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6. Fontes do Direito Penal
Fonte é o lugar de onde o direito provém. São os modos de revelação e de formação
das normas jurídicas.
As fontes de DC são essencialmente internas ou nacionais pois o direito de punir
continua a ser um dos atributos essenciais da soberania do Estado.
Lei (fonte imediata)
Lei em sentido formal – é o diploma emanado do órgão do Estado que detém a
competência Legislativa por excelência, AR, segundo as regras estabelecidas no seu
regimento e sancionada pelo Chefe do Estado. Em Moçambique as leis em sentido
formal são as que emanam da Assembleia da República (AR). Mas a AR, nos termos
do nº 3 do artigo 179 da CRM, pode autorizar o Governo a legislar aprovando decretos-
lei. O Regulamento é um acto do poder executivo que regula de forma geral e abstracta
determinadas matérias.
Lei em sentido material – é a declaração de uma ou mais normas jurídicas pela
autoridade competente.
Constituição da República de Moçambique (CRM)
Nos termos do nº 4 do artigo 2 da CRM «as normas constitucionais prevalecem sobre
todas as restantes normas do ordenamento jurídico». A CRM é a lei fundamental,
suprema. A CRM é uma lei em sentido formal e material.
Regulamento é um acto do poder executivo que regula de forma geral e abstracta
determinadas matérias.
A lei constitui a principal fonte do Direito criminal, no caso moçambicano esta
corresponde a CRM, ao código penal e a demais legislação avulsa ou extravagante
(legislação complementar) que regulam matérias que não estão previstas no código
penal. A lei é única fonte competente para a determinação das infracções mais graves.
Os regulamentos constituem fontes de DC, cita-se o código de estrada1 que prevê e
reprime as infracções contra a segurança rodoviária.
1Aprovado pelo Decreto-Lei nº 1/2011, de 23 de Março; publicado no BR nº 12, 4º Suplemento, de 23 de Março de
2011. Tem uma rectificação publicada no BR nº 17, I Série, de 29 Abril de 2011.
Jurisprudência
É o conjunto de decisões tomadas pelos tribunais na solução dos litígios a si
interpostos pelos interessados.
Decorrente dos princípios da legalidade e da separação de poderes, a jurisprudência
não constitui fonte de direito criminal. O juiz não pode criar crimes nem penas; nem
aplicar infracções ou penas fora dos casos previstos na lei2. A jurisprudência constitui
uma fonte interpretativa, ela pode clarificar e definir o alcance de uma lei.
Assentos
A Jurisprudência reveste de forma de assento quando proferida pelo Tribunal Supremo
(TS) e pressupõe:
1) Existência de dois acórdãos contraditórios, proferidos em secções diferentes
(mas que tratam da mesma matéria, por exemplo duas secções criminais) do
Tribunal Supremo ou por dois Tribunais Superiores de Apelação;
2) Essa contradição diz respeito a mesma questão de Direito.
Quando isto acontece o TS reúne-se em Plenária onde toma a sua decisão em forma
de Assento, uniformizando a Jurisprudência contraditória das secções em conflito de
entendimento.
Costume
É uma prática reiterada de conduta social acompanhada de convicção de
obrigatoriedade da norma seguida por certos membros de uma sociedade, fixados num
espaço e num certo tempo histórico.
Costume é o conjunto de normas de comportamento a que as pessoas obedecem de
maneira uniforme e constante, pela convicção de sua obrigatoriedade jurídica Beccarie
chamou-o de legislador ordinário dos povos, actualmente, perde prestígio como
consequência do princípio da reserva legal, que impede que crie crimes ou penas.
