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1 TRAUMA ABDOMINAL 1. INTRODUÇÃO: O traumatismo abdominal é responsável por um número expressivo de mortes evitáveis. A cavidade abdominal constitui um dos locais do organismo onde perdas ocultas de sangue podem ocorrer, juntamente com a cavidade torácica, espaço retroperitoneal e ossos longos. O mecanismo de trauma, localização da lesão e o estado hemodinâmico do paciente determinam o momento da avaliação do abdome. Boa parte dos quadros de hemoperitônio decorrentes de uma lesão visceral abdominal são oligossintomáticos. Além disso, os sintomas abdominais relacionados ao traumatismo muitas vezes são obscurecidos por lesões associadas ou trauma craniano, dificultando sua avaliação. Portanto, uma avaliação rigorosa do abdome e uma correta orientação irão reduzir os erros na interpretação e os impactos desfavoráveis na evolução do doente. 1) Regiões Abdominais A) Anatomia externa do abdome A localização dos traumas na parede abdominal pode ser dividida em três regiões: Anterior ou frontal limitada pelas linhas axilar anteriores lateralmente, linhas mamilares anteriormente e sínfise púbica inferiormente. Dorso entre a linha que une a ponta das escápulas superiormente, linhas axilares posteriores e crista ilíaca inferiormente. Flancos entre a linha axilar anterior e posterior bilateralmente, do sexto espaço intercostal superiormente e a crista ilíaca inferiormente. B) Anatomia interna do abdome O abdome contém os principais órgãos do sistema digestivo, endócrino e urogenital, além de grandes vasos do sistema circulatório. O abdome pode ser dividido em três regiões: a cavidade abdominal propriamente dita, o retroperitônio e a pelve. Cada região é sede de estruturas que podem ser acometidas em função do traumatismo. Podemos correlacionar o mecanismo de trauma a cada uma destas regiões, implicando na possibilidade do estabelecimento mais objetivo da suspeita clínica e da orientação diagnóstica. A cavidade peritoneal pode ser dividida em dois segmentos: o andar superior do abdome que contém o diafragma, fígado, estômago, baço e cólon transverso (muitos em posição subcostal) e o andar inferior do abdome ocupado principalmente pelo cólon sigmóide e pelo intestino delgado. O retroperitônio contém os rins, os ureteres, o pâncreas, o duodeno e o cólon em suas porções retroperitoneais, além da aorta e veia cava inferior. Lesões de vísceras retroperitoneais são difíceis de serem reconhecidas, pois é uma área remota para o exame físico e não avaliada pelo lavado peritoneal diagnóstico. A pelve acomoda em seu arcabouço ósseo a bexiga, o reto, o útero e anexos no sexo feminino e os vasos ilíacos. 2) História e Mecanismo de trauma As informações colhidas da vítima, quando possível, ou socorristas que realizaram o resgate são valiosas. As noções da biomecânica do trauma, o estado inicial da vítima no local de atendimento, diagnósticos feitos, a resposta à infusão volêmica inicial e durante o transporte além do tempo decorrido desde o trauma irão auxiliar na suspeita diagnóstica de lesão abdominal.

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TRAUMA ABDOMINAL

1. INTRODUÇÃO:

O traumatismo abdominal é responsável por um número expressivo de mortes evitáveis.

A cavidade abdominal constitui um dos locais do organismo onde perdas ocultas de sangue

podem ocorrer, juntamente com a cavidade torácica, espaço retroperitoneal e ossos longos.

O mecanismo de trauma, localização da lesão e o estado hemodinâmico do paciente

determinam o momento da avaliação do abdome.

Boa parte dos quadros de hemoperitônio decorrentes de uma lesão visceral abdominal são

oligossintomáticos. Além disso, os sintomas abdominais relacionados ao traumatismo muitas vezes

são obscurecidos por lesões associadas ou trauma craniano, dificultando sua avaliação. Portanto,

uma avaliação rigorosa do abdome e uma correta orientação irão reduzir os erros na interpretação e

os impactos desfavoráveis na evolução do doente.

