmo que não seja sequer possível uma demonstração rigorosa e globaldessefato(FARREL,Joseph,“Shouldcompetitionpolicy favor compatibility?”. In GREENSTEIN eSTANGO,2007,Capítulo12). Além do impacto das normas sobre o comércio, é preciso registrar também a complexidade do novo regime internacional eos fatores que qualquer negociação comercial precisa mobilizar. Mesmo a proteção necessáriaà economia dos países menos desenvolvidos– uma necessidade reconhecida pelos tratadosinternacionais–exigeacapacidadedeprocessaredeliberarsobreinformaçõestécnicas.Aelaboraçãode normas e regulamentos técnicos nos dias de hojejárequermaisdoquemetrologiaeavaliaçãoda conformidade, avançando também para ocampodainformaçãotecnológica,dapropriedadeintelectualedastecnologiasdegestão. Ao mesmo tempo em que se amplia o âmbito da atividade de normalização, aumentaopesodasescolhasfeitasnoplanointernacional.Nasceumaduplaexigênciaparaasorganizaçõesde normalização nacionais: é preciso absorverrapidamente a Norma Internacional e tambémdesenvolveracapacidadedeparticipardeformaefetivanasuaelaboração.Umamissãoqueé,aomesmotempo,políticaetécnica. O reconhecimento da pertinência domodelocorrentedenormalizaçãocontinuaexigindouma consideração detida de suas dificuldadesespecíficas.Produziroconsensoentreespecialistaséumatarefacomplexa,easconsideraçõestécnicascontinuam sendo dominantes, reduzindo o peso de imperativoscomerciaisquemuitasvezesdefinemofuturodeumprodutooudeumatecnologia.Osorganismos de normalização, como qualquer outra organização, tambémsãovulneráveisapressõesinternas e a grupos de interesses. Por fim, nãose pode desconsiderar a influência das agendasgovernamentaissobreoprocessodenormalizaçãoeopesodameraconjunturatemporal. Há mesmo uma conclusão interessante na análise de PeterGrindley67: omaior papel doscomitêstécnicoscontinuasendolevar,paraasfirmas

66 Informação verbal obtida em entrevista concedida por Reinaldo Ferraz, em janeiro de 2007.67 É quando Peter Grindley expõe os dilemas da normalização na forma de jogos (2002, p. 66).

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epartesenvolvidas,informaçõesmaisprecisassobreos ganhos do processo. Os comitês estimulam adecisão de participar por três razões diferentes: (a)oferecemum espaço para a troca de informações,(b) disponibilizam a informação inicial básica para oprocessodeproduçãodoconsensoe,porfim,(c)educamosusuários. A questão prática para a normalização contemporânea, portanto, não é decidir entremercados ou comitês, mas escolher a melhorcombinaçãopossívelentreambos.Ouseja,definir,acadacaso,ograudeorientaçãoqueosgovernospodemofereceraosmercadosedefiniranaturezada participação que cabe aos agentes do mercado (GRINDLEY,2002,p.70-72). Este novo ambiente da normalizaçãointernacionalnãoencontrou,comovisto,oBrasilem uma situação favorável. Não é desdouroreconhecer que a normalização brasileira aindaconvivia com os problemas criados para aABNTpelafaltadeenvolvimentoprivadoepelaturbulênciaeconômicaqueenvolveuopaísentre1990 e 1994. Até mesmo dívidas trabalhistas– uma ameaça permanente para organizaçõesprivadasnoBrasil-prejudicavamacontinuidadedos trabalhos da ABNT quando havia urgênciana recuperação do tempo perdido (ABREU,JoséAugustoPintode,“Normalizaçãoe20anosdeTIB noBrasil”. In TIB: Trajetória, desafios etendênciasnoBrasil,2005,p.103). Umexemplotípicodarelaçãoincertaentregoverno,ambienteeconômicoeABNTnessesanosdedificuldadeséoferecidopelaatividadedecertificação,fonteimportantedereceitasdaentidade. Como relatado em capítulo anterior, não faltoupioneirismonaatividadedecertificaçãodaABNT.O tema foi discutidono final dadécadade 1940 e, duas décadas mais tarde, estavabem organizado, ao menos no que se refere aos extintores de incêndio. No final da década de1970,umnovocampodeatividade foi incluídoporiniciativadaAssociaçãoBrasileiradeCimento

Portland(ABCP)eumconvênioentreasentidadesatribuiuàABNTatarefadecertificaçãodocimento,cabendoàABCParealizaçãodosensaios68. Uma interpretação estatal das regras doSinmetro levou à exclusãodas atividades decertificação no âmbito da ABNT, deixando aentidade sem uma fonte importante de receitas esemapossibilidadededesenvolverumtipodeexpertiseimportanteparaaeconomiabrasileira.Areversãodessecenáriofoilenta.

Começando a acertar o passo OCódigo deDefesa do Consumidor (Leinº 8.078) foi publicado em 11 de setembro de1990e,noanoseguinte,aABNTteveseupapelnafundaçãodaAssociaçãoMercosuldeNormalização(AMN),maso empuxodaspolíticasdaqualidadechegourealmenteàatividadedenormalizaçãoem1992,quandoogovernoreuniuasváriasinstituiçõespertinentesparaaelaboraçãodeumnovotermodereferência.Naprática,eramaisumadiscussãosobrearelaçãoentreumaentidadeprivada–aABNT–esuasváriascontrapartesgovernamentais69. Maisumavez,aABNTestavaemquestão.O risco, naquele momento, não era de estatização, mas de adoção do modelo norte-americano de normalização setorial. Como examinado noCapítulo2,oANSInãodesenvolvenormas,apenascredencia outras entidades técnicas e consolida o seu trabalho. Nas condições brasileiras, aproposta certamente despertava o interesse dossetores de normalização intensiva, onde haviaboasoportunidadeseconômicas. Anegociação,complexaedifícil,serviuaomenosparaqueaABNTdefinissecomclarezaoqueconsideravasuapautamínimaeasposiçõesdeondenãopoderia recuar.Deacordo comVitor Jardim,então Diretor de Normalização da ABNT, quatro pontos estavam acima de qualquer concessão: aentidadedeveriacontinuarforadaórbitadoEstado;deveriasemantercomoforoúnicodenormalizaçãonopaís;serorepresentantedoBrasilnaISOena

68 O secretário executivo de ambas as associações era o mesmo, Francisco Basílio.69 A discussão foi travada no âmbito do Comitê Nacional de Normalização (CNN), criado pela Resolução nº 6, de 24 de agosto de 1992, para assessorar o Conmetro na área de normalização; promover a articulação institucional entre os setores privados e governamental na área de normalização; promover atividades de fomento à normalização; analisar e aprovar o planejamento do Sinmetro e ser o órgão de recorrência administrativa do Sistema Brasileiro de Normalização. Suas reuniões se estenderam até 1999, mas sem uma decisão final sobre um novo Sistema Brasileiro de Normalização. Retomou seus trabalhos em 2001, transformado em Comitê Brasileiro de Normalização (CBN). Essas informações são do site do Inmetro.

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Adiretoria,noeventode70anosdaABNT:marcohistórico

LançamentodaABNTNBRISO14064:2007:norma técnica para combate aos gases de efeito estufa

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IEC; e, por fim, caso fosse adotadoomodelo denormalizaçãosetorial,aABNTdeveriaseraagênciaacreditadora dessas entidades70. Afortunadamente, o governo Collor,àquelaalturade1992,perdiaforça,eaposiçãooficial namesa de negociação seguia amesmatrajetória. Nada aconteceu e a NormalizaçãoBrasileira atingiu a era da qualidade no formato geraldefinidonadécadade1940. Amudança de ambiente chegou à direçãodaABNTapartirdagestãodoengenheiroquímicoMário Gilberto Cortopassi, presidente do ConselhoDeliberativoentre1996e2000.Consultoreempresárionocampodasfibrasquímicasdesdeadécadade1970,Cortopassitinhaumalongaexperiêncianaatividadede normalização, tendo sido presidente do ComitêBrasileiro de Têxteis e doVestuário (ABNT/CB-17)edoComitêBrasileirodeMáquinaseEquipamentosMecânicos (ABNT/CB-04). Sua eleição já refletia apreocupação com uma atuação internacional mais intensa: Cortopassi tinha sido tambémmembro daCoalizãoEmpresarialBrasileira,umgrupoorganizadopelaConfederaçãoNacionaldaIndústriaparaapoiarogovernonaformaçãodeblocoseconômicos. Emsuagestão,houveumprimeiromomentorelevante. Após iniciar a formação de auditores, em1995, o Inmetro finalmente decidiu credenciar ainstituição para emitir certificados relativos a Sistemasde Gestão da Qualidade, de acordo com as normasdasérieABNTNBRISO900071.AABNTteria,assim,condiçõesdeparticipardo fenômenodanovapolíticaindustrialbrasileira:arápidadifusãodasnormastécnicasdequalidade.Tratava-senãoapenasdegarantir umafonte de receita, mas de conquistar prestígio junto ao setor privado.Umsegundomomentorelevanteveioemjunhode1996:oBrasilsediouaReuniãoPlenáriadaISO,queaprovouaISO14000,normasobregestãoambiental. Não há indicaçãomais forte sobre o novomomento da ABNT e da normalização brasileira do que a eleição posterior de Cortopassi para a presidênciadaISO,nobiênio2001-2002.Elefoioprimeiro presidente da organização proveniente deumpaísemdesenvolvimento.

