67865-89296-1-PB.pdf

27
Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo v. 104 p. 449 - 475 jan./dez. 2009 A NATUREZA DOS BONS OFÍCIOS E DA MEDIAÇÃO THE NATURE OF GOOD OFFICES AND MEDIATION Salmo Caetano de Souza * Resumo: O presente artigo procura demonstrar que, muito embora os institutos internacionais dos Bons Ofícios e da Mediação sejam tratados normalmente pela doutrina e Convenções Internacionais e Regionais de forma relacionada e conjunta – dada a relação de proximidade entre ambos, além do fato de que, na prática, nem sempre é possível distinguir precisamente um do outro – todavia, cada um deles possui características próprias e, logo, uma nítida distinção, mas, também, uma complementaridade prática. Palavras-chave: Meios de solução pacífica de controvérsias. Carta da ONU de 1945, art. 33. Bons Ofícios. Mediação. Direito Internacional. Abstract: This paper delineates that although the international instruments of Good Offices and Mediation are usually treated by doctrine and International and Regional Conventions in a related and joint form – as the close relationship between them, besides the fact that practically it is not always possible to distinguish precisely one from another - however, each one has its own characteristics and thus a clear distinction, but also a complementary practice. Keywords: Means of pacific solution of controversies. ONU’s Constitution of 1945, article 33. Good Offices. Mediation. International Law. Introdução Os Bons Ofícios e a Mediação são dois institutos que fazem parte do método diplomático de trabalho para a solução pacífica de controvérsias entre Estados e que se caracterizam por sua índole “política” e “facultativa”. São meios “político-diplomáticos” de solução de litígios interestatais, porque estes não estão preocupados com a aplicação a priori da norma pré-existente, seja ela de caráter histórico ou jurídico ou a ser feita, mas, sim, em forjar 2 uma solução satisfatória, 1 Este tema foi desenvolvido a propósito de nossa tese, intitulada “A Mediação da Santa Sé na Questão do Canal de Beagle: um conflito de soberania marítima entre Argentina e Chile”, para a obtenção do título de Doutor em Direito Internacional, apresentada, com sucesso, em outubro de 2004, ao Departamento de Direito Internacional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), sob a orientação do professor Dr. Guido Fernando Silva Soares, já de feliz memória, razão pela qual o leitor perceberá um certo referimento da mencionada tese ao longo do presente artigo. * Professor Doutor em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutro em Direito Canônico pela Universidade Santo Tomás de Aquino de Roma (Angelicum). Professor E coordenador do curso de Direito da Faculdade Zumbi dos Palmares. É sacerdote da Igreja Católica em Palmares-PE. 2 No sentido de inventar, fabricar, criar uma solução nova, porém justa e honrosa para as partes no caso em

Transcript of 67865-89296-1-PB.pdf

  • Revista da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo v. 104 p. 449 - 475 jan./dez. 2009

    A NATUREZA DOS BONS OFCIOS E DA MEDIAO

    The naTURe oF gooD oFFiceS anD meDiaTion

    Salmo Caetano de Souza*

    Resumo:o presente artigo procura demonstrar que, muito embora os institutos internacionais dos Bons ofcios e da mediao sejam tratados normalmente pela doutrina e convenes internacionais e Regionais de forma relacionada e conjunta dada a relao de proximidade entre ambos, alm do fato de que, na prtica, nem sempre possvel distinguir precisamente um do outro todavia, cada um deles possui caractersticas prprias e, logo, uma ntida distino, mas, tambm, uma complementaridade prtica.

    Palavras-chave: Meios de soluo pacfica de controvrsias. Carta da ONU de 1945, art. 33. Bons ofcios. mediao. Direito internacional.

    abstract:This paper delineates that although the international instruments of Good Offices and mediation are usually treated by doctrine and international and Regional conventions in a related and joint form as the close relationship between them, besides the fact that practically it is not always possible to distinguish precisely one from another - however, each one has its own characteristics and thus a clear distinction, but also a complementary practice.

    Keywords: Means of pacific solution of controversies. ONUs Constitution of 1945, article 33. Good Offices. Mediation. International Law.

    introduo

    os Bons ofcios e a mediao so dois institutos que fazem parte do mtodo diplomtico de trabalho para a soluo pacfica de controvrsias entre Estados e que se

    caracterizam por sua ndole poltica e facultativa.So meios poltico-diplomticos de soluo de litgios interestatais, porque

    estes no esto preocupados com a aplicao a priori da norma pr-existente, seja ela de carter histrico ou jurdico ou a ser feita, mas, sim, em forjar2 uma soluo satisfatria,

    1 este tema foi desenvolvido a propsito de nossa tese, intitulada a mediao da Santa S na Questo do Canal de Beagle: um conflito de soberania martima entre Argentina e Chile, para a obteno do ttulo de Doutor em Direito internacional, apresentada, com sucesso, em outubro de 2004, ao Departamento de Direito internacional da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo (USP), sob a orientao do professor Dr. guido Fernando Silva Soares, j de feliz memria, razo pela qual o leitor perceber um certo referimento da mencionada tese ao longo do presente artigo.

    * Professor Doutor em Direito internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo. Doutro em Direito cannico pela Universidade Santo Toms de aquino de Roma (Angelicum). Professor e coordenador do curso de Direito da Faculdade Zumbi dos Palmares. sacerdote da igreja catlica em Palmares-Pe.

    2 no sentido de inventar, fabricar, criar uma soluo nova, porm justa e honrosa para as partes no caso em

  • Revista da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo v. 104 p. 449 - 475 jan./dez. 2009

    450 Salmo Caetano de Souza

    justa e honrosa para a questo litigiosa.3 So meios facultativo-diplomticos porque estes no se apresentam ao final das negociaes com uma frmula ou uma sentena de soluo

    de natureza impositiva, como, por exemplo, numa sentena arbitral ou judicial para as partes, mas, sim, como uma proposta de soluo em forma de conselho ou de exortao dirigida s partes, com o objetivo de eliminar as divergncias e superar os obstculos entre elas, bem como descobrir pontos de concrdia entre as mesmas, convidando-as a adotarem-na como prpria, visando, com isso, alcanar o maior bem geral para cada uma delas.4

    Foram exatamente esses aspectos polticos e facultativos diplomticos dos Bons ofcios e da mediao que possibilitaram ao Papa Joo Paulo ii forjar uma soluo honrosa e justa para um litgio internacional centenrio e de difcil soluo entre o chile e a argentina, denominado a Questo do canal de Beagle,5 que, com grande sucesso, aquele Papa conseguiu resolver pacificamente, atravs do Tratado de Paz e Amizade entre

    chile e argentina de 29 de novembro de 1984.isso mostra, concretamente, como o re-estudo desses dois meios de

    soluo pacfica de controvrsias entre Estados se reapresenta relevante como ferramenta

    diplomtica extremamente saudvel para a soluo pacfica de tantos litgios internacionais

    dos nossos tempos, ainda sem soluo. Para evitar que os mesmos sejam resolvidos de forma violenta, ou seja, atravs da guerra, mister se faz o emprego dos referidos Bons ofcios e mediao, que possibilitam a superao do litgio internacional de forma criativa, justa, honrosa e pacfica entre as partes, afastando assim, definitivamente, o espectro da

    guerra.

    1. a natureza dos Bons ofcios

    os bons ofcios constituem forma bastante antiga e desde h muito reconhecida pelo Direito internacional, enquanto norma positivao (ius inscriptum)

    concreto.3 SoaReS, guido Fernando Silva. Curso de direito internacional pblico. So Paulo: atlas, 2002. v. 1, p.

    14.4 BenaDaVa, S. Recuerdos de la Mediacin Pontifica entre Chile y Argentina. (1978-1985). Santiago de

    chile: ed. Universitria, 1999. p. 61: La mediacin por lo tanto no se tipifica como una forma de imposicin, sino como una forma de sugerencia, de consejo de exhortacin y de propuestas dirigidas a eliminar ias divergncias a superar los obstculos a descubrir puntos de concrdia, que representen a las Partes, invitndolas a que los hagan propios con la finalidad de conseguir al trmino de la mediacin - el mayor bien general que, por lo mismo, representar tambin el bien de cada una de las Partes.

