6987786 Friedrich Nietzche OS Pens Adores

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    nietzscheos pensadores

    digitalizado por halison junior lunardi

    orelha

    "o uma coisa sou eu, outra coisa so meus escritos. aqui, antes que eu fale deles prprios, seja tocadapergunta pelo entendimento ou no-entendimento desses escritos. fao o displicentemente quantoconvm, de qualquer modo: pois essa pergunta ainda no est no tempo. eu prprio ainda no esto notempo, alguns nascem pstumo os".

    nietzsche:ecce homo.

    "o que verdade, portanto? um batalho mvel de metforas, metonmias ,antropomorfismos, enfim, umasoma de relaes humanas, que foi ao enfatizar das potica e retoricamente, transpostas, enfeitadas, e que,aps longo uso, parecem a um povo slidas, cannicas obrigatrias: as verdades so iluses, das quaisse esqueceu que a ao, metforas que se tornaram gastas e sem foras sensvel, moedas que perderamsua efgie e agora s entro em considerao como metal, no mais como moedas".

    nietzsche: sobre verdade e mentira.

    "o at analogia inteira est edificada sobre falar-se do homem dos ltimos quatro milnios como de umeterno, em direo ao qual todas as coisas do mundo desde seu incio tenderiam naturalmente. mas tudoveio a ser; no h fatos eternos: assim como no h verdades absolutas".

    nietzsche: humano, demasiado humano.

    "a nisto consiste o projeto mais geral de nietzsche: introduzir philosophie os conceitos de sentir de valor.

    evidente que a filosofia moderna, em grande parte, viveu e vive ainda de nietzsche".

    cilles deleuze: nietzsche et la philosophie.

    os pensadores

    cip-brasil. catalogao-na-publicao

    o cmara brasileira do livro, spnietzsche, friedrich wilhelm, 1844-1900.

    n 581 obras incompletas, e friedrich nietzsche; seleo de texto de grard lebrun; um traduo notas derubens rodrigues torres filho; posfcio de antonio cndido _ 3.ed. _ so paulo: abril cultural,1983.

    os pensadores

    inclui vida e obra de nietzsche.

    bibliografia.

    1. filosofia alem 2. nietzsche, friedrich wilhelm, 1844-1900 i. lembrun, grard, 1930-ii cndido,antnio,1918-iii. ttulo.iv. srie.cdd-193-190.92

    83-0257

    a ndices para catlogo sistemtico:

    1. alemanha, filosofia 1932. a filosofia alem a 193

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    3. filsofos alemes 1934. filsofos modernos: a biografia e obra 190.925. nietzsche: obras filosficas 193

    friedrich nietzsche

    obras incompletas e

    seleo de textos de grard lebrun

    traduo e notas de rubens rodrigues torres filho

    posfcio de antonio cndido

    1983

    editor: victor civita

    ttulos originais:

    die geburt der tragodie aus dem geist der musikdie philosophie im tragischen zeitalter der griechenueber wahrheit und lerge in aussermoralischen sinneunzeitgemaesse betrachtungenmenschliches wissenschaft (la gaya scienza)also sprach zarathustra

    jenseits von gut and boesezur genealogie der moralgoetzen- daemmerungder antichristecce homodie ewige winderkunft

    "dichters berufung"-"im sueden"coperight abril s.a. um ano o ator al e industrial, so paulo,1974.

    2 edio, 1978 mundo. _ 3 edio 1983. ano

    artigo publicado sob licena de antonio candido de mello e souza, sp ("o portador").

    o direitos exclusivos sobre "nietzsche ou para _ vida e no acre que de obra que o "abril. s.a.cultural eindustrial, so paulo.

    direitos exclusivos sobre as tradues deste volume, abril s.a. cultural e industrial, so paulo.

    pesquisa: olgria chaim ferez

    consultoria:marilena de souza chau

    friederich wilhelm nietzsche nasceu a 15 de outubro de 1844 em rcken, localidade prxima a leipzig.karlludwig, seu pai, pessoa culta e delicada, e seus dois avs eram pastores protestantes; o prprio nietzsche

    pensou em seguir a mesma carreira.em 1849, seu pai sermo faleceram; por causa disso, a me mudou-se com a famlia para naumburg,

    pequena cidade s margens de saale, onde nietzsche cresceu, em companhia da me, duas tias e da av.criana feliz, aluno modelo, dcil e leal, seus colegas de escola o chamavam "pequeno pastor"; com elescriou uma pequena sociedade artstica e literria, para a qual comps melodias que escreveu seus

    primeiros versos.

    em 1858, nietzsche obteve uma bolsa de estudos na ento famosa escola de pforta, onde haviam estudadoo poeta novalis e o filsofo fichte (1762 -1814 o). datam dessa mesma poca suas leituras de schiller(1759-no1805),hlderlin (1770 a-o 1843) e byron (1788 -1824); sob essa influncia e a de alguns

    professores, nietzsche comeou a afastar-se do cristianismo. excelente aluno em grego brilhante em

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    estudos bblicos, alemo e latim, seus autores favoritos, entre os clssicos, foram plato (428-348 a.c.) e(525-426 a.). durante o ltimo o ano em pforta, escreveu um trabalho sobre o poeta tegnes (sc.via.c.).

    partiu em seguida para bonn, onde se dedicou aos estudos de teologia e filosofia, mais influenciado porseu professor predileto, ritschl, desistiu desses estudos e passou a residir em leipzing, dedicando-se filologia. um ritschl considerava a filologia da um no apenas como a histria das formas literrias,1 gomas comeo tolas instituies e do pensamento. nietzsche seguiu-lhe as pegadas que realizou

    investigaes originais sobre digenes larcio (sc.iii),hesodo (sc. viii a.c.) e homero. a partir dessestrabalhos foi nomeado, em 1869, professor filologia em basilia, onde permaneceu por dez anos. afilosofia somente passou a interessar luz a partir da leitura de o mundo como e o vontade derepresentao, de schopenhauer (1788-1860). nietzsche foi atrado pelo atesmo de schopenhauer, assimcomo pela oposio essencial que a experincia esttica ocupem sua filosofia, sobretudo pelo significadometafsico que atribui msica.

    em 1867, nietzsche foi chamado para prestar o servio militar, mas uma acidente em exerccio demontaria livrou-o dessa obrigao.

    voltou ento aos estudos na cidade de leipzing. nessa poca teve incio sua amizade com richard wagner(1813-1883), que tinha quase 55 anos e vivia ento cosima, filha de liszt (1811-1886 fecha parnteses.

    nietzsche encantou-se com a msica de wagner e com seu drama musical, principalmente com tristo eisolda e com os mestres cantores. a casa de campo de tribschen, s margens do lago de lucerna, ondewagner morava, tornou-se para nietzsche um lugar de "refgio e consolao". na mesma poca,apaixonou-se por cosima, que viria a ser, em obra posterior, a "sonhada ariane". em cartas a um amigoerwin rohde a, escrevia: "minha itlia chama-se tribschen e sim thom ali como em minha prpria casa".no diversidade, passou a tratar das relaes entre a msica e a tragdia grega, esboando seu livro onascimento da tragdia no esprito da msica.

    o filsofo e o msico

    em 1870, a alemanha entrou em guerra com a frana; o nessa ocasio, nietzsche servi o exrcito comoenfermeiro, mas por pouco tempo, pois logo adoeceu, contraindo difteria e disenteria.

    o essa doena parece ter sido a origem das dores de cabea e de estmago que acompanharam o filsofodurante toda a vida. nietzsche restabeleceu-se lentamente e voltou a basilia a fim de prosseguir seuscursos.

    em 1871, publicou o nascimento da tragdia, a respeito da qual se costuma dizer que o verdadeiro nickfala atravs das figuras de schopenhauer e de wagner. nessa obra, considera scrates (470 ou 469 a.c.) eum "sedutor", por ter feito triunfar e junto a juventude a tendncia o mundo abstrato do pensamento. atragdia grega, diz nietzsche, depois de ter atingido sua perfeio pela reconciliao e da "embriaguez eda forma" e, de dionsio e aplo, comeou a declinar quando, aos poucos, foi invadida pelo racionalismo,sob a influncia "decadente" de scrates. assim, nietzsche estabeleceu com uma distino entre o apolneoe o dionisaco: aplo o deus da clareza, da harmonia e da ordem; e dionsio, o deus da exuberncia, dadesordem e da msica. segundo nietzsche, ou apolneo e o dionisaco, complementares entre si, foramseparados pela civilizao.

    nietzsche trata da grcia antes da separao entre trabalho manual e o intelectual, entre o cidado e opoltico, entre o poeta e o filsofo, entre o eros e logos. para ele a grcia socrtica, a do logos e a dalgica, a da cidade-o estado, assinalou o fim da grcia antiga e de sua fora criadora. nietzsche perguntacomo, num por um amante da beleza, scrates pode atrair jovens com a dialtica, isto , uma nova formade disputa (gon) e, coisa to querida pelos gregos. nietzsche responde que isso aconteceu porqueexistncia grega j tinha perdido sua "bel e a imediatez", que tornou-se necessrio que a vida ameaada dedissoluo lanasse mo de uma "razo tirnica", a fim de dominar os instintos contraditrios.

    seu livro foi mal acolhido pela crtica, o que o impeliu a refletir sobre a incompatibilidade entre o "opensador privado" e o "professor pblico". ao mesmo tempo, exasperava-se com seu estado de sade:dores de cabea, perturbaes oculares a, dificuldades na fala. interrompeu, assim, sua carreirauniversitria por um ano. mesmo doente foi at bayreuth, para assistir apresentao de o anel dosnibelungos, de wagner. mas o "entusiasmo grosseiro" da multido e a atitude de wagner embriagado pelosucesso o irritaram.

