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    SOUZA, Rafael Bezerra de. Violncia domstica: possveis retrocessos na efetivao da lei Maria da

    Penha. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Programa de Ps-Graduao Stricto Sensuem CinciaJurdica da UNIVALI, Itaja, v.5, n.1, 1 quadrimestre de 2010. Disponvel em:www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791

    VIOLNCIA DOMSTICA: POSSVEIS RETROCESSOS NA

    EFETIVAO DA LEI MARIA DA PENHA

    Rafael Bezerra de Souza1

    SUMRIO: Objetivos;1. Metodologia; 2. Discusso Terica; 3. Introduo; 4.Violncia contra a mulher: um novo tempo; 5. A ameaa aos avanos da Lei

    Maria da Penha: O PL n. 156/09, a polmica no STJ da necessidade derepresentao da vtima e a Teoria do Princpio do No-Retrocesso Social;Consideraes Finais; Referncias das Fontes Cidads.

    RESUMO

    A Lei Maria da Penha (LMP) promulgada em 2006 constituiu-se promissorEstatuto de Combate Violncia Domstica e Familiar contra a Mulher,instituindo inovadoras medidas protetivas ao gnero feminino, na seara dosdireitos humanos, em nosso anacrnico ordenamento jurdico. No entanto, o

    novel diploma legal tem sido alvo de intensas manifestaes institucionais deresistncia a sua implementao, insensveis reviso de costumes e valoresdiscriminatrios a muito incorporados ao modo de atuar da sociedade brasileira,sendo a mais recente o PLS n. 156/09, que tramita no Senado Federal nacontramo das conquistas j galgadas atravs da intensa luta do MovimentoFeminista. Objetiva-se, desta feita, a anlise das repercusses negativas trazidaspela premente ameaa de aprovao do Projeto de Lei de reforma do Cdigo deProcesso Penal CPP, em face dos avanos e das efetivas concretizaes legaisde mecanismos de preveno e coibio de violncia domstica e familiar contraa mulher implementados no ordenamento jurdico brasileiro, a partir dapromulgao da Lei Maria da Penha, em flagrante ofensa ao chamado Princpio

    do No-Retrocesso Social, em sentido estrito, principalmente, no referente eficcia protetiva dos direitos fundamentais sociais das mulheres e da seguranajurdica, em face do legislador infraconstitucional.

    PALAVRAS-CHAVE:Violncia contra a mulher; Lei Maria da Penha; Princpio doNo-Retrocesso Social.

    1O referido autor concluinte do curso de Direito da Universidade Federal dePernambuco UFPE (Recife/PE/Brasil); Ex-Monitor da Disciplina "Direito ConstitucionalII", sob orientao do Prof. Dr. Gustavo Ferreira Santos, nesta mesma Instituio deEnsino Superior. Ex-Secretrio-Geral da Comisso para o Desenvolvimento Acadmico(CDA) - OAB/PE. Endereo Eletrnico: [email protected]

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    ABSTRACT

    The Maria da Penha Act promulgated in 2006 to establish as promising Statute ofCombat to Domestic and Family Violence against the Woman, institutingprotective measured innovators for the feminine gender, in the scope of thehuman rights, in our anachronic juridical order. However, the novel legaldocument has been objective of intense institutional manifestations of resistanceits implementation, insensitive to the revision of habits and discriminatory valuesto very incorporate to the way of acting of the Brazilian society, being the mostrecent the PLS n. 156/09, that goes through the procedure in the FederalSenate in the against-hand of the conquests walked fast already through theintense fight of the Feminist Movement. To objective a analysis of negativesrepercution cause for threat of project laws approval of Code Criminal, in face ofadvances and legal substantiations of domestic violences prevention measures,from of promulgation of Maria da Penha Act, in offense to called Non-Retrocession Social Principle, in strict sense.

    KEY-WORDS: Violence against the woman; Maria da Penha Act; Non-Retrocession Social Principle.

    OBJETIVOS

    O presente trabalho possui como objetivo a anlise das repercusses negativas

    trazidas pela premente ameaa de aprovao do Projeto de Lei de reforma do

    Cdigo de Processo Penal CPP, em face das efetivas conquistas de mecanismos

    legais de preveno e coibio de violncia domstica e familiar contra a mulher

    implementados no ordenamento jurdico brasileiro a partir da promulgao da Lei

    Maria da Penha (LMP), sob o marco terico do Princpio do No-Retrocesso

    Social, em sentido estrito2.