    5 como, alis, foi tratado por ns em nossa tese doutoral em Direito internacional, j antes referida. geralmente, este instituto tratado sempre junto com a mediao, pela proximidade de relao existente entre

    os dois. Para aprofundamento do tema, veja: STone, J. Legal controls of International conflict: a treatise of the dynamics of disputes and war law. Londres: [s.n.], 1954. p. 68; MIAJA DE LA MUELA, A. Solucin de diferencias internacionales (mdios polticos y arbitraje) in: cURSoS y conferncias de la escuela de

  • Revista da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo v. 104 p. 449 - 475 jan./dez. 2009

    A natureza dos bons ofcios e da mediao 451

    mais recente. nesse sentido, existem os seguintes documentos internacionais sobre bons ofcios:7

    1.1. Declarao de Paris de 1 de abril de 1858

    esta declarao sobre princpios de direito martimo emitiu um simples voto sobre bons ofcios. em nota datada de 18 de maro de 1857, relativa adeso do Brasil a essa declarao, dizia o ento ministro de negcios estrangeiros conselheiro Paranhos (Baro do Rio Branco):

    compartilhando em toda a sua extenso os princpios para cuja adeso foi convidado, o governo imperial acompanha igualmente as potncias signatrias do Tratado de Paris, no voto que fazem para que, nas dissenses internacionais, sempre que as circunstncias o permitam, antes de lanar mo das armas, se recorra aos bons ofcios de uma nao amiga.9

    1.2. conferncias de Paz de haia de 1899 e 1907

    nestas conferncias, os institutos dos bons ofcios e da mediao passaram a figurar nas respectivas Convenes, relativas soluo pacfica dos conflitos internacionais,

    nos arts. 2 a 8 dos quais citamos apenas os seguintes, que se referem especificamente recomendao do emprego dessas duas medidas:

    Art. 2 Em caso de divergncia grave ou de conflito, antes de pegar em armas, s potncias contratantes convm em recorrer, tanto quanto o permitam as circunstncias, aos bons ofcios ou mediao de uma ou mais potncias amigas.

    art. 3 independentemente desse recurso, as potncias contratantes julgam til e conveniente que uma ou mais potncias estranhas ao conflito ofeream, por iniciativa prpria, se as circunstncias o permitirem, seus bons ofcios ou sua mediao aos Estados em conflito. O direito de oferecer os bons ofcios ou a mediao pertence s potncias estranhas ao conflito, at durante o transcurso das hostilidades. O uso

    Funcionrios Internacionales. Madrid, [s.n.], 1956-1957. t. 2, p. 180 ss.; BARADON, H. Some views on international mediation. In: INTERNATIONAL problems. [s.L.]: [s.n.], 1971. n. 1 e 2, p. 63 ss.; OTT, M. C. Mediation as a method of conflict resolution: two cases. International Organization, p. 595 e ss., 1972.

    7 at o presente momento dessa nossa pesquisa, no encontramos outras fontes que versam sobre os bons ofcios, a no ser as que relacionamos a seguir.

    8 ACCIOLY, H. Tratado de direito internacional pblico. Rio de Janeiro: [s.n.], 1957. v. 3, p. 10-11.9 id. ibid., p. 10.

  • Revista da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo v. 104 p. 449 - 475 jan./dez. 2009

    452 Salmo Caetano de Souza

    desse direito jamais poder ser considerado como ato pouco amistoso, por qualquer das partes em litgio.

    1.3. Tratado interamericano sobre bons ofcios e mediao de Buenos aires de 193

    esse Tratado merece especial ateno por dois motivos: primeiro, porque se trata de uma iniciativa da delegao brasileira Conferncia Interamericana de Consolidao da Paz; segundo, porque esse ato apresentou uma inovao em tal assunto, no sentido de que determinou a organizao prvia de uma lista de cidados, a cujos bons ofcios ou mediao as partes contratantes podero recorrer, quando, entre elas, surja uma controvrsia que no possa ser resolvida pelos meios diplomticos usuais. Para a constituio de tal lista, que ficou a cargo da Unio Panamericana, cada governo contratante

    deve nomear dois dos seus cidados, escolhidos entre os mais eminentes por suas virtudes e por seu saber jurdico. Na hiptese de recurso a esse mtodo pacfico, os paises litigantes

    comprometeram-se a escolher, de comum acordo, para as funes previstas no tratado (bons ofcios ou mediao), um dos componentes da lista. Se no h acordo na escolha, cada litigante indicar um dos componentes da lista e os dois cidados assim indicados escolhero um terceiro, que desempenhar, ento, as referidas funes. em qualquer dos casos, o escolhido fixar um prazo, entre trs e seis meses, para que os litigantes cheguem

    a alguma soluo pacfica. Expirado o prazo sem que se alcance tal soluo, a controvrsia

    ser submetida ao processo de conciliao, previsto nas convenes interamericanas vigentes.10

    1.4. a carta da onU de 194511

    O Captulo VI desse documento trata da Soluo Pacifica de Controvrsia,

    no seu art. 33, sem, contudo, enumerar no rol dos meios de solues de litgios os Bons ofcios.12 entretanto, o emprego desse instrumento de soluo de contendas internacionais, antes de ser positivado nos sculos XiX e XX, atravs de instrumentos universais e

    10 ACCIOLY, H. Tratado de direito internacional pblico. Rio de Janeiro: [s.n.], 1957. v. 3, p. 10-11.11 RANGEL, Vicente Marotta. Direito e relaes internacionais. 7. ed. rev. atual. e ampl. So Paulo: Revista dos

    Tribunais, 2002. p. 36: no Pacto da Liga das Naes, esse mesmo tema era tratado nos arts. 17-17; na Carta das Organizaes dos Estados Americanos (OEA) de 1948, no Captulo IV; na Conveno Europia para a Soluo Pacfica dos Litgios de 1957; na Carta da Organizao para a Unidade Africana (OUA) de 1968, art. XiX.

    12 Carta das Naes Unidas, Captulo VI (Soluo pacfica de Controvrsias), art. 33: As partes em uma controvrsia que possa vir a constituir uma ameaa paz e segurana internacionais, procuraro, antes de tudo, chegar a uma soluo por negociao, inqurito, mediao, conciliao, arbitragem, soluo judicial, recursos a entidades ou acordos regionais, ou a qualquer outro meio pacfico sua escolha : Cf, RANGEL, V. m. Direitos e relaes... p. 47.

  • Revista da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo v. 104 p. 449 - 475 jan./dez. 2009

    A natureza dos bons ofcios e da mediao 453

    regionais, j era regido desde tempos imemoriveis pelos usos e costumes internacionais, sobretudo pela Diplomacia da Santa S, como, alis, foi demonstrado no captulo ii. nesse sentido, afirma Guido Fernando Silva Soares:

    a carta da onU no menciona os bons ofcios, que, no entanto, so procedimentos antigos e consagrados pelos usos e costumes internacionais.13

    1.5. o Pacto de Bogot de 1948

    o Tratado interamericano sobre Bons ofcios e mediao, de 23 de dezembro de 193, assinado em Buenos aires, bem como vrios outros sobre mtodos pacficos, celebrados em conferncias interamericanas, deixaram de vigorar com o Pacto de Bogot de 1948, que, porm, passou a vigorar em fins de 1956, entre nove das vinte e uma Repblicas americanas.

    O Pacto de Bogot de 1948 importante, porque define o mtodo de bons

    ofcios no seu art. 9, como sendo:

    ... a tentativa - por um ou mais cidados eminentes de qualquer estado americano que no participe da controvrsia - no sentido de aproximar as partes de modo que lhes torne possvel alcanar entre si uma soluo adequada.14

    a histria diplomtica internacional e brasileira registra inumerveis exemplos de soluo dos conflitos internacionais por meio dos Bons Ofcios.15

    1.6. A definio de Bons Ofcios segundo a doutrina: alguns exemplos

    Para hildebrando accioly, os Bons ofcios consistem:

    ... na tentativa amistosa de uma terceira potncia, ou de vrias potncias, no sentido de levar estados litigantes a se porem de acordo. os bons ofcios podem ser oferecidos pelo estado ou estados que procuram conciliar os que se acham em divergncia e podem ser solicitados por qualquer destes ou por ambos. o estado que os oferece ou que aceita a solicitao de interp-los no toma parte nas negociaes,

    13 SOARES, Guido Fernando Silva. op. cit, p. 167; Id. Soluo e preveno de litgios internacionais. In: MERCADANTE, A.; MAGALHES, J. C. (Coords.). So Paulo: Livraria do Advogado, 1999. v. 2, p. 22.

    14 ACCIOLY, H. op. cit., p. 11: A submisso da controvrsia a um ou mais governos americanos no partes na controvrsia, ou a um ou mais cidados eminentes de qualquer estado americano que no participe da controvrsia - para o fim de assistncia s partes na soluo da controvrsia, pelo modo mais simples e mais direto.

    15 Para aprofundamento, consulte ACCIOLY, H. Tratado... p. 11-1.

  • Revista da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo v. 104 p. 449 - 475 jan./dez. 2009

    454 Salmo Caetano de Souza

    nem no acordo a que possam chegar os litigantes. a oferta de bons ofcios, por terceira ou terceiras potncias, da mesma forma que a recusa de aceitao dos mesmos, por parte de um dos litigantes ou de ambos, no constituem ato pouco amistoso. assim, tambm, no deve ser considerado como ato no amistoso a recusa, por parte de terceira potncia, solicitao dos seus bons ofcios, ou a de sua aceitao, ou, ainda, a de sua interposio amistosa, pode decorrer de compromisso anterior assumido em tratado ou conveno.1

    no entendimento de celso D. albuquerque mello, os Bons ofcios podem ser definidos como:

    ... as demarches e os atos por meio dos quais uma terceira potncia procura aplainar e abrir a via s negociaes das partes interessadas ou de reatar as negociaes que foram rompidas (Hoijer).17

    Dominique Carreau, por sua vez, define os Bons Ofcios da seguinte

    forma:

    Trata-se de uma situao na qual a interveno de uma ou de terceiras potncias ser discreta, a mais sutil no plano qualitativo. a potncia terceira vai propor, geralmente, aos Estados Litigantes exercer seus bons ofcios, isto , fazer o papel de intrometido, vale dizer, de um intermedirio honesto, a fim de possibilitar as partes de se encontrarem e, assim, resolverem amigavelmente a disputa.18

    na sntese felicssima de maurice arbour, os bons ofcios:

    ...visam essencialmente a propor uma base de negociaes(...).19

    Segue o pensamento de Benadava:

    ...os Bons ofcios consistem quase sempre no oferecimento de ajuda espontnea s partes em controvrsia com toda a liberdade, sem normas de procedimentos.20

    1 ACCIOLY, H. Tratado... p. 9.17 MELLO, C. D. A. Curso de direito internacional pblico. Rio de Janeiro; So Paulo: Renovar, 2000. v. 2, p.

