6º ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE RELAÇÕES ... · Uma vez que o respeito aos direitos...
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6º ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
INSTITUIÇÕES E REGIMES INTERNACIONAIS
MECANISMOS DE JUSTIÇA INTERNACIONAL PARA AS MULHERES: O COMITÊ
CEDAW E O SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS
Letícia Maria Antunes do Carmo
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Belo Horizonte, 2017
Resumo
As mulheres do continente americano que tiveram seus direitos violados e buscam
acessar a justiça internacional podem optar por dois mecanismos. O Comitê para a
Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Comitê CEDAW) permite
que mulheres enviem comunicações individuais acerca de violações dos direitos das
mulheres garantidos pela sua Convenção e a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos recebe petições individuais acerca de violações de direitos humanos, também
abrangendo, portanto, violações dos direitos das mulheres. Ambos consistem em
mecanismos de acesso à justiça internacional, no que se refere às violações dos direitos
das mulheres, para a população de países do continente americano (e sob a jurisdição
destes) que ratificaram tanto o Protocolo Facultativo da Convenção CEDAW quanto a
Convenção Americana de Direitos Humanos. Apesar disso, ao enviar uma petição para um
destes mecanismos, fecha-se a via legal para o outro, isto é, uma comunicação enviada ao
Comitê CEDAW não pode mais ser apresentada perante o Sistema Interamericano e vice-
versa. O presente trabalho tem como objetivo explanar e analisar alguns aspectos do
Comitê CEDAW e do Sistema Interamericano que são relevantes e podem influenciar a
escolha de mulheres do continente americano que tiveram seus direitos violados e desejam
acessar mecanismos da justiça internacional, a fim de compreender em que medida o
Comitê CEDAW se apresenta como uma opção viável para as mulheres do continente, que
possuem também a possibilidade de acessar o Sistema Interamericano de Direitos
Humanos.
Palavras-chave: Direitos das mulheres; Comitê CEDAW, Sistema Interamericano de
Direitos Humanos
1 Introdução
O acesso internacional à justiça é uma ferramenta imprescindível para que os
direitos humanos ultrapassem a existência apenas normativa e sejam efetivados na prática.
Uma vez que o respeito aos direitos humanos é um aspecto que se tornou relevante para a
legitimidade dos Estados, o monitoramento exercido pelos órgãos internacionais de direitos
humanos que recebem comunicações individuais acerca de violações cometidas pelos
Estados constitui um instrumento importante para que as vítimas de violações de direitos
humanos possam acessar a justiça internacionalmente e para que os Estados sejam
responsabilizados pelas violações cometidas. (PIOVESAN, 2004). Dessa forma, os tratados
específicos para os direitos das mulheres e órgãos que recebem denúncias de violações
dos direitos estabelecidos por estes tratados consistem em uma importante estratégia para
fortalecer a capacidade de mulheres e organizações de mulheres de responsabilizar os
Estados-membros pelo dever de respeitar e promover os direitos humanos das mulheres.
(HELLUM; AASEN, 2013).
2 O Sistema Interamericano de Direitos Humanos
Paralelamente ao sistema global de proteção dos direitos humanos, foram
constituídos sistemas regionais, que possuem como objetivo garantir o respeito aos direitos
humanos em uma área geográfica específica. Os sistemas regionais não apresentam
incompatibilidade com o sistema global, na realidade, estes são complementares. Os
sistemas regionais apresentam algumas vantagens em relação ao sistema ONU, como a
possibilidade de representar de forma mais genuína as especificidades sociais, culturais e
históricas de cada região ou um acesso facilitado aos indivíduos, devido à maior
proximidade dos órgãos de proteção. (HEYNS; VILJOEN, 1999).
A promoção e proteção dos direitos humanos no continente americano são
coordenadas pela Organização dos Estados Americanos (OEA), uma organização
internacional estabelecida a partir da Carta da Organização dos Estados Americanos,
adotada na IX Conferência Internacional Americana em 1948, atualmente composta por 35
Estados-membros. Nesta mesma conferência foi aprovada a Declaração Americana dos
Direitos e Deveres do Homem, o marco inicial do sistema de proteção dos direitos humanos
da região. Aproximadamente duas décadas após a adoção da Declaração, no ano de 1969,
foi celebrada a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (também conhecida como
Pacto de São José da Costa Rica), que consiste no principal tratado do Sistema
Interamericano de Direitos Humanos (SIDH). Os primeiros artigos do documento
estabelecem, além do dever dos Estados de respeitarem os direitos e liberdades
reconhecidos na Convenção, a obrigação de que estes adotem, no direito interno, as
medidas necessárias para tornar tais direitos efetivos. (JAYME, 2005).
A Convenção foi posteriormente complementada por dois protocolos adicionais, o
Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador) e o Protocolo à Convenção
Americana sobre Direitos Humanos referente à Abolição da Pena de Morte. Foram
estabelecidas também outras convenções referentes a temas específicos, de caráter
acessório à Convenção principal: Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e
Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará), Convenção
Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas, Convenção Interamericana
para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de
Deficiência, Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas
Correlatas de Intolerância, Convenção Interamericana contra Toda Forma de Discriminação
e Intolerância. (JAYME, 2005).