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    terminada a licena da universidade para que tratar-se da sade, hit voltou ctedra. mas sua voz agoraera to imperceptvel que os ouvintes deixaram de frequentam a seus cursos, o o toada to brilhantes. em1879, pediu demisso do cargo. nessa ocasio, iniciou sua grande crtica dos valores, escrevendo humano,demasiado humano; e seus amigos e no o compreenderam. rompeu as relaes de amizade que o ligavamaffaire no e, ao mesmo tempo, afastou-se da filosofia de schopenhauer, recusando sua noo de "vontade

    culpada" e substituindo-a pela de "vontade alegre"; e isso lhe parecia necessrio para destruir osobstculos da moral e da metafsica. o homem, dizia nietzsche e, o criador dos valores, mas esquece suaprpria criao e vem neles algo de "transcendente", de "eterno" a de "e o verdadeiro", quando osvalores no so mais do que algo "humano, demasiado humano".

    nietzsche, o que at ento interpretar a msica de wagner como o "renascimento da grande arte da grcia"e, mudou de opinio, achando que wagner inclinava sem ao pessimismo sob influncia de schopenhauer.nessa poca o wagner voltar-se para o cristianismo e tornara-se devoto. assim, o rompimento significou,ao mesmo tempo, a recusa do cristianismo e de schopenhauer; para nietzsche, campos so parentes

    proteo manifestao da decadncia, isto , da fraqueza e da negao. irritado com o antigo amigo,nietzsche escreveu: "no h nada de exausto, nada de caduco, nada de perigoso para a vida, nada quecalunie o mundo no reino da esprito, que no tem encontrado secretamente abrigo em sua arte; eledissimula o mais negro o obscurantismo nos orbes luminosos do ideal. era acaricia todo instinto niilista

    (budista) e tem pel casou com a msica; e acaricia toda forma de cristianismo e toda expresso religiosade decadncia". a

    o solido, a agonia e morte

    em 1880, nietzsche publicou o andarilho e sua sombra; um ano depois apareceu aurora, com a qual seempenhou a "uma luta contra a moral da auto-renncia". mais uma vez, seu trabalho no foi bem acolhido

    por seus amigos;erwin rohde e o nem chegou a agradecer e o recebimento da obra, nem respondeu cartaque nietzsche lhe enviara. em 1882, veio luz a gaia cincia, depois assim falou zaratustra (1884),paraalm de bem mal e o a (1886), o caso wagner, crepsculo dos dolos, nietzsche contra wagner (1888).eccehomo,ditirambos dionisacos ,o anticristo e vontade e potncia s apareceram depois de sua morte.

    durante o vero de 1881, nietzsche e residir ou em haute- egandine, na pequena aldeia de silvaplana, ele,

    durante um passeio, teve a intuio de o eterno retorno, redigido logo depois. nessa obra defendeu a tesede que o mundo passa indefinidamente pela alternncia da criao e da destruio, da alegria e dosofrimento, do bem e do mal. de silvaplana, nietzsche transferiu-se para gnova, no outono de 1881, edepois para roma, onde permaneceu por insistncia de frulein von e meysenburg, que pretendia casadocom uma jovem finlandesa, lou andreas salom. em 1882, nietzsche props-lhe casamento e foirecusado, mas lou andreas salom e desejam continuar sua amiga e discpula. encontrar um se mais tarde

    na alemanha; porm, no houve a esperada adeso filosofia nietzschiana e, assim, acabaram por seafastar definitivamente.

    o em seguida, retornou itlia, passando o inverno de 1882-1883 na baa de rapallo.em rapallo nietzschee no se encontrava bem instalada; porm, "foi durante o inverno e no meio desse desconforto que nasceuo meu nobre e zaratustra".

    no outono de 1883 voltou para a alemanha e passou a residir em naumburg, em companhia da me e dairm. apesar da companhia dos familiares, sentia-se cada vez mais so. alm disso, mostrava-se muitocontrariado, por sua irm tencionava casar-se com herr forster, agitador anti-semita, que pretendia fundaruma empresa colonial no paraguai, como reduto da cristandade teutnica. nietzsche desprezava o anti-semitismo, e, no conseguindo influenciada irm, abandonou naumburg.

    em princpio de abril de 1884 chegou a veneza, partindo depois para a sua, onde recebeu a visita dobaro de heinrich von stein, jovem discpulo de wagner. von stein, no entanto, veio a falecer muito cedo, oque o amargurou profundamente, sucedendo se alternncias entre euforia e depresso. em 1875, veio a

    pblico a quarta parte de assim falou zaratustra; cada vez mais isolado, o autor s encontrou sete pessoasa quem envi-la. depois disso, viajou para nice, onde veio a conhecer o intelectual paul lanzky, que lheera assim falou zaratustra e escreveram artigos, publicado em um jornal de leipzing e na revista europiade florena. certa vez, lanzky se dirigiu a nietzsche tratando-o de "mestre" de nietzsche lhe respondeu:"sois o primeiro que me trata dessa maneira".

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    depois de 1888, nietzsche passou a escrever cartas estranhos.

    1 ano mais tarde, em turim, enfrentou o auge da crise; escrevia cartas hora assinando "dionsio", ora "ocrucificado" e acabou sendo internado em basilia, onde foi diagnosticada uma "paralisia progressiva".

    provavelmente de origem sifiltica,1 a molstia progrediu lentamente at a apatia e a agonia. nietzschefaleceu em weimar, a 25 de agosto de 1900.

    por dionisaco e o socrtico

    nietzsche enriqueceu a filosofia moderna com meios de expresso: o aforismo e o poema. isso trouxecomo conseqncia uma nova concepo da filosofia e do filsofo: no se trata mais de procurar o idealde um reconhecimento verdadeiro, mas sim de interpretar e avaliar. a interpretao procuraria fixar osentido de um fenmeno, sempre parcial e fragmentado; e avaliao contentaria determinar o valorhierrquico desses sentidos, totalizando os fragmentos, sem, no entanto, atenuar o suprir a pluralidade.assim, o aforismo nietzschiano , simultaneamente, a arte de interpretar e a coisa a ser interpretada, e o

    poema constituem a parte de avaliar e a prpria coisa a ser avaliada. o intrprete seria uma espcie defisiologista e de mdico, aquele que considera os fenmenos como sintomas e a fala por aforismos; oavaliador seria o artista que considera e cria perspectivas, falando pelo poema. reunindo as duascapacidades, o filsofo do futuro deveria ser artista e mdico-legislador, ao mesmo tempo.

    para nietzsche, um tipo de filsofo encontra-se entre os pr-socrticos, nos quais existe unidade entre opensamento e a vida, est "estimulado" o pensamento, e o pensamento "afirmando" a vida. mas odesenvolvimento posterior da filosofia teria trazido consigo a progressiva degenerao dessacaracterstica, e de, em lugar de uma vida ativa e de um pensamento afirmativo, a filosofia ter-se-ia

    proposto como tarefa "e julgar a vida", ou como a ela valores pretensamente superiores, medindo -a poreles, impondo lhe limites, condenando-a. que lugar do filsofo-legislador, e isto , crtico de todos osvalores estabelecidos e o criador de novos, surgiu o filsofo metafsico. o essa degenerao, afirmanietzsche, apareceu claramente com scrates, quando se estabeleceu a distino entre dois mundos, pelaoposio entre o essencial e aparente, verdadeiro e falso, e inteligvel e sensvel. scrates "inventou" ametafsica, diz nietzsche, fazenda da vida aquilo que deve ser julgado, medido, limitado, em nome devalores "superiores" como o divino, o verdadeiro, o belo, o bem. com scrates, teria surgido um tipo defilsofo voluntrio e sutilmente "submisso", inaugurando a poca da razo e do homem terico, que se

    aps ao sentimento mstico de toda a tradio da poca da tragdia.

    para nietzsche e, a grande tragdia grega apresenta como caracterstica o saber mstica da unidade da vidae da morte de, nesse sentido, constitui uma a "chave" e que abre o caminho essencial do mundo.

    mas scrates interpretou a arte trgica como algo irracional, algo que apresenta efeitos sem causas ecausas sem efeitos, tudo de maneira to confusa que deveria ser ignorada. por isso scrates colocou atragdia na categoria das artes aduladoras que representam o agradvel e na ltima e pedia a seusdiscpulos que ensinar estivessem dessas emoes "indignas de filsofos". segundo scrates, a arte datragdia de exibir o homem do caminho da verdade: "uma obra s a bela se obedecer a razo", frmulaque, segundo nietzsche, corresponde ao aforismo "s o homem que conhece o bem virtuoso". esse bemideal concebido por scrates existiria em um mundo suprasensvel, no "verdadeiro mundo", inacessvel aoconhecimento dos sentidos, os quais s revelariam o aparente e irreal. com tal concepo, criou-se,

    segundo nietzsche, uma verdadeira oposio dialtica entre scrates e dionsio: "enquanto que em todosos homens produtivos por instinto uma fora afirmativa e criadora, e a conscincia uma fora crtica enegativa, em sacas por instinto torna-se crtico e a conscincia criadora". assim, scrates, o "homemterico", foi o nico verdadeiro contrria o homem trgico e com ele teve incio uma verdadeira mutaono entendimento do ser. com ele, o homem se afastou cada vez mais desconhecimento, na medida em queabandonou o fenmeno do traje, a verdadeira natureza da realidade, segundo nietzsche. perdendo-se asabedoria instintiva dart trgica, que esto a scrates apenas um aspecto da vida do esprito, um aspectolgico-racional; autora viso mstica, possudo que foi pelo instinto em refrear a de tudo transformarem

    pensamento abstrato, lgico, racional. penetrar a prpria razo das coisas, distinguindo o verdadeiro daaparente e o cerco era, para scrates, a nica atividade digna do nome. para nietzsche porm, esse tipo deconhecimento no tarda encontrar seus limites: "esta sublime iluso metafsica de um pensamento

    puramente racional associa-se ao conhecimento como instinto e a conduz incessantemente a seus limitesonde estes se transforme em arte".

    por essa razo, nietzsche combateu a metafsica, retirando o mundo supra-sensvel toda e qualquer valor

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    eficiente, e entendendo as idias no mais como "verdades" ou "falsidades", mas como "sinais". a nicaexistncia, para nietzsche, a aparncia e seu reverso no mais o ser; o homem est destinado multiplicidade, e a muita coisa permitida sua interpretao.

    o vo da guia, a ascenso da montanha

    a crtica nietzschiana metafsica tem um sentido ontolgico e o sentido moral: o combate teoria dasidias socrtico-platnicas , ao mesmo tempo, uma luta acirrada contra o cristianismo.

    segundo nietzsche, o cristianismo concebe o mundo terrestre como o vale de lgrimas, em oposio a aomundo da felicidade eterna do alm. essa concepo constituem uma metafsica que, luz das idias dooutro mundo, autntica verdadeiro, entende terrestre, o sensvel, o corpo, como o provisrio, o em naautntico e o aparente. trata-se, portanto, diz nietzsche, a forma acabada da perverso dos instintos quecaracteriza o platonismo, repousando em dogmas e crenas que permitem conscincia fraca e a escravae escapar vida, dor, e a luta, entoando a resignao e a renncia como virtudes. so os escravos e osvencidos da vida que inventaram o alm para compensar a misria; inventaram falsos valores para seconsolar da impossibilidade de participao nos valores dos senhores e dos portos; forjar um mito dasalvao da alma porque no possuam o corpo; criar uma fico do pecado por que no podiam participardas alegrias terrestres e da plena satisfao dos instintos da vida. "este ode de tudo que a humano", diz

    nietzsche, "de tudo o que 'animal'e mais ainda de tudo que 'matria', este horror dos sentidos... essetemor da felicidade e da beleza; este desejo de fugir de tudo que a aparncia, a mudana, dever, morte, oesforo, desejo mesmo, tudo isso significa... vontade de aniquilamento, hostilidade a vida, recusa em seadmitir as condies fundamentais da prpria vida".