    2 O Princpio do No-Retrocesso Social, em sentido estrito, significa que os avanosobtidos pela via infraconstitucional tendo como exemplo os decorrentes dapromulgao da LMP que concretizam direitos fundamentais elencados naConstituio, no admitem o retrocesso por meio das normas ordinrias exemplificativamente, projeto de lei.

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    1. METODOLOGIA

    A metodologia adotada para a elaborao do presente artigo foi a anlise de

    textos doutrinrios que revelam a realidade de violncia intrafamiliar e a

    discriminao de gnero existente em nosso pas, bem como, de tratados e

    convenes internacionais concretizadores de instrumentos de proteo e

    garantia de direitos fundamentais sociais da mulher positivados na Constituio

    Federal brasileira de 1988; do texto legislativo do PLS n. 156/09 e de dados

    estatsticos, tanto da violncia domstica e familiar contra a mulher, como dos

    avanos trazidos a partir da promulgao da Lei Maria da Penha. Por fim, lanou-

    se mo de doutrina jurdica defensora da Teoria do Princpio do No-Retrocesso

    Social.

    2. DISCUSSO TERICA

    A discusso terica ora proposta possui como pano de fundo a aplicao do

    Princpio do No-Retrocesso Social, em sentido estrito, realidade infralegal

    brasileira, no que tange aos avanos alcanados aps a promulgao e

    implementao da Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/06), que proporcionou a

    concretizao ftica de direitos fundamentais sociais s mulheres. A defesa da

    aplicao do referido princpio deve-se proposio de Projeto de Lei que tramita

    no Senado Federal (PLS n. 156/09), que promove ameaa de verdadeiro

    retrocesso garantia de efetivao de direitos implementada pela referida Lei,em busca da igualdade de gnero.

    3. Introduo

    O Ordenamento Jurdico brasileiro, at a dcada de 1980, tratou com bastante

    negligncia a temtica de gnero, no que tange ao combate s diversas formas

    de discriminao e violncia contra a mulher, podendo-se constatar, em uma

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    breve anlise de seu contedo, um verdadeiro vcuo legislativo, bem como, a

    omisso inconstitucional do Estado Brasileiro3, face existncia de flagrante

    descumprimento de tratados e convenes internacionais contrrios a esta triste

    realidade social brasileira.

    Neste cenrio nacional legiferante de ausncia de maior efetividade na proteo

    dos direitos da mulher e no combate a todas as formas de violncia domstica, a

    Lei n. 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, implementou inmeros

    avanos legais, objetivando a constituio de um novo paradigma de resoluo

    de conflitos domsticos de gnero, em face de instituda naturalizao desta

    alarmante problemtica social de notvel mbito pblico.

    Aps mais de trs anos de sua promulgao e de hercleos esforos para a

    garantia de sua efetividade, este verdadeiro microssistema jurdico de

    enfrentamento da violncia intrafamiliar alcanou significativos avanos na

    concretizao de direitos sociais para as mulheres, irradiando, nacionalmente, o

    empoderamento e o resgate da cidadania feminina, principalmente, daquelas que

    se encontram em situao de violncia domstica e familiar.

    No entanto, em descompasso a essa notria mudana de paradigma trazida pela

    Lei Maria da Penha (LMP), tramita no Senado Federal o PLS n 156/20094, que

    objetivando reformar o Cdigo de Processo Penal - CPP, promove, em relao a

    este novel diploma legal verdadeiro retrocesso socialao retomar, dentre outras

    medidas, a lgica do tratamento da violncia domstica e familiar como crimes

    de menor potencial ofensivo, sujeitando-os novamente competncia

    jurisdicional dos Juizados Especiais Criminais JECrims, em flagrante ofensa aochamado Princpio do No-Retrocesso Social, em seu sentido estrito.

    3 PIOVESAN, Flvia e PIMENTEL, Silvia. Lei Maria da Penha: Inconstitucional no a lei,mas a ausncia dela. Correio do Estado, Mato Grosso do Sul, 17 out 2007. Disponvelem:[http://www.violenciamulher.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=169&catid=1:artigos-assinados&Itemid=5]..

    4 Em razo do presente artigo haver sido elaborado, em sua essncia, em dezembro de2009, sugere-se o acompanhamento de sua tramitao junto Comisso deConstituio, Justia e Cidadania CCJ do Senado Federal, atravs do endereoeletrnico http://www.senado.gov.br/sf/atividade, bem como mobilizao junto aosSenadores de cada Estado para que referido retrocesso no ocorra.