Além destes instrumentos que regem o Sistema Interamericano de Direitos
Humanos, são também fundamentais para a efetividade do SIDH os seus órgãos de
controle, sendo os principais a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a
Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), que são os órgãos responsáveis por
supervisionar o cumprimento dos direitos e liberdades reconhecidos por estes instrumentos
regionais que são aplicáveis aos Estados-membros da Organização dos Estados
Americanos. (GONÇALVES, 2013).
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos é uma instituição com status quase
judicial, tem sede na cidade de Washington e é composta por sete comissionados
independentes. Possui relatorias e unidades acerca de diferentes temas de direitos
humanos que, entre outras funções, produzem informes e investigam violações de direitos
referentes às suas respectivas áreas. A CIDH é a responsável por receber petições ou
denúncias que alegam violações de direitos humanos cometidas em países-membros da
OEA, que podem ser enviadas por indivíduos, grupo de indivíduos ou Organizações Não
Governamentais. (GONÇALVES, 2013).
Todos os Estados-membros da OEA estão submetidos à atuação da Comissão.
Quando um Estado se torna parte da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ele
obrigatoriamente aceita a competência da Comissão para examinar essas comunicações.
(JAYME, 2005). Aos Estados que não ratificaram o documento, a CIDH aplica a Declaração
Americana dos Direitos e Deveres do Homem, baseando sua competência na Carta da
Organização dos Estados Americanos e no regulamento da própria Comissão. (BADILLA;
GARCÍA, 2004).
Quando a denúncia é recebida pela CIDH, tem início o processo de admissibilidade.
O Estado contra o qual a denúncia foi realizada é informado e convidado a responder;
quando se toma conhecimento do parecer de ambas as partes, Estado e peticionário, a
Comissão decide acerca da admissibilidade da denúncia. Os critérios de admissibilidade
são: (1) o esgotamento dos recursos internos1; (2) apresentação da petição dentro do prazo
de seis meses após a decisão final no nível interno e (3) a matéria da petição não pode
estar pendente simultaneamente em outro procedimento internacional. Para que a petição
seja considerada admissível, todos estes critérios devem ser cumpridos. (GONÇALVES,
2013).
Quando a petição é considerada admissível, tem início os procedimentos sobre a
matéria. A Comissão pode chamar as partes para uma audiência e tentar alcançar uma
solução amistosa, caso essa solução não seja alcançada, a CIDH produz um informe em
qual afirma se o Estado de fato violou um direito reconhecido em algum dos instrumentos do
Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Quando a violação é identificada, o órgão
elabora recomendações para a reparação dos danos e, caso estas não sejam cumpridas, o
caso pode ser enviado para a Corte IDH. (JAYME, 2005).
A Corte IDH é um órgão jurisdicional do sistema regional e tem sede na cidade de
San Jose, na Costa Rica. É composta por sete juízes nacionais dos Estados-membros da
OEA, eleitos a título pessoal, ou seja, não são eleitos como representantes de seus
respectivos países de origem. A Corte possui duas atribuições principais, uma de natureza
consultiva, que corresponde à interpretação do conteúdo da Convenção Americana e
demais tratados referentes à proteção dos direitos humanos do sistema regional, outra de
natureza contenciosa, relativa à solução de controvérsias na forma de denúncias de
violações da Convenção por parte de um Estado-parte. (PASQUALUCCI, 2013).
Um ponto relevante é o de que a competência contenciosa da Corte IDH é restrita
aos Estados-membros que reconhecem expressamente a jurisdição da mesma. Atualmente,
22 Estados reconhecem a jurisdição da Corte2. Além disso, apenas a Comissão
Interamericana e os Estados-membros podem submeter um caso à Corte Interamericana,
ou seja, este órgão não pode ser acessado diretamente por indivíduos. Ainda que esse
acesso não seja permitido, quando a Comissão encaminha um caso para a Corte, as
1 A regra do esgotamento prévio dos recursos internos não prevalece nas situações em que (a) não
existe, na jurisprudência interna do Estado, uma legislação que protege os direitos que se alega terem sido violados; (b) a vítima tenha sido impedida de acessar ou esgotar os recursos internos; (c) ocorre uma demora não justificada na decisão do processo interno. (PASQUALUCCI, 2013). 2 Os 22 Estados que reconhecem a jurisprudência da Corte IDH são: Argentina, Barbados, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Suriname, Trinidade e Tobago, Uruguai e Venezuela. (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2017a).
vítimas, seus parentes ou seus representantes podem submeter de forma independente
suas solicitações, argumentos ou provas perante o órgão. (PASQUALUCCI, 2013).
A Corte IDH possui jurisdição para examinar denúncias acerca de violações dos
direitos protegidos pela Convenção Americana cometidas por Estados-membros. Caso a
Corte determine que a violação de fato ocorreu, estipulará a adoção de medidas de
reparação necessárias para a restauração dos direitos violados e pode ainda determinar o
pagamento de uma compensação à vítima. A decisão da Corte IDH é vinculante, definitiva e
irrecorrível, e seu cumprimento deve ser imediato. (PASQUALUCCI, 2013).