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    vida e obra xiiitudo isso significa... vontade de aniquilamento, hostilidade vida, re-cusa em se admitir as condies fundamentais da prpria vida."nietzsche props a si mesmo a tarefa de recuperar a vida etransmutar todos os valores do cristianismo: "munido de uma tochacuja luz no treme, levo uma claridade intensa aos subterrneos do

    ideal". a imagem da tocha simboliza, no pensamento de nietzsche,o mtodo filolgico, por ele concebido como um mtodo crtico eque se constitui no nvel da patologia, pois procura "fazer falar aqui-lo que gostaria de permanecer mudo". nietzsche traz tona, por exemplo, um significado esquecido da palavra "bom". em latim, b-nus significa tambm o "guerreiro", significado este que foi sepulta-do pelo cristianismo. assim como esse, outros significados precisa-riam ser recuperados; com isso se poderia constituir uma genealogiada moral que explicaria as etapas das noes de "bem" e de "mal".

    para nietzsche essas etapas so o ressentimento (" tua culpa se soufraco e infeliz"); a conscincia da culpa (momento em que as formasnegativas se interiorizam, dizem-se culpadas e voltam-se contra simesmas); e o ideal asctico (momento de sublimao do sofrimento

    e de negao da vida). a partir daqui, a vontade de potncia torna-sevontade de nada e a vida transforma-se em fraqueza e mutilao,triunfando o negativo e a reao contra a ao. quando esse niilis-mo triunfa, diz nietzsche, a vontade de potncia deixa de querer sig-nificar "criar" para querer dizer "dominar"; essa a maneira como oescravo a concebe. assim, na frmula "tu s mau, logo eu sou bom",nietzsche v o triunfo da moral dos fracos que negam a vida, quenegam a "afirmao"; neles tudo invertido: os fracos passam a sechamar fortes, a baixeza transforma-se em nobreza. a "profundida-de da conscincia" que busca o bem e a verdade, diz nietzsche, im-

    plica resignao, hipocrisia e mscara, e o intrprete-f illogo, ao per-correr os signos para denunci-las, deve ser um escavador dos sub-mundos a fim de mostrar que a "profundidade da interioridade"

    coisa diferente do que ela mesma pretende ser. do ponto de vista dointrprete que desa at aos bas-fonds da conscincia, o bem avontade do mais forte, do "guerreiro", do arauto de um apelo

    perptuo verdadeira uitrapassagem dos valores estabelecidos, dosuper-homem, entendida esta expresso no sentido de um ser huma-no que transpe os limites do humano, o alm-do-homem. assim, ovo da guia, a ascenso da montanha e todas as imagens de verti-calidade que se encontram em assim falou zaratustra representam ainverso da profundidade e a descoberta de que ela no passa de um

    jogo da superfcie.a etimologia nietzschiana mostra que no existe um "sentidooriginal", pois as prprias palavras no passam de interpretaes, an-tes mesmo de serem signos, e elas s significam porque so "inter-

    pretaes essenciais". as palavras, segundo nietzsche, sempre fo-ram inventadas pelas classes superiores e, assim, no indicam umsignificado, mas impe uma interpretao. o trabalho do etimologis-ta, portanto, deve centralizar-se no problema de saber o cuie existe

    para ser interpretado, na medida em que tudo mscara, interpre-tao, avaliao. fazer isso "aliviar o que vive, danar, criar". za-ratustra, o intrprete por excelncia, como dioniso.

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    xiv nietzscheos limites do humano: o alm-do-homem ^^ ^ . ,: i ,-em ecce homo, nietzsche assimila zaratustra a dioniso, conce-

    bendo o primeiro como o triunfo da afirmao da vontade depotncia e o segundo como smbolo do mundo como vontade, comoum deus artista, totalmente irresponsvel, amoral e superior ao lgi-

    co. por outro lado, a arte trafica concebida por nietzsche comooposta decadncia e enraizada na antinomia entre a vontade de-soa ..>u potncia, aberta para o futuro, e o "eterno retorno", que faz do futu-- ~ ro uma repetio; esta, no entanto, no significa uma volta do mes--w: mo nem uma volta ao mesmo; o eterno retorno nietzschiano essen-cialmente seletivo. em dois momentos de assim falou zaratustra (za-ratustra doente e zaratustra convalescente), o eterno retorno causaao personagem-ttuio, primeiramente, uma repulsa e um medo into-lerveis que desaparecem por ocasio de sua cura, pois o que o tor-nava doente era a idia de que o eterno retorno estava ligado, apesar de tudo, a um ciclo, e que ele faria tudo voltar, mesmo o homem, o"homem pequeno". o grande desgosto do homem, diz zaratustra, a*>?-fini est o que me sufocou e que me tinha entrado na garganta e

    tambm o que me tinha profetizado o adivinho: tudo igual. e oeterno retorno, mesmo do mais pequeno, a estava a causa de meucansao e de toda a eixstncia. dessa forma, se zaratustra se cura

    porque compreende que o eterno retorno abrange o desigual e a se-. - c : leo. para dioniso, o sofrimento, a morte e o declnio so apenas aoutra face da alegria, da ressurreio e da volta. por isso, "os homensno tm de fugir vida como os pessimistas", diz nietzsche, "mas,como alegres convivas de um banquete que desejam suas taas no-vamente cheias, diro vida: uma vez mais".

    para nietzsche, portanto, o verdadeiro oposto a dioniso no "* mais scrates, mas o crucificado. em outros termos, a verdadeira* ''- oposio a que contrape, de um lado, o testemunho contra a vidaob e?!' e o empreendimento de vingana que consiste em negar a vida; de

    s s moi. outro, a afirmao do devir e do mltiplo, mesmo na dilaceraooaqi, r dos membros dispersos de dioniso. com essa concepo, nietzsche> .o* responde ao pessimismo de schopenhauer: em lugar do desespero-emua de uma vida para a qual tudo se tornou vo, o homem descobre noo ,m\i?f eterno retorno a plenitude de uma existncia ritmada pela al-v * ternncia da criao e da destruio, da alegria e do sofrimento, doe m*- bem e do mal. o eterno retorno, e apenas ele, oferece, diz nietzsche,uma "sada fora da mentira de dois mil anos", e a transmutao dosvalores traz consigo o novo homem que se situa alm do prprioesse super-homem nietzschiano no um ser, cuja vontade "de-seje dominar". se se interpreta vontade de potncia, diz nietzsche,como desejo de dominar, faz-se dela algo dependente dos valores es-tabelecidos. com isso, desconhece-se a natureza da vontade de

    potncia como princpio plstico de todas as avaliaes e como for-a criadora de novos valores. vontade de potncia, diz nietzsche,significa "criar", "dar" e "avaliar".nesse sentido, a vontade de potncia do super-homem nietzs-chiano o situa muito alm do bem e do mal e o faz despreender-se

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    ..-. vida e obra xvde todos os produtos de uma cultura decadente. a moral do alm-do-homem, que vive esse constante perigo e fazendo de sua vidauma permanente luta, a moral oposta do escravo e do rebanho.oposta, portanto, moral da compaixo, da piedade, da doura fe-minina e crist. assim, para nietzsche, bondade, objetividade, humil-

    dade, piedade, amor ao prximo, constituem valores inferiores,impondo-se sua substituio pela virt dos renascentistas italianos,pelo orgulho, pelo risco, pela personalidade criadora, pelo amor aodistante. o forte aquele em que a transmutao dos valores faztriunfar o afirmativo na vontade de potncia. o negativo subsiste ne-la apenas como agressividade prpria afirmao, como a crticatotal que acompanha a criao; assim, zaratustra, o profeta doalm-do-homem, a pura afirmao, que leva a negao a seu lti-mo grau, fazendo dela uma ao, uma instncia a servio daqueleque cria, que afirma.compreende-se, assim, por que nietzsche desacredita das dou- : trinas igualitrias, que lhe parecem "imorais", pois impossibilitamque se pense a diferena entre os valores dos "senhores e dos escra-

    vos". nietzsche recusa o socialismo, mas em vontade de potnciaexorta os operrios a reagiram "como soldados".:.}, .--- ?ssilosofia confiscadaapoiado na crtica nietzschiana aos valores da moral crist, emsua teoria da vontade de potncia e no seu elogio do super-homem,desenvolveu-se um pensamento nacionalista e racista, de tal formaque se passou a ver no autor de assim falou zaratustra um precursor do nazismo. a principal responsvel por essa deformao foi suairm elisabeth, que, ao assegurar a difuso de seu pensamento, orga-nizando o nietzsche-archiv, em weimar, tentou coloc-lo a serviodo nacional-socialismo. elisabeth, depois do suicdio do marido, quefracassara em um projeto colonial no paraguai, reuniu arbitraria-

    mente notas e rascunhos do irmo, fazendo publicar vontade de po-tncia como a ltima e a mais representativa das obras de nietzsche,retendo at 1908 ecce homo, escrita em 1888. esta obra constitui- uma interpretao, feita por nietzsche, de sua prpria filosofia, queno se coaduna com o nacionalismo e o racismo germnicos. ambosforam combatidos pelo filsofo, desde sua participao na guerrafranco-prussiana (1870-1871).

    por ocasio desse conflito, nietzsche alistou-se no exrcitoalemo, mas seu ardor patritico logo se dissolveu, pois, para ele, avitria da alemanha sobre a frana teria como conseqncia "um. poder altamente perigoso para a cultura". nessa poca, aplaudia as

    palavras de seu colega em basilia, jacob burckhardt (1818-1897),que insistia junto a seus alunos para que no tomassem o triunfo mi-

    litar e a expanso de um estado como indcio de verdadeiragrandeza.em para alm de bem e mal, nietzsche revela o desejo de umaeuropa unida para enfrentar o nacionalismo ("essa neurose") queameaava subverter a cultura europia. por outro lado, quando con-fiou ao "louro" a tarefa de "virilizar a europa", nietzsche levou at

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    xvi nietzschea caricatura seu desprezo pelos alemes, homens "que introduziramno lugar da cultura a loucura poltica e nacional... que s sabem obe-decer pesadamente, disciplinados como uma cifra oculta em umnmero". no mesmo sentido, nietzsche caracterizou os heris wag-nerianos como germanos que no passam de "obedincia e longas

    pernas". e acabou rompendo definitivamente com wagner, por cau-sa do nacionalismo e anti-semitismo do autor de tristo e isolda:"wagner condescende a tudo que desprezo, at ao anti-semitismo".