1) Regiões Abdominais

A) Anatomia externa do abdome

A localização dos traumas na parede abdominal pode ser dividida em três regiões:

Anterior ou frontal – limitada pelas linhas axilar anteriores lateralmente, linhas

mamilares anteriormente e sínfise púbica inferiormente.

Dorso – entre a linha que une a ponta das escápulas superiormente, linhas axilares

posteriores e crista ilíaca inferiormente.

Flancos – entre a linha axilar anterior e posterior bilateralmente, do sexto espaço

intercostal superiormente e a crista ilíaca inferiormente.

B) Anatomia interna do abdome

O abdome contém os principais órgãos do sistema digestivo, endócrino e urogenital, além de

grandes vasos do sistema circulatório.

O abdome pode ser dividido em três regiões: a cavidade abdominal propriamente dita, o

retroperitônio e a pelve. Cada região é sede de estruturas que podem ser acometidas em função do

traumatismo.

Podemos correlacionar o mecanismo de trauma a cada uma destas regiões, implicando na

possibilidade do estabelecimento mais objetivo da suspeita clínica e da orientação diagnóstica.

A cavidade peritoneal pode ser dividida em dois segmentos: o andar superior do abdome que

contém o diafragma, fígado, estômago, baço e cólon transverso (muitos em posição subcostal) e o

andar inferior do abdome ocupado principalmente pelo cólon sigmóide e pelo intestino delgado.

O retroperitônio contém os rins, os ureteres, o pâncreas, o duodeno e o cólon em suas

porções retroperitoneais, além da aorta e veia cava inferior. Lesões de vísceras retroperitoneais são

difíceis de serem reconhecidas, pois é uma área remota para o exame físico e não avaliada pelo

lavado peritoneal diagnóstico.

A pelve acomoda em seu arcabouço ósseo a bexiga, o reto, o útero e anexos no sexo

feminino e os vasos ilíacos.

2) História e Mecanismo de trauma

As informações colhidas da vítima, quando possível, ou socorristas que realizaram o resgate

são valiosas.

As noções da biomecânica do trauma, o estado inicial da vítima no local de atendimento,

diagnósticos feitos, a resposta à infusão volêmica inicial e durante o transporte além do tempo

decorrido desde o trauma irão auxiliar na suspeita diagnóstica de lesão abdominal.

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A) Trauma contuso:

No trauma contuso de abdome, as vísceras são submetidas a movimentos de aceleração,

desaceleração, compressão e cisalhamento nas diversas direções.

As vísceras parenquimatosas, tanto pelo seu tamanho como pelo peso, são particularmente

susceptíveis às lacerações, cisalhamentos de pedículos vasculares, esmagamentos e roturas. O baço

é o órgão lesado em cerca de 40 a 55% das laparotomias por trauma contuso e o fígado em 35 a

45%. Menos freqüentemente, as vísceras ocas podem ser lesadas no trauma contuso.

B) Trauma penetrante:

Os agentes penetrantes determinam suas lesões de forma direta, em função de sua trajetória

e das estruturas que atravessa. Tal trajetória é limitada aos órgãos anatomicamente adjacentes à

lesão nos ferimentos por arma branca, enquanto que os ferimentos por projéteis de arma de fogo

podem apresentar trajetórias diversas, além de provocarem lesões teciduais pela força de cavitação.

Os ferimentos por arma branca acometem mais comumente o fígado (40%), intestino

delgado (30%), diafragma (20%) e cólon (15%). Os ferimentos por arma de fogo causam mais

lesões intra-abdominais devido a extensão da sua trajetória e a maior energia cinética, envolvendo

mais comumente o intestino delgado (50%), cólon (40%), fígado (30%) e estruturas vasculares

abdominais (25%).

Considerando os ferimentos penetrantes abdominais, deve-se lembrar de que os ferimentos

de dorso, períneo, nádegas e tórax podem comprometer estruturas abdominais. Assim, todos que

comprometem essas regiões devem ser considerados abdominais, até prova em contrário.

Os ferimentos do tórax inferior acometem a região de transição tóraco-abdominal, que pode

ser limitada superiormente por uma linha que passa pelo 4° espaço intercostal, anteriormente, e pelo

7° espaço intercostal, posteriormente, e seu limite inferior é dado pelo rebordo costal. Nessa região,

o diafragma cursa seus movimentos, o que explica o possível comprometimento torácico e

abdominal dos ferimentos desse segmento do tronco.

