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Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artigos ______________________________________________________________________ RELIGIOSIDADE POPULAR E FESTEJOS RELIGIOSOS: ASPECTOS DA ESPACIALIDADE DE COMUNIDADES RIBEIRINHAS DE PORTO VELHO, RONDÔNIA * Adriano Lopes Saraiva ** RESUMO: O artigo apresentado analisa a religiosidade popular contida nos momentos do festejar das festas de santo das comunidades ribeirinhas de São Carlos e Nazaré, localizadas no município de Porto Velho, Estado de Rondônia. Eventos religiosos que nos mostram que esses festejos são exemplificações da história cultural na qual a impregnação do universo cultural do grupo está presente; marcada por atividades coletivas, pela qualidade e quantidade da religiosidade, pela efervescência coletiva, pelas inúmeras representações de crenças e pela celebração em torno da imagem do santo protetor. Palavras-chave: Catolicismo; Religiosidade popular; Comunidades ribeirinhas; Festejos religiosos. POPULAR RELIGIOSITY AND RELIGIOUS CELEBRATIONS: ASPECTS OF THE SPATIALITY OF THE RIVERSIDE COMMUNITIES OF PORTO VELHO, RONDÔNIA ABSTRACT: The article showed analyzed the popular religiosity in the moments of the commemoration of the parties of saint at communities that live beside river of São Carlos and Nazaré, localized in the municipal Porto Velho, state of Rondônia. The religious parties that show us that these parties are exemplifications of the cultural history in which the impregnation of the cultural universe of group is present; marked to collectives activities, by quality and quantity of the religiosity by collective effervescence, by unnumbered representations of the convictions and by celebration around of the image of protector Saint. Keywords: Catholicism; Popular religiosity, Communities that live beside river; Parties religious. 1. Abordando o tema do trabalho Refletir sobre o tema religiosidade no contexto das comunidades ribeirinhas de Nazaré e São Carlos não se constituem um projeto individual de pesquisa, e sim a busca para compreender que estes itens fazem parte do universo mental desse grupo social. O conceito de religiosidade popular tem sua origem no culto e está presente em todas as civilizações, permitindo as mais diversas análises; contribuindo para entender as relações do homem com suas crenças e o modo de relacionar-se em sociedade. * Capítulo da Dissertação de Mestrado intitulada “Festejos e Religiosidade Popular: o festejar em comunidades ribeirinhas de Porto Velho/RO”, apresentada ao Programa de Pós -graduação Strictu Sensu em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente/PGDRA da Fundação Universidade Federal de Rondônia UNIR. ** Geógrafo e Mestre em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente pela Universidade Federal de Rondônia/UNIR. Professor de Geografia da Rede Particular de Ensino e pesquisador sobre temas de geografia da religião e cultura. Endereço eletrônico: [email protected]

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Revista Brasileira de Histria das Religies. ANPUH, Ano III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artigos ______________________________________________________________________ RELIGIOSIDADE POPULAR E FESTEJOS RELIGIOSOS: ASPECTOS DA ESPACIALIDADE DE COMUNIDADES RIBEIRINHAS DE PORTO VELHO, RONDNIA* Adriano Lopes Saraiva** RESUMO:Oartigoapresentadoanalisaareligiosidadepopularcontidanosmomentosdo festejar das festas de santo das comunidades ribeirinhas de So Carlos e Nazar, localizadas no municpio de Porto Velho, Estado de Rondnia. Eventos religiosos que nos mostram que esses festejos so exemplificaes da histria cultural na qual a impregnao do universo cultural do grupoestpresente;marcadaporatividadescoletivas,pelaqualidadeequantidadeda religiosidade,pelaefervescnciacoletiva,pelasinmerasrepresentaesdecrenasepela celebrao em torno da imagem do santo protetor. Palavras-chave:Catolicismo;Religiosidadepopular;Comunidadesribeirinhas;Festejos religiosos. POPULAR RELIGIOSITY AND RELIGIOUS CELEBRATIONS: ASPECTS OF THE SPATIALITY OF THE RIVERSIDE COMMUNITIES OF PORTO VELHO, RONDNIA ABSTRACT:Thearticleshowedanalyzedthepopularreligiosityinthemomentsofthe commemoration of theparties of saint at communities that livebeside river of SoCarlosand Nazar,localizedinthemunicipalPortoVelho,stateofRondnia.Thereligiouspartiesthat show us that these parties are exemplifications of the cultural history in which the impregnation oftheculturaluniverseofgroupispresent;markedtocollectivesactivities,byqualityand quantityofthereligiositybycollectiveeffervescence,byunnumberedrepresentationsofthe convictions and by celebration around of the image of protector Saint. Keywords:Catholicism;Popularreligiosity,Communitiesthatlivebesideriver;Parties religious. 