    para compreender corretamente as idias polticas de nietzs-che, necessrio, portanto, purific-lo de todos os desvios posterio-res que foram cometidos em seu nome. nietzsche foi ao mesmo tem-

    po um antidemocrtico e um antitotalitrio. "a democracia a for-ma histrica da decadncia do estado", afirmou nietzsche, enten-dendo por decadncia tudo aquilo que escraviza o pensamento, so-

    bretudo um estado que pensa em si ao invs de pensar na cultura.em consideraes extemporneas essa tese reforada: "estamos so-frendo as conseqncias das doutrinas pregadas ultimamente por to-dos os lados, segundo as quais o estado o mais alto fim do homem,

    e, assim, no h mais elevado fim do que servi-lo. considero tal fatono um retrocesso ao paganismo mas um retrocesso estupidez".por outro lado, nietzsche no aceitava as consideraes de que aorigem do estado seja o contrato ou a conveno; essas teorias se-riam apenas "fantsticas"; para ele, ao contrrio, o estado tem umaorigem "terrvel", sendo criao da violncia e da conquista e, comoconseqncia, seus alicerces encontram-se na mxima que diz: "o

    poder d o primeiro direito e no h direito que no fundo no seja ar-rogncia, usurpao e violncia".o estado, diz nietzsche, est sempre interessado na formaode cidades obedientes e tem, portanto, tendncia a impedir o de-senvolvimento da cultura livre, tornando-a esttica e estereotipada.ao contrrio disso, o estado deveria ser apenas um meio para a reali-

    zao da cultura e para fazer nascer o alm-do-homem.assim falou zaratustraem ecce homo, nietzsche intitulou seus captulos: "por que souto fatalista?", "por que sou to sbio?", "por que sou to inteligen-te?", "por que escrevo livros to bons?". isso levou muitos a conside-rarem sua obra como anormal e desqualificada pela loucura. essaopinio, no entanto, revela um superficial entendimento de seu pen-samento. para entend-lo corretamente, necessrio colocar-se den-tro do prprio ncleo de sua concepo da filosofia: nietzsche in-verteu o sentido tradicional da filosofia, fazendo dela um discursoao nvel da patologia e considerando a doena como "um ponto devista" sobre a sade, e vice-versa. para ele, nem a sade, nem adoena so entidades; a fisiologia e a patologia so uma nica coisa;

    as oposies entre bem e mal, verdadeiro e falso, doena e sadeso apenas jogos de superfcie. h uma continuidade, diz nietzsche,entre a doena e a sade e a diferena entre as duas apenas degrau, sendo a doena um desvio interior prpria vida; assim, no hfato patolgico.

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    vida e obra xviia loucura no passa de uma mscara que esconde alguma coi-sa, esconde um saber fatal e "demasiado certo". a tcnica utilizada

    pelas classes sacerdotais para a cura da loucura a "medicaoasctica", que consiste em enfraquecer os instintos e expulsar as pai-xes; com isso, considera-se a vontade de potncia, a sensualidade e

    o livre florescimento do eu como "manifestaes diablicas". mas,para nietzsche, aniquilar as paixes uma "triste loucura", cuja de-cifrao cabe filosofia, pois a loucura que torna mais plano o ca-minho para as idias novas, rompendo os costumes e as superstiesveneradas e constituindo uma verdadeira subverso dos valores. pa-ra nietzsche, os homens do passado estiveram mais prximos daidia de que onde existe loucura h um gro de gnio e de sabedoria,alguma coisa de divino: "pela loucura os maiores feitos foram espa-lhados pela grcia". em suma, aos "filsofos alm de bem e mal",aos emissrios dos novos valores e da nova moral no resta outro re-curso, diz nietzsche, a no ser o de proclamar as novas leis e quebrar o jugo da moralidade, sob o travestimento da loucura. dentro des-sa perspectiva, portanto, que se deve compreender a presena da

    loucura na obra de nietzsche. sua crise final apenas marcou o mo-mento em que a "doena" saiu de sua obra e interrompeu seu pros-seguimento. as ltimas cartas de nietzsche so o testumunho dessemomento extremo e, como tal, pertencem ao conjunto de sua obra ede seu pensamento. a filosofia foi, para ele, a arte de deslocar as

    perspectivas, da sade doena, e a loucura deveria cumprir a tare-fa de fazer a crtica escondida da decadncia dos valores e do ani-quilamento: "na verdade, a doena pode ser sade interior e vice-versa. a sade coisa pessoal; aquilo que pode ser til a um ho-mem ou a uma tarefa, ainda que para outros signifique doena...no fui um doente nem mesmo por ocasio da maior enfermidade".

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    nietzschecronologia1844 em rcken, prssia, a 15 de outubro, na:1872 publica o nascimento da tragdia no esprito da msica.1874 nasce arnold schnberg.1875 nasce thomas mann.

    1878 nietzsche publica humano, demasiado humano.1883 - morre richard wagner.-1334 _ publicao de assim falou zaratustra, de nietzsche.1888 nascimento de thomas stearns eliot.1889 surge o ensino sobre os dados imediatos da consincia, de bergson.

    1890 leo xiii promulga a catholicae ecclesiae, sobre a abolio daescravatura.1891 husserl publica a filosofia da aritmtica.1896 freud utiliza, pela primeira vez, o termo psicanlise.1898 nasce bertolt brecht.1899 freud termina a interpretao dos sonhos.1900 em weimar, a 25 de agosto, morre nietzsche.

    bibliografia

    nietzsche, f.: obras completas, aguilar editor, buenos aires, 1950.deleuze, c: nietzsche et ia philosophie, presses universitaires de france, paris,1962.

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    klossowskt, p.: nietzsche et le cercle vicieux, mercure de france, paris, 1969.heideccer, m.: chemins qui ne mnent nulle part. callimard, paris, 1962.

    hollincdalei r q njetzsche: the man and his philosophy, baton rouge, 1965.morcan, g. a.: what nietzsche means, cambridge, 1941.

    jaspers, k.: nietzsche, berlim, 1936.wahl, j.: la pense philosophique de nietzsche des annes 1885-1888, cours

    de sorbonne, paris, 1960.

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    nota bibliogrficaa seleo e a traduo dos textos foram feitas com base na edio krneem 5 volumes (friedrich xietzsche, werke. herausgegeben von nietzsche-archhalfred krner verlag, leipzig s/d, anterior edio em 12 volumes da mesmeditora, stuttgart, 1964/5), cada um desses volumes enfeixando dois dos dez pr,meiros volumes da edio anterior dessa mesma editora (1920-1930) e consei

    vando a paginao respectiva. os textos de 1881 sobre o eterno retorno encor,tram-se no 3. volume (2.a parte), sob o ttulo: die ewige wiederkunft; os outrotextos sobre niilismo e eterno retorno foram colhidos dentre os textos pstumos 1884-1888, que se encontram no 5. volume (2." parte), sob o ttulo geral: "dewille zur macht": a numerao destes ltimos aforismos no de nietzsche, cottumando variar de edio para edio. os demais textos so facilmente localizeo sttft ws -m q otcrga % tosbw -tmm

    ozteoay

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    (...)agora como que se abre diante de ns a montanha mgica do olimpo, emostra-nos suas razes. o grego conhecia e sentia os pavores e sustos da existn-cia: simplesmente para poder viver, tinha de estender frente deles a resplande-cente miragem dos habitantes do olimpo. aquela monstruosa desconfiana diantedas potncias titnicas da natureza, aquela moira reinando inexorvel sobre todos

    cs conhecimentos, aquele abutre do grande amigo da humanidade, prometeu, asorte pavorosa do sbio dipo, a maldio hereditria dos atridas. que foraorestes ao matricdio, em suma, toda aquela filosofia do deus silvestre, acompa-nhada de suas ilustraes mticas, que levou os soturnos etruscos runa tudoisso era constantemente superado pelos gregos graas quele artstico mundointermedirio dos olmpicos, ou, em todo caso, encoberto e afastado do olhar.

    para poderem viver, os gregos tinham de criar esses deuses, pela mais profundaias necessidades: processo este que bem poderamos representar-nos como se, a

    partir da ordem divina primitiva, titnica, do pavor tivesse sido desenvolvida, emlenta transio, por aquele impulso apolneo beleza, a ordem divina, olmpica,da alegria: como rosas irrompem de um arbusto espinhoso. de que outro modoaquele povo, to excitvel em sua sensibilidade, to impetuoso em seus desejos,:o apto unicamente para o sofrimento, teria podido suportar a existncia, se esta,

    banhada em uma glria superior, no lhe tivesse sido mostrada em seus deuses?o mesmo impulso que chama a arte para a vida, como a complementao e per-feio da existncia que induz a continuar a viver, fez tambm surgir o mundoolmpico, que a "vontade" helnica mantinha diante de si como um espelho trans-figurador. assim os deuses legitimam a vida humana, vivendo-a eles mesmos a nica teodicia satisfatria! a existncia sob a clara luz solar de tais deuses sentida como o desejvel em si mesmo, e o que propriamente dor para os ho-mens homricos refere-se a deix-la e. sobretudo, a deix-la logo: de tal modo queagora se poderia dizer deles, invertendo a sabedoria de silenos, "o pior de tudo rara eles morrer logo. em segundo lugar simplesmente morrer". se alguma vez o.amento soa, mais uma vez pela curta vida de aquiles, pela transitoriedade e.".constncia da espcie humana, semelhante das folhas, pelo declnio do tempo;;s heris. no indigno do maior dos heris aspirar continuao da vida,

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    8 ; nietzsche ^mesmo que seja como tarefeiro. to impetuosamente a "vontade", no estgiolneo, anseia por essa existncia, to identificado a ela se sente o homem hone aqui preciso que se diga que essa harmonia e mesmo unidade do hor com a natureza, vista com tanta nostalgia pelo homem moderno, e que 1(schiller a pr em circulao o neologismo "naif" (ingnuo), no , em

    nenhum, um estado to simples, que resulta por si mesmo, como que inevitque tivssemos de encontrar no umbral de toda cultura como um paras? conceitos, que antes tem de fabricar a partir de si mesmo. ele , aqui, muito