O costume não constitui fonte de direito criminal pois este baseia-se no princípio da
legalidade, ou seja, o princípio da reserva legal impede que o costume defina crimes,
comine penas ou as agrave. Não pode também derrogar ou ab-rogar a norma penal. O
2Paralelamente cf. a CRM, o poder executivo não pode criar incriminações (criar crimes), nem penas; ele intervém
no estabelecimento de infracções menores tais como as contravenções ;
costume não tem valor criativo, modificativo ou revogatório em DC. O costume não
pode criar novas infracções ou penas, nem modificar as infracções ou penas
existentes. Contudo, não se pode negar valor ao direito consuetudinário, mesmo no
campo da nossa disciplina, o costume pode auxiliar na interpretação da lei. De facto,
ele recorre a questões extra-penais que por vezes devem ser interpretadas em função
do sentido que os usos e costumes progressivamente o atribuíram.
Existem tipos penais que invocam o costume, ao aludirem certos elementos como a
honra, o pudor, a honestidade.
Doutrina
São as opiniões ou estudos dos jurisconsultos sobre determinada matéria do
Direito. Não constitui fonte do DC. É porem de grande utilidade na interpretação da
lei, estudando-a desde o nascedouro, acompanhando-a na evolução, examinando
os elementos jurídicos e meta jurídicos que a informam.
Tratados internacionais
É um acordo de vontades entre dois ou mais sujeitos do Direito Internacional,
formalizada num texto escrito, com o objectivo de produzir efeitos jurídicos no plano
internacional3.
Em DC os tratados internacionais desempenham um papel importante, não na
definição/determinação das penas (competência reservada ao legislador e, ao governo
para as infracções menos graves), mas na definição ou determinação de
comportamentos proibidos. Concretamente, estes textos muitas vezes prescrevem
obrigações ou interdições, contudo a sua violação só será criminalmente sancionada se
uma lei nacional o previr. O fundamento do que acabamos de referir encontra-se no n°1
do artigo 18 da CRM que dispõe o seguinte “os tratados e acordos internacionais
validamente aprovados e ratificados, vigoram na ordem jurídica moçambicana após a
sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado
moçambicano”. O n°2 estabelece que as normas de direito internacional são
infraconstitucionais (estão abaixo da CRM) e equiparam-se (têm o mesmo valor) aos
demais actos normativos da AR e do governo mediante a respectiva forma de
recepção.
3https://pt.wikipedia.org/wiki/Tratadoconsultadoem 22/02/2016
De forma resumida, os tratados internacionais constituem fonte de direito quando
ratificados pelo Estado, e só vinculam o Estado e o povo quando feita a sua recepção
na ordem jurídica interna, isto quer dizer que, os tratados só têm força após a sua
ratificação pela AR, altura em que passa a qualidade de fontes imediatas como leis.
Exemplos: Verificar a convenção contra o terrorismo, tráfico de pessoas, etc.
Princípios Gerais do Direito
Diogo Freitas do Amaral4 define Princípios gerais de Direito como «as máximas ou
fórmulas, enunciadas de forma condensada, que exprimem as grandes orientações e
valores que caracterizam uma dada ordem jurídica, ou um certo ramo ou sub-ramo do
Direito». Além da função hermenêutica5, os Princípios Gerais do Direito servem a
supressão de lacunas e as omissões da lei penal, possibilitando ao judiciário a
colmatação de tais lacunas- desde que não sejam de natureza incriminadora-
porquanto nesse particular, a lei penal contem uma plenitude (não é lacunosa). Estes
não constituem fonte de DC.
7. Princípios fundamentais ou informadores do Direito Criminal
O DC como vontade comunitária destinada a preservação dos seus valores essenciais,
os bens jurídicos, encontra-se balizado por determinados princípios informadores, mais
ou menos rígidos, estabelecidos como linhas de força sustentadoras do sistema.