2.1 Os direitos das mulheres no âmbito do SIDH
O primeiro órgão intergovernamental a abordar exclusivamente o tema dos direitos
das mulheres foi a Comissão Interamericana da Mulher (CIM), criada na IV Conferência
Internacional Americana no ano de 1928. (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS,
2012). Aprovada 20 anos após a criação da CIM, a Declaração Americana de Direitos e
Deveres do Homem reconhece, em seu artigo 7º, o direito das mulheres em situação de
infância, gravidez ou lactantes à proteção especial. A Convenção Americana sobre Direitos
Humanos, por sua vez, reconhece a discriminação entre os direitos garantidos, o que é de
particular importância para os direitos das mulheres. (BADILLA; GARCÍA, 2004).
Dentre as relatorias de temáticas específicas da Comissão Interamericana de
Direitos Humanos está a Relatoria sobre os Direitos da Mulher, criada no ano de 1994. Esta
Relatoria é responsável por verificar e informar em que medida as leis e práticas dos
Estados-membros, no que diz respeito aos direitos da mulher, cumprem as obrigações
estabelecidas pelos instrumentos de direitos humanos do Sistema Interamericano. Para
realizar essas funções, o órgão produz informes e estudos especializados sobre a situação
dos direitos humanos das mulheres nos Estados-membros, realiza visitas in loco, elabora
recomendações para os Estados a fim de avançar na garantia destes direitos e auxilia a
Comissão com as petições em que são alegadas violações de direitos humanos com causas
e consequências relacionadas à questão de gênero. (BADILLA; GARCÍA, 2004).
Com impulso e grande contribuição da Comissão Interamericana de Mulheres e
reconhecendo a existência de questões que afetam as mulheres de forma distinta, em 1994
foi adotada a Convenção Interamericana para Prevenir, Sancionar e Erradicar a Violência
contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará). A Comissão Interamericana de Mulheres,
por sua vez, é um órgão da OEA e é encarregada de avaliar se os direitos assegurados na
Convenção de Belém do Pará estão sendo cumpridos pelos Estados. (BADILLA; GARCÍA,
2004). Esta função é exercida através de uma atividade intitulada Mecanismo de
Seguimento da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
contra a Mulher (MESECVI). (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 2012).
Outro mecanismo importante para a proteção dos direitos das mulheres no Sistema
Interamericano é a obrigação dos Estados de apresentar informes periódicos para o exame
da CIM, contendo informações acerca das medidas adotadas para garantir os direitos
garantidos na Convenção de Belém do Pará. Os Estados-membros e a CIM podem ainda
solicitar opiniões consultivas à Corte IDH acerca da interpretação da Convenção. A partir do
momento que a Convenção de Belém do Pará entra em vigor, indivíduos, grupos de
indivíduos ou Organizações Não Governamentais podem apresentar à Comissão
Interamericana denúncias acerca de situações que violaram especificamente os direitos das
mulheres assegurados pelo documento. (BADILLA; GARCÍA, 2004).
Tradicionalmente, a Comissão Interamericana e a Corte IDH deliberaram as
denúncias de violações dos direitos das mulheres baseados em normas gerais de direitos
humanos. Em muitas das interpretações e aplicações dos instrumentos do Sistema
Interamericano, não foram consideradas as especificidades da discriminação e da
desigualdade por razões de gênero. Apesar disso, essa prática vem sendo modificada nos
últimos anos e é preciso reconhecer o importante papel realizado pelo Sistema
Interamericano no que diz respeito à geração de jurisprudência e o desenvolvimento de
padrões específicos de proteção para as mulheres. Além disso, as decisões da CIDH e da
Corte IDH são fundamentais para que os países, além de reparar as vítimas de violações,
também implementem políticas públicas e alterem a legislação nacional para fortalecer a
proteção e promoção dos direitos das mulheres em seus territórios e evitar que violações
similares ocorram novamente. (BADILLA; GARCÍA, 2004).
No decorrer do desenvolvimento do sistema regional, foram criados órgãos e
mecanismos de controle voltados especificamente para os direitos das mulheres. São
elaboradas recomendações para os Estados, são produzidos informes e relatórios sobre o
tema e existe ainda uma preocupação em incluir a perspectiva de gênero em todas as
atividades realizadas no âmbito do Sistema Interamericano. É possível observar, portanto,
que as questões referentes aos direitos das mulheres e perspectiva de gênero vêm sendo
progressivamente integradas ao sistema regional, que realiza esforços para ampliar e
fortalecer a proteção e promoção dos direitos das mulheres no continente.
3 O Comitê CEDAW
Após a criação de convenções internacionais e regionais de direitos humanos, com a
contribuição do movimento de mulheres, fortaleceu-se o reconhecimento das desigualdades
históricas entre homens e mulheres e a discriminação baseada em sexo tornou-se uma
questão de direitos humanos. De maneira progressiva, a perspectiva de gênero foi inserida
na proteção internacional dos direitos humanos e foram estabelecidos instrumentos de
direitos humanos que reconhecem e protegem especificamente os direitos das mulheres.
