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1 A Contratualização no Direito do Urbanismo 1 Alexandra Leitão 2 1. O princípio da contratualização no Direito do Urbanismo: a Lei de Bases das Políticas do Ordenamento do Território e do Urbanismo 2. Os contratos para a elaboração, alteração ou revisão de planos de urbanização e de planos de pormenor 2.1. Definição e natureza jurídica 2.2. Regime jurídico 2.3.Em especial, os contratos entre entidades públicas 3. Os contratos de execução dos planos 3.1. Definição 3.2. Regime jurídico 4. Os contratos integrativos do procedimento de licenciamento de operações urbanísticas 4.1. Definição 4.2.Regime jurídico 5. Breve referência aos contratos de cooperação e de concessão 6. O cumprimento dos contratos e a responsabilidade contratual das partes. 7. A tutela judicial no âmbito dos contratos urbanísticos: breve nota. 1 Corresponde à conferência proferida, em 9 de Novembro de 2007, no Curso Pós-Graduado de Actualização em Direito do Ordenamento do Território e do Urbanismo, organizado pelo Instituto de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. 2 Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

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    A Contratualizao no Direito do Urbanismo1

    Alexandra Leito2

    1. O princpio da contratualizao no Direito do Urbanismo: a Lei de Bases das Polticas do Ordenamento do Territrio e do Urbanismo

    2. Os contratos para a elaborao, alterao ou reviso de planos de urbanizao e de planos de pormenor

    2.1. Definio e natureza jurdica 2.2. Regime jurdico 2.3.Em especial, os contratos entre entidades pblicas

    3. Os contratos de execuo dos planos

    3.1. Definio

    3.2. Regime jurdico 4. Os contratos integrativos do procedimento de licenciamento de operaes

    urbansticas

    4.1. Definio

    4.2.Regime jurdico 5. Breve referncia aos contratos de cooperao e de concesso

    6. O cumprimento dos contratos e a responsabilidade contratual das partes.

    7. A tutela judicial no mbito dos contratos urbansticos: breve nota.

    1 Corresponde conferncia proferida, em 9 de Novembro de 2007, no Curso Ps-Graduado de

    Actualizao em Direito do Ordenamento do Territrio e do Urbanismo, organizado pelo Instituto de Cincias Jurdico-Polticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. 2 Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

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    1. O princpio da contratualizao no Direito do Urbanismo: a Lei de Bases das Polticas do Ordenamento do Territrio e do Urbanismo

    A Lei de Bases do Ordenamento do Territrio (LBPOTU), aprovada pela Lei n 48/98, de 11 de Agosto3, consagra o princpio da contratualizao no seu artigo 5, alnea h), o que se traduz num incentivo aos modelos de actuao assentes na consensualizao entre a Administrao e os particulares. Esta concertao faz-se sentir quer ao nvel da execuo dos instrumentos de gesto territorial, quer, inclusivamente, ao nvel da sua elaborao, alterao e reviso.

    A contratualizao no mbito do Direito do Urbanismo insere-se numa tendncia actual para a concertao e o aliciamento dos particulares para a realizao de tarefas administrativas4, o que, alm de se traduzir num acrscimo de legitimao das decises administrativas, contribui ainda para a reduo dos litgios decorrentes das mesmas.

    Os vrios tipos de contratos que podem ser celebrados no mbito do Direito do Urbanismo no se podem reconduzir a uma figura jurdica unitria5, sendo definidos em funo da matria sobre a qual incidem. De facto, os contratos urbansticos podem definir-se genericamente como acordos subscritos entre a Administrao e os particulares e por vezes entre entidades administrativas entre si interessados numa determinada actuao de carcter urbanstico, com o objectivo de estabelecer formas de colaborao para a realizar.

    Assim, apesar de se reconduzirem genericamente categoria dos contratos administrativos, o conjunto de contratos e acordos que se denominam contratos urbansticos incluem contratos procedimentais, substitutivos ou integrativos do procedimento administrativo, contratos de concesso e contratos de cooperao.

    Por isso, no possvel definir um regime jurdico unitrio, sem prejuzo da aplicao supletiva das regras do Cdigo do Procedimento Administrativo (CPA), designadamente das regras sobre validade e cumprimento dos contratos (cfr. os artigos 185 e seguintes do CPA).

    3 Com as alteraes introduzidas pela Lei n 54/2007, de 31 de Agosto.

    4 V. JOO MIRANDA, A Dinmica Jurdica do Planeamento Territorial A Alterao, a Reviso e a

    Suspenso dos Planos, Coimbra, 2002, pg. 137. 5 Neste sentido, v. HUERGO LORA, Los Convenios Urbanisticos, Madrid, 1998, pg. 28.

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    No que respeita validade destes contratos, de salientar que, assumindo os contratos urbansticos, na sua maioria, a natureza de contratos com objecto passvel de acto administrativo, aplicam-se as regras do CPA quanto invalidade dos actos administrativos, de acordo com o disposto no artigo 185, n 3, alnea a) daquele diploma, e sem prejuzo da aplicao do Cdigo Civil em matria de vcios da vontade, nos temos do artigo 185, n 2, do CPA.

    A celebrao de contratos urbansticos, quer ao nvel do planeamento para a elaborao, alterao, reviso ou execuo de planos -, quer ao nvel do licenciamento, exigindo aos particulares a realizao de tarefas urbansticas como contrapartida para a prtica de certos actos administrativos, tem grandes vantagens.

    A primeira prende-se com a agilizao dos procedimentos e com a reduo de custos decorrentes da colaborao dos particulares.

    A segunda traduz-se numa maior legitimao das decises urbansticas com a consequente reduo da litigiosidade a elas associada.

    2. Os contratos para a elaborao, alterao ou reviso de planos de urbanizao e de planos de pormenor

    2.1. Definio e natureza jurdica

    Os contratos previstos no artigo 6-A do Decreto-Lei n 380/99, de 22 de Setembro6, que aprovou o Regime Jurdico dos Instrumentos de Gesto Territorial (RJIGT), introduzido pelo Decreto-Lei n 316/2007, de 19 de Setembro, prevem a possibilidade de os interessados na elaborao, alterao ou reviso7 de um plano de urbanizao ou de um plano de pormenor apresentarem s cmaras municipais propostas de contratos que tenham esse objecto, podendo incluir tambm a execuo do plano.

    6 Com as alteraes introduzidas pelo Decreto-Lei n 53/2000, de 7 de Abril, pelo Decreto-Lei n

    310/2003, de 10 de Dezembro, pela Lei n 58/2005, de 29 de Dezembro, pela Lei n 56/2007, de 31 de Agosto, e pelo Decreto-Lei n 316/2007, de 19 de Setembro, rectificado pela Declarao de Rectificao n 104/2006, de 6 de Novembro. 7 Sobre a distino entre estas figuras, v. JOO MIRANDA, op. cit., pgs. 210 e seguintes.