1. Princípio da Legalidade ou da reserva legal
Previsto nos artigos 7 do CP e n° 2 do art. 60 da CRM representa-se habitualmente
pela expressão latina “Nullum crimen, nulla poena sine lege”. O princípio da legalidade
constitui um princípio fundamental do direito criminal. Segundo este princípio, nenhum
facto deve ser considerado crime sem que uma lei anterior o tenha previsto. E,
nenhuma pena ou medida de segurança deve ser pronunciada sem que uma lei a
tenha previsto. De forma simplificada, não pode haver crime nem sanção criminal que
não resultem de uma lei prévia, escrita, estrita e certa. Este princípio encontra-se
também plasmado nos artigos 59, n°3 e 60 da CRM e no §2 do art. 11 e 8 da DUDH de
1948.
4Manual, pag. 499
5 A hermeneutica juridica é a parte da ciencia juridica que estuda os processos de interpretacao da lei.
Com este princípio, o legislador pretende clarificar que nem toda a conduta humana,
mesmo que seja moralmente reprovável ou socialmente desajustada, pode merecer a
tutela/protecção do Direito criminal.
Para G. Levasseur, não são somente as incriminações e as penas que devem
obedecer ao princípio da legalidade, mas também toda a organização repressiva e o
seu funcionamento deve obedecer a este princípio.
Fundamentos do princípio da legalidade
Este princípio possui vários fundamentos que serão agrupados em dois grupos6:
a) Externos ou ligados a natureza fundamental do Estado
De acordo com o princípio liberal, toda a actividade do Estado na esfera dos direitos,
liberdades e garantias das pessoas tem de ligar-se a existência de uma lei. Nestes
termos, o princípio da legalidade constitui uma garantia fundamental na
salvaguarda/tutela da liberdade individual e dos direitos fundamentais. O princípio da
legalidade visa evitar as arbitrariedades na administração da justiça, evitar que a justiça
seja ocasional.
O princípio da legalidade é corolário dos princípios democrático e da separação de
poderes (executivo, legislativo e judiciário). Estes princípios afirmam que a intervenção
penal só se encontra legitimada a instância que representa o povo como titular último
do jus puniendi. A soberania reside no povo, por isso a lei penal deve ser criada pelo
parlamento (representante do povo) pois é a expressão da vontade do povo; e é o meio
para a determinação dos factos que devem constituir crimes e as sanções a aplicar.
No âmbito da repressão criminal, o princípio da legalidade concede ao legislador a
prerrogativa de estabelecer normas penais7 e processuais penais. E confere a estas
normas o monopólio como fontes de direito penal.
b) Internos ou de natureza especificamente jurídico-penais
Aqui apontam-se fundamentos inerentes a ideia da prevenção geral e do princípio da
culpa. Estes justificam-se pois não se pode alcançar os fins das penas na sua vertente
de prevenção geral se a sociedade não puder saber através de uma lei anterior/prévia
quais os comportamentos que são criminalmente puníveis. De igual modo, não se pode
6Cavaleiro de Ferreira..
7No que diz respeito as normas penais incriminadoras, este princípio impõe clareza na sua definição. A definição de
crimes e contravenções não deve ser vaga, incerta, duvidosa ou indeterminada.
dirigir uma censura a alguém por ter agido de determinada maneira se uma lei anterior
não considerou esse comportamento como crime.
7.1. Princípio da Tipicidade
É um corolário do princípio da legalidade. Segundo este princípio cabe a lei e somente
a ela determinar quais os factos ou condutas que constituem crime e quais os
pressupostos que justificam a aplicação de uma medida de segurança. E essa
determinação faz-se através dos modelos ou tipos que servem de padrão de
aferição/apreciação através dos quais se verifica se os comportamentos humanos
correspondem a norma estabelecida pelo legislador.
Tipo é a descrição do facto criminoso feita pela lei. O tipo é um esquema ou uma
fórmula que serve de modelo para avaliar se determinada conduta está incriminada ou
não.
7.2. Principio da não retroactividade
Este princípio relaciona-se ao princípio da legalidade, na medida em que exigindo a lei
para a definição dos conteúdos com relevância criminal e das respectivas censuras,
proclama necessariamente que a previsão legal apenas se volva para situações futuras
e nunca para situações passadas.
