6. Resenha - A Cidade No Século XXI
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GEOPUC Revista do Departamento de Geografia da PUC-Rio
Ano 3 nmero 6 segundo semestre de 2010
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FERREIRA, Alvaro. A cidade no sculo XXI: segregao e banalizao do espao. Rio de Janeiro: Consequncia, 2011. 296 p.
A CIDADE NO SCULO XXI: SEGREGAO E BANALIZAO
DO ESPAO
Alvaro Ferreira1
por Vnia Regina Jorge da Silva Mestre em Geografia pela Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)
Este livro configura uma obra importante para os que estudam o espao
urbano, em especial, do Rio de Janeiro tendo como perspectiva a cidade como
uma materializao de momentos histricos densa de conflitos e contradies
que se realizam no cotidiano. Sendo assim, o autor analisa a (re)produo do
espao urbano tendo como vis a reproduo das relaes sociais de
produo.
Alvaro Ferreira pesquisador, professor, orientador e coordenador de
ncleos de pesquisa. Atravs da coordenao de grupos de pesquisa tem
como temas de investigao: a (re)produo do espao urbano; as tecnologias
de comunicao e informao e as novas espacialidades nas cidades; a
representaes no espao urbano; espao e movimentos sociais; as relaes
de trabalho e o espao urbano. Este ltimo, tendo nfase no livro que hora se
apresenta.
Na presente obra, o autor pode ser observado quanto a sua qualidade
clara e bem humorada de organizar a pesquisa e direcionar a leitura tornando-a
enriquecedora e exemplar para ns que iniciamos os passos na pesquisa
acadmica. Em sua introduo podemos perceber que coloca as coisas no
seu devido lugar. Assim podemos perceber seu objeto de anlise: a
reproduo do espao urbano tendo como foco as revitalizaes das reas
centrais e porturias com adoo de modelos ditos de sucesso internacional
1 Professor do Departamento de Geografia da PUC-Rio e da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro.
mailto:[email protected]
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sem a considerao das especificidades historicamente construdas das
cidades apresentando assim, uma banalizao do espao.
A partir da anlise das propostas de revitalizao da zona porturia e
arredores da cidade do Rio de Janeiro, tem como objetivo perceber indcios de
novas espacialidades. Ainda, indica que o mtodo necessrio em sua anlise
o dialtico atravs do qual, consegue integrar o movimento temporal e escalar
na compreenso do fenmeno estudado. Como procedimentos, transcorre com
anlise quantitativa e qualitativa ao trabalhar com dados e entrevistas.
Tendo em vista que a presente obra j foi magistralmente resenhada
pelos professores Horcio Capel e Joo Rua, respectivamente, no prlogo e no
posfcio, pretende-se fazer algumas consideraes que ainda podem ser
destacadas com o objetivo de incentivar a leitura desta obra to instigante para
os pesquisadores do espao urbano, ressaltando que, ainda assim, no se far
jus sua riqueza.
No primeiro captulo, no qual o autor informa a necessidade de focar
mais na dimenso material da anlise, ou seja, no morfolgico do urbano (pp.
29, 37), ao abordar como as mudanas no sistema capitalista quanto s foras
produtivas e s relaes de produo e reproduo tm alterado a vida
cotidiana em suas mltiplas dimenses e participado no arranjo espacial da
cidade. O captulo est estruturado em trs tpicos sobre os quais podemos
destacar o que se segue.
Ao abordar a reestruturao produtiva nos ressalta a necessidade de
fugirmos do reducionismo de olharmos as evolues tcnicas, em si, como
elemento reestruturador do espao urbano (p. 41), sem levarmos em
considerao os aspectos sociais que o processo de reconverso produtiva
provoca. Ou seja, uma nfase dada ao desenvolvimento tcnico pode cegar
para outras dimenses no mesmo fenmeno em estudo naturalizando mazelas
que so socialmente construdas e ratificadas dentro do movimento de
reestruturao do sistema capitalista.