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    4. VIOLNCIA CONTRA A MULHER: UM NOVO TEMPO

    At oadvento da LMP, imperava na sociedade brasileira um anacrnico costume

    jurdico, o qual Aguado5 nos leva a compreender - durante muito tempo

    introjetado e interiorizado de que o privado no poltico e de que os Poderes

    Pblicos tm pouco a dizer da porta para dentro, no que tange violncia

    intrafamiliar. D-se, assim, margem falaciosa ideia da privacidade da

    instituio familiar como escudo institucional para os maus tratos, a violncia e

    outras manifestaes sutis desta modalidade discriminatria revelada na

    microfsica do poder.

    Para atestar esta trgica realidade nacional alguns estudos estatsticos sobre a

    violncia contra a mulher revelam: a Organizao Mundial de Sade - OMS

    estima que 70% das mulheres assassinadas no mundo sejam vtimas de seus

    prprios companheiros6. Estima-se que no Brasil, uma em cada seis mulheres

    sofre violncia; 80% das vtimas tm filhos em comum; 70% das mulheres que

    relatam a violncia sofrida evidenciam continuar em risco de espancamento ou

    morte; mais de 50% das mulheres agredidas registram conhecer pelo menos

    uma mulher j agredida pelo seu companheiro; 30% das mulheres brasileiras

    sofrem todos os dias algum tipo de violncia7.

    Em recente estudo publicado pelo Ministrio da Sade MS registrou-se entre os

    anos de 2006 e 2007, apenas nos municpios brasileiros que implantaram o

    5 AGUADO, Ana. Violencia de gnero, sujeito femenino y ciudadana en la sociedadecontempornea. p. 25-26, traduo nossa.

    6 LIMA, Fausto Rodrigues de e SILVA, Karina Alves. Feminicdio. Folha de So Paulo,So Paulo, 05 nov 2008. Disponvel:[http://www.violenciamulher.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1448:femicidio-fausto-rodrigues-de-lima-e-karina-alves-silva-folha-de-spaulo-051108&catid=1:artigos-assinados&Itemid=5]. Acesso em: 31 out 2009.

    7 FACHIN, Rosana Amara Girardi e FACHIN, Luiz Edson. A constitucionalidade da LeiMaria da Penha. Gazeta do Povo, Paran, 24 mar 2008, Disponvel em:[http://www.violenciamulher.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=956:a-constitucionalidade-da-lei-maria-da-penha-rosana-amara-girardi-fachin-e-luiz-edson-fachin&catid=1:artigos-assinados&Itemid=5]. Acesso em: 31 out 2009.

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    Sistema de Vigilncia de Violncia e Acidentes VIVA, 9.038 casos de violncia

    domstica, sexual e outras violncias por sexo, dos quais 2.316 (25,6%)

    ocorreram entre homens e 6.722 (74,4%), entre mulheres. Em anlise do perfil

    global da violncia contra a mulher constatou-se que esta foi cometida por um

    nico indivduo (76,3%), do sexo masculino (72,1%), e que mantinha relao

    prxima com a vtima na condio de cnjuge (19,5%) ou conhecido (11,4%)8.

    O primeiro intento brasileiro em modificar esta realidade medieval em nosso

    ordenamento foi a ratificao da Conveno sobre a Eliminao de Todas as

    Formas de Discriminao contra a Mulher CEDAW/ONU, em 1 de fevereiro de

    19849, na qual se prescreve:

    A discriminao contra a mulher viola os princpios da igualdadede direitos e do respeito dignidade humana, dificultando aparticipao da mulher, nas mesmas condies que o homem, navida poltica, social, econmica e cultural de seu pas, constituindoum obstculo ao aumento do bem-estar da sociedade e da famliae impedindo a mulher de servir o seu pas e a Humanidade10.

    O segundo impulsionamento encontra-se prescrito em nossa Constituio Federal

    de 1988, na qual em seu artigo 226, caput, e no 8 do mesmo dispositivo

    expressa compromisso constitucional que somente pde ser concretizado

    faticamente dezoito anos depois, com a implementao da Lei Maria da Penha,

    no mbito infralegal em 2006:

    Art. 226, caput, CF - A famlia, base da sociedade, tem especialproteo do Estado.