A possibilidade de lesão varia de acordo com o tipo de agente penetrante. Nos ferimento por

arma branca da parede anterior do abdome, a incidência de lesão é de 30 a 40%, sendo ainda

percentualmente inferior nos ferimentos de flanco e da região lombar, respectivamente. Os

ferimentos por arma de fogo comportam uma taxa de lesão interna de até 97%, sendo o poder

destrutivo maior nos ferimentos por armas militares do que por armas civis.

2. SINAIS E SINTOMAS:

Na avaliação do paciente com suspeita de trauma abdominal, todos os esforços se

concentram em se fazer o diagnóstico da presença de uma lesão abdominal, sendo menor em

importância o diagnóstico topográfico específico da lesão.

O quadro clínico mais comum é a presença de choque circulatório sem causa aparente.

Na investigação do paciente com suspeita de trauma abdominal, os sinais no exame físico

podem não ser aparentes logo na admissão. Cerca de 50% dos pacientes com hemoperitônio de

considerável volume podem não apresentar manifestações clínicas na avaliação inicial.

No paciente traumatizado que se apresenta consciente e o mecanismo de trauma não sugere

a presença de uma possível lesão intra-abdominal, podemos mantê-lo sob observação clínica com

exames clínicos repetidos. Todas as informações devem ser anotadas e comparadas com as

avaliações anteriores, de preferência realizadas pelo mesmo médico, pois as alterações observadas

no exame físico podem determinar uma investigação diagnostica específica ou até a indicação

cirúrgica.

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O abdome deve ser completamente inspecionado nas suas faces anterior e posterior como

também a região perineal. Escoriações, contusões, hematomas localizados e ferimentos abertos

sugestivos de penetração devem ser bem caracterizados.

A ausculta do abdome permite confirmar a presença ou ausência de ruídos hidroaéreos. A

presença de sangue ou conteúdo gastrintestinal pode produzir íleo, resultando em diminuição dos

ruídos hidroaéreos.

A percussão do abdome pode demonstrar som timpânico devido a dilatação gástrica no

quadrante superior esquerdo ou macicez difusa quando hemoperitônio está presente.

A rigidez abdominal voluntária pode tornar o exame físico abdominal não confiável. De

maneira contrária, a rigidez involuntária da musculatura abdominal é um sinal confiável de irritação

peritoneal. A dor à descompressão brusca, geralmente, indica uma peritonite estabelecida pelo

extravasamento de sangue ou conteúdo gastrintestinal. Na presença de um útero gravídico deve-se

estimar a idade fetal.

Os sinais de irritação peritoneal podem indicar a necessidade de cirurgia.

A compressão manual das cristas ilíacas ânterosuperior pode mostrar movimento anormal ou

dor óssea que sugere a presença de fratura pélvica em pacientes com trauma contuso do tronco.

O toque retal deve ser parte obrigatória do exame físico, dando informações como a

presença de sangue na luz retal, fragmentos de ossos pélvicos que penetram o reto, a crepitação da

parede posterior do reto (pneumoretroperitôneo), a atonia esfincteriana (lesão medular) e a posição

alta da próstata (lesão uretral). Nos pacientes com ferimentos abdominais penetrantes, a presença de

sangue no reto demonstra que houve perfuração intestinal e indica a cirurgia.

Da mesma forma, o exame vaginal na mulher pode caracterizar sinais de violência sexual,

sangramentos e espículas ósseas decorrentes de fraturas pélvicas.

O exame do períneo e do pênis pode demonstrar uretrorragia e hematoma de bolsa escrotal,

sugerindo fortemente a presença de lesão uretral, o que contraindica a sondagem vesical.

Os ferimentos penetrantes da região glútea estão associados com uma incidência maior de

50% de lesão abdominal significante.

É importante ressaltar que o encontro de algum achado positivo no exame físico do abdome

deve sugerir a presença de uma lesão interna, porém, a ausência de sinais não afasta a possibilidade

de lesão.