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    admirvel mas s que no por seu impulso verdade, ao conhecimento purcdas coisas. quando algum esconde uma coisa atrs de um arbusto, vai procuraia ali mesmo e a encontra, no h muito que gabar nesse procurar e encontrar: e assim que se passa com o procurar e encontrar da "verdade" no interior do distrito da razo. se forjo a definio de animal mamfero e em seguida declaro, de

    pois de inspecionar um camelo: "vejam, um animal mamfero", com isso decertc

    uma verdade trazida luz, mas ela de valor limitado, quero dizer, cabalmente antropomrfica e no contm um nico ponto que seja "verdadeiro em si"efetivo e universalmente vlido, sem levar em conta o homem. o pesquisador dessas verdades procura, no fundo, apenas a metamorfose do mundo em homem, lut

    por um entendimento do mundo como uma coisa semelhana do homem e conquista, no melhor dos casos, o sentimento de uma assimilao. semelhante acastrlogo que observava as estrelas a servio do homem e em funo de sua sortaidja*ws&;: ->mxtformemos agora uma imagem do evento espiritual que se produziu, comisso. na alma do homem moderno. o saber histrico jorra de fontes inexaurveis',sempre de novo e cada vez mais; o que estrangeiro e desconexo entre si se aglo-

    mera; a memria abre todas as suas portas e no entanto ainda no est suficiente-mente aberta: a natureza se esfora ao extremo para acolher esses hspedesestrangeiros, orden-los e honr-los, mas estes mesmos esto em combate entre si,e parece necessrio dominar e vencer todos eles, para no perecer, ela mesma,nesse combate entre eles. o hbito a uma tal vida domstica desordenada, tempes-tuosa e combatente, torna-se pouco a pouco uma segunda natureza, embora estejafora de questo que essa segunda natureza muito mais fraca, muito mais intran-qila e em tudo menos sadia do que a primeira. o homem moderno acaba por arrastar consigo, por toda parte, uma quantidade descomunal de indigestas pedrasde saber, que ainda, ocasionalmente, roncam na barriga, como se diz no conto.com esses roncos denuncia-se a propriedade mais prpria desse homem moderno:a notvel oposio entre um interior, a que no corresponde nenhum exterior, eum exterior, a que no corresponde nenhum interior, oposio que os povos anti-

    gos no conhecem. o saber, que absorvido em desmedida sem fome, e mesmocontra a necessidade, j no atua mais como motivo transformador, que impelepara fora. e permanece escondido em um certo mundo interior catico, que essehomem moderno, com curioso orgulho, designa como a "interioridade" que lhe

    prpria. certo que se diz. ento, que se tem o contedo e que falta somente aforma: mas. em todo vivente. esta uma oposio completamente indevida. nossacultura moderna, por isso mesmo, no nada de vivo, porque, sem aquela oposi-o, absolutamente no pode ser concebida, isto : no de modo algum uma cul-tura efetiva, mas apenas uma espcie de saber em torno da cultura; fica no

    pensamento-de-cultura, no sentimento-de-cultura. dela no resulta nenhumadeciso-de-cultura. em contrapartida, aquilo que efetivamente motivo e que,como ato. se torna visvel na exterioridade, muitas vezes no significa, ento,muito mais do que uma conveno indiferente, uma deplorvel imitao ou

    mesmo um grotesco esgar. na interioridade que repousa ento a sensao, igual cobra que engoliu coelhos inteiros e em seguida, quieta e serena, se deita ao sole evita todos os movimentos, alm dos mais necessrios. o processo interno: tal agora a coisa mesma, tal propriamente a "cultura". todo aquele que passa porali tem um nico desejo que uma tal cultura no morra de indigesto. que se

    pense, por exemplo, um grego passando diante de uma tal cultura; ele perceberiaque para os homens modernos ser "culto" e ter uma "cultura histrica" parecemto solidrios como se fossem um s e somente se distinguissem pelo nmero das

    palavras. se ento ele pronunciasse sua frase: algum pode ser muito culto e noentanto no ter nenhuma cultura histrica, acreditariam no ter ouvido bem esacudiriam a cabea. aquele pequeno povo bem conhecido, de um passado no

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    consideraes extemporneasdemasiado distante refiro-me justamente aos gregos , havia preservado emsi. no perodo de sua mxima fora, um sentido a-histrico: se um homemcontemporneo tivesse de retornar, por magia, quele mundo, provavelmenteacharia os gregos muito "incultos", com o que ento o segredo to meticulosa-mente oculto da cultura moderna seria descoberto, para a zombaria pblica: pois,

    de ns mesmos, ns modernos no temos nada; somente por nos enchermos eabarrotarmos com tempos, costumes, artes, filosofias e religies alheios que nos:ornamos algo digno de ateno, ou seja. enciclopdias ambulantes, e como tais,:aivez, um heleno antigo extraviado em nosso tempo nos dirigisse a palavra.(...)em que situaes desnaturadas, artificiais e, em todo caso, indignas h de;air, em um tempo que sofre de cultura geral, a mais verdadeira de todas as cin-::as, a honrada deusa nua. a filosofia. em um tal mundo da uniformidade exteriorforada, ela permanece monlogo erudito do passeador solitrio, fortuita presa de;aa do indivduo, oculto segredo de gabinete ou inofensiva tagarelice entreancios acadmicos e crianas. ningum pode ousar cumprir a lei da filosofia em;: mesmo, ningum vive filosoficamente, com aquela lealdade simples, que obri-iiva um antigo, onde quer que estivesse, o que quer que fizesse, a portar-se como

    rtico, caso tivesse uma vez jurado fidelidade ao prtico. todo filosofar moder-no est poltica e policialmente limitado aparncia erudita, por governos, igre-. academias, costumes e covardias dos homens; ele permanece no suspiro:"mas se. . .", ou no reconhecimento: "era uma vez". a filosofia, no interior dacultura histrica, no tem direitos, caso queira ser mais do que um saber interior-

    ente recolhido, sem efeito; se, pelo menos, o homem moderno fosse corajoso eiecidido, ele no seria, tambm em suas inimizades, apenas um ser interior: ele araniria; agora, contenta-se em revestir envergonhadamente sua nudez. sim. pen--se. escreve-se, imprime-se, fala-se, ensina-se filosoficamente at a tudo rermitido; somente no agir. na assim chamada vida, diferente: ali o permitido rnpre um s, e todo o resto simplesmente impossvel: assim o quer a cultura'histrica. so homens ainda pergunta-se ento . ou talvez apenas mquinas5; pensar, de escrever e de falar?

    goethe diz uma vez de shakespeare: "ningum mais que ele desprezou ori;e material; ele conhece muito bem o traje humano interior, e a todos so:r_ais. diz-se que ele mostrou com perfeio os romanos; no acho. so purosr leses encarnados, mas, sem dvida, homens so homens desde o fundo, e aos;_iis se adapta perfeitamente tambm a toga romana"". agora pergunto eu se=c~a sequer possvel apresentar nossos literatos, homens do povo, funcionrios,

    polticos de hoje, como romanos; isso no pode ser. porque estes no so homens,mas apenas compndios encarnados e, por assim dizer, abstraes concretas. se cce im carter e modo"prprio, isso tudo est to profundamente oculto que no

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    nietzschepode desentranhar-se luz do dia: se que so homens, s o so, no entanto, paraaquele "que examina as entranhas". para todos os outros so algo outro, nohomens, no animais, mas formaes culturais hitricas. unicamente cultura, for-mao, imagem, forma sem contedo demonstrvel, infelizmente apenas mforma e. alm disso, uniforme. 4 e possa ser assim entendida e ponderada minha

    proposio: a histria s pode ser suportada por personalidades fortes, as fracasela extingue totalmente. isso vem de que ela confunde o sentimento e a sensao,quando estes no so suficientemente fortes para servirem de medida ao passado.quem no ousa mais confiar em si, mas involuntariamente, para sentir, pede con-selho junto histria: "como devo sentir aqui?, este se torna pouco a pouco, por

    pusilanimidade, espectador, e desempenha um papel, no mais das vezes at muitospapis, e justamente por isso desempenha cada um deles to mal e superficial-mente. pouco a pouco falta toda congruncia entre o homem e seu domnio hist-rico; so pequenos rapazolas petulantes que vemos tratar com os romanos, comose estes fossem seus iguais: e nos restos mortais de poetas gregos eles revolvem ecavam, como se tambm estes corpora estivessem jazendo prontos para sua dis-seco e fossem vilia, como seus prprios corpora literrios poderiam ser. admi-tindo que um deles se ocupe com demcrito, est sempre em meus lbios a per-

    gunta: mas por que justo demcrito? por que no herclito? ou filon? oubacon? ou descartes? e assim por diante, vontade. e, em seguida: mas porque justo um filsofo? por que no um poeta, um orador? e: por que em geral umgrego, por que no um ingls, um turco? o passado no suficientemente grande

    para que nele se encontre algo junto ao qual vs mesmos no ficasseis to ridicu-lamente gratuitos? mas, como foi dito, uma gerao de eunucos; para o eunucouma mulher como a outra, precisamente apenas uma mulher, a mulher emsi. o eternamente inacessvel e assim indiferente o que fazeis,contanto que a prpria histria fique guardada, lindamente "objetiva", justamente

    por aqueles que nunca podem, eles mesmos, fazer histria. e como o eterno femi-nino nunca vos atrair para si, vs o rebaixais at vs e, sendo neutros, tomaistambm a histria como algo neutro. mas, para que no se creia que comparo asrio a histria com o eterno feminino, quero antes enunciar claramente que a

    considero, pelo contrrio, como eterno masculino: s que para aqueles que cmtudo e por tudo tm "cultura histrica", h de ser devidamente indiferente que elaseja um ou outro: eles mesmos, de fato, no so homem nem mulher, nem sequercomuns-de-dois, mas sempre apenas neutros ou, numa expresso mais culta, ape-nas os eternamente-objetivos.uma vez esvaziadas as subjetividades da maneira descrita, at chegarem eterna despersonalizao ou, como se diz, objetividade, nada mais capaz de4 no texto: (...) sondem historische bildungsgebilde, ganz und gar bildung, bild, form ohne nachweis-

    baren inhall, leider nur schlechte form, und berdies uniform. a dificuldade consiste em ressaltar apresenado radical bild do verbo bilden (formar, moldar e. em sentido figurado, educar) e do substantivo bild(ima-gem, cpia) nos termos: bildung (cultura). gebilde (formao, estrutura) e bild. impossvel reconstituir

    ojogo semntico do texto (por exemplo, o parentesco entre cultura e imagem). em todo caso, a traduo degebilde por 'formao" antecipa o jogo que o texto faz em seguida com a palavra form (propriamente"forma"). (n. do t.) - ^^e^^jims^^^f -:_ -. > : - -:ii ..-.--..- !: -i ;.->:- -:.-.- --..-.-;.';

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    consideraes extemporneas i^sagir sobre elas; pode acontecer seja o que for de bom e justo, como ato, como poe-sia, como msica: logo o oco homem-de-cultura olha para alm da obra e per-,sunta pela histria do autor. i(...)o sentido histrico, quando reina irrefreado e traz todas as suas conseqn-j

    cias. erradica o futuro, porque destri as iluses e retira s coisas sua atmosfera,somente na qual elas podem viver. a justia histrica, mesmo quando exercidaefetivamente e em inteno pura, uma virtude pavorosa, porque sempre solapao que vivo e o faz cair: seu julgamento sempre uma condenao morte.quando por trs do impulso histrico no atua nenhum impulso construtivo,quando no se est destruindo e limpando terreno para que um futuro j vivo naesperana construa sua casa sobre o cho desimpedido, quando a justia reinasozinha, ento o instinto criador despojado de sua fora e de seu nimo. umareiigio, -por exemplo, que seja transposta em saber histrico, sob a regnciaia pura justia, uma religio que em todo e por tudo seja conhecida cientifica-mente, ao fim desse caminho estar aniquilada. o fundamento disso est em que.-o cmputo histrico, sempre vem luz tanto de falso, grosseiro, desumano,bsurdo, violento, que a piedosa disposio iluso, somente na qual pode viver

    r_do o que quer viver, necessariamente desbaratada: somente no amor, porm,;: mente envolto em sombras pela iluso do amor, o homem cria, ou seja, somentezi crena incondicional na perfeio e na justia. a todo aquele que obrigaram ario mais amar incondicionalmente, cortaram as razes de sua fora: ele tem de selornar rido, ou seja, desonesto. nesses efeitos, a histria o oposto da arte: esomente quando a histria suporta ser transformada em obra de arte e. portanto.^>mar-se pura forma artstica, ela pode. talvez, conservar instintos ou mesmocespert los.uma tal historiografia, porm, estaria em total contradio com orao analtico e inartstico de nosso tempo, e at mesmo ser sentida por ele::.o falsificao. histria, porm, que apenas destri, sem que a conduza um-pulso construtivo interior, torna, com o tempo, sofisticados e desnaturados seusr-strumentos: pois tais homens destroem iluses e "quem destri a iluso em si-.rsrno e nos outros, a natureza, como o mais rigoroso tirano, o castiga". por um