Esse perfil da presidência da ABNT,mais empresarial que estatal, seria mantido nas gestões de Jayme Ferreira Brandão(2000-2001), cuja carreira profissionalincluíaaposiçãodegerentegeraldeRelaçõesInstitucionais daMultibrás S/A e do GrupoBrasmotor, e de Francisco Sanz Esteban(2001-2002),diretordaVotorantinCimentosedaFiesp,enquantoexerciaapresidênciadaAssociação Brasileira de Cimento Portland(ABCP)edoSindicatoNacionaldaIndústriadoCimento. Sob a presidência de Francisco Esteban,oConselhoDeliberativodaABNTjáexibiaumacomposição bem diferente. No lugar do EstadoMaiordasForçasArmadas(EMFA),estavaagorao Ministério da Defesa; no lugar do Ministériodo Planejamento, figurava o Ministério doDesenvolvimento,IndústriaeComércioExterior. Entre os sócios mantenedores, haviaalgumas presenças constantes no passado, como a Fiesp,aAssociaçãoBrasileiradeCimentoPortland,a Petrobras e o SindicatoNacional da IndústriadeMáquinaseEquipamentos(SINDIMAQ);entreossóciosmaisrecentes,aAssociaçãoNacionaldeDistribuidoreseProcessadoresdeVidrosPlanos,aBahiaSulCelulose,aResmatParsch–Sistemascontra Incêndios - e a Yanes Minas Indústriae Comércio. Não faltavam, naturalmente, osrepresentantesdosprodutoresdematerialelétrico:Pirelli,Pial,SchneiderElectricdoBrasil. Ainda no Conselho, havia um sóciocontribuinte da microempresa, a Associação Brasileira da Indústria de Artefatos eEquipamentos Médicos, Odontológicos,HospitalaresedeLaboratórios(ABIMO).Entreos sócios coletivos, parceiros de longos anos:aAssociaçãoBrasileirada IndústriaElétricaeEletrônica (ABINEE), o Serviço Nacional deAprendizagem Industrial (SENAI), oSindicatodaIndústriadaConstruçãoCivildoEstadode São Paulo (SindusCon-SP) e quatro ComitêsBrasileiros, o ABNT/CB-24 - Segurança contraIncêndio, o ABNT/CB-36 - Análises Clínicas e

70 Informação verbal obtida em entrevista concedida por Vitor Jardim, em setembro de 2010. Jardim nota ainda que a posição governamental sofria também com a diversidade de visões mantidas em instituições-chave, como o próprio Inmetro.71 Hoje, a ABNT Certificadora detém a Marca de Conformidade para Sistemas Certificados (ABNT NBR ISO 9001:2008, ABNT NBR ISO 14001:2004, ABNT NBR 16001:2004 ou OHSAS:2007 e ABNT NBR ISO/IEC 27001:2006) e a Marca de Conformidade para Produtos Certificados, que inclui a Marca de Segurança ABNT.

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Diagnósticoin Vitro,oABNT/CB-08-AeronáuticaeEspaço–eoABNT/CB-09-GasesCombustíveis. Esteban não economizou palavras namensagem ao Conselho, publicada no Relatórioanual da ABNT, sobre o momento vivido pelaAssociação. Classificou como “marco” o ano de2002, final de sua gestão, mesmo reconhecendoas dificuldades administrativas e financeiras e aincapacidadedeatenderàcrescentedemandapornormas técnicas72.OpassivofinanceirodopassadofoienfrentadograçasàadoçãodochamadoPlanoMaster,quepreviaempréstimossubstantivos juntoaos grandes associados, que seriam quitados pela administração seguinte.Nadamenos que 74empresas e entidades aderiram ao plano emergencial de financiamento, reconhecendo dessa forma aimportânciadaABNTparaassuasatividades. Outro sinal de recuperação institucional foi oapoiodoMinistériodaCiênciaeTecnologia,pormeiodeumconvênioespecíficoparaopagamentodasanuidadesdevidasàsorganizaçõesinternacionaisedoprojetoABNTGlobal.FinanciadopelaFINEP,oprojetopreviaummontantede2,5milhõesdereais,porumprazodedoisanos,evisavaàgarantiade recursosparaamelhordifusãodasnormas, aprodução mais rápida de documentos técnicos e a participação da Associação nos foros internacionais de normalização. Após várias décadas depromessasnãocumpridas,tentativasdeestatizaçãoe negligência, o Governo Federal começava acumprir seus compromissos com a instituição73. Naturalmente, a ABNT teria de oferecer uma mudança correspondente em termos de gestão, para assegurar sua credibilidade perante osnovos sócios eos contribuintesdeplanosderecuperação e também perante o governo. NoRelatóriodaDiretoriade2002,EstebanenumeraosComitêscriadosnoConselhoConsultivo,umaestrutura de planejamento, gestão e controle, comopropósitodeevitararepetiçãodosvelhosproblemasecriarumnovoambienteinstitucional:Recursos Financeiros, Planejamento Estratégico,

GovernançaCorporativaEstratégica,GovernançaCorporativa de Gestão e Administração e,naturalmente,umComitêdeÉticaeSindicância.Nesse último caso, a abordagem dos trabalhosbuscava equilibrar a apuração de desvios commecanismosparaevitarsuarepetição. Era,defato,oiníciodeumnovotempo74

eEstebancelebrouaparceriafirmadacomoIPT,queofereceuàABNTvárias salasemseuprédionocampusdaUniversidadedeSãoPaulo.Aofinalde 2002, foi também formado um Grupo-Tarefa sobre Responsabilidade Social, que participoudos primeiros debates sobre a futura norma. Porfim,em17dedezembrode2002,foieleito,paraa presidência do Conselho Deliberativo, PedroBuzatto Costa, com um mandato de dois anos.Seria apenas a primeira de várias gestões queconsolidariamatransformaçãodaABNT.

Normalização no século XXI A consolidação era necessária, pois a atividade de normalização não mais se reduziaao mero mapa das tecnologias industriais. Se aolongo dos anos 1990 considerações econômicasconvencionaisaindaprevaleciamnadeterminaçãodeseusplanosdetrabalho,noiníciodoséculoXXIocampodanormalizaçãoexpandia-sepraticamenteemtodasasdireções.Quandoossetoresindustriaiseram o foco quase exclusivo da normalização, oatraso relativo de uma nação poderia sermedidocom precisão e, então, recuperado em um tempo determinado.Esteeraoformatododiagnósticodogovernobrasileiro,porexemplo,noiníciodadécadade1970.Nascircunstânciasatuais,umatrasorelativonoprocessodenormalizaçãopodeafetaropróprioníveldoprogressodeumasociedade. Em2005,oComitêdeGestãoTécnicadaISOdefiniacomoáreasprioritáriasdeatuaçãoanormalizaçãono campo da segurança, da responsabilidade social, dos sistemas de gestão, da segurança de alimentos, do turismo, da nanotecnologia e das mercadorias de segundamão(MURPHYeYATES,2009,p.34).Um

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72 A ABNT seguia endividada e sua situação foi agravada pela compra de um imóvel na Avenida Paulista, em 1999. Em 2002, a diretoria decidiu alugar parte desse espaço para levantar recursos e aceitou a oferta do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) para transferir-se, sem custos, para suas dependências, na Avenida Professor Almeida Prado, 532, Prédio 1, 3º andar, na Cidade Universitária.73 Na recuperação da ABNT, o Plano Master trouxe 1,65 milhão de reais; o convênio com o Ministério do Desenvolvimento, 1,11 milhão; e com o Ministério da Ciência e Tecnologia, 1,13 milhão de reais.74 Um indicador simples da mudança de cenário é o número de produtos e serviços cobertos pela atividade de certificação da ABNT: campo de treinamento, colchão, conforto do calçado, extintor de incêndio, indicador de pressão, isolante térmico, mangueira de incêndio, manutenção de extintores, porta corta-fogo, sprinklers, certificados de conformidade, aço longo, aço plano, caixilho de aço, cerâmica vermelha, certificado de lote, cimento Portland, qualificação de construtoras, telhas de aço, tubos de aço e conexões.