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    Trata-se de contratos cujo objecto a elaborao de um regulamento8, razo pela qual podem ser qualificados como contratos normativos. Os contratos normativos so aqueles atravs dos quais as partes acordam a elaborao e o contedo de uma norma do tipo regulamentar, podendo ser impostos por lei ou celebrados voluntariamente pelas partes9. Estes contratos podem ser de dois tipos: podem impor a aprovao da norma sem conformar o seu contedo ou, pelo contrrio, determinar tambm o contedo da norma.

    O objecto destes contratos a conformao do contedo de uma norma, que depois adoptada de modo unilateral, ou mais raramente podem substituir a prpria norma. Os primeiros so contratos integrativos do procedimento, ou seja, so, no fundo, acordos pr-normativos, o que leva alguns autores a considerar que no se trata verdadeiramente de contratos normativos, mas sim de normas com um procedimento de aprovao especial10. Os segundos, pelo contrrio, so contratos substitutivos da prpria norma, que assume forma contratual.

    Os contratos previstos no artigo 6-A do RJIGT so contratos integrativos do procedimento de aprovao dos planos, uma vez que no substituem o prprio plano, como resulta expressamente do n 3 daquele preceito. Por isso, no so meros contratos de prestao de servios atravs dos quais o particular se compromete a elaborar o plano a pedido do municpio. De facto, ao contrrio dos contratos de prestao de servios, estes contratos surgem sob proposta do prprio particular e o plano tem o contedo por ele proposto, sem prejuzo da liberdade de a assembleia municipal o aprovar ou no (cfr. infra).

    O artigo 6-B do RJIGT prev a possibilidade de a celebrao de contratos para a execuo de planos de urbanizao e de planos de pormenor ser imposta pelo prprio regulamento do plano director municipal ou do plano de urbanizao.

    8 Cfr. o artigo 69, n 1, do RJIGT.

    9 o caso, por exemplo, do artigo 49 do Decreto-Lei n 380/99, de 22 de Setembro, que determina que o

    Governo deve acordar com as autarquias locais o contedo dos Planos Especiais de Ordenamento do Territrio, que so aprovados por Resoluo do Conselho de Ministros, na parte em que estes fixem os prazos e linhas gerais para as autarquias locais adequarem os respectivos planos municipais de ordenamento do territrio aos Planos Especiais. Estes acordos podem envolver, por exemplo: o diferimento no tempo da aplicao da disciplina do Plano Especial; a fixao de instrumentos de planeamento aptos a concretiz-lo; ou o compromisso do municpio em adoptar medidas preventivas que suspendem o Plano Municipal at entrada em vigor da respectiva alterao e reviso. Sobre esta questo, v. JOO MIRANDA, op. cit., pgs. 142 e 143. 10

    Neste sentido, v. MNENDEZ REXACH, Los Convenios entre CCAAs: Comentario al Artculo 145.2 de la Constitucin, Madrid, 1982, pg. 114.

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    Quando tal acontea, a celebrao do contrato obrigatria, devendo o regulamento do plano definir as regras relativas ao procedimento concursal, e s condies de qualificao, de avaliao e de seleco das propostas, bem como o contedo do contrato e as formas de resoluo de litgios. Estes contratos relativos execuo dos planos podem versar sobre a forma de realizar uma justa repartio de custos e benefcios decorrentes do plano, podem concretizar prazos de execuo, bem como definir a possibilidade de transmisso dos ndices de construo.

    2.2. Regime jurdico

    A celebrao dos contratos previstos no artigo 6-A do RJIGT depende da iniciativa do particular que prope cmara municipal a celebrao de um contrato deste tipo para elaborar, alterar ou proceder reviso de um plano de urbanizao ou de um plano de pormenor, bem como sua execuo. Este contrato, bem como o plano elaborado, alterado ou revisto na sequncia do mesmo, est sujeito aprovao pela assembleia municipal, e a um conjunto de vinculaes jurdico-pblicas, a saber:

    (i) sujeio a um procedimento tendente celebrao do contrato; (ii) sujeio do plano ao procedimento de formao dos planos municipais

    previsto nos artigos 74 e seguintes do RJIGT, e; (iii) sujeio do contedo do plano ao regime do uso dos solos, bem como s

    disposies dos demais instrumentos de gesto territorial com os quais aqueles planos devam ser compatveis ou conformes.

    A celebrao do contrato depende de deliberao da cmara municipal nesse sentido, que deve ser devidamente fundamentada de acordo com os critrios estabelecidos nas alneas a), b) e c) do n 4 do artigo 6-A do RJIGT.

    Assim, a celebrao do contrato depende, designadamente, dos termos de referncia do futuro plano, designadamente a sua articulao e coerncia com a estratgia territorial do municpio e o seu enquadramento na programao constate do plano director municipal ou do plano de urbanizao (cfr. o artigo 6-A, n 4, b) do RJIGT).

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    Isto significa que quando a cmara municipal decide celebrar um contrato deste tipo est, implicitamente, a manifestar a sua concordncia com o contedo do plano cuja elaborao, alterao ou reviso objecto do contrato. , alis, este o principal objectivo da sujeio destes contratos a um procedimento pr-contratual e no a escolha do co-contratante, como acontece nos contratos de colaborao (v.g. contratos de empreitadas de obras pblicas ou de prestao de bens e servios).

    As propostas de contratos e o projecto de deliberao so objecto de divulgao e de discusso pblicas, de acordo com os ns 5 e 6 do artigo 6-A do RJIGT, nos termos e para os efeitos do artigo 77, ns 2 e 3 do RJIGT. Esta fase do procedimento pr-contratual visa garantir que todos os interessados conhecem o contedo do plano proposto pelo co-contratante e possam participar no procedimento prvio celebrao do contrato para tutela das suas posies jurdicas e justifica-se por razes essencialmente garantsticas. Efectivamente, a celebrao de um contrato integrativo do procedimento de elaborao de uma norma no pode implicar a supresso do procedimento administrativo legalmente previsto para a aprovao da mesma, desde logo porque os terceiros interessados tm o direito a participar nesse procedimento e influenciar o seu resultado11.

    Alis, alguns autores defendem mesmo que este tipo de contratos s pode ser celebrado num momento em que o sentido da deciso final do procedimento j perceptvel12.

    Contudo, o facto de a cmara municipal aceitar esta proposta do particular no significa que aquela fique despojada dos seus poderes pblicos, como resulta expressamente do artigo 6-A, n 2, do RJIGT. De acordo com este preceito, a celebrao do contrato integrativo do procedimento de elaborao do plano transfere para o particular o poder de elaborar o plano (ou de o alterar ou rever), mas os rgos municipais mantm na ntegra o poder de aprovar e executar o mesmo.