Em alguns pacientes, o abdome não pode ser avaliado adequadamente pelo exame físico

devido à alteração do nível de consciência (traumatismo cranioencefálico, etilismo agudo ou abuso

de drogas depressoras do sistema nervoso central), naqueles cujos achados no exame físico

abdominal não são confiáveis, como nos pacientes com lesões da coluna cervical, naqueles com

significante fratura costal baixa ou pélvica, que podem confundir o exame físico abdominal e

naqueles que serão anestesiados para a realização de procedimentos cirúrgicos extra-abdominais.

MEDIDAS AUXILIARES

A) Sonda nasogástrica:

O emprego da sonda nasogástrica visa descomprimir o estômago, diminuindo o risco de

aspiração. Pode, entretanto, detectar a presença de sangue levantando a suspeita de lesão no trato

digestivo superior, uma vez afastado o sangramento deglutido das fraturas nasomaxilofaciais. A

contraindicação da utilização da sonda nasogástrica são as fraturas da face média e a suspeita da

fratura da base do crânio. Neste caso, deve-se usar a via orogástrica.

B) Sonda vesical:

A sondagem vesical permite o controle do débito urinário, que pode ser utilizado para se

avaliar a reposição volêmica. A cateterização vesical também é importante para se avaliar o aspecto

da urina. A presença de hematúria indica a possibilidade de lesão do trato urinário.

O emprego da sonda vesical está contraindicado quando existem sinais sugestivos de lesão

uretral que são: uretrorragia, o hematoma da bolsa escrotal e a próstata em posição elevada no toque

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retal. Diante desses achados, uma uretrografia injetora deve ser realizada antes da tentativa de

passagem da sonda vesical.

3. DIAGNÓSTICO:

O avanço na tecnologia dos exames de imagem e a difusão destes exames pelos serviços de

atendimento médico de emergência permitiram o diagnóstico mais rápido e preciso das lesões

abdominais, diminuindo o risco de lesões despercebidas.

Os pacientes conscientes, com mecanismo de trauma negativo e sem sinais de trauma

abdominal no exame físico que não sugiram lesões, não necessitam ser investigados.

Em todos os pacientes com rebaixamento do nível de consciência ou com sinais positivos no

exame físico ou com mecanismo de trauma que levem à suspeita de trauma abdominal devem ser

submetidos à investigação radiológica para a confirmação ou exclusão de lesões abdominais.

O exame a ser realizado vai depender do estado hemodinâmico após a reposição volêmica.

Nos pacientes que mantém a instabilidade hemodinâmica, o lavado peritoneal diagnóstico ou o

ultrassom de abdome devem ser utilizados, pois são exames sensíveis, embora pouco específicos.

Nos pacientes com estabilidade hemodinâmica, a tomografia de abdome é o exame de

escolha, pois sua alta especificidade permite o adequado estadiamento de todas as lesões

abdominais.

Os pacientes com instabilidade hemodinâmica e sinais óbvios de trauma abdominal devem

ser submetidos à exploração cirúrgica.

A abordagem diagnóstica e de tratamento do trauma penetrante está lentamente mudando de

uma indicação de exploração cirúrgica imediata para uma conduta conservadora em casos

selecionados. Esta alteração da conduta tem sido possível graças a uma maior acurácia do

diagnóstico clínico, laboratorial e, particularmente, radiológico na avaliação e estadiamento de cada

caso.

A exploração local dos ferimentos penetrantes por arma branca da parede abdominal

anterior, em pacientes sem sinais de irritação peritoneal ou hipotensão arterial, é útil, pois em 25 a

33% dos casos não há violação da cavidade peritoneal, o que evita laparotomias desnecessárias.

4. EXAMES COMPLEMENTARES

A) Exames laboratoriais:

Além da tipagem sangüínea e das provas cruzadas, amostras de sangue podem ser utilizadas

para medidas de hematócrito/hemoglobina, leucometria, amilasemia, testes de gravidez nas

traumatizadas em idade fértil e dosagem de álcool ou drogas.

Dosagens laboratoriais seriadas, caracterizando mudanças como a queda da hematimetria, o

aparecimento de leucocitose e o aumento da amilase podem ser indícios de uma lesão oculta

abdominal.

