65138159 a Loucura Do Trabalho Resumo Dejours

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A loucura do trabalho Dejours Primeiro livro de Christophe Dejours editado no Brasil em português. A primeira edição francesa é de 1980. As re-edições francesas trazem muitas atualizações (rodapés) que não foram acrescentados nas re-edições brasileiras. Dejours é médico, psiquiatra e psicanalista. Dirige o laboratório de Psicologia do Trabalho no CNAM – Centre National d’Arts et Métiers – em Paris. Introdução Relações trabalho-saúde - considerações históricas: O objeto inicial de Dejours é a psicopatologia do trabalho. Ele pretende pôr em discussão "aquilo que, no enfrentamento do homem com sua tarefa, põe em perigo sua vida mental". Partindo da psicopatologia do trabalho francesa, que tem trabalhos importantes nos anos 50, Dejours vai enfocar as vivências subjetivas do trabalho, sempre diferenciadas e irredutíveis umas às outras, que dão conta das experiências concretas dos trabalhadores. Ele inicia seu livro narrando sintaticamente a história da saúde dos trabalhadores, e chama a atenção que os avanços em saúde do trabalhador só se dão por uma luta perpétua dos trabalhadores por sua saúde, pois as melhorias das condições de trabalho e saúde foram conseguidas sempre desta forma. Dejours divide a história da saúde dos trabalhadores em três momentos. 1 - Século 19, período de desenvolvimento do capitalismo industrial Neste período o importante para o trabalhador era a luta pela sobrevivência, dada às péssimas condições de trabalho existentes. O ambiente de trabalho se caracterizava pela falta de higiene, esgotamento físico, acidentes de trabalho dramáticos, subalimentação,tudo isso gerando alta morbidade (muitas doenças) e alta mortalidade (muitas mortes decorrentes de acidentes e doenças do trabalho). O tempo esperado de vida era muito mais curto que o de hoje. O sofrimento característico dessa época foi descrito na literatura com o nome de miséria operária. Como resposta a essa situação surge o movimento higienista, que vai tratar da insalubridade pública, fazendo sentir a necessidade das leis sanitárias: ele trata do que diz respeito às epidemias, aos hospitais, aos cemitérios, etc. O enfoque do higienista é altamente moralizante: propõe soluções para restabelecer a ordem moral e, sobretudo, a autoridade da família, necessária para a formação de operários disciplinados. Esta é também a época dos grandes alienistas de, como Esquirol e Pinel.

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A loucura do trabalho

Dejours

Primeiro livro de Christophe Dejours editado no Brasil em português. A primeira edição

francesa é de 1980. As re-edições francesas trazem muitas atualizações (rodapés) que não

foram acrescentados nas re-edições brasileiras.

Dejours é médico, psiquiatra e psicanalista. Dirige o laboratório de Psicologia do Trabalho no

CNAM – Centre National d’Arts et Métiers – em Paris.

Introdução

Relações trabalho-saúde - considerações históricas:

O objeto inicial de Dejours é a psicopatologia do trabalho. Ele pretende pôr em discussão "aquilo

que, no enfrentamento do homem com sua tarefa, põe em perigo sua vida mental". Partindo da

psicopatologia do trabalho francesa, que tem trabalhos importantes nos anos 50, Dejours vai enfocar

as vivências subjetivas do trabalho, sempre diferenciadas e irredutíveis umas às outras, que dão

conta das experiências concretas dos trabalhadores.

Ele inicia seu livro narrando sintaticamente a história da saúde dos trabalhadores, e chama a atenção

que os avanços em saúde do trabalhador só se dão por uma luta perpétua dos trabalhadores por sua

saúde, pois as melhorias das condições de trabalho e saúde foram conseguidas sempre desta forma.

Dejours divide a história da saúde dos trabalhadores em três momentos.

1 - Século 19, período de desenvolvimento do capitalismo industrial

Neste período o importante para o trabalhador era a luta pela sobrevivência, dada às péssimas

condições de trabalho existentes. O ambiente de trabalho se caracterizava pela falta de higiene,

esgotamento físico, acidentes de trabalho dramáticos, subalimentação,tudo isso gerando alta

morbidade (muitas doenças) e alta mortalidade (muitas mortes decorrentes de acidentes e doenças

do trabalho). O tempo esperado de vida era muito mais curto que o de hoje. O sofrimento

característico dessa época foi descrito na literatura com o nome de miséria operária. Como resposta

a essa situação surge o movimento higienista, que vai tratar da insalubridade pública, fazendo sentir

a necessidade das leis sanitárias: ele trata do que diz respeito às epidemias, aos hospitais, aos

cemitérios, etc. O enfoque do higienista é altamente moralizante: propõe soluções para restabelecer a

ordem moral e, sobretudo, a autoridade da família, necessária para a formação de operários

disciplinados. Esta é também a época dos grandes alienistas de, como Esquirol e Pinel.

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"Mas a medicalização do controle social não seria suficiente, e, de fato, é aos próprios operários que

se devem as principais melhorias materiais da condição operária." A classe operária se organiza

constituindo sindicatos, associações, e partidos políticos. As lutas operárias neste período histórico

tinham essencialmente dois objetivos: o direito à vida (ou à sobrevivência) e à construção da

liberdade de organização (sindical e política) necessária para estas lutas. A reivindicação principal é a

redução da jornada de trabalho.