    1.34.18 caRReaU, D. Droit International. Paris: Pedone, [s.d.]. p. 538-539: II sagit l dune situation ou

    rintervention de ia ou des puissances tierces sera la plus lgre, la plus faible sur le plan qualitatif. La puissance tierce va, en gnral, proposer aux Etats en litige d exercer ses bons offices, c est--dire de jouer le rle d entremetteur, d honnte intermediaire pour leur permettre de se rencontrer et ainsi de rgler Vamiable leur differend.

    19 aRBoUR, m. Droit international public. 3. ed. Quebec: Les ditions, Yvon Blais, 1997. In: SOARES, guido Fernando Silva. curso de direito... v. 1, p. 17.

    20 cf. BenaDaVa, S. Los ttulos de Chile en la mediacin de la Santa Sede sobre la zona austral: estdios.

  • Revista da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo v. 104 p. 449 - 475 jan./dez. 2009

    A natureza dos bons ofcios e da mediao 455

    Segundo guido Fernando Silva Soares, os Bons ofcios:

    ...so procedimentos de resolues de litgios por terceiros, segundo os quais estados, organizaes internacionais e mesmo indivduos, no partes numa controvrsia, oferecem, por iniciativa prpria ou a pedido de uma das partes na controvrsia, sua intervenincia, a concordncia dos estados-partes na controvrsia. os Bons ofcios visam a evitar-se a deteriorao de uma situao e preparar o terreno para outras modalidades de solues de litgios.21

    guido Fernando Silva Soares chama a ateno, contudo, para:

    ...os contornos muito prximos entre os procedimentos dos Bons ofcios e os da mediao.22

    Em uma outra obra sua, Guido Fernando Silva Soares define Bons Ofcios

    com estas palavras:

    (...) Se bem que haja risco calculado de recusa ou mesmo de acusao de intervir em negcios internos de outros estados, os bons ofcios representam a declarao informal do interesse de estado ou de organizao intergovernamental, na soluo de litgio havido entre terceiros (...) o elemento determinante e, de certa forma, catalisador para o incio de eventuais negociaes entre litigantes.23

    assim para guido Fernando Silva Soares, as principais nuances dos Bons ofcios so as seguintes:

    a) trata-se do oferecimento com pedido de resoluo por um terceiros (Estado, organizao internacional, indivduos) de um litgio entre duas partes;

    b) visa impedir a deteriorao de uma situao j em impasse;

    c) um primeiro passo para outras modalidades de soluo de litgios;

    d) existem contornos muito prximos entre os procedimentos dos Bons ofcios da mediao.

    Quando chegou a Buenos aires, em conversa com os jornalistas, o cardeal Samor disse:

    Santiago-chile: Sociedad chilena de Derecho internacional, 1990. p. 1-2.21 Cf. SOARES, Guido Fernando Silva. In: MERCADANTE, A.; MAGALHES, J. C. (Coord.). Soluo e

    preveno de litgios internacionais. So Paulo: Livraria do Advogado, 1999. v. 2, p. 23.22 cf. id. ibid.23 SoaReS, guido Fernando Silva. Curso de direito internacional pblico. So Paulo: atlas, 2002. v. 1, p.

    17.

  • Revista da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo v. 104 p. 449 - 475 jan./dez. 2009

    45 Salmo Caetano de Souza

    no vim nem como rbitro, nem como mediador. Vim antes de tudo, para reconstruir uma atmosfera de confiana entre as partes.24

    Portanto, destas palavras de Sua eminncia, o que caracteriza sua misso na interveno da Santa S no Conflito de Beagle, nesse primeiro momento (Bons Ofcios),

    a reconstruo de uma atmosfera de confiana entre as partes. Ou seja: preservar para

    ambas as partes um clima mnimo de cordialidade, capaz de servir de base para ampliar as relaes, em vista da superao do presente litgio.25 e essa a essncia dos Bons ofcios.

    em Roma, antes de embarcar para Buenos aires, o prprio cardeal Samor combinou, em conversa com seus auxiliares, monsenhor Sains e cavalli, antes de embarcar para Buenos aires, que:

    os esforos imediatos de sua atuao consistiriam em manter o status quo entre ambos os pases, excluir o uso da fora, retomar o dilogo e encaminhas as partes para conseguirem um acordo.2

    Parece que a diferena entre um e outro instituto, afirma Guido Fernando

    Silva Soares, consiste no pedido formal (mediao) por um ou ambos os litigantes a um terceiro estado para agir enquanto mediador.27

    no caso em tela, esse pedido formal do chile e da argentina para ao de mediao da Santa S consistiu no acordo i28 de montevidu (8 de Janeiro de 1979), pelo qual ambas as partes solicitaram que o Papa Joo Paulo ii atuasse:

    ...como mediador com a finalidade de gui-los nas negociaes e assisti-los na soluo do litgio e declararam, ainda, sua boa disposio para considerar as idias que a

    24 BenaDaVa, S. Los ttulos de Chile en la mediacin de la Santa Sede sobre la zona austral: estdios. Santiago-Chile: Sociedad Chilena de Derecho Internacional, 1990. p. 48: Les expres que no vena ni como rbrito ni como mediador. Vena primero que todo a reconstruir una atmsfera de confianza entre las Partes.

    25 BRUNO, J. L. Mediaciones papales en la historia. Montevido: Ministerio de Relaciones Exteriores, 1981. p. 48: (...) pero preserva para ellas ese mnimo de cordialidad que aparte de ser algo muy distinto del conflicto abierto, podr servir de base para ampliar las relaciones el da pro ahora imprevisible en que el diferendo austral resulta superable.

    2 BenaDaVa, S. op. cit., p. 48: adems, Samor intercambi ideas con sus acompaantes sbre el objetivo a que deberan dirigir sus esfurzos inmediatos. convinieron en que este objetivo deba tender a mantener el status que entre ambos pases, excluir el uso de la furza, reanudar el dilogo y encaminar a las Partes hacia la bsqueda de un arreglo.

    27 id. loc. cit.28 Quanto ao acordo de montevidu ii, ambas as partes assumiram um trplice compromisso: no recorrer

    fora em suas relaes mtuas; realizar um retorne gradual situao existente em princpios de 1977; e, por ltimo, abster-se de adotar medidas que pudessem alterar a harmonia em qualquer setor.

  • Revista da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo v. 104 p. 449 - 475 jan./dez. 2009

    A natureza dos bons ofcios e da mediao 457

    Santa S pudesse expressar para contribuir para um acordo pacfico aceitvel para as partes.29

    2. a natureza da mediao

    Dado que esse assunto tratado normalmente relacionado e conjuntamente com os Bons ofcios, repetiremos, de propsito, no que for necessrio, os documentos j elencados sobre os Bons ofcios. Preferimos tratar os dois temas separadamente para, em seguida, estabelecermos as diferenas entre os mesmos, ainda que correndo o risco de sermos repetitivos.

    assim como os Bons ofcios, as fontes normativas da mediao se encontram, na maior parte e desde os tempos mais antigos, nos usos e costumes internacionais. Tambm aqui a diplomacia da Santa S precursora nesse sentido, a partir dos sculos iV-V.

    Todavia, esse instituto de soluo pacfica das controvrsias foi positivado

    em alguns tratados internacionais, universais e regionais, os quais passamos a elencar os principais.

    2.1. Pacto da Liga das Naes

    nos seus arts. 12, 13, 15 e 17, a assemblia prev o recurso mediao como meio de soluo de conflitos. E, no art. 15, a mediao indicada, alis, como

    meio obrigatrio nas controvrsias suscetveis de produzir ruptura e no submetidas arbitragem ou soluo judiciria.30

    2.2. conferncias de Paz de haia, de 1899 e 1907

    os arts. 2 a 8 de ambas referem-se mediao e Bons ofcios, j tratados antes:

    art. 4. o papel de mediador consiste em conciliar as pretenses opostas e apagar os ressentimentos que se tenham produzido entre os Estados em conflito.31

    29 BenaDaVa, S. Los ttulos de Chile en la mediacin de la Santa Sede sobre la zona austral: estdios. Santiago-chile: Sociedad chilena de Derecho internacional, 1990. p. 55: En el acuerdo I ambas as Partes acordaban solicitar al Papa Juan Pablo II que actu como mediador con la finalidad de quiarlos en las negociaciones y asistirlos en la solucin del diferendo y declaraban su buena disposicin para considerar las ideas que la Santa Sede pudiera expresar para contribuir a un arreglo pacfico aceptable para ambas Partes.