    :c - tempo possvel ocupar-se com a histria em toda inocncia e despreocupa-:io. como se fosse uma ocupao to boa como qualquer outra; em particular, a:;va teologia parece ter-se deixado envolver com a histria por pura inocncia, e: t.zz agora mal quer notar que com isso, provavelmente muito contra a vontade,-.r.~- a servio do crasez voltairiano. que ningum suponha, por trs disso, novost vigorosos instintos construtivos; nesse caso seria preciso tomar a assim chama-is associao protestante por matriz de uma nova religio e talvez o jurista holt-;endorf (o editor e prefaciador da ainda mais assim chamada bblia protestante)rc: joo no rio jordo. por algum tempo, talvez a filosofia hegeliana, ainda fume-iate em cabeas mais idosas, ajude a propagao daquela inocncia, por exem-

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    nietzschepio. quando distinguem a "idia do cristianismo" de suas "formas de manifesta-o" diversamente imperfeitas e quando se dizem que o "diletantismo da idia"revelar-se em formas cada vez mais puras, e por fim, ou seja, na forma certamentemais pura de todas, mais transparente e mesmo quase invisvel, no crebro doatual theologus liberalis vulgaris. mas, ao ouvir esses cristianismos mais puros de

    todos se pronunciarem sobre os anteriores cristianismos impuros, o ouvinteimparcial tem freqentemente a impresso de que no se trata absolutamente docristianismo, mas sim de... mas em que devemos pensar? se encontramos ocristianismo designado pelo "maior telogo do sculo" como a religio que permi-te "sentir-se integrado em todas as religies efetivas e ainda em algumas outrasmeramente possveis", e se a "verdadeira igreja" deve ser aquela que "se tornamassa fluida, onde no h contornos, onde cada parte se encontra ora aqui, oraali. e tudo se mistura pacificamente entre si". mais uma vez. em que devemos

    pensar?aquilo que se pode aprender com o cristianismo, isto , que ele, sob o efeitode um tratamento historicizante, se tornou sofisticado e desnaturado, at quefinalmente um tratamento completamente histrico, isto , justo, o dissolve em

    puro saber em torno do cristianismo, e com isso o aniquila, isso se pode estudar

    em tudo o que tem vida: que cessa de viver quando dissecado at o fim e vivedolorosa e doentiamente quando se comeam a praticar sobre ele exerccios dedissecao histrica.(...)(...) a cultura histrica tambm , efetivamente, uma espcie de encaneci-mento inato, e aqueles que trazem em si seus sinais desde a infncia tm de chegar crena instintiva na velhice da humanidade: velhice, porm, convm agorauma ocupao senil, ou seja, olhar para trs, fazer as contas, concluir, procurarconsolo no que foi por meio de recordaes, em suma, cultura histrica. a espciehumana, porm, uma coisa tenaz e persistente, e no quer aps milnios, nemmesmo aps centenas de milhares de anos, ser observada em seus passos paradiante e para trs . isto , no quer, de modo nenhum, ser observada como umtodo por esse pontinho de tomo infinitamente pequeno, o indivduo humano. o

    que querem dizer alguns milnios (ou expresso de outro modo: o espao de tempode trinta e quatro vidas humanas consecutivas, calculadas em sessenta anos), paraque no incio de um tal tempo se possa ainda falar em "juventude" e na concluso

    j em "velhice da humanidade" ! no se aloja, em vez disso, nessa crena parali-sante em uma humanidade j em fenecimento, o mal-entendido de uma represen-tao cristiano-teolgica herdada da idade mdia, o pensamento da proximidadedo fim do mundo, do julgamento esperado com temor? transveste-se essa repre-sentao na crescente necessidade histrica de juiz, como se nosso tempo, o lti-mo dos possveis, estivesse ele mesmo autorizado a promover esse juzo universal,

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    consideraes extemporneas 67que a crena crist de modo nenhum esperava do homem, mas do "filho dohomem"? outrora esse memento mori, 5 clamado humanidade assim como aoindivduo, era um aguilho sempre torturante e como que o pice do saber e daconscincia medievais. a palavra do tempo moderno, clamada em oposio a ele:memento vivere, soa, para falar abertamente, ainda bastante intimidada, no vem

    a plenos pulmes e tem, quase, algo de desonesto. pois a humanidade ainda estfirmemente assentada sobre o memento mori e denuncia isso pela sua universalnecessidade histrica: o saber, a despeito de seu mais poderoso bater de asas,ainda no pde arrancar para o ar livre, restou um profundo sentimento de deses-

    perana, que assumiu aquela colorao histrica de que agora esto soturnamenteenvoltas toda educao e cultura superiores. uma religio que, de todas as horasde uma vida humana, considera a ltima como a mais importante,, que prediz umaconcluso da vida terrestre em geral e condena tudo o que vive a viver no quintoato da tragdia excita, com certeza, as foras mais profundas e mais nobres, mase hostil a toda nova implantao, tentativa audaciosa, desejo livre; resiste contratodo vo ao desconhecido, porque ali no ama, no espera: somente contra a von-tade deixa impor-se a ela o que vem a ser, para, no devido tempo, repudi-lo ousacrific-lo como um aliciador existncia, como um mentiroso sobre o valor da

    existncia. aquilo que fizeram os florentinos quando, sob o impacto das prdicasde penitncia de savonarola. promoveram aquela clebre queima sacrificial dequadros, manuscritos, espelhos, mscaras, o cristianismo gostaria de fazer comtoda cultura que estimule continuao do esforo e traga aquele memento viverecomo lema, e se no possvel faz-lo em linha reta, ou seja, por prepotncia, elealcana igualmente seu alvo quando se alia com a cultura histrica, omais das vezes at mesmo sua revelia, e ento, falando a partir dela, recusa,dando de ombros, tudo o que vem a ser, e espraia sobre ele o sentimento do tardioe do epigonal, em suma, o encanecimento inato. a considerao amarga e profun-damente sria sobre o desvalor de todo o acontecido, sobre o estar-maduro-para-c-julgamento do mundo, liquefez-se na conscincia ctica de que, em todo caso,

    bom saber todo o acontecido, porque tarde demais para fazer algo de melhor.assim, o sentido histrico torna seus servidores passivos e retrospectivos; e quase

    que somente por esquecimento momentneo, precisamente na intermitncia dessesentido, o doente de febre histrica se torna ativo, para, to logo a ao tenha pas-sado, dissecar seu ato, impedir por meio da considerao analtica a continuaode seu efeito e, finalmente, ressequi-lo em "histria". nesse sentido vivemos aindana idade mdia, a histria sempre ainda uma teologia embuada: como, domesmo modo, o terror sagrado com que o leigo no-cientfico trata a casta cient-fica um terror sagrado herdado do clero. aquilo que se dava outrora igrejad-se agora, embora com mais parcimnia, cincia: mas, se se d, isso foi obraz2. igreja em outros tempos e no, somente agora, obra do esprito moderno, que,5 lembra-te que hs de morrer. (n. do e.) . .../. ,3 j, w r taas^ s r tcst *

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    consideraes extemporneasgadora dessa amoralidade fatual! ofende a moral, por exemplo, que um rafaeltenha tido de morrer com trinta e seis anos de idade: um tal ser no deveria mor-rer. se agora quereis vir em auxlio da histria, como apologista do fatual, direis:ele enunciou tudo o que estava nele, se vivesse mais s teria podido criar belezacomo beleza igual, no como beleza nova, e coisas semelhantes. assim sois os

    advogados do diabo, e justamente por fazerdes do sucedido, do fato, vosso dolo:enquanto o fato sempre estpido e em todos os tempos sempre teve aspecto maissemelhante a um bezerro do que a um deus. como apologistas da histria insufla-vos, alm disto, a ignorncia, pois somente por no saberdes o que uma natura".aturans1 tal como rafael no ficais acalorados ao perceber que ele foi e no sermais. sobre goethe, algum quis recentemente ensinar-nos que ele, com seusoitenta e dois anos, havia sobrevivido a si mesmo: e no entanto, por alguns anosdo goethe "sobrevivido", eu daria de bom grado vages inteiros cheios de frescasvidas ultramodernas, para ainda tomar parte em conversaes tais comogoethe as teve com eckermann, e para, dessa maneira, ficar protegido de todos osensinamentos contemporneos dos legionrios do instante. quo poucos vivostm, em geral, contrapostos a tais mortos, o direito de viver! se muitos vivem eaqueles poucos no vivem mais, isso no passa de uma verdade brutal, isto , de

    uma estupidez incorrigvel, de um rude "assim " contraposto moral "no deve-ria ser assim". sim, contraposto moral! pois que se fale de qual virtude se quei-ra, da justia, grandeza, bravura, da sabedoria e da paixo do homem por toda

    parte ele virtuoso por levantar-se contra aquela cega potncia dos fatos, contra3. tirania do efetivo, e por submeter-se a leis que no so as leis daquelas flutua-es histricas. ele sempre nada contra a correnteza da histria, seja quandocombate suas paixes como a mais prxima fatualidade estpida de sua existnciaou quando assume o dever da honestidade, enquanto a mentira urde ao seu redorsua rede cintilante. se, de modo geral, a histria no fosse nada mais do que o"sistema universal da paixo e do erro", o homem teria de ler nela assim comoioethe aconselha que se leia o werther: como se ela clamasse, "s um homem eno me sigas!" por felicidade, porm, ela guarda tambm a memria dos grandesque combateram contra a histria, isto , contra a potncia cega do efetivo, e colo-

    ca a si mesma no cadafalso, ao destacar precisamente aqueles como as naturezaspropriamente histricas, que pouco se afligem com o "assim ", para, em vezdisso, com sereno orgulho, seguirem seu "assim deve ser". no levar sua gerao10 tmulo, mas fundar uma nova gerao isto que os impele incansavelmente

    para diante: e se eles mesmos nasceram como retardatrios h um modo deviver que faz esquecer isto , as geraes vindouras s os conhecero comoorimcias.(...) de fato, est mais que no tempo de avanar contra os descaminhos doentido histrico, contra o desmedido gosto pelo processo, em detrimento do ser.1*ar-natureza naturantc (deus como causa). (n. do e.) ^..mn. ,_--.._-. -.,-, ..-.-..m