O Estado é chamado a intervir e surgem (na Europa) leis relacionadas à higiene e segurança do

trabalho, indenização por acidentes de trabalho, leis relacionadas a direitos de aposentadoria e

outras.

2 - Da primeira guerra mundial a 1968.

Já houve alguma conquista com relação ao direito de viver e podem aparecer outras reivindicações .

A preocupação principal é com a proteção do corpo: "Salvar o corpo dos acidentes, prevenir as

doenças profissionais e as intoxicações por produtos industriais."

A discussão do taylorismo merece grande atenção da parte de Dejours. Essa modalidade de

organização do trabalho surge como uma nova tecnologia de submissão, gerando exigências

fisiológicas até então desconhecidas, especialmente as exigências de tempo e ritmo de trabalho. As

performances exigidas são novas, e fazem com que o corpo apareça como principal ponto de impacto

dos prejuízos do trabalho. A separação radical entre trabalho intelectual e trabalho manual, imposta

pelo taylorismo, busca neutralizar a atividade mental dos operários. Assim, "não é o aparelho psíquico

que aparece como primeira vítima do sistema, mas sobretudo o corpo dócil e disciplinado, entregue,

sem obstáculos, ao engenheiro de produção e à direção hierarquizado do comando. Corpo sem

defesa, corpo explorado, corpo fragilizado pela privação de seu protetor natural, que é o aparelho

mental. Corpo doente portanto, ou que corre o risco de tornar-se doente."

Após a primeira guerra, o movimento operário tenta obter melhorias da relação à saúde-trabalho.

Consegue avanços onde ele é mais poderoso, isto é, onde os trabalhadores são numerosos (grandes

empresas) e onde o trabalho tem um valor econômico estratégico (setores de ponta ou centros vitais

da economia nacional). Com a guerra a mão de obra fica gravemente desfalcada e ocorrem

progressos em torno da jornada de trabalho, da medicina do trabalho e da indenização pelos

problemas decorrentes do trabalho. Surgem preocupações com dispositivos de segurança para

máquinas perigosas.

Na França, a semana de 40h e as férias pagas são aprovadas em 1936.

Esse segundo período caracteriza-se pela revelação do corpo como ponto de impacto da

exploração. O alvo da exploração seria o corpo e só o corpo.

A periculosidade das máquinas, os produtos industriais, os gases e os vapores, as poeiras tóxicas, os

parasitas, os vírus e as bactérias são, progressivamente, designados e estigmatizados. De 1914 a

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1968, é progressivamente o tema das condições de trabalho que se depreende das reivindicações

operárias na frente pela saúde. A luta pela sobrevivência dá lugar à luta pela saúde do corpo. A

palavra de ordem da redução da jornada de trabalho deu lugar à luta pela melhoria das condições de

trabalho, pela segurança, pela higiene e pela prevenção de doenças.

3 - Após 1968.

Surge aí uma nova preocupação com a saúde mental. Denuncia-se o taylorismo como produtor de

sofrimento psíquico, como modo de organização do trabalho desumanizante. Essas críticas vêm não

apenas dos operários mas também do patronato. A reestruturação das tarefas, como alternativa para

Organização Científica do Trabalho, faz nascerem amplas discussões sobre o objetivo do trabalho,

sobre a relação ao homem-tarefa, e acentua a dimensão mental do trabalho industrial.

A isso se somam as vozes dos operários e dos trabalhadores do setor terciário e das indústrias de

processo (petroquímica, químicas, cimenteiras, nuclear etc). Com o desenvolvimento do setor

terciário as tarefas escritório tornam-se cada vez mais numerosas. A sensibilidade às cargas

intelectuais e psicossensoriais de trabalho prepara o terreno para as preocupações com a saúde

mental.

Dejours refere-se a maio de 68 como uma data representativa na história da relação de saúde

trabalho. No centro do discurso de maio de 68 encontramos a luta contra a sociedade de consumo

alienação. O trabalho foi reconhecido como causa principal da alienação, inclusive pelos estudantes..

"Greves selvagens e greves de operários não qualificados eclodem espontaneamente, muitas vezes

à margem das iniciativas sindicais. Elas rompem a tradição reivindicativa e marcam a eclosão de

temas novos: mudar a vida, palavra de ordem fundamentalmente original, (...) que mergulha

patronato e o Estado numa verdadeira confusão, pelo menos até a atual crise econômica." (o livro foi

publicado em 1980)

Há o reconhecimento da necessidade de levar em conta as reivindicações qualitativas da classe

operária. Emerge o tema da relação de saúde mental-trabalho como tema de reflexão das

organizações operárias e dos trabalhos científicos.

A luta pela sobrevivência condenava a duração excessiva do trabalho. A luta pela saúde do corpo

conduzia a denúncia das condições de trabalho. Já o sofrimento mental resulta da organização do

trabalho.

Por condições de trabalho entende-se o ambiente físico (temperatura, pressão, barulho, vibração,

irradiação, altitude, etc), ambiente químico (produtos manipulados, vapores de gases tóxicos,

poeiras, fumaças etc), o ambiente biológico (vírus, bactérias, parasitas, fungos), as condições de

higiene, de segurança, e as características antropométricas do posto de trabalho.