(HELLUM; AASEN, 2013).
Como resultado de décadas de esforços internacionais voltados para a promoção e
proteção dos direitos das mulheres em todo o globo, a Convenção sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) foi adotada pela Assembleia
Geral das Nações Unidas em 19793 e entrou em vigor dois anos depois, em 1981. A
CEDAW pode ser considerada a Carta Magna dos direitos das mulheres e até a presente
data foi adotada por 189 países. (BYRNES, 2013; UNITED NATION TREATY
COLLECTION, 2017a).
A Convenção constitui um marco histórico para a promoção e proteção dos direitos
humanos da mulher no nível universal, uma vez que marca o reconhecimento de um
conceito ampliado de direitos das mulheres em um instrumento internacional e vinculante
para os Estados. Dessa forma, a CEDAW é o primeiro tratado internacional a abordar
exclusivamente os direitos das mulheres e as consequentes obrigações estatais na garantia
e promoção destes direitos. O documento define a discriminação contra a mulher como:
[...] toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo. (CONVENÇÃO SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER, 1979, artigo 1º).
É importante ressaltar que este conceito abrange a discriminação sofrida pelas
mulheres na esfera pública e na esfera privada, ou seja, tanto no âmbito institucional, quanto
no familiar ou doméstico. Isso é de grande relevância, uma vez que é na esfera privada que
ocorre um grande número de violações de direitos das mulheres e o espaço privado
geralmente não era incluído na proteção clássica dos direitos humanos. Dessa forma, os
Estados-partes da Convenção têm o dever de adotar todas as ações necessárias para
eliminar a discriminação contra a mulher na esfera pública e privada, seja ela perpetrada por
indivíduos, empresas ou organizações. Além disso, a definição inclui também a
discriminação indireta ou não intencional. O texto da CEDAW contém ainda menção
explícita à necessidade de alterar os papéis tradicionais dos homens e das mulheres na
sociedade e na família.
3 Resolução A/RES/34/180 da Assembleia Geral das Nações Unidas. (UNITED NATIONS GENERAL
ASSEMBLY, 1979).
Ainda que a Convenção tenha constituído um grande avanço para os direitos das
mulheres e seja um documento bem abrangente, possui também alguns pontos negativos.
O texto não aborda de forma explícita a questão da violência contra a mulher ou do direito
ao aborto, por exemplo. Ademais, a CEDAW conta com um enorme número de reservas. É
um dos instrumentos de direitos humanos com maior número de ratificações, mas ao
mesmo tempo é o tratado de direitos humanos com o maior número de reservas. Por fim,
ainda que no processo de elaboração da Convenção tenha sido discutida a criação de um
instrumento de monitoramento que recebesse comunicações individuais acerca de violações
dos direitos assegurados pelo documento por parte dos Estados-membros, um
procedimento de controle foi criado, mas a princípio, sem esta função. Apesar disso, foram
realizados, ao longo dos anos, esforços e modificações para atenuar as deficiências iniciais
apresentadas pela CEDAW.
O Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher (Comitê CEDAW) foi
estabelecido no ano de 1982, com a função de acompanhar o progresso feito pelos Estados
na implementação da Convenção, realizada através da análise dos relatórios enviados
regularmente pelos países, informando o Comitê acerca das medidas implementadas
nacionalmente para assegurar os direitos contidos na CEDAW. O Comitê CEDAW tem
executado essa função de uma forma que é descrita como um “diálogo construtivo” com os
Estados. (BYRNES, 2013).
Outra atividade realizada pelo Comitê CEDAW é a elaboração das chamadas
recomendações gerais, que consistem em recomendações referentes a questões
relacionadas aos direitos das mulheres e que, na visão do Comitê, necessitam de uma
maior atenção por parte dos Estados. Duas importantes recomendações são dignas de
destaque. A Recomendação geral n. 12 (1989)4 solicita que os Estados incluam em seus
respectivos relatórios periódicos informações relativas à violência contra a mulher, incluindo
dados estatísticos, a legislação existente para proteger as mulheres desta violência,
medidas implementadas para erradicá-la e medidas para o apoio das mulheres vítimas de
abusos ou agressões. A Recomendação geral n. 19 (1992)5 afirma com clareza que a
violência de gênero é uma forma de discriminação que impacta negativamente as mulheres
e esclarece as obrigações estatais referentes a diferentes formas de violência contra a
mulher, cometida por diferentes atores. O Comitê CEDAW solicitou que os Estados
levassem em consideração essas explanações ao revisar suas legislações e políticas e ao
enviar seus relatórios periódicos ao órgão. (BYRNES, 2013; OFFICE OF THE UN HIGH
COMMISSIONER FOR HUMAN RIGHTS, 2017a).
4 Recomendação geral n. 12: Violência contra as mulheres. (UNITED NATIONS TREATY
COLLECTION, 1989). 5 Recomendação geral n. 19: Violência contra as mulheres. (UNITED NATIONS TREATY
COLLECTION, 1992).