    30 ACCIOLY, H. Tratado... p. 17.31 ACCIOLY, H. Tratado... op. cit, p. 10.

  • Revista da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo v. 104 p. 449 - 475 jan./dez. 2009

    458 Salmo Caetano de Souza

    2.3. Tratado interamericano sobre Bons ofcios e mediao de 193

    no dia 23 de dezembro de 193, por iniciativa da delegao brasileira conferncia interamericana de consolidao da Paz, esse documento inovou, determinando em tal assunto a organizao prvia de uma lista de cidados a cuja mediao (ou Bons ofcios) as partes contratantes poderiam recorrer, quando entre elas surgisse uma controvrsia que no pudesse ser resolvida pelos meios diplomticos usuais.

    Para a constituio de tal lista, que ficou a cargo da Unio Panamericana,

    cada governo contratante deveria nomear dois dos seus cidados, escolhidos entre os mais eminentes por suas virtudes e por seu saber jurdico.

    Na hiptese de recurso a esse mtodo pacfico, os pases litigantes

    comprometeram-se a escolher, de comum acordo, para as funes previstas no Tratado (mediao ou Bons ofcios), um dos componentes da lista. Se no houver acordo na escolha, cada litigante indicar um dos componentes da lista e os dois cidados assim indicados escolhero um terceiro, que desempenhar, ento, as referidas funes.

    Em qualquer dos casos, o escolhido fixar um prazo, entre trs e seis meses,

    para que os litigantes cheguem a alguma soluo pacfica. Expirado o prazo sem que

    se alcance tal soluo, a controvrsia ser submetida ao processo de conciliao nas convenes interamericanas vigentes.32

    2 .4 . o Pacto de Bogot de 1948

    O Pacto de Bogot de 1948 importante, porque define o mtodo da

    mediao no seu art. 11, como sendo:

    ...a submisso da controvrsia a um ou mais governos americanos no partes na controvrsia, ou a um ou mais cidados eminentes de qualquer estado americano que no participe da controvrsia.33

    2 .5 . carta da onU de 1945

    O Captulo VI da Carta da ONU, denominado de Soluo Pacfica de

    Controvrsia, no seu art. 33, elenca o rol dos principais meios de soluo pacfica de

    litgios, dentre os quais a mediao:

    32 id. ibid., p. 11.33 id. ibid.

  • Revista da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo v. 104 p. 449 - 475 jan./dez. 2009

    A natureza dos bons ofcios e da mediao 459

    as partes em uma controvrsia que possa vir a constituir uma ameaa paz e segurana internacionais, procuraro, antes de tudo, chegar a uma soluo por negociao, inqurito, mediao, conciliao, arbitragem, soluo judicial, recursos a entidades ou acordos regionais, ou a qualquer outro meio pacfico sua escolha.34

    2.6. Definio de mediao, segundo a doutrina: alguns exemplos

    hildebrando accioly entende que mediao :

    ...o ato pelo qual um ou mais estados se fazem intermedirios oficiais de uma negociao, para a soluo pacfica de um litgio entre outros estados. e uma tentativa de ajuste por intermdio de um amigo comum, que procura e prope uma formulao de acordo.35

    Dominique Carreau afirma que a mediao pressupe uma implicao sensivelmente maior da terceira potncia, no sentido de que essa deve propor as bases de um acordo para o litgio, participando diretamente das negociaes entre as partes em conflito.3

    Celso D. de Albuquerque Mello assume a definio de Hoijer sobre mediao

    nos seguintes termos:

    ato pelo qual um ou vrios estados, seja a pedido das partes em litgio, seja por sua prpria iniciativa, aceitam livremente, seja por conseqncia de estipulaes anteriores, se fazerem intermedirios oficiais de uma negociao com a finalidade de resolver pacificamente um litgio, que surgiu entre dois ou mais estados.37

    maurice arbour sintetiza o conceito de mediao nos seguintes termos:

    (...) visa antes a propor uma base de um acordo, uma frmula de entendimento.38

    Santiago Benadava retrata a definio da natureza da funo mediadora,

    recordada pelo cardeal Samor no dia 12 de dezembro, em reunio conjunta das delegaes do chile e da argentina bem no incio da mediao:

    34 Carta das Naes Unidas, Captulo VI (Soluo pacfica de Controvrsias), art. 33.35 ACCIOLY, H. Tratado... p. 1.3 CARREAU, D. op. cit, p. 357: La mdiation entraine une implication sensiblement plus grande du tiers.

    Celuici est alors amen proposer les bases dun reglement du litige et il va lui mme participer aux ngociations entre les adversaires.

    37 MELLO, C. D. A. op. cit, p. 1346.38 aRBoUR, m. op. cit., p. 17.

  • Revista da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo v. 104 p. 449 - 475 jan./dez. 2009

    40 Salmo Caetano de Souza

    a mediao ao que solicita geralmente as partes em controvrsia, as quais recorrem a uma terceira pessoa, amiga de ambas, para que atue entre elas; o mediador exerce sua atividade entre as duas partes, desejando e procurando aproxim-las, procurando levar suas posies iniciais a uma convergncia; conciliando at alcanar um entendimento.

    A Mediao, assim, no se tipifica como uma forma de imposio, seno como uma forma de sugesto, de conselho, de exortao e de propostas dirigidas eliminao das divergncias, superao dos obstculos, descoberta de pontos de concrdia que se apresentem s partes, convidando-as a faz-los prprios, com a finalidade de conseguir ao final da Mediao o maior bem que, por si mesmo, representar tambm o bem de cada uma das partes. No final da Mediao, na verdade, no se pode nunca falar de vencedores e vencidos. no existem. aqueles que tinham uma controvrsia, uma disputa, no final da mesma apertam-se fraternalmente as mos, convencidos de que seus eventuais sacrifcios valem a pena, porque constituem o preo razovel de flegos muito superiores.39

    Segundo Benadava, a mediao composta pelos seguintes elementos:1. inicia-se com um pedido das partes em litgio a uma terceira pessoa,

    amiga de ambas, para que atue entre elas;

    2. o mediador visa um entendimento entre as partes, evidenciando as convergncias e eliminando as divergncias entre as mesmas;

    3. a mediao essencialmente uma sugesto, conselho, exortao, atravs de uma proposta concreta do mediador em vista do maior bem das partes.

    4. no final da mediao, prevalece o bem maior alcanado pelas partes.

    Segundo o cardeal Samor, o que caracteriza a mediao so os seguintes pontos:

    1) no se trata de negociaes diretas (bilaterais e multilaterais);

    39 BenaDaVa, S. Los ttulos de Chile en la mediacin de la Santa Sede sobre la zona austral, op. cit., p. 61: [La] mediacin es la accin que solicitan generalmente las Partes en controvrsia, las cuales acuden a una tercera persona, amigo de ambas, para que acte en mdio de ellas; el mediador ejerce su actividad entre las dos Partes, deseando e intentan do aproximarlas, procurando llevar sus posturas iniciales hacia una convergncia; conciliando hasta alcanzar un entendimiento.

    La mediacin, por lo tanto, no se tipifica como una forma de imposicin, sino como una forma de sugerencia, de consejo, de exhortacin y de propuestas dirigidas a eliminar ias divergncias, a superar los obstculos, a descubrir puntos de concrdia, que se presenten a las Partes, invitndolas a que los hagan propios, con la finalidad de conseguir - al termino de la mediacin - el mayor bien general que, por lo mismo, representara tambin el bien de cada una de las Partes. al trmino de la mediacin, en efecto, no se puede jams hablar de vencedores y vencidos. No los puede haber. Quienes tenan una controvrsia, un diferendo, al final de ella se estrechan fraternalmente ias manos, convencidos de que sus posibles sacrifcios valen la pena porque constituyen elprecio razonable de ventajas muy superiores.

  • Revista da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo v. 104 p. 449 - 475 jan./dez. 2009

    A natureza dos bons ofcios e da mediao 41

    2) diferente dos Bons ofcios, pois estes so:

    - uma ajuda espontnea de um terceiro s partes em litgio;- se desenvolvem com toda a liberdade e sem normas de procedimento;

    3) no um tribunal, o qual trabalha:- com normais pr-concebidas;- culmina sua atuao atravs de uma sentena, contra a qual cabe apelaes;

    4) no uma arbitragem, que, por sua vez:- regulada por princpios;- por um compromisso ou acordo preliminar, que fixa de antemo as normas de atuao dos rbitros.40/41

    Por ltimo, esse autor acrescenta que um comunicado da imprensa do escritrio da mediao da Santa S, de 31 de julho de 1979, expressa o mesmo conceito:

    ... a mediao a ao que desenvolve a pessoa chamada, pelas partes em litgio, para colocar-se no meio, para sugerir, expor, propor, aconselhar, indicar possveis hipteses que possam conduzir a uma soluo honrosa e definitiva da disputa. Portanto, diferente da atividade que deve desenvolver um tribunal ou um rbitro. a mediao no est sujeita a esquemas fixos de procedimento, nem deve observar determinados prazos. Seu trabalho consiste em levar, a cabo uma obra de aproximao, orientada a salvaguardar os interesses fundamentais dos pases e o bem supremo da paz.42

    40 Trata-se do Tribunal Arbitral, que emite, ao final, uma sentena definitiva denominada de Laudo Arbitral, como aquele de 1977, arbitrado pela inglaterra e que foi considerado nulo pela argentina.