A partir disto, transcorre nas diversas modificaes que a cidade carioca
passou na sua morfologia desde o final do sculo XIX analisando as
reestruturaes produtivas com foco na reproduo da fora de trabalho. Para
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isto, dialoga com Ricardo Antunes, Karl Marx, Henri Lefebvre, Manuel Castells,
Alain Lipietz, Michael Stoper e muitos outros, discutindo o conceito de trabalho
e as transformaes que tem passado nas reestruturaes do sistema
capitalista. Este dilogo com tantos autores variados demonstra a
disponibilidade que Ferreira tem em no se encerrar em uma nica perspectiva
cientfica conforme ressaltado por Horacio Capel (p. 26), ultrapassa (...) o
marco disciplinar e se estende sociologia, economia, semitica e ao
conjunto das cincias sociais (...).
Nas transformaes observadas na economia capitalista industrial
centrada na produo de mercadorias, para uma ligada aos servios, percebe-
se na cidade do Rio de Janeiro uma centralizao da produo de servios, de
gesto, ao invs de produo de bens; ainda, um lugar de consumo ligado ao
comrcio, ao transporte, educao, ao cio, ao turismo, sade e a
segurana.
Dentro desta perspectiva, reas que foram perdendo sua importncia e
funo, como o caso das zonas porturias, tornam-se interessantes a
determinados agentes sociais de produo do espao urbano como o discurso
miditico de revitalizar certas reas da cidade (p. 64). Neste ponto, o autor
considera como que os investimentos do empresariado junto como o Estado
tem promovido e ratificado desigualdades espaciais. Para tal, traz a baila
discusses a respeito dos conceitos de desenvolvimento e modernidade em
Joo Rua, entre outros. Tendo como exemplificao de sua pesquisa a zona
porturia e seu entorno na cidade do Rio de Janeiro, demonstra as diversas
transformaes pelos quais passou em sucessivas reestruturaes produtivas:
da ampliao e modernizao at a sua subutilizao, abandono e decadncia
tornando-se atraente para atuais investimentos.
No captulo dois, desmembrado em dois subttulos, Ferreira informa que
tem o objetivo de se debruar sobre os atores sociais que se tornam
fundamentais nas transformaes pelas quais passam as cidades, as polticas
de desenvolvimento urbano, as mudanas na forma de administrao urbana e
o discurso do empresariamento.
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Ao analisar como os agentes e atores sociais que produzem o espao
urbano se comportam diante de novas espacialidades na urbe carioca, comea
por destacar os diferentes usos imbricados da terra. Neste momento, dialoga
com autores como: David Harvey, Horacio Capel, Henri Lefebvre, Milton Santos
e Roberto Lobato Corra, entre outros. Assim, retoma desde a colonizao, as
aes de diversos agentes produtores do espao: as ordens e irmandades
religiosas como proprietrios imobilirios, empresas de transportes associadas
ou no ao capital imobilirio, empresas de construo civil e bancos, capital
nacional e estrangeiro, polticos etc.
Diante da expanso urbana percebida do Rio de Janeiro atravs dos
tempos, o autor trabalha com a noo do termo subrbio atravs de Nelson da
Nbrega Fernandes. A partir disso considera como a cidade teve o seu tecido
urbano expandido de forma segregada com situaes subsequentes e variadas
em direo zona Sul, zona Norte, Barra da Tijuca a Recreio.
Sendo assim, elabora uma discusso com Roberto Lobato Corra, David
M. Vetter & Rosa Maria R. Massena, Luciana Correa do Lago, David Harvey,
Milton Santos, a respeito da produo do espao urbano como produto, meio e
condio para a reproduo das relaes sociais e as questes relacionadas
ao valor de uso e valor de troca tendo o terra como mercadoria a atuao dos
agentes que (re)produzem o espao urbano.
Configurando um aporte quantitativo de sua pesquisa, apresenta alguns
dados na forma de tabelas a respeito das densidades demogrficas por rea
de planejamento da cidade do Rio de Janeiro para poder perceber as suas
reas de expanso. Tambm, dados de homogeneidade de renda por regio
administrativa para observar a diferenciao da estratificao espacial das
reas em crescimento. Esta parte da pesquisa importante para perceber as
realidades concretas historicamente construdas e a influncia que esta confere
nos processos subsequentes de centralizao de desconcentrao como foi
mencionado anteriormente.
O autor ressalta a concentrao de empresas sediadas na rea central,
mas, tambm a perda de vrias destas para a Barra da Tijuca em busca de
infraestrutura modernas levando a obsolescncia de diversas reas no centro
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histrico carioca. Passa apresentar algumas aes da administrao pblica
para a dinamizao como os programas de revitalizao do centro histrico na
Praa XV, Praa Tiradentes, Lapa e Corredor Cultural, construo de prdios
modernos em adio ao Teleporto, construo da Cidade do Samba etc.