A função da ameaça penal presente na norma incriminadora é a de exercer uma
coacção psicológica geral impeditiva do crime, justificando-se a efectiva aplicação da
pena quando alguém, apesar do conhecimento desta ameaça, não se abstém de
praticar o facto proibido.
7.3. Princípio da proibição da analogia - artigo 9 do CP
Este é um corolário do princípio da legalidade. O artigo 9 preceitua que na
interpretação e integração da lei criminal “não é admissível analogia ou indução por
paridade ou maioria de razão”. Este proíbe a criação do direito incriminador pela via
analógica ou similar, impedindo que fora da lei formal e previamente em vigor, se
qualifique um facto como crime, se defina um estado de perigosidade ou se determine
uma pena ou medida de segurança. Em suma, a aplicação da analogia em norma
penal incriminadora fere o princípio da reserva legal. Pois a interpretação analógica
consiste em resolver um caso não previsto na lei, baseando-se na semelhança do caso
dado com um outro previsto pela lei e, nos casos extremos recorrendo a fundamentos
jurídicos, considerados no seu todo (Jimenez de Asua, l’analogie du droit pénal, R.S.C.,
1949, p.187 e sgts cit in Roger Merle et A. Vitu). A interpretação analógica pode ser
legal ou jurídica.
Interpretação analógica consiste em alargar a aplicação da lei a outros factos não
previstos na lei. Ou, Interpretação analógica consiste na aplicação de uma regra
jurídica a um caso concreto não regulado pela lei, através de um argumento de
semelhança substancial com os casos regulados8. O juiz não se baseia num texto
relativamente próximo do caso a julgar, mas ele procura analisar as questões ético-
politicas, religiosas ou sociais que inspiram o direito do seu país, criando a incriminação
ou a pena.
As leis existem para serem aplicadas a casos concretos, e para tal é preciso entender
ou compreender a lei. É condição obrigatória para entender uma lei, interpretá-la. Não
existem leis absolutamente claras que dispensam interpretação, mesmo que uma lei
seja mais clara possível é preciso interpretá-la.
Interpretar uma lei é determinar o seu sentido e alcance. Toda lei deve ser interpretada,
e não exclusivamente aquela que é imprecisa ou obscura, pois é necessário assegurar
a transição da norma abstracta para aplicação prática. Não existiria jurisprudência sem
o exercício de interpretação da lei. Dai a importância de se enunciar os princípios que
orientam a interpretação dos textos. Em DC os princípios orientadores não devem ser
os mesmos observados no âmbito do direito civil ou comercial. Nestas matérias admite-
se a interpretação extensiva e mesmo analógica, que permitem mesmo diante de
lacunas na lei assegurar o desenvolvimento do direito e a construção de novos
institutos.
Já, a interpretação da lei criminal é restritiva, significando que em matéria criminal,
diferentemente do que acontece em matéria civil, não se pode resolver a questão
controversa recorrendo a analogia nem a indução por paridade ou maioria de razão (cf.
artigo 9 do CP).
Todavia, em DC, não se deve desde logo concluir pela inadmissibilidade da
interpretação extensiva e pela admissibilidade cega da interpretação restritiva, a pensar
que as normas penais são de carácter gravoso e que o direito penal tem natureza
excepcional. Com efeito, seria totalmente erróneo reduzir a interpretação em DP ao
sentido literal, quando esse sentido pode ser ampliado ou restringido para se encontrar
o alcance razoável da lei, o que, longe de se tratar de interpretação extensiva, se
oferece antes como interpretação correcta.
A interpretação da lei não é obra exclusiva dos tribunais; ao lado da interpretação
judiciária, por vezes, tem lugar a interpretação legislativa, interpretação autêntica. Ela
8Cavaleiro de Ferreira P.187 ???
reveste um carácter obrigatório pois é produto da autoridade que redigiu a própria lei.