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ReuniãodaISO,naBahia:BrasileSuéciacoordenamaelaboraçãodaNormaInternacionaldeResponsabilidadeSocial

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conjuntodeatividades jádistantedas convençõesdopassadosobreoobjetodeumanorma. O caso da norma de gestão ambiental, a ISO 14001, teve especial relevância para ascondições brasileiras. Este tipo de norma, comseus custos difusos para a economia e requisitos de transparência para as empresas, nunca foirecebidocomsimpatiaporpaísescomoosEstadosUnidos,mas a experiência recentemostrou que,para os países em desenvolvimento, sua adoçãoé importante como parte de sua definição deidentidade e, portanto, de sua estratégia de mercado (Id.,Ibid.,p.80).Aconformidadeànormaassume,nesseponto,umsignificadocompletamentenovo. NoBrasil,oavançodocompromissocoma normalização ambiental por parte das grandes empresasalcançoureconhecimento internacional,em uma evidente consequência damudança nomodelodedesenvolvimentoedorestabelecimentodademocracianopaís.EventoscomoaConferênciadaTerra, em1992, e os Foros SociaisMundiaisde 2003 foram marcos do maior interesse público notema.MurphyeYateschegammesmoasugerirque a posição especial do setor financeiro nopaís – realçada pela convivência com a inflaçãoe, depois, pela sua centralidade no processo de estabilização – ofereceu condições para que esteassumisseumaposiçãodevanguardanadefesadasresponsabilidadessociaisdomundocorporativo: Por volta de 2005 – uma década depois da publicaçãoinicialdaISO14000-,opesoacumulado da evidência sugere que as empresas que usam a norma também cumprem mais completamente a legislaçãoambientalqueoutrasfirmassimilares. Alémdisso, há evidência relativamente convincente demelhoriasnodesempenhoambientaldaquelasque adotam a norma: poluem menos do que poluíam nopassadoepoluemmenosquesuasconcorrentes.E mais: um estudo bem desenhado indica que a intenção das empresas de atuarem em mercados onde a ISO 14000 era um suplemento voluntáriooumesmoosubstitutodeumalegislação ambiental estava alimentando a rápida adoçãodanormaemtodoomundo(p.78).

No contexto da globalização, em que astransações comerciais sofrem a influência crescentede considerações de natureza política e social, pormotivos legítimos ou estratégicos, a adoção de

normas ambientais ofereceu, no mínimo, um sinal de obediênciaàsmelhorespráticas.ParaumpaíscomooBrasil, buscando espaçonosmercados externos evulnerávelaumnoticiáriopolêmicosobreadevastaçãoda Amazônia e sobre questões sociais, a NormaInternacionalofereciaumaoportunidadeetanto. Ao menos dificultava movimentosprotecionistasdospaísesdesenvolvidosdisfarçadosde exigências de preservação e de respeito aomeio ambiente. Novamente, um efeito socialpositivo domodelo da normalização consensualaplicada em uma área onde seriam previsíveisimpactosnegativossobrealucratividadedecertossetoresindustriais(PRAKASHePOTOSKI,2006,Capítulo6,p.171). A intensidade dessa transformação sobre a ABNTpodeseranalisadaporseuenvolvimentocomosmarcosmodernosdanormalização.NocursodadifusãodasnormasdeGestãodaQualidade,aISO9001,oBrasilapenasreagiu,tardiamente,àinovação.Na elaboração das normas ambientais, a situação eraoutrae,graçasàparticipaçãodegerentesdaCia.ValedoRioDoce,comamplaexperiêncianagestãoambiental,aABNTexerceuinfluênciarelevante.Nocasomais recente, envolvendo a responsabilidadesocial, as empresas brasileiras tiveram um papelpioneiro. Participaram da elaboração da NormaBrasileiradeResponsabilidadeSocial,contribuindopara que a ABNT conquistasse posição de liderança naelaboraçãodaNormaInternacional75. A aprovação da ISO 26000 é umassuntonaturalmentepolêmico, por incluir temasrelacionadosàsrelaçõesentrecapitaletrabalho,eporqueiniciativasanterioresconduzidaspelaONUou por organizações não governamentais (ONG)registraram pouco progresso76. Um relatóriopreparatório,apresentadoem2004aoComitêdeGestãoTécnicadaISO,autorizouoiníciododebatesobre a norma de responsabilidade social e este Comitê passou a ter coordenação compartilhadapor dois países: um do norte desenvolvido, aSuécia, por meio de seu organismo nacional de

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75 Informação verbal obtida em entrevista concedida por Reinaldo Dias Ferraz de Souza, em agosto de 2010.76 É curioso notar que o tema era menos polêmico nos anos 1950, quando havia grande otimismo com relação ao impacto positivo da normalização:

Não estou certo se as normas de negociação coletiva aqui discutidas serão aceitas pelos especialistas em normalização como objeto de sua consideração São certamente normas arbitrárias, no sentido em que não são definidas com precisão matemática ou por métodos científicos. Ainda assim, normas elas são, pois oferecem definições claras dos direitos dos trabalhadores em lugar de determinações casuais dos administradores e acrescentam a isso o consenso que lhes garante validade Mais do que isso, consumam um considerável grau de uniformidade, que considero ser uma dos objetivos do estabelecimento de normas. Oferecem um código uniforme de regras para governar uma dada planta, frequentemente estendendo essa uniformidade a todas as plantas de uma corporação e, em larga medida, provê uniformidade para a administração das relações de trabalho em vários ramos industriais. Walter P. Reuther. “Labor uses Standards”. In RECK, National Standards in aModern Economy (p. 304-305).

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normalização (SIS); e outro do sul emergente, oBrasil,pormeiodaABNT. Estabeleceu-seumprocessoabertoeamplo,incluindo todos os interesses relevantes, em setetemasprincipais:governançaorganizacional,meioambiente, direitos humanos, práticas trabalhistas,práticas operacionais justas, questões deconsumidoreseenvolvimentocomacomunidadeeseudesenvolvimento(MURPHYeYATES,2009,p.85).Anovanorma,quenãoexigeavaliaçãodaconformidade,foipublicadaem2010. Háproblemasevidentesnaelaboraçãodeuma norma de responsabilidade social, desde seu usopelos governosnacionais como instrumentode pressão sobre empresas, até as divergênciasestruturais entreoNorte eoSul emmatériadeproteçãodotrabalho.Seanormavierafuncionar,contudo,serápelosmesmosmotivosquelevaramao sucesso das normas sobre gestão da qualidade e gestãoambiental:apressãodomundoeconômicoe a necessidade de se conformar a padrões decomportamentoaceitáveisaosolhosdocidadão-consumidor-eleitor77,agoraemescalamundial. Outro aspecto importante é que não é possível conduzir o processo de normalizaçãonessescampossempromoveroenvolvimentodasociedade.Assim,énaturalesperarqueessasnovasexigências tenham seu impacto sobreo formatoorganizacional das entidades de normalização.Semisso,corre-seoriscodeperdadelegitimidade,noplanonacionalouinternacional. Há também o caso da demanda por normas que, semcondiçõesdeelaboraçãoimediatapelosorganismosde normalização, dão origem a esforços setoriais para seu atendimento.Issoocorre,porexemplo,comacertificaçãodagestãosustentáveldeflorestas(MURPHYeYATES,p.104).Taisiniciativas,porsinal,seguemproblemáticas,umavezquematerializamagendaseimperativosdificilmentesustentáveispormeiodasregrasdoconsenso,terminam representando uma dispersão de recursos e podempermitiraconsolidaçãodeinteressesespeciais.

Esseriscotambémévisívelemsetoresondeoritmodoprogressotecnológicoeapressãodosmercadosporinovaçãonãotêmcomoseadaptaraos procedimentos cautelosos e negociados da normalização oficial. Em muitos casos, não hámotivo para consumir tempo e recursos com anormalização de produtos cujas características podemmudarnocursodepoucosanos.Éoqueocorrecomatecnologiadainformação. A rapidezdamudança tecnológicae suadiretarelaçãocomganhosapropriadosemfunçãode patentes e segredos passaram a ameaçar o próprio paradigma da normalização voluntária,por meio do crescimento e disseminação dos chamadosconsórciosealiançasedamultiplicaçãode entidades de normalização distanciadas das organizações formais, capazes de oferecerespecificaçõesrelevantesemprazomaiscurtoepormeiodeprocedimentosmaisadequadosaonovoambiente econômico (CARGILL,Carl e BOLIN,Sherrie,“Standardization:afailingparadigm”.InGREENSTEINeSTANGO,2007,Capítulo9)78. Manifesta-se aqui outro efeito colateral: acriaçãodenormaseprocedimentosdecertificaçãode caráter proprietário, à margem das políticaspúblicas e dos regimes internacionais79.Comoorealimpactoeconômicoetecnológicodasnormasabertas ainda requer mais estudo, os agentes governamentais estão forçados a alguma cautelanautilizaçãodesseparadigma (WEST,Joel, “Theeconomicrealitiesofopenstandards:Black,whiteand many shades of gray”. In GREENSTEINe STANGO, 2007, p. 115-116). Nessas condições, assume outra dimensão o trabalhode conscientização da sociedade e dos meios políticosquantoàimportânciadasnormasparaaspolíticasindustrialecomercial. Por f im, os regulamentos técnicosproduzidos pelos governos nacionais precisamsustentar-se nas normas voluntárias, pois asempresasnãodevemsersubmetidasaregrasque

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77 Um sucesso que teria, por sinal, implicações políticas relevantes para a compreensão do funcionamento das organizações internacionais. A ISO demonstraria a superioridade da abordagem das normas consensuais sobre os procedimentos usualmente utilizados pela ONU e suas organizações associadas. (MURPHY e YATES, 2009, p. 88).78 Para Reinaldo Ferraz, contudo, a relação entre normalização e propriedade intelectual terminou se revelando um falso problema. Um questionamento governamentalexplícito teve início com posições da China, no âmbito da OMC, por conta de preocupações com a tecnologia da televisão digital. Entretanto, a maioria das empresas teria todo interesse em ver sua tecnologia incorporada à norma e em extrair lucros da venda de seus produtos e não exatamente do licenciamento desta ou daquela tecnologia em particular. 79 Não escapa, por exemplo, à atual direção do Inmetro a possibilidade de que a produção da norma e, futuramente, do regulamento técnico nela baseado reflitam interesses privados. Cabe às organizações do Estado defender o consumidor de tal possibilidade. (Informação verbal obtida em entrevista concedida por João Jornada, em janeiro de 2007).