1. Abordando o tema do trabalho Refletirsobreotemareligiosidadenocontextodascomunidadesribeirinhasde Nazar e So Carlos no se constituem um projeto individual de pesquisa, e sim a busca para compreender que estes itens fazem parte do universo mental desse grupo social. O conceitodereligiosidadepopulartemsuaorigemnocultoeestpresenteemtodasas civilizaes,permitindoasmaisdiversasanlises;contribuindoparaentenderas relaes do homem com suas crenas e o modo de relacionar-se em sociedade. *CaptulodaDissertaodeMestradointituladaFestejoseReligiosidadePopular:ofestejaremcomunidadesribeirinhasdePortoVelho/RO,apresentadaaoProgramadePs-graduaoStrictuSensu emDesenvolvimentoRegionaleMeioAmbiente/PGDRAdaFundaoUniversidadeFederalde Rondnia UNIR. **GegrafoeMestreemDesenvolvimentoRegionaleMeioAmbientepelaUniversidadeFederalde Rondnia/UNIR.ProfessordeGeografiadaRedeParticulardeEnsinoepesquisadorsobretemasde geografia da religio e cultura. Endereo eletrnico: [email protected] Revista Brasileira de Histria das Religies. ANPUH, Ano III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artigos ___________________________________________________________________ 148 Paraquesepossacompreendercommaisfacilidadeacargaemocionaldos elementos que fazem parte desta religiosidade, como as promessas, as festas religiosas, asromariaseasprocisses,dentreoutrasmanifestaesquematerializamaf, fundamental se dedicar a um estudo pormenorizado da religiosidade popular.Assim,buscamosemOscarBeozzo,adefesadasubstituiodaexpresso religiosidadepopularporprticasreligiosasdasclassespopulares,doqual,salvo melhorjuzo,necessriodiscordar,poisoautorinsisteemt-lacomoexclusivo patrimniodeclassessociaisexploradaseoprimidas(BEOZZO,1982,p.745), desconsiderandoqueasmanifestaesdereligiosidadepopularindependemdeclasse social. Sejam as prticas do catolicismo oficial, sejam as manifestaes de religiosidade popular,ambassesustentamemalicercecomum:anoodosagrado.Aclivagemdo sagrado,noentanto,ongrdionosdosqueelaboramasdoutrinasque nortearo qualquer ortodoxia religiosa, mas tambm do estudioso das religies. Efetuar esseprocessodeclivagemsemdvidadifcil.AtmeadosdosculoXIX caracterizava-seanoodepopularcomo[...]adetudoquerepresentasseo supersticioso, o grosseiro, curioso, vulgar, ou seja, estava adjunto ao termo um carter de certa forma pejorativo. (CESAR, 1976, p. 7) Dequalquerforma,adesignaodepopularnormalmenteempregadaem relaosclassessociaissubalternas,ouaosindivduosqueocupamumaposio perifricanaorganizaoespacialdeumadadasociedade.Refere-se,dessaforma,s manifestaes de memria coletiva, a includas a linguagem e a religiosidade. A partir darealidaderibeirinha,buscam-seelementoscapazesdedarsustentaoaodebate preterido por este trabalho. J que estudar a realidade amaznica se constitui um objeto de reflexo privilegiada para qualquer rea das Cincias. E quando falamos do sagrado e da religiosidade, fazemos isso no sentido de que no se trata de algo inexistente, impossvel, distante ou mesmo separado do que poderia ser pensado como o resto da experincia humana, e sim como um fato real, presente e querevestidodegrandeimportncianomododevidadaspopulaesdaAmaznia, visto que o sagrado no mais mstico do que lgico, esttico ou poltico. Incluem todas estasdimenses,masnosereduzanenhumadelas.Assim,comooutrosconceitos,o sagradotambmumprodutodacriaohumana,istoocaracterizanocomoum equvocoouumacrenasemfundamento,masolegitimaeotornavlidocomoparte do universo mental dos grupos sociais. Revista Brasileira de Histria das Religies. ANPUH, Ano III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artigos ___________________________________________________________________ 149 OsgruposquevivemnaAmazniapossuemdentrodesuasprticasreligiosas maiscomunsocatolicismo.Nesteuniversoamaznicomuitocomumcrenanas mitologiasquefazempartedocotidianodascomunidadessituadasmargemdosrios, comoaslendasdacobragrande,damedamata,docurupira,enascrenascomoo mau olhado e os encantamentos. Essaumareligiosidadequetemcomoumdospontosfortesadevooaos santoscatlicosedareuniodascomunidadesemmomentosespecficospara celebraremseuspadroeiros,transformando-seemeventosquesecaracterizampela realizao de festas religiosas ou festejos, como so popularmentechamados na regio ribeirinha.Dessamaneira,ascomunidadesribeirinhaspassamgrandepartedoanoora envolvidascomapreparao,oracomarealizaoouparticipaonesses acontecimentos religiosos, tanto em localidade como nas demais ao longo do rio. 2. Culto aos Santos e a Manifestao do Sagrado Desde a chegada dos portugueses na costa brasileira e sua entrada no interior do pas com o intuito de conquista, explorao e dominao do territrio; existe registro de festividadesreligiosasededevooaossantos.JosRamosTinhoro(2000)descreve com riqueza de detalhes o ritual religioso da primeira missa e o contato dos portugueses recmchegadoscomosindgenas.Apartirdaainserodocatolicismoedeseus preceitos comeou a ser disseminado naquela terra nova. AvindademissesjesutasquedatamdosculoXVIIparaaAmazniaeo contato com os indgenas, com suas crenas e suas devoes, somado a fenmenos que mais tarde vieram a contribuir para o atual formato da religiosidade praticada na regio ribeirinha-comoocasodascorrentesmigratriasdoinciodofimdosculoXIXe inciodoXX-colaboramparaoriginarumaformadecatolicismoquednfaseao culto dos santos, s festas de santos e grupos organizados para realizar tais eventos. Nessarealidadetemosossantospadroeiroscomofigurasderelevada importncia dentro do universo das devoes das comunidades, dessa forma a figura de DeuseJesusCristocomoentidadessagradasnosedestacamtantocomodentrodo contexto de populaes urbanas. A figura da Virgem Maria assume a imagem de Nossa Senhoraquenascomunidadesribeirinhasaparecerevestidasobaidentidadedesantas de devoo de grupos de mulheres e de algumas praticantes de cultos msticos como as benzedeiras e rezadeiras, bem como as parteiras tradicionais