No ano de 1999 a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou o Protocolo
Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a
Mulher6, concedendo ao Comitê CEDAW, quase duas décadas após sua criação, a
competência para receber comunicações individuais contra Estados-membros e realizar
investigações referentes a alegações de violações graves ou sistemáticas da Convenção
por parte dos países. (BYRNES, 2013). Até o presente momento 109 Estados ratificaram o
Protocolo Facultativo e, consequentemente, aceitam essa competência do Comitê CEDAW.
(UNITED NATIONS TREATY COLLECTION, 2017b). É importante ressaltar que não são
permitidas reservas ao Protocolo Facultativo.
O Comitê CEDAW é formado por vinte e três experts, designados e eleitos pelos
Estados-membros da CEDAW. De acordo com os critérios estabelecidos pelo documento,
estes membros devem possuir alto padrão moral e grande conhecimento e aptidão nos
temas abordados pela Convenção e a escolha deve levar em consideração uma distribuição
geográfica igualitária e a representação de diferentes formas de civilização e principais
sistemas jurídicos. Estes integrantes são nomeados pelos Estados, mas atuam de forma
independente, não sendo representantes governamentais dos mesmos. Uma característica
relevante acerca da composição do Comitê CEDAW é que seus membros têm sido em sua
enorme maioria, mulheres. (CONVENÇÃO SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS
FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER, 1979; BYRNES, 2013).
Para acessar procedimento de comunicação, mulheres (de forma individual), grupo
de mulheres ou indivíduos agindo em nome destas podem submeter comunicações ao
Comitê CEDAW. Ao receber a comunicação, o comitê decide se esta será ou não
registrada. A partir do momento em que o registro acontece, o Comitê pode solicitar que o
Estado que alegadamente violou a Convenção adote medidas necessárias para evitar a
possibilidade de danos irreparáveis. Uma vez registrada, será determinada a admissibilidade
da comunicação. (AUSTRALIAN HUMAN RIGHTS COMMISSION, 2011).
Para que a comunicação seja considerada admissível, alguns critérios devem ser
cumpridos. As comunicações não podem ser submetidas de forma anônima e devem ser
referentes a supostas violações por parte de países que ratificaram o Protocolo Facultativo
da CEDAW. É também necessário o esgotamento de todos os recursos internos7 e que a
alegada violação tenha ocorrido após o Protocolo Facultativo ter entrado em vigor, exceto
nos casos em que a violação tenha continuado após essa data. Além disso, são
consideradas inadmissíveis as comunicações infundas ou não suficientemente
6 Resolução A/RES/54/4 da Assembleia Geral das Nações Unidas. (UNITED NATIONS GENERAL
ASSEMBLY, 1999). 7 Exceto quando ocorre um prolongamento não justificado ou existem dúvidas quanto ao concreto
auxílio à vítima produzido pela utilização destes recursos internos. (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1999).
fundamentadas, que sejam incompatíveis com o conteúdo da Convenção e aquelas
referentes a questões já examinadas pelo Comitê ou que já tenham sido ou estejam sendo
examinadas por outro procedimento de investigação ou solução internacional. Por fim, a
comunicação também será inadmissível caso seja considerada um abuso do direito de
submeter uma comunicação. (AUSTRALIAN HUMAN RIGHTS COMMISSION, 2011).
Caso a comunicação satisfaça todos estes critérios, a mesma será declarada
admissível e o Comitê CEDAW pode então analisar as declarações das partes e respectivas
evidências e determinar se o Estado-parte realmente violou as obrigações expressas na
Convenção. Quando a decisão é alcançada, um documento é publicado evidenciando se a
violação ocorreu e, em caso positivo, também são apresentadas recomendações referentes
à forma como o Estado deve repará-la. O Estado é incumbido de implementar estas
recomendações e o Comitê pode acompanhar este processo, a fim de monitorar o
progresso do Estado nesta matéria. (AUSTRALIAN HUMAN RIGHTS COMMISSION, 2011).
De acordo com dados divulgados pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os
Direitos Humanos até a presente data8, o Comitê CEDAW já decidiu sobre 61 comunicações
recebidas. Das comunicações recebidas, 35 foram classificadas como inadmissíveis e 26
foram consideradas admissíveis. Dentre as 26 comunicações admissíveis, em 24 delas a
decisão final do Comitê CEDAW aponta que o Estado denunciado de fato cometeu a
violação e nas outras duas (2) foi concluído que não ocorreram violações. Deste total de 61
comunicações, seis (6) são denúncias contra países do continente americano: quatro (4)
originárias do Canadá, uma (1) originária do Brasil e uma (1) originária do Peru. Dentre
estas seis denúncias, três foram classificadas como inadmissíveis (todas as três
provenientes do Canadá) e três foram consideradas admissíveis, com a decisão final do
Comitê identificando que o Estado cometeu violações dos direitos previstos pela
Convenção. (OFFICE OF THE UN HIGH COMMISSIONER FOR HUMAN RIGHTS, 2017b).