    8 - O Estado assegurar famlia na pessoa de cada um dos

    que a integram, criando mecanismos para coibir a violncia nombito de suas relaes.

    8 BRASIL. Ministrio da Sade. Secretaria de Vigilncia em Sade. Departamento deAnlise de Situao de Sade. Viva: vigilncia de violncias e acidentes. p. 141-142.

    9 BRASIL. Decreto legislativo n 93, de 14 de novembro de 1983. Promulga a Convenosobre a eliminao de todas as formas de discriminao contra a mulher. (PromulgaoDecreto n 4.377, de 13 de setembro de 2002). Disponvel em:[http://www.cfemea.org.br/pdf/D4377.pdf]. Acesso em: 31 out 2009.

    10Conveno sobre a Eliminao de Todas as Formas de Discriminao contra a Mulher CEDAW/ONU. Disponvel em:[http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/mulher/lex121.htm]. Acesso em: 31 out2009.

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    A terceira relevante tentativa tratou-se da ratificao da Conveno

    Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violncia contra a Mulher,

    tambm conhecida como Conveno de Belm do Par, datada de 27 de

    novembro de 199511, na qual se redefiniu a violncia e a discriminao contra a

    mulher como uma violao dos direitos humanos.

    Tais incorporaes de direitos e garantias decorrentes de expresso compromisso

    positivado em nossa Carta Maior e da celebrao de tratados internacionais

    possuidores de status de lei infraconstitucional12promoveram o deslocamento do

    debate da violncia contra a mulher para o mbito pblico, sob a perspectiva

    histrica da existncia de relaes sexistas e patriarcais ainda arraigadas em

    nosso pas13. No entanto, apesar do profundo acmulo ocorrido nos ltimos anos

    decorrente de conquistas obtidas atravs da incessante interferncia nos espaos

    decisrios da sociedade brasileira por parte da atuao dos movimentos

    feministas, muitos direitos sociais para as mulheres precisam ainda ser

    concretizados.

    A implementao da LMP acarretou, indubitavelmente, avanos significativos na

    busca de mecanismos legais de proteo mulher, constituindo-se promissor

    Estatuto de Combate Violncia domstica e Familiar contra a Mulher: inovaes

    no processo judicial; nos papis das autoridades policiais e do Ministrio Pblico;

    alteraes nos Cdigos Penal (CP) e Processo Penal (CPP); na Lei de Execues

    Penais (LEP), e, principalmente, suas maiores novidades: a consagrao, pela

    primeira vez no mbito infraconstitucional, da ampliao do conceito de famlia

    s unies homoafetivas, bem como, a criao dos Juizados de Violncia

    11BRASIL. Decreto legislativo n 107, de 31 de agosto de 1995. Promulga a Convenointeramericana para prevenir, punir e erradicar a violncia contra a mulher.(Promulgao: Decreto n 1.973, de 1 de agosto de 1996). Disponvel em:. Acessoem: 04 nov. 2009.

    12Conforme disposto no 2, do art. 5, CRFB Os direitos e garantias expressos nestaConstituio no excluem outros decorrentes do regime e dos princpios por elaadotados, ou dos tratados internacionais em que a Repblica Federativa do Brasil sejaparte.

    13BOCK, Gisela apudAGUADO, Ana.Violencia de gnero, sujeito femenino y ciudadanaen la sociedade contempornea. In: Marcadas a ferro.p. 24.

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    Domstica e Familiar contra a Mulher JVDFMs, com competncia cvel e

    criminal14.

    Estatisticamente, os nmeros so ainda mais expressivos: em pesquisa

    elaborada em julho de 2008 pelo IBOPE/THEMIS Assessoria Jurdica e Estudos

    de Gnero, com o apoio da Secretaria Especial de Polticas Pblicas para as

    Mulheres da Presidncia da Repblica, em um universo de 2.002 pessoas, 68%

    delas conhecem a Lei Maria da Penha, dos quais 83% reconhecem sua eficcia

    no enfrentamento violncia domstica e na diminuio de seus ndices15.