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"Por organização do trabalho designamos a divisão do trabalho, conteúdo da tarefa a (na medida

em que ele dela deriva), o sistema hierárquico, as modalidades de comando, as relações de poder,

as questões de responsabilidade etc.”

A psicopatologia do trabalho.

Em psicopatologia do trabalho, acentuou-se os comportamentos humanos, numa linha de

pensamento aparentada do behaviorismo. Dejours não busca de explicar o comportamento, mas os

efeitos (psicodinâmicos) da imposição de atos diversos: movimentos, gestos, ritmos, cadencias e

comportamentos produtivos.

Dejours quer elucidar o trajeto que vai do comportamento livre ao comportamento estereotipado. Por

comportamento livre entende um padrão comportamental que contém uma tentativa de transformar

a realidade circundante conforme o desejo do próprio sujeito. Livre, mais que um estado, qualifica

uma orientação da direção do prazer. O sofrimento preocupa no que ele tem de empobrecedor, ou

seja, quando leva à anulação de comportamentos livres.

Dejours termina a Introdução dizendo que seu projeto é difícil, temerário, uma vez que o sofrimento

operário é mal conhecido tanto pelos que estão fora da fábrica, como pelos próprios operários, que

estão ocupados em seus esforços para garantir a produção.

Capítulo 1 - As estratégias defensivas.

Dejours, para estudar as ideologias defensivas, fala inicialmente do subproletariado: a população

que ocupa as favelas, a população da periferia das grandes cidades. Essa população se caracteriza

pelo não trabalho e pelo subemprego. Ele descreve uma ideologia defensiva relacionada à vivência

dessa população em relação à doença. Para ele haveria uma negação da doença na medida em que

ela traz consigo ameaças graves de ser colocado à parte, de perder a inserção social que ainda se

tem, de literalmente “ir para baixo da ponte”. Para fazer frente a esse medo, a população pobre não

admite estar doente até o limite em que não pode mais trabalhar, ou não consegue levantar da cama.

Assim se explicaria um comportamento insólito: o de só aceitar buscar tratamento médico quando a

doença já se tornou muito grave.

Nesta análise, Dejours descreve as características das ideologias defensivas, tomando então como

exemplo o caso da população de conjuntos habitacionais franceses (semelhante a grupos favelados),

que tem uma situação de saúde muito precária, Dejours descreve a reticência maciça dessa

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população em falar da doença e do sofrimento. "Quando se está doente, tenta-se esconder o fato dos

outros, mas também da família dos vizinhos". Quando se chega a admitir a doença ele vivida como

vergonhosa sendo dadas para ela numerosas justificativas, como se fosse preciso se desculpar. Há

uma concepção coletiva da doença, própria desse meio, que relaciona a doença à preguiça e

vagabundagem. "Sarar, no subúrbio, é antes de tudo um problema de ânimo." Sarar é principalmente

não sofrer, domesticar a dor.

Para que a doença seja admitida é preciso que esta tenha atingido uma gravidade tal que impeça de

manter a atividade de trabalho.

A doença, e principalmente o hospital, assustam. O hospital pode fazer descobrir coisas muito

graves, coisas que se prefere não saber.

Dejours descreve então o que ele chama de ideologia da vergonha.

- Para esta população, o corpo só pode ser aceito no "silêncio dos órgãos"; somente o corpo que

trabalha, o corpo produtivo do homem, o corpo trabalhador da mulher são aceitos; e tanto mais

aceitos quanto menos se tiver necessidade falar deles.

- E há uma relação clara entre doença e não-trabalho. Para o homem a doença corresponde sempre

à "vergonha" de parar de trabalhar.

- Parar de trabalhar significa, para essa população, um grande risco de cair mais fundo na miséria.

Calar a dor é controlar a angústia, o medo das conseqüências da doença, que passa

freqüentemente pela perda do emprego.

- Para manter a coerência do mecanismo é preciso evitar as consultas médicas, recusar cuidados.

Neste mesmo livro, Dejours vai descrever também ideologias defensivas profissionais , como a dos

trabalhadores da construção civil. Nestes casos a defesa vai contra a organização do trabalho.

As ideologias defensivas têm como características:

- são funcionais e têm por objetivo mascarar, ocultar uma ansiedade particularmente grave.

- são específicas, mecanismos de defesa elaborados por um grupo social particular, que vive uma

situação assustadora comum a todos desse grupo específico, que gera medos específicos.

- são dirigidas para a controlar a ansiedade produzida pelo reconhecimento de perigos reais e

não contra a angústia proveniente de conflitos intra-psíquicos.

- são coletivas; para serem operatórias, devem obter a participação de todos os interessados;

aquele que não contribui ou que não partilha do conteúdo da ideologia é excluído.

- para serem funcionais, devem apresentar uma certa coerência (resistência as proteções médico

sanitárias, recusas regras de segurança).

- têm sempre um caráter vital, necessário; a ideologia defensiva torna-se obrigatória; substitui

os mecanismos de defesa individuais, e os torna impotentes. Esta observação é de grande

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importância clínica, permitindo compreender por que um indivíduo isolado de seu grupo social se

encontra brutalmente desprovido de defesas face à realidade com a qual ele é confrontado.