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afetemsuacompetitividade,garantidapelautilizaçãodasnormas.Emtalcenário,osgovernostambémnãotêmalternativa,senãoumaparticipaçãomaisintensa no processo de normalização voluntária,comodescreveReinaldoFerraz: [...] Há duas questões associadas com as atividades de regulamentação técnica que devem ser consideradas. Uma é de ordem técnica: é bastante inconveniente que os regulamentos técnicos citem normas ou trechos de normas, ou mesmo normas inteiras, ou ainda que sejam de fato normas com sentido de compulsoriedade. Os regulamentos tendem a ser, como é natural, mais perenes, enquanto as normas evoluem de acordo com o progresso tecnológico. Na Europa isso foi resolvido com as chamadas diretivas de nova abordagem. Essas diretivas, que são os regulamentos técnicos comunitários, se limitam aos requisitos essenciais do objeto do regulamento e deixamasparticularidades técnicaspor contadas normas. Por meio de anúncio em meios especializados, indicam que o atendimento às normasX,YeZpressupõeconformidadecomum dado regulamento técnico. Isso noBrasil temum entendimento muito variável entre os regulamentadores, alguns francamente contrários a esses conceito, outrosmais a favor. A segunda questão é o conceito das boas práticas de regulamentação: o Acordo TBT já trouxe implícito o Código de Boas Práticas de normalização (Anexo 3 doAcordo),mas sómais recentemente tem-sedadoatenção,noComitêdoTBT,àsboas práticasregulatórias.Principalmente,nosentidode que se deve chegar a um entendimento que permita avançar nesse campo. No Brasil, o Conmetroinstituiu,emmeadosde2005,oComitê Brasileiro de Regulamentação que visa, justamente,acolocaremdiscussãoessasquestões. No momento, o CBR está trabalhando na elaboração de um Guia de Boas Práticas da Regulamentação Técnica que, quando adotado amplamente, poderá trazer grande avanço [...]. (Informaçãoverbalobtidaementrevistaconcedida porReinaldoFerraz,emjaneirode2007).

O Plano Nacional de Normalização80, publicado em2004, procurava responder a todosesses desafios. Ele reconhecia as três funçõesestratégicas da normalização: ela contribui para a

inserção internacional da economia brasileira, confere base para a regulamentação técnica conduzida pelo Estadoeampliadomínioscomosustentabilidadeeresponsabilidadesocial.Logoemseguida,contudo,apresentava o velho diagnóstico oficial sobre osproblemashistóricosdaatividadenoBrasil:abaixaparticipaçãodosetorprivadoeumarelaçãodistantecomosórgãosdoEstadoresponsáveispelaediçãodosregulamentostécnicos. Recomendava, então, um investimentoconsistente na difusão dos conceitos da normalização na sociedade e dos benefícios econômicosdanormalização.Propunhaomelhoracesso ao acervo de Normas Brasileiras e oestímuloàparticipaçãodesetoresorganizadosdasociedadenoprocessodenormalização.QuantoaoGoverno, deveria incluir a normalização nasestratégiassetoriaisdedesenvolvimento.PrometiaaindaacriaçãodemetodologiaparaaidentificaçãodasnecessidadesdenormalizaçãoeadvogavaarápidaadoçãodeNormasInternacionais.NoqueserefereàABNT,recomendavatornaratrativaafiliação à entidade emodernizar o trabalho dosComitês,bemcomoprometiagarantiaderecursosdoEstado.

A ABNT no século XXI Foi sombria a chegada do século XXIpara a ABNT. Apenas a partir de 2003, com aregularização das dívidas, a Associação voltou avenderseusserviçosparaentidadesgovernamentaiseareceberosrecursosnecessáriosparahonrarasanuidades devidas às organizações internacionaisdenormalização.Assim,passouacontarcomumareceitacrescentedavendadasnormaspublicadasedaatividadedecertificação,ummodelodenegóciossimilar aos seus semelhantes internacionais81.Os orçamentos previstos para a normalizaçãono programa TIB, após sua extinção formal82, foram substituídos pelo acesso ao financiamentogovernamentaldiretoparaasatividadesdosComitêsBrasileirosdenormalização.Essasforamasprimeirasconsequências do programade ação definido porseupresidente:

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80 O Plano estava estruturado em quatro temas: Papel estratégico da normalização para a economia brasileira; Normas Brasileiras - Identificação de necessidades e prioridades; Normas Brasileiras, regulamentos técnicos e normas internacionais; e Sustentabilidade do Sistema Brasileiro de Normalização.81 Informação verbal obtida em entrevista concedida por Reinaldo Ferraz, em agosto de 2010.82 Em termos absolutos, nos primeiros anos da década de 2000, os recursos destinados à normalização pelo programa TIB oscilaram entre mais de dois milhões de reais, em 2002, a 60 mil reais, em 2004. Em termos percentuais, a normalização consumia 3% dos recursos do programa, uma fatia menor do que a despesa com propriedade intelectual (4%) ou tecnologias de gestão (6%). Os dados são do Ministério da Ciência e Tecnologia.

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Procuramos dar uma estruturação mais profissional à ABNT, na qual fossem definidas responsabilidades e compromissos de cada um, cobramos resultados e estabelecemos uma rotina detrabalho.Estudamosasdívidasqueaentidade havia contraído e buscamos maneiras de honrar esses compromissos, ajustando o orçamento conforme os recursos que dispúnhamos na época.(Entrevista concedida por Pedro Buzatto Costa, em setembrode 2010, ao Boletim ABNT).

Aqui a diferença crucial com relação ao passado. Planos de recuperação foram elabora-dos anteriormente, contribuições emergenciaisdossóciosoudogovernoforamobtidas,masfal-tavaumelementocrucial:aatençãopermanenteaosproblemasdegestão. Comaprofissionalizaçãodagestãosuperiorda ABNT, a entidade passou a contar com uma verdadeira Diretoria Executiva, escolhida pelaAssembleia Geral e colocada sob a autoridade de um Conselho Deliberativo83. Um planejamentoestratégicocontemplavaagestãoporresultadoemcadaunidadedenegócio,visandoà retomadadasaúdefinanceira,aliadaàvalorizaçãodaspessoase ao resgate da credibilidade. Os colaboradoresforam estimulados a buscar o desenvolvimentoprofissional e a crescer com a ABNT, confiantesdequeerapossívelenfrentarodesafiodeocupartodos os espaços nos organismos internacionais de normalização. Enquanto a situação financeira seestabilizava, o tripé comprometimento-envolvimento-resultado pautava as açõesgerenciais que determinariam o renascimento da entidade. Vieram, efetivamente, os tempos demudança,deterorgulhodepertenceràABNT. Não demorou muito para que a ABNT ocupasseumlugarprivilegiadonanormalizaçãointernacional. Em 2003, a entidade foi eleitapara participar do Conselho da ISO, noComitêdeFinanças,sendorepresentadaporseudiretorgeral,RicardoRodriguesFragoso.Naquelemomento, aABNT jáhaviamarcado presençaem99das155reuniõesdosComitêseSubcomitêsTécnicosdaISOevotadoem76%dasocasiõesem

quefoichamadaaaprovardocumentos(quandosuacondiçãodemembroobrigavaaemissãodevoto).AAssociaçãoparticipavade188Comitêse,em três deles, ocupava a Secretaria Técnica. NoplanoregionalaABNT,representadaporRicardoFragoso, também assumiu uma posição na direção daAssociaçãoMercosuldeNormalização(AMN). Em15deabrilde2003,aABNT lançouum novo símbolo gráfico, buscando umacomunicaçãomaisdinâmicacomopúblico.Estereposicionamento da marca fez parte da estratégia decorrente das mudanças organizacionais e filosóficas que colocaram a ABNT como umaentidade que se modernizou, em perfeita sintonia comoqueacontecianomundodanormalização. O primeiro logotipo da ABNT foi criado naépocadesuafundação,acompanhandoumatendência que se verificava, na ocasião, nasprincipais entidades congêneres, entre elas oInstituto Argentino de Normalização que, já em1935,utilizavaumcírculoemvoltadesuasigla. No esforço contínuo da ABNT para disseminar a importância da normalização noBrasil e no mundo, o novo logotipo tem umpapel fundamental. Continua sendo o símboloda personalidade da organização, imprimindo mudanças significativas, embora sutis. O novodesenho mantém a essência da marca ABNT.Traduz uma entidade que se atualiza, assimila rapidamenteasdemandasdeseutempo,avançapara o futuro sem abrir mão de sua tradição e orgulha-sedesuahistória. A trajetória prosseguiu no ano seguintequandoaABNTorganizou,naBahia,aAssembleiaGeraldaCOPANT.NaocasiãoaABNTfoieleitapara a presidência da instituição, para o período2005-2006, sendo representada por seu DiretordeDesenvolvimentoe Informação,CarlosSantosAmorimJunior.Porfim,em julhode2004,pelaprimeiraveznahistóriaoSecretário-GeraldaISOvisitouoBrasil:AlanBrydenestevenaABNTemreuniõesnoRiodeJaneiroeemSãoPaulo.Eventosdessa natureza não ocorreriam sem uma percepção claradacredibilidadeconquistadapelaentidade.