Em certos casos, a interpretação autêntica está prevista no corpo da lei interpretada,
por exemplo para o crime de roubo o legislador define no CP os conceitos de
arrombamento, escalamento ou chaves falsas.
Frequentemente é após a promulgação da lei e das dificuldades que surgem da sua
aplicação que se verifica a necessidade de interpreta-la.
7.4. Principio da mínima intervenção (ultima retio)
Carácter fragmentário e subsidiário do direito penal –o direito penal só pode intervir
quando há ofensa a bens fundamentais para a subsistência do corpo social. O carácter
subsidiário demonstra que a norma penal exerce uma função suplementar da
protecção jurídica em geral, só valendo a imposição de suas sanções quando os
demais ramos do direito não se mostrem eficazes na defesa dos bens jurídicos.
Procurando restringir ou impedir o arbítrio do legislador, no sentido de evitar a definição
desnecessária de crimes e a imposição de penas injustas, desumanas ou cruéis, a
criação de tipos delituosos deve obedecer a imprescindibilidade, só devendo intervir o
Estado, por intermédio do direito penal, quando os outros ramos do direito não forem
suficientes para prevenir a conduta ilícita. Dito de outro modo, a mínima intervenção do
Direito criminal justifica-se pois esta é a forma mais dura de ingerência do Estado na
esfera da liberdade do cidadão, devendo ser chamado somente quando os outros
ramos do direito mostrarem-se insuficientes a protecção de bens jurídicos
fundamentais.
7.5. Princípio da culpa (art. 110 do CP)
Assente nas expressões latinas Nullum crimen, nulla poena sine culpa. Este princípio
significa que a pena só pode ser imposta a alguém que agindo com dolo ou culpa, e
merecendo juízo de reprovação, cometeu um facto típico e anti-jurídico. A Culpa é um
fenómeno individual: juízo de censura (reprovação), elaborado pelo juiz, que recai
sobre o sujeito imputável que, podendo agir de modo diverso, agiu de forma contrária a
lei. O princípio da culpa é considerado o pressuposto e o limite de toda a intervenção
criminal. A culpa constitui o fundamento da pena e o critério para determinação da
medida da pena.
7.6. Princípio da insignificância ou bagatela
Introduzido no sistema penal pela primeira vez em 1964, por Claus Roxin, consiste no
facto do direito penal não dever se preocupar com bagatelas, assim como não serão
admitidos tipos incriminadores que descrevem condutas incapazes de lesar qualquer
bem jurídico. Se a finalidade de DP é tutelar um bem jurídico quando a lesão, de tão
insignificante, torna-se imperceptível, não será possível proceder a seu enquadramento
típico, por absoluta falta de correspondência entre o facto narrado na lei e o
comportamento iniquo realizado. Por essa razão, os danos de nenhuma monta devem
ser considerados atípicos.
7.7. Princípio da proporcionalidade
Também designado “princípio da proibição do excesso” da restrição da liberdade,
preconiza a adequação, a necessidade, a utilidade e a proporcionalidade das sanções
penais para a defesa do bem jurídico que se quer proteger.
Ou seja, este estabelece que a sanção não deve ser superior ao grau de culpa do
agente. Isto quer dizer que esta deve ser medida em função da culpabilidade do autor.
Dai a máxima segundo a qual, a culpa é a medida da pena. Vide arts 110 do CP sobre
a medida da pena.
7.8. Princípio da humanidade
Aparece na vedação constitucional da tortura e tratamento cruel, desumano ou
degradante a qualquer pessoa (art. 40 da CRM), na proibição da pena de morte, da
prisão perpétua. Disso resulta ser inconstitucional a criação de um tipo ou a cominação
de alguma pena que atente desnecessariamente contra a incolumidade física ou moral
de alguém. Da humanidade decorre a impossibilidade de a pena passar da pessoa do
delinquente, ressalvada a possibilidade de alguns dos efeitos extrapenais da
condenação, como a obrigação de reparar o dano na esfera cível, poderem atingir os
herdeiros do infractor.