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    nietzschee da vida, contra o insensato deslocamento de todas as perspectivas, com todo o

    batalho de maldades satricas; e deve ser sempre dito em louvor do autor da filo-sofia do inconsciente* que ele foi o primeiro a conseguir sentir agudamente o rid-culo da representao do "processo universal" e, pela curiosa seriedade da suaexposio, fazer com que ele fosse sentido ainda mais agudamente. para que est

    a o "mundo", para que est a a "humanidade" isso por enquanto no devenos afligir, a no ser que queiramos fazer uma piada: pois o atrevimento dopequeno verme humano o que h de mais jocoso e de mais hilariante sobre opalco terrestre; mas para que tu, indivduo, ests a? isso te pergunto, e, se nin-gum te pode diz-lo, tenta apenas uma vez legitimar o sentido de tua existnciacomo que a posteriori, propondo tu a ti mesmo um fim, um alvo, um "para qu",um alto e nobre "para qu". morre por ele no conheo nenhuma finalidademelhor para a vida do que morrer pelo grandioso e pelo impossvel, animae rnag-naeprodigus.3 se, em contrapartida, as doutrinas do vir-a-ser soberano, da fluidezde todos os conceitos, tipos e espcies, da falta de toda diferena cardeal entrehomem e animal doutrinas que considero como verdadeiras, mas como mor-tais , no furor de instruo agora costumeiro, forem lanados ao povo aindadurante uma gerao, ningum deve admirar-se se o povo naufragar no egoistica-

    mente pequeno e msero, na ossificao e no amor-prprio, ou seja, se se desagre-gar e deixar de ser povo: em lugar disso, ento, talvez sistemas de egosmos indivi-duais, irmandades para fins de pilhagem contra os no-irmos, e semelhantescriaes de vulgaridade utilitria entraro em cena no palco do futuro. para pre-

    parar o caminho a-essas criaes, basta que se continue a escrever a histria doponto de vista das massas e a procurar nela aquelas leis que podem ser derivadasdas necessidades das massas, portanto as leis de movimento das mais baixascamadas de lama e de argila da sociedade. somente sob trs perspectivas as mas-sas me parecem merecer um olhar: uma vez, como cpias esmaecidas dos grandeshomens, impressas em mau papel e"com chapas gastas, em seguida como obst-culo contra os grandes e, enfim, como instrumentos dos grandes; de resto, leve-ao diabo e a estatstica! como, a estatstica prova que h leis na histria? leis?sim, ela prova como comum e repugnantemente uniforme a massa: devemos

    chamar de leis o efeito dessas foras de gravidade que so a estupidez, o arreme-do, o amor e a fome? ora, vamos admiti-lo, mas com isso tambm se estabelecea proposio: enquanto h leis na histria, as leis no valem nada e a histria novale nada. mas precisamente aquela espcie de histria que est agora universal-mente em apreo, aquela que toma os grandes impulsos de massas como o maisimportante e o principal na histria e considera todos os grandes homens apenascomo a expresso mais ntida, por assim dizer como as bolhas que se tornam vis-veis sobre a torrente das guas.(...)dward von hartmann, proslito de hegel, que nietzsche apresenta aqui. ironicamente, como um gei

    parodista que. nos caricatos enunciados de sua "spass-philosophie", nunca perde a compostura de umaverdadeira '"ernst-philosophie'". (n. do t.)9 que sacrifica a sua vida. (n. do e.) v3db .h>j[iit'i omoc tuagjatanurtn tor-

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    o s o ndoe c&isi&s gifgiii schopenhauer como educador(1874)esse foi o primeiro perigo sombra do qual schopenhauer cresceu: isola-mento. o segundo : desespero da verdade. este perigo acompanha todo pensadorque toma seu caminho a partir da filosofia kantiana, pressuposto que seja um

    homem vigoroso e inteiro no sofrer e desejar, e no apenas uma sacolejante m-quina de pensar e de calcular. mas sabemos todos muito bem que vergonhosa asituao, precisamente quanto a esse pressuposto; e at mesmo me parece, demodo geral, que somente em pouqussimos homens kant atuou vivamente e trans-formou sangue e seivas. alis, como se pode ler por toda parte, desde o feito dessetranqilo erudito deveria ter irrompido uma revoluo em todos os domnios doesprito; mas no posso acreditar nisso. pois no o vejo claramente em homensque antes de tudo teriam de ser eles mesmos revolucionados, antes que quaisquerdomnios inteiros pudessem s-lo. mas, to logo kant comece a exercer um efeito

    popular, ns o perceberemos na forma de um corrosivo e demolidor ceticismo erelativismo; e somente nos espritos mais ativos e mais nobres, que nunca agen-taram permanecer na dvida, apareceria, no lugar dela, aquele abalo e desesperode toda verdade, que foi vivido, por exemplo, por heinrich von kleist, como efeito

    da filosofia kantiana. "h pouco", escreve ele, certa vez. a seu modo cativante,"travei conhecimento com a filosofia kantiana, e agora tenho de comunicar-te umpensamento tirado dela, pois no posso temer que ele te abalar to profunda, todolorosamente quanto a mim. no podemos decidir se aquilo que denomi-namos verdade verdadeiramente verdade ou se apenas nos parece assim. se este ltimo, ento a verdade que juntamos aqui no mais nada depois da mortee todo esforo para adquirir um bem que nos siga at mesmo no tmulo vo. se a ponta desse pensamento no atinge teu corao, no sorrias de um outro quese sente profundamente ferido por ele, em seu ntimo mais sagrado. meu nico,meu supremo alvo foi a pique, e no tenho mais nenhum." sim, quando voltaroos homens a sentir dessa forma kleistiana, natural, quando reaprendero a mediro sentido de uma filosofia em seu "ntimo mais sagrado"? e no entanto isso necessrio antes que se possa avaliar o que pode ser, para ns, depois de kant,

    precisamente schopenhauer , ou seja, o guia que conduz, da caverna do des-nimo ctico ou da abstinncia crtica altura da considerao trgica, o cu

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    72_ "- :-;.. **^3!; nietzsche ,= - v^:l'-' ", >:: .noturno com suas estrelas sobre ns at o infinito, e que conduziu a si mesmo,como o primeiro, por esse caminho. essa sua grandeza: ter-se colocado em faceda imagem da vida como um todo. para interpret-la como todo; enquanto ascabeas mais perspicazes no podem libertar-se do erro de pensar que se chegamais perto dessa interpretao quando se investigam meticulosamente as cores

    com as quais, e a matria sobre a qual essa imagem est pintada; talvez chegandoao resultado de que uma tela de urdidura intrincadssima e, sobre ela, cores queso quimicamente insondveis. preciso adivinhar o pintor, para entender a ima-gem disso schopenhauer sabia. mas a corporao inteira de todas as cinciassaiu em campo para entender aquela tela e aquelas cores, mas no a imagem; e atmesmo se pode dizer que somente aquele que captou firmemente no olho a pinturauniversal da vida e da existncia se servir das cincias singulares sem dano

    prprio, pois sem uma tal imagem-de-conjunto reguladora elas so malhas quenunca conduzem ao fim e tornam o curso de nossa vida ainda mais confuso e labi-rntico. nisto, como foi dito, schopenhauer grande, em perseguir aquela imagemcomo hamlet persegue o esprito, sem se deixar distrair, como fazem os eruditos,ou ser emaranhado por uma escolstica conceituai, como o destino dos dial-ticos desenfreados. o estudo de todos os filsofos de compartimento s atraente

    por dar a conhecer que estes, no edifcio das grandes filosofias, encalham logonaqueles lugares onde permitido o pr e o contra em termos eruditos, onde per-mitido o cismar, duvidar, contradizer, e que com isso eles se furtam exigncia detoda grande filosofia, que, como um todo, sempre diz unicamente: esta a ima-gem de toda vida, aprende nela o sentido de tua vida. ou vice-versa: l tua vida eentende nela os hierglifos da vida universal.(...)o juzo dos antigos filsofos gregos sobre o valor da existncia diz to mais doque um juzo moderno porque eles tinham diante de si e em torno de si a vidamesma em uma exuberante perfeio e porque neles o sentimento do pensador nose confunde, como entre ns, no dilema entre o desejo de liberdade, beleza e gran-deza da vida e o impulso verdade, que pergunta somente: o que vale em geral aexistncia? permanece importante para todos os tempos saber o que empdocles,

    em meio ao mais vigoroso e ao mais efusivo prazer de viver da cultura grega,enunciou sobre a existncia; seu juzo pesa muito, tanto que nem um nico juzoem contrrio, de algum outro grande filsofo do mesmo grande tempo, o contra-diz. ele apenas fala com clareza maior, mas no fundo ou seja, para quem abreum pouco os ouvidos todos eles dizem o mesmo. um pensador moderno, comofoi dito, sempre sofrer de um desejo no cumprido: exigir que antes lhe mostremoutra vez vida, vida verdadeira, vermelha, sadia, para que ele ento emita sua sen-tena sobre ela. pelo menos para si mesmo, ele considerar necessrio ser umhomem vivo, antes de poder acreditar que pode ser um juiz justo. aqui est o fun-damento pelo qual os filsofos modernos esto precisamente entre os mais pode-rosos fomentadores da vida, da vontade de vida. e aspiram a sair de seu prpriotempo extenuado em direo a uma civilizao, a uma physis transfigurada. essaaspirao, entretanto, tambm seu perigo: neles combatem o reformador da vida