    41 BENADAVA, S. Los ttulos de Chile en la mediacin de la Santa Sede sobre la zona austral, p. 61-62: [La mediacin] no consiste y esto es obvio, en negociaciones directas (como ias que se desarrolla ron entre las dos Naciones desde febrero hasta diciembre del ano pasado). Es diferente de los buenos ofcios, que vienen a ser casi siempre una ayuda ofrecida espontneamente a las Partes en controvrsia; los buenos ofcios se desarrollan con toda libertad, sin normas de procedimiento (podran considerarse tales todas las gestiones llevadas a cabo por su servidor [Samor] a finales del ano pasado y comienzos del presente ano en sus dos Capitales.

    - no tiene el carcter ni la calificacin de tribunal, que procede a norma jris y concluye su actuacin con una sentencia, contra la cual, si estuviese previsto, cabe la apelacin;

    - se diferencia aun ms dei arbitraje, regulado tanto por princpios de derecho internacional como por un compromiso o acuerdo preliminar en que se fijan sus trminos, valor y consecuencias.

    42 cf. BenaDaVa, S. Los ttulos de Chile en la mediacin de la Santa Sede sobre la zona austral, op. cit., p. 62: ...[La mediacin] es la accin que desarrolla la persona llamada, por Ias Partes en controvrsia, a ponerse en mdio para sugerir, exponer, proponer, aconsejar, indicar posibles hiptesis que puedan conducir a una solucin honrosa y definitiva dei diferendo.

    Por lo tanto, es diferente de la actividad que debe desarrollar un Tribunal o un Arbitro. La mediacin no est sujeta a esquemas fijos de procedimiento, ni a observar determinados plazos. Su labor consiste en llevar a cabo una obra de acercamiento, orientada a salvaguardar los intereses fundamentales de los dos Pases y el bien supremo de la paz.

  • Revista da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo v. 104 p. 449 - 475 jan./dez. 2009

    42 Salmo Caetano de Souza

    guido Fernando Silva Soares, por sua vez, apresenta a seguinte compreenso de mediao:

    os litigantes ou um deles solicitam a interveno de um terceiro, que apresenta uma opinio sobre determinado ponto controverso, agindo, assim, igualmente como elemento catalisador, para que os litigantes encontrem uma soluo entre eles.43

    (...) tem funo preventiva, no sentido de evitar que uma situao conflitiva se degenere, de encaminhar os litgios para uma soluo atravs de outros meios e, enfim, de poder ela mesma apresentar uma soluo eventualmente aceitvel pelos contendores, tendo em vista as qualidades personalssimas do mediador, que j demonstrou ter a confiana das Partes, pelo fato de ter sido indicado, como tal, por consenso de ambas.44

    Trata-se, segundo esse autor:

    ... de um pedido formulado por um ou ambos os estados-partes numa controvrsia queles terceiros. a mediao, portanto, j supe algum entendimento entre os estados-partes numa controvrsia (pelo menos no que respeita a um pedido de intervenincia do mediador), necessitando de . algumas formalidades no seu evolver (embora bastante longe das formalidades da conciliao e da arbitragem) e se completa com um ato informal, de mera indicao de comportamentos desejveis, estando, assim, ainda mais longe dos relatrios ao final de uma conciliao ou de uma sentena arbitrai, por vezes formalizado por um acordo tripartite entre os estados-partes e o mediador (tambm denominado moderador).45

    Quanto s fontes normativas da mediao, afirma Guido Fernandes Silva

    Soares, que elas

    ... se encontram, na maior parte, nos usos e costumes internacionais, havendo alguns tratados internacionais regionais que regulam o instituto4 no que se refere ao Direito internacional do meio ambiente, alguns tratados e convenes multilaterais prevem a mediao, porm nunca como procedimento isolado, mas sempre junto com

    43 SoaReS, g. F. S. Curso de direito... v. 1, p. 17.44 id. Soluo e preveno... p. 23.45 SoaReS, g. F. S. Soluo e preveno... p. 23.4 Como o Tratado Interamericano sobre Bons Ofcios e Mediao de 1936; o Pacto de Bogot de 1948; e o

    Protocolo sobre comisses de mediao, conciliao e arbitragem de 1959, elaborado sob a gide da organizao da Unidade africana.

  • Revista da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo v. 104 p. 449 - 475 jan./dez. 2009

    A natureza dos bons ofcios e da mediao 43

    outros meios pacficos de solues de controvrsia entre os tratados.47

    Domingo Sabat Lichtschein entende que:

    ... a verdade jurdica da mediao a proposio, pelo mediador, de uma idia intermediria ou eqidistante entre as pretenses das partes, que contemple e concilie os interesses de ambos os litigantes.48

    Artemis Luis Melo e Mario Strubbia procuram descobrir qual seria a

    essncia da mediao, refletindo atravs dos seguintes elementos: em primeiro lugar, eles

    citam um trecho do discurso do Papa Joo Paulo II, de 27 de setembro de 1979, que afirma

    o seguinte propsito:

    (a mediao)... so esforos para aproximar as posies divergentes, esforos esses que constituem a prpria essncia da mediao, a qual, por sua vez, no se conclui com decises, mas sim se desenvolve atravs de conselhos.49/50

    Mas o que significa propor? Artemis Luis Melo Mrio Strubbia explica que

    propor, segundo o dicionrio espanhol, significa manifestar com razes uma coisa para

    47 SoaReS, g .F. S. Soluo e preveno... p. 23-24.48 SABATE LICHTSCHEIN, D. El problema dei Canal Beagle. Buenos Aires: Ed. Abeledo-Perrot, 1985. p.

    324: La verdad jurdica es que este modo de solucin pacfica de controvrsias no tiene regias precisas y el mediador puede proponer lo que estime, pero la idea que ia razn nos brinda sobre la mediacin es una idea de mdio, de propuesta de arreglo intermdio o equidistante entre ias pretensiones de ias partes, que contemple los intereses de ambos contratantes

    49 o grifo nosso.50 MELO, A. L.; STRUBBIA, M. La mediacin papaly el conflicto austral. Buenos aires: Depalma, 1981.

    p. 17-18: ... esfuerzos por acercar Ias posiciones divergentes, esfuerzos que constituyen la esencia misma de la mediacin, la cual no se concluye con decisiones, sino que si desarrolla mediante consejos (Juan Pablo II, 27-IX-1979). Recordamos que segn la Declaracin Conjunta suscrita por los cancilleres de la Argentina y Chile, en Montevideo (8-1-1979), los dos gobiernos haban acordado solicitar al Papa que acte como mediador con la finalidad de guiarlos en Ias negociaciones y asistirlos en la bsqueda de una solucin del diferendo... (por lo cual convinieran buscar el mtodo de solucin pacfica que consideraran ms adecuado. Laspartes, en tal oportunidad, declaraban su nimo de contribuir a un arreglo pacficoy aceptable. Citamos la exhortacin del 3 de mayo de 1980, rubricada por los primados de ambas iglesias (argentina y chilena), donde se ratificaba que la mediacin no es un recurso a una instncia superior, a la que se entrega la facultad de decidir, de proceder autoritariamente para terminar con una sentencia en la que se dictamina lo que corresponde en justicia a cada uno de los litigantes (LOsservatore Romano, 1-VI-I980). Conclumos con la cita fundamental dei propio mediador, quien sobre la mdula de la mediacin explico: (que) ... los esfuerzos por acercar las posiciones divergentes constituyen la esencia misma de la mediacin, la cual no se concluye con decisiones (Juan Pablo II, 27-IX-1979).

    As los casos, quedo claro que: a) La mediacin es un mtodo de trabajo y no un fm en s misma. b) La mediacin, como mtodo, herramienta o camino no es la solucin, sino que el Papa actuar con la finalidad de guiar e asistir en la bsqueda de una solucin. c) La solucin debe ser aceptable para ambas partes. La via elegida es la de la mediacin; la meta, una solucin justa y honorable (...). d) La mediacin consiste en esfuerzos y stos se desarrollan mediante consejos, no mediante decisiones, porque el Papa no acepta ejercer un arbitraje.

