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6 A morte e o luto no Facebook Começaremos agora a exposição dos dados obtidos em nossa pesquisa. Inicialmente iremos apresentar alguns dos perfis de falecidos e dos perfis- memoriais que encontramos em nossa trajetória, bem como algumas das mensagens contidas nestes, que julgamos serem ilustrativas do fenômeno que estudamos 129 . Em um momento seguinte, exporemos os resultados obtidos em nossos questionários aplicados junto aos usuários comuns e os usuários participantes da comunidade Profiles de Gente Morta. Por fim, traremos de dois casos específicos que marcaram nossa pesquisa. 6.1. Perfis de pessoas falecidas Os perfis de pessoas falecidas que selecionamos tiveram como critérios de seleção: a) estarem abertos à visualização pública, ao menos até a data de nossa primeira incursão digital e b) conterem mensagens deixadas por terceiros, familiares, amigos ou mesmo desconhecidos. Apresentaremos casos de pessoas que faleceram por causas diversas, como doença, acidente, suicídio, entre outros 130 . Decidimos manter sigilo em relação às identidades dos mortos e dos usuários que comentavam em seus perfis, criando nomes fictícios somente para fins de identificação quando das dinâmicas das mensagens deixadas. Passemos ao primeiro caso. 6.1.1. Perfil I Meu Deus!! Estou tão desesperada de saudades do meu filho e abro o face agora às 18 horas do dia 9/7 e vejo essa foto tão querida. Assim não consigo segurar a barra. Amo muito o meu filho... (Heliosa Fraga, mãe de Lelo Fraga, em 09/07/2015). 129 Acrescentaremos a essa etapa alguns comentários aleatórios de usuários da minha rede de relacionamentos que se expressaram pontualmente sobre a questão da morte. 130 Contudo, algumas vezes não foi possível conhecer a causa da morte. Em todos os casos, indicaremos.

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6 A morte e o luto no Facebook

Começaremos agora a exposição dos dados obtidos em nossa pesquisa.

Inicialmente iremos apresentar alguns dos perfis de falecidos e dos perfis-

memoriais que encontramos em nossa trajetória, bem como algumas das

mensagens contidas nestes, que julgamos serem ilustrativas do fenômeno que

estudamos129. Em um momento seguinte, exporemos os resultados obtidos em

nossos questionários aplicados junto aos usuários comuns e os usuários

participantes da comunidade Profiles de Gente Morta. Por fim, traremos de dois

casos específicos que marcaram nossa pesquisa.

6.1. Perfis de pessoas falecidas

Os perfis de pessoas falecidas que selecionamos tiveram como critérios de

seleção: a) estarem abertos à visualização pública, ao menos até a data de nossa

primeira incursão digital e b) conterem mensagens deixadas por terceiros,

familiares, amigos ou mesmo desconhecidos. Apresentaremos casos de pessoas

que faleceram por causas diversas, como doença, acidente, suicídio, entre

outros130. Decidimos manter sigilo em relação às identidades dos mortos e dos

usuários que comentavam em seus perfis, criando nomes fictícios somente para

fins de identificação quando das dinâmicas das mensagens deixadas. Passemos ao

primeiro caso.

6.1.1. Perfil I

Meu Deus!! Estou tão desesperada de saudades do meu filho e abro o face agora às

18 horas do dia 9/7 e vejo essa foto tão querida. Assim não consigo segurar a barra.

Amo muito o meu filho... (Heliosa Fraga, mãe de Lelo Fraga, em 09/07/2015).

129 Acrescentaremos a essa etapa alguns comentários aleatórios de usuários da minha rede de

relacionamentos que se expressaram pontualmente sobre a questão da morte. 130 Contudo, algumas vezes não foi possível conhecer a causa da morte. Em todos os casos,

indicaremos.

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Lelo Fraga tinha 47 anos, era formado em filosofia e morava na cidade do

Rio de Janeiro. Budista praticante, além de compartilhamentos sobre música e

diversos pensadores, exibia como foto de seu perfil uma imagem da deidade

Vajrasattva131. Sua última postagem pública foi em 22 de junho de 2014 – um

link para um vídeo na plataforma de vídeos do YouTube –, porém, em virtude de

uma resposta a um post de um amigo, sabemos que ao menos até a noite do dia 4

de julho estava vivo. Lelo, como veremos adiante, veio a falecer na manhã do dia

7 de julho132. A primeira mensagem encontrada em sua linha do tempo foi de sua

afilhada Patrícia Sales, que na ocasião escreveu: “Te amo Lelo!!! Vá com Deus

meu padrinho!!!”. Cerca de uma hora depois, Priscila Fraga, registrou: “Lelo

Fraga: meu querido primo! Você era de outra dimensão! Bjs”. No mesmo horário,

Patrícia retorna à página e publica uma foto 3x4 de Lelo:

Patrícia Sales: “Te amo muito meu padrinho!!! Vá com Deus, Lelo Fraga!!!

A postagem recebe 29 curtidas nas quatro horas seguintes, e integrantes da

rede de amigos e parentes de Lelo e Patrícia respondem:

A: Primo querido fique com Deus!!! Estamos aqui rezando por você! Bjs!!!

B: Meus sentimentos Pat! Muita força para você e sua família! Fica bem! Grande

bjo!

C: Estou sem acreditar ainda! Que vc descanse em Paz meu primo. Mto triste!

Heloisa Fraga: Meu filho a dor está insuportável. Te amo muito

O post é seguido por novo tópico, um comunicado do cunhado de Lelo, que

vem “informar a triste notícia do falecimento inesperado nesta manhã do Lelo

Fraga. Vou informando” – aqui então, mesmo sem conseguir precisar a causa,

conseguimos aferir o dia exato do falecimento: 7 de julho. Na mensagem seguinte,

um primo comenta: “Só soube agora e ainda sem acreditar no que está

acontecendo [...] peço Luz e paz no coração de todos nós que sofremos com sua

ausência. Beijos, meu primo querido e amigo do coração”.

131 Deidade da corrente budista mahayana. 132 Tivemos acesso ao perfil de Lelo na tarde do dia 8 de julho de 2014.

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Adiante, Adriana Fraga compartilha uma foto em baixa resolução, onde um

prédio aparece em meio às arvores e a estátua do Cristo Redentor figura ao fundo

no topo do morro do Corcovado. “Lelo, você sempre foi de outra dimensão. Te

amamos sempre”, escreve a autora do post. A fotografia, que segue abaixo, parece

ter sido tirada de um celular, de dentro de um automóvel em movimento. Uma

referência direta a um lugar onde se encontraria ou para onde estaria se

direcionando o falecido? Possivelmente. Signo religioso que, ao mesmo tempo em

que salvaguarda o caminho de quem se foi, remete a um plano espiritual além-

vida. Também ajuda a abrandar a dor dos que ficam? Talvez.

Figura 01 – Foto publicada pela usuária Adriana Fraga no perfil de Lelo Fraga no Facebook em 07/07/2014.

A linha do tempo registra na sequência a publicação de outro amigo:

“Grande tricolor, grande ser humano. Deixará saudades... Mas com certeza está

sendo muito bem recebido no plano”. Depois, informações sobre velório e

sepultamento são publicadas por um primo, que acrescenta ao final da mensagem:

“Descanse em paz primo querido. Não tenho dúvidas que vc cumpriu sua missão

aqui na Terra”. O post recebe 10 curtidas133. As mensagens seguintes, publicadas

133 Entendemos que, nesses casos, o botão “curtir” é acionado como forma de suporte ao conteúdo

do que é publicado, e não como forma de atestar um sentimento de prazer. Em 24/02/2016, durante

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em comentários separados na linha do tempo do perfil, seguem a mesma dinâmica

e são em sua maioria direcionadas ao falecido:

D: Lelo Fraga meu primo querido fique com Deus!! Te amamos muito! Bjs!

E: Primo querido vc vai fazer muitaaaaa falta!!! Te amo muito... Fica com Deus!!!!

F: Quando falei com vc pela primeira vez... Eu disse: Ganhei a noite.! Hoje... Perdi

meu dia! [emoticon134 de “coração”]... Vai na paz, tranquilo... um dia nos

encontramos.!

G: Fique em paz Lelo, grande figura, era sempre uma satisfação encontrar você.

H: Lelinho minha saudade sempre de Ti meu amigo tão especial e querido...

[emoticon de “rosto triste” com os dizeres “se sentindo triste”135, seguido de uma

imagem da deidade Vajrasattva]

O comentário que aparece em seguida nos pareceu especial, pois parece se

destinar tanto a Lelo quanto a seus amigos e familiares e até mesmo a

desconhecidos – vale lembrar que B (acima) não conhecia o falecido diretamente.

Além disso, parece cumprir uma função crítica ao modo como as pessoas nas

sociedades contemporâneas organizam suas vidas em razão de objetivos

questionáveis. Um desabafo diante da escassez cada vez maior de tempo e da

dificuldade em dedicar mais de si aos indivíduos que muitas vezes integram

algumas de nossas mais importantes esferas afetivas. Apesar das redes sociais

digitais...

Adriana Rocha: Não é a primeira vez que as coisas acontecem desse jeito torto. E

sempre que um amigo vai embora para sempre, de repente e sem aviso, a vontade é

ligar para todos os amores, amigos e companheiros e estabelecer que, daqui pra

frente, vamos nos encontrar com mais frequência, vamos cuidar uns dos outros,

vamos ser mais generosos com o nosso tempo e as nossas prioridades.

Mas amanhã, já bem cedo, adiamos os planos mais pra frente e, de novo, nos

surpreendemos com mais outro buraco.

Hoje foi a vez de Lelo Fraga. João me ligou e deu a triste notícia. Chorei e senti

saudades do sorriso largo, das pausas aprendidas com Adilson, do carinho e dos

olhares para o palco da vida.

a redação desse trabalho, o Facebook adicionou outros botões interativos que representam

sentimentos como alegria, tristeza, raiva etc. Todavia, trabalharemos com o cenário anterior a essa

mudança. 134 Ícones que são utilizados para expressar sentimentos (do inglês emotion + icon) 135 O Facebook permite que os usuários definam seus humores, e os deixem visíveis às suas redes,

a partir de uma lista pré-determinada de opções: “se sentindo feliz”; “se sentindo triste” etc.

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[...]

A possibilidade de aproximação, pela rede, nos fez novamente juntos. Algumas das

primeiras histórias que escrevi foram lidas por Lelo, um querido incentivador para

que o projeto virasse um livro.

Lelo dormiu e nos deixou. Vou sentir saudades. Somos feitos do afeto e dos

rombos deixados por ele. Vai em paz, Lelinho.