7.9. Princípio da autonomia do DP
Estabelece que as leis penais se devem interpretar autonomamente, sem atender ao
modo como os outros ramos do direito defendem os interesses por eles tutelados.
7.10. Princípio da igualdade
Constitui um princípio constitucional segundo o qual todos são iguais perante a lei,
gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres, independentemente
da cor, raça, sexo, origem étnica, lugar de nascimento, religião, grau de instrução,
posição social, etc (vide artigo 35 da CRM).
7.11. Princípio da responsabilidade criminal
Somente podem ser sujeitos activos da infracção as pessoas que têm a necessária
inteligência e liberdade (n°1 do art. 27 do CP). Parte-se do postulado que as pessoas
livres e conscientes devem responder pelos seus actos.
O artigo 28 do CP dá-nos o conceito de responsabilidade criminal definindo-a como a
obrigação de reparar o dano causado na ordem jurídica pelo cumprimento da pena ou
medida de segurança prevista na lei. Em DC, a regra geral reside no princípio da
individualidade da responsabilidade Criminal, significando que a responsabilidade
criminal recai única e exclusivamente sobre o agente do crime ou da contravenção.
Dito de forma diferente, o agente do crime só deve ser responsabilizado criminalmente
por um determinado facto se tiver tido uma participação na sua prática.
Afirmado no nosso ordenamento jurídico-penal desde o Código penal de 1886, este
princípio fundamental sofreu algumas nuances com a introdução do novo código penal,
admitindo-se actualmente a responsabilidade criminal das pessoas colectivas9e a
responsabilidade penal por actuação de outrem.
7.11.1. Responsabilidade criminal das pessoas colectivas
A responsabilidade das pessoas colectivas somente estava abrangida pela lei civil,
comercial ou mesmo administrativa.
A lei penal responsabiliza entidades colectivas por infracções criminais praticadas pelos
titulares dos seus órgãos ou representantes.
Toda a pessoa colectiva pode ser criminalmente responsável, com excepção do
Estado, de outras pessoas colectivas públicas e organizações internacionais de direito
público. Ou seja, a única pessoa colectiva que continua criminalmente irresponsável é
o Estado, a justificação avançada é a de que o Estado não pode se auto condenar.
N° 1 do artigo 30 do CP
Pessoas colectivas são organizações constituídas por uma colectividade de pessoas
ou por um conjunto de bens, visando a realização de interesses comuns ou colectivos,
às quais a lei atribui a personalidade jurídica, considerando-as centros autónomos de
9Definir pessoas colectivas
relações jurídicas, autonomia essa que existe mesmo em relação aos seus membros
ou às pessoas que actuam como seus órgãos.
Meras associações de facto
Noção de titular do órgão: pessoa física que representa o órgão.
Tratando-se de órgãos singulares10, o titular pode ser o presidente, gerente, director,
chefe, etc; Já, relativamente a órgãos colectivos11, os titulares podem ser o conselho de
administração, a assembleia geral;
Representante pode ser o assalariado titular de uma delegação de poderes porque há
transferência de poder, meios e competências.
Para que as pessoas colectivas sejam responsáveis pelas infracções criminais
previstas no CP, é necessário que as infracções sejam praticadas pelo titular do orgão
ou seus representantes.
A questão que se coloca é a de saber se uma pessoa colectiva pode ser declarada
criminalmente responsável, aferindo-se a sua culpa independentemente da culpa duma
pessoa singular, dito de forma diferente, se a responsabilidade da pessoa colectiva é
uma responsabilidade autónoma ou dependente da responsabilidade da pessoa física
que a representa?
Em resposta a esta questão a doutrina francesa considera que a infracção deve ser
caracterizada (constatada) em todos os seus elementos essenciais no titular do órgão
ou no seu representante. Relativamente as infracções intencionais, o titular do órgão ou
o seu representante devem ter consciência da pratica da infracção. Para as infracções
culposas é suficiente a verificação da violação pelo titular do órgão ou do seu
representante das disposições preventivas constante das leis ou regulamentos.
