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5 5 Professora titular do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie, onde é Secretária Executiva do Núcleo de Estudos da Reforma (Nuer); é socióloga, doutora em Ciência Sociais da Religião pela Umesp, mestre em Letras e Comunicação pela Universidade Mackenzie. LINGUAGEM, CIÊNCIA E TEOLOGIA NO PENSAMENTO DE PANNENBERG LANGUAGE, SCIENCE AND THEOLOGY ON PANNENBERG’S THINKING Márcia Serra Ribeiro Viana

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    Professora titular do Programa de Ps-Graduao em Cincias daReligio da Universidade Presbiteriana Mackenzie, onde SecretriaExecutiva do Ncleo de Estudos da Reforma (Nuer); sociloga,doutora em Cincia Sociais da Religio pela Umesp, mestre em Letras e Comunicao pela Universidade Mackenzie.

    LINGUAGEM, CINCIA E TEOLOGIANO PENSAMENTO DE PANNENBERG

    LANGUAGE, SCIENCE AND THEOLOGYON PANNENBERGS THINKING

    Mrcia Serra Ribeiro Viana

  • 141LINGUAGEM, CINCIA E TEOLOGIA NO PENSAMENTO DE PANNENBERG, p. 139-152Mrcia Serra Ribeiro Viana

    RESUMOO texto discute a relao entre cincia e teologia enquanto linguagem.Distingue cincia de f e, nesse sentido, indica o conhecimento cientficocomo caminho de construo do conhecimento a partir do controle daobservao e do raciocnio sobre ambas. A teologia tem como objetoDeus, o que um problema, uma vez que objeto no passvel de obser-vao. Os dois conceitos tm, na linguagem, caminho que lhes permitemanifestao coerente e compreenssvel. A autora conclui que, dentreoutros, para Pannenberg a construo de um conhecimento cientficoenfatiza a importncia da postura do investigador como viabilizadora doprocedimento cientfico. A cincia resulta, assim, do mtodo utilizado eno do objeto que o homem busca compreender.

    PALAVRAS-CHAVECincia; teologia; religio; conhecimento; objetividade; mtodo.

    ABSTRACTThis essay presents the relation between science and theology as langua-ge. It establishes the differences between them and, by this means, indi-cates scientific knowledge as a way to get to knowledge constructionbased on observation control and reflexive thought about these observa-tions. Theology has, as its object of research, God; this is a sort of pro-blem, since its object is not available for observation. The two conceptshave, in language, a common process of coherent and comprehensiblemanifestation. The author concludes that, with other writers, Pannenbergthe construction of scientific knowledge emphasizes the importance ofthe researchers posture as the pathmaker for scientific procedure.Therefore, science is a result of the method used, not of the object manwants to comprehend.

    KEYWORDSScience; theology; religion; knowledge; objectivity; method.

  • Nascido em 1928, Wolfhart Pannenberg foi professorde teologia sistemtica na Universidade de Munique,tendo ensinado anteriormente no Theologische Ho-chschule em Barmen-Wuppertal e na Universidade de Maiz.Dentre seus trabalhos, um dos mais mais importantes foi de-senvolvido no assunto de cristologia Jesus Deus e homem(1964, traduzido para o ingls em 1968). Estudou com Barth,bem como na escola de teologia de Bultmann; sua nova teo-logia, bem como o Crculo de Pannenberg grupo de telo-gos que iniciou trabalho conjunto durante o perodo degraduao na Universidade de Heidelberg, nos anos 1950,publicando individualmente e em conjunto nos anos 1960com interesse crescente e evidente no mundo dos anos 1970 posicionam-se contra Barth e Bultmann. Desenvolve umateologia da histria e da revelao enquanto histria, na quala ressurreio de Jesus vista como evento histrico chave deapoio. Rejeita a viso doctica da histria apresentada nas teo-logias de Barth e de Bultmann e, na mesma medida, desen-volver hermenutica distinta de seus professores. A histria, para ele, a chave para a hermenutica e toda a teologia, en-tendendo a histria universal como veculo da revelao indi-reta de Deus (em contraste auto-revelao direta na teofaniano encontro de Barth); a ressurreio, como fato histricotorna-se a chave da hermenutica histrico-teolgica de Pan-nenberg, que d especial ateno ao mtodo histrico. Nohavia como ignorar essa questo, em se tratando de um te-logo que reconhecia a revelao Divina na histria e a ressur-reio de Jesus de Nazar como fato histrico e cerne de suacristologia, ou melhor, de toda sua teologia.

    Teoria de la ciencia y teologia, livro do autor em que ba-seamos nosso texto, tem como tema de trabalho o exame da via-bilidade de vermos e examinarmos a teologia como cincia. Paratanto, desenvolve, na primeira parte do texto, uma discussosobre os diferentes conceitos de cincia e conseqentes influn-cias nas questes de metodologia cientfica. Estabelecida sua po-sio sobre o assunto, passa, na segunda parte, a discutir seutema propriamente dito. H de ressaltar que a questo da meto-dologia fundamental, uma vez que a partir do conceito decincia que se viabilizar, ou no, uma cincia teolgica.

    Quanto metodologia, discute a posio da cincia po-sitiva, sua necessidade de construes de hipteses falseveis,

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  • exame do objeto de estudo a partir da possibilidade de obser-vao, e somente dessa possibilidade, o ausentar-se do sujeitode modo a manter um distanciamento objetivo. Examinandoa questo das cincias da histria, Pannenberg (1981, p. 79)1

    conclui que:

    Os problemas histricos levam, portanto, necesariamente aos

    filosficos; pois o significado de um fato passado no poderia

    ser determinado de modo conclusivo exceto no contexto glo-

    bal da histria [Geschichte] geral. Isso significa que o horizon-

    te de referncia do passado, de fato, no poderia ser determi-

    nado sem a incluso da histria j transcorrida, bem como a

    do presente e a do futuro; essas so dimenses no estabeleci-

    das pelo historiador como campos de competncia de sua dis-

    ciplina.

    Assim, para Pannenberg, a filosofia incluiria as dimen-ses de passado, presente e futuro, enquanto as duas ltimasseriam normalmente excludas pelo historiador de seu campode pesquisa.

    Discutindo a possibilidade de as cincias do espritopoderem ser tratadas como cincia, o autor passa, inicialmen-te, a historiar o termo cincia do esprito, chegando a Dilthey,que estabelece que : [...] por meio de sua liberdade o homemcria um reino da histria, separado do reino da natureza(PANNENBERG, 1981, p. 82), o que, em sntese, funda-menta a autonomia das cincias do esprito. A unidade vitaldessas cincias seria, ento, o indivduo humano, incluindo,posteriormente, os sistemas culturais.

    J para Weber (s.d., p. 29), anlise cientfica, no quetange s cincias sociais, na medida em que resultam de esco-lhas feitas pelo pesquisador, tendo em vista, interesse e pro-blemas investigados. Poder-se-ia dizer, assim, que o mtodoindica uma tica especfica relativa ao mundo e, diretamente,ao problema a ser pesquisado.

    Passa, ento, a discutir a sociologia a partir de Weber,Parsons, G. H. Mead, Habermas e a teoria da ao, enfatizan-

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    1 Todos os textos citados foram traduzidos pela autora.

  • do as mudanas de posies que refletem (PANNENBERG,1981, p. 111):

    As teorias sociolgicas da ao continuam dependendo [...] de

    interpretaes de sentido que, por sua vez, se baseiam na tota-

    lidade do sentido do mundo histrico, presente latentemente

    nas vivncias atuais.

    Dessas mudanas examinadas, destaca-se a posio deWeber, que entende a ao humana como objeto especficoda sociologia, na medida em que a ao humana seria, nessecaso, a relao pessoal com os objetos que tenha sentido maisou menos consciente, estabelecido intencionalmente. Paraesse socilogo, exatamente a inteno subjetiva o senti-do da ao que se busca compreender.

    Eis, portanto, que, para Weber, existe uma relao pa-radoxal entre religio e sociedade, ou seja, no momento emque uma nova idia religiosa lanada como movimento reli-gioso, seus membros j estaro iniciando o processo de sele-o, do cerne da mensagem, dos elementos especialmenterelevantes para o lugar social dos que tenham aderido a talmovimento.

    Pannenberg (1981, p. 111) entende que as teorias so-ciolgicas da ao ainda dependem de interpretaes desentido baseadas [...] na totalidade do sentido do mundohistrico, presente de modo latente nas experincias atuaisde vida.

    Conseqentemente, para ele, as cincias do esprito sdaro conta de sua fundamentao epistemolgica a partir deuma reflexo, igualmente epistemolgica, sobre as condiesdo conhecimento histrico e a formao histrica dos concei-tos em todas as dimenses humanas, inclusive a sociolgica.

    Entretanto, essas posies, para o autor, no do contade um fator, at este momento da discusso, basicamenteimpondervel, ou seja, dos ideais e das realidades espirituais;Pannenberg entende que no do conta de um fator, at estemomento da discusso, basicamente impondervel.

    Tratando do assunto, Troeltsch busca a autonomia dareligio enquanto objeto de exame, concentrando-se na psi-

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  • cologia da religio. Acrescenta, ento, a existncia de umaesfera ideal em que se do [...] as percepes ideais das reali-dades espirituais e os sentimentos ideais de valor, com os cor-respondentes impulsos de vontade (PANNENBERG, 1981,p. 113).

    Entretanto, de onde vm esses ideais? Segundo o mes-mo autor, a esfera da experincia ideal consiste na relao comum poder infinito, ou seja, esses ideais vm da religio pormeio da f em um poder que pode cont-los, poder esse queos estabelece no mundo, garantindo a salvao ao homemque tem essa f. Troeltsch inclui, assim, o futuro na histria.Aponta a possibilidade, ou at necessidade, de abandonar dafundamentao psicolgica da teoria da histria, propondo aalternativa da hermenutica da experincia histrica.

    J para Pannenberg, a superao do dualismo metodo-lgico entre cincias da natureza e do esprito por Troeltschd-se na medida em que confia a fundamentao do conhe-cimento histrico a uma teoria do conhecimento com basemetafsica, ao mesmo tempo que supera os limites desse dua-lismo ao embasar, epistemologicamente, a teologia somentenas cincias do esprito.

    Qual seria o objeto de estudo das cincias do esprito?Fundamentalmente, a unidade vital acessvel nas vivncias,enquanto sistema aberto (no sentido usado por Dilthey); otodo vital, que se d a si mesmo nas vivncias, objeto de in-terpretaes hermenuticas. A partir das consideraes geraissobre a possibilidade de um cincia do esprito autnoma,pode-se, ento, passar a examinar a teologia como cincia pro-priamente dita.

    Pannenberg v a experincia do sentido como objetodas cincias do esprito, desde que algumas condies sejamobedecidas. Dentre elas, a fundamental estabelece que essaconcepo possvel [...] na medida em que o todo vital quese d a si mesmo primariamente nas vivncias, [...] no este-ja constitudo de um aspecto abstrato sistemtico [...] (PAN-NENBERG, 1981, p. 164, grifos nossos).

    O autor estabelece que emprega a idia de unidadevital acessvel nas vivncias no sentido usado por Dilthey, en-quanto sistema aberto temporalmente determinado, com in-dividualidade, interno a si mesmo e com propriedades espe-cficas; o todo vital, que se d a si mesmo nas vivncias, o

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  • objeto das interpretaes hermenuticas. a hermennuticaque indica a compreenso do sentido, cujo objeto a relaodas partes com o todo no campo tensional. O conceito do to-do, por sua vez, pode ser colocado em relao ao modelo e,assim, ser entendido enquanto sistema. Dessa forma, Pan-nenberg entende haver uma relao entre a construo teri-ca em hermenutica e as construes tericas nas cinciasnaturais.

    A questo da teologia como cincia vem sendo discuti-da desde o sculo XIII com o nascimento das primeiras uni-versidades. At ento, a doutrina crist era compreendidacomo distinta da cincia. Estas, segundo Agostinho, deve-riam ocupar-se de coisas temporais, enquanto a sabedoria di-rigiria-se ao eterno. A cincia, como entendida pelo filsofo,deveria estar a servio da sabedoria, na medida em que a pri-meira pode levar ltima. Clemente de Alexandria seguecaminho semelhante, embora entenda, como Plato, a filoso-fia como amor sabedoria, distinta, portanto, da sabedoriapropriamente dita.

    O sculo XIII, escolhendo a Aristteles como autorida-de, entendeu a teologia como a mais nobre das cincias, iden-tificada com a filosofia. Era necessrio estabelecer um sistemade dedues lgicas que partissem de princpios primeiros,reconhecidos como verdades, princpios estes que se encon-travam na teologia, i.e., nos artigos da f.

    J para Toms de Aquino, a teologia uma cincia deri-vada, na medida em que no considera possvel que os indi-vduos tenham conhecimento de evidncias, de porte cient-fico, dos artigos de f. Entretanto, uma vez que Deus conheceessas evidncias, nossa teologia pressupe sua autoridade paraestabelecer a evidncia como existente.

    A teologia vista como cincia prtica, segundo DunsScoto, no sentido em que a palavra Deus relativizada ao ho-mem que questiona sobre Deus e que essa relativizao entra,efetivamente, no conceito de teologia. Assim, possvel odesenvolvimento sistemtico da teologia com base em refe-rncias antropolgicas, nas doutrinas sobre Deus. Pannen-berg (1981, p. 246) encontra em Calov a explicao de que[...] a teologia trata a respeito de Deus no a partir do pontode vista terico, mas sim do prtico, ou seja, como destinofinal do homem.

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  • O questionamento sobre a fundamentao da certezado conhecimento de Deus, confrontado com problemticada existncia do homem, tomava a forma de problema nateologia protestante antiga, na medida em que a autoridadedivina da Escritura era estabelecida como certa. A viso dateologia como cincia prtica decorre, assim, da orientao dadoutrina sagrada enquanto ao necessria ao cristo.

    No sculo XIX, Schleiermacher redefine o papel dateologia na universidade, papel este anteriormente substitu-do pelo domnio da filosofia. Essa retomada de posio resul-tou, em grande parte, da viso de cincia positiva adotada porSchleiermacher.

    Em 1811, define cincia positiva como um conjuntode elementos cientficos elaborados de modo que sua coern-cia e necessidade organizao cientfica resultem do fato deserem indispensveis para soluo de uma tarefa prtica, noda virtude de serem idia da cincia. Em conseqncia, a teo-logia definida como conjunto de conhecimentos e normascientficas cuja posse e uso permitem que a igreja crist sejaguiada harmonicamente e governada.

    Qual seria, pois, o objeto dessa cincia? Eis a primei-ra questo a ser discutida. Seu unitrio Deus; na medidaem que o objeto unitrio, a cincia tambm tem unidadeprpria.

    Para Pannenberg (1981, p. 334-335), o objeto da teo-logia [...] a auto-manifestao indireta da realidade tericanas experincias antecipadas da totalidade de sentido da rea-lidade, em que se baseiam as tradies crentes das religieshistricas.

    Entretanto, a nica maneira de pensar uma cincia deDeus seria a partir do pressuposto que, ao lado de outrosobjetos da experincia, seja oferecida a realidade de Deus.Para Pannenberg, a realidade de Deus, nesse sentido, ofere-cida indiretamente.

    Essa , porm, uma afirmao delicada, pois emborano implique a negao da experincia imediata de Deus, aexperincia religiosa imediata s lograr validade subjetiva(PANNENBERG, 1981, p. 309)

    [...] se fizer, a si mesma, relevante para que os homens com-preendam ao mundo e se compreendam, seja por sua articula-

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  • o em uma linguagem religiosa convencional, seja desviando-se da linguagem da tradio de modo significativo e que ilumi-na a experincia do mundo de seu tempo.

    Portanto, Pannenberg explicita, como condio de acei-tabilidade para a experincia imediata de Deus, sua importn-cia social, ou seja, a efetiva e observvel influncia que a mes-ma experincia tenha no comportamento do sujeito.

    Ora, a teologia indica a intersubjetividade, segundo oautor, como esforo de conhecimento ; portanto, concentrasua ateno na via indireta pela qual a realidade divina ofe-recida, nos passos do mistrio divino, nas coisas do mundo eda vida.

    Ao estabelecer que Deus o tema da teologia enquan-to cincia, Pannenberg tem, como decorrncia natural, a pos-sibilidade de afirmar que esse tema a totalidade a partir doponto de vista da realidade, que de fato determina essa tota-lidade em seus conjunto e elementos.

    Estabelecido o carter predominantemente cristo daviso pannenberguiana, isto , a partir da compreenso dateologia enquanto cincia, o termo Deus h de ser entendidocomo referido realidade que determina o todo, portanto tu-do o que real resulta da realidade divina.

    Ao contrrio da filosofia, para a teologia a realidade sse torna tema de estudo na medida em que concebe Deuscomo a realidade que tudo determina aqui: [...] o problemada totalidade como algo oposto multiplicidade do finito senos impe como uma expresso provisria da unidade quebuscamos (PANNENBERG, 1981, p. 313). O limite doprprio conceito de totalidade uma conseqncia que nodeve ser relevada, ou seja, s possvel entender a idia detotalidade a partir do momento em que colocamos fora dessamesma totalidade a unidade que a unifica: Deus.

    A investigao das religies histricas, pela teologia, tempor objetivo, portanto, indagar at que ponto a realidade deDeus, que a tudo determina como unidade, que unifica todarealidade e se manifesta nessa mesma realidade.

    Dentro de limites, pode-se entender, ento, a teologiacrist como anloga teologia do cristianismo portanto,

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  • uma cincia especial , muito embora, na primeira, as cone-xes com as outras religies sejam examinadas no processo dahistria das religies.

    A segunda questo a ser discutida a possibilidade deas proposies teolgicas terem ou no carter cognitivo. Atque ponto haveria possibilidade de aplicar critrios positivos,i.e., observao pelos sentidos, acessveis de modo universal eem todo e qualquer momento? O conhecimento da revelao, normalmente, dado por meio dos homens, ou seja, pelasformas religiosas. Conseqentemente, no se pode estabele-cer a revelao divina, propriamente, a priori e sim comocomponente de uma religio humana Portanto:

    As tradies religiosas, na diversidade de suas afirmaes sobrea realidade divina e sobre a ao divina, tm de parecer, antesde tudo, religies, portanto expresses da experincia humanae de sua elaborao; somente ento podem ser examinadas emsua confiabilidade e/ou em sua veracidade (PANNENBERG,1981, p. 327).

    Isso porque a validade intersubjetiva da f, enquantoato subjetivo, resulta de sua participao aos outros, por for-mas expressivas convencionais ou de emoes. E a partirdesse momento que h interesse na reflexo crtica quanto aoproblema de sua validade enquanto revelao, como com-preendida por determinada tradio religiosa.

    A validade da intersubjetividade da f torna-se maisimportante medida que Pannenberg (1981, p. 329) diz en-tender como tarefa da teologia examinar as tradies religio-sas em geral em suas teses especificamente religiosas.

    Ora, a linguagem religiosa, em todos os nveis, pressu-pe, alm das expresses lingsticas usadas cotidianamente,outros enunciados que contm assertivas sobre a realidadedivina e a criada por Deus. De fato,

    No se pode pr em dvida que os indivduos que expressamsuas convices religiosas aludem, com tais expresses, a reali-dades especficas, normalmente divinas, criadas por Deus, eque querem afirmar algo sobre elas como verdadeiro (PAN-NENBERG, 1981, p. 335).

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  • A dificuldade, nesse ponto, est em distinguir o fato doobjeto de estudo da afirmao, pois uma proposio assertivaexige que o objeto sobre o qual se afirma algo se distinga daprpria assertiva, ou seja, que haja controlabilidade da asser-tiva. Assim, deve-se examinar a possibilidade de distinguirDeus, enquanto objeto da teologia, das assertivas religiosas eteolgicas sobre ele.

    O autor sugere a soluo na possibilidade de

    [...] demonstrar que a realidade de Deus, [...] se d implicita-

    mente, como realidade que todo o determina, em toda a reali-

    dade finita e particularmente nas estruturas de significado de

    todo fato e de todo acontecimento, que por sua vez se temati-

    zem nas experincias que antecipam a totalidade de sentido da

    realidade (PANNENBERG, 1981, p. 337).

    J o terceiro postulado mnimo trata da controlabilida-de. A maior dificuldade, aqui, que o postulado contm umaoposio em si mesmo, ou seja, h que se aceitar que

    A autoridade divina da Escritura ou o recurso Palavra de

    Deus nela ou na pessoa de Jesus passou tambm a ser afirma-

    o cujo contedo deve estar aberto possibilidade que sejam

    provados, se no se quiser apresentar tal ou qual assertiva, ao

    contrrio, como um gesto lingstico expressivo e vazio de

    conhecimento (PANNENBERG, 1981, p. 338; grifo nosso).

    Toda expresso proposta como assertiva est sujeita acomprovao relativa ao fato que denota, fato este que deveser acessvel enquanto distinto da prpria assertiva. O contro-le da assertiva est relacionado facticidade do fato afirmado,mas:

    1. a realidade de Deus discutvel,

    2. tal controle estaria em contradio com sua divindade.

    Assim, a possibilidade de acessibilidade divindade,com controle cientfico, estaria em contradio com o prprioconceito de divino bem como com o conceito de cincia.

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  • Quanto objetividade da anlise cientfica, no quetange s cincias sociais, diz Weber (s.d., p. 29):

    No existe qualquer anlise cientfica objetiva da vida cultu-

    ral, ou das manifestaes sociais, independente de determina-

    das perspectivas especiais e parciais, graas s quais estas mani-

    festaes possam ser, explcita ou implicitamente, consciente

    ou inconscientemente, selecionadas, para se tornarem objeto

    da investigao ou analisadas e organizadas relativamente ao

    exposto. A razo para tal se deve-se ao carter particular do ob-

    jetivo do conhecimento de qualquer trabalho das cincias so-

    ciais, enquanto estas se propem a ir alm de um estudo mera-

    mente formal das normas legais ou convencionais da

    convivncia social.

    O emprego do mtodo visa, ento, a estabelecer e afundamentar as questes que resultaro em orientao depesquisa, s quais se deseja responder ou cuja resposta e/oudiscusses deseja-se encaminhar segundo perspectiva particu-lar que se torne explicita ao leitor. Poder-se-ia dizer, assim,que o mtodo indica uma tica especfica relativa ao mundoe, diretamente, ao problema a ser pesquisado.

    Como j foi visto, na construo de um conhecimentocientfico, dentre os textos aqui utilizados como referncia,Pannenberg enfatiza a importncia da postura do investiga-dor como viabilizadora do procedimento cientfico. A cinciaresulta, assim, do mtodo utilizado, no do objeto que o indi-vduo busca compreender.

    Em outras palavras, o mtodo trata dos procedimentosque viabilizam a construo do raciocnio cientfico median-te a escolha dos caminhos a serem percorridos.

    REFERNCIAS B IBL IOGRFICAS

    CASSIRER, Ernest. Antropologia filosfica: ensaio sobre ohomem (introduo a uma filosofia d cultura humana). SoPaulo: Mestre Jou, 1972.

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