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83 Em 2003, mudanças no Estatuto Social alteraram a composição do Conselho Deliberativo, reformularam os períodos de mandatos, criaram o cargo de vice-presidente e ampliaram o número de membros, visando a uma maior participação da sociedade.

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Em 15 de abril de 2003, a ABNT lançou um novo símbolo gráfico,

buscando uma comunicação mais dinâmica com o público.

Estereposicionamentodamarcafezpartedaestratégiadecorrentedasmudanças

organizacionais e filosóficasque colocaramaABNTcomoumaentidadeque se

modernizou,emperfeitasintoniacomoqueacontecenomundodanormalização.

O primeiro logotipo da ABNT foi criado na época de sua fundação,

há 70 anos, acompanhando uma tendência que se verificava, na ocasião, nas

principais entidades congêneres, entre elas, o Instituto Argentino de Nor-

malização que, já em 1935, utilizava um círculo em volta de sua sigla.

NoesforçocontínuodaABNTparadisseminaraimportânciadanormalizaçãono

Brasilenomundo,onovologotipotemumpapelfundamental.Continuasendo

osímbolodapersonalidadedaorganização, imprimindomudançassignificativas,

emborasutis.OnovodesenhomantémaessênciadamarcaABNT.Traduzuma

entidadequeseatualiza,assimilarapidamenteasdemandasdeseutempo,avança

paraofuturosemabrirmãodesuatradiçãoeorgulha-sedesuahistória.

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Fonte:Relatóriosanuaisdeatividade.

É o resultado de um nível elevado deatividade de cerca de 150 Comitês Técnicos,incluindo os Comitês Brasileiros (ABNT/CB),Organismos de Normalização Setorial (ABNT/ONS) e Comissões de Estudo Especiais (ABNT/CEE). O número de reuniões foi de 1.285, em2002, para 2.984, conforme registra oRelatórioda diretoria de 2009. O número de técnicosenvolvidospassou,nomesmoperíodo,depoucomaisde11milparacercade30mil. Osúltimosanos têm sidomarcadospelaexpansãodasatividadesnasdireçõesapontadaspelo Plano Nacional de Normalização. Adivulgaçãoda importânciadasNormasTécnicaspara a economia tem sido o objeto de eventoscomooExponorma,quechegouàquartaediçãoem 2010, reunindo especialistas, empresários e órgãosdegovernoparaadiscussãodeavançoseprioridadesdanormalizaçãobrasileira. Oacessoàsnormas,porsuavez,égarantidopor iniciativascomoareduçãodopreçopormeiode convênios específicos, como os firmados como Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura(Confea) e com o Serviço Brasileiro de Apoio àsMicroePequenasEmpresas(SEBRAE).Umacessomaisemcontaparamilharesdetécnicoseempresasassociadas reforça a presença da norma no processo produtivo.Outroconvêniodamesmanatureza foicelebradocomoMinistériodoTurismo, para permitir oacessogratuitoàsNormasTécnicasdosetorparatodososenvolvidosematividadesturísticas. Nomesmosentidocaminhaoinvestimentoem tecnologias de informação. Ainda em 2007,

Em2005,aABNTobteve,pelaprimeiravez,umassentonoTechnical Management Board (TMB) da ISO por um período de dois anos,sendo representada por seu Diretor Técnico, Eugenio Guilherme Tolstoy De Simone. Comisso, a Associação foi chamada a participar doseleto grupo de organismos de normalização dos paísesdesenvolvidos,quecomandamadefiniçãodas políticas da entidade. Não por acaso,começaramnesseanoostrabalhosdaISOsobrea Norma Internacional de ResponsabilidadeSocial, coordenados pela ABNT, em parceriacomaSuécia. No plano interno, os sinais eram igualmente positivos.Aboafasedascontasdaentidadepermitiuque,em2005,aABNTdeixasseasinstalaçõesdoIPT,emSãoPaulo.PassouaocuparoimóveldaRuaMinasGerais,nº190,nobairrodeHigienópolis,emumainiciativaquefoisaudadacomooresgateda identidade.AABNTCertificadora já oferecia,nesseano,80programasdecertificaçãodestinadosa produtos, processos e sistemas. Desde o ano2002,onúmerodesóciostemsemantidoemumpatamaremtornode1.20084. Outra medida que sinalizou a entrada efetivadaABNTnoséculoXXIfoioinvestimentomaciço em tecnologia, com a modernização de seus processos baseados na informática. AABNT já completoua transiçãode seuacervode normas, dos documentos técnicos e projetos de normas para um site na internet, como recomendam as boas práticas da normalização internacional. O processo de normalização também apresenta sensível evolução. Desde o início donovoséculo,aABNTvemmantendoumamédiaanualelevadadepublicaçãoerevisãodenormas,superior a quatro centenas. O acervo total denormas em vigor em 2009 chegava a cerca dedez mil documentos, precisamente o número consideradonecessáriopelosdiagnósticosoficiaisdoiníciodadécadade1970.Atabelaaseguirtrazosnúmeros.

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84 No final da década de 1980, a ABNT chegou a ter mais de 4 mil sócios, mas o número era pouco relevante, face à inadimplência e ao cadastro pouco confiável.

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orelatórioanualdaABNTcomemoravamaisdetrêsmilhõesdeacessosaositedaentidade. Outra iniciativa importante tem sido apromoçãodereuniõesdosComitêsTécnicosdaISOno Brasil, o que representa ao mesmo tempo um sinal da importância internacional da normalizaçãobrasileiraedointeressedoempresariadonoassunto.No total, a Associação, como representante do Brasil, játemparticipaçãoemmaisde120ComitêsTécnicosdaISOeemquaseumacentenadeComitêsdaIEC. Em2007,anormamaisprocuradaaindaeraafamosaABNTNBRISO9001:2004,sobresistemasdegestãodaqualidade,masasnovidadesemdiscussãojárefletiamohorizonteemexpansãodanormalizaçãonoBrasil.Vieramnormassobreacriaçãodonovilhoprecoce,emissãodegasesdeefeito estufa, televisão digital e biocombustíveis,estaemcolaboraçãocomoANSI.Nocampodacertificação, destacavam-se as auditorias paraemissão de um selo social aos produtores de algodão, sob a responsabilidade do Instituto doAlgodãoSocial,noestadodoMatoGrosso. O investimento na realização de eventosinternacionais no Brasil, sob a coordenação da ABNT, prossegue. A reunião do Comitê de Políticas paraPaísesemDesenvolvimentodaISO(Committee on Developing Countries Matters,DEVCO)foirealizadaem2008,emSalvador.EmSãoPauloaconteceuaReuniãoAnualdaIEC,pelasegundaveznoBrasil-aprimeira foiem1982 -,umreflexoda importânciaconquistadapeloComitêBrasileirodeEletricidade,Eletrônica, Iluminação e Telecomunicações(Cobei),queabrigaoABNT/CB-03,enaqueleanocomemoravaseucentenáriodefundação85. Esse envolvimento vem se refletindopositivamente na posição assumida pela ABNTem importantes Comitês Técnicos da ISO, emparceria com organismos de normalização dos países desenvolvidos. É o caso do comitêresponsávelpelaelaboraçãodanormadegestãodeenergia(ISO50001),emqueaABNTdivideasecretariadoISO/PC242comoANSI.OudoComitê de Alimentos (ISO/TC 34), em parceria