que se pegam em orao s suas santas de devoo na hora da realizao de seu ofcio, o parto. Revista Brasileira de Histria das Religies. ANPUH, Ano III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artigos ___________________________________________________________________ 150 Adevooaossantosearealizaodefestastmcaractersticaspeculiares, postoqueexistaosantodedevooquesoindividuaiseexisteosantopadroeiroda comunidade.Adevooindividualaumsantolevaoribeirinhoaprestarsuas homenagensdeformaisolada,nombitodesuaresidnciae/oucapela;jossantos padroeiros entram no calendrio festivo das comunidades. Passam a ser comemoraes coletivas de uma crena que perpassa apenas um indivduo, chegando a congregar toda acomunidadeemtornodaquelesanto.Algunsdestessantos,representadosporsuas imagensfazemopapeldeprotetoresoupatronosdealgunsofciosdesenvolvidospela comunidade;SoSebastiocomosantodospescadoresbomexemplodestadevoo (GALVO, 1976). Aimagemdeumsantopossuigrandeimportnciaparaumacomunidade,uma que[...]acredita-sequedeterminadasimagenstenhampoderesespeciais,capacidades de milagres e de maravilhas que outras idnticas no possuem (GALVO, 1976, p. 29-30).AimagemdeNossaSenhoraAparecidapadroeiradoBrasilrevestidadeuma ureademisticismoepoderesespeciaisaelaatribudos;damesmaformanaregio ribeirinha,as imagens de madeira ou de outro material, tornam-seas protagonistas das festividades e para ela so voltadas s crenas e as adoraes. Os festejos se caracterizam por serem manifestaes de f, de agradecimento por benefciosalcanadoserenovaodospedidosfeitosimagemdosantoprotetor. Podemosconsiderarqueasfestasdesantosopromessascoletivasquevisamobem estar da comunidade, pois [...] acredita-se firmemente que, se o povo no cumprir com sua obrigao ao santo, isto , festej-lo na poca apropriada, ele abandonar a proteo que dispensa. Aqueles que custeiam as despesas das festas tm a convico que o santo retribuir esse sacrifcio. (GALVO, 1976, p. 31)Outracaractersticaquemerecedestaquequeoribeirinhocumpresuas promessaspormeioderituais,traduzidosmuitasvezesnaformadefestejos,almoos comunitrios,missas,procisses,novenas,bailes,etc.Dessaforma,cadaeventodeste possuisuaprpriahistriaerazodeexistncia,formanicadeserorganizadoesua representatividade para comunidade varia de grupo para grupo.Nascomemoraesdosfestejososagradoeoprofanoestopresentes,no entantodiludosnosvriosmomentosdafesta.Aorganizaodofestejoeosvrios momentos que dele fazem parte que vo caracterizar estes dois momentos. O sagrado eoprofanosodestacadosporEliade(1992,1998)comomodosdistintosdeserno mundo,capazesdepromovermudanasespaciais.Nessesentido,Rosendahl(1999b) Revista Brasileira de Histria das Religies. ANPUH, Ano III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artigos ___________________________________________________________________ 151 contextualizaaquestodosagradoedoprofanocomoformadoremodificadordo espao seja de uma comunidade ou de uma cidade. O momento da festa religiosa efetivamente um espao religioso que no separa o mundo em sagrado e profano, nela tudo potencialmente sagrado, ainda que no seja equitativamente, j que certos lugares, certos tempos e objetos o so mais que os outros. Para Rosendahl (1997, p. 125) [...] o espao sagrado se revela no somente atravs de umahierofania,mastambmporrituaisdeconstruoe,nessecaso,osrituais representam repeties de hierofanias primordiais conhecidas. Outroaspectofundamentalqueasfestasdesantoseconstituememumadas caractersticasdaspopulaesquecongregamdafcatlica,pautando-senocarter socializador,postoquecomarealizaodesteseventosogruposeencontra,realizam maisatividadesemconjunto.OquedestacadoporMafessoli(1994,p.112)quando elenosdizqueoestarjuntotoaquetemsuaimportncianascoletividadesdos momentosespecficosdasfestas,umaaocomumatravsdoqualacomunidadevai fortalecer o sentimento de si mesma. A partir da encontramos algumas caractersticas essenciais do grupo que se fundamenta antes tudo, no sentido partilhado.Oquenassociedadesmodernasnoobservado,postoquenohajainterao comumente entre os estranhos, vemos nas populaes tradicionais e nos momentos dos festejos:acomunidadecelebrandocomoumtodo(GIDDENS,1991).Oestarjunto um dado fundamental, pois ele consiste numa espontaneidade vital que assegura a uma cultura sua fora e sua solidez especfica, dessa forma os elementos que constituem essa culturasolidificamomododevidadoribeirinho,jqueafestaritual,divertimento, mas tambm modo de ao e resistncia do ribeirinho.Osfestejosreligiososseconfiguramcomoeventosligadosaosacramentalismo cristoadvindodouniversomentaldogrupoecadaeventodestepossuisuaprpria histria e razo de existncia, vindo a representar devoo, saudando um novo perodo produtivo que se inicia nessas comunidades, pode representar tambm a soluo de um grave problema, a sade recuperada, tudo isso traduzido em agradecimentos. Podendo serdefinidascomo:[...]manifestaesculturaisquesecaracterizam,entreoutros aspectos, por serem eventos efmeros e transitrios, perdurando algumas horas,dias ou semanas (MAIA, 1999, p. 204).Estando ligadas religiosidade e ao costume de pagar e de fazer promessas, esseatodestacadoporRosendhal,pois[...]aprticareligiosade"fazer"e"pagar" promessas constitui uma devoo tradicional e bastante comum no espao sagrado dos Revista Brasileira de Histria das Religies. ANPUH, Ano III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artigos ___________________________________________________________________ 152 santurios catlicos (1999b, p. 61). Assim, cada festa resultado de um acontecimento particularligadoaalgumfatoreferenteaumsujeitodedestaquenombitoda comunidade; situao muito bem descrita por Galvo: Ossantospodemserconsideradoscomodivindadesqueprotegemo indivduoeacomunidadecontraosmaleseinfortnios.Arelao entre o indivduo e o santo baseia-se num contrato mtuo, a promessa. Cumprindoaquelesuapartedocontrato,osantofaromesmo. Promessassopagasadiantadamente,paraseobrigarosantoa retribuir sob a forma do benefcio pedido. (1976, p. 31) Nombitodascomunidadesribeirinhasessescontratossoseguidoscom disciplinaedevoo.Oacreditareofestejarestojuntosdentrodosvriosrituaisque fazempartedofestejo.Eafiguradosantopadroeiroedasdemaiscrenasdogrupo ocupampapeldedestaquenocotidianodessascomunidades,umavezquemuito difcilumacomunidadenopossuirseusantopadroeiro.Umavezissoocorrendo, existir um santo de devoo de algum morador para festejar e celebrar. Outrascaractersticassoigualmenteimportanteserepresentamoaspectode movimentodefestasquetrazemareproduoderepresentaes,desmbolosque ajudam a manter a identidade (e so por elas mantidos) e a coeso social do cotidiano, poisnafestaqueaparecemoselementosconstitutivosexplcitosdaidentidadedas festas de santos e rituais amaznicos. Hdentrodocarterinformaldefuncionamentodasfestasumesquema organizativoqueacompanhaociclodabrincadeira,desdeospreparos(escolhados encarregados) at a apresentao (locais determinados). A irmandade dos membros dos grupossublinhaaforadoprocessodeidentificaoquepossibilitaodevotamento, graas ao qual se refora aquilo que comum a todas as festas: a comunho. 3. As festas religiosas e o espao das comunidades ribeirinhas O foco de nossas anlises est voltado para a realizao de festejos religiosos. A importncia do estudo das festas de santo ressaltada por Rosendahl quando ela nos diz queesseseventosreligiososexigemumestudo,peloseucarteraglutinadorde pessoas,centradonosantopadroeiro,nocostumelocalenatradioreligiosaherdada do colonizador (1999b, p. 42).As atribuies dadas ao espao e a forma de inserir-se nele esto ligado cultura e ao modo de vida das populaes. Entre as populaes ribeirinhas as crenas, os mitos eareligiosidadedestacam-sedentrodaculturadogrupo,tornando-sefatores Revista Brasileira de Histria das Religies. ANPUH, Ano III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artigos ___________________________________________________________________ 153 responsveis pela organizao scio-espacial das comunidades. Portanto, a organizao espacialestarligadaaouniversodascrenas,oquerefletirdeformaconcretana maneira pela qual o homem ir estabelecer-se no espao. Estudamos os festejos religiosos na perspectiva de Bordieu (1999), nos quais ... a religiosidade reveste-se de um carter intensamente pessoal, muitas vezes considerado parte integrante da essncia de qualquer experincia religiosidade (p. 49). Ademais as representaes e prticas religiosas do grupo constituem-se como elementos de destaque dafesta,namedidaemque,orientamsuarealizaoeosacontecimentosqueda decorre. Bordieu(1999,p.46)aindadestacaqueareligioexerceumefeitode consagraoquandoestruturaumsistemadeprticasreligiosasederepresentaes, capaz de fazer parte das relaes econmicas e sociais vigentes. Na realizao das festas temosmomentospreviamentedefinidosqueestsobesteefeitoconsagrador,comoa procisso,oleilo,obaile;osquaissoinerentesrealizaodefestejosem comunidades ribeirinhas. Asfestasreligiosasconfiguram-secomoeventosligadosaosacramentalismo cristoligadoaouniversomentaldogrupo.Oribeirinhocumpresuaspromessase graasrecebidaspormeioderituais,traduzidosnaformadefestasreligiosas,almoos comunitrios,missas,procisses,novenas,bailes,etc.Cadafestejopossuisuaprpria histria e razo de existncia. Representa agradecimento, devoo e tambm sada um novoperodoprodutivoqueseinicianessascomunidades,oinciodoperodode plantio, pode representar tambm a soluo de um grave problema, a sade recuperada, tudo isso traduzido em agradecimentos. Portanto, a organizao espacial estar ligada aouniversodascrenas,oquerefletirdeformaconcretanamaneirapelaqualo homem ir estabelecer-se no espao. Asatribuiesdadasaoespaoeaformadeorganizar-seneleestoligadosa culturaemododevidadaspopulaes.Entreaspopulaesribeirinhasascrenas,os mitoseareligiosidadedestacam-sedentrodaculturadogrupo,tornando-sefatores responsveis pela organizao scio-espacial das comunidades. Baseamo-nosemSilva(2000)aoqueserefereadefiniodepopulao tradicionalribeirinha,sendoumapopulaoquepossuiseumododevidapeculiarque as distingue das demais populaes do meio rural ou urbano, possuindo sua cosmoviso marcada pela presena das guas. Para estas populaes o rio, o igarap e o lago no so Revista Brasileira de Histria das Religies. ANPUH, Ano III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artigos ___________________________________________________________________ 154 apenas elementos do cenrio ou paisagem, mas algo constitutivo do modo de ser e viver do homem.Asfestasreligiosassofatoresdedestaqueentreessaspopulaes.Ogegrafo CarlosEduardoMaiaasdefinecomo:manifestaesculturaisquesecaracterizam, entreoutrosaspectos,porseremeventosefmerosetransitrios,perdurandoalgumas horas, dias ou semanas (1999, p.204). Estando ligadas religiosidade e ao costume de pagaredefazerpromessas,esseatodestacadoporRosendahl,poisaprtica