    Em esforo institucional e financeiro para a efetivao e cumprimento da LMP, oMinistrio da Justia, por meio do PRONASCI (Programa Nacional de Segurana

    Pblica com Cidadania), firmou convnio junto Secretaria de Reforma do

    Judicirio rgo ligado ao Ministrio da Justia, Secretaria Especial de

    Polticas Pblicas para as Mulheres da Presidncia da Repblica - SPM, ao

    Conselho Nacional de Justia CNJ, aos Tribunais de Justia, aos Ministrios

    Pblicos e s Defensorias Pblicas dos Estados, formalizando repasse de recursos

    na ordem de R$ 11 milhes para o fortalecimento de 18 JVDFMs j existentes e

    a criao de outros 22, a estruturao de 14 novas Promotorias e de 26 ncleos

    especializados no atendimento s vtimas (inclusive, em Pernambuco)16.

    Alm disso, mais R$ 7,5 milhes foram destinados criao de centros de

    referncia, ao reaparelhamento de Casas Abrigo, criao de mais 13 juizados

    especializados e outros servios de atendimento mulher que contribuem para a

    14 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justia: a efetividade da Lei11.340/2006 de combate violncia domstica e familiar contra a mulher. p. 24-36.

    15FREIRE, Nilcia. Lei Maria da Penha, j! Folha de So Paulo, So Paulo, 07 ago 2008,Disponvel em:[http://www.violenciamulher.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=13&catid=1:artigos-assinados&Itemid=5]. Acesso em: 31 out 2009.

    16FAVRETO, Rogrio. Efetivao da Lei Maria da Penha. Folha de So Paulo, So Paulo,17 ago 2008, Disponvel em:[http://www.violenciamulher.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=749:efetivacao-da-lei-maria-da-penha-rogerio-favreto-folha-de-spaulo-170808&catid=1:artigos-assinados&Itemid=5]. Acesso em: 31 out 2009.

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    plena aplicao da lei17. Ao final do ano de 2009, computar-se-o 60 Juizados

    Especiais de Violncia Domstica e Familiar contra a Mulher em todo o pas.

    Recente levantamento de informaes sobre 23 Tribunais de Justia de todo pas

    divulgado pelo CNJ revelou que, at maro de 2009, 75.829 processos foram

    decididos com base na Lei Maria da Penha, encontrando-se outros 150.532

    processos em tramitao nas Varas Especializadas em Violncia Domstica e

    Familiar contra a Mulher. Informou-se ainda que foram realizadas

    aproximadamente 12 mil prises em flagrante de agressores aps 3 anos de

    implementao da referida Lei18.

    Estes fatos reafirmam gradual mudana na cultura dos relacionamentos

    interpessoais e patente inibio da violncia contra a mulher. o que se infere a

    partir de uma anlise comparativa dos dados fornecidos pelo site PE

    BodyCount19, que relata a realidade da Segurana Pblica no Estado de

    Pernambuco, um dos mais problemticos do pas no que tange violncia

    domstica, com os dados divulgados pelo Departamento de Proteo Mulher da

    Secretaria de Defesa Social de Pernambuco (SDS/PE)20: no ano de 2008,

    segundo o site, foram contabilizados 229 homicdios de mulheres. Este

    quantitativo menor do que o total contabilizado em 2007, quando 236

    mulheres foram assassinadas e, em 2006, quando o trgico contingente foi de

    319 mulheres mortas.

    17FREIRE, Nilcia. Op. Cit.18Lei Maria da Penha condena com priso 2,4% das aes. Agncia Estado, So Paulo,

    mar. 2009. Disponvel em:[http://noticias.uol.com.br/ultnot/agencia/2009/03/31/ult4469u39400.jhtm]. Acessoem 05 dez 2009.

    19O site www.pebodycount.com.br se prope a registrar os ndices de criminalidade doEstado de Pernambuco.

    20Pipas coloridas lembram mulheres assassinadas em Pernambuco. PE360graus,Recife, nov. 2008. Disponvel em:[http://www.violenciamulher.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1543:pipas-coloridas-lembram-mulheres-assassinadas-em-pernambuco-pe3609graus-pe-251108&catid=13:noticias&Itemid=7]. Acesso em: 05 dez 2009.

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    5. A AMEAA AOS AVANOS DA LEI MARIA DA PENHA: O PL N. 156/09,A POLMICA NO STJ DA NECESSIDADE DE REPRESENTAO DA VTIMA E

    A TEORIA DO PRINCPIO DO NO-RETROCESSO SOCIAL

    Em maro de 2008 foi constituda Comisso de Juristas para a elaborao do

    anteprojeto de reforma do Cdigo de Processo Penal. Este, transformado em

    Projeto de Lei (PLS n. 156/2009), atualmente tramita no Senado Federal, em

    Comisso Especial, composta por 11 senadores. Se aprovado, ser encaminhado

    imediatamente para deliberao em Plenrio.