com a AFNOR. O exemplo mais importante,naturalmente, é a elaboração da Norma InternacionaldeResponsabilidadeSocial86. A ABNT também intensificou outro tipodeatividadeinternacional.Emsetembrode2009,foiassinadoumconvêniodecooperaçãocomoInstitutodeNormalizaçãoeQualidade (INNOQ)deMoçambiqueeforamfirmadosmemorandosdeentendimentocomaAgênciaCoreanadeNormaseQualidade (KATS)ecomo InstitutoAngolanode Normalização e Qualidade (IANORQ), paracooperação no campo da normalização, da avaliaçãodaconformidade,dacapacitaçãoedainformaçãotecnológica.Hátambémmemorandosfirmados comaChinae comoEgito.AABNT,ao consolidar sua posição internacional, reforça naturalmente a capacidade de atender àsnecessidadesdoSinmetro. Finalmente, depois de consumir tantas páginascomosproblemasfinanceirosdaABNT,éjustoconcluirestesparágrafoscomumfinalfeliz.O superávit operacional,em2008,chegouacercade2,3milhõesdereais,enquantoofaturamentopassava de 16,4 milhões, em 2007, para 17,8milhões, em 2008. Um ano depois, as receitasoperacionaispassaramde20milhõesdereais,comoregistrodeumsuperávitsuperiora3milhõesdereais.Apósdécadasdeturbulênciaadministrativae dívidas trabalhistas, esses números são umademonstração cabal de quão distante estava opassado e da intensidade da demanda social por normalizaçãonoBrasil. Ofuturopareceassegurado.Estagnadapordécadas,desdeseuinícioem1950,aatividadedeavaliaçãodaconformidaderegistra,agora,avançosacadaano.Em2009,foraminiciadosprocedimentosespecíficosparaaindústriadecalçados,reformadepneus, indústria de cremes e xampus e produtostêxteis. Novas empresas demandam certificaçãopara a produção do algodão social, para a gestão de segurançaemturismodeaventuraeparaagestãode sustentabilidade em meios de hospedagem,além dos campos mais tradicionais, como gestão

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85 É extensa a lista de eventos recentes: houve reuniões do Comitê de Política do Consumidor da ISO, em Salvador, em 2007; do ISO/TC 71 - Concrete, reinforced concrete and pre-stressed concrete, também em Salvador, em 2007; do ISO/TC 28/SC7 - Liquid Biofuels), em 2009; do ISO/TC 228 - Tourism and related services, em 2010; do ISO/PC 248 - Sustainability criteria for bioenergy e do ISO/TC 34 – Food products, em 2010; e do ISO/TC 215 - Health informatics, no Rio de Janeiro, em 2010.86 Tanto no caso da responsabilidade social, como no da gestão de energia, a ABNT tem sido pioneira, iniciando a discussão das normas antes da comunidade internacional. Em 2010, a ISO decidiu que dois projetos da Comissão de Estudo Especial de Informática em Saúde se tornassem novos itens de trabalho (New Work Item Proposal – NWIP), para serem publicados como Normas Internacionais.

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da qualidade , sistemas de gestão ambiental, gestão de segurança e saúde ocupacional e sistemas de gestão de responsabilidade social87. Um novomercado de cursos vem crescendo na esteira dosucessodasediçõesdoExponorma.

Depois de 2010 O processo de normalização continua enfrentando as mesmas pressões históricasque marcaram sua origem. As disputas entre aComunidade Econômica Europeia e os EstadosUnidosem tornodacriaçãodenormas refletemdiferentes abordagens, mais e menos liberais, para o tratamento de questões econômicas. Oprogresso tecnológico traz novas pressões sobreomodelo consensualdeelaboraçãodenormas.Empresas-líderes seguem com a tentação deimpor as próprias escolhas tecnológicas comonormas.NemsemprehátempoparaesperarpelaelaboraçãodeumaNormaInternacional. Sãodilemas semsaídaparaosprincipaisinteressados. Os Estados Unidos podem ter opoder de contestar o sistema de normalização internacional,masnãotêmopoderdeimporsuasnormascomointernacionais.NormasInternacionaisvoltariam a ser demandadas por empresas econsumidores.AEuropa, por sua vez, nãopodeusarindefinidamenteasnormascomoinstrumentode política comercial e industrial sem enfrentar, ela mesma, a ineficiência gerada por uma selva denormas criadas por cada nação de sua comunidade e sem interferir na demanda internacional por tecnologia, que inclui os países pobres e os países emergentes. Os governos, ensina a história, nãotêmmuitosucessonaimposiçãodenormas. No campo da tecnologia da informação, muitas empresas podem, de fato, tentar estabelecer propriedadesobrecertasnormas.Hámuitasáreasdenormalização, contudo, que não podem ser objeto depermanente inovação:éocasodas transaçõesbancárias por meio eletrônico, que envolvemelevados requisitos de uniformidade e segurança(MURPHY eYATES, 2009, p. 99). AAssociaçãoInternacional de Telecomunicações (ITU) ou a

Força-TarefadeEngenhariadaInternet(IETF)sãoforçadasatratarcomaISOdessesassuntos. Osconsórciosdenormalizaçãopodemserfontes de ganhospara seus patrocinadores,masvivemsobadesconfiançadeseusconsumidorese sob a pressão de competidores. Para estes,restasempreaalternativaderecorreraosistemaISO. O consórcio de fabricantes de alimentos esupermercados norte-americanos, responsávelpela criação do código de barras, resistiu poranos, mas a internacionalização do comércio e algumas ações judiciais relativas à propriedadeintelectuallogoconvenceramseusgerentesdequetomarocaminhodaISOeraaopçãomaissegura(BROWN,1997,p.208-209). É também necessário reconhecer que osaspectosmaisdelicadosdanormalização,nocontextocontemporâneo, são revelados apenas no caso dealgumas novas tecnologias. Elas representam umgrupoimportanteedealtavisibilidade,maspequeno. Nessescasos,sãomuitoevidentesoscustossociais das guerras de normas e de sua fragmentação em um determinado setor, bem como os prejuízos para os consumidores que adquiriram equipamentos fabricadoscombaseemnormasjáabandonadas.Paratodooconjuntodetecnologiasconsolidadasou tradicionais, a normalização continua sendo a melhor saída. Os consumidores vivem situaçõesque compensam facilmente até mesmo a adoção de normas com um padrão tecnológico inferior(GRINDLEY,2002,Capítulo3,p.58). Arealinfluênciapresenteefuturadomodelode normalização da ISO ainda é uma questãomenos importante do que aferir com precisão o que realmentefoiconquistadoatéaqui: Esta mudança não diminuiu o papel da ISO ou danormalizaçãovoluntária.Aorganizaçãoestáno centro de uma rede de especialistas e representantes de indústrias que é maior ou igual ao staff profissionalde todoosistemadasNações Unidas. A obra coletiva dos criadores de normas pode ser tão essencial para a ordem política global do que qualquer ação das Nações Unidas. O trabalho da ISO é ainda talvez mais essencial para a governançada economia industrial global. (MURPHYeYATES,2009,p.107).

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87 A ABNT Certificadora apresentou crescimento de mais de 70% nos contratos para certificação de produtos e firmou um acordo inovador com o Instituto Argentino de Normalização e Certificação (IRAM), visando ao reconhecimento mútuo de processos de avaliação da conformidade, em uma iniciativa que fortalece ainda mais as relações comerciais entre os dois países.

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Aspressõeseconômicasesociaissobreaatividade de normalização tendem, na verdade,aaumentarnocursodapróximadécada.Acrisefinanceira de 2008-2009 provocou um breverecuo no comércio internacional, mas os anos continuados de crescimento da economia brasileira só fizeram aumentar a sua importância relativaem termos internacionais. Em algum tempo, ofracasso da rodada de Doha será esquecido eas negociações comerciais voltarão ao topo daagenda das nações, assim como a organizaçãode blocos econômicos regionais. Seu avançocolocará em questão a ampliação dos acordos demútuoreconhecimentodossistemasnacionaisdeavaliação88.AvelocidadenaincorporaçãodeNormasInternacionaisprecisaráserelevada. Sem isso, os sistemas de avaliação daconformidade continuarão funcionando como barreirascomerciaisecriandomercadoparaaprovisãoprivadadessesserviços.OciclosecompletariacomaconvocaçãodaaçãodoEstado,únicoatorcapazdeevitarprejuízosparaasempresasnacionais. Se a intervenção estatal direta, tal comoformulada em 1973, certamente não produziu osmelhoresresultados,odiagnósticoquesustentouadecisãolegislativadogovernomilitarsegue,contudo,correto. Os atores sociais relevantes – empresas,associaçõesprofissionais,asentidadesdedefesadoconsumidoretc.–têmdificuldadeparapromover,deforma natural, uma articulação capaz de responder comeficiênciaaodesafiodaproliferaçãodenormasinternacionaisedousodossistemasdecertificaçãocomoinstrumentosdepolíticacomercial. O mundo globalizado continua sendo uma ordemdesigual,esuacomplexidadetecnológicacrescentepremia as sociedadesmais habituadascomousodainformaçãocientífica.Nascondiçõesbrasileiras,essediagnósticoterminapelaconclusãoinexorável de que caberá ao Estado algumaresponsabilidade pelas “tecnologias básicas”, comoanormalização,epeloamparoàinovaçãoemtodososcamposnecessários. Oambientepolítico,por sinal, é favorávela essa equação. Após oito anos de gestão