religiosade"fazer"e"pagar"promessasconstituiumadevootradicionalebastante comum no espao sagrado dos santurios catlicos (1999b, p.61). Assim, cada festa resultado de um acontecimento particular ligado a algum fato referente a um sujeito de destaque no mbito da comunidade NoestudodoantroplogoCharlesWagleyUmaComunidadeAmaznica (1988), o papel das festas religiosas por ele destacado, posto que seja de fundamental importnciaparaacentuarocotidianodosribeirinhosamaznicos,comosquais realizou seu trabalho. Wagley destaca que ... todos os anos, em maio e junho, quando, noValeAmaznico,osriosvoltamaosseusleitoseaschuvasdiminuem,comeama estao seca; realizam-se ento inmeras festas... (1988, p.194).Estas festas so atividades realizadas durante as festas e se constituem momentos ondeoespaoganhacontornosdiferentesdoquepossuiduranteocotidiano,cada morador vive o espao de uma maneira particular. O que nos faz perceber que o espao dascomunidadesribeirinhasrecebedesignaesligadasscrenascriadaspelogrupo, ligadasaelementosconstituintesdarealidadedohomemribeirinho,comoosrios,os igaraps,oslagos,amata,aslendas,osmitos,etc.NascimentoSilva(2000,p.94-95) exemplifica a organizao espacial de comunidades ribeirinhas: oespao,nas comunidadesribeirinhas,aindaestmuitoprximo,ou melhor, est intimamenteligados pessoas, e elasmesmas aindano perderamcompletamenteocontroledesseespao,ondereconhecem ossignosesignificadosqueestopresentes emseuambientesemse separemdelesinteiramente,semtransform-loessencialmenteem mercadorias. O que atestado por Rivire quando nos fala: ... o espao, no se trata somente de uma relao concreta, fsica, com ele, feita de prticas e de descolamentos, ou de uma fenomenologia do espao vivido, mas de uma imaginrio no qual entram os esteretipos dacivilizaoeosvaloresligadosidentidadeediferenciao social. (1999, p. 59) Revista Brasileira de Histria das Religies. ANPUH, Ano III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artigos ___________________________________________________________________ 155 Outro aspecto a ser destacado que a festa religiosa necessita de vrios espaos para sua realizao. Cada momento da festa pensado e realizado em um determinado espao, por exemplo: a procisso realizada nas ruas da comunidade, o baile no centro comunitrio ou outro lugar que comporte tal atividade. Assim:A rua, os ptios, as praas, tudo serve para o encontro de pessoas fora das suas condies e do papel que desempenham em uma coletividade organizada. Ento, a empatia ou a proximidade constituem os suportes deumaexperinciaqueacentua intensamenteas relaesemocionais e dos contatos afetivos, que multiplica ao infinito as comunicaes, e efetua,repentinamente,umaaberturarecprocaentreasconscincias namedidaqueafestanomaisnecessitadesmboloseinventaas suas figuraes que desaparecem, muitas vezes, em seguida perecvel. (DUVIGNAUD, 1983, p.68) Esta organizao social nos remete ao espao utilizado para a realizao da festa e suas funcionalidades, o que destacado por Maia:...grandepartedasfestas,noseumomentodeocorrncia, simplesmentefornecemnovafunosformasespaciais prvias que dispem para a sua realizao (ponto central): ruas, praas,etc.Mas,tologocesseoperodooumomento extraordinrio,taisformasretomamasuafunohabitual. (1999, p. 204) Comefeito,asfestasreligiosasconstituemmomentosondeapopulao ribeirinhamodificaoespaoquehabita,dando-lhesignificadososmaisdiversos, transformando-o num lugar nico fruto das crenas dessas populaes, diferenciando e qualificando locais com caractersticas que s existem durante o perodo da festa. 4. O Sagrado no contexto das comunidades ribeirinhas H inmeras definies e referncias ao sagrado; vrios autores e pesquisadores j se debruaram sobre o tema nos trazendo grande material de anlise; um dos grandes pesquisadoressobreatemticaMirceaEliade(1988),quevainosdizerqueso sagradorealidadedeumamaneiraabsoluta,porqueageeficazmente,criandoe fazendo durar as coisas; influenciando em grande medida para a forma como o homem organiza sua vida. Osagradomanifesta-seporintermdiodahierofania(ELIADE,1992,1998), significadizerquealgodesagradorevela-senarealidadevividapelohomem.Alm disso,Eliade(1998,p.297)nosexplicaqueamanifestaodosagradoimpostaao Revista Brasileira de Histria das Religies. ANPUH, Ano III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artigos ___________________________________________________________________ 156 homem,oqueimplicadizerqueohomemquevivenessarealidadenoapercebe,ele apenas a vive, ele faz parte dela e dela retira suas crenas.Outrotericoqueanalisouessefenmenodosagradoedoprofanofoimile Durkheim,queoscaracterizamcomoumaqualidadeindividualtratadacomosefosse dotadadepoderessobrenaturaisedivinos.Qualquercoisa,sensvelousupra-sensvel podeserclassificadacomosagrado(assimcomoprofana),variandodereligiopara religio.Sagradoeprofanosodissociados,masmantmumarelaode complementao, posto que onde haja a manifestao do sagrado, l o profano tambm terumamanifestao;umarelaosentidaeavaliadapeloindivduoatravsdesua religiosidade e de seu universo mental.OquenaspalavrasdeDurkheimpodeserentendidacomo[...]umadiviso bipartida do universo conhecido e conhecvel em dois gneros que compreendem tudo o queexiste,masqueseexcluemradicalmente[...](1989,p.72).Taldistinoentre coisas sagradas e profanas seria uma das principais caractersticas de todas as