    Tal intento em alterar, a partir de um vis claramente garantista do Princpio do

    Devido Processo Legal e da razovel durao do processo, Cdigo que teve sua

    elaborao em pleno Estado Novo, em total desarmonia com o sistema de

    garantias individuais institudo pela Constituio Federal de 1988, merece apoio

    integral da sociedade brasileira.

    O tratamento dispensado violncia intrafamiliar, no entanto, principalmente, s

    mulheres vtimas de discriminao e violncia de gnero pela referida reforma

    atentatrio s garantias concretizadas, no mbito infralegal, a partir da

    promulgao da Lei n. 11.340/2006, constituindo-se patente retrocesso social

    aos direitos humanos e manifesta sentena de morte da Lei Maria da Penha21.

    Dentre as principais alteraes trazidas pelo PLS n. 156/09 est a retomada da

    incidncia da competncia dos Juizados Especiais Criminais (JECrims) - diante

    do contedo do artigo 677, que os incorpora ao CPP, em seu Captulo IV (Do

    Procedimento Sumarssimo), do Ttulo II, do Livro II para o julgamento dos

    casos de violncia domstica e familiar.

    Esta reformulao constante no referido artigo promove expresso esvaziamento

    do artigo 41, da Lei Maria da Penha, que veda a aplicao da Lei n. 9.099/95

    (Lei dos Juizados Especiais) aos crimes praticados com violncia domstica e

    familiar contra a mulher, independente da pena prevista e estabelece, como

    21 MAGALHES, Renato Vasconcelos. PLS n. 165/2006: a sentena de morte da LeiMaria da Penha. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2211, 21 jul 2009. Disponvel em:[http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13192]. Acesso em 14 nov 2009.

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    SOUZA, Rafael Bezerra de. Violncia domstica: possveis retrocessos na efetivao da lei Maria da

    Penha. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Programa de Ps-Graduao Stricto Sensuem CinciaJurdica da UNIVALI, Itaja, v.5, n.1, 1 quadrimestre de 2010. Disponvel em:www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791

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    corolrio, a qualificao de ao penal pblica incondicionada para a sua

    denncia. Tal alterao legal retoma a considerao da leso corporal leve como

    crime de menor potencial ofensivo, permitindo, assim, que sejam solucionados

    por via consensual, inviabilizando, em muitos casos, devida punio.

    Referida inadequao absoluta do modo como era tratada a violncia domstica,

    a qual se quer, inexplicavelmente, o seu retorno assinalada pela ilustra Profa.

    Letcia Franco que expe a gravidade da tentativa de aplicao da justia

    consensuada dos JECrims aos casos de violncia domstica:

    O que se observa, diante do estudo da justia penal consensuadaem face da violncia contra a mulher, que o procedimentocriminal destinado aos crimes de menor potencial ofensivomostra-se socialmente ineficaz, na medida em que, privilegiandouma contraditria celeridade do procedimento, no discutesuficientemente o conflito, no oferecendo, s partes deste,soluo, ou se reduzindo a acordos impossveis de execuoforada; ou ainda realizando-se mediante propostas de penaantecipada prioritariamente pecuniria, (inviabilizando aressocializao do autor do fato), ou no previstas em lei (como opagamento de cestas bsicas, que a criao judicial), ou,raramente, de penas de prestao social cujo cumprimento

    parcamente fiscalizado

    22

    Em outra manifestao institucional de resistncia a sua implementao, a Lei

    Maria da Penha, nesta oportunidade, em outra Esfera de Poder, no Poder

    Judicirio, mais especificamente no Superior Tribunal de Justia STJ, foi alvo de

    polmica, quanto definio da natureza jurdica da ao penal, se condicionada

    ou no.

    Apesar de entendimento originrio de dispensabilidade da representao da

    vtima para a promoo do seu ajuizamento, bem como da compreenso de quequalquer relacionamento amoroso, inclusive o j extinto, se envolver violncia

    domstica e familiar contra a mulher, pode ensejar a aplicao da Lei Maria da

    Penha, diante da profuso de aes ajuizadas que demonstraram a efetiva

    incorporao cultural do referido diploma legal, a jurisprudncia do Egrgio

    Tribunal firmou-se, a partir do notrio e recente julgamento proferido pela 3

    Seco, formada pelas 5 e 6 Turmas, em notrio retrocesso, no sentido de

    22AMARAL, Cludio do Prado apud MAGALHES, Renato Vasconcelos, 2009.