A estes mecanismos de defesa que são coletivos, Dejours contrapõe os mecanismos de defesa

individuais, dando o exemplo do trabalho repetitivo como aquele da linha de produção, ou de

certos trabalhos de informática ou de bancos. Refere-se ao trabalho taylorizado, cuja organização é

rígida e domina não somente a vida durante as horas de trabalho, mas também o tempo fora do

trabalho.

A proposta da Organização Científica do Trabalho (OCT) tem por objetivo o aumento da

produtividade, através da anulação dos chamados "tempos mortos". No entanto esses momentos de

redução de ritmo de trabalho são na realidade uma etapa do trabalho durante a qual agem operações

de regulagem destinadas a assegurar a continuidade da tarefa e a proteção da vida mental do

trabalhador. A Organização Científica do Trabalho expropria o saber operário; busca também, o que

tem sido menos comentado, anular a variedade de modos operatórios de uma mesma atividade,

e anula a liberdade de invenção. Ao eleger um modo operatório mais rápido como aquele a ser

seguido por todos, como padrão, sem modulações individuais, a OCT opera uma redução da

dimensão psicológica e mental do trabalho.

Além disso, a OCT isola cada operário dos demais. Pode até colocá-los em oposição uns aos outros:

"Ultrapassado pelas cadências, o operário que 'atrasa' atrapalha os que estão atrás dele na corrente

dos gestos produtivos." O trabalho por peças, o prêmio por produção...” pela própria estrutura desta

organização do trabalho, os operários são confrontados um por um, individualmente e na solidão, às

violências da produtividade." Face ao trabalho por peças, ao prêmio por produção, à aceleração das

cadências, o operário está só.

Na organização taylorista não há mais tarefa comum, nem obra coletiva, como é o caso da

construção civil ou da pesca marítima, por exemplo .

"A individualização, mesmo se ela é antes de tudo uniformizante, porque ela apaga as iniciativas

espontâneas, porque ela quebra as responsabilidades e o saber, porque ela anula as defesas

coletivas, a individualidade conduz, paradoxalmente, a uma diferenciação do sofrimento de um

trabalhador e de outro. Por causa do fracionamento da coletividade operária, o sofrimento que a

organização do trabalho (taylorizado) engendra exige respostas defensivas fortemente

personalizadas. Não há mais lugar praticamente para as defesas coletivas."

Apesar de toda essa violência, Dejours descreve alguns momentos ou situações em que os operários

conseguem produzir algumas resistências coletivas contra o tempo, o ritmo, as cadências e a

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organização do trabalho. Mas, na linha de produção, é sobretudo individualmente cada operário

deve se defender dos efeitos penosos da organização do trabalho .

O trabalho repetitivo ataca violentamente em a dimensão psíquica: "para o operário-artesão pré-

tayloriano, tudo se passava como se o trabalho físico, isto é, a atividade motora, fosse regulada,

modulada, repartida de equilibrada em função das aptidões e do cansaço do trabalhador por

intermédio da programação intelectual espontânea do trabalho. Neste edifício hierarquizado, o corpo

obedecia ao pensamento, que por sua vez era controlado pelo aparelho psíquico, o lugar do desejo

do prazer, da imaginação e dos afetos. O sistema Taylor age, de alguma maneira, por subtração do

estágio intermediário, o lugar da atividade cognitiva e intelectual ."

"Do choque entre um indivíduo, dotado de uma história personalizada, e a organização do trabalho,

portadora de uma injunção despersonalizante, emergem uma vivência e um sofrimento que podemos

tentar esclarecer."

Dejours descreve ainda como conseqüência a contaminação do tempo fora do trabalho pelas

estruturas que o trabalhador foi obrigado a produzir para se defender. Nada é mais penoso do que a

adaptação a uma tarefa repetitiva nova. Mais difícil que a manutenção da própria performance

produtiva, é a fase de treino que a precede. Longe do trabalho, nos fins de semana ou nas férias, o

operário mantém-se vigilante para não deixar apagar o condicionamento mental e o comportamento

produtivo duramente aprendido. Assim, não há somente uma contaminação, mas antes uma

estratégia, destinada a manter eficazmente a repressão aos comportamentos espontâneas que

marcariam uma brecha no condicionamento produtivo. Isso explica por que alguns trabalhadores

recusam-se a parar de trabalhar, seja tirando férias, seja quando necessitam de licenças de saúde ou

um outro afastamento temporário .

Capítulo 2 - Que sofrimento?

Dejours observa no discurso dos trabalhadores 2 sofrimentos fundamentais que produzem 2

sintomas: a insatisfação e a ansiedade (ou medo).

No discurso dos trabalhadores repete-se o tema da indignidade operária: tarefas desinteressantes

sentimento de inutilidade, a falta de qualificação e de finalidade do trabalho.

Esses sentimentos se condensam numa vivência depressiva dominada pelo cansaço. Esse cansaço

não se origina a só dos esforços físicos, mas do esforço de realizar uma tarefa anulando seu

conteúdo significativo, quer em relação ao sujeito quer em relação ao objeto.

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O conteúdo significativo do trabalho em relação ao sujeito, refere-se à dificuldade prática da

tarefa a, a significação da tarefa em relação a uma profissão e o estatuto social implicitamente ligado

ao posto de trabalho determinado. (Se fulano é psicólogo, o que isso me diz dele?)