Devido à quantidade de casos, não é possível, dentro do escopo deste trabalho,
analisar individualmente cada uma das comunicações. Ainda assim, algumas considerações
podem ser feitas acerca da jurisprudência do Comitê, em relação a alguns casos e
temáticas que se destacam. Uma importante contribuição do Comitê CEDAW diz respeito
aos casos envolvendo violência contra a mulher, em especial violência doméstica e
situações em que a violência cometida por parceiros resultou na morte das vítimas. As
decisões sobre os casos de violência doméstica têm sido categóricas quanto ao dever que
os Estados têm de fornecer recursos legais adequados e completos para as vítimas de
8 O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos disponibiliza em seu endereço
eletrônico oficial os documentos produzidos pelo Comitê CEDAW ao decidir sobre as comunicações individuais recebidas. Até junho de 2017, foram disponibilizados arquivos referentes a 61 comunicações individuais recebidas e avaliadas pelo Comitê. (OFFICE OF THE UN HIGH COMMISSIONER FOR HUMAN RIGHTS, 2017b).
violência. O Comitê tem insistido que recursos jurídicos estejam não apenas formalmente
disponíveis (incluindo medidas preventivas, como ordens de restrição e detenção de
indivíduos que ameaçam o uso da violência), mas que esta proteção formal seja uma
proteção real e efetiva nas ocasiões em que as mulheres sejam identificadas em uma
situação de risco. (BYRNES; BATH, 2008).
Nas decisões referentes às comunicações individuais que denunciam violações
relacionadas à violência contra a mulher, o Comitê CEDAW nem sempre tem produzido
recomendações de medidas específicas para reparação da vítima ou de sua família. No
geral, as recomendações do Comitê são mais amplas, voltadas para mudanças na
legislação e nas práticas dos Estados, como a adoção de estratégias nacionais de
prevenção, medidas legislativas para facilitar o acesso à justiça, criação de programas de
reabilitação para vítimas e agressores, entre outros. (BYRNES; BATH, 2008). Dessa forma,
as decisões do Comitê nesses casos têm contribuído para reiterar a obrigação due
diligence, ou seja, a obrigação do Estado de tomar todas as medidas necessárias para
prevenir a violação de direitos da mulher, ainda que esta seja cometida por atores não
estatais. (BYRNES, 2013).
Algumas decisões do Comitê CEDAW no que diz respeito a direitos sexuais e
reprodutivos também se destacam, em especial duas decisões referentes a comunicações
contra o Brasil e o Peru, emitidas no ano de 2011. O caso Alyne da Silva Pimentel v. Brasil
diz respeito à mortalidade materna. A vítima faleceu no ano de 2002, após receber
tratamento inadequado em um centro de saúde, que também falhou em encaminhá-la para
um atendimento obstetrício de emergência em tempo hábil. Em sua decisão final, o Comitê
CEDAW identificou que o Brasil violou a Convenção ao falhar em garantir acesso a um
atendimento de saúde materna de qualidade. O Comitê recomendou ao país medidas para
assegurar o direito das mulheres a uma maternidade segura e acessível e a cuidados
obstetrícios de emergência. Este foi o primeiro caso de mortalidade materna decidido por
um órgão internacional de direitos humanos, e a decisão do Comitê CEDAW confirmou que
os Estados têm o dever de assegurar o acesso a serviços de saúde adequados de forma
não discriminatória. (MILLER; ROSEMAN, 2011).
O caso L.C. v. Peru refere-se ao acesso ao aborto em situações de risco à saúde. A
vítima de 13 anos sobreviveu a uma tentativa de suicídio, realizada ao descobrir uma
gravidez resultante de repetidos estupros. A equipe médica se recusou a realizar a cirurgia
necessária porque a vítima estava grávida, e ainda que o aborto em situações de risco à
saúde ou vida da mulher seja permitido no Peru, este também foi recusado. A cirurgia foi
realizada apenas três meses após a chegada da vítima ao hospital e como consequência do
enorme tempo decorrido até que o procedimento fosse realizado, as chances de sucesso da
cirurgia diminuíram significativamente e a vítima ficou tetraplégica. O Comitê CEDAW
decidiu que o Peru violou a Convenção ao falhar em assegurar o acesso ao aborto em uma
situação de risco à saúde da vítima. Em sua decisão final, o Comitê recomendou, entre
outros, que o Estado revisasse sua legislação, a fim de garantir o acesso efetivo ao aborto
em situações em este seja necessário para proteger a saúde física e mental das mulheres.
Esta foi a segunda ocasião em que um órgão de direitos humanos das Nações Unidas
abordou a negação do acesso ao aborto e a decisão do Comitê reitera o dever dos Estados
de garantir o acesso ao aborto em casos de risco à saúde da mulher e de descriminalizar o
aborto quando a gravidez é resultado de estupro ou abuso sexual. (MILLER; ROSEMAN,
2011).
As recomendações do Comitê, em ambos os casos, foram medidas voltadas não
apenas para as violações sofridas pelas vítimas, mas também com a finalidade de incentivar
mudanças sistêmicas não somente no sistema de saúde dos países, mas também em suas
legislações, a fim de evitar que violações similares ocorram no futuro. As duas decisões são
consideradas um marco na proteção dos direitos sexuais e reprodutivos da mulher, uma
área dos direitos das mulheres que ainda enfrenta grande resistência. (KISMÖDI et al.,
2012).