religies, porcontadeque,dentrodouniversodascrenasedasreligieshaveremgrande medidaadivisoemdoisaspectos,comumentechamadosdesagradoedeprofano. (DURHKEIM, 1989, p. 492). Esta oposio marca, por exemplo, a percepo do sagrado subordinado por um Deus nico e absoluto, reduzvel ao mbito da f, caracterstica do catolicismo oficial da populaobrasileira.Estareduocolocaofenmenodoprofanocomoalgoaser vivenciadolongedocriador,mesmoquetalfenmenosejainerenteaosagradoa situaoaqualoprofanoestsubordinadoaoesquecimentoeaodesprezo.Situao muitabemretratadaporRosendahl,quandonosdizque[...]apalavrasagradotemo sentido de separao e definio, em manter separadas as experincias envolvendo uma divindade, de outras experincias que no envolvam consideradas profanas (1999a, p. 231). Naatualidade,sobramelementosparasepensaroquefoihistoricamenteuma liberaoeumadignificao,umavanoouumretrocesso,noquetangeao entendimentodofenmenodosagrado,vistoqueomododevidamodernolevaao empobrecimentodarealidadeedadistinodaexperinciadocamporeligioso, reduzindo-oaumasuperstiooucrenapopular,desprovidadeimportnciae significados.Oserabsolutoeacrenanosmodismoadvindosdosmeiosde comunicaodemassalevamemgrandemedidaaumacoisificaodeDeus. Colocandoeestabelecendoconceitoseaesquesofrutosdaaohumanaenoda Revista Brasileira de Histria das Religies. ANPUH, Ano III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artigos ___________________________________________________________________ 157 crenaedareligiosidadedosgrupossociais.AfiguradeDeusdespontadentrodeum contexto como este, colocando o sagrado em segundo plano, visto que as formas que os indivduostmdeacreditaradvmdacondutaedocomportamentoapregoadopelo sistemareligiosooficial,ouseja,essesistemaremeteosagradoeoprofanoparaum plano inferior. Estefatonoslevaaumadiscussoacercadasecularizaodascrenaseda prpriareligio.AidiadeumDeusedeumareligiovistasobopontodevistada cinciaedomododeproduocapitalistacolocaoreinodeDeussubstitudopelo reinodoshomens;emcertamedidatalfatoircolaborarparaaformaodeuma antteseaosagrado.Nombitodascrenasessasecularizaovemoperandodeforma poderosatrazendoparaograndepbliconovasformasdereligiooumesmooutras maneiras de se chegar ao sagrado.oquenoscolocaLeilaAmaral(2000)quandonosapresentaoocultismo,a espiritualidade,oorculoedemaisformasdeestaremcontatocomosagrado.Todas essasformasmuitoprximasaossujeitosedifundidasnomeiodapopulaocom discursos voltados cura e ao encontro dos questionamentos que levam os indivduos busca incessante de respostas s perguntas clssicas da filosofia e da prpria existncia do homem. Omundomoderno,secularizado,estrepletodedolosedeusesnodivinos. Masestacrticanoquestionouaeconomiageraldasalvao,nemmuitomenosa monetarizao da f, ou seja, a lgica que d sustento tanto religio quanto ideologia moderna do trabalho, do progresso e do desenvolvimento. O mundo pautado no trabalho e na acumulao descartou a religio, e com ela o sagrado, porque dentro dos ciclos de desenvolvimento do capitalismo o aspecto religioso foi colocado de lado em funo de umaideologiaquebuscavaaconsolidaodoprojetodamodernidade.(SANTOS, 2001)Dessa forma a modernidade, o sagrado e suas manifestaes ficaram submersos e inibidos, mas no desapareceram, deixaram de ter grande importncia para dar lugar a outrostiposdeespetculos,fbrica,bolsadevaloresedemaisfenmenosdo capitalismoorganizado,comoaoposiodaculturademassasearecusadocontexto social (SANTOS, 2001, p. 85).De toda maneira a diviso do mundo de forma julgadora e valorativa em profano e sagrado, muito bem destacada por Durkheim, vem de uma das grandes caractersticas dosagrado:ofatodestefenmenoterdiversossignificados,comotranscendental, Revista Brasileira de Histria das Religies. ANPUH, Ano III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artigos ___________________________________________________________________ 158 misteriosoedivino.Etambmporqueosagradovemcolocaraoindivduoaquiloque ele no consegue definir e nem muito menos nomear, algo inacessvel, ainda que seja parte do universo das crenase da religiosidadedos grupos sociais colaborando para a manutenodafdosujeitodentrodesuacomunidade,localidadeoumesmoa sociedade como um todo. Osagradomanifesta-seporintermdiodahierofania(ELIADE,1992,1998), significadizerquealgodesagradoserevelanarealidadevividapelohomem.Alm disso,ELIADE(1998,p.297)nosexplicaqueamanifestaodosagradoimposta tambmaohomem,oqueimplicadizerqueohomemquevivenessarealidadenoa percebe, eleapenasa vive de uma maneira calma e serena. Portanto, caracterizar essas hierofaniasnoambienteribeirinhoumatarefacomplexa,vistoqueessas manifestaes so diferentes dentro do aspecto observvel das populaes ribeirinhas. Ademais,omundodoribeirinhoorientadopelaconstruodeumaredede significados manifestos nos smbolos e mitos da paisagem habitada.Osfestejosreligiososapresentamparaosmoradoresdascomunidades ribeirinhasrituaiseobjetosqueremetemaodivino,ligaodohomemcomDeus. Podemoscitaraprocissoeacelebraocomodoismomentosprincipaisligadosao sagrado.AprocissoparaDaMatta(1997,p.65)definidacomoumdesfileespecial; podemosobservarcaractersticasdeambos(osagradoeoprofano),dentrodeum mesmo momento, pois a imagem do santo est com o povo e dele recebe na rua (e no naigreja)suasoraes,cnticosepiedade.Nessemomentoaspessoasrezam,pagam promessas e penitncias, o fazem para mediar seu contato com a divindade.Com efeito, Rosendahl (1999b, p.61) nos diz que a prtica religiosa