    Por isso, o plano elaborado pelo particular na sequncia do contrato est sujeito, como se referiu supra, ao procedimento administrativo de formao dos planos. Isto significa que, apesar de a proposta de plano que objecto do contrato j ter sido analisada quer pela cmara municipal, quer por outros interessados, pblicos ou privados, no mbito do procedimento de formao do contrato previsto nos ns 4 a 6 do

    11 Como j defendemos antes, v. ALEXANDRA LEITO, A Proteco Judicial dos Terceiros nos

    Contratos da Administrao Pblica, Coimbra, 2002, pgs. 225 e 226. 12

    Cfr., por todos, HUERGO LORA, Los Contratos sobre los Actos y las Potestados Administrativas, Madrid, 1998, pgs. 299 e seguintes.

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    artigo 6-A do RJIGT, tal no dispensa a sujeio ao procedimento de aprovao dos planos nos termos gerais.

    Este segundo momento de apreciao procedimental justifica-se por duas razes: em primeiro lugar, para verificar se o plano elaborado ou a alterao ou reviso apresentadas so, efectivamente, iguais ao que havia sido proposto aquando da celebrao do contrato; e, em segundo lugar, para garantir a participao de todos os interessados e de entidades pblicas exteriores ao municpio relativamente ao contedo final do plano que vai ser aprovado.

    Assim, o facto de a cmara municipal ter celebrado o contrato e, dessa forma, manifestado o seu acordo com o contedo do plano proposto pelo particular co-contratante nem dispensa a sujeio do plano ao procedimento legal de aprovao, nem significa, to pouco, que a assembleia municipal esteja vinculada a aprovar o plano.

    Em primeiro lugar, a deliberao de celebrar os contratos cabe s cmaras municipais, enquanto que a aprovao dos planos de urbanizao e dos planos de pormenor compete s assembleias municipais, nos termos do artigo 79, n 1, do RJIGT.

    Em segundo lugar, apesar de os contratos integrativos do procedimento se traduzirem numa auto-vinculao para a Administrao, a verdade que estes contratos tm sempre de ser celebrados sob reserva da manuteno dos elementos de facto e de direito em que assentou a sua celebrao, ou, por outras palavras, esto sujeitos a uma condio resolutiva implcita13.

    Por isso, a assembleia municipal pode recusar a aprovao do plano elaborado pelo particular no mbito do contrato, ou pode introduzir alteraes, sendo mesmo obrigada a faz-lo quando: (i) tenham ocorrido alteraes de facto ou de direito que tornem o contedo do plano incompatvel com normas legais ou regulamentares com as quais se deva conformar; (ii) ou quando o plano no seja adequado face ao resultado do respectivo procedimento de aprovao. Essa obrigao decorre expressamente da parte final do n 2 do artigo 6-A do RJIGT.

    Alguns Autores consideram, por isso, que a eficcia do plano elaborado pelo particular est sujeito condio suspensiva de ser aprovado pela assembleia municipal14.

    13 V., por todos, SRVULO CORREIA, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos

    Administrativos, Coimbra, 1987, pg. 753. 14

    Neste sentido, v. FERNANDA PAULA OLIVEIRA e DULCE LOPES, O Papel dos Privados no Planeamento: que Formas de Interveno? in RJUA, n 20, Ano X, 2003, pg. 77.

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    Contudo, no perfilho este entendimento, uma vez que ao plano elaborado pelo particular no falta apenas um requisito de eficcia, mas sim um elemento constitutivo, que a aprovao pela assembleia municipal15.

    Assim, a obrigao assumida pela cmara municipal ao celebrar o contrato com o particular no configura uma obrigao de resultado, mas sim uma obrigao de meios ...que admite configuraes vrias, mas que consiste, em traos gerais, em tramitar o procedimento necessrio para que a resoluo possa ser ditada, em defender essa alternativa no decurso do procedimento e no se afastar dela na resoluo a no ser por razes de interesse pblico supervenientes ou expostas por terceiros no procedimento16, o que se aplica por maioria de razo quando o rgo competente para aprovar a norma cujo contedo foi objecto de contrato no o mesmo que celebrou o contrato.

    Refira-se, no entanto, que isso no significa que essa obrigao no seja juridicamente vinculativa e passvel, por isso, de acarretar responsabilidade civil para a Administrao (cfr. infra o ponto 6.)

    Outra questo que se pode colocar a propsito dos contratos normativos do artigo 6-A do RJIGT prende-se com o problema de saber se, aps a aprovao do plano cujo contedo foi contratualizado, os rgos municipais podem revogar total ou parcialmente esse plano.

    Alguns autores consideram que essa norma jurdica s pode ser alterada atravs de novo acordo, a no ser que o contrato normativo admita expressamente a possibilidade de revogao unilateral, sob pena de nulidade da norma jurdica revogatria17. a tese pactualista.

    Em sentido contrrio, outros autores defendem que a norma pode ser sempre alterada ou revogada unilateralmente pelo rgo com competncia legal para o efeito18.

    Esta parece-me, de facto, a melhor soluo, por duas razes: em primeiro lugar, porque, sendo possvel rescindir unilateralmente o contrato por motivos de interesse

    15 A ineficcia a consequncia da falta de aprovao tutelar relativamente aos actos das entidades

    tuteladas, nos termos do artigo 41, n 7, da Lei n 3/2004, de 15 de Janeiro, mas nesse caso a competncia do rgo da entidade sujeita tutela, ao contrrio do que acontece no caso vertente, em que a competncia da assembleia municipal. 16

    Cfr. HUERGO LORA, Los Contratos..., cit., pgs. 47 e 48. 17

    V., por todos, ANGEL MENNDEZ REXACH, op. cit., pgs. 91 e 92. 18

    V. JAVIER TAJADURA TEJADO, El principio de cooperacin en el Estado autonmico, 2 Edio, Granada, 2000, pgs. 107 e 108 e CARLOS GONZLEZ-ANTN LVAREZ, Los convenios interadministrativos de los entes locales, Madrid, 2002, pg. 154.

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    pblico poder que inerente a qualquer contrato administrativo, nos termos do artigo 180, n 1, alnea c) do CPA -, pode tambm revogar-se a norma cujo contedo foi objecto de contrato, o que implica a resciso tcita do mesmo; em segundo lugar, porque no pode pr-se em causa o princpio da irrenunciabilidade da competncia, consagrado no artigo 29 do CPA.