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    SOUZA, Rafael Bezerra de. Violncia domstica: possveis retrocessos na efetivao da lei Maria da

    Penha. Revista Eletrnica Direito e Poltica, Programa de Ps-Graduao Stricto Sensuem CinciaJurdica da UNIVALI, Itaja, v.5, n.1, 1 quadrimestre de 2010. Disponvel em:www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791

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    exigir a representao da vtima para a propositura da devida ao penal, nos

    casos de leses corporais leves, decorrentes de violncia domstica.

    Sob a justificativa de que a LMP no instituiu expressamente a incondicionalidade

    para propositura da referida ao penal, nos termos do contedo prescrito em

    seu artigo 16, e invocando o artigo 88, da Lei n. 9.099, entendeu-se pela sua

    compatibilidade com o instituto da representao, caracterstico das aes penais

    pblicas condicionadas e privadas.

    Supracitado entendimento jurisprudencial proferido por um Tribunal de inegvel

    envergadura, o qual promove a unificao de jurisprudncias em nvel nacional,promove intencional resgate, institucionaliza e perpetua a inconcebvel

    concepo de que o Estado deve permanecer inerte diante da flagrante prtica

    de violncia contra a mulher perpetrada no mbito privado, sustentada sob a

    ideia da privacidade da instituio familiar.

    Merece destaque a argumentao elaborada pelo Min. Jorge Mussi, em seu voto,

    tendo por base os ensinamentos da Jurista brasileira Maria Lcia Karam, na qual

    infere-se perigosa exigncia de liberalidade estatal no tocante ao combate da

    violncia contra a mulher:

    "Quando se insiste em acusar da prtica de um crime e ameaarcom uma pena o parceiro da mulher contra a sua vontade, est sesubtraindo dela, formalmente ofendida, o seu direito e o seuanseio a livremente se relacionar com aquele parceiro por elaescolhido. Isto significa negar o direito liberdade de que titularpara trat-la como coisa fosse, submetida vontade dos agentesdo Estado, que, inferiorizando-a e vitimando-a, pretendem saber o

    que seria melhor para ela, pretendendo punir o homem com quemela quer se relacionar. E sua escolha h de ser respeitada, poucoimportando se o escolhido , ou no, um agressor, ou que, pelomenos, no deseja que sejapunido23.

    Verifica-se que tais medidas promovero a reedio da ultrajante naturalizao

    desta triste problemtica social, principalmente diante do incuo efeito punitivo

    23Sugere-se para ampla compreenso do tema detida leitura do REsp 1.097.042-DF, Rel.originrio Min. Napoleo Nunes Maia Filho, Rel. para acrdo Min. Jorge Mussi, julgadoem 24/2/2010.

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    advindo da retomada da imposio do pagamento de cestas bsicas como pena

    aos agressores das vtimas da supracitada violncia.

    Diante de detida anlise das repercusses trazidas pela aprovao do PLS n.

    156/09, bem como do entendimento jurisprudencial consolidado recentemente

    pelo STJ, observa-se a flagrncia da ofensa ao chamado Princpio do No-

    Retrocesso Social, no que tange, especificamente, eficcia protetiva dos

    direitos fundamentais sociais das mulheres e da segurana jurdica, em face do

    legislador infraconstitucional.

    Referido Princpio encontra notrio respaldo doutrinrio e jurisprudencial,principalmente, na Europa Continental (Portugal, Espanha, Alemanha e Frana),

    possuindo como um dos seus principais defensores os ilustres constitucionalistas

    J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, podendo ser entendido em sentido amplo e

    em sentido estrito.

    O presente trabalho, conforme anteriormente anunciado, se prope a analis-lo

    sob o seu sentido estrito, o qual preceitua que os avanos obtidos pela via

    infraconstitucional, concretizando direitos fundamentais elencados naConstituio, tambm tendem ao avano, no se admitindo o retrocesso por

    meio das normas ordinrias, j que este iria contra a prpria natureza da

    Constituio Social24.

    Assim, Canotilho sustenta que aps a concretizao de direitos fundamentais

    sociais em nvel infraconstitucional, como os prescritos expressamente no art.