de fazer epagarpromessasconstituiumadevootradicionalebastantecomumnoespao sagradodossanturioscatlicos.Assim,aoelegeremumaimagemeemtornodela organizarem um acontecimento capaz de modificar o tempo e o espao, essa devoo a mais clara representao da hierofania. A realidade vivida pelo homem ribeirinho est ligadaaoseucomportamentoeminentementereligioso,etalcomportamentoest arraigado ao seu modo de vida 5. A religiosidade popular nas comunidades ribeirinhas Parafazermoscomentriossobreareligiosidadepopularexistentenas comunidades amaznicas necessrio, antes, buscarmos fundamentos para trazer a tona grande diversidade das crenas e religiosidades existentes no Brasil.Revista Brasileira de Histria das Religies. ANPUH, Ano III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artigos ___________________________________________________________________ 159 Umaspectoimportanteestligadodefiniodepopular,vistoquejpor demais polmica ter tal definio, outro aspecto definir religiosidade popular de uma formatalqueseobtenhaunanimidade.Nessesentidoaprprianoodereligio popular foi objeto de inmeras tentativas de definio e de contestaes freqentemente renovadas,chegandoatadaraimpressodeumrecomeoindefinidodosmesmos equvocos.Porm,aonosaprofundarmos,encontramosoutrasnoes,designandoos grandes componentes da noo-me: preces, devoes, peregrinaes. Nestecaso,torna-semenoscomplexoumdelineamentodotermoreligiosidade popular, no pelo que ele representa, mas, ao contrrio, pelo que no representa, j que estligadoaouniversomentaldosgruposhumano.Ademais,areligiosidadepopular nocorpoeclesialnemcorpodoutrinrio,configurando-seemumareligiosidade dotadaderazovelindependnciadahierarquiaeclesistica;incluindonessecontexto todaadocumentaooficialdaIgrejaetodosostelogoselaboradoresdadoutrina. Independncia essa ao carter sistemtico do catolicismo oficial, materializada em uma exploso quase ntima ao sagrado, humanizando-o, sentindo-o prximo, testando-oe sentindosuaforapormtodoscriados,nopeloclero,maspelosprpriosdevotos, mtodosessesquesotransmitidos,emsuagrandetotalidade,oralmente.Emsuma,o vivido em oposio ao doutrinal. Diantedestesaspectossurgeoquestionamento:Quefundamentoserazes levamoCatolicismooficialaconvivercomasmaisvariadasformasdereligiosidade popular? As causas so vrias e diversas, e tm como pano de fundo a implantao da f catlica em Portugal e as condies de seu domnio americano. Inmeros grupos tnicos implantaramnoterritrioportugus,abertoaomarevizinhofrica,umvasto caleidoscpiocultural,ondeumareligiosidadedecarterhbridoplasmou-seaolongo dossculos,tendocomoprincipaisvertentesocatolicismo,oislamismoeasprticas africanas,todaspermeadasderituaiseprticassimblicas.Somando-seaistoa predominncia do carter rural, tem-se o quadro de uma religiosidade plural, muito mais afeitaaomisticismoecontinuidadedascrenaspagsdoqueprximaauma religiosidade anloga aos padres desejados pelas instituies catlicas. Noambienteamaznicoestarelaosedeuseguindoosseguintesaspectose caractersticas: [...]Ainteraodoselementosreligiososprocessou-sedemodo desigualeporetapasquedependeramdefatoresdiversos,porm especficosaoambienteamaznico,ousejamosrecursos econmicos da floresta tropical, aorganizaodassociedades tribais, Revista Brasileira de Histria das Religies. ANPUH, Ano III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artigos ___________________________________________________________________ 160 astcnicasprimitivasdeexploraodomeio,ainflunciados missionrios,ocarterdocatolicismoibricoemconfrontocoma ideologiadoaborginee,finalmente,ascaractersticasdasociedade mestiadendiosebrancosqueemergiuesedesenvolveunaatual sociedade rural contempornea. (GALVO, 1976, p. 07) Asmanifestaesdereligiosidadepopularvopermearoimaginriodopovo brasileiroemsuasrelaescomosobrenatural,formando-seemnossopasum catolicismoextra-oficial,decarterpragmtico,popularetributriodesupersties tomadasaoutrasreligies.Aesteirseoporaocatolicismoromano,baseadonos preceitosdoClero,nafiguradaSantssimaTrindade,nafiguradoindivduoenos sacramentos. Em outras palavras, o catolicismo oficial voltado para a salvao da alma que far frente a um catolicismo de santos em que a figura de Cristo perde importncia, a oraodpassagemsformulaesmgicasearesoluodosproblemascotidianos suplantamasalvaodaalma.Ossantos,cadaumcomsuaespecialidade,seroos companheirosdejornadanestavida,auxiliandoouimpedindoprojetosesendopor conseqnciarecompensadospelosfiiscomfestas,romarias,pagamentosde promessaseprocisses,ouentopunidos,sejacomblasfmias,sejacomono atendimentodospedidos,sejacomcastigosadvindosnonocumprimentodas promessas. Narealidadeamaznicavamosterumareligiosidadepermeadaporvrios aspectos. Somados aos que j foram comentados temos o fator indgena e as crenas do caboclo. Estes aspectos por si s, j so capazes de dar novas caractersticas s crenas e aomodocomoohomemserelacionacomosagrado.Nascomunidadesamaznicas temosdesteosmistriosdasencantarias,dapajelana,dosrituaisatosmomentos efervescentesdasfestasreligiosaseoimaginriodasentidadesmticasdomundoda natureza. Essa maneira de se relacionar com o sagrado e com o universo das crenas no representaapenasoprodutodaamalgamaodeduastradies,aibricaeado indgena,estasduasfontessoformadorasdareligiodoribeirinhodaAmaznia, ressaltando que o componente ambiente fsico grande responsvel por este fenmeno. (GALVO, 1976) Estamosnosreferindossociedadestradicionais,quetemumarelaocomo