    Ora, a forma de conciliar este princpio com o pacta sunt servanda e com o prprio princpio da colaborao tutelar o co-contratante atravs da efectivao da responsabilidade contratual do contraente que aprova unilateralmente uma norma contrria ao estipulado19 (cfr. infra o ponto 5).

    2.3. Em especial, os contratos entre entidades pblicas

    O artigo 6-A, n 7, do RJIGT prev a possibilidade de serem celebrados contratos entre o Estado e outras entidades pblicas e as autarquias locais que tenham por objecto a elaborao, alterao, reviso ou execuo de instrumentos de gesto territorial no s planos e urbanizao e planos de pormenor -, aplicando-se, com as necessrias adaptaes o disposto nos ns 2 e 3 do mesmo preceito, relativamente aos poderes municipais e ao facto de os contratos no substiturem os prprios planos.

    Trata-se de contratos interadministrativos, uma vez que so celebrados entre duas ou mais entidades pblicas que exercem a funo administrativa, e o seu contedo a contratualizao do contedo de uma norma regulamentar, integrando o procedimento de aprovao da mesma. De facto, nada obsta a que sejam celebrados contratos procedimentais entre entidades pblicas, designadamente quando esteja em causa a emisso de uma norma ou a prtica de um acto administrativo que, apesar de relevar apenas da competncia de uma das entidades, implica a participao de outras entidades no procedimento administrativo tendente sua adopo.

    Quando sejam celebrados entre entidades pblicas estes contratos no so precedidos do procedimento de formao previsto nos ns 4 a 6 do artigo 6-A do RJIGT, umas vezes porque a interveno dessas entidades imposta por lei e, independentemente disso, por se tratar de contratos entre duas entidades pblicas, no

    19 Neste sentido, v. JOS MARA RODRGUEZ DE SANTIAGO, Los Convnios entre

    Administraciones Pblicas, Madrid, 1998, pgs. 297 e 298.

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    sendo aplicvel as regras do procedimento pr-contratual que so aplicveis entre a Administrao e os particulares20.

    Os contratos interadministrativos com vista elaborao, aprovao ou reviso de um plano incorporam-se no acto formal de aprovao, mas no o substituem, de acordo com o disposto no artigo 6-A, n 2, do RJIGT. No entanto, a entidade competente para aprovar o instrumento de gesto territorial est vinculada ao contedo determinado contratualmente sempre que a participao das entidades administrativas co-contratantes seja obrigatoriamente imposta por lei no procedimento de elaborao daquele plano.

    3.Os contratos de execuo dos planos

    3.1. Definio

    Os contratos de execuo dos planos esto previstos nos artigos 123 e 124 do RJIGT e no artigo 55 do RJUE. So contratos de urbanizao, atravs dos quais se d execuo a um plano ou a um acto de licenciamento ou de autorizao de obras de urbanizao, assumindo, assim, a natureza de contratos administrativos, de acordo com a definio do artigo 178, n 1, do CPA, j citada.

    Apesar de os contratos de execuo de planos cuja celebrao est prevista nos artigos 123 e 124 do RJIGT serem contratos de colaborao entre a Administrao e o particular, nada impede a celebrao de contratos integrativos do procedimento tendentes prtica de actos administrativos no mbito da execuo do plano21.

    Os contratos de execuo dos planos consagrados no artigo 123 do RJIGT e no artigo 55 do RJUE so, como j se referiu supra, contratos de urbanizao.

    3.2. Regime jurdico

    20 V. ALEXANDRA LEITO, As Formas Contratuais de Cooperao entre a Administrao Central e a

    Administrao Local, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Armando Marques Guedes, Coimbra, 2004, pgs. 465 e seguintes. 21

    Neste sentido, v. MARIA PILAR OCHOA GMEZ, Los Convenios Urbansticos. Limites a la Figura Redentora del Urbanismo, Madrid, 2006, pg. 392.

  • 11

    No que respeita execuo dos planos, o artigo 123 do RJIGT prev a celebrao destes contratos quando o plano seja executado atravs de um sistema de cooperao entre o municpio, os proprietrios e os promotores da interveno urbanstica, sendo que os direitos e obrigaes recprocos destes so definidos atravs dos contratos de urbanizao.

    Por sua vez, o artigo 55 do RJUE prev a celebrao desse tipo de contratos para a execuo de obras que envolvam mais de um responsvel, visando a definio das responsabilidades recprocas das partes.

    Estes contratos pressupem uma consensualizao entre o municpio e o particular

    que requereu o licenciamento de uma obra, embora no se confundam com os contratos referidos supra no ponto 3. De facto, enquanto nestes contratos, a Administrao convenciona com o particular uma contrapartida para que lhe seja deferido o pedido de licenciamento, nos contratos previstos no artigo 55 do RJUE esto em causa apenas as condies da execuo dessa mesma licena. Por isso mesmo, o particular que apresenta a proposta de contrato de urbanizao com o requerimento inicial ou em momento posterior (cfr. o artigo 55, n 5, do RJUE).

    Deste contrato podem fazer parte tambm outros titulares de direitos reais sobre o prdio, bem como empresas que prestem servios pblicos, quer sejam empresas pblicas, quer privadas. Visa-se, no fundo, envolver todos os interessados, responsabilizando-os e procurando garantir uma melhor repartio de custos e benefcios22.

    Refira-se, finalmente, que, em sede de execuo dos planos, o artigo 124 do RJIGT prev ainda outro tipo de contrato, que a concesso de urbanizao. Este contrato reconduz-se figura geral da concesso, uma vez que o contrato atravs do qual o municpio transfere para um particular concessionrio os poderes prprios de interveno do concedente.

    Este contrato deve ser precedido de concurso pblico para a escolha do concessionrio, aplicando-se supletivamente as regras relativas concesso de obras pblicas, com as devidas adaptaes.

    22 Cfr. MARIA JOS CASTANHEIRA NEVES, FERNANDA PAULA OLIVEIRA e DULCE LOPES,

    Regime Jurdico da Urbanizao e da Edificao Comentado, Coimbra, 2006, pg. 312.

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    Trata-se, assim, de um contrato de colaborao celebrado entre o municpio e um particular23.

    4. Os contratos integrativos do procedimento de licenciamento de operaes urbansticas

    4.1. Definio

    No mbito dos procedimentos de licenciamento de operaes urbansticas, a entidade competente para deferir o pedido de licenciamento, em regra, as cmaras municipais podem celebrar com os requerentes contratos integrativos do procedimento, seja por iniciativa da cmara, seja por iniciativa dos prprios requerentes.