A mensagem recebeu um total de 103 curtidas somente nas primeiras quatro

horas, período de nossa incursão digital. Depois chegou a 122. Além disso, dois

dos seis comentários feitos à postagem pertencem a amigos/as de Adriana que não

conheciam Lelo. Dizem eles: “Meus sentimentos, Aloísio Rocha! R.I.P.” (sigla

em inglês para “descanse em paz”); e “Sinto muito pela perda, abraços”,

respectivamente. Isso ocorre porque, ao citar Lelo em seu texto, a autora permitiu

a criação de um hiperlink que automaticamente redirecionou a mensagem também

para a linha do tempo de Lelo. Este, por sua vez, não havia configurado sua conta

para que uma solicitação de autorização de publicação em sua linha do tempo lhe

fosse previamente enviada sempre que tivesse seu nome citado em um texto.

O post seguinte também é uma mistura de “destinos”. Começa como uma

confissão, depois segue a rota dos amigos e conhecidos, por fim se direciona ao

falecido. “Poucas vezes nos encontramos [...] Sempre de alto astral e muito

brincalhão. Nos últimos tempos nos comunicávamos pelo face, sempre

demonstrando bom gosto musical e coisas espirituosas. Tenha um bom Bardo136!

Vai na Clara Luz Irmão Vajra! OM AH HUM SO HA!” 137, escreve um amigo.

Outro deixa o registro:

I: Lelo querido de longas datas você deixa saudades e muitas lembranças felás [do

inglês fellow, “companheiro”]. Fizemos muitas merdas juntos e eu adorei cada uma

delas (...) É foda irmão porque tô no trabalho na Nova Zelândia e eu não quero

chorar nessa merda, mas você é e sempre vai ser um irmão muito querido que eu

nunca vou esquecer, bro. Eternidade pra você cumpade! Vai com tudo nessa porra!

É interessante notar que o autor do depoimento, assim como boa parte dos

demais, se dirige textual e informalmente ao falecido: “irmão”, “você é”, “sempre

136 Bardo, assim como aedo (“poeta” em grego), é figura que em histórias, mitos e lendas se

relaciona simultaneamente com os mundos físico e espiritual. 137 Mantra em sânscrito.

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vai ser”, “nunca vou esquecer, bro”, “vai com tudo”. O mesmo se vê na postagem

seguinte:

J: Acabei de saber da partida do meu amigo. Nos formamos juntos, trabalhamos

juntos, comemoramos muitas coisas juntos. Ultimamente encontrava-o nos lugares

mais inesperados, mas sempre parávamos para falar e ouvir histórias. Sempre um

papo gostoso [...] Morreu dormindo, descansou para a eternidade. Vai com Deus

amigo! Muita luz e amor no seu caminho. De onde estiver, receba meu carinho.

Todas as oito mensagens que se seguiram, até o fim de nossa investigação,

começaram em tom de depoimento; quando, como ou onde conheceram Lelo.

Depois, uma breve menção às qualidades do falecido; alegre, generoso, estudioso,

educado. Se de início não direcionaram suas mensagens objetivamente ao

falecido, fizeram isso ao final, recorrendo a signos místicos e/ou religioso para

registrar seus pêsames: paz, eternidade, Deus, luz.

O perfil de Lelo, ao menos até o término dessa redação, ainda pode ser

acessado, e a linha do tempo de seu perfil continua a ser alimentada,

especialmente por sua mãe, Heloisa Fraga. Inicialmente apenas respondendo às

mensagens de alguns amigos e familiares, Heloisa externa, em uma réplica feita

quase um mês após a morte do filho, que “está muito difícil aguentar essa dor,

mas vou melhorar para que ele não sofra me vendo assim”. Em 2 de abril de 2015,

faz sua primeira publicação:

H. F.: Lula Fraga meu filho querido hoje você faria 48 anos. A sua falta ainda me

dói muito. Tenho certeza que você, espiritualizado como era, já encontrou todos os

nossos queridos e está trabalhando para nos dar força. Deve estar contente em me

ver determinada a melhorar. Gostaria de pedir para, junto ao tio Leon, receber o

Diego e, como você sempre soube fazer, acolhê-lo com muito amor. De onde você

estiver ajude a Fabiana Fraga a conseguir superar essa dor imensa. Fique em paz.

Beijos de toda a sua família.

Ao longo do dia foram cerca de 30 publicações, boa parte fazendo menção à

saudade deixada e ao aniversário que seria completado, mas alguns poucos

comentários denunciam o desconhecimento do óbito. “Parabéns, Lelo! Sucesso!”,

“Feliz aniversário!” e “Felicidades!” são alguns deles. Por não ter sido

formalmente informado do ocorrido, o Facebook segue e seguirá mantendo sua

política de avisar aos contatos de Lelo sobre seu aniversário de nascimento. Se o

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contato em questão for um laço fraco, provavelmente deverá felicitar o falecido

novamente como se este estivesse vivo, até que tome ciência do fato138.

A partir 31 de maio de 2015, Heloisa começou a publicar (e o faz até hoje)

quase que semanalmente imagens, fotos e mensagens direcionadas não só a seu

filho morto como também aos outros dois que estão vivos. Em todo caso, Lelo era

sempre o primeiro a ser lembrado, transformando-se numa espécie de protetor da

família, figura para quem as pessoas próximas prestam não somente homenagens,

mas fazem pedidos. “Amo muito vocês. E sei que o Lelo está nos protegendo [...]

para que a nossa família fique unida como sempre foi meu sonho”, escreve

Heloisa em 22 de junho. Por fim, em 3 de agosto de 2015, pouco depois do

falecimento completar um ano, uma aparentemente resignada Heloisa publica uma

imagem com os seguintes dizeres: “Um dia a saudade deixa de ser dor e vira

história para contar e guardar para sempre. Algumas pessoas são sim eternas...

dentro da gente!”.

6.1.2. Perfil II

Hoje levantei os olhos para os céus, desorientados e cegados pelas lágrimas, e pela

primeira vez compreendi a dor que existe na perda, o verdadeiro peso de um

definitivo adeus. Meu amigo, você se foi, para sempre! Você partiu e para trás

deixou um rastro de saudade e tristeza que jamais se apagará. A morte roubou você

de mim, meu melhor amigo, cruel e cedo demais ela ceifou sua vida... parece

impossível a compreensão da simples ideia de que jamais voltarei a escutar a sua

voz, jamais voltarei a ver o seu sorriso... Jamais! E como dói! Você partiu, mas

para sempre por mim será recordado, para sempre viverá em meu coração, pois

para sempre sentirei saudades suas e da nossa amizade. Até sempre, meu amigo!

(Cesar Montes, amigo de Gustavo Fernandes, em 29/11/2015).

O segundo perfil que apresentaremos é o de Gustavo Fernandes, 50/60 anos,

formado em Relações Públicas e falecido no dia 2 de dezembro de 2014 em

decorrência de uma “meningite fulminante”, segundo um de seus amigos.

Curiosamente, seu último post, em 22 de novembro, foi um desenho onde duas

pessoas se abraçam com os seguintes dizeres: “Fale ilimitado... Fale

pessoalmente. A melhor operadora... É o encontro!”. Gustavo então acrescenta

espirituosamente: “A arte do encontro é da manutenção da amizade. Claro que

138 Esse tipo de mal-entendido, inclusive, foi o principal motivo que fez com que o Facebook

revisse sua política de manutenção de perfis de falecidos nos últimos anos. O recebimento de um

aviso de aniversário de um contato falecido causou estranheza entre os usuários por muito tempo.

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vou dar um Oi aos meus amigos mais íntTIMos”, alusão a três grandes operadoras

de telefonia móvel.

A primeira mensagem, publicada ainda no dia do falecimento por uma

amiga, novamente recorre ao discurso direcionado ao morto: “Amigo querido... de

você só boas lembranças. Posso dizer que em muitos dos momentos felizes de

minha vida você esteve presente [...] vai alegrar o céu! Nós aqui ficaremos um

tanto tristes, mas um dia a gente se encontra, amigo”. O texto é acompanhado por

uma foto onde se vê o falecido junto a dois amigos fantasiados em um evento de

carnaval.

O compartilhamento que mais gerou comoção e participação das redes em

questão foi a nota de falecimento:

K: ...NOTA MUITO TRISTE! ...essa é a nossa última foto tirada com nosso

irmãozinho Gustavo Fernandes que acaba de falecer com uma meningite

fulminante... a você Gustavo meu amigo Gu como eu o chamava todo meu

agradecimento por ter convivido um pouquinho com você e aprendido um

pouquinho sobre um verdadeiro folião de carnaval... em sua homenagem hoje no

início das minhas duas aulas tocarei surdo de silêncio do sambista [...] seu último

pedido para mim foi se ele poderia desfilar no [nome do bloco] de uma forma tão

emocionante que fique certo levaremos vc nos nossos corações... Vá com Deus

amigo Gu o dia do Samba ficou pra sempre um pouquinho mais triste pra mim...

muita força para toda a sua família! Deus salve o nosso Rio de Janeiro e o nosso

Gustavo Fernandes!

Até o dia 4 de dezembro, o compartilhamento já havia recebido 143

curtidas, e mais de 60 comentários. Por ser uma publicação aberta na linha do

tempo de Gustavo, a maioria dos comentaristas era também de amigos/as e/ou

conhecidos/as seus. Por isso os comentários eram publicados nos mesmos moldes

dos anteriores, isto é, em tons de depoimento, lamento, homenagem e

notadamente direcionados ao morto. Todavia, por também ser uma postagem

visível na linha do tempo do autor do texto, foi possível encontrar manifestações

dirigidas a este e àquele. Estas em geral limitavam-se a um breve “meus

sentimentos”. Porém chamou-nos a atenção a seguinte declaração: “Que nota

triste... Por favor, marque-o, não o conhecia, mas a hora da partida dói em todos...

[emoticon triste]”. Aqui podemos perceber a dinâmica da rede, que articula

diferentes graus de conexão dependendo do modo como é acionada.

Os sete compartilhamentos que se seguiram à nota de falecimento, advindos

de sete diferentes usuários, também lançaram mão de fotos de Gustavo quando em

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vida como forma de homenageá-lo. Nove das dez imagens postadas tinham as

comemorações de carnaval como tema e apresentavam o falecido fantasiado ou

vestido em roupas carnavalescas, sempre destacando seu ar bonachão e boa-praça.

“Espalhe sua alegria onde você estiver”, “Vamos sentir muito sua falta amigão”,

“Vou lembrar sempre de você, meu amigo querido”, são algumas das mensagens

que se somam aos depoimentos que ajudam a construir (e reconstruir) a biografia

de Gustavo: um caso aqui, uma história acolá.

Quase uma semana após o falecimento, uma prima compartilha um texto em

que reconhece o momento de tristeza e dor, mas exorta os demais amigos/as e

familiares para que estes não se deixem abater, porque “onde ele estiver ele não

gostaria de sentir nossa dor”. E acrescenta: “Sei que ele gostaria que a sua partida

fosse comemorada. Que a sua passagem pela terra fosse comemorada com uma

grande festa, com direito a bateria, samba, wisque [sic], cerveja e muitos sorrisos.

Como sempre... uma desculpa pra beber”. O único comentário nesta postagem,

que recebeu pouco mais de dez curtidas, é do amigo Cesar Montes, que afirma

que “a merda toda está aí, ele era feliz e nos deixou infeliz”.

Entre os dias 19 de dezembro de 2014 e 2 de janeiro de 2015, C.M. publicou

31 vezes na linha do tempo do perfil de Gustavo. Todas as postagens seguiam o

mesmo formato: uma mensagem com o tema de amizade, saudade, amor e uma

foto de Gustavo em uma situação diferente, mas sempre cercado de amigos/as. Ao

que tudo indica, C.M. seguiu postando mensagens ao longo do ano de 2015. Sua

última manifestação data de 13 de fevereiro de 2016. Em 29 de novembro, quase

um ano após a morte de Gustavo, escreveu:

C.M.: Saudades [é] uma palavra que eu tirei do meu dicionário, quem tem saudades

fica preso no passado, de você eu tenho lembranças dos tempos divertidos e alegres

que passamos juntos e não foram poucas, essa semana fará um ano que você se foi

mas não existe um único dia que eu não pense e me lembre de você, obrigado por

te existido e me dado a oportunidade de ter sido teu amigo de fé e leal

Quem também se manifestou por esta época foi o irmão do falecido,

Claudio Fernandes, que cerca de uma semana antes do aniversário de morte

postou a foto de uma tela de computador onde se podia ver uma foto de Gustavo e

as informações sobra a missa de um ano. No alto, a seguinte mensagem: “Tristeza

também faz aniversário. Quanta saudade...”. Além de um compartilhamento, o

post teve 85 curtidas. Porém, nenhuma manifestação repercutiu tanto quanto a de

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Celina Borba, companheira de Gustavo, que em 30 de dezembro de 2014 publicou

uma foto do casal com os seguintes dizeres: “Difícil é acordar e ver que vc não

está mais aqui”. Foram 197 curtidas e mais de 60 comentários, em sua grande

maioria destinados a confortar a viúva.

Assim como no caso anterior, no dia de aniversário de nascimento de

Gustavo, 17 de outubro, a linha do tempo do perfil registrou um razoável número

de mensagens; 44 diferentes amigos/as, para sermos precisos. A grande maioria

menciona a palavra “saudade”, mas algumas poucas apenas desejam “feliz

aniversário”, sugerindo que seus autores ainda desconhecem o fato e apenas

respondem ao impulso gerado pelo mecanismo de aviso do Facebook.

6.1.3. Perfil III

Ah amiga como vc faz falta!!! E hoje no seu aniversário, tive a alegria de lembrar

de tantos momentos bons ao seu lado!!! Sempre amigas!! Sdds eternas Marta

Peri!!!! (Mensagem no perfil de M.P. em 06/10/2014).

O falecimento de Marta Peri, 39, advogada, casada e mãe de quatro filhos

ocorreu em 23 de junho de 2013 em decorrência de um AVC. Porém, mensagens

deixadas antes desta data, a partir de 18 de junho do mesmo ano, nos fornecem

indícios de que sua saúde já estava debilitada e de que possivelmente o óbito veio

a ocorrer em meio a alguma intervenção médica. “Tudo vai dar certo”,

“Melhoras”, “Vamos vencer isso”, entre outras, são alguns dos mais de vinte

recados deixados na linha do tempo do perfil por familiares e amigos/as de Marta.

O clima de confiança na superação dá lugar à tristeza e à sequência de

mensagens póstumas com a seguinte postagem: “Deus continua contigo, só que

agora vc está nos braços dele minha querida... descanse em paz!!! Vc foi uma

guerreira!!!”.

Ananda Peri: A madrugada foi mal dormida e o dia hj amanheceu mais triste do

que poderia ser... perder vc se torna uma dor sem fim. Marta a angústia de ter te

perdido, não supera a alegria de ter um dia possuído. [...] Como suportar a voz que

se calou trazendo um terrível silêncio? [...] O sofrimento é imenso, que fica

complicado até para compartilhar, faltam palavras para expressá-lo [...] Perder vc

prima tá sendo uma dor sem fim, nada será igual, seu sorriso ficará guardado aqui

dentro do meu peito, aquele sorriso contagiante, aquela vontade linda de sempre ser

feliz, aquela mãezona que vc sempre foi, uma pessoa maravilhosa, minha saudade

sua será eterna, e a única coisa que tenho a pedir nesse momento de dor para todos

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é que Deus nos de força, principalmente para seus pais, filhos e para seu marido.

Que papai do céu cuide dessa pessoa maravilhosa. Te amamos, Marta Peri.

Janaina Peri: Minha rainha, a dor é insuportável! Mas prometo que estamos unidos

aqui fazendo de tudo pra sermos fortes e nos apoiarmos. Afinal filhos de peixe,

peixinhos são e você deixou pra gente além da sua alegria constante essa força,

garra e coragem! Estamos nos espelhando na mulher batalhadora e guerreira que

você sempre foi pra amenizar esse sofrimento. Te amamos demais, mãezinha!

Cuida da gente daí e fica bem tá? Saudade imensa já. Um beijo enorme e muita luz

minha linda! (Leo Peri, Breno Peri e Janaina).

As mensagens acima foram deixadas ainda no dia 24 de junho, juntamente

com as mais 40 outras postagens que ainda aparecem na linha do tempo de Marta

até o dia 25. A mensagem deixada por Janaína, que uma semana depois iria

retornar ao perfil da mãe para publicar um link contendo a letra e o áudio da

música “Feliz” (Gonzaguinha), registrou 60 curtidas. Mais uma vez fica evidente

a quem a mensagem se destina: à falecida. Além disso, assim como observado

anteriormente, verificamos a presença dos elogios às qualidades do ente que se

foi, bem como a aura transcendental que se forma com os pedidos e solicitações

de zelo além-vida.

Em relação ao depoimento de Ananda, achamos interessante destacar o

“terrível silêncio” a que são submetidos os amigos/as e familiares de um ente

querido falecido. Lembremo-nos do vazio interacional como característica

primeira do evento da morte (Rodrigues, 1983/2006). Do mesmo modo, “faltam

palavras” para falar da morte, e é nesse sentido que Derrida define essa tarefa:

“Trata-se sobretudo de fazer passar a palavra, lá onde as palavras nos faltam”

(2004, p. 16). Provavelmente foi essa a dificuldade que Herman Richa também

tenha encontrado nos primeiros dias após o falecimento de Marta. “Sobrinha

querida, somente hoje tive coragem de voltar ao face [Facebook]”, confessa ele

em 1º de julho.

As publicações na linha do tempo de Marta seguiram nos meses seguintes,

especialmente por parte de sua prima, Alessandra Peri, que aleatoriamente postava

fotos da falecida, imagens contendo textos sobre saudade e mensagens em que

externava a dificuldade de suportar sua ausência. Em 6 de outubro de 2013, data

do aniversário de nascimento da prima, Alessandra escreveu:

A.P.: Parabéns Marta, hoje porque vc completaria seus tão sonhados 40 anos, e

sempre porque você soube passar por aqui! Ótima pessoa! Soube dar o melhor em

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todos os papéis que a vida te deu para protagonizar, boa esposa, boa mãe, boa filha,

boa amiga, de bem com a vida e o coração... ahhhhh esse não cabia dentro de você!

Saudades.....Vc não tem idéia da saudade que deixou no coração daqueles que

como eu tiveram o privilégio de cruzar seu caminho! Eu sei como vc era generosa,

sincera, caridosa e amiga, assim como sei que sentirei muito a sua falta para

sempre! Hoje não posso fazer vc rir com uma piadinha boba ou te contar aquelas

besteiras que vc curtia dividir comigo. Hoje não dá, meu coração tá doendo p

caramba! Mas vou rezar, vou rezar muito para que vc fique em paz!

Diferentemente dos outros dois perfis apresentados, a linha do tempo do

perfil de Marta registrou poucas mensagens de aniversário. De dezembro de 2013

e abril de 2014, familiares e amigos/as silenciaram. Somente no dia 3 de abril,

data que não podemos afirmar com precisão se marca alguma ocasião especial,

uma nova atividade é detectada. Quase um ano após a morte de sua esposa, o

viúvo Silvio se manifesta no Facebook pela primeira vez e altera a foto (imagem)

do perfil de Marta, numa espécie de homenagem ao que julgamos ser uma data de

noivado ou casamento. Sabemos se tratar do marido por um dos comentários

publicados.

Figura 02 – Imagem do perfil de Marta Peri alterada em 03/04/2014 por seu esposo.

Outras fotos e mensagens foram publicadas ao longo do ano de 2014. O

aniversário de um ano de falecimento conta com a transcrição da música “Por

enquanto” (Legião Urbana). “Minha querida amiga, um ano sem a sua

companhia”, escreve a autora do post. Exatos dois anos após a morte, em 23 de

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junho de 2015, algumas mensagens ainda são deixadas: “Quando dois anos da sua

partida se passam... eu prefiro lembrar os anos em que pude compartilhar da sua

felicidade... SAUDADES...”, escreve uma amiga.

Chama-nos atenção o fato de que, com o passar do tempo, as mensagens

direcionadas a Marta tornaram-se cada vez mais escassas e pontuais. O último

post data de 26 de agosto de 2015.

6.1.4. Outros perfis de falecidos

Encontramos em nossa pesquisa basicamente a mesma dinâmica de envio de

mensagens aos falecidos em todos os outros profiles que analisamos. Nesse

sentido, tentando não nos tornarmos demasiadamente repetitivos, decidimos

apresentar neste tópico um panorama geral dos demais perfis de falecidos

presentes em nosso trabalho.

L.: Nossa... Em outubro estive com a Rê, a abracei mas nunca imaginaria que seria

o último abraço, que seria as últimas palavras, a última vez que veria aquele rosto

tão bonito... Nossa última conversa no face suas últimas palavras foram “Eu tenho

fé”. E ela tinha, muita fé que tudo ficaria bem. É tudo ficou bem... Nós vamos

chorar por uns tempos, ficar chateados por sua partida até entendermos que agora

ela está bem... Sem dor, sem tristezas e incertezas... Ela está serena agora, com sua

voz mansa como sempre foi... A dor hoje amanhã será saudades e que serão

sanadas quando todos se reencontrar novamente, pois a Rê só fez uma viagem...

Como sempre adorou viajar ela foi na frente... Até o reencontro e fique em paz..

(30/11/2014 – Perfil de Regina Meira, pouco mais de 30 anos, universitária,

falecida em 28 de novembro de 2014 em decorrência de um câncer no cérebro).

M.: Deletei hoje o telefone do meu amigo Pedro Scarpa...é penoso deletar o contato

de um amigo que morreu (...) Deletar amigos que morreram da lista telefônica é

muito duro, imagino que é triste para todos. Viva Pedro Scarpa! (18/04/2015 –

Perfil de Pedro Scarpa, 50/60 anos, jornalista, vítima de um câncer de garganta em

18/03/2015).

N.: Independente do que aconteceu com você tio quero te dar os parabéns sei que

aonde você esta e um lugar magnífico que deus te colocou espero que você possa tá

comemorando ai no céu com seus amigos que se foram o que todos nos queríamos

era que você estivesse aqui com nós festejando essa data maravilhosa au [sic] lado

da sua família te amo tio e sempre vou te amar espero um dia poder ficar do seu

lado (13/12/2015 – Perfil de Anderson Moniz, 37, universitário, assassinado em

07/04/2015).

Os seis perfis que apresentamos até aqui seguem ativos, mas com

pouquíssimos registros atualmente – na verdade, os registros vão gradualmente

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rareando até que, passado aproximadamente um ano do falecimento, não mais

recebem mensagens ou somente em raríssimas ocasiões. Os perfis de Regina,

Pedro e Anderson, por exemplo, apresentam as últimas mensagens nas suas linhas

do tempo em 30 de março de 2015, 1º de fevereiro de 2016 e 13 de dezembro de

2015.

6.2. Perfis-memoriais

Diferentemente destes, destacam-se os perfis que foram transformados em

memoriais por familiares e/ou amigos dos falecidos, que conseguiram provar o

óbito à administração do Facebook e tiveram a oportunidade de assim proceder139.

Como explicado, caso os usuários tivessem solicitado a desativação de suas contas

em caso de morte, o procedimento teria sido realizado tão logo o falecimento

tivesse sido comprovado. Como a opção de criar herdeiros (legacy contact) para

as contas do Facebook ainda não estava disponível quando da criação da maioria

dos memoriais encontrados140, podemos ter certeza de que se trata de casos em

que os donos dos perfis não autorizaram – nem desautorizaram – a manutenção de

suas respectivas contas por terceiros.

Em termos de design os memoriais são muito semelhantes aos perfis. O

novo administrador pode alterar as fotos de perfil e a foto de capa (header), além

de conseguir responder às mensagens enviadas pelos familiares e/ou amigos do

falecido. Todavia, não é possível visualizar as mensagens e conversas que

precedem o falecimento. No que diz respeito à visualização pública do memorial,

este tem sua linha do tempo “apagada” e reiniciada na primeira alteração de foto

de perfil, atividade que detectamos em todos os casos analisados. As mensagens

deixadas, ora acompanhadas de fotos, ora de imagens com dizeres sobre saudade,

amor e sentimentos afins, em geral continuam sendo direcionadas aos falecidos.

139 Antes de 2009 o Facebook não tinha uma política específica para criação de perfis-memoriais.

Neste caso, os familiares e/ou amigos de falecidos optavam por criar comunidades como forma de

homenagear seus entes queridos. Mesmo assim, talvez pela burocracia de reunir documentação

que atestasse o óbito, muitas pessoas optaram por criar comunidades-memoriais em vez de

transformar os perfis de seus entes falecidos em perfis-memoriais. Por terem ambos os tipos o

mesmo fim, homenagear os falecidos, entendemos os dois como memoriais online. 140 O Facebook disponibilizou o recurso em caráter experimental nos EUA em 12 de fevereiro de

2015. No Brasil a opção foi incluída nas configurações de segurança dos perfis somente em

setembro do mesmo ano.

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Quando, em conversa breve e informal via Messenger, questionamos se a

criação do memorial de sua prima Andrea Maria Silva havia de alguma forma

contribuído para a aceitação de sua perda, Renata Silva afirmou:

Sim. Primeiro pq é uma forma de homenagear a pessoa que partiu dessa vida pra

uma melhor. E tb uma forma de estarmos sempre próximo dessa pessoa, pra nunca

cair no esquecimento, embora ninguém esqueça o que está registrado no coração. É

uma maneira de ajudar as pessoas a superar a perda. Pra deixar sempre nítido o

amor e a admiração. (Renata Silva, 20, estudante, em 09/02/2015).

Patrícia Ribeiro, administradora do memorial de seu irmão, Wanderson

Ribeiro, é ainda mais direta: “Sim posso mi desabafar pois sempre falava com

meu irmão no face mandava mensagem pensamentos pra ele todos os dias...”. O

desabafo é compartilhado, assim como a dor sentida e isso fica claro na

publicação feita em 5 de julho de 2015, nove meses após o falecimento de

Wanderson, em que duas usuárias que não faziam parte da rede de conexões do

morto trocam mensagens com a administradora do memorial, isto é, com Patrícia.

Memorial: 9 meses..... O sorriso no meu rosto não e a ausência da minha dor ....9

meses de dor de saudades de vontade de ti abraçar , A pessoa que fez isso não só

tirou sua vida mas também acabou com muitos sonhos, tirou o brilho dos olhos de

nossa mãe que eu sei que ela só está de pé por nós. E se alguém achar um exagero

não julguem por que não sabe como fomos criados não sabe a importância de cada

um na vida um do outro agente somos como um quebra cabeça um completa o

outro agora estamos incompletos ....mas a tua ausência física irmão não nos afastou

e nunca nós afastara estaremos juntos sempre e eu vou ti encontrar não importa

quanto tempo vou ter que esperar .....vou ti encontrar. Te amo te amo te amo um

amor infinito que nem cabe em mim meu menino.

O.: Deus levou o meu filho também , com vinte e dois anos faz um ano e quatro

meses a saudade é eterna.

Memorial: Sinto muito..... nem sei o que dizer por que sei que nada que eu diga vai

diminuir a sua dor mas saiba que se precisar de uma amiga estou aqui eu e minha

família com certeza [sic] um abraço dia 5 de outubro vai fazer 1 ano que meu

irmão partiu .sei sua dor.

P.: A sua dor, me fez lembrar da minha filha! Ela sente muito a falta do irmão que

se foi há um ano! Cauê* e como vc falou; não importa o que os outros pensem:

Que eles descansem em paz, e que a luz divina estará - os iluminando! Creia

amém.

Memorial: Muito obrigado... pela atenção a dor e grande mesmo mas Deus é o

nosso suporte amém um abraço.

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Um memorial que ganhou grande visibilidade foi o de Jéssica Maiara

Garcia141, estudante de 17 anos que foi assassinada no dia 14 de novembro de

2014. O crime comoveu os moradores da pequena São José (SC), e ganhou ainda

mais visibilidade quando ficou confirmado que o tio da jovem, André Luis da

Silva, 47, havia sido o responsável pela morte. Detalhes sórdidos do caso à parte

(atenhamo-nos ao que nos interessa: o perfil-memorial de Jéssica no Facebook).

O que mais nos chamou atenção nesse caso foi o fato de que a página,

inaugurada poucos dias depois do falecimento da estudante, em 21 de novembro

de 2014, se tornou local de “peregrinação virtual” de muitos usuários

desconhecidos da família. Comovidos com o episódio, passaram a deixar

mensagens de apoio aos familiares e em homenagem a Jéssica. A participação

dessas pessoas fica evidente em mensagens como: “Que a justiça seja feita... E

que Deus conforte essa família, pois como sou mãe, imagino a dor dessa mãe e

desse pai... Tenho certeza não tem dor pior...” ou “não conheci vc mais orei muito

por vc”.

Como de praxe, a primeira publicação feita foi a atualização da foto do

perfil da página, ação que registrou 428 curtidas. Os primeiros dois dias

registraram uma intensa movimentação por parte dos usuários junto ao memorial

com 23 publicações contendo links com os desdobramentos da investigação,

informações sobre os pais e o tio, mensagens diversas, além de fotos da própria

Jéssica. No total, a média de curtidas nesse curto período foi de mais de 700

curtidas por post, totalizando mais de 1,2 mil comentários e 560

compartilhamentos. A postagem com uma foto do enterro, acompanhada da

expressão “último adeus”, feita no dia 21/11, recebeu 1.872 curtidas, 120

comentários e 51 compartilhamentos.

O perfil-memorial de Jéssica se difundiu de maneira tão impressionante que

havia recebido, até novembro de 2015, mais de 5.500 curtidas142. O potencial de

divulgação dos compartilhamentos e curtidas, bem como o efeito da dinâmica da

rede, são percebidos pela administração do memorial na mensagem:

Memorial: cada compartilhada nessa página que você der vai ta ajudando a outras

pessoas também acompanharem o fechamento da investigação que ainda tem muita

141 Devido à grande repercussão do caso nas mídias, optamos por utilizar o nome verdadeiro da

homenageada no perfil-memorial. 142 No Facebook é possível curtir tanto um perfil quanto uma comunidade ou uma publicação.

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coisa pra rolar, convide amigos para participar que vai rolar ainda a reconstituição

do crime ACOMPANHEM! (Publicação de 22/11/2014).

Outras duas postagens que convém serem mostradas são as que exortam

explicitamente a participação dos usuários e podem ser vistas nas imagens abaixo.

Figura 03 – Mensagem publicada no perfil-memorial de Jessica Maiara no Facebook convidando os usuários, conhecidos ou não, a postar mensagens póstumas.

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Figura 04 – Usuários que não conheciam Jéssica e sua família se mobilizam para deixar mensagens de apoio aos pais da jovem.

As postagens no memorial de Jéssica mantiveram certa regularidade ao

longo do ano de 2015, sendo quase que semanais, mas é possível perceber um

declínio gradual na participação dos demais usuários. O número de curtidas, assim

como de comentários e compartilhamentos das mensagens, exceto em raras

exceções, foi diminuindo. A última atividade registrada na linha do tempo deste

perfil-memorial data de 29 de dezembro de 2015; uma atualização da foto do

perfil que recebeu 36 curtidas. Desde então, a “peregrinação virtual”

aparentemente cessou143...

Dinâmica semelhante pode ser detectada em todos os demais memoriais que

encontramos. Os dias que se seguem ao falecimento são os que registram a maior

quantidade de atividade por parte dos usuários, assim como os períodos festivos

(Natal e Ano Novo, por exemplo) e as datas especiais, como aniversários de

nascimento e morte. No geral, com o passar do período de aproximadamente um

ano após a morte, as publicações e demais atividades tornam-se escassas.

143 Dizemos “aparentemente” porque não temos como saber se o perfil ainda é acessado por

usuários (familiares, amigos e/ou desconhecidos) que apenas optam por não se manifestar na linha

do tempo do memorial, utilizando o espaço apenas para contemplar as mensagens, as fotos e os

comentários deixados.

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Contudo, algumas exceções foram detectadas. Dos 22 perfis-

memoriais/comunidades-memoriais144, encontramos seis que permaneceram ou

permanecem ainda registrando publicações, ainda que extremamente pontuais,

mesmo passados mais de três anos do óbito. A comunidade-memorial mais antiga

encontrada, que em 21 de novembro de 2015 recebeu sua última publicação, data

de 12 de julho de 2012. As tarefas do luto não são lineares, sendo vividas por cada

pessoa de maneira diferente, não acreditamos que tais casos conflitem com a

percepção geral de que as manifestações maciças ocorrem basicamente ao longo

do primeiro ano após a morte.

6.3. A morte, o luto e o “usuário comum”

As informações que apresentaremos agora são provenientes do questionário

online que aplicamos junto a usuários do Facebook que não estão/estavam, ao

menos à primeira vista, vinculados a qualquer experiência digital que tivesse a

morte como tema. Em outras palavras, não foram usuários que observamos se

manifestar em perfis de falecidos ou que abordamos porque integravam

comunidades como a Profiles de Gente Morta. Por isso, constituem o que

chamamos de “usuários comuns”.

É preciso ainda fazer outra ressalva. Por terem sido disparadas do perfil

pessoal do pesquisador, o questionário atingiu majoritariamente conexões diretas

e conexões de conexões, isto é, perfis de amigos/conhecidos diretamente

conectados à rede do perfil do pesquisador e perfis de terceiros ligados a estes,

respectivamente. Acreditamos que isso explica o fato de que o universo dos 355

participantes seja formado basicamente por pessoas com ensino superior completo

(ao menos 49% dos casos)145.

Com idades que variam fundamentalmente entre 25 e 45 anos (68% dos

casos)146, os participantes são mulheres (72%) e homens (28%) que possuem

144 Perfis transformados em memoriais propriamente, e não utilizados como tais. Contudo, na

prática o objetivo e a forma de utilização são as mesmas. 145 Os demais casos encontrados são formados por participantes com ensino superior incompleto

(5%), ensino médio completo (2%) e/ou que não forneceram informações sobre seu grau de

instrução (44%). 146 Cerca de 12% dos participantes têm idade igual ou superior a 46 anos, 16% menos de 25 anos e

2% não responderam. A título de curiosidade, informamos que o participante mais jovem possui

15 anos e o mais velho 74 anos.

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conta no Facebook há no mínimo três anos (86%), sendo este total formado por

usuários que utilizam essa rede há pelos menos cinco anos (47%)147. Metade das

pessoas se considera religiosa, ou diz possuir algum tipo de crença ou fé em algo

superior148. Do total de participantes, 60% informaram utilizar smartphones para

acessar o Facebook e a Internet149, e impressionantes 84% revelaram que faz isso

“diversas vezes ao dia” – se somarmos a esses os 7% que disseram acessar o FB

ao menos uma vez por dia, temos um total de mais de 90% dos participantes

diariamente atuando na rede.

Cerca de 80% disseram desconhecer os memoriais do Facebook, e quase

90% nunca tinham ouvido falar dos herdeiros dos perfis. Ainda assim, ao serem

questionados se algum amigo, conhecido ou familiar, que também possuía conta

na rede, havia falecido, mais de 70% responderam positivamente e 53%

confirmaram ter utilizado o próprio perfil e/ou o perfil do/a falecido/a para

registrar uma mensagem póstuma. As situações são variadas e revelam variadas

percepções:

Sim, aconteceu de um amigo falecer e a conta dele até hoje está ativa e as pessoas

escrevem no aniversário dele, falando que sentem saudades, que ele esteja em paz.

Eu nunca escrevi nem postei nada depois que ele faleceu. Acho muito estranho a

esposa dele manter o perfil dele, postar foto no perfil dela marcando ele. Enfim,

acho muito esquisito. (Madalena, 34 anos).

Três amigos faleceram e a conta ainda existe no face, e aniversários ou alguma data

comemorativa sempre deixo alguma msg de saudade... (Laércio, 38 anos).

Um amigo veio a falecer. Não vi lógica em escrever um recado na linha do tempo

dele, visto que ele não iria ler. (Diego, 26 anos).

Alguns conhecidos vieram a falecer, e eu não cheguei a escrever uma mensagem,

mas entro para ver as mensagens ou obter algum tipo de informação. Morte é uma

coisa que faz a gente querer ter um último contato com aquela pessoa e por mais

que isso não seja possível por impulsividade acabo entrando na página do/a

falecida. Citando um caso: Um conhecido meu da época que jogava basquete veio

a falecer. Fiquei sabendo muito depois... Ao chegar em casa, ainda um pouco

impactado com a notícia, entrei no facebook dele. O perfil ainda está ativo.

(Frederico, 29 anos).

147 Os dados do tempo de acesso ao Facebook ficaram da seguinte maneira: 4% não responderam;

10% menos de três anos; 38% entre 3 e 5 anos; 43% entre 5 e 8 anos e 5% mais de oito anos. 148 Aproximadamente, 36% dizem ter fé ou creem em algo superior, 32% se dizem católicos, 21%

espíritas, 5% evangélicos, 3% religiões de matrizes africanas, 1% religiões de matrizes orientais, e

2% outros. 149 Dos restantes, 17% utilizam computadores desktops; 16% laptops; 4% tablets e 3% não

responderam.

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Um amigo de muitos anos que morava em porto alegre, faleceu de câncer, e ele era

muito querido por tantas pessoas, gostava de música, poesia, um publicitário com

alma de artista. E quando bate a saudade, quando alguma música me lembra dele

visito o perfil. Enfim, o seu mural virou um monumento da saudade de nós, amigos

órfãos. (Clara, 49 anos).

Usei meu perfil pra entrar em contato com familiares e amigos. E algumas vezes

acabei escrevendo para a própria pessoa, em uma tentativa angustiante de fingir

que nada aconteceu, de negar o processo. Mas ainda assim, eram palavras de

despedida. É muito estranho tudo se manter na rede. Fotos, posts, toda uma

timeline. A vida acaba e essa linha do tempo continua, recebendo posts dos outros,

sendo alimentada pelo universo da pessoa. (Paulina, 27 anos).

Usei o Facebook todas as vezes que houve falecimento de alguém próximo. O

namorado da minha irmã foi assassinado e somente pelo Facebook foi possível

mobilizar tantas pessoas no Brasil para que o caso chegasse à esfera política, sendo

ele um grafiteiro com algum reconhecimento pelo seu trabalho e morto com 6 tiros

por um vizinho que sequer tinha direito sobre o muro que ele pintava. Hoje o

assassino está solto, mas conseguimos mostrar que tipo de pessoa ele é e responde

por diversos processos. (Carlos, 33 anos).

Faleceu meu irmão. Fiquei afônica, creio que foi uma somatização do corpo, e usei

o Facebook um dia depois da sua morte para desabafar e destacar alguns bons

momentos que vivemos. (Jaqueline, 36 anos).

Usei meu perfil para falar da perda do meu pai e avô. Ambos tinham conta no

facebook e nossa família usou os perfis dos falecidos para comunicar somente o

falecimento e a missa de sétimo dia. (Ian, 29 anos).

[...] ontem mesmo foi aniversário de uma grande ativista do movimento das

prostitutas [no Recife] que morreu há alguns anos e eu deixei uma mensagem pra

ela no mural que ainda está em funcionamento. (Diana, 29 anos).

Me recordo de três falecimentos. E em todos eu escrevi um texto no Facebook.

Três amigos queridos. Em dois eu compartilhei foto e falei dos bons momentos. No

outro, que tinha sido um chefe meu, eu falei sobre o aprendizado que tive com ele

durante a passagem dele por aqui. (Patrícia, 25 anos).

Quando um paciente meu faleceu, deixei mensagem registrada lá, com a finalidade

de conforto para família. (Mani, 33 anos).

Acho desnecessário, acho que as pessoas acabam inconscientemente fazendo isso

[deixando mensagens nos perfis] por culpa mesmo, de não ter procurado a pessoa

enquanto ela estava viva. (Maira, 24 anos).

Só houve um caso. A pessoa em questão tinha uma “marca”, à cor magenta. Muitas

homenagens usando a cor como referência à pessoa falecida foram feitas, inclusive

a minha. Pra mim é muito estranho ver a pessoa, hoje, aparecer como marcada em

uma publicação ou ainda, “fulano tem 13 amigos em comum, dentre eles, a pessoa

falecida”. (Marcia, 37 anos).

[...] uma amiga muito querida que faleceu há 1 ano atrás, tinha o perfil na rede, e

ela sempre informava tudo sobre tratamento e estado de saúde, com direito a

registro fotográfico pela rede. Na rede eu postei fotos e mensagens para ela e para

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os familiares, prestei minha última homenagem, a qual repeti no sétimo dia, no

primeiro mês, no primeiro ano... (Alice, 22 anos).

Uma conhecida havia falecido dias antes do seu aniversário sem que eu soubesse.

Mandei uma mensagem no dia, mas em seguida uma amiga dela me avisou do seu

falecimento. (Rogério, 33 anos).

Apesar de versarem sobre casos diversos, os depoimentos acima apresentam

alguns aspectos comuns: o estranhamento e a descrença diante da morte, mas

também a prática de deixar mensagens e depoimentos nos perfis dos falecidos, e a

utilização do Facebook para comunicar o falecimento e as cerimônias fúnebres. A

biografia do/a falecido/a mais do que nunca é escrita por múltiplas mãos...

Cerca de 73% dos participantes que admitiram ter utilizado o Facebook para

publicar uma mensagem póstuma em seu próprio perfil, ou no perfil de alguma

conexão que havia falecido, acreditam que a ferramenta teve um papel importante

diante dessas experiências de luto. “Oportunidade de dividir um sentimento, de se

sentir ouvida e de dar importância e relevância ao fato”, comenta a participante

Dora, 29.

Mesmo os que responderam que o Facebook, no contexto estudado, não

tinha um papel importante, ao justificarem suas negativas, implicitamente

apontaram o contrário. Ou seja, afirmaram que não houve importância no uso da

rede em suas experiências, mas reconheceram certas qualidades no uso da

ferramenta.

Nenhum papel importante, apenas a importância de tentar de alguma forma deixar

uma homenagem [a um] amigo, ou animal que fez parte da história de vida de

alguém. (Laércio, 38 anos).

Acho apenas que serve como propagação da lembrança dessas pessoas, tanto de

forma ativa (ao publicar) quanto passiva (ao ver publicação dos outros e

relembrar). (Raphael, 28 anos).

[...] acredito que naquele momento foi apenas mais uma forma de expressar minha

tristeza. (Rosana, 37 anos).

Exerceu o papel importante de ferramenta auxiliar na catarse da dor da perda e tb

na forma rápida e abrangente de render minha homenagem e admiração à pessoa.

(Marcelo, 52 anos).

Sim e não. É muito bom receber boas mensagens, de qualquer tipo, seja ela

mínima, em um caso de perda te conforta bastante. E não porque foi indiferente, a

pessoa morreu, não vai ver a homenagem, e ao mesmo tempo que mensagens

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positivas te confortam, te fazem lembrar do acontecido com vc tentando esquecer.

(Ester, 16 anos).

Ora, como vimos no primeiro capítulo, a reposição afetiva do objeto perdido

é uma das tarefas do luto. Tal momento passa tanto pela vivência da tristeza e da

dor quanto pela experiência de momentos que compõem estruturalmente os rituais

de passagem. A homenagem é celebração à vida, à memória do morto. Nesse

sentido pode ser entendida como uma etapa nesse caminho de desligamento e

religamento que ocorre entre o indivíduo que vem a falecer e a sociedade da qual

faz – e da qual vai fazer parte, a dos mortos.

Além disso, de uma perspectiva estritamente social, as homenagens se

destinam tanto aos vivos e quanto aos mortos. Mas, como coloca Elias (2001, p.

10) “A morte é um problema dos vivos. Os mortos não têm problemas”. É claro

que o morto não verá a homenagem, não poderá se pronunciar, aprovar ou

desaprovar o ritual escolhido, a roupa com a qual será enterrado ou o local onde

suas cinzas serão jogadas. Os ritos e as homenagens fúnebres que neles estão

presentes auxiliam os vivos a superar o estranhamento causado pelo silêncio da

alteridade que não mais está presente.

Ainda assim, para alguns participantes, o recurso do uso do Facebook como

meio para registro de mensagens aos mortos causa até mais estranheza do que a

ideia da morte em si. “Descobrir a morte de alguém com um post é terrível. É

como descobrir lendo um jornal, sessão de óbitos. Não há calor algum com a

chegada da notícia”, comenta Paula, 27. Segundo Lúcia, 25, constatar esse tipo de

atividade na rede, “só torna os mortos estranhamente mais presentes”. Natália, 45,

é taxativa e diz que tal uso é “sempre negativo [pois] exacerba o sofrimento”.

César, 43, nos fornece um interessante depoimento ao afirmar que “a falta

presencial acredito que protege do sofrimento. O corpo ‘presente’, para mim, faz

parte da ‘estética’ do luto, do sofrimento”.

De fato, este é um ponto para o qual chamamos atenção: o corpo físico é

claramente de natureza diferente da de um potencial corpo digital. Diferentemente

dos que acreditam na digitalização de um “corpo morto” (Rezende, 2007),

entendemos que a dinâmica entre vida, morte, indivíduos e sociedade tem

significado extremamente particular quando atentamos para o fato de que o corpo

físico se decompõe. Um análogo digital ao corpo de um ente pode, no máximo,

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ficar abandonado com o passar do tempo – uma página de um álbum que não se

pode completar. Pode até ser deletado e condenado à aniquilação, encaminhado ao

esquecimento, mas será realizado a um só tempo. Basta um clique para que um

perfil seja excluído.

O corpo, em contrapartida, se despede de maneira radical, usando o tempo

para expor gradativamente sua final fraqueza. Mesmo que seja submetido a

técnicas funerárias que visam a reduzir o corpo ao pó, como a cremação, o hiato

entre o cessar das funções biológicas e a burocracia gerada pelo óbito fornece

tempo suficiente para que uma série de processos físico-químicos sejam

disparados no organismo. Os efeitos logo são sentidos: orifícios devem

permanecer vedados para evitar os odores, a posição do defunto deve permanecer

alinhada levando-se em conta o enrijecimento do cadáver, entre outros.

Nesse sentido, nos parece que o “corpo digital” se assemelha muito mais às

estruturas funerárias, por onde passam aqueles que decidem prestar homenagens a

seus mortos. Um local de peregrinação, um espaço para rememorar, um lugar para

homenagear.

6.4. A comunidade Profiles de Gente Morta

Criada em dezembro de 2004 na extinta rede social Orkut, a Profiles de

Gente Morta é a mais antiga comunidade que reúne perfis de pessoas falecidas e

usuários interessados no tema da morte. A PGM, como é chamada por seus

participantes, chegou a contar com mais de 30 mil membros150, mas hoje, segundo

dados de sua página no Facebook, onde se encontra desde o ano de 2009, é

composta por 16.473 membros151. Dos 127 participantes de nossa pesquisa,

aproximadamente 70% são mulheres152, com idades entre 25 e 45 anos (90%)153, e

ensino superior completo (75%).

150 De acordo com a pesquisadora Renata Rezende (2007), em 5 de agosto de 2006 a comunidade

Profiles de Gente Morta registrava 31.736 membros. 151 Dados de fevereiro de 2016, em https://www.facebook.com/groups/pgmoriginal/?fref=ts,

acesso em 28/02/2016. 152 A pesquisadora Andréia Martins, que atualmente está cursando um doutorado na Universidade

de Bath (Inglaterra), gentilmente nos cedeu alguns dados de um questionário que aplicou junto aos

membros da PGM. Do total de 274 participantes, 85% são mulheres, um percentual aproximado ao

que encontramos em nosso caso. 153 Os dados fornecidos por Martins, que trabalha com duas faixas distintas (16-29 anos e 30-40

anos), mostram que quase 90% dos participantes encontram-se na faixa dos 16-40 anos.

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Aproximadamente 50% dos participantes participam da comunidade há pelo

menos dois anos, sendo que 1/3 do total já está há mais de quatro anos no grupo, e

57% dizem acessar a PGM “diversas vezes ao dia”. Somados aos 19% que ao

menos uma vez ao dia verificam os compartilhamentos da comunidade, conclui-se

que mais de ¾ dos participantes diariamente mantêm contato com o conteúdo

disponibilizado no Profiles de Gente Morta. Em contrapartida, somente 18% dos

usuários informaram acessar o site da PGM na Internet154 com a frequência de

pelo menos uma vez ao dia (12% diversas vezes ao dia; 6% uma vez ao dia). O

uso de dispositivos de telefonia móvel chega a 60% e quando somados ao uso de

laptops e tablets chega a 75%.

A dinâmica da comunidade pode ser resumida na seguinte atividade: a

divulgação de perfis de falecidos e os subsequentes debates acerca das causas das

mortes a eles relacionados. Membros da Profiles, atentos às notícias de óbito que

são veiculadas pelas mídias, utilizam os recursos de busca do Facebook para

tentar encontrar os perfis destes falecidos e os publicam na página da comunidade.

As publicações devem seguir algumas regras estabelecidas pelos administradores

da PGM, sendo obrigatório seu cumprimento sob pena de exclusão da

comunidade. Por exemplo, além de ser terminantemente proibido comentar nos

perfis publicados155, é vedado o compartilhamento de fotos e/ou vídeos do morto

e/ou do acidente, sendo esse o caso, exceto quando em vida e/ou quando estão

associadas a matérias jornalísticas.

Ainda assim, a moderação da Profiles de Gente Morta está sempre atenta a

comentários ofensivos e discussões mais acaloradas, apagando-os e solicitando

que seus membros evitem fazer dos tópicos um espaço de bate-papo – o que quase

sempre tende a acontecer. Por sua vez, os “Tópicos OFF”, como são chamados os

tópicos relativos a falecidos que não possuem conta no Facebook, são destinados

basicamente à morte de pessoas famosas. A padronização dos tópicos é algo

também bastante importante para a dinâmica da comunidade, pois funciona como

uma ficha descritiva e resumida dos principais elementos que compõem o óbito

que está sendo divulgado.

- Não é regra, mas sugerimos que siga o seguinte padrão: símbolo de cruz + nome

154 Atualmente o sítio da PGM encontra-se fora do ar. 155 Apesar disso, 11% dos participantes admitiram que o fazem.

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do falecido + causa da morte + símbolo de cruz. Exemplo: † João da Silva -

leucemia †

Se você não sabe fazer a "cruzinha", pode usar o sinal de +.

Exemplo: † Fulano - Causa mortis ou fato típico †

Quando a causa for desconhecida, apenas postar NSC (que significa Não Sei a

Causa). Preferencialmente postar após o nome o link de site noticiando a morte.

Evitar comentários e opiniões na postagem. Deixar a postagem "limpa" e

resumida. (Padronização dos Tópicos em Regras do Grupo Profiles de Gente Morta

no Facebook).

Os membros do grupo, que de modo geral relacionam-se apenas através da

comunidade156, usam ainda algumas siglas para alertar outros membros sobre os

tópico postados e/ou emitir juízos sobre seu conteúdo: “DEP (Descanse em Paz),

NSC (Não sei a causa), BBBM (Bandido Bom é Bandido Morto), JFP (Já foi

postado), RIP (Rest in Peace), TI (Tópico Inútil)”. Sendo assim, um

compartilhamento na PGM fica da seguinte forma:

Figura 05 – Um compartilhamento feito na comunidade Profiles de Gente Morta.

Quase que a totalidade dos participantes de nosso questionário (98%)

respondeu que acessa o perfil do falecido quando este é publicado na página da

PGM. “Talvez dar mais valor à minha vida e tentar descobrir alguma coisa que

156 Do total de participantes, 83% informaram nunca ter se encontrado pessoalmente com outro/a/s

participante/s da comunidade. Somente 15% disseram já ter vivido tal experiência, e os 2%

restantes não responderam.

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diz que a pessoa sabia que iria falecer”, comenta um membro que não quis se

identificar ao ser questionado sobre sua motivação. “Ver se tem posts públicos,

saber quem era, o que pensava”, acrescenta outro. “Pra saber como era a vida

daquela pessoa em questão no facebook, olhar fotos, ver mensagens de parentes e

amigos”, informa um terceiro.

Especialmente quando se trata de suicídio, tema de maior interesse para

64% dos participantes, vemos que a mobilização é diferenciada157. “O intuito é

humanizar aquela pessoa e dar valor a toda e qualquer vida. É lamentável ver

pessoas aparentemente felizes cometendo suicídio por exemplo. Você acaba

procurando pistas, sinais”, justifica um participante. “Tento encontrar fotos,

procurar entender os motivos em caso de suicídio, ou apenas ver a rotina da

pessoa”, diz outro.

Suicídios me chamam muito a atenção por achar que as pessoas que comentem tal

ato são tão corajosas e ao mesmo tempo não "conseguem" enfrentar suas vidas, não

expõem seus problemas e assim não buscam ajuda, assim como quem muitas vezes

expõe não é ajudado da maneira correta pela família e amigos. (Membro da PGM).

[...] os compartilhamentos, esses chamam minha atenção pelo fato de tentar saber o

que levou a pessoa ao extremo da dor, que quis tirar a própria vida. Ao meu ver,

em muitos casos, se trata de depressão, então, vejo a pessoa como corajosa, em

muitos outros, foi um ato de loucura em um momento de crise, e vejo a pessoa

como covarde. Julgamentos que não cabem a ninguém, mas que são feitos

involuntariamente pela nossa cabeça. Fico muito preocupada com os parentes do

suicida, e quando este namora, também fico muito preocupada com o(a)

namorado(a). (Membro da PGM).

As mortes por suicídio me impressionam bastante principalmente por pessoas

muito novas. Ao acessar o perfil dessas pessoas podemos ver o quanto a depressão

tem matado nossos jovens e quanto essa doença tem sido ignorada pelo nosso

governo. É preciso mais medidas preventivas e recursos ao combate a depressão e

suicídio. (Membro da PGM).

Em todos os depoimentos, mesmo quando não encontramos menção direta

ao termo curiosidade, fica evidente que há um componente do gênero que

estimula os membros da Profiles de Gente Morta a pesquisar e debater casos de

morte. De fato, aproximadamente 66% dos participantes recorreram ao uso dessa

palavra (curiosidade) para justificar sua motivação em fazer parte da comunidade.

A curiosidade sobre a morte, sobre o morto, sobre a família do falecido, sobre os

157 Os dados da pesquisa de Martins revelam que o suicídio é o tema de maior interesse para 64,2%

dos membros da comunidade.

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detalhes do falecimento, sobre as manifestações de parentes e amigos, enfim, a

curiosidade dos que desejam conhecer.

Ao serem solicitados a desenvolver um pouco mais a questão da

curiosidade, alguns participantes responderam:

A curiosidade está relacionada em tentar vivenciar os últimos momentos da pessoa,

sobre o que ela gostava, o que ela deixou de fazer, o que ela poderia ter feito. De

recriar o ambiente familiar que a pessoa viveu, imaginar se a vida dela valeu a

pena. Mas tudo se resume ao fato de ''relembrar'' que a vida não é eterna, e

impulsionada pelas coisas que percebemos que as pessoas deixaram durante o

caminho, realizar os nossos objetivos. (Membro da PGM).

Não sei explicar muito bem. A curiosidade em saber quem era a pessoa, seus

gostos, ver suas fotos advém da perspectiva da minha, ou melhor, da nossa

finitude. É estranho olhar a foto de alguém que há até pouco tempo respirava,

sentia... e agora feneceu. Eu me sinto mais 'tocada' em relação a alguém que

conheci, em relação aos desconhecidos a curiosidade não envolve sentimentos.

(Membro da PGM).

Minha curiosidade nasce da necessidade de mostrar a mim mesma todos os dias,

ali, através dos perfis postados o quanto a minha vida pode ser frágil, o quanto

meus planos para amanhã, podem ser interrompidos bruscamente por um acidente

inesperado e fatal, ou uma doença grave e etc... Vem também da minha

necessidade de todos os dias exercitar minha empatia para com o outro, me

solidarizar com as famílias, amigos e até com o (a) próprio falecido. (Membro da

PGM).

Sou uma pessoa que adora observar as coisas. E eu sempre reflito sobre as ações, o

afeto que deve ser presente sempre com as pessoas mais próximas. E hoje em dia

isso está em falta. As pessoas te deixam por coisas inúteis como as redes sociais. E

quando eu entro em determinados perfis de pessoas mortas, é com o intuito de

observar o arrependimento das pessoas, a falta de demonstração de amor enquanto

elas estão vivas. E algumas mensagens chegam a ser dolorosas, mas me fazem

refletir. (Membro da PGM).

Devido à extensa capacidade do Facebook em registrar e cruzar dados de

naturezas diversas, é possível em boa parte das vezes ter acesso a muitas

informações que podem saciar ainda que parcialmente a curiosidade desses

usuários. No limite, sabemos ser impossível conhecer por completo a vida e a

morte de alguém em seus mínimos detalhes. A morte nos chega sempre através de

outrem. Por isso jamais nos é mostrada em sua totalidade – exceto no momento de

nossa própria morte, quando não mais servimos como testemunhas –, segue

inacessível ao conhecimento. A dúvida então permanece, a chama da curiosidade

não se apaga. Talvez isso explique o fato de que 45% dos participantes admitam

permanecer visitando alguns dos perfis de falecidos após a primeira visita. O

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mosaico de causa e consequência é complexo de se montar, mesmo quando existe

um suporte religioso, místico e transcendental por parte de quem observa158.

Apesar do tema principal da comunidade ser a morte e 68% afirmarem que

acreditam no papel positivo que o Facebook tem no trabalho de luto, quase a

metade dos participantes desconhecia, ao menos até a data da aplicação do

questionário, a existência dos memoriais da rede. Diferentemente dos dados

obtidos em nosso primeiro questionário, onde 63% afirmaram que estiveram

presentes no enterro ou no velório de algum conhecido/a, amigo/a ou familiar com

o qual mantinham contato no Facebook, 71% dos participantes da PGM

responderam que não compareceram presencialmente a qualquer rito fúnebre de

conhecido/a, amigo/a ou familiar nos últimos tempos.

Essa informação nos direciona diretamente para outro tópico que parece

mobilizar a comunidade: os velórios virtuais. Como explicamos no segundo

capítulo, muitas funerárias já transmitem via Internet os velórios realizados em

suas dependências. Esses são links compartilhados pelos próprios integrantes na

linha do tempo da comunidade. Ao menos para 44% dos membros que

responderam o questionário, os velórios virtuais são fonte de prazer e interação

junto a outros usuários. “Gosto de ver os velórios online para ver o quão a pessoa

era em vida. Por exemplo: quantidade de pessoas; quantidade de coroas etc.”,

explica um deles.

Isso na época do Orkut já era uma "diversão" das madrugadas. Eu era mais jovem e

tinha tempo de ficar horas em velórios virtuais [...] Quando eu acompanhava esses

velórios virtuais, acho que a curiosidade era em saber do que a pessoa morreu, a

reação da família, as pessoas ficavam comovidas com falecidos sem

acompanhantes no velório ou com poucas pessoas. Quando era velório de pessoas

novas [...] a comoção era gigante. Acho que tmb [também], pq a maioria das

pessoas que acompanham estes assuntos na internet sejam pessoa mais jovens na

faixa dos 20, 30 anos. (Membro da PGM).

Muitos participantes explicam que gostam de observar a reação das pessoas

presentes no enterro, ver a expressão do falecido no caixão, olhar as

indumentárias e os arranjos de flores que as pessoas deixam. O compartilhamento

de 16 de fevereiro de 2015, um conjunto de links de velórios online reunidos por

158 Aproximadamente 57% dos participantes se julgam religiosos/as, seguem alguma religião ou

dizem ter fé em alguma força superior. Deste total, 34% se dizem católicos, 26%

“espiritualizados”, 15% evangélicos, 14% espíritas, 9% de religiões de matriz africana, e 2% de

outras correntes.

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um dos moderadores da PGM, mostra de modo inquestionável essa dinâmica. Ao

longo de muitos meses os membros da Profiles se reuniram neste link para

comentar sobre as cerimônias e as capturas de tela feitas dos eventos.

“Olha a diferença do caixão”, comenta uma das integrantes ao olhar para

uma das imagens. “Adoro ver essas fotos”, afirma um dos comentários. “É a coisa

mais estranha que já vi na vida”, reconhece outro membro. “Puxa, a senhora da

sala F tá mal arrumada [emoticon de tristeza]”; “Aqueles velórios vazios... triste”;

“Alguns parecem que estão atolados de flores”. Algumas vezes as conversas vão

além de breves comentários e opiniões, podendo se tornar uma troca de

experiências e informações, como se pode ver na imagem abaixo.

Figura 06 – Conversa entre dois membros da PGM durante um velório virtual.

Figura 07 – Captura de tela de um velório online. Destaque para a informalidade dos comentários.

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Figura 08 – Membros da PGM disponibilizam informações sobre os velórios.

Figura 09 – Espectadores debatem sobre os detalhes do velório.

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Figura 10 – A curiosidade sobre a causa mortis movimenta as discussões.

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Figura 11 – A dinâmica das conversas se intensifica quando determinado comportamento fora do padrão é notado.

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6.5. Dois casos marcantes

Aproveitaremos este último tópico para apresentar dois casos que marcaram

nossa trajetória de pesquisa, tanto pelo caráter dramático que assumiram quanto

pela maneira como promoveram o uso do Facebook. Em ambos os casos,

pudemos testemunhar cada um dos momentos que serão descritos, fato que os

tornou experiências ainda mais complexas de serem emocionalmente processadas.

Desafios à parte, passemos então às descrições.

6.5.1. Suicídio “assistido”

O suicídio causa um impacto social por apresentar a liberdade disposta em

termos tão radicais – sou livre para viver a minha morte – que coloca em crise não

só o grupo do qual fazia parte o/a suicida. Em nossa pesquisa na PGM deparamo-

nos com a divulgação do caso de um jovem na faixa dos 20 anos que utilizou seu

Facebook para expor seus últimos momentos. As mensagens trocadas por Leon

Jorge e seus amigos deixam evidente o drama vivido nesse tipo de óbito. O que

aos olhos de um psicólogo poderia ser interpretado como um quadro de

perturbação e/ou desordem mental, para a maioria era apenas mais um caso de um

jovem experimentando a montanha-russa de emoções da vida.

Transformado em memorial, a página hoje não mostra as comunidades da

qual o jovem fazia parte; Temple of Lucifer e Satan são algumas delas, mas ainda

é possível ver todo o histórico de conversas e publicações. Em uma de suas

últimas postagens, em 7 de abril de 2015, lê-se uma frase do Zaratustra de

Nietzsche (“Eu vos digo: se deve ter um caos em si, para poder dar à luz a uma

estrela dançante”). Interpretar esses signos como indícios isolados de que as

coisas não iam bem seria irresponsabilidade de nossa parte, mas quando

percebemos o contexto criado com as mensagens que se seguem a partir do dia 13

de abril, a situação é outra.

Leon Jorge: A Fernanda Mendes é uma P***!!!!

Q: Leon, que isso!?

R: Cara isso não se faz...

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S: Aprenda a resolver as coisas da sua vida sem ter que expor de forma infantil no

facebook. Ainda mais quando se refere a outras pessoas.

T: Calma gente, nêgo deve ter pego o cel. dele... não precisa tacar pedra antes de

saber.

U: Fernanda Mendes ahahahahahahahaha

L.J.: Não gente. É real. A Fernanda me traiu com um guri. Dentro do banheiro. De

uma social na casa do namorado da Tamires. Não tem nada que resolver [...] Ah

cara, se virem, td mundo vai ficar do lado daquela fodida, mas eu já fiz pior,

duvido q a vida dela vai ser a mesma daqui em diante. O q eu fui praquela

desgraçada? [...] Eu quero que vocês façam um rolinho de papel com suas opiniões

e enfiem no c*.

A postagem segue com mais de 40 comentários, muitos deles solicitam que

o jovem fosse um pouco mais sereno e evitasse a agressão, que poderia ter

implicações legais. Reconhecem o momento triste pelo qual Leon está passando,

mas o exortam a “esfriar a cabeça”, argumentando que são coisas de vida, que ele

não deve se deixar abater, e se disponibilizam a conversar com mais calma. Em

contrapartida, alguns poucos passam a estimular o jovem a manifestar sua fúria,

inclusive diretamente no perfil de sua ex-namorada, reforçando seus xingamentos

e opiniões – o post registrou cinco curtidas. O último comentário dessa publicação

parte de uma amiga que simplesmente diz: “Amigo, precisamos conversar”.

Algumas horas depois, Leon volta a se manifestar em sua linha do tempo

com uma nova publicação:

L.J.: Pros curiosos, sim! Eu fui corno. A puta da Flávia Melo (que me bloqueou pq

tem vergonha dos seus atos ridículos) esperou eu ficar mal, bêbado, e chorando pq

NINGUÉM NUMA FESTA INTEIRA, sabia fazer uma conta básica de cálculo, e

quando eu entrei pq estava apertado, ela estava lá no banheiro, CHUPANDO um

filho da p*** q eu nem nunca vi na vida. Querem me julgar de boas (...) , mas eu

tenho problema de pressão e coração e quando eu caí no chão dando um treco,

ninguém quis nem ao menos chamar uma ambulância, inclusive a própria p*** q

ignorou tudo e foi continuar fazendo sei lá o q com o cara dentro do quarto. Eu não

sei se isso é bonitinho pra ela, mas já informei toda a família da puta e vou fazer

questão de ir ter um papo bola com o patrão dela, que afinal é o Deputado (...) Eu

estou todo cheio de hematoma, tomei 2 capsulas de Diazepan 10 MG e nem ao

menos consegui dormir mais de 2 dias. UMA MULHER DESSA, NÃO MERECE

SER CHAMADA DE MULHER, TROÇO, BICHO, NEM MERECE TER UMA

DEFINIÇÃO DE SER SE ALGUÉM AQUI CONHECE, POR FAVOR SAIBA:

EU VOU DESTRUIR A VIDA DELA, COMO SHIVA DESTRÓI UNIVERSOS,

Pq EU, NUNCA trai essa filha da p*** em nenhum segundo da minha vida.

V: Mano, meça suas palavras, isso é papo de cadeia... VC esta denegrindo a

imagem da garota heim [em] caráter mundial... Se ela for cabeça ainda vai usar isso

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contra VC! Relaxa quem nunca um dia foi corno um dia vai ser! E isso é normal

mano! [...]

X: Bem vindo ao mundo dos cornos assumidos kkkkkkkkkkkkkk

Y: kkkkkkkkk o que o chefe da sua ex namorada tem a ver com a vida sexual de

vocês dois (três, já que teve o outro inserido)? nada. Ele vai rir da sua cara de corno

difamador

X: kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

V: Já deu né rapaziada, quando VC foi corno, ngm [ninguém] fez isso cntg

[contigo] não X, qual foi?

Y: [...] esse post é histeria e ressentimento puro

A publicação registrou oito curtidas, 26 comentários e 113

compartilhamentos. Leon não mais se manifestou nesse post, e o que se seguiu foi

uma discussão entre amigos que se dividiam entre fazer piada da situação ou

chamar o jovem à razão. Um grupo de amigos, visivelmente querendo mostrar ao

jovem que ele não precisava encarar o problema com tanta raiva, combina um

churrasco no fim de semana em Santa Cruz, querendo “comemorar o seu ingresso

nos cornos anônimos/assumidos”. Outra amiga solicita aos demais que “respeitem

a dor do cara”. O último comentário dessa publicação diz: “kkkkkkkk. To vendo

que essa porra vai dar uma merda maior ainda com isso que vcs tão falando, o

Leon Jorge já disse que quer virar a Shiva, com o q vcs tão dizendo o kra vai

querer Shaka pra poder fuder a porra toda... manera galera rsrsrs”159.

Ainda em 13 de abril, Leon volta a publicar outro post agressivo, que ainda

assim teve duas curtidas e 14 compartilhamentos.

L.J.: Gnt [Gente], nada contra a tentativa de vcs me ajudarem, mas sinceramente?

Pas [paz] de c* é r***. Eu quero inferno, morte, e não vem com esse papo de

controle pra cima de mim não q só vai piorar, no dia q eu tiver um quarto de

torturar com uma espécie de burro espanhol e utilizar com toda a calma no c* dessa

vadia podrida [sic] e asquerosa, ai sim, eu terei paz de espírito. Conseguiram matar

o pingo de paz q tinha em mim, agora eu sou o caos, e através do caos eu destruirei

tudo, exatamente tudo o q cruzar o meu caminho. Tchau seus merdas.

Z: Vlw [Valeu] Satanás

A’: Leon quero falar contigo whats [WhatsApp] por favor

159 Shaka é um personagem do desenho animado Cavaleiros do Zodíaco.

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150

As publicações silenciam por dois dias. Contudo, em 15 de abril, Leon faz

sua derradeira publicação, antes de se jogar do quinto andar de um prédio. Com

mais 101 compartilhamentos, 42 comentários e sete curtidas (dados atualizados), a

conversa vai se tornando dramática com os insistentes pedidos para que o jovem

não se mate, e na sequência com a constatação da morte.

B’: Leon Jorge Meu irmão, ela não merece o valor da sua vida! Eu te amo... vem

pra casa [emoticon chorando]

C’: Deixa de palhaçada a garota te colocou galhas e vc vai se matar por ela... pois

fiq [fique] sabendo q enquanto vc ta aí ela tá rindo e vivendo a vida dela numa

boa... Pow [Pôxa] cara vc é um cara legal não deixa essa garota te ferrar assim não!

C’: Pow to muito triste por vc ta reagindo dessa forma... cara enquanto a vida for

vida vai ter sempre quem nos decepcione, para de se humilhar.

D’: Sai dessa Leon, se recupere!

E’: Oi Leon, não sei a fundo o q VC esta passando, mas sei q o pouco tempo que

trabalhamos juntos, esse não é o Leon que eu conheci, uma pessoa inteligente,

cheia de planos, super do bem, não se deixe levar por atitudes d pessoas q talvez

não mereça sua consideração, as vezes foi melhor assim, VC que saiu ganhando

pois essa pessoa não te mereça [merecia], ergue sua cabeça e siga seu caminho

garanto que seus amigos estão aqui para te ajudar, bjs.

F’: Gnt ele se jogou da janela do quinto andar e por essa puta, que definitivamente

ñ [não] merece [emoticon chorando]

G’: F’ é vdd [verdade]??? Pelo amor de Deus me responde

C’: Q isso. Sério cara pelamour [pelo amor de Deus] meu amigo. Não brinca não

cara.

H’: Meus Deus [emoticon de surpresa]

I’: Como assim gente?

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151

Figura 12 – Última publicação antes do suicídio.

A descrença dos amigos e amigas de Leon é total, e muitos são literais ao

expressarem isso. Além de tudo, chama-nos a atenção o fato de que a maioria dos

amigos que em comentários anteriores brincavam descontraidamente com a

situação, não mais se pronunciaram. Já era tarde para brincadeiras.

6.5.2. Um perfil e um corpo

Evandro Lages era um ambientalista dedicado e um usuário assíduo do

Facebook. Quase que diariamente postava fotos de seus trabalhos em unidades de

conservação Rio afora e de sua outra paixão, o motociclismo. Costumava sair aos

fins de semana juntamente com outros amigos para fazer trilhas de moto em

lugares distantes, verdes, naturais. A prática fazia com que eventualmente

Evandro ficasse alguns dias sem dar sinal de vida. Em 18 de fevereiro de 2016,

após 12 dias sem estabelecer nenhum contato, amigos e parentes estranharam.

“Atenção. Estamos tentando falar com o Evandro Lages, nosso querido amigo

#Evandro há uns 15 dias e não estamos conseguindo nenhum tipo de contato.

Caso você tenha alguma informação, nos comunique. Desde já agradecemos a

colaboração de todos”, escreve um amigo.

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A publicação de 23 de fevereiro aparece em tom mais preocupante. Uma

foto vem acompanhada do texto abaixo, mas os detalhes da mensagem não são

muito animadores. Além de não fazer contato com qualquer de seus amigos

próximos há mais de duas semanas, Evandro havia deixado seus pertences em

casa.

Figura 13 – A publicação acima teve 212 compartilhamentos no Facebook.

Amigos perguntam se alguém fez algum boletim de ocorrência. Outros

sugerem tentar rastrear as transações bancárias. Às 23h25 do mesmo dia um outro

amigo publica: “Acabei de chegar do IML conferi todas as entradas de indigentes

e identificados desde 06.02.2016 e não o encontrei por fotos. Certo que algo

aconteceu”. Novos compartilhamentos são feitos e a rede de busca se amplia.

Grupos de amigos do meio ambiente e de grupos de motociclismo se mobilizam

para tentar obter informações que pudessem levar ao paradeiro de Evandro. Se ele

saiu no carnaval sem documentos, poderia estar hospitalizado por conta de

ingestão excessiva de álcool, ter perdido a memória ou algo parecido. As

hipóteses são muitas.

Na manhã seguinte, 24/02, a notícia que não nenhum dos envolvidos

gostaria de saber dá fim ao mistério do desaparecimento. Evandro havia caído do

Mirante do Leblon no dia 6 de fevereiro, foi socorrido, mas não resistiu e veio a

falecer na mesa de ressuscitação. Por estar sem documentos, foi encaminhado

diretamente ao Instituto Médico Legal (IML), que após 15 dias tem como

procedimento enterrar os mortos como indigentes. Como a família somente

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constatou que Evandro tinha dado entrada no IML no dia 24, o prazo já havia se

esgotado e o corpo havia seguido para o cemitério de Santa Cruz. Já que o Estado

pagava pelo enterro, o atestado de óbito havia sido emitido, e toda a burocracia

complementar fora cumprida, a família achou melhor não mais interferir.

Assim, o corpo de Evandro foi enterrado no dia 26 de fevereiro de 2016

numa cova comum, como indigente, sem que nenhum velório ou rito fúnebre

tradicional fosse realizado, sem que nenhum de seus amigos estivesse presente

para celebrar sua existência. De modo geral, as homenagens ficaram restritas ao

perfil de Evandro no Facebook, que acabou se tornando tanto o local de

“peregrinação virtual” para onde os amigos e familiares enlutados se dirigiram,

quanto o meio pelo qual as pessoas se mobilizaram para tentar descobrir seu

paradeiro. O Facebook, afinal, acabou permitindo que redes de solidariedade

fossem formadas em tempo, isto é, antes que o corpo de Evandro desaparecesse

para sempre, absorvido pela terra e pelos procedimentos burocráticos do estado.

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