No bojo de investimentos em infra-estrutura de acordo com as
demandas de reestruturao produtivas surgem as parcerias pblico-privadas,
empreendimento pontuais e especulativos, a cultura como um grande negcio
etc. Estes so alguns dos elementos no que passou a ser conhecido como city
marketing ou administrao empresarial da cidade tendo como objetivo atrair
investimentos e torn-la competitiva no circuito mundial da economia. Como
consequncia, questiona-se a durao e o alcance dos benefcios. Transcorre
ento uma discusso com diversos autores, como Carlos Vainer, Ester
Limonad, Jordi Borja, entre outros, sobre termos e prticas espaciais
relacionadas ao empresariamento da gesto da cidade, como por exemplo:
planejamento estratgico, o discurso para a venda das cidades com foco nos
seus atributos valorizados pelo capital, a adoo de modelos externos, as
intencionalidades destas dinmicas.
Todo este movimento naturaliza e escamoteia os problemas urbanos
no percebidos como estruturais e resultantes de processos sociais gerais. O
autor destaca as coalizes que tm sido formadas para organizar o espao da
cidade adequando-a a dinmica econmica da competitividade. So formadas
parcerias, novas instituies, flexibilizao do aparato legal, financiamentos
multilaterais com foras coercitivas. Traa ento, uma discusso a respeito dos
processos de globalizao e de localizao que so indissociveis. Como
resultado (p. 149): (...) a implementao do empreendedorismo na
administrao do Rio de Janeiro, contribuindo para novas espacialidades na
cidade a partir das deslocaes, desativaes e reativaes que movimentam
vrios grupos e agentes que produzem o espao urbano, exemplo dessa
associao entre lugar e global. O que se percebe o acirramento de
problemas sociais como a gentrificao atroz e a pobreza crescente.
No terceiro captulo, subdividido em sete partes, tem por finalidade
apresentar um panorama das transformaes que vem ocorrendo pelo mundo
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nas zonas porturias e adjacncias como um padro de renovaes e
revitalizaes. Questiona o Modelo Barcelona, amplamente seguido, inclusive
pelo Brasil, com a necessidade de se pensar as especificidades de cada lugar
e a questo da participao da populao.
O autor demonstra o pioneirismo dos Estados Unidos em revitalizao
da frente martima de Boston a partir da dcada de 1960 com atividades de
lazer, shopping centers e habitaes para populao de alta renda. A partir
disso, apresenta diversos exemplos ao redor do mundo com algumas variaes
pequenas, mas no geral, apresentando as principais caractersticas nas
revitalizaes de portos em diversos pases na Europa, no Canad. Pontua
ainda que, seguindo o modelo j mencionado, observa-se a organizao de
grandes eventos, a concepo espacial centrada no consumo e no espetculo
como tnica para os projetos de revitalizao e remodelao das reas
porturias degradas nos diversos pases, como ocorre no Brasil inclusive.
O Modelo de Barcelona recebe foco porque este foi talvez o primeiro
exemplo em produzir um discurso de mudana que contagiou boa parte da
populao e da mdia de forma muito contundente sendo visto como uma
frmula para as cidades porturias sem se levar em considerao que este
exemplo tem uma trajetria histrica que foi construda no decorrer do tempo e
no pode ser reproduzida com os mesmos resultados.
O primeiro momento de reconstruo de Barcelona (dcadas de 1970-
80) houve uma conjuno de fatores histricos, como por exemplo: foi aps a
ditadura franquista, na qual havia uma base social de esquerda articulada e
forte com as associaes de bairros bem organizadas. Isto resultou em
projetos de recuperao dos centros histricos com valorizao, conservao e
reutilizao das reas construdas. Tambm, reabilitao das periferias
habitacionais. Isto resultou em uma linha de ao que equipou a cidade de
maneira equilibrada e com melhoria de qualidade de vida para a populao.
Quanto as favelas, houve remoo de algumas, demolio de outras e
remodelao para a integrao ao tecido urbano.