O conteúdo significativo do trabalho em relação ao objeto refere-se aos investimentos simbólicos

e materiais destinados a um outro, isto é, um objeto. A tarefa pode veicular mensagens simbólica

para alguém. Esse outro a quem o trabalhador se dirige é tanto exterior e real quanto interiorizado.

Responder a um não implica necessariamente responder simultaneamente ao outro. Para cada

trabalhador essa dialética do objeto é específica e única.

Entra em consideração no conteúdo significativo do trabalho em relação ao objeto a produção como

função social, econômica e política. Mesmo se o engajamento pessoal no objetivo social da

produção não é possível, não há jamais neutralidade dos trabalhadores em relação ao que eles

produzem.

Ser colocado em postos de trabalho mais duros ou tranqüilos, mais ou menos valorizados, tem

significação em relação a fábrica, em relação às lutas atuais ou latentes. Do mesmo modo, os

significados do trabalho afetam as relações sociais e familiares do trabalhador. Não se pode esquecer

aí o salário que contém numerosas significações tanto concretas quanto abstratas.

O investimento narcísico só pode se renovar graças ao investimento objetal e vice-versa. Observe-se

que o essencial da significação do trabalho é subjetivo e apenas uma parte dessa relação é

consciente.

O homem procura transformar o trabalho aproximando o trabalho daquilo que pode lhe trazer mais

satisfação; quando o trabalho rígido, isso se torna muito difícil gerando grande cansaço. "O

sofrimento começa quando a relação homem-organização do trabalho está bloqueada; quando o

trabalhador usou o máximo de suas faculdades intelectuais, psicoafetivas, de aprendizagem e de

adaptação; quando o trabalhador usou de tudo que dispunha de saber e de poder na organização do

trabalho e quando ele não pode mais mudar a tarefa, isto é: quando foram esgotados os meios de

defesa contra a exigência física. (...) A certeza de que o nível atingido de insatisfação não pode

mais diminuir marca o começo do sofrimento."

"Da análise do conteúdo significativo do trabalho é preciso reter a antinomia entre satisfação e

organização do trabalho. Via de regra, quanto mais a organização do trabalho é rígida, mais a

divisão do trabalho é acentuada, menor é o conteúdo significativo do trabalho e menores as

possibilidades mudá-lo. Correlativamente, o sofrimento aumenta."

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O sofrimento proveniente do baixo conteúdo significativo do trabalho é bem conhecido. "Mas existe

um outro componente da insatisfação totalmente desconhecido: a aquele que resulta da inadequação

da relação homem-conteúdo ergonômico do trabalho."

Esse conteúdo pode ser conhecido numa análise (ergonômica) do posto de trabalho em que se

estuda o ambiente físico, as tarefas prescritas e as principais exigências do posto de trabalho. Em

geral tais análises geram resultados positivos e pontuais, como a melhoria da posição do trabalhador

no posto de trabalho, a atenuação do barulho, a intensificação de iluminação, etc. Mas não é avaliada

a relação do trabalhador com seu trabalho. A vivência subjetiva do trabalho pode não acompanhar

as melhorias objetivas implantadas. Muitas vezes, após um alívio momentâneo, a insatisfação

reaparece. E, em muitos casos, o alívio trazido pela correção ergonômica - por exemplo, a colocação

de um assento regulável - é recuperada pela organização do trabalho. O alívio da carga de trabalho

permite a intensificação da produtividade.

Para evitar equívocos na avaliação da vivência subjetiva do trabalho pode-se recorrer às vivências

subjetivas coletivas. Dejours afirma que "a discordância vivências subjetivas-estado de saúde é

observada sobretudo na economia individual de um sujeito. Ao contrário, do grupo emana, em geral,

uma vivência subjetiva coletiva que envolve as variações individuais."

Dejours se refere aqui a uma relação sutil entre as características ergonômicas do trabalho e a

economia psicossomática dos trabalhadores. Se, para alguns, um trabalho de alta exigência física

pode ser agressivo, para outros pode ser equilibrador; do mesmo modo a exigência de alta

responsabilidade, etc. Se estas necessidades são desrespeitadas podem surgir sintomas, problemas,

em primeiro lugar no corpo (doenças conseqüentes de uma desorganização psicossomática).

As exigências da tarefa representam, para os trabalhadores, uma certa carga de trabalho. Esta

carga resulta de um confronto do trabalhador com a tarefa que deve ser analisado levando-se em

conta os componentes subjetivos e as estruturas de personalidade destes trabalhadores. A carga de

trabalho tem componentes de carga física, de carga psicomotora e também de carga psíquica.

exigências da tarefa - também chamadas, em francês, de contraintes

carga de trabalho - também chamadas, em francês, de astreintes)

A insatisfação em relação ao conteúdo significativo da tarefa engendra um sofrimento cujo ponto de

impacto é, antes de tudo, mental, em oposição ao sofrimento resultante do conteúdo ergonômico da

tarefa, que incide sobre o corpo.

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Capítulo 3 - Trabalho e medo.

O assunto nesse capítulo é o medo, um conceito que não é psicanalítico, que responde a aspectos

concretos da realidade e exige sistemas defensivos específicos. O medo está presente em todos os

tipos de ocupação profissional.