    Este tipo de contratos est previsto, embora em termos restritivos, no artigo 25 do Decreto-Lei n 555/99, de 16 de Dezembro, que aprovou o Regime Jurdico da Urbanizao e da Edificao (RJUE)24 para os casos em que j exista um projecto de deciso de indeferimento com os fundamentos previstos nas alneas b) do n 2 e no n 5 do artigo 24 do mesmo diploma, a saber, respectivamente:

    - quando a operao urbanstica constituir uma sobrecarga incomportvel para as infra-estruturas ou servios gerais existentes ou implicar, para o municpio, a construo ou manuteno de equipamentos, a realizao de trabalhos ou a prestao de servios por este no previstos, designadamente quanto a arruamentos e redes de abastecimento de gua, de energia elctrica ou de saneamentos; e

    - quando no existam arruamentos ou infra-estruturas de abastecimento de gua e saneamento ou se a obra constituir uma sobrecarga incomportvel para as infra-estruturas existentes.

    Nestes casos, pode haver deferimento do pedido se o particular se comprometer, em sede de audincia prvia, a realizar os trabalhos necessrios ou a assumir os encargos inerentes sua execuo, sendo este compromisso assumido atravs da

    23 O RJIGT prev ainda a celebrao de outros contratos de urbanizao no artigo 131, n 8, a propsito

    do reparcelamento. 24

    Com as alteraes introduzidas pelo Decreto-Lei n 177/2001, de 4 de Junho, pela Lei n 15/2002, de 22 de Fevereiro, pelo Decreto-Lei n 157/2006, de 8 de Agosto, e pela Lei n 60/2007, de 4 de Setembro.

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    celebrao de um contrato, nos termos do n 3 do artigo 25 do RJUE. Trata-se, assim, de uma verdadeira e prpria obrigao contratual.

    Parece-me, contudo, que estes contratos podem ser celebrados noutras situaes alm daquelas que esto expressamente previstas no artigo 25 do RJUE, ao abrigo do princpio geral de permissibilidade de recurso ao contrato, consagrado expressamente no artigo 179 do CPA, e da autonomia pblica contratual de que gozam as entidades pblicas. Por isso, as cmaras municipais podem celebrar contratos integrativos do procedimento de licenciamento, nos termos gerais previstos no CPA.

    Neste tipo de contratos as entidades administrativas exigem a colaborao do particular como contrapartida da emisso de uma norma administrativa ou da prtica de um acto administrativo compreendidos no mbito da sua margem de livre deciso. Essa colaborao pode consistir na cedncia de terrenos a ttulo gratuito ou na realizao de obras, infra-estruturas e equipamentos ou no pagamento dos respectivos custos.

    A validade destes contratos depende do respeito estrito pelos princpios da proporcionalidade, da igualdade, da imparcialidade e da boa f, no valendo a regra volenti non fit iniuria.

    Em certas situaes os contratos procedimentais, enquanto forma de consensualizar a actividade administrativa, podem mesmo constituir uma legitimao acrescida da deciso administrativa, ao permitir a participao de outras entidades na tomada dessa deciso, quer sejam particulares, quer outras entidades pblicas. Por isso, no primeiro caso, podem encontrar o seu fundamento no direito de audincia prvia dos interessados previsto nos artigos 100 e seguintes do CPA25 - como acontece, alis, nos contratos expressamente previstos no artigo 25 do RJUE.

    Assim, a celebrao destes contratos como de quaisquer outros est implcita nas normas de competncia material que no imponham expressamente ou tacitamente a forma de acto administrativo para a produo de efeitos jurdicos26.

    4.2. Regime jurdico

    25 Neste sentido, v. PAULO OTERO, O Poder de Substituio em Direito Administrativo, volume I,

    Lisboa, 1995, pg. 85. 26

    V. SRVULO CORREIA, Legalidade..., cit., pg. 613.

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    Os contratos integrativos do procedimento administrativo, tais como aqueles atravs dos quais uma cmara municipal impe deveres ao particular como condio para o deferimento de um determinado pedido de licenciamento ou se compromete a aumentar o ndice de edificabilidade de um terreno do qual o particular proprietrio em troca deste abdicar de direitos urbansticos que detinha noutra zona, s so admissveis no mbito da margem de livre deciso administrativa. Contudo, no se pode dispor genericamente do poder discricionrio, mas sim determinar o seu contedo no caso concreto, devendo distinguir-se entre a disposio do poder discricionrio e o exerccio antecipado do poder discricionrio27. Por isso, estes contratos no eliminam a discricionariedade da Administrao, embora a limitem28.

    Como se referiu supra, estes contratos esto sujeitos aos limites decorrentes dos princpios gerais do Direito Administrativo, designadamente, da proporcionalidade, da boa f e do equilbrio financeiro dos contratos. Alm disso, as condies impostas pela Administrao tm de ser adequadas prossecuo do interesse pblico e tm de cumprir o disposto no artigo 179, n 2, do CPA, ou seja, no podem ser exigidas prestaes contratuais desproporcionadas ou que no tenham uma relao directa com o objecto do contrato29. Alis, o artigo 25, n 6, do RJUE contm uma norma muito semelhante, na qual se estabelece que os encargos a suportar pelo requerente ao abrigo do contrato referido no n 3 devem ser proporcionais sobrecarga para as infra-estruturas existentes resultante da operao urbanstica.

    A fundamentao uma forma de garantir o cumprimento destes princpios e regras, designadamente para demonstrar, por um lado, que a colaborao exigida ao particular respeita os seus direitos e interesses e, por outro lado, que essa actuao adequada prossecuo dos interesses pblicos em causa.

    Visa-se, assim, assegurar que estes contratos no enfermam do vcio de desvio de poder30 e que os direitos e interesses do particular co-contratante no so violados,

    27 V., neste sentido, SRVULO CORREIO, Legalidade..., cit., pg. 749.

    28 Neste sentido, v. EUGENIO BRUTI LIBERATI, Consenso e Funzione nei Contratti di Diritto

    Pubblico, Milo, 1996, pg. 271. 29

    Este nmero do artigo 179 do CPA, apesar de no constar do Decreto-Lei n 6/96, de 31 de Agosto, que alterou aquele diploma, constando apenas da sua republicao, tem vindo a ser aplicado enquanto reflexo dos princpios da proporcionalidade e do equilbrio financeiro dos contratos. Sobre esta questo, v. MRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO GONALVES e J. PACHECO DE AMORIM, Cdigo do Procedimento Administrativo anotado, 2 Edio, Coimbra, 1997, pg. 820. 30

    Considerando que estes contratos esto sempre prximos do desvio de poder, v. HUERGO LORA, Los Convenios..., cit., pg. 72.

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    sendo irrelevante o facto de este dar o seu consentimento a esta violao, uma vez que, como se referiu supra, no se pode aplicar a regra de que volenti non fit iniuria.