O exame de urina pode eventualmente auxiliar, constatando a presença de micro-hematúria,

sugerindo a presença de lesão no sistema urinário em pacientes que estavam instáveis

hemodinamicamente na admissão.

B) Exames radiológicos:

B.1- Radiografias simples:

A radiografia simples de abdome é de pouca contribuição diagnóstica no trauma abdominal.

No trauma contuso de abdome, somente quando identificar a presença de ar livre na

cavidade peritoneal (pneumoperitôneo) ou retroperitoneal (retropneumoperitônio), a radiografia

simples de tórax com cúpulas poderá caracterizar uma provável rotura de víscera oca. Se o paciente

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não puder ficar sentado ou de pé para a realização da radiografia devido à dor ou suspeita de fratura

vertebral, fazemos uma radiografia de abdome com o paciente em decúbito lateral esquerdo.

Pode haver também a perda da sombra do músculo psoas, o que sugere lesão retroperitoneal.

Outros sinais como velamentos ou distensões gasosas são inespecíficos. No entanto, o

achado de fraturas das costelas inferiores, da coluna lombar, dos processos transversos de vértebras

lombares e da pelve pode sugerir a concomitância de lesões dos órgãos adjacentes.

Nos casos de trauma abdominal penetrante por arma de fogo, os pacientes que estão

instáveis hemodinamicamente devem ser levados imediatamente para exploração cirúrgica. Se o

estado hemodinâmico estiver normal, os orifícios de entrada e saída devem ser marcados com clipes

para se obter uma ideia da trajetória presumida.

B.2) Radiografias contrastadas:

Os estudos radiológicos contrastados poderão ser empregados em pacientes que se

apresentam estáveis hemodinamicamente e, cuja indicação traga uma real contribuição diagnóstica.

A uretrocistografia injetora está indicada nos casos de suspeita de lesão uretral (uretrorragia,

hematoma de períneo e próstata em posição elevada ou não palpável no toque retal), antes da

introdução de uma sonda vesical.

A cistografia, conseguida pela repleção vesical com 250 a 300 ml de contraste hidrossolúvel,

seguida de três incidências (AP, Perfil e pós-esvaziamento vesical), é especialmente utilizada nos

pacientes com traumas pélvicos apresentando hematúria macroscópica.

A urografia excretora pode ser utilizada em casos com suspeita de trauma renal, porém a

tomografia computadorizada permite melhor caracterização do tipo e extensão das lesões, bem

como a presença de lesões associadas.

A duodenografia e o enema baritado do cólon, raramente indicados em casos particulares de

lesões de duodeno e cólon retroperitonial, que não apresentam manifestações clínicas precoces.

B.3) Ultrassonografia

A maioria dos estudos de ultrassonografia abdominal em pacientes politraumatizados

recomenda a sua utilização como exame diagnóstico inicial, teste de “screening” ou estudo

adjuvante complementar à tomografia computadorizada ou ao lavado peritoneal diagnóstico,

devendo ser realizado na própria sala de admissão por médico treinado, visando a procura de

líquido livre na cavidade abdominal que em trauma corresponderia a sangue livre na cavidade,

positivando o exame e ou encontrar lesões grosseiras de ruptura de baço e ou fígado identificáveis

no exame, não esquecendo que o exame é examinador dependente, assim a destreza do examinador

e sua experiência contam muito.

O objetivo do exame é a detecção e quantificação do hemoperitônio para identificar os

pacientes com lesão e não o diagnóstico do órgão lesado.

Na sistematização da ultrassonografia abdominal para trauma são examinadas quatro regiões

à procura de líquido livre: saco pericárdio, fossa hepatorrenal (Espaço de Morrison), fossa

esplenorenal e a pelve. Após o exame inicial, o mesmo pode ser repetido para detectar

hemoperitônio progressivo.

As principais vantagens da ultrassonografia abdominal são a sua fácil utilização, podendo

ser portátil, repetido, sem risco de efeitos da radiação e a aquisição de experiência prática

acumulada, existem aparelhos portáteis que já podem ser empregados no serviço de pré-hospitalar.

Alguns fatores comprometem a utilização da ultrassonografia abdominal tais como a

obesidade, a presença de enfisema subcutâneo e cirurgias abdominais prévias.