Algumas categorias profissionais são expostas a riscos relacionados a integridade física. É o caso da

construção civil, da pesca em alto-mar, dos trabalhos em profundidade etc. Em todos estes casos, os

riscos estão relacionados ao corpo do indivíduo. O risco é muitas vezes inerente ao trabalho,

independente da vontade do trabalhador. Freqüentemente o risco é coletivo, podendo ocasionar

acidentes que envolvem vários trabalhadores. O risco é coletivo na maioria das situações de trabalho

em que vários operários colaboram na mesma tarefa. Mesmo se o risco é combatido por medidas e

regras de segurança, quase sempre temos uma prevenção incompleta, seja devido à limitação dos

investimentos necessários e que seja por que o risco o suas manifestações são mal conhecidos..

Existem medidas de proteção chamadas de "equipamentos de proteção individual" (máscaras, botas,

capacetes...) e "equipamentos de proteção coletiva" (sistemas de exaustão para todo um ambiente,

grades de proteção em lugares altos...). Dejours observa que são eficazes apenas as medidas de

proteção chamadas de "proteções coletivas".

De qualquer maneira ha um risco residual que não é completamente eliminado pela organização do

trabalho e que deve ser assumido individualmente. O problema do medo do trabalho surge desta

oposição entre a natureza coletiva e material do risco residual e a natureza individual e psicológica da

prevenção a cada instante de trabalho. Contra esse medo e a impressão dolorosa de que ele deve

ser, bem ou mal, assumido individualmente, os trabalhadores elaboram defesas específicas. Quando

essas defesas são muito eficazes praticamente não se encontra mais nenhum indício de medo no

discurso do trabalhador. Assim para estudá-las é preciso procurar pelos sinais indiretos, que são

justamente esses sistemas defensivos.

Para falar do medo Dejours apresenta um exemplo da indústria química. Nestas indústrias como

outras existem riscos para a integridade física que são freqüentemente estudados. Mas esse perigo

real tem repercussões a nível mental, gera uma carga de trabalho psíquica inerente ao trabalho

perigoso.

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Mas, em algumas situações não se observa o medo através de nenhuma expressão direta. O perigo

existe, mas os trabalhadores não parecem ter medo. Deve-se então procurar pelos sinais indiretos do

medo.

Para falar de sinais indiretos do medo de Dejours vai dar o exemplo da ideologia ocupacional

defensiva que se observa no caso da construção civil. Nesta ocupação existe um comportamento

insólito conhecido como resistência dos trabalhadores as normas de segurança. O trabalhador se

comporta como se ignorasse ou desprezasse o risco. Dejours analisa esse comportamento como

uma fachada que pode se desmanchar e deixar emergir uma ansiedade imprevista e dramática num

momento de desafio. A vivência do medo existe mas encontra-se contida pelos mecanismos de

defesa. Estes são absolutamente necessários. Dejours volta a apontar as características da ideologia

defensiva repetindo as características que já haviam sido mencionadas no capítulo 1: a pseudo-

inconsciência do perigo, o caráter coletivo do sistema defensivo, o valor funcional da ideologia

defensiva em relação à produtividade, a exclusão daqueles que não participam de sistema defensivo

e a necessidade, para sua elaboração, de um trabalho feito em equipe, em que haja uma divisão de

tarefas.

O trabalho na linha de montagem com na produção por peças e metas predefinidas também gera

medo.. A situação de trabalho por produção é completamente impregnada pelo risco de não

acompanhar o ritmo imposto e "perder o trem". Neste caso, como não há trabalho feito em grupo, não

ha grande possibilidade de se produzirem defesas coletivas. O essencial da ansiedade deverá então

ser assumido individualmente.

Nesta situação adquirir uma habilidade é extremamente custoso. Após haver adquirido um certo

hábito e um certo controle de seu posto de trabalho os trabalhadores apegam-se a estes hábitos de

modo não perder tais vantagens através de uma mudança qualquer. Diz Dejours: "é o que alguns

psicólogos chamam de resistência a mudanças!"

Como relação de trabalho considera-se todos os laços humanos criados pela organização do

trabalho: relações com a hierarquia, com as chefias, com supervisão, com os trabalhadores. E, no

setor de serviços é freqüentemente dessas relações de trabalho que se origina o medo.

Capítulo 4 - Um contra exemplo: a aviação de caça.

Neste capítulo, Dejours vai descrever como uma situação de alto risco pode ser prazerosa e

relaciona isso às condições específicas de personalidade daqueles que procuram essa ocupação.

Capítulo 5 - A exploração do sofrimento.

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De uma geral, a doença física só pode ser prejudicial à produção e à rentabilidade da empresa. Mas

com relação ao sofrimento psíquico não se observa essa mesma relação. Na discussão da ideologia

defensiva, Dejours já afirmou que ela é funcional, que ela é favorável à produção. No caso dos

trabalhos repetitivos, os comportamentos condicionados não apenas são conseqüências da

organização do trabalho, mas estruturam toda a vida externa ao trabalho, contribuindo para submeter

os trabalhadores aos critérios da produtividade O sofrimento mental pode ser um intermediário

necessário à submissão do corpo.