    Por essa mesma razo, quer no caso dos contratos substitutivos de actos administrativos, quer no caso dos contratos integrativos do procedimento, qualquer entidade lesada pela sua celebrao deve poder impugnar desde logo o prprio contrato, sem ter de aguardar pela prtica do acto final do procedimento31. Isto aplica-se quer o lesado seja um particular terceiro, quer seja outra entidade pblica que, por exemplo, devesse ter sido ouvida no procedimento.

    Alis, se a Administrao se vincula atravs de um contrato a actuar num determinado sentido, os terceiros pblicos ou privados que sejam afectados por aquela actuao tm sempre o direito de participar no procedimento tendente celebrao do contrato. Isto significa tambm que este tipo de contratos s pode ser celebrado num momento em que o sentido provvel da deciso final do procedimento j perceptvel, ou, se assim no for, o contrato deve ser celebrado sob reserva da manuteno dos elementos de facto e de direito em que assentou a deciso de contratar. Por outras palavras, tal como os contratos normativos referidos supra, estes contratos contm sempre uma condio resolutiva implcita que implica a sua resoluo no caso de o acto a cuja prtica e contedo a Administrao se auto-vinculou contratualmente ser invlido data em que a deciso deve ser tomada, sem prejuzo da eventual responsabilidade a que haja lugar32. De facto, sendo verdadeiros contratos, os acordos procedimentais acarretam responsabilidade contratual, como veremos infra no ponto 6.

    Assim, a cmara municipal pode recusar-se a emitir o acto a cuja prtica se comprometeu mesmo que o particular j tenha cumprido a obrigao a que estava contratualmente vinculado, desde que essa recusa seja fundamentada em razes de superveniente interesse pblico decorrentes da alterao das circunstncias de facto e de direito.

    Mais: deve admitir-se essa recusa mesmo quando no exista essa alterao das circunstncias, desde que a Administrao proceda a uma nova avaliao da situao e conclua que a prtica do acto prometido inconveniente para o interesse pblico33.

    31 Como j defendemos antes. Cfr. ALEXANDRA LEITO, A Proteco Judicial..., cit., pg. 173. Neste

    sentido, defendendo a irrelevncia da forma, v. PIER LUIGI PORTALURI, Potere Amministrativo e Procedimenti Consensuali (Studi sui Rapporti a Collaborazione Necessaria), Milo, 1998, pg. 158. 32

    V. SRVULO CORREIA, op. cit., pg. 753. 33

    Neste sentido pronuncia-se EUGENIO BRUTI LIBERATI, op. cit., pg. 295.

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    5. Breve referncia aos contratos de cooperao e de concesso

    O RJUE prev dois tipos de contratos, respectivamente nos artigos 46 e 47, a saber:

    (i) os contratos de cooperao para a gesto das infra-estruturas e dos espaos verdes e de utilizao colectiva, e;

    (ii) os contratos de concesso do domnio municipal para a gesto das infra-estruturas e dos espaos verdes e de utilizao colectiva.

    O artigo 46 do RJUE consagra a possibilidade de a gesto das infra-estruturas e dos espaos verdes e de utilizao colectiva ser confiada a moradores ou grupos de moradores das zonas loteadas e urbanizadas mediante acordos de cooperao ou contratos de concesso, remetendo a regulamentao destes ltimos para o artigo 47 do mesmo diploma.

    Quanto aos contratos ou acordos de cooperao, o n 2 do artigo 46 estabelece que os mesmos podem incidir sobre a limpeza e higiene, a conservao de espaos verdes existentes, a manuteno dos equipamentos de recreio e lazer e a vigilncia da rea, por forma a evitar a sua degradao.

    Refira-se, em primeiro lugar, que o facto de a norma se referir a acordos e no a contratos , quanto a mim, despiciendo34. Efectivamente, um contrato administrativo exactamente um acordo de vontades entre duas ou mais entidades, pblicas ou privadas, atravs do qual constituda, modificada ou extinta uma relao jurdica administrativa, de acordo com o disposto no artigo 178, n 1, do CPA.

    De facto, um acordo com esse contedo s no assume a natureza de contrato administrativo se no produzir efeitos juridicamente vinculantes. Ora, as clusulas pactuadas pelas partes tm efeitos obrigacionais sempre que: (i) versem sobre a actividade das entidades intervenientes; (ii) o seu contedo se inclua na esfera prpria

    34 Alis, no prprio Cdigo Civil so utilizados vrios termos como sinnimos de contrato, tais como

    acordo (nos artigo 394, n 2, 541, n 2, 623, n 3); conveno (nos artigo 394, n 1, 410, n 1, 582 e 1698) e pacto (nos artigos 414, 415, 416, n 1).

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    de actuao das entidades contratantes; (iii) estabeleam direitos e deveres para as partes; (iv) estes direitos e deveres tenham um mnimo grau de concretizao35.

    Assim, os acordos de cooperao a que se refere o artigo 46 do RJUE so contratos administrativos de colaborao, uma vez que associam o particular prossecuo de um interesse pblico36, aos quais se aplica supletivamente o regime dos artigos 178 e seguintes do CPA.

    Tratando-se de contratos para a gesto de infra-estruturas ou espaos verdes situados em reas integradas em domnio pblico municipal e no em propriedade privada, a opo por um modelo contratualizado ou pelo modelo de gesto directa por parte do municpio depende inteiramente da vontade deste. Por outro lado, se o municpio optar pela contratualizao da gesto, ainda livre de celebrar o respectivo contrato com os moradores ou grupos de moradores das zonas loteadas ou urbanizadas ou com outros particulares.

    Contudo, neste ltimo caso, aplicam-se as regras relativas escolha do co-contratante previstas no artigo 182 do CPA, ao contrrio do que acontece se o municpio optar por celebrar o contrato de cooperao com os moradores.

    O artigo 46, n 3, do RJUE determina, por sua vez, que quando se pretenda realizar investimentos em equipamentos de utilizao colectiva ou em instalaes fixas e no desmontveis em espaos verdes, ou ainda a manuteno de infra-estruturas deve optar-se pela celebrao de um contrato de concesso, cujo regime est consagrado no artigo 47 do mesmo diploma.

    Trata-se de um contrato de concesso de uso privativo do domnio municipal, cujo principal trao distintivo relativamente aos acordos de cooperao se prende com o facto de o investimento realizado pressupor o financiamento privado37.