B.4) Lavado peritoneal diagnóstico (LPD)

O lavado peritoneal é muito sensível para a detecção de hemorragia (98%), é rápido e

simples de ser realizado e não requer equipamento sofisticado. Entretanto, o lavado peritoneal não

diferencia entre sangramento de pequenas lesões daqueles significantes, resultando em laparotomias

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desnecessárias em 6 a 25% dos casos. Também não mostra a localização ou extensão das lesões,

nem mostra lesões do retroperitônio e, assim, não tem sensibilidade para as lesões traumáticas do

pâncreas, rins e porção retroperitoneal do duodeno.

Assim, o lavado peritoneal diagnóstico está indicado no politraumatizado que apresenta:

- Exame físico abdominal de interpretação duvidosa, por apresentar dor abdominal que

pode ser atribuída às fraturas de costelas inferiores, fratura pélvica ou lombar.

- Exame abdominal não confiável, como nos traumatizados de crânio e intoxicados ou

com trauma raquimedular.

- Impossibilidade de seguimento clínico do abdome (anestesiados para cirurgias em

outros seguimentos ou submetidos a exames complementares prolongados).

Por se tratar de procedimento cirúrgico, com risco, o LPD deve ser feito,

preferencialmente, por um cirurgião. Como o método altera o exame físico subseqüente do abdome,

o cirurgião que irá tratar receber e conduzir o doente, é o profissional mais indicado para realizar o

procedimento.

A grande contraindicação da LPD é a indicação absoluta de laparotomia exploradora. As

contraindicações relativas são: obesidade mórbida, gravidez, cirurgias abdominais prévias,

coagulopatia pré-existente e a cirrose avançada.

Os passos da técnica de LPD são:

1. Assepsia e antissepsia

2. Anestesia local com xilocaína sem vasoconstrictor.

3. Incisão longitudinal de 2 cm inferior à cicatriz umbilical. Se houver suspeita de

fratura de bacia, a incisão deve ser supraumbilical e, na gestante, a incisão deve ser

realizada acima do fundo do útero.

4. Dissecção até o encontro da aponeurose, com hemostasia rigorosa.

5. Incisão da aponeurose longitudinalmente na linha média.

6. Dissecção com pinça hemostática - tipo Kelly até o encontro do peritônio, sempre

com hemostasia rigorosa.

7. Pinçamento do peritônio com Kelly, com realização de sutura em bolsa no peritônio.

8. Abertura do peritônio e introdução de cateter na cavidade abdominal dirigido

inferiormente e para a esquerda.

9. Tentativa de aspiração de sangue com seringa conectada ao cateter.

10. Infusão de 1000 ml de soro fisiológico aquecido no adulto e 10 ml por quilo na

criança.

11. Drenagem do líquido infundido, por mecanismo de sifonagem, no próprio frasco de

soro (Importante: não furar o frasco de soro a ser infundido com agulha).

Os critérios de positividade do LPD são:

1. Saída de sangue à abertura do peritônio.

2. Saída de sangue no cateter (capilaridade).

3. Saída de sangue à drenagem do líquido infundido.

4. Laboratorial: mais de 100.000 hemácias ou mais de 500 leucócitos no líquido

drenado.

B.5) Tomografia computadorizada

A tomografia computadorizada não deve ser realizada em pacientes hemodinamicamente

instáveis e naqueles com sinais óbvios de peritonite que requerem exploração cirúrgica imediata.

Para a avaliação rápida da presença de lesões abdominais, o lavado peritoneal diagnóstico e a

ultrassonografia podem ser utilizados.

O exame tomográfico do abdome tem substituído outros exames de imagem na avaliação de

pacientes hemodinamicamente estáveis. É realizado em pacientes nos quais o abdome não pode ser

avaliado adequadamente pelo exame físico devido à alteração do nível de consciência (traumatismo

cranioencefálico, etilismo agudo ou abuso de drogas depressoras do sistema nervoso central),

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naqueles cujos achados no exame físico abdominal não são confiáveis e naqueles com significante

fratura pélvica ou história de múltiplas cirurgias.

Contrastes hidrossolúveis administrados por via oral e venosa proporcionam melhores

resultados na interpretação das imagens e, portanto, devem ser utilizados. Os cortes tomográficos

devem abranger o tórax inferior e toda a pelve.