sagrado e o mundo das crenas caracteristicamente diferentes das sociedades modernas. O que nas palavras de Giddens quer dizer que [...] nas culturas tradicionais, o passado Revista Brasileira de Histria das Religies. ANPUH, Ano III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artigos ___________________________________________________________________ 161 honradoeossmbolossovalorizadosporquecontmeperpetuamaexperinciade geraes. (1991, p. 44) Aindanestesentidopodemosfundamentarnossosargumentosnotocantes populaestradicionaislevandoemcontaqueomundodoribeirinhoamaznico orientado pela construo de uma rede de significados manifestos nos smbolos e mitos dapaisagemhabitada.Nessemomentocabeumadiscussosobreestemododevida, visto que Antnio Carlos Diegues (1996) nos apresenta conceitos que podem ilustrar a realidade descrita neste trabalho. Dado que analisar populaes ribeirinhas estar se deparando com um modo de vida tradicional, que possui caractersticas prprias como: modo de vida, dependncia e atsimbiosecomanatureza,osciclosnaturaiseosrecursosnaturaisrenovveis; conhecimento aprofundado da natureza e de seus ciclos que se reflete na elaborao de estratgias de uso e de manejo dos recursos naturais, noo de territrio ou espao onde ogruposocialreproduz-seeconmicaesocialmente;importnciadasatividadesde subsistncia,aindaqueaproduodemercadoriaspossaestarmaisoumenos desenvolvida,oqueimplicaumarelaocomomercado;reduzidaacumulaode capital;importnciadadaunidadefamiliar,domsticaoucomunalesrelaesde parentesco ou compadrio para o exerccio das atividades econmicas, sociais e culturais; importnciadassimbologias,mitoserituaisassociadoscaa,pescaeatividades extrativistas; a tecnologia utilizada relativamente simples, de impacto limitado sobre o meio ambiente. (DIEGUES, 1996, p. 87-88) No contexto das populaes tradicionais ribeirinhas a religiosidade latente. As crenas e os valores religiosos perpassamas instituies oficiais, uma vez que aIgreja nosefazpresentenagrandemaioriadascomunidades.Fatomuitobemilustradopor Galvo (1976, p. 03): Asinstituiesreligiosas[...]traduzemospadresscio-culturais caractersticosdoambienteregional.Organizadonabasedopequeno grupolocal,opovoado,ostio[...],ocatolicismodocaboclo marcado por acentuada devoo aos santos padroeiros da localidade e aumpequenonmerodesantosdedevooidentificados comunidade. Esta devoo marcada por rituais que so conduzidos por membros da prpria comunidadequepossuemcaractersticasqueosdistinguemdosdemais;normalmente sooslderes,aspessoasmaisantigasdolocaloumesmoaquelequedetmmais posses(recursoseconmicos).Assim,percebemosumaestreitarelaoentreo Revista Brasileira de Histria das Religies. ANPUH, Ano III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artigos ___________________________________________________________________ 162 universo das crenas e das devoes com o modo de vida das populaes ribeirinhas e, diantedocontextodamodernidade,elasenquantopopulaestradicionaisainda sustentamestemododeserelacionarcomosagradolevandoemcontaqueestes aspectosderivamdeumaheranaindgenaeibrica;resultandodaumacolchade retalhosextremamentericaequecaracterizaaspopulaesresidentesnasreas ribeirinhas da Amaznia. 6. Concluindo... O universo do sagrado e do profano, que desemboca nas festas religiosas, no se caracteriza apenas por prestar homenagens aos santos do catolicismo, mas tambm por serviremdemomentosdeconfraternizaocoletivaentrevriasfamliase comunidades,trazendoaogrupounidadeeosreunindoemtornodeumritualque refleteomodocomoogrupovoambientenoqualestinserido;bemcomooseu modo de organizar e traar as estratgias de permanncia do grupo enquanto ribeirinho. O que pode em certa medida transparecer como respostas simblicas e religiosas s mudanas e secularizao do sagrado produzido pelos novos valores sociais em voga na sociedade moderna. Tais prticas surgem como maneiras de resistir e manter relaes e identidades sociais diante de novas prticas e valores sociais.Asfestasreligiosasrealizadasnestascomunidadessoexemplificaesdeuma histriaculturalnaqualhumaimpregnaonouniversoculturaldogrupo.Nestes casososrituaisaparecemcomomanifestaesmarcadasporatividadescoletivas,pela qualidadeequantidadededanas,pelasinmerasrepresentaesepelacelebraoem torno da imagem do santo protetor. So verdadeiros encontros de uma unidade primeira, criao que se cria atravs do seu prprio criador, desde as origens e nas vrias histrias culturais. Os festejos religiosos ultrapassam a si mesmos como unidades temporais para religarovisveleoinvisvel,aquiloqueestdentroeforadeumtempo,sempre buscando estabelecer laos comunitrios, de identidade tnica e tradio dentro das mais variadas relaes de poder. 7. Referncias AMARAL,Leila.Carnavaldaalmacomunidade,essnciaesincretismonaNova Era. Petrpolis, RJ: Vozes. 2000. BEOZZO, Jos Oscar. Religiosidade Popular.In:Revista Eclesistica Brasileira. Vol 36, Fac. 168 de Dezembro/82. 1982. Revista Brasileira de Histria das Religies. ANPUH, Ano III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artigos ___________________________________________________________________ 163 CESAR,Waldo.Oquepopularnocatolicismopopular.In:RevistaEclesistica Brasileira. Vol. 36, Fasc. 141 de Maro/76. 1976. CLAVAL, Paul. O Tema da Religio nos Estudos Geogrficos.In:Espao e Cultura. UERJ - Rio de Janeiro, n 7. 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