    O artigo 47, na redaco dada pela Lei n 60/2007, de 4 de Setembro, remete a regulamentao do contrato de concesso para diploma prprio (na verso original do RJUE exigia-se decreto-lei), que ainda no foi aprovado, o que tanto mais grave quanto no existe no nosso ordenamento jurdico um diploma geral enquadrador dos

    35 V. ALEXANDRA LEITO, As Formas Contratuais, cit., pgs. 454 e 455.

    36 Neste sentido, v. MARIA JOS CASTANHEIRA NEVES, FERNANDA PAULA OLIVEIRA e

    DULCE LOPES, op. cit., pgs. 280 e 281. 37

    V. MARIA JOS CASTANHEIRA NEVES, FERNANDA PAULA OLIVEIRA e DULCE LOPES, op. cit., pg. 281.

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    contratos de concesso, ao contrrio do que acontece, por exemplo, para as empreitadas de obras pblicas.

    Assim, aplicam-se as regras gerais do CPA, designadamente as relativas aos poderes da Administrao em matria de execuo.

    No entanto, o artigo 47 do RJUE estabelece, desde logo, duas regras essenciais: a sujeio fiscalizao da cmara municipal, e a proibio, sob pena de nulidade das respectivas clusulas, se os contratos vedarem o acesso e utilizao do espao concessionado por parte do pblico, apesar de se tratar de um contrato de concesso de uso privativo38. Esta soluo merece, naturalmente, um aplauso, uma vez que visa

    garantir que os espaos integrados no domnio municipal no deixem de ser acessveis ao pblico em geral.

    6. O cumprimento dos contratos e a responsabilidade contratual das partes

    execuo e cumprimento dos contratos urbansticos aplicam-se, tal como acontece em matria de validade, as regras gerais do CPA.

    Assim, aplica-se o artigo 180 do CPA quanto aos poderes de autoridade de que a Administrao co-contratante dispe, bem como as regras relativas interpretao e declarao de invalidade dos contratos, nos termos dos ns 1 e 2 do artigo 186 do mesmo diploma.

    Contudo, no que se refere ao cumprimento do contrato, existem especificidades relevantes, que decorrem essencialmente do facto de o objecto do contrato envolver o exerccio de poderes pblicos, quer se trate da aprovao de um plano elaborado, alterado ou revisto por um particular no mbito de um contrato celebrado nos termos do artigo 6-A do RJIGT, quer se trate da prtica de um acto administrativo. Neste sentido, pode mesmo distinguir-se entre obrigaes contratuais em sentido estrito e obrigaes contratuais cujo contedo a prtica de um acto administrativo (ou a aprovao de uma norma)39.

    38 Sem prejuzo de o diploma prprio a que se refere o preceito poder impor limitaes, tais como o

    pagamento de taxas. 39

    Sobre esta distino, v. PEDRO GONALVES, O Contrato Administrativo Uma Instituio do Direito Administrativo do Nosso Tempo, Coimbra, 2003, pg. 123.

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    Numa primeira hiptese, se o contrato for vlido e o contedo do acto a cuja prtica a Administrao se comprometeu for compatvel com o procedimento administrativo, o contrato tem de ser cumprido, sob pena de a entidade administrativa co-contratante incorrer em responsabilidade contratual. Neste caso, o particular pode optar por exigir judicialmente a execuo do contrato ou por pedir uma indemnizao pelo interesse contratual positivo, que permite colocar o particular na mesma posio

    patrimonial que teria se o contrato tivesse sido integralmente cumprido40. Isto significa que a Administrao no pode deixar de cumprir o contrato

    invocando apenas uma nova avaliao da situao, sem que existam quaisquer circunstncias supervenientes41. Esta actuao no legtima, uma vez que, existindo uma vinculao contratual, o incumprimento do contrato presume-se culposo, nos termos do artigo 799 do Cdigo Civil, excepto quando esse incumprimento seja justificado pelo resultado do procedimento administrativo ou por uma alterao superveniente das circunstncias de facto ou de Direito.

    No caso particular dos contratos para a elaborao, alterao ou reviso de um plano, a situao afigura-se mais complexa, na medida em que o contrato celebrado pela cmara municipal, mas o rgo competente para aprovar o plano a assembleia municipal42. A obrigao assumida pela cmara municipal ao celebrar o contrato com o particular apenas uma obrigao de meios e no de resultado, o que no afasta, contudo, o seu carcter juridicamente vinculativo.

    Por isso, se a cmara municipal defender a aprovao do plano, da alterao ou da reviso elaborados pelo particular e envidar todos os esforos no sentido de obter a sua aprovao por parte da assembleia municipal no incorre em responsabilidade contratual se, ainda assim, a assembleia municipal no o fizer. Isto pode ocorrer, designadamente, por razes polticas quando a maioria dos deputados municipais no apoie o executivo camarrio.

    Neste caso, nem a assembleia municipal incorre em responsabilidade contratual porque no se vinculou contratualmente, nem a cmara municipal porque no incumpriu

    a sua obrigao contratual, enquanto mera obrigao de meios.

    40 Neste sentido, v. HUERGO LORA, Los Convenios, cit., pg. 146.

    41 A validade desta nova avaliao feita pela Administrao sindicvel judicialmente, designadamente

    atravs da fundamentao do acto, com recurso aos princpios gerais do Direito, sobretudo aos princpios da proporcionalidade, da boa f e da proteco da confiana. 42

    Porventura seria de equacionar a possibilidade de, numa futura alterao legislativa, se consagrar que estes contratos passassem a ser aprovados pela assembleia municipal, o que resolveria esta questo.

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    Isto no significa, contudo, que o co-contratante particular fique desprovido de tutela jurdica. De facto, o particular tem o direito de ser ressarcido com base no princpio da proteco da confiana, uma vez que esto verificados todas as condies para que haja dever de indemnizar pelo dano da confiana, a saber: (i) uma actuao de um sujeito de direito que crie a situao de confiana justificada; (ii) uma situao de confiana injustificada do destinatrio na actuao de outrem; (iii) a efectivao de um investimento da confiana; (iv) o nexo de causalidade; (v) a frustrao da confiana por parte do sujeito que a criou43.

    Esta indemnizao cobre o interesse contratual negativo, isto , as despesas que o particular suportou com a elaborao da sua proposta, bem como os lucros deixados de obter - por exemplo, o facto de no ter celebrado outros contratos para poder dar cumprimento ao contrato celebrado com a cmara municipal mas distingue-se da indemnizao pelo interesse contratual positivo, visto que esta coloca o co-contratante na situao que ficaria se o contrato fosse cumprido, enquanto aquela apenas reintegra a situao prvia celebrao do mesmo.

    Nestes termos, o direito indemnizao independente da eventual utilidade que o Municpio possa retirar da prestao contratual por si realizada, uma vez que assenta apenas na violao da proteco da confiana legtima do particular.