Ainda que as decisões representem avanços importantes, é importante ressaltar que
o Comitê CEDAW aborda a questão do aborto a partir de uma perspectiva da saúde e da
discriminação, ou seja, com um foco nas violações sofridas pelas mulheres em decorrência
da criminalização do aborto. Esta abordagem, ainda que considerada um progresso
importante, recebe críticas por focar nos danos colaterais e não no ponto que alguns autores
e ativistas consideram fundamental: as restrições ao aborto consistem em negar o direito de
escolha autônoma à mulher. Ainda assim, as duas decisões tomadas pelo Comitê CEDAW
demonstram como os órgãos internacionais de acesso á justiça exercem um papel
importante para a responsabilização de atores estatais por violações dos direitos sexuais e
reprodutivos. (KISMÖDI et al., 2012).
A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a
Mulher é crucial para a promoção e proteção dos direitos humanos da mulher a nível
internacional e a adoção de seu Protocolo Facultativo foi essencial para fortalecer o papel
por ela exercido. O recebimento de comunicações individuais e a realização de
investigações sobre alegações de graves violações, competências acrescentadas ao Comitê
CEDAW com a adoção do Protocolo Facultativo, são funções fundamentais para um melhor
acompanhamento das ações realizadas pelos Estados para cumprir com os direitos
estabelecidos pela Convenção. Além disso, ao receber comunicações individuais, o Comitê
CEDAW permite que vítimas de violações possam acessar a justiça internacionalmente,
quando em seus Estados de origem isso não foi possível.
4 Sistema Interamericano de Direitos Humanos ou Comitê CEDAW
Mecanismos de acesso à justiça internacional estão presentes tanto no Comitê sobre
a Eliminação da Discriminação contra a Mulher quanto no Sistema Interamericano de
Direitos Humanos. Mulheres que tiveram seus direitos violados por Estados que ratificaram
o Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra a Mulher podem enviar comunicações individuais ao Comitê CEDAW.
Aquelas que estão sob a jurisdição de Estados-membros da Organização dos Estados
Americanos e tiveram seus direitos violados podem enviar petições para a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, sendo que o caso pode ser posteriormente
encaminhado para a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Alguns dos países membros da OEA também retificaram o Protocolo Facultativo à
CEDAW, o que faz com que para mulheres que tiveram seus direitos violados por estes
países, dois mecanismos de acesso à justiça internacional estejam disponíveis:
Imagem 1 – Status de ratificação do Protocolo Facultativo à Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher
Fonte: (OFFICE OF THE UN HIGH COMMISSIONER FOR HUMAN RIGHTS, 2017c)
Dos 35 Estados independentes do continente americano que são Estados-membros
da Organização dos Estados Americanos, 18 Estados ratificaram o Protocolo Facultativo à
CEDAW: Antígua e Barbuda, Argentina, Belize, Bolívia, Brasil, Canadá, Colômbia, Costa
Rica, Equador, Guatemala, México, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Saint
Kitts e Nevis, Uruguai e Venezuela9. Estes 18 Estados estão sujeitos, portanto, a serem
denunciados por violações dos direitos das mulheres em dois órgãos distintos, na Comissão
Interamericana de Direitos Humanos10 e no Comitê CEDAW. (ORGANIZAÇÃO DOS
ESTADOS AMERICANOS, 2017; OFFICE OF THE UN HIGH COMMISSIONER FOR
HUMAN RIGHTS, 2017c).
Ainda que as mulheres que tiverem seus direitos violados por estes Estados tenham
os dois órgãos disponíveis para denunciá-los, ao entregar uma petição individual ao Comitê
CEDAW se fecha a via legal para a Comissão Interamericana e ao enviar uma comunicação
para a Comissão Interamericana, o mecanismo de comunicações individuais do Comitê
CEDAW não poderá mais ser acessado. Isto porque os critérios de admissibilidade de
ambos os órgãos não permitem que a matéria da denúncia a ser examinada já tenha sido ou
esteja sendo examinada por outro procedimento de investigação ou solução internacional.
Uma vez que é necessário escolher apenas um dentre estes dois mecanismos de acesso à
justiça internacional, alguns aspectos e características destes órgãos e de seus
procedimentos são relevantes para esta tomada de decisão.
No que se refere à representatividade, existe uma significativa diferença entre
participação de mulheres nos dois mecanismos. No caso do Sistema Interamericano de
Direitos Humanos, no presente momento a Comissão Interamericana de Direitos Humanos é
composta por duas comissionadas e cinco comissionados. Após a eleição de novos
membros para a CIDH em junho de 2017, quatro mulheres farão parte da composição da
Comissão Interamericana a partir do ano de 2018. (COMISSÃO INTERAMERICANA DE
DIREITOS HUMANOS, 2017b). Na Corte Interamericana de Direitos Humanos o quadro não
parece tão promissor: atualmente a Corte IDH é composta por seis juízes e apenas uma
juíza. O número máximo de mulheres na composição da Corte se deu entre os anos de
2007 e 2009, com três juízas11. (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,
2017).