Além dos casos já tratados nos capítulos anteriores Dejours traz neste capítulo o sofrimento das

telefonistas e o sofrimento dos trabalhadores da indústria petroquímica.

No caso das telefonistas o sofrimento proveniente da insatisfação pode ser usado para aumentar a

produtividade. Diversos aspectos da organização do trabalho produzem na telefonista uma irritação.

Quanto mais ela se enerva, mais se sente agressiva e mais deve intensificar auto-repressão. As

reações agressivas são provocadas pelo interlocutor, pelo controle e pelo conteúdo inadequado da

tarefa. Esta agressividade vai ser explorada pela organização do trabalho. Impedida de encontrar

uma saída direta, essa agressividade é voltada contra si mesma. Dejours descreve assim o destino

dessa agressividade: "Diante da necessidade de respeitar a realidade, a telefonista tem interesse de

orientar esse energia para uma adaptação à tarefa. Devido a um processo que transforma

agressividade em culpa, por intermédio de um retorno contra si mesma, é implantado um círculo

vicioso, onde a frustração alimenta a disciplina - base do comportamento condicionado discutido no

capítulo 2. A telefonista transforma-se na artesã do seu próprio condicionamento."

No caso da irritação contra o assinante desagradável a única maneira de livrar-se dele é reduzir o

tempo da comunicação, empurrar o interlocutor para desligar mais depressa. De maneira que a única

saída para agressividade é trabalhar mais depressa .

O que é explorado pela organização do trabalho não é o sofrimento em si mesmo, mas os

mecanismos de defesa utilizados contra esse sofrimento. No caso das telefonistas, o sofrimento

resulta da organização do trabalho robotizante, que expulsa o desejo próprio do sujeito. A frustração

e agressividade resultantes, assim como a tensão e o nervosismo, são utilizados especificamente

para aumentar o ritmo de trabalho.

No caso da indústria petroquímica o medo pode ser a engrenagem determinante da organização do

trabalho.

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Embora haja um saber o operário importante, proveniente da prática, esse saber pragmático tem

lacunas que produzem um grande mistério sobre o andamento da produção. O saber teórico das

chefias técnicas também deixa lacunas e os operários sabem disso. A prova disso está na ocorrência

de incidentes não previstos, que não se poderia prever ou que nunca se conseguiu compreender

bem, e que podem se repetir.

O medo aumenta com a ignorância. Quando o trabalhador é mudado de função, por exemplo, tem

mais medo, pois ainda não conhece os macetes. Mudanças freqüentes para diferentes postos de

trabalho, uma das propostas das atuais tecnologias de gestão (polivalência), tende a aumentar o

medo, uma vez que ninguém pode saber tudo com mesmo grau de competência.

Dejours afirma que o medo serve à produtividade, pois esse tipo de atmosfera de trabalho faz com

que os operários estejam especialmente sensíveis e atentos para qualquer anomalia, a qualquer

incidente no desenvolvimento do processo de produção. O medo partilhado cria uma verdadeira

solidariedade na eficiência. O risco diz respeito a todo mundo.

Capítulo 6 - A organização do trabalho e a doença.

Tendo descrito situações diversas de sofrimento psíquico não reconhecido, provocado pela

organização do trabalho, Dejours pretende mostrar agora como funcionam os sistemas de defesa

colocados em prática para conter e sofrimento. As estratégias defensivas, por sua vez, podem ser

utilizadas pela organização do trabalho para aumentar a produtividade. A questão é saber se a

exploração do sofrimento pode ter repercussões sobre a saúde dos trabalhadores, do mesmo modo

que podemos observar a exploração da força física. "Talvez o mais insólito, na abordagem

psicopatológica da organização do trabalho, é que a exploração mental seja fonte de mais-valia nas

tarefas desqualificadas cuja reputação é de serem estritamente manuais."

Com raras exceções não se observa nenhuma doença mental caracterizada como

conseqüência do trabalho. Mesmo intenso, o sofrimento é razoavelmente bem controlado pelas

estratégias defensivas, para impedir que se transforme em patologia. Quando ocorrem

descompensações, essas são detectadas através dos critérios de rendimento na produção. A punição

sistemática é a exclusão imediata do trabalho. Se acrescentarmos a esse mecanismo de exclusão

certas técnicas de seleção de pessoal, veremos que o trabalho deve assegurar uma verdadeira

"assepsia mental".

Dejours dá dois exemplos, um do trabalho na indústria eletrônica outro da fábrica de automóveis

Renault. Por estes exemplos mostra que o ritmo de trabalho, os níveis de exigência, são em geral

mantidos dentro da tolerância do coletivo de trabalho. Mas pode acontecer que um trabalhador,

isoladamente, não consiga manter os ritmos de trabalho ou manter seu equilíbrio mental.

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Forçosamente a saída será individual. Duas soluções são possíveis: largar o trabalho, trocar de posto

ou de empresa; ou faltar freqüentemente ao trabalho. O sofrimento mental e a fadiga são proibidos de

se manifestarem numa fábrica. Só a doença mental é admissível. Por isso o trabalhador deverá

apresentar um atestado médico, que geralmente é acompanhado por uma receita de remédios. A

consulta médica termina por disfarçar o sofrimento mental: é o processo de medicalização em que se

procura não somente deslocamento do conflito homem-trabalho para um terreno mais neutro, mas

também a desqualificação do sofrimento mental.