J o perodo subsequente, dcada de 1990, no houve o mesmo
protagonismo pblico que na primeira. As reas da cidade foram valorizadas
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visando economia global. As crticas so em cima do excessivo foco no
turismo, nos servios, nos grandes eventos e na especulao imobiliria em
detrimento das carncias sociais e urbansticas denotando um modelo
questionvel que tem homogeneizado as formas de certas reas das cidades
desprendendo-a de suas historicidades. Observa-se a adoo deste modelo
em alguns pases na Oceania, na sia, na frica e na Amrica Latina, como
o caso da cidade do Rio de Janeiro.
No quarto captulo, o autor trabalha os novos valores que surgem no
tecido urbano, os novos sistemas de produo e realidades do mercado
contribuindo para a transformao da urbe carioca. Debate a mercadificao da
cidade e as negociaes entre o governo, empresariado para implementar as
transformaes. Desta feita, juntam-se as trs dimenses de anlise que
destaca na introduo (pp. 31, 38): a morfologia ressaltando a materialidade,
imaterialidade e as relaes de troca com o entorno; os grupos sociais na
produo do espao; por fim, o uso do espao e a vida que se d no lugar com
suas tenses e conflitos.
Apresenta a coalizo entre sujeitos na busca pela construo de uma
imagem de cidade vendvel para o mercado internacional, o city marketing com
projetos tais como: favela-bairro, Rio-cidade, Porto Maravilha etc. Surgem as
questes de habitao, a preservao do patrimnio arquitetnico, a legislao
quanto ao uso do solo no recorte espacial em estudo. Pontua que os
moradores dessas reas so de mdia e baixa renda, quanto moradia,
logicamente, o empresariado s ter interesse em investir nestes projetos se
houver um retorno garantido. De modo que, as revitalizaes propostas
seguem o modelo de outras j realizadas no planeta em contradio com as
necessidades da populao, de acordo com os interesses do capital atravs da
segregao e fragmentao do espao.
Ferreira ressalta a questo da poltica no deve se limitar aos polticos
eleitos. Com alguns autores, discute como seria possvel a participao do
cidado nas reivindicaes do seu direito cidade. Observa-se algumas
mobilizaes, porm, isoladas e especficas. Ento, a necessidade de se
pensar em escalas temporais e espaciais mais amplas na busca por
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alternativas. Embora o Estatuto da Cidade e o Plano Diretor preconizam a
participao popular na decises com respeito cidade, questiona-se se estes
no so meios de domesticar e desarmar os ativismos ao mesmo tempo
contribuem para mercadificao da cidade (p. 238-240).
Em uma pesquisa qualitativa visando perceber mobilizaes locais na
zona porturia carioca, observa-se falta de informao de seus moradores
sobre os projetos de reforma, alguns grupos de movimento fracamente
mobilizados e a criminalizao das mobilizaes. Alguns tm reclamaes,
mas, no sabem como se mobilizar. Sendo assim, o autor ressalta a
necessidade de solidariedades horizontais que devem ser historicamente
construdas e fortalecidas em infinitos debates frente as solidariedades verticais
que agrega atores hegemnicos. Alm disso, a falta de mobilizao decorre da
opo pautada na urgncia de sobreviver e da falta de tempo (pp. 242, 243).
No eplogo Ferreira retoma algumas consideraes propostas na
introduo e observa que o modelo adotado pelo Rio de Janeiro no foi o de
Barcelona entre as dcadas de 1970 e 1980. Mas, o da Barcelona Olmpica
(1992). A proposta da pesquisa ultrapassar o momento histrico da cidade
como produto comercializvel e restituir o conceito de cidade como obra,
produzida no cotidiano pelas pessoas, pelas diferenas e no pela mercadoria.
Existe a necessidade de pensar a participao popular como um movimento a
partir da populao de modo ativo e constante, visto que, nos deparamos com
uma forma de desenvolvimento que imposta e aceita, como projetos
mimticos de modernizao que impede a busca por modelizaes possveis e
futuras. Analisando o problema de forma crtica em todos os seus elementos,
passa descrever diversas medidas possveis, como enuncia, em busca de
aberturas e possibilidades.
Espera-se que esta resenha contribua para apresentar a presente obra
como importante para todos que se debruam para entender o espao urbano
em sua dinmica. Ressalta-se ainda que, no h como dar conta de uma obra
to rica em elementos analisados, mas, que com certeza, cumpre com os seus
objetivos, a saber, uma anlise crtica de um fenmeno urbano com o intuito de
promover possibilidades alternativas lgica dominante.