  • Revista da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo v. 104 p. 449 - 475 jan./dez. 2009

    44 Salmo Caetano de Souza

    conhecimento de uma pessoa ou para induzi-la a sua adoo; nas escolas, propor significa

    acrescentar os argumentos pr ou contra uma questo.isto quer dizer, prosseguem os mesmos autores, que para formular uma

    proposta, devem ser programados vrios passos metodolgicos, a saber:a) raciocinar;

    b) manifestar tais razes;

    c) manifestar tais razes para simples conhecimento;

    d) ou manifestar tais razes para induzir uma das partes a adot-la.51

    em segundo lugar, esses autores relembram o fato de que na Declarao conjunta assinada por ocasio do acordo de montevidu, de 8 de janeiro de 1979, o chile e a argentina concordaram em pedir ao Papa

    ... que atuasse como mediador, com a finalidade de gui-los nas negociaes e assisti-los na busca de uma soluo do litgio... (pelo qual) decidiram escolher o mtodo de soluo pacfica que consideraram mais adequado; as partes declararam contribuir para alcanar um acordo pacfico e aceitvel. em terceiro lugar, Strubbia cita uma exortao dos episcopados do chile e da argentina, de 3 de maio de 1980, onde afirmavam que a mediao no um recurso a uma instncia superior, a quem se entrega a faculdade de decidir, de proceder autoritariamente para terminar com uma sentena que diz o que corresponde, segundo a justia de cada um dos litigantes.52

    Eu acrescentaria essa outra concluso de rtemis Luis Melo:

    a mediao um procedimento diplomtico, de natureza poltica, isto , um meio poltico, pertence arte da poltica, participa da essncia da poltica, o que significa que, alm dos argumentos jurdicos, toda classe de argumentos pode ser includa.53

    Tambm essa, de mrio Strubbia:

    a mediao exige um pr-acordo (um pedido das partes), que demonstra a vontade slida de conciliao e de aproximao

    51 MELO, A. L.; STRUBBIA, M. op. cit., p. 95: Que es proponer? Proponer es manifestar con razones una cosa para conocimiento de uno o para inducirle a adoptarlo; en Ias escuelas, presentar los argumentos en pro y en contra de una cuestin. es decidir que para formular una propuesta, deben programarse vrios pasos metodolgicos, a saber: a) razonar; b) manifestar razones; c) manifestar tales razones para simple conocimiento; d) o manifestar tales razones en pro y razones en contra.

    52 LOsservatore Romano, 1-6-1980.53 MELO, A. L.; STRUBBIA, M. op. cit., p. 52: La mediacin es ciertamente un procedimiento diplomtico,

    es decir de naturaleza poltica. Esto significa que en la controvrsia sometida a este procedimiento se pueden invocar toda clase de argumentos y no solamente los de naturaleza jurdica.

  • Revista da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo v. 104 p. 449 - 475 jan./dez. 2009

    A natureza dos bons ofcios e da mediao 45

    das partes na controvrsia. em outras palavras, o pedido de conciliao ou o pr-acordo outorga viabilidade proposta.

    O que permite concluir, afirma Strubbia:

    Os esforos ou conselhos do mediador, no final, embora apoiando o mtodo da mediao, as partes podem aceitar ou no as idias e conselhos feitos pelo mediador se as mesmas no forem consideradas como eqitativas, justas, honrosas e aceitveis.

    Para mrio Strubbia:

    a mediao nasce com o consentimento do mediador, avana com a aproximao das partes e se consolida com o acordo dos estados soberanos para uma soluo comum justa, eqitativa e razovel.54

    em outras palavras, para mrio Strubbia, a essncia da mediao consiste em aproximar posies divergentes e propostas.55

    Segundo o art. 4 da conveno de haia de 18 de outubro de 1907, sobre a soluo pacfica de controvrsias, o papel do mediador consiste em conciliar as pretenses

    opostas e em apaziguar os eventuais ressentimentos surgidos entre os estados litigantes.concatenando, em sntese, os diversos elementos j antes expostos por

    Artemis Luis Melo e Mario Strubbia, a essncia jurdica da mediao ficaria da seguinte

    forma:

    a mediao um mtodo diplomtico de trabalho, de natureza poltica, que comporta todo tipo de argumentos, alm daqueles jurdicos, que consiste em esforos de conciliao das pretenses opostas e de apaziguamento dos eventuais ressentimentos, que, por sua vez, se desenvolvem mediante conselhos, com a finalidade de guiar e assistir na busca de uma soluo aceitvel, vale dizer, eqitativa, justa e honrosa para ambas as partes. a mediao exige um pr-acordo ou um pedido das partes, que demonstra a vontade slida de conciliao e de aproximao delas na controvrsia; nasce com o consentimento do mediador; avana com a aproximao das partes e se consolida com o acordo entre as mesmas. em poucas palavras, para os mencionados autores, a essncia da mediao consiste em aproximar posies divergentes e propostas.

    54 MELO, A. L.; STRUBBIA, M. op. cit., p. 52: En suma, la mediacin nace con el consentimiento de los litigantes, se perfecciona con la aceptacin dei mediador, avanza con el acercamiento de ias partes y se consolida con el acuerdo de los estados soberanos para una solucin comn justa, eqitativa e razonable .

    55 id. ibid., p. 3: Retengamos la voz nuclear, clave, esencial: propuesta, y rememoremos que la esencia de la mediacin consiste en acercar ias posiciones divergentes.

  • Revista da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo v. 104 p. 449 - 475 jan./dez. 2009

    4 Salmo Caetano de Souza

    Isso implica, afirma Jos Antnio Pastor Ridruejo,5 que:

    o terceiro (estado) ou o mediador ter que tomar posio sobre o fundo da questo. e claro, para esse autor, que os bons ofcios podem terminar em mediao.

    no caso em tela, porm, eu entendo que desde o incio das consultas Santa S, era inteno das partes que a mesma realizasse propiciamente uma mediao. isto, por sua vez, requereria, como bvio nesse caso, um acordo prvio ou um pedido oficial das

    partes, que foi alcanado pelo mtodo dos Bons ofcios.De qualquer maneira, prossegue Jos antnio Pastor Ridruejo,

    ... sejam os bons ofcios, seja a mediao, tem um carter de conselho e nunca de fora obrigatria (art. da conveno citada). a mesma coisa se daria, completa este autor, caso o recurso mediao fosse imposto obrigatoriamente por um tratado (art. 8 do Tratado de Paris de 1856; art. 2 da conveno de haia de 1899, etc.).

    Para o autor, os bons ofcios so meios polticos de soluo de controvrsia, onde as partes conservam sua liberdade de ao e de deciso durante o desenvolvimento dos mesmos; tambm podem ser rechaados pelas partes ou por uma delas a qualquer

    momento, o que faria automaticamente cessar a atuao do mediador (art. 5 da conveno de 1907).57

    Assim, Artemis Luis Melo e Mrio Strubbia recolheu as seguintes concluses

    sobre a essncia jurdica da mediao:a) um mtodo de trabalho e no um fim em si mesmo;

    5 PaSToR RiDRUeJo, J. a. curso de derecho internacional pblico y organizaciones internacionales. . ed. Buenos Aires: Tecnos, 1996. p. 624-625: Los buenos ofcios consisten en la accin de un tercero -comnmente aunque no forzosamente, un estado que pone en contado a dos estados partes en una controvrsia afin de que entablen negociaciones con vistas a su arreglo o que suministra de otro modo una ocasin adecuada para Ias negociaciones. Los buenos ofcios poden, pues, adoptar distintas modalidades en la prctica, pero el rasgo comn de todas ellas es que el tercero se abstiene de expresar opinin alguna sobre el fondo de la controvrsia, as como de persuadir a las partes a que lleguen a una determinada solucin. Si la accin dei tercero comportase una posicin sobre el fondo de la controvrsia o de persuasin a las partes para que adopten una solucin, estaramos ante la figura de la mediacin.

    57 PaSToR RiDRUeJo, J. a. op. cit., p. 24-25: (...) De todos modos, los buenos ofcios y la mediacin tienen exclusivamente el carcter de consejo y nunca fuerza obligatoria (art. 6 de Convencin citada). Y esto es as incluso si el recurso a la mediacin es impuesto obligatoriamente por un tratado (art. 8 del Tratado de Paris de 1856, art. 2 de Las Convenciones de La Haya de 1899, etc). Estamos realmente ante mdios polticos de solucin de controvrsias en los que ias partes conservan su libertad de accin y decisin durante el desarrollo de los mismos. ello supone tambin que en cualquier momento pueden ser rechazados los buenos ofcios o la mediacin y, como dice el artculo 5 de la Convencin de 1907, Las funciones dei mediador cesan desde el momento en que se comprueba, bien por una de ias partes en litgio, bien por el propio mediador, que los mdios de conciliacin por l propuestos no son aceptados.

  • Revista da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo v. 104 p. 449 - 475 jan./dez. 2009

    A natureza dos bons ofcios e da mediao 47

    b) a mediao, como um mtodo, ferramenta ou caminho no uma soluo, seno que o Papa atuar com a finalidade de guiar e assistir na busca de uma soluo;

    c) a soluo deve ser aceitvel para ambas as partes. a via escolhida a da mediao; a meta, uma soluo justa e honrosa;

    d) a mediao consiste em esforos e esses se desenvolvem mediante conselhos, no mediante decises, porque o Papa no aceita realizar uma arbitragem.58

    3. Distino entre Bons ofcios e mediao

    como j advertimos anteriormente, os institutos internacionais dos Bons ofcios e o da mediao so universal e regionalmente tratados de forma conjunta e relacionada, devido relao de proximidade entre ambos, alm do fato de que, na prtica, nem sempre possvel distinguir precisamente um do outro. Todavia, trata-se de dois meios de soluo pacfica de controvrsia com identidades diferentes. o que

    procuraremos demonstrar em seguida, atravs de alguns doutrinadores em propsito.em primeiro lugar, os Bons ofcios pressupem a existncia de uma

    divergncia ou de um litgio grave entre dois ou mais estados, que, por sua vez, vai se deteriorando a ponto de vislumbrar at mesmo um conflito armado entre os mesmos.

    assim, por mais que esses estados tenham tentado resolver a questo de modo bilateral, no lograram obter uma soluo. Diante de tal impasse nas negociaes, abrem-se duas possibilidades para as partes:

    1. um ou mais Estados alheios ao conflito, mas ao mesmo tempo amigos

    de mbos ou que meream o respeito e a confiana das partes, por iniciativa prpria,

    oferecem seus prstimos para ajudar a solucionar o problema;

    2. a outra possibilidade consiste nas prprias partes decidirem, de comum acordo, pedir o auxlio de um terceiro pas (ou pases), para que envidem esforos no sentido de resolver o litgio.