modernizante,masdiscretamenteliberal,ogovernoFernando Henrique Cardoso (1995-2002) foisucedido por uma gestão que se revelou menostemerosa em defender a participação efetiva doEstadonapromoçãododesenvolvimento.OgovernoLuísInácioLuladaSilva(2003-2010)fezrenasceraideiadepolíticaindustrialefortaleceuasinstituiçõesquehistoricamentesustentaramesseesforço,comoasempresasestataiseosbancosoficiais. Entretanto,talcomonopassado,hátarefasfáceis e outras mais difíceis quando se trata de açãogovernamental.Aumentaropessoaltécnicoecientíficoempregadonoslaboratórioseinstituiçõesdepesquisa éuma tarefa fácil.Criar as condiçõesparaqueasprópriasempresasadotemtecnologiasdegestãoéumatarefadifícil.Promoverumaintegraçãoefetivaentreaestruturadoslaboratóriosestataiscomomundoprivadoéoutradessastarefasdifíceis. Épreciso,porexemplo,escolherumfocotecnológico para o investimento estatal, uma vezqueos recursos sãofinitos, eoferecero estímulocorretoparaqueasprópriasempresasinvistamempesquisasparaapromoçãodacompetitividadeeprodutividade. Qualquer que seja a fórmula, elacertamente exigirá concentração de recursos ecapacidades.Nocontextodas“tecnologiasbásicas”,issosignificaquetodasassuasáreasprecisamserfortes.Osistema teráaexataconsistênciadeseumembromaisfraco. SeentreosobjetivosdoInmetroestivermesmooapoioàcompetitividadedasempresaseasustentaçãodaatividadecomercial,oprogressodametrologiaseráinútilsemoenvolvimentocomoregimeinternacionaldastécnicasdaqualidade,eaatividadedenormalizaçãoprecisarácaminharnomesmoritmo. Se o governo brasileiro, por imperativosinternosouexternos,reconheceranecessidadederegularcommaisintensidadequestõesrelacionadasà proteção à saúde e ao meio ambiente, seránecessárioinvestiremnormalização. Quando se tornar necessário o controlegovernamental,pelomeroprogressotecnológico,daavaliaçãodaconformidadedematerialbiológico89, que envolvequestõescomplexascomooreconhecimento

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88 A discussão a seguir é baseada principalmente em publicação de Reinaldo Ferraz et alii. “Evolução e tendências futuras da avaliação de conformidade”. In TIB: Trajetória, desafios e tendências no Brasil, 2005, p. 119.89 Após alguns meses em consulta pública, o relatório elaborado pelo grupo de trabalho criado em fevereiro de 2001 pelo MCT foi transformado em um documento específico, Sistema de Avaliação de Conformidade de Material Biológico. (Brasília, Senai/DIN, 2002).

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depatentes,ousohumanodematerialgeneticamentemodificadoouo controledo impactoambiental, afiscalizaçãoestatal exigirámedidase,naturalmente,normaseregulamentostécnicos. Tais normas e regulamentos técnicos serão definidosdaformahabitual:desenvolvimentodeumprocesso de regulamentação específico paraaáreabiológica,criaçãodeumComitêBrasileirodeNormasTécnicasnaABNTedesenvolvimentodeumametrologiaprópria,nocampodaquímicaedabiologia. Em vários sentidos, a história danormalização no Brasil está ainda em seu início, apesardos70anoscompletadospelaABNT.Elafazpartedahistóriadareaçãobrasileiraaoprogressotecnológicodaseconomiasdesenvolvidase,nessecampo,opassodecisivoaindanãofoicompletado:uma integração eficaz entre sociedade, empresase governo, que torne autônomo o fluxo deconhecimento entre todas as suas partes. Essefluxo não acontece sem uma intensa atividadede normalização. Normalização é tecnologiaconsolidada,nosentidomaisamplodotermo. Começando como uma visão dosengenheiros Ary Torres e Paulo Sá, a ABNTteve seus altos e baixos por conta, em boaparte, da complexa relação histórica entre oEstado e a economia brasileira. As agênciasgovernamentais podem ter experimentado

modalidades radicalmente diferentes de intervençãoemfavordosetorprodutivonacional,masamissãosegueamesma.Nãoépossívelesperarum futuro sem a agregação constante de conteúdos tecnológicosaprodutoseserviços.Caberáogovernopromover a oferta das “tecnologias básicas”, e anormalizaçãoestaráentreelas. Nesse sentido, em 30 de abril de 2009, em sua Resolução nº 4, o Conmetro aprovoua nova Estratégia Brasileira de Normalização,trazendo diretrizes familiares, como a ampliação dos organismos internacionais de normalização e a ênfaseemnormascomimpactosobreaexportaçãoou a promoção da cooperação com países latino-americanosedelínguaportuguesa.Hánovidades,contudo: o reconhecimento da necessidade deintegraranormalizaçãocomapesquisacientíficaepromoveraformaçãodepessoalespecializadoemnormalização. Emumdeterminadopontodesse trajeto,contudo, o Estado não basta. É preciso que asociedadeestejaconvencidadequeatecnologiaéumfatordecisivoparaasuperaçãodeseusdesafioshistóricos.ÉnessesentidoqueahistóriadaABNTmalcomeçou:aconsciênciadequeasociedadebrasileira será responsável por seu destino, semdependerindefinidamentedoamparodogoverno,érecente,mascrescente.Nessesentido,avisãodeAryTorresePauloSáaindaestáporserealizar.

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Fundador e patronoPauloAcciolydeSá

Presidente do Conselho Diretor e Diretor-PresidenteAryFredericoTorres(1940-1953)

MarianoJatahyMarcondesFerraz(1954-1959)ÁlvarodeSouzaLima(1960-1966)

ArthurLevy(1967-1969)

Diretores-PresidentesJoséOlavodeFreitas(1969-1970)

PlínioReisdeCantanhedeAlmeida(1970-1974)LuizVerano(1975-1977)

ArthurNapoleãoMontagnadeSouza(1977-1978)FranciscodeAssisBasílio(1978-1980)HélioMartinsdeOliveira(1981-1982)

SérgioQuintella(1983-1984)AlbertoCotrimPereira(1985-1986)

MauroThibau(1987-1988)

Presidentes do Conselho Deliberativo e Diretor-PresidenteHenriqueSilveiradeAlmeida(1989-1992)AntônioMárcioAvellar(1993-1995)

VictorResseGouvêa(1996)

Presidentes do Conselho DeliberativoMárioGilbertoCortopassi(1996-2000)JaymeFerreiraBrandão(2000-2001)FranciscoSanzEsteban(2001-2002)

Diretoria atual

Pedro Buzatto Costa–PresidentedoConselhoDeliberativoWalter Luiz Lapietra–Vice-PresidentedoConselhoDeliberativo

Ricardo Rodrigues Fragoso–DiretorGeralCarlos Santos Amorim Junior–DiretordeRelaçõesExternas

Eugenio Guilherme Tolstoy De Simone - Diretor TécnicoOdilão Baptista Teixeira–DiretorAdjuntodeNegócios

Personalia

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ABNT/CB-01-MineraçãoeMetalurgia

ABNT/CB-02-ConstruçãoCivil

ABNT/CB-03-Eletricidade

ABNT/CB-04-MáquinaseEquipamentosMecânicos

ABNT/CB-05-Automotivo

ABNT/CB-06-Metroferroviário

ABNT/CB-07-Navios,EmbarcaçõeseTecnologiaMarítima

ABNT/CB-08-AeronáuticaeEspaço

ABNT/CB-09-GasesCombustíveis

ABNT/CB-10-Química

ABNT/CB-11 - Couro, Calçados e Artefatos de Couro

ABNT/CB-12-AgriculturaePecuária

ABNT/CB-13 - Bebidas

ABNT/CB-14-InformaçãoeDocumentação

ABNT/CB-15-Mobiliário

ABNT/CB-16 - Transportes e Tráfego

ABNT/CB-17-TêxteisedoVestuário

ABNT/CB-18 - Cimento, Concreto e Agregados

ABNT/CB-19-Refratários

ABNT/CB-20-EnergiaNuclear

ABNT/CB-21-ComputadoreseProcessamentodeDados

ABNT/CB-22-Impermeabilização

ABNT/CB-23-EmbalagemeAcondicionamento

ABNT/CB-24-SegurançacontraIncêndio

ABNT/CB-25-Qualidade

ABNT/CB-26-Odonto-Médico-Hospitalar

ABNT/ONS-27-TecnologiaGráfica

ABNT/CB-28-Siderurgia

ABNT/CB-29-CeluloseePapel

ABNT/CB-30 - Tecnologia Alimentar

ABNT/CB-31-Madeira

ABNT/CB-32-EquipamentosdeProteçãoIndividual

ABNT/CB-33-Joalheria,Gemas,MetaisPreciososeBijuteria

ABNT/ONS-34-Petróleo

ABNT/CB-35 - Alumínio

ABNT/CB-36-AnálisesClínicaseDiagnósticoin Vitro

ABNT/CB-37-VidrosPlanos

ABNT/CB-38 - Gestão Ambiental

ABNT/CB-39-ImplementosRodoviários

Comitês Técnicos90

90 O Comitê Brasileiro (ABNT/CB) é um órgão da estrutura da ABNT, com Superintendente eleito pelos sócios da ABNT nele inscritos, com mandato de dois anos, permitidas duas reeleições. O Organismo de Normalização Setorial (ABNT/ONS) é um organismo público, privado ou misto, sem fi ns lucrativos, que, entre outras, tem atividades reconhecidas no campo da Normalização em um dado domínio setorial, credenciado pela ABNT, segundo critérios aprovados pelo Conmetro. A Comissão de Estudo Especial (ABNT/CEE) é uma Comissão de Estudo vinculada à Gerência do Processo de Normalizacão da ABNT, com objetivo determinado, para tratar de assunto não coberto pelo âmbito de atuação dos Comitês Técnicos.