    No entanto, se se entender que a confiana suscitada na esfera jurdica do particular no merece tutela ressarcitria, uma vez que o contratante sabia ou tinha obrigao de saber que a cmara municipal no se podia obrigar contratualmente a aprovar o plano, uma vez que a competncia para tal no lhe est legalmente cometida assembleia municipal, sempre poder haver lugar a enriquecimento sem causa.

    Efectivamente, o co-contratante particular teria sempre direito a uma indemnizao a ttulo de enriquecimento sem causa pelo menos na estrita medida em que o plano ou a sua alterao ou reviso fossem de algum modo aproveitadas pelo Municpio.

    Por sua vez, se o contrato for invlido porque o acto a cuja prtica a entidade administrativa co-contrante se comprometeu invlido ou no adequado prossecuo do interesse pblico, a Administrao no pode praticar esse acto.

    A invalidade do acto ou a sua inadequao prossecuo do interesse pblico pode resultar: (i) de uma alterao das circunstncias de facto ou das normas legais ou

    43 V. MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDR SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo

    Geral, Tomo I, 2 Edio, Lisboa, 2006, pg. 220.

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    regulamentares aplicveis; (ii) do resultado do procedimento administrativo legalmente estabelecido para a prtica daquele acto, em virtude quer do contedo dos pareceres de outros rgos administrativos que devam ser ouvidos no decurso do mesmo, quer tendo em conta os elementos que sejam levados ao conhecimento do rgo decisor por outros particulares cujos interesses devam ser ponderados no mbito do procedimento em causa.

    No caso de o acto e o contrato - serem invlidos, a Administrao no pode ser obrigada a cumprir o contrato, mas tem de indemnizar o particular co-contratante, a ttulo de responsabilidade civil extracontratual. Contudo, ao contrrio do que acontece com a responsabilidade contratual no caso de o contrato ser vlido, a indemnizao devida a ttulo de responsabilidade civil extracontratual limita-se a ressarcir o interesse contratual negativo, isto , os gastos despendidos com a celebrao e execuo do contrato.

    7. A tutela judicial no mbito dos contratos urbansticos: breve nota A referncia tutela judicial no mbito dos contratos urbansticos justifica-se na

    estrita medida em que exista uma especificidade ao nvel dos meios judiciais aplicveis a este tipo de contratos.

    Ora, no que se refere s aces de validade e cumprimento do contrato, aplica-se, em princpio, o disposto no artigo 37, n 2, alnea h) do Cdigo de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

    Contudo, nos contratos cujo objecto a prtica de um acto administrativo, designadamente a concesso de uma licena urbanstica, coloca-se a questo de saber se o meio processual adequado para tutelar o particular perante a recusa da Administrao co-contratante em praticar esse acto a aco administrativa comum acima referida ou, pelo contrrio, a aco administrativa especial de condenao prtica de acto devido prevista nos artigos 66 e seguintes do CPTA.

    que atravs desta ltima aco tambm se pode obter a condenao prtica de um acto contratualmente devido, justificando-se a sua aplicao no caso dos contratos urbansticos que tenham como objecto a prtica de actos administrativos, atendendo natureza especial da obrigao contratual em questo44.

    44 Seguimos aqui a posio adoptada por PEDRO GONALVES, op. cit., pgs. 167 e 168.

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    Efectivamente, apesar de estar em causa o cumprimento de um contrato, a verdade que a obrigao da entidade administrativa o exerccio de um poder pblico de autoridade e no uma prestao material45.

    Alis, o prprio acto atravs do qual a Administrao se recuse a praticar o acto contratualmente devido que, como ficou dito supra um acto sindicvel judicialmente - ele prprio impugnvel contenciosamente atravs da mesma aco administrativa especial de condenao prtica de acto devido46.

    Mais complexa se afigura a questo do cumprimento dos contratos para a elaborao, alterao ou reviso de planos de urbanizao e de planos de pormenor, por duas razes:

    (i) em primeiro lugar, porque est em causa a aprovao de uma norma e no a prtica de um acto administrativo, pelo que a aplicao da aco de condenao prtica de acto devido muito duvidosa;

    (ii) em segundo lugar, porque estes contratos so celebrados entre o particular e a cmara municipal, sendo que a competncia para aprovar o plano, ou a respectiva alterao ou reviso cabe assembleia municipal.

    Ora, como foi referido supra este ltimo aspecto implica que a obrigao contratualmente assumida pela cmara municipal seja uma mera obrigao de meios, no recaindo sobre a assembleia municipal nenhuma vinculao contratual quanto aprovao da norma proposta pelo particular co-contratante.

    Assim, se a cmara municipal no cumprir diligentemente a sua obrigao de meios - iniciando o procedimento necessrio e defendendo a aprovao do plano elaborado pelo particular incorre em responsabilidade contratual. Esta responsabilidade pode ser efectivada atravs da aco de condenao prtica de acto devido ou atravs da aco comum de execuo do contrato, consoante esteja em causa a prtica de um acto administrativo, por exemplo, iniciar um procedimento ou apenas obrigaes de natureza material.

    45 Antes da aprovao do CPTA, defendi a possibilidade de aplicar a aco de cumprimento do contrato,

    uma vez que a figura da aco de condenao prtica de actos administrativos no estava prevista no nosso ordenamento jurdico e o particular co-contratante no podia ficar sem tutela judicial. Cfr. ALEXANDRA LEITO, A Proteco..., cit., pg. 170. 46

    Neste sentido, v. PEDRO GONALVES, op. cit., pg. 168.

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    Contudo, se, apesar da diligncia da cmara municipal, a assembleia municipal optar por no aprovar o plano, no existe responsabilidade contratual de nenhuma das duas entidades, desde logo porque esta ltima no se vinculou contratualmente.

    Por outro lado, mesmo que assim no se entendesse, teria de se concluir que no existiria meio processual adequado, visto que a aco de cumprimento do contrato seria de afastar pelas mesmas razes que afastada no caso dos contratos cujo objecto a prtica de um acto administrativo; e a aco de condenao prtica de acto devido no aplicvel.

    De facto, no parece possvel utilizar a aco dos artigos 66 e seguintes do CPTA para exigir a emisso de uma norma administrativa, quer devido ao argumento literal os preceitos referem-se sempre e s a actos e no normas, quer porque

    existe um meio processual especfico para o caso de omisso de normas. Este meio a declarao de ilegalidade por omisso de normas administrativas, prevista no artigo 77 do CPTA, mas limita-se s situaes em que a adopo da norma seja necessria para dar exequibilidade a actos legislativos carecidos de regulamentao (cfr. o n 1 daquele preceito).

    Sendo assim, conclui-se que, no que respeita aos contratos para a elaborao, alterao ou reviso de planos, a responsabilidade contratual no abrange a obrigao de aprovar a norma, no existindo, to pouco, meio processual que permita obter a condenao da assembleia municipal.