Dejours afirma que a exploração do sofrimento pela organização do trabalho não cria doenças

mentais específicas. Não existem psicoses do trabalho nem neuroses do trabalho. As

descompensações psicóticas e neuróticas dependem, em última instância, da estrutura de

personalidade, adquirida muito antes engajamento na produção. A estrutura de personalidade pode

explicar a forma sob a qual a aparece a descompensação e seu conteúdo. Mas não é suficiente para

explicar o momento em que essa descompensação surge. A organização do trabalho pode favorecer

o surgimento de uma descompensação. Deve-se levar em consideração três componentes da relação

homem-organização do trabalho: a fadiga, que faz com que o aparelho mental perca sua

versatilidade; o sistema frustração e agressividade reativa, que deixa sem saída uma parte importante

de energia pulsional; e a organização do trabalho como correia de transmissão de uma vontade

externa, que se opõe aos investimentos das pulsões e às sublimações. Problemas crônicos de uma

vida mental sem saída, mantidos pela organização do trabalho, tem provavelmente um efeito que

favorece as descompensações psiconeuróticas.

Dejours apresenta exemplos de relações entre o trabalho e as possibilidades da clínica psicoterápica.

Uma das questões que aborda á relativa ao modo como a necessidade do paciente de manter uma

ideologia defensiva ativa pode impedir a o tratamento psicoterápico. Se a psicoterapia progride isso

acarretará como conseqüência a perda do emprego.

Refere-se também ao caso da "síndrome subjetiva pós-traumática”. Essa síndrome aparece, em

geral, após a cicatrização de uma ferida, a consolidação de uma fratura ou da cura de uma

intoxicação aguda. Caracteriza-se por uma grande variedade de problemas funcionais, ou seja, sem

substrato orgânico, ou pela persistência anormal de um sintoma que apareceu depois do acidente.

Muitas vezes esses sintomas subjetivos impedem o retorno ao trabalho. O estudo de numerosos

casos clínicos mostra que esta síndrome atinge freqüentemente os operários da construção civil e os

trabalhadores com tarefas perigosas. A referência à ideologia defensiva das profissões da construção

civil permite estabelecer uma explicação psicopatológica: tudo se passaria como se o acidente

comprovasse a ineficácia da ideologia ocupacional. A coragem, a virilidade e o desafio ao medo

teriam mostrado, através do acidente, sua impotência para proteger o operário. Convencido da

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realidade do risco e excluído da ideologia ocupacional, o trabalhador acidentado deverá, a partir de

então, enfrentar individualmente o perigo. Nessas condições compreende-se que o trabalhador

acidentado recuse energicamente retomar o trabalho. Mas recusar-se a retomar o trabalho por

ansiedade ou medo equivaleria à demissão sem indenização nem pensão. Somente uma doença

mental caracterizada permitiria a aquisição de um status de invalidez.

A impossibilidade de analisar essa síndrome resulta, provavelmente, de seu determinismo antes de

tudo sócio-profissional e não psicoafetivo. Seu sentido e significado não podem ser desvelados pela

história passada do sujeito; residem, ao contrário, na natureza das condições e da organização do

trabalho.

Dejours vai ainda tratar deste capítulo do modo como a impossibilidade de lidar com sofrimento no

trabalho pode acarretar o aparecimento de uma doença psicossomática. Para ele a organização do

trabalho pode ser causa de uma fã agilização sua má ética na medida em que ela pode bloquear os

esforços do trabalhador para adequar o modo predatório as necessidades de sua estrutura mental.

Conclusões

Hipótese do livro : a organização do trabalho que exerce sobre homem uma ação específica de

impacto sobre o aparelho psíquico.

O sofrimento de natureza mental começa quando o homem, no trabalho, já não pode fazer nenhuma

modificação na sua tarefa no sentido de torná-lo mais conforme as suas necessidades fisiológicas e a

seus desejos psicológicos, isto é, quando a relação homem trabalho é bloqueada.

O trabalho repetitivo cria insatisfação e o trabalho perigoso cria medo. Contra uma angústia do

trabalho, assim como contra a insatisfação, os operários elaboram estratégias defensivas fazendo

com que o sofrimento não seja imediatamente identificável, ele fica mascarado por uma ideologia

defensiva de profissão.

Tarefas taylorizadas – produzem a síndrome subjetiva da fadiga nervosa e a síndrome de

contaminação pelos comportamentos condicionados

quando a relação organização do trabalho é favorável ao invés de ser conflituosa é porque pelo

menos uma das duas condições seguintes é realizada:

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- as exigências e intelectuais, motoras ou psico-sensoriais da tarefa estão de acordo com as

necessidades do trabalhador, de tal maneira que o simples exercício da tarefa está na origem de uma

descarga e de um prazer de funcionar.

- O conteúdo do trabalho é fonte de uma satisfação sublimatória: situação rara onde a concepção do

conteúdo, do ritmo de trabalho e do modo operatório é, em parte, deixada ao trabalhador.

O sofrimento, ou melhor, os mecanismos de defesa empregados contra ele, em alguns casos se

revelam propícios a produtividade.

Desalienação como proposta de transformação social.