    226, caput e seu 8 - somente concretizados faticamente a partir da

    implementao da Lei Maria da Penha, estes assumem, simultaneamente, a

    condio de direitos subjetivos a determinadas prestaes estatais e de uma

    garantia institucional, de tal sorte que no se encontram mais na (plena) esfera

    de disponibilidade do legislador, no sentido de que os direitos adquiridos no

    mais podem ser reduzidos ou suprimidos, sob pena de flagrante infrao ao

    Princpio do No-Retrocesso Social, que, de sua parte, implica a

    24 MELLO, Celso de Albuquerque e TORRES, Ricardo Lobo apud SILVA, Luis de PinhoPedreira da. Direitos Sociais na constituio de 1988 uma anlise crtica vinteanos depois. p. 300.

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    inconstitucionalidade de todas as medidas que inequivocamente venham a

    ameaar o padro de prestaes j alcanado25.

    Esta proibio de retrocesso assume a condio de verdadeiro direito de defesa

    contra medidas de cunho retrocessivo, que tenham por objetivo a destruio ou

    reduo de direitos sociais26, em nosso olhar, de direitos humanos das mulheres,

    garantidos pela Lei Maria da Penha, de dignidade da pessoa humana e de

    igualdade de gnero.

    CONSIDERAES FINAIS

    Em que pesem os referidos avanos e garantias de direitos, a implementao da

    Lei Maria da Penha, bem como a sua efetivao enfrentam diferentes desafios

    que vo desde a tentativa de declarao de sua inconstitucionalidade, no mbito

    institucional do Poder Judicirio, s resistncias encontradas por aqueles que

    incorporaram em seu modo de atuar na sociedade prticas discriminatrias e de

    violncia contra as mulheres.

    A caracterizao da violncia de gnero contra a mulher, seja na modalidade de

    violncia domstica ou familiar, seja como leso corporal leve ou ameaa, como

    sendo infrao penal de menor potencial ofensivo pretendida pela verso original

    do PLS n. 156/09 constitui inconcebvel retorno de concepo naturalizadora

    desta triste realidade social brasileira, marcadamente presente no Estado de

    Pernambuco.

    A ausncia de compreenso de que esta problemtica social necessita detratamento diferenciado, em face de situaes conflituosas, cuja repercusso

    social difusa, conforme promovido pela Lei Maria da Penha, propicia a

    banalizao da ocorrncia deste grave delito, fato que refora a velada

    hierarquizao entre gneros e a perpetuao da vulnerabilidade feminina ao

    25 CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes apud SARLET, Ingo Wolfgang. A eficcia dos

    direitos fundamentais. p. 448.26CANOTILHO, op. Cit.

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    agressor que concebe ser barato bater em mulher, diante da ultrajante

    imposio de pagamento de cestas bsicas como pena.

    Urge, portanto, a mobilizao da sociedade civil, no exerccio de prticas de

    controle social audincias pblicas, conferncias, passeatas e o

    comprometimento dos atores polticos e jurdicos, objetivando o impedimento da

    aprovao do contedo original da redao do PLS n. 156/09, bem como o

    acionamento atravs de ADIN, diante do recente entendimento do STJ.

    Oportunamente, encontra-se em tramitao na Cmara dos Deputados Projeto

    de Lei que prope a alterao do art. 16, do referido diploma legal de autoria daDeputada Federal Dalva Figueiredo (PT/AP), com o fito de promover alterao

    legislativa estabelecendo expressamente a incondicionalidade da propositura da

    ao penal pblica.

    De acordo com referido PL, o artigo 16 ganhar dois pargrafos e passar a ter

    a seguinte redao:

    Art. 16. So de Ao Penal Pblica Incondicionada os crimes de

    violncia domstica e familiar contra a mulher definidos nesta lei.

    1. Nos crimes de que trata o caput deste artigo, procede-semediante representao da ofendida apenas nos casos de ameaaou naqueles que resultam leses leves ou culposas.

    2. No caso do 1 deste artigo, s ser admitida a renncia representao perante o juiz, em audincia especialmentedesignada com tal finalidade, antes do recebimento da denncia eouvido o Ministrio Pblico.

    Caso no obtenham xito as referidas medidas, ocorrer a restaurao de um

    famigerado modelo de naturalizao da violncia domstica e familiar contra amulher e a realimentao da cultura sexista ainda bastante arraigada na

    sociedade brasileira.

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