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ABNT/CB-40 - Acessibilidade

ABNT/CB-41-MinériosdeFerro

ABNT/CB-42-Soldagem

ABNT/CB-43 - Corrosão

ABNT/CB-44 - Cobre

ABNT/CB-45-PneuseAros

ABNT/CB-46-ÁreasLimpaseControladas

ABNT/CB-47 - Amianto Crisotila

ABNT/CB-48-MáquinasRodoviárias

ABNT/CB-49-ÓpticaeInstrumentosÓpticos

ABNT/CB-50-Materiais,EquipamentoseEstruturasOffshoreparaIndústriadoPetróleoe Gás Natural

ABNT/ONS-51-EmbalagemeAcondicionamentoPlásticos

ABNT/CB-52 - Café

ABNT/CB-53-NormalizaçãoemMetrologia

ABNT/CB-54 - Turismo

ABNT/CB-55-Refrigeração,Ar-Condicionado,VentilaçãoeAquecimento

ABNT/CB-56-CarneedoLeite

ABNT/CB-57-HigienePessoal,PerfumariaeCosméticos

ABNT/ONS-58-EnsaiosNãoDestrutivos

ABNT/CB-59 - Fundição

ABNT/CB-60-FerramentasManuaisedeUsinagem

ABNT/CEE-61-ÁlcoolCombustível

ABNT/CEE-62 - Biodiesel

ABNT/CEE-63-GestãodeRiscos

ABNT/CEE-64 -FabricaçãodeVeículoAcessível

ABNT/CEE-65-RecursosHídricos

ABNT/CEE-66-UtensíliosDomésticosMetálicos

ABNT/CEE-67 -TecnologiasdeHidrogênio

ABNT/CEE-68-AvaliaçãodaQualidadedoSoloedaÁguaparaLevantamentodePassivo AmbientaleAnálisedeRiscoàSaúdeHumana

ABNT/CEE-69-SistemasdeArmazenagem

ABNT/CEE-70 -QualificaçãoeCertificaçãodeProfissionaldeAcessoporCorda

ABNT/CEE-71-PoliestirenoExpandidoparaIsolaçãoTérmica

ABNT/CEE-72-TabacoeProdutosdeTabaco

ABNT/CEE-73 -TuboseAcessóriosdePolietilenoparaSistemasEnterradosparaRedesde DistribuiçãoeAduçãodeÁgua

ABNT/CEE-74-QualificaçãoeCertificaçãodeOperadoresdeAciarias

ABNT/CEE-75-QualificaçãoeCertificaçãodeOperadoresdeAltos-Fornos

ABNT/CEE-76-QualificaçãoeCertificaçãodeOperadoresdePonteRolanteePórticona ÁreaMinerometalúrgica

ABNT/CEE-77-AproveitamentodeÁguadeChuva

ABNT/CEE-78-InformáticaemSaúde

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ABNT/CEE-79 -ServiçoemPequenoComércio

ABNT/CEE-80-SistemasdePrevençãoeProteçãocontraExplosão

ABNT/CEE-81-Minérios,ConcentradoseProdutosPrimáriosdeCobreeNíquel

ABNT/CEE-82-VidrariadeLaboratório

ABNT/CEE-83-AplicaçõesdeMétodosEstatísticos

ABNT/CEE-84-SegurançadeDocumentaçãoEletrônica

ABNT/CEE-85-TelevisãoDigital

ABNT/CEE-86 - Cofres

ABNT/CEE-87 - Cadeia Apícola

ABNT/CEE-88-QualificaçãoeCertificaçãodeProfissionaldeResgateporCordaemAltura eemEspaçoConfinado

ABNT/CEE-89 - Nanotecnologia

ABNT/CB-90-QualificaçãodePessoasnoProcessoConstrutivoparaEdificações

ABNT/CEE-91-SistemasparaRedesdeColetadeEfluentesaVácuo

ABNT/CEE-92-ServiçosdeAtendimentoaoConsumidor(SAC)

ABNT/CEE-93-GestãodeProjetos

ABNT/CEE-94-LajePré-Fabricada,Pré-LajeedeArmadurasTreliçadasEletrossoldadas

ABNT/CEE-95-EstufaseViveirosAgrícolas

ABNT/CEE-96-SegurançadeBrinquedosInfláveisdeGrandePorte

ABNT/CEE-97 -GestãodeSegurançaparaCadeiaLogística

ABNT/CEE-98-CadeirasdePraia

ABNT/CEE-99-TerminologiaparaQualificaçãoeCertificaçãodePessoas

ABNT/CEE-100-SegurançadosBrinquedos

ABNT/CEE-101-TubosPlásticosparaIrrigaçãoeDrenagemAgrícola

ABNT/CEE-102-SegurançadeArtigosEscolares

ABNT/CEE-103-ManejoFlorestal

ABNT/CEE-104 -SegurançadeAlimentos

ABNT/CEE-105-CoposPlásticosDescartáveisTermoformados

ABNT/CEE-106-AnálisesEcotoxicológicas

ABNT/CEE-107-PortasAutomáticas

ABNT/CEE-108-ProdutosparaEscrita

ABNT/CEE-109-SegurançaeSaúdeOcupacional

ABNT/CEE-110-QualificaçãoeCertificaçãodePessoaldaÁreadeManutenção

ABNT/CEE-111-ResponsabilidadeSocial

ABNT/CEE-112-ServiçosFinanceiros

ABNT/CEE-113-CabosdeAçoeAcessórios

ABNT/CEE-114-ZincagemaQuente

ABNT/CEE-115-TuboseConexõesdeCPVC-poli(cloretodevinila)cloradoparaSistemas deProteçãocontraIncêndioporChuveiroAutomático

ABNT/CEE-116-GestãodeEnergia

ABNT/CEE-117-ParquesdeDiversão

ABNT/CEE-118-EquipamentosdeProteçãoIndividualparaoSetordePetróleoePetroquímico

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Page 110: 70 Anos da ABNT

ABNT/CEE-119-HotelariaEmbarcada

ABNT/CEE-120-SegurançadePlaygrounds

ABNT/CEE-121-SistemaAPM

ABNT/CEE-122-CartuchosparaImpressoras

ABNT/CEE-123-QualificaçãoeCertificaçãodeInspetordeControleDimensional

ABNT/CEE-124-EscadasTransportáveis

ABNT/CEE-125-Matérias-PrimasparaUsonaIndústriadeBorracha

ABNT/CEE-126 -ErgonomiadaInteraçãoHumano-Sistema

ABNT/CEE-127 -SistemasInteligentesdeTransporte

ABNT/CEE-128-CritériosdeSustentabilidadeemBioenergia

ABNT/CEE-129-ResíduosdeServiçosdeSaúde

ABNT/CEE-130-GestãodaPesquisa,DesenvolvimentoeInovação

ABNT/CEE-131-VestimentadeSegurançaparaCombateaIncêndio

ABNT/CEE-132-CalçadodeSegurançaparaCombateaIncêndio

ABNT/CEE-133-CapacetedeSegurançaparaCombateaIncêndio

ABNT/CEE-134-ModelosdeInformaçãonaConstruçãoCivil(BIM)

ABNT/CEE-135-RadiaçõesIonizantes

ABNT/CEE-136-Ergonomia–AntropometriaeBiomecânica

ABNT/CEE-137-CiênciasForenses

ABNT/CEE-138-ElementosdeFiltragemdeAreOutrosGases

ABNT/CEE-139 - Controle e Combate a Fraudes

ABNT/CEE-140-QualificaçãoeCertificaçãodeOperadoresdeLaboratóriosSiderúrgicos

ABNT/CEE-150-MateriaisdeReferência

ABNT/CEE-151-PesquisaSocial,deOpiniãoedeMercado

ABNT/CEE-152-ProduçãodeCarvãoVegetal

ABNT/CEE-153-SemiacabadosdeUltra-AltoPesoMolecular(UHMW)

ABNT/CEE-154–FósforosdeSegurança

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Page 111: 70 Anos da ABNT

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ExpedienteCoordenação:MonalisaZia

Redação:JoséLucianodeMattosDias DeniseLima

Pesquisa histórica:JoséLucianodeMattosDias

Projeto gráfi co:MackennitPropaganda

Data da publicação:Fevereirode2011.

Expediente

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ISBN 978-85-07-02528-3