A tomografia computadorizada pode perder algumas lesões como do aparelho

gastrointestinal, diafragma e pâncreas. Na ausência de lesões hepática e esplênica, a presença de

líquido livre na cavidade peritoneal sugere uma lesão do trato gastrointestinal e ou do mesentério.

5. ESTUDOS DIAGNÓSTICOS ESPECIAIS NO TRAUMA PENETRANTE

A) Ferimentos da região toracoabdominal

Exames:

- Exame físico seriado,

- Radiografia simples seriada de tórax,

- Toracoscopia, laparoscopia

- Tomografia computadorizada (para ferimentos toracoabdominais do lado direito).

- Tomografia computadorizada com triplo contraste (oral, venoso e retal).

- Lavado Peritoneal

Mesmo com todas estas opções diagnósticas, as hérnias diafragmáticas pós-traumáticas do

lado esquerdo continuam a ocorrer em pacientes com ferimentos toracoabdominais por arma

branca. Em casos de ferimentos toracoabdominais do lado esquerdo por arma de fogo, a conduta

mais segura é a laparotomia.

6. TRATAMENTO

A) Tratamento conservador não operatório

1. Trauma contuso:

O uso da tomografia computadorizada nos pacientes com trauma abdominal contuso

propicia o tratamento conservador não operatório das lesões de órgãos parenquimatosos,

diminuindo a necessidade de cirurgia exploradora e reduzindo a freqüência de laparotomias não

terapêuticas. A tendência atual em direção ao tratamento conservador não operatório de muitas

lesões do fígado, baço e rins é devida, em parte, à capacidade da tomografia computadorizada não

apenas de definir a presença da lesão e a sua extensão, mas também de excluir outras lesões

significantes, evitando cirurgias desnecessárias.

A decisão final a respeito da indicação de exploração cirúrgica deve ser tomada com base

nos achados tomográficos em conjunto com o quadro clínico completo e a experiência do cirurgião.

2.Trauma penetrante:

Nos traumas abdominais penetrantes, apesar do forte consenso em favor da cirurgia

mandatória, independentemente dos sinais clínicos apresentados, os ferimentos por arma branca

começaram a ter uma abordagem mais seletiva, quando o paciente está relativamente assintomático

(podendo referir dor no local do ferimento), permitindo à realização de exames físicos seriados, a

exploração local do ferimento na parede abdominal anterior, o lavado peritoneal diagnóstico e a

tomografia computadorizada com triplo contraste em ferimentos do flanco ou dorso.

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O sucesso da política de tratamento conservador não operatório para lesões de órgãos

parenquimatosos em casos de trauma abdominal contuso e para casos selecionados de ferimentos

por arma branca aceitos na maioria dos grandes centros de trauma encorajou a conduta

conservadora não operatória em pacientes com ferimentos penetrantes por arma de fogo. Apesar do

risco de lesão associada em mais de 95% dos casos, tal conduta passou a ser adotada no subgrupo

de pacientes sem penetração da cavidade peritoneal, que algumas vezes pode ser clinicamente óbvia

e, outras vezes, requer a confirmação através de exames de imagem, particularmente, a tomografia

computadorizada.

Dois argumentos utilizados para justificar o tratamento conservador não operatório para

ferimentos penetrantes abdominais, tanto por arma branca, quanto por arma de fogo, tem sido a

significante morbidade, os custos associados à laparotomia não terapêutica e o significante

potencial para cicatrização de órgãos parenquimatosos (fígado, baço e rins) traumatizados, como

observado no tratamento de lesões graves desses órgãos no trauma contuso.

O objetivo da adoção de uma conduta conservadora não operatória é minimizar a incidência

de exploração negativa sem aumentar a morbidade de uma lesão despercebida.

Nos casos de ferimentos por arma branca, atualmente, prevalece à conduta seletiva, visto

que 50% das laparotomias são negativas, se a cirurgia for mandatória.