Segundo esta jurisprudência, a infracção cometida pelo titular do órgão ou seu
representante é suficiente para responsabilizar a pessoa colectiva.
A outra condição para a responsabilização da Pessoa Colectiva é que a infracção
praticada pelo titular do órgão ou seu representante seja em nome e interesse da
Pessoa colectiva. Isto significa que, deve ser no âmbito da realização de actividades
relacionadas à organização, seu funcionamento ou estratégias.
O n° 2 do artigo 30 prevê que “exclui-se a responsabilidade quando o agente tiver
actuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito”.
10
Composto por um só titular. 11
Composto por dois ou mais titulares.
Isto significa que a pessoa colectiva é isenta de responsabilidade criminal quando o
titular do órgão ou seu representante tiver agido em seu próprio nome ou em função de
interesses individuais/pessoais.
A responsabilização criminal das pessoas colectivas não significa que:
- Tal dependa da responsabilização individual dos respectivos agentes;
- A responsabilidade criminal da PC exclui a responsabilidade individual dos titulares do
órgão ou representante.
7.11.2. Responsabilidade por actuação de outrem – artigo 31 do CP
Com vista a um maior alargamento da responsabilidade penal admite-se a punibilidade
pela actuação de outrem quando o agente agiu voluntariamente como titular dos
órgãos de uma pessoa colectiva ou mera associação de facto, ou em representação
legal ou voluntária de outrem mesmo quando a lei exija certos elementos descritos na
lei penal.
Esta disposição visa punir os representantes das mesmas Pessoas Colectivas seja
esta representação legal ou não. Esta disposição vem ainda reforçar a ideia de que não
podem os representantes clamar irresponsabilidade sob alegação da insuficiência da
sua representação.
O facto praticado por outrem pode ter influência directa na responsabilidade penal de
um indivíduo ou mesmo constituir uma condição necessária para a sua
responsabilização penal, se ele puder ser responsabilizado por uma acção individual12.
12
F. Desportes e F Le Gunehec, Le nouveau droit pénal-Tome 1 Droit pénal général, Economica, 1994, p.378.
8. Aplicação da lei penal no tempo – artigo 8 do CP
Todas as leis se condicionam, entre o início de sua vigência13 e o término, há um limite
de tempo para a sua aplicação. Quando surge uma nova lei, esta começa a vigorar no
momento em que cessa a vigência da anterior.
Podemos avançar quatro hipóteses de sucessão de leis penais:
1ª Quando um facto se regula por lei nova que descreve um tipo legal que antes não
estava definido (hipótese de criminalização, incriminação ou tipificação de novas
condutas atípicas).
2ª Quando a lei nova deixa de considerar uma conduta como delitiva (hipótese de
descriminalização).
3ª Quando lei nova modifica de algum modo a descrição de um comportamento típico.
4ª Quando a lei nova varia a punição de alguma (s) conduta (s).
Estamos em face de problemas de aplicação da lei penal no tempo quando a infracção
penal é cometida sob a vigência de uma lei e esta vem a ser posteriormente revogada
por outra. Este problema resolve-se pelas chamadas normas de direito inter-temporal
que se traduz em Direito penal pelo princípio geral da “não retroactividade ou
irrectroactividade da lei penal” que significa que a lei penal só se aplica a factos
cometidos após o início da sua vigência, ou seja, a lei dispõe para o futuro. Este
princípio está plasmado no número 1 do artigo 8 do CP, no artigo 57 e no n°2 do artigo
60 todos da CRM e, é uma consequência/corolário do princípio da legalidade. O do
artigo 57 prevê a irretroactividade da lei penal em tudo quanto seja desfavorável ao réu.