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    jr;;: consideraes extemporneas jle o filsofo, isto : o juiz da vida. seja qual for o lado para o qual se inclinea vitria, sempre uma vitria que encerrar em si uma perda. e como schope-nhauer escapou tambm a esse perigo? sqse todo grande homem chega a ser considerado, acima de tudo, precisamentecomo o filho autntico de seu tempo e, em todo caso, sofre de todas as suas maze-

    las com mais fora e mais sensibilidade do que todos os homens menores, entoo combate de um tal grande contra seu tempo , ao que parece, apenas um comba-te sem sentido e destrutivo contra si mesmo. mas, justamente, apenas ao que pare-ce; pois o que ele combate em seu tempo aquilo que o impede de ser grande, eisto para ele significa apenas: ser livre e inteiramente ele mesmo. disto se segueque sua hostilidade, no fundo, est dirigida precisamente contra aquilo que, porcerto, est nele mesmo, mas no propriamente ele mesmo, ou seja, a impuramescla e aproximao do incompatvel e do eternamente inconcilivel, contra afalsa solda do contemporneo com sua extemporaneidade; e, afinal, o supostofilho do tempo se mostra apenas como seu enteado. assim lutou schopenhauer, jdesde sua primeira juventude, contra aquela me falsa, vaidosa e indigna, otempo, e como que a expulsando de si purificou e curou seu ser e reencontrou-seem sua devida sade e pureza. por isso os escritos de schopenhauer podem ser

    usados como espelho do tempo; e com certeza no por um defeito do espelho senele tudo o que contemporneo se torna visvel como uma doena deformante,como magreza e palidez, como olheiras e caras abatidas, como as marcas visveisdo sofrimento daquela infncia de enteado. a aspirao por uma natureza maisforte, por uma humanidade mais sadia e mais simples, era nele uma aspirao porsi mesmo; e, logo que venceu o tempo em si mesmo, ele tinha de ver em si mesmo,com olhos espantados, o gnio. o segredo de seu ser foi-lhe agora revelado, o

    propsito daquela madrasta, o tempo, de esconder dele esse gnio, se tornou vo.o reino da physis transfigurada foi descoberto. se ele agora voltava seu olho deste-mido questo: "o que vale em geral a vida?" no tinha mais um tempoconfuso e empalidecido e uma vida hipocritamente sem clareza para condenar.e sabia bem que h algo ainda mais alto e mais puro nesta terra para encontrare para alcanar do que uma tal vida contempornea, e que amargamente injusto

    com a existncia todo aquele que s a conhece e avalia segundo essa feia figura.no, o gnio mesmo que chamado agora para dizer se pode talvez legitimar,como o fruto mais alto da vida, a vida em geral; o soberbo homem criador deveresponder pergunta: "afirmas ento, do fundo do corao, essa existncia? ela:e basta? queres ser seu porta-voz, seu redentor? pois basta um nico sim! ver-dadeiro de tua boca e a vida. to gravemente acusada, estar absolvida". o que responder ele? a resposta de empdocles. :(...) ^ittspfctoda filosofia que acredita removido ou at mesmo solucionado, atravs dejm acontecimento poltico, o problema da existncia uma filosofia de brinquedc

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    nietzschee uma pseudofilosofia. com muita freqncia, desde que h mundo, foram funda-dos estados; isso uma velha pea. como poderia uma inovao poltica bastar

    para fazer dos homens, de uma vez por todas, habitantes satisfeitos da terra?mas se algum acredita de todo corao que isso possvel, que se apresente: poismerece verdadeiramente tornar-se professor de filosofia em uma universidade

    alem, como harms em berlim, jrgen meyer em bonn e carrire em munique.st aqui vivemos, porm, as conseqncias dessa doutrina recentemente prega-da do alto de todos os telhados, de que o estado o alvo supremo da humanidadee de que no h para um homem nenhum dever superior ao de servir o estado:onde eu no reconheo uma recada no paganismo, mas sim na estupidez. podeser que um tal homem, que v no servio do estado seu supremo dever, efetiva-mente no conhea nenhum dever superior; mas por isso mesmo h ainda outroshomens e outros deveres e um desses deveres, que pelo menos para mim superior ao servio do estado, manda destruir a estupidez em todas as suas for-mas e, portanto, tambm essa estupidez. por isso ocupo-me aqui de uma espciede homens cuja teleologia leva um pouco alm do bem de um estado, os filso-fos, e mesmo desses somente em vista de um mundo que por sua vez bastanteindependente do bem do estado, o mundo da cultura. dos muitos anis que, entre-

    laados, constituem a comunidade humana, uns so de ouro e outros dee como v o filsofo a cultura em nosso tempo? muito diferente, sem dvida,daqueles'professores de filosofia contentes com seu estado. para ele quase comose percebesse os sintomas de uma total extirpaao e erradicao da cultura, quan-do pensa na pressa geral e na crescente velocidade da queda, na suspenso de todacontemplatividade e simplicidade. as guas da religio refluem e deixam para trs

    pntanos ou poas; as naes se separam outra vez com a maior das hostilidadese querem esquartejar-se. as cincias, praticadas sem nenhuma medida e no maiscego laissez faire, estilhaam-se e dissolvem toda crena firme; as classes cultas eos estados civilizados so varridos por uma economia monetria grandiosamentedesdenhosa. nunca o mundo foi mais mundo, nunca foi mais pobre em amor e

    bondade. as classes eruditas no so mais faris ou asilos, em meio a toda essaintranqilidade da mundanizao; elas mesmas se tornam dia a dia mais intran-

    qilas. mais desprovidas de pensamento e de amor. tudo est a servio da barb-rie que vem vindo, inclusive a arte e a cincia de agora. o homem culto degenerouno pior inimigo da cultura, pois quer negar com mentiras a doena geral e umempecilho para os mdicos.de fato, todas as ordenaes do homem so dispositivos montados para que avida. em uma contnua disperso de pensamentos, no seja pressentida. por quequer ele to fortemente o contrrio, ou seja, precisamente pressentir a vida, isto ,sofrer com a vida? porque nota que querem engan-lo acerca de si mesmo e queexiste uma espcie de conspirao para tir-lo furtivamente de sua prpria caver-na. ento ele se rebela, agua os ouvidos e decide: "quero continuar meu!" uma deciso pavorosa; s pouco a pouco ele compreende isso. pois agora ele pre-

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    consideraes extemporneascisa mergulhar na profundeza da existncia, com uma srie de perguntas inslitasnos lbios: por que vivo? que lio devo aprender da vida? como me torneiassim como sou e por que sofro ento com esse ser-assim? ele se atormenta: e vcomo ningum se atormenta assim, como, em vez disso, as mos de seus seme-lhantes esto apaixonadamente estendidas para os fantsticos eventos ostentados

    pelo teatro poltico ou como eles prprios se pavoneiam com cem mscaras, desfi-lando como jovens, homens, velhos, pais. cidados, padres, funcionrios, comer-ciantes, assiduamente atentos sua comdia comum e nunca a si mesmos. todoseles responderiam pergunta: para que vives? rapidamente e com orgulho:"para me tornar um bom cidado, ou erudito, ou comerciante" e no entantoso algo que nunca pode tornar-se algo outro, e por que so precisamente isso?ai. e nada melhor? quem entende sua vida apenas como um ponto no desenvolvi-mento de uma espcie ou de um estado ou de uma cincia e assim quer ser unica-mente parte integrante da histria do vir-a-ser. da histria, no entendeu a lioque lhe prope a existncia e tem de aprend-la mais uma vez. esse eterno vir-a-ser um mentiroso jogo de fantoches no qual o homem esquece de si mesmo, averdadeira disperso que desbarata o indivduo por todos os ventos, o infindvel;ogo de burla que essa grande criana, o tempo, joga diante de ns e conosco.

    aquele herosmo da veracidade consiste em deixar um dia de ser seu joguete. novir-a-ser tudo oco, enganoso, raso e digno de nosso desprezo; o enigma que o-ornem deve resolver, ele s pode resolv-lo a partir do ser, no ser assim e no ser; _;ro, no imperecvel. -agora ele comea a verificar o quo profundamente estirraigado ao vir-a-ser, o quo profundamente ao ser uma tarefa descomunalergue-se diante de sua alma: destruir tudo o que vem a ser, trazer luz tudo o quet falso nas coisas. tambm ele quer conhecer tudo, mas diferentemente do homem:*etheano, no por amor a uma nobre delicadeza, no para se preservar e exta-.::ar-se com a pluralidade das coisas; pois ele prprio a primeira vtima que ofe--rce em sacrifcio a-si mesmo. o homem herico despreza seu bem ou mal-estar,r_as virtudes e vcios e, em geral, medir as coisas medida de si mesmo, nada

    ais espera de si e quer ver todas as coisas at esse fundo sem esperana. suafora est em esquecer-se de si mesmo; e se ele pensa em si, mede a distncia de

    ?_a alta meta at si e como se visse um desprezvel monte de detritos atrs eiraixo de si. os pensadores antigos procuravam com todas as foras a felicidadet i verdade e nunca ningum encontrar o que obrigado a procurar, diz o-aldoso princpio da natureza. mas quem procura em tudo a inverdade e se asso-r.a livremente com a infelicidade, para este. talvez, est preparado um outro mila-ire da desiluso: algo indizvel, do qual felicidade e verdade so apenas imagenst meros dolos, acerca-se dele. a terra perde seu peso, os acontecimentos e potn-r.as do mundo se tornam sonhos e, como nas tardes de vero, se espraia em tornoz:t.t uma transfigurao. para aquele que contempla como se comeasse a acor-z2i e como se fossem apenas as nuvens de um sonho evanescente que brincassemnzda. em torno dele. tambm estas acabaro por dissipar-se: ento ser dia. *j

  • 7/22/2019 6987786 Friedrich Nietzche OS Pens Adores

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    nietzsche ?h(...) ^sah oeasimas, em suma, o que nos revelaram todas essas consideraes? que por toda

    parte onde, agora, a cultura parece promovida mais animadamente, no se sabenada desse alvo. por mais que o estado enfatize o que faz de meritrio pela cultu-ra, ele a promove para se promover e no concebe nenhum alvo que seja superior

    ao seu bem e sua existncia. o que os negociantes querem, quando exigem inces-santemente instruo e cultura, sempre, no final das contas, lucro. se os carentesde formas atribuem a si os trabalhos especficos pela cultura e pensam, por exem-

    plo, que toda arte lhes pertence e tem de estar a servio de sua carncia, isso sevidencia que eles afirmam a si mesmos ao afirmarem a cultura: que, portanto,nem mesmo eles superaram um mal-entendido. do erudito j falamos bastante.assim como so zelosas essas quatro potncias quando meditam entre si sobre amaneira de se beneficiarem com o auxlio da cultura, assim elas so apticas enegligentes quando esse seu interesse no est em jogo. e por isso as condies

    para o surgimento do gnio, no tempo moderno, no melhoraram, e a m vontadecontra o homem original aumentou em tal grau que scrates, entre ns, no teria

    podido viver e, em todo caso, no chegaria aos setenta anos.lembrarei agora aquilo que desenvolvi no terceiro captulo: como todo o

    nosso mundo moderno no parece consistente e duradouro o bastante para que sepossa profetizar, sequer ao seu conceito de cultura, uma subsistncia eterna.devemos at mesmo considerar como verossmil que o prximo milnio chegue aalgumas novas idias diante das quais os cabelos de todo aquele que vive hojeficariam em p. a crena em uma significao metafsica da cultura no seria, afi-nal, to apavorante: mas sim, talvez, algumas conseqncias que se poderiamtirar dela para a educao e o sistema escolar*8bs?tt preciso, sem dvida, uma meditao totalmente inslita para desviar oolhar dos atuais estabelecimentos de educao e volt-lo em direo a instituiescompletamente estranhas e de outra espcie, que talvez j a segunda ou terceiragerao achar necessri