Certos fatores devem ser considerados na seleção dos pacientes para tratamento conservador

não operatório, sendo que o primeiro deles é a estabilidade hemodinâmica. Um paciente instável,

que não responde à reposição volêmica, requer exploração cirúrgica imediata. Num paciente

estável, definido como uma pressão sistólica maior que 90 mmHg, a avaliação clínica, laboratorial e

o estadiamento radiológico deve ser realizado para quantificar adequadamente o grau de lesão. O

exame físico deve incluir a exploração local do ferimento, embora a avaliação da integridade fascial

possa ser difícil e pouco acurada no paciente jovem e com musculatura abdominal desenvolvida.

O local de penetração no tronco tem sido sugerido como um indicador útil na avaliação da

lesão. Especificamente, os ferimentos posteriores à linha axilar posterior podem causar lesões renais

que são relativamente menos graves do que àqueles abdominais anteriores.

Alguns trabalhos mostram a presença de lesões orgânicas significantes em apenas 21,4%

dos ferimentos por arma branca dos flancos e 7% dos ferimentos por arma branca do dorso.

A baixa incidência de lesões por ferimentos no dorso é atribuída à espessura da musculatura

e as barreiras esqueléticas.

A tomografia computadorizada com triplo contraste (via oral, endovenosa e por enema)

deve ser utilizada como exame primário para traumas penetrantes do flanco e do dorso, em

pacientes com estabilidade hemodinâmica e sem sinais óbvios de peritonismo.

Um risco potencial do tratamento conservador não operatório de ferimentos por arma branca

é a lesão diafragmática despercebida. Os achados radiológicos na tomografia computadorizada não

são específicos. A mortalidade após herniação transdiafragmática após ferimentos por arma branca

pode chegar a 36%. A herniação ocorre à esquerda, uma vez que à direita é tamponada pelo fígado.

B) Tratamento cirúrgico

Os pacientes com sinais de irritação peritoneal, instabilidade hemodinâmica ou sangramento

retal após ferimentos penetrantes, por arma branca ou arma de fogo do tronco devem ser

encaminhados para exploração cirúrgica imediata. Demais pacientes devem ficar em observação

clínica e investigação diagnóstica por exames de imagem.

1. Indicações de laparotomia exploradora:

Alguns achados clínicos e de exames complementares determinam a indicação operatória,

como:

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- Evidência de ferimento penetrante abdominal em doente com instabilidade

hemodinâmica.

- LPD francamente positivo em vítima de trauma fechado abdominal com hipotensão.

- Sinais evidentes de irritação peritoneal recente ou na evolução.

- Sangramento do estômago e reto em ferimentos penetrantes.

- Sinais de trauma abdominal com hipotensão recorrente apesar da reposição volêmica.

- Pneumoperitôneo na radiografia simples de tórax com cúpulas ou de abdome.

- Sinais radiológicos de lesão diafragmática.

- Lesão de alguma víscera revelada pela tomografia computadorizada.

- Evidência de lesão nos exames radiológicos contratados do tubo digestivo.

A exploração cirúrgica em pacientes instáveis visa atualmente operar e identificar lesões

sangrantes e de risco de contaminação e tratá-las com prioridade visto que são o risco

imediato á sobrevivência do paciente, utilizando os preceitos da cirurgia de “damage

control”, ou melhor, controle de danos onde a hemostasia é realizada de maneira rápida e a

ráfia e ou controle de lesões contaminantes das vísceras sejam realizadas de maneira precisa

e rápida, não importando em primeira instância que sejam definitivas, pois deve-se ter em

conta que o tempo é determinante do agravamento do estado do paciente, antes horas e horas

de cirurgia com realização de todos os procedimentos em um ato só culminavam com o

paciente falecendo na mesa ou na recuperação frustrando a toda a equipe que realizou o

atendimento, hoje visando controle de hemorragia e diminuir os riscos de contaminação com

inventário das lesões e intervenções rápidas e precisas , faz-se com que se abrevie o tempo

operatório e encaminhe o paciente á recuperação e estabilização hemodinâmica, equilíbrio

ácido básico, controle dos riscos de distúrbios de coagulação, onde pós seu devido controle

será reoperado visando o tratamento definitivo em melhores condições físicas (24 horas

depois por exemplo).

Revisado – dezembro de 2012

Dr. César Augusto Masella

SAMU – RIBEIRÃO PRETO