Em resposta as questões colocadas no início importa referir que a lei prevê algumas
excepções a regra geral, ora vejamos:
1ª “A infracção punida por lei vigente, ao tempo em que foi cometida, deixa de o ser se
uma lei nova a eliminar do numero de infracções. Tendo havido condenação transitada
ou não em julgado, fica extinta a pena tenha ou não começado o seu cumprimento” n°s
2 e 3 do art.8 do CP.
13 A lei começa a vigorar em todo o pais 6 meses depois de oficialmente publicada. A lei começa a produzir efeitos após a sua entrada em vigor, passando a regular todas as situações futuras (regra) e passadas (excepção). A entrada em vigor equivale ao nascimento da lei. Após esse momento a lei vige até que outra posterior a revogue, não se admitindo que costume, o decurso do tempo ou regulamentos do poder executivo possam cancelar-lhe a vigência ou retirar-lhe a eficácia. A revogação pode ser expressa ou tacita.
Aqui estamos perante o princípio da retroactividade da lei penal mais leve ou mais
favorável ao réu. Neste número o legislador descriminaliza um facto, ou seja, o crime
deixa de existir. O que se deve entender é que se a concepção do legislador se alterou
de tal modo que deixou de reputar jurídico-criminalmente relevante um comportamento,
não tem nenhum sentido político-criminal manter os efeitos de uma concepção
ultrapassada.
2ª “ Quando a pena estabelecida na lei vigente ao tempo em que é praticada a
infracção for diversa da estabelecida em leis posteriores, é sempre aplicado o regime
que, concretamente, se mostrar mais favorável ao agente do crime, mesmo que já
tenha havido condenação com sentença transitada em julgado”n°4 do art. 8 do CP.
A lei penal retroage para factos passados sempre que for favorável ao réu,
independentemente de ter ou não havido condenação transitada em julgado.
3ª “As disposições da lei sobre os efeitos das penas têm efeito retroactivo, em tudo
quanto seja favorável ao agente do crime, ainda que este esteja condenado por
sentença transitada em julgado ao tempo da promulgação da mesma lei, salvo os
direitos de terceiros”.
Vide os artigos 105 à 109 sobre os efeitos das penas.
4ª “Os factos praticados na vigência de uma lei temporária são por ela julgados, salvo
se legalmente se dispuser o contrário”.
Leis temporárias são as que possuem vigência previamente fixadas pelo legislador, ou
seja, são aquelas que são editadas pelo legislador para um determinado tempo. O
legislador determina o término da vigência da lei tendo em conta o calendário ou em
função da verificação ou cessação de um evento, exemplo estado de sítio, estado de
guerra, etc. O término da vigência desta lei não depende de revogação por lei posterior
(não se aplica a regra geral), consumado o lapso de tempo da lei temporária, cessa a
sua vigência. Contudo, estas leis são ultra-activas, significa que continuam a ser
aplicadas aos factos praticados durante a sua vigência mesmo depois da sua auto-
revogação. Este facto justifica-se, pois se o criminoso soubesse antecipadamente que
estivessem destinadas a desaparecer após um determinado tempo, perdendo a sua
eficácia, lançaria mão de todos os meios para iludir a sanção, principalmente quando
estivesse iminente o término de sua vigência pelo decurso de tempo de duração.
Se a lei temporária não tivesse eficácia após o decurso do lapso temporal pré-
estabelecido, todos os que tivessem desobedecido a sua norma nos últimos dias de
vigência ficariam impunes, pois não haveria tempo para a tramitação processual antes
da auto-revogação. Facto este que seria causador de grandes injustiças: uns seriam
condenados e outros não. Provavelmente fossem condenados os agentes que
tivessem cometido o crime em épocas bem anteriores ao término da vigência da lei.
Em suma, este preceito dispõe, salvo disposição em contrário da lei, que a lei
temporária aplica-se a factos praticados durante a sua vigência, estando a lei ainda em
vigor ou já estando auto-revogada.