O Comitê CEDAW apresenta um quadro bem diferente, sendo composto por uma
maioria esmagadora de mulheres. Dos 23 experts que compõe o órgão atualmente, 22 são
mulheres e um é homem. Dos 104 experts que já compuseram o Comitê CEDAW desde sua
9 Dos Estados-membros da OEA, 17 não ratificaram o Protocolo Facultativo: Bahamas, Barbados,
Chile, Cuba, Dominica, El Salvador, Estados Unidos, Grenada, Guiana, Haiti, Honduras, Jamaica, Nicarágua, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas, Suriname, Trinidad e Tobago. (OFFICE OF THE UN HIGH COMMISSIONER FOR HUMAN RIGHTS, 2017c). 10
Destes países, Antígua e Barbuda, Belize, Canadá e Saint Kitts e Nevis não reconhecem a jurisdição da Corte IDH. (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2017a). 11
O endereço eletrônico da Corte IDH disponibiliza a composição da Corte a partir do ano de 1998. De acordo com estes dados, entre 1998 e 2004, nenhuma mulher compôs o órgão. Nos anos de 2005 e 2006, apenas uma mulher. Entre 2007 e 2009 três mulheres exerceram o cargo de juízas na Corte e entre 2010 e 2012, duas mulheres. Entre os anos de 2013 e 2016 nenhuma mulher compôs o órgão. (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2017).
criação, em 1982, apenas cinco eram homens. (OFFICE OF THE UN HIGH
COMMISSIONER FOR HUMAN RIGHTS, 2017d; CHAGAS, 2017).
Ambos os mecanismos possuem critérios de admissibilidade semelhantes, como o
esgotamento dos recursos internos e a não duplicidade da matéria da denúncia. Apesar
disso, diferente da CIDH, em que a vítima tem até seis meses após esgotar os recursos
internos para enviar uma petição, o Comitê CEDAW não estabelece tempo limite para enviar
a comunicação, ainda que seja recomendado que as vítimas sejam rápidas. Dessa forma,
enviar uma comunicação para o Comitê CEDAW pode ser uma ótima alternativa para os
indivíduos que extrapolaram esse prazo.
Outro fator que deve ser considerado é a proximidade geográfica dos órgãos para os
quais se envia a petição ou comunicação. Juntamente com o elemento da barreira do
idioma, essas são questões facilitadas pelo Sistema Interamericano. Por outro lado,
enquanto o Sistema Interamericano realiza diversas atividades que englobam uma enorme
variedade de direitos, os experts do Comitê CEDAW interpretam e aplicam exclusivamente
os direitos das mulheres.
Por fim, no que diz respeito à jurisprudência produzida pelas decisões destes órgãos
de monitoramento, seria necessária uma análise mais completa e aprofundada de todos os
casos para contrapor melhor os dois mecanismos. Apesar disso, observando de forma mais
geral as decisões adotadas no Sistema Interamericano e no Comitê CEDAW, é possível
perceber que ainda que a CEDAW não tenha em seu texto menção explícita à violência
contra a mulher, esse foi um dos aspectos em que a jurisprudência do Comitê mais evoluiu.
Essa deficiência inicial foi superada através das recomendações gerais e com decisões que
recomendaram medidas amplas e abrangentes para combater a violência contra a mulher
nos Estados denunciados. Dessa forma, ainda que o Sistema Interamericano possua uma
convenção específica para combater a violência contra a mulher (Convenção de Belém do
Pará), o Comitê CEDAW também conseguiu desenvolvimentos importantes nesta matéria. É
importante ressaltar também que o Comitê CEDAW possui um destaque notável no que se
refere aos direitos sexuais e reprodutivos da mulher, com decisões históricas sobre essa
temática, o que ainda não ocorreu no Sistema Interamericano.
Considerações finais
O objetivo deste trabalho foi apenas apresentar uma pesquisa inicial acerca de
aspectos do Sistema Interamericano de Direitos Humanos e do Comitê CEDAW que devem
ser considerados caso seja necessário decidir qual destes mecanismos utilizar para acessar
a justiça internacional e denunciar violações dos direitos das mulheres cometidas pelo
Estado. A tomada de decisão deverá considerar os critérios de admissibilidade
(principalmente o tempo decorrido desde que os recursos internos foram esgotados), o
acesso às sedes da Comissão Interamericana, Corte IDH e Comitê CEDAW, as barreiras
linguísticas e até mesmo as diferentes temáticas dentro dos direitos das mulheres.
Devido ao tempo de existência do Sistema Interamericano de do Comitê CEDAW e à
quantidade de casos já decididos, não foi possível, pelo escopo deste trabalho, realizar uma
análise mais completa dos casos e jurisprudências destes órgãos. Sem dúvidas, seria de
grande mérito acadêmico uma pesquisa maior e mais aprofundada que fizesse um
mapeamento completo desses casos, o que permitiria uma melhor contraposição entre o
Sistema Interamericano de Direitos Humanos e o Comitê CEDAW como mecanismos de
acesso para a justiça internacional para as mulheres.
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