    Seja no primeiro caso, seja no segundo, as partes sempre tero que, conjuntamente, aceitar formalmente a oferta de ajuda, atravs de um pedido por escrito ao estado ofertante ou estado solicitado.

    iniciados os bons ofcios, o pas ou pases chamados a colaborar na soluo do litigante tentam manter o status quo, excluir o uso da fora, reconstruir uma atmosfera de confiana, retomar o dilogo e encaminhar as partes para conseguirem um acordo

    sempre por meio de conselhos. e nisto consiste a essncia jurdica dos Bons ofcios.

    58 PaSToR RiDRUeJo, J. a. op. cit., p. 24-25.

  • Revista da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo v. 104 p. 449 - 475 jan./dez. 2009

    48 Salmo Caetano de Souza

    normalmente, porm, a fase dos Bons ofcios prepara o terreno para outras modalidades de soluo de controvrsia e podem terminar em mediao, como na pesquisa em ao.

    contudo, os Bons ofcios no comportam que o estado (estados) que intervier na problemtica tome parte nas negociaes, nem no acordo a que possam chegar os litigantes. a misso daqueles s de aplainar e abrir a via s negociaes entre as partes ou reatar as tratativas que foram rompidas, tudo sendo feito com toda a liberdade, sem normas de procedimentos, visto que os Bons ofcios um mtodo diplomtico (poltico) e, assim sendo, comporta todo tipo de argumento, no somente o jurdico. em outras palavras, a atuao desses terceiros estados na lide discreta e sutil e objetiva criar entre as partes uma base de negociao.

    a mediao tem incio a pedido das partes em litgio ou pela prpria iniciativa do Estado intermedirio para resolver pacificamente o litgio entre as partes.

    Porm, esse pedido ou solicitao sempre se faz de modo formal, ou seja, por escrito. assim, a mediao exige antes um pr-acordo. o mediador age diretamente, ou seja, ativamente entre as partes, toma posio sobre o fundo em questo, por meio de sugesto, conselho, exortao e propostas dirigidas eliminao das divergncias, superao dos obstculos, descoberta dos pontos de concrdia, visando com isso aproximar as partes, procurando levar suas posies iniciais a uma convergncia plena ou a um entendimento final.

    A Mediao, assim, no est sujeita a esquemas fixos de procedimento, nem

    deve observar determinados prazos. isso porque a mediao um mtodo diplomtico de soluo de controvrsias, isto , um meio poltico, pertence arte da poltica, participa da essncia da poltica, o que significa que, alm dos argumentos jurdicos, toda classe

    de argumentos pode ser includa. a verdade jurdica da mediao consiste na proposio, pelo mediador, de uma idia intermediria ou eqidistante entre as pretenses das partes, que contemple e concilie os interesses de ambos os litigantes, de modo que a soluo final

    seja eqitativa, justa, honrosa e aceitvel para as partes.hildebrando accioly localiza a distino entre Bons ofcios e mediao

    atravs dos seguintes aspectos:

    a mediao tem carter mais solene e constitui ingerncia mais acentuada do estado intermedirio.59

    o mediador toma parte direta e regular nas negociaes entre os litigantes e estabelece as bases de um acordo. ao contrrio, nos bons ofcios, quem as interpe no participa

    59 ACCIOLY, H. Tratado... p. 1

  • Revista da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo v. 104 p. 449 - 475 jan./dez. 2009

    A natureza dos bons ofcios e da mediao 49

    diretamente nas negociaes ou no acordo a que cheguem os litigantes.0

    Celso de Albuquerque Mello afirma:

    a mediao se distingue dos bons ofcios no sentido de que o papel do mediador mais ativo. ele no um simples intermedirio que se contenta de colocar em presena os Estados em litgio para lev-los a entrar em negociao...; pelo contrrio, ele participa de maneira regular e ativa nas negociaes... (hoijer)1

    Segundo maurice arbour:

    ... os bons ofcios visam essencialmente a propor uma base de negociaes, enquanto a mediao visa antes a propor uma base de um acordo, uma frmula de entendimento.2

    4. Soluo pacfica de controvrsias

    Segundo Guido Fernando Silva Soares, as solues pacficas de controvrsias

    internacionais,

    ...alm de ocuparem um lugar de destaque no Direito internacional Pblico, possuem, ainda, um duplo papel nas relaes internacionais, a saber:

    - solucionar questes controvertidas entre Estados;

    - servir de preveno a que esses recorram a medidas extremas, que importam na prpria negao do Direito internacional, tais como: o uso de represlias econmicas ilegtimas, de ameaa ou uso de represlias militares, at uma situao de guerra declarada.3

    assim, para esse autor:

    As solues pacficas de controvrsias devem ser entendidas como instrumentos elaborados pelos estados e regulados pelo Direito Internacional Pblico para colocar fim a uma situao de conflito de interesses e at mesmo com a finalidade de prevenir a ecloso de uma

    situao que possa degenerar numa oposio definida e formalizada em plos opostos.4

    0 id. ibid., p. 1-17.1 MELLO, C. D. A. op. cit., p. 1347.2 aRBoUR, m. op. cit, p. 17.3 SoaReS, g. F. S. Curso de direito... v. 1, p. 13.4 SoaReS, g. F. S. Curso de direito... v. 1, p. 13.

  • Revista da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo v. 104 p. 449 - 475 jan./dez. 2009

    470 Salmo Caetano de Souza

    Por controvrsia - explica guido Fernando Silva Soares -, cujos sinnimos so litgio, disputa, questo, lide, deve-se entender:

    ... qualquer oposio de interesses entre as pessoas envolvidas, em qualquer campo das relaes internacionais, qualquer que seja sua natureza, econmica, poltica, cultural, cientfica, ambiental ou outra configurao particular.5

    Quanto classificao dos meios pacficos de solues de controvrsias

    entre estados, as que mais se destacam, segundo o autor, so as seguintes:

    a) a que se baseia na compulsoriedade de suas solues - que, por sua vez, se dividem em:- meios facultativos: os bons ofcios, a mediao, o inqurito e a conciliao;- meios obrigatrios: arbitragem e solues judicirias por tribunais internacionais;

    b ) a que toma por fundamento a existncia ou a inexistncia de norma jurdica envolvida em litgio:- meios polticos, no preocupados com a aplicao da norma pr-existente, ou a ser feita, mas a dar-se uma soluo satisfatria questo, tais como os bons ofcios, a mediao, o inqurito e a conciliao.- meios jurdicos, nos quais sempre haveria questo de interpretar-se ou aplicar-se norma jurdica prvia aos litgios, ou de declarar-se sua existncia, tais como a arbitragem e a soluo propiciada por tribunais judicirios internacionais.

    Chama a ateno este Autor para o fato de que essas duas classificaes

    partem de uma distino nem sempre fcil de ser feita, entre o poltico e o jurdico, bem como pressupe que existe no Direito internacional Pblico uma compulsoriedade, no cumprimento da norma jurdica, por parte de seus destinatrios, os estados, tal qual existente nos ordenamentos jurdicos nacionais; tais distines olvidam-se dos traos

    prprios aos citados destinatrios, os estados, entidades dotadas de soberania e que so, ao mesmo tempo, os geradores da norma, seus destinatrios, seus intrpretes e os aplicadores das sanes por inadimplemento.7

    De qualquer forma conclui esse autor tais classificaes prestam certo servio, ao distinguir entre meios menos formais e mais formais, e indicam a disposio de os estados socorrerem a esses ou aqueles, em funo de

    5 id., loc. cit. id. ibid., p. 14.7 SoaReS, g. F. S. Curso de direito... v. 1, p. 14.

  • Revista da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo v. 104 p. 449 - 475 jan./dez. 2009

    A natureza dos bons ofcios e da mediao 471

    decises polticas quanto aos graus de obrigatoriedade a que se pretendem submeter.8

    Um fato a ser ressaltado sobre as solues pacficas de litgios entre Estados,

    observa guido Fernando Silva Soares, que elas foram elaboradas no curso da histria e se consubstanciaram em institutos consagrados por usos e costumes internacionais.9

    o sculo XX - emenda o autor - acabou por dar tripla contribuio, em tudo relevante, ao tema:

    a) propiciar constante recurso aos meios de solues pacficas, dada a freqncia de sua previso expressa em tratados multilaterais e s atividades de codificao de regras antigas;

    b) tornou possvel a constituio de tribunais internacionais permanentes;

    c) desenvolveu e tem aperfeioado a diplomacia multilateral permanente, no seio das organizaes intergovernamentais, o que permitiu a instituio de foros de novos procedimentos de solues de disputas entre estados e de novos agentes de aplicao dos mecanismos tradicionais (como a mediao e os bons ofcios, celebrados por rgos coletivos ou unipessoais).

    Ora, aplicando essa doutrina sobre solues pacficas de controvrsia -

    internacionais ao caso concreto, isto , controvrsia entre chile e argentina ou Questo de Beagle, pode-se tirar as seguintes concluses:

    1) a interveno diplomtica da Santa S, no caso em apreo, se encaixa perfeitamente dentro das caractersticas do instituto das solues pacficas de controvrsias

    internacionais;

    2) visa solucionar a controvrsia entre chile e argentina sobre a soberania martima e terrestre no Canal de Beagle e imediaes;

    3) sem, contudo, recorrer a meios extremos ou no pacficos, como a guerra

    declarada;

    4) pretende-se, assim, colocar fim a tal situao de conflitos de interesses,

    prevenindo, ento, a ecloso de uma oposio de fato e irrecorrvel entre as partes, vale dizes, a guerra;

    5) o conflito de Beagle uma oposio de interesses entre Chile e

    argentina, basicamente de soberania martima e terrestre sobre a regio de Beagle,

    8 SoaReS, g. F. S. Curso de direito... v. 1, p. 14.9 id., loc. cit.

  • Revista da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo v. 104 p. 449 - 475 jan./dez. 2009

    472 Salmo Caetano de Souza

    com desdobramentos econmicos, polticos (diplomticos), militares, geopolticos ou geoestratgicos, com abrangncia local, regional e internacional (Atlntico Sul);

    6) o meio de soluo pacfica de controvrsia escolhido pelas partes

    envolvidas e ladeadas pela Santa S preferiu no uma soluo de compulsoriedade, mas sim de facultatividade, a saber: num primeiro momento, bons ofcios; num segundo

    momento, mediao;

    7) Se, no caso concreto, os bons ofcios servem para possibilitar a soluo da questo por outros meios de soluo pacfica de controvrsia, a mediao consiste em

    dar uma soluo satisfatria, honrosa, justa, eqitativa e definitiva ao mesmo;

    8) os bons ofcios e a mediao da Santa S, embora tenham considerado a existncia de normas jurdicas envolvendo o litgio, todavia, caracterizaram-se preponderantemente pela aplicao dos meios polticos da lide, vale dizer, no preocupados com a aplicao estrita de norma pr-existente ou a ser feita (jurdica), mas a dar-se uma soluo satisfatria questo que envolve todo tipo de argumento, tais: o justo natural, o equo et bnus, a caridade crist, amizade, colaborao econmica compartilhada, etc, critrios esses admitidos pelo Direito Internacional;

    9) as partes, no caso em questo, optaram por meios menos formais e totalmente flexveis - os bons ofcios e a mediao - e, assim, preferiram essencialmente

    uma deciso poltica (diplomtica) da questo, quanto aos graus de obrigatoriedade a que se pretendem submeter;

    10) os bons ofcios e a mediao aparecem, ento, enquanto novos procedimentos ou mecanismos de soluo pacfica de controvrsias internacionais entre

    os estados, prprios do sculo XX, e previstos no captulo Vi da carta da onU, arts. 33 e seguintes, celebrados, neste caso, pela Santa S, que um rgo unipessoal: o Romano Pontfice.

    concluso

    existe, portanto, uma relao de proximidade e, por assim dizer, de identidade entre Bons ofcios e a mediao, primeiro no sentido em que ambos possuem a mesma natureza, vale dizer, so meios polticos e facultativos diplomticos de soluo pacfica de controvrsias entre Estados. Segundo porque, ao final das negociaes, estes

    dois meios geram uma soluo com carter de conselho e nunca de deciso, com fora obrigatria e vinculante para as partes, na esperana de que as mesmas a adotem como sendo prpria.

    Por outro lado, existe uma ntida distino entre Bons ofcios e mediao:

  • Revista da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo v. 104 p. 449 - 475 jan./dez. 2009

    A natureza dos bons ofcios e da mediao 473

    1) os Bons ofcios se propem, essencialmente, a apresentar uma base de negociaes entre as partes, considerando que antes o dilogo entre as mesmas estava interrompido. e isso o que traduz a sntese felicssima de maurice arbour:

    ... visam, essencialmente, a propor uma base de negociaes.70

    2) na mediao, por sua vez, o objetivo do mediador inventar71 uma soluo concreta para a divergncia entre as partes, na expectativa de que as mesmas a adotem como prpria. Portanto, enquanto no caso dos Bons ofcios o pas intermedirio guia as partes para que elas mesmas cheguem a uma base comum para um futuro acordo, nesse ltimo caso, ou da mediao, o envolvimento do mediador total e sua genialidade consistir em apresentar, ao final, uma soluo que seja ao mesmo tempo honrosa e

    justa, entre outros aspectos, tais como equidade, caridade, amizade, colaborao econmica compartilhada, etc.

    isso, em outras palavras, o que diz maurice arbour:

    ... visa antes a propor uma base de um acordo, uma frmula de entendimento.72

    A Soluo Pacfica de Controvrsias Internacionais, por sua vez, deve ser

    entendida como sendo instrumentos ou meios diplomticos - alguns mais formais ou compulsrios, outros menos formais ou poltico-facultativos - que permitem solucionar controvrsias entre Estados ou at mesmo a preveni-las de forma pacfica e construtiva, vale

    dizer, sem recorrer a medidas extremas que em si mesmas negam o Direito internacional, tais como o uso de represlias econmicas ilegtimas, a ameaa ou uso de represlias militares, at mesmo uma situao de guerra declarada, embora esta ltima hiptese, ressalve-se, seja um meio legitimamente previsto e regulado pela norma internacional, em determinados casos e condies para a soluo das lides internacionais, se bem que de forma no pacfica, ou seja, violenta.

    So Paulo, setembro de 2009.

    70 aRBoUR, m. op. cit, p. 17.71 Para inventar preciso fantasiar . O uso da fantasia determinante para a eficcia da diplomacia, enquanto

    esta se preocupa em buscar frmulas para resolver, concretamente, o litgio em questo. era isso o que queria dizer o Cardeal Agostinho Casaroli, Secretrio de Estado da Santa S durante o pontificado do Papa Joo Paulo ii, e que assim se expressou em propsito das negociaes para a mediao papal da Questo do canal de Beagle: ho parlato di fantasia. con essa mi riferisco al fatio che la diplomacia la ricerca di formule [...] (Oservatore Romano, 12/01/1979)

    72 aRBoUR, m. op. cit, p. 17.

  • Revista da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo v. 104 p. 449 - 475 jan./dez. 2009

    474 Salmo Caetano de Souza

    Referncias

    ACCIOLY, H. Tratado de direito internacional pblico. Rio de Janeiro: [s.n.], 1957. v. 3.

    aRBoUR, m. Droit international public. 3. ed. Quebec: Les ditions, Yvon Blais, 1997. In: SoaReS, g. F. S. Curso de direito internacional pblico. So Paulo: atlas, 2002. v. 1.

    BenaDaVa, S. Recuerdos de la Mediacin Pontifica entre Chile y Argentina. (1978-1985). Santiago de chile: ed. Universitria, 1999.

    ______. Los ttulos de Chile en la mediacin de la Santa Sede sobre la zona austral: estdios. Santiago-chile: Sociedad chilena de Derecho internacional, 1990.

    BARADON, H. Some views on international mediation. In: INTERNATIONAL problems. [s.L.]:

    [s.n.], 1971. n. 1 e 2.

    BRUNO, J. L. Mediaciones papales en la historia. montevideo: ministrio de Relaciones exteriores, 1981.

    caRReaU, D. Droit international. Paris: Pedone, [s.d.].

    OTT, M. C. Mediation as a method of conflict resolution: two cases. International Organization, 1972.

    MAGALHES, J. C. (Coord.). So Paulo: Livraria do Advogado, 1999. v. 2.

    MELLO, C. D. A. Curso de direito internacional pblico. Rio de Janeiro; So Paulo: Renovar, 2000. v. 2.

    MELO, A. L.; STRUBBIA, M. La mediacin papal y el conflicto austral. Buenos aires: Depalma, 1981.

    MIAJA DE LA MUELA, A. Solucin de diferencias internacionales (mdios polticos y arbitraje)

    In: CURSOS y conferncias de la Escuela de Funcionrios Internacionales. Madrid, [s.n.], 1956-

    1957. t. 2.

    PaSToR RJDRUeJo, J. a. Curso de derecho internacional pblico y organizaciones internacionales. . ed. Buenos aires: Tecnos, 199.

    RANGEL, V. M. Direito e relaes internacionais. 7. ed. rev. atual, e ampl. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

    SABATE LICHTSCHEIN, D. El problema del Canal Beagle. Buenos aires: ed. abeledo-Perrot, 1985.

    SoaReS, g. F. S. Curso de direito internacional pblico. So Paulo: atlas, 2002. v. 1.

    ______. In: MERCADANTE, A.; MAGALHES, J. C. (Coord.). Soluo e preveno de litgios internacionais. So Paulo: Livraria do Advogado, 1999. v. 2.

  • Revista da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo v. 104 p. 449 - 475 jan./dez. 2009

    A natureza dos bons ofcios e da mediao 475

    STone, J. Legal controls of International conflict: a treatise of the dynamics of disputes